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Série Autores Gregos e Latinos

Plutarco

Como deve o jovem


ouvir os poetas?

Tradução do Grego, Introdução e Notas


Marta Isabel de Oliveira Várzeas
Série “Autores Gregos e Latinos –
Tradução, introdução e comentário”
ISSN: 2183-220X
Apresentação: Esta série procura apresentar em língua
portuguesa obras de autores gregos, latinos e neolatinos,
em tradução feita diretamente a partir da língua original.
Além da tradução, todos os volumes são também carate-
rizados por conterem estudos introdutórios, bibliografia
crítica e notas. Reforça-se, assim, a originalidade cientí-
fica e o alcance da série, cumprindo o duplo objetivo de
tornar acessíveis textos clássicos, medievais e renascen-
tistas a leitores que não dominam as línguas antigas em
que foram escritos. Também do ponto de vista da reflexão
académica, a coleção se reveste no panorama lusófono
de particular importância, pois proporciona contributos
originais numa área de investigação científica funda-
mental no universo geral do conhecimento e divulgação
do património literário da Humanidade.

Breve nota curricular sobre a autora


Marta Isabel de Oliveira Várzeas é Professora Auxiliar na
Faculdade de Letras do Porto e investigadora do Centro
de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade
de Coimbra. Doutorada em Literatura Grega pela
Universidade de Coimbra (2006), tem publicado vários
trabalhos na área da Literatura Grega, nomeadamente
do Teatro trágico e da Poesia. Como autora ou editora
publicou Silêncios no Teatro de Sófocles, Lisboa, Cosmos,
2001; A Força da Palavra no Teatro de Sófocles. Entre
Retórica e Poética, Lisboa, FCG/FCT, 2009; Retórica
e Teatro – A Palavra em Acção, Porto, Editora UP,
2010; As Artes de Prometeu, Porto, FLUP, 2009;
Retórica e Poética, Coimbra, IUC, 2021. No âmbito
da tradução de textos clássicos, traduziu Plutarco,
Vidas de Demóstenes e Cícero (Classica Digitalia,
2010); Sófocles, Antígona (TNSJ, Húmus, 2011)
e Dioniso Longino, Do Sublime (IUC, 2015). É membro
fundador da Sociedade Portuguesa de Retórica.
Série Autores Gregos e Latinos
Estruturas Editoriais
Série Autores Gregos e Latinos

ISSN: 2183-220X

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Universidade de Coimbra

Todos os volumes desta série são submetidos


a arbitragem científica independente.
Série Autores Gregos e Latinos

Plutarco

Como deve o jovem


ouvir os poetas?

Tradução do Grego, Introdução e Notas


Marta Isabel de Oliveira Várzeas
Série Autores Gregos e Latinos
Título Title
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?
Plutarch. How should young people listen to poets?

Com introdução, tradução do grego e notas de


With introduction, translation from the greek and notes by
Marta Isabel de Oliveira Várzeas
https://orcid.org/0000-0002-1550-4389

Editores Publishers
VÁRZEAS, Marta Isabel de Oliveira
Imprensa da Universidade de Coimbra
Plutarco : como deve o jovem ouvir os
Coimbra University Press
poetas? – (Classica digitalia. Autores
www.uc.pt/imprensa_uc gregos e latinos. Textos gregos)
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Infografia Infographics POCI/2010
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Obra publicada no âmbito do projeto
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KDP

ISSN
2183-220X
ISBN
978-989-26-2236-1
© março 2022
ISBN Digital
978-989-26-2237-8 Imprensa da Universidade de Coimbra
Classica Digitalia Vniversitatis
DOI Conimbrigensis
https://doi.org/10.14195/978-989-26- http://classicadigitalia.uc.pt
2237-8 Centro de Estudos Clássicos e
Humanísticos da Universidade de
Coimbra

Trabalho publicado ao abrigo da Licença This work is licensed under


Creative Commons CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/pt/legalcode)
Plutarco. Como deve o jovem ouvir
os poetas?
Plutarch. How should a young man listen
to poets?

Com introdução, tradução do grego e notas de


With introduction, translation from the greek and notes by
Marta Isabel de Oliveira Várzeas

Filiação Affiliation
Universidade de Coimbra

Resumo
O tratado Como deve o jovem ouvir os poetas faz parte de um conjunto de
cerca de setenta e oito obras de Plutarco, conhecidas pelo nome latino
Moralia. Com ele, o autor regressa ao “antigo diferendo entre poesia e
filosofia”, radicalizado por Platão na República, e resolvido na Poética
de Aristóteles, embora nunca completamente ultrapassado. O tema é
retomado na perspetiva da educação. Mas, ao contrário da proposta
platónica, a de Plutarco vai no sentido de defender e demonstrar as
potencialidades pedagógicas da poesia e o seu papel propedêutico em
relação à filosofia.

Palavras-chave
Putarco – Educação – Poesia – Filosofia

Abstract
The treatise How a Young Man Should Hear the Poets is part of a set
of about seventy-eight works by Plutarch, known by the Latin name
Moralia. With it, the author returns to the “old dispute between poetry
and philosophy”, radicalized by Plato in the Republic, and resolved
in Aristotle’s Poetics, although never completely outdated. The theme
is taken up from the perspective of education. But, contrary to the
Platonic proposal, Plutarch’s seeks to defend and demonstrate the
pedagogical potential of poetry and its propaedeutic role in relation
to philosophy.

Keywords
Plutarch – Education – Poetry – Philosophy.

6
Autora

Marta Isabel de Oliveira Várzeas é Professora Auxiliar na Faculdade


de Letras do Porto e investigadora do Centro de Estudos Clássicos e
Humanísticos da Universidade de Coimbra. Doutorada em Literatura
Grega pela Universidade de Coimbra (2006), tem publicado vários
trabalhos na área da Literatura Grega, nomeadamente do Teatro trágico
e da Poesia. Como autora ou editora publicou Silêncios no Teatro de
Sófocles, Lisboa, Cosmos, 2001; A Força da Palavra no Teatro de Sófocles.
Entre Retórica e Poética, Lisboa, FCG/FCT, 2009; Retórica e Teatro –
A Palavra em Acção, Porto, Editora UP, 2010; As Artes de Prometeu, Porto,
FLUP, 2009; Retórica e Poética, Coimbra, IUC, 2021. No âmbito da
tradução de textos clássicos, traduziu Plutarco, Vidas de Demóstenes
e Cícero (Classica Digitalia, 2010); Sófocles, Antígona (TNSJ, Húmus,
2011) e Dioniso Longino, Do Sublime (IUC, 2015). É membro fundador da
Sociedade Portuguesa de Retórica.

Author

Marta Isabel de Oliveira Várzeas is an Assistant Professor at the Faculty of


Humanities of the University of Porto and a researcher at the Centre for
Classical and Humanistic Studies of the University of Coimbra. PhD in
Greek Literature from the University of Coimbra (2006), she has published
various works in the field of Greek Literature, namely on Tragic Theatre
and Poetry. As an author or publisher she has published Silêncios no Teatro
de Sófocles, Lisbon, Cosmos, 2001; A Força da Palavra no Teatro de Sófocles.
Entre Retórica e Poética, Lisbon, FCG/FCT, 2009; Retórica e Teatro - A
Palavra em Acção, Porto, Editora UP, 2010; As Artes de Prometeu, Porto,
FLUP, 2009; Retórica e Poética, Coimbra, IUC, 2021. In the field of trans-
lation of classical texts, she has translated Plutarco, Vidas de Demóstenes e
Cícero (Classica Digitalia, 2010); Sophocles, Antígona (TNSJ, Húmus, 2011)
and Dioniso Longino, Do Sublime (IUC, 2015). She is a founding member
of the Sociedade Portuguesa de Retórica.

7
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

(Página deixada propositadamente em branco)

10
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Sumário

Sumário 9

Introdução 11

Título e data de composição 11


Conteúdo e estrutura da obra 13
Capítulo 1: Introdução 24
Capítulos 2-3: Princípios teóricos fundamentais 24
 C apítulos 4-6: Formas de obviar aos potenciais
perigos de uma leitura passiva dos poemas 25
Capítulo 7: Ainda sobre a natureza mimética da poesia 25
 C apítulos 8-9: Como distinguir a virtude do vício
nas palavras e atitudes das personagens 25
Capítulos 10-13: Como retirar utilidade dos poemas 26
Capítulo 14: A poesia é conciliável com a filosofia 26

Nota Prévia 27

Plutarco – Como deve o jovem ouvir os poetas? 29

Bibliografia 105
Edições, traduções e comentários de Plutarco 105
 E dições, traduções e comentários
de outros Autores 105
Estudos 106

9
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

(Página deixada propositadamente em branco)

10
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Introdução*

Título e data de composição


O tratado Como deve o jovem ouvir os poetas faz parte de
um conjunto de cerca de setenta e oito obras de Plutarco,
conhecidas pelo nome latino Moralia, correspondente ao grego
Ἠθικά da primeira edição da obra completa levada a cabo
por Máximo Planudes (séc. XIII), que a dividiu entre tratados
morais e biografias1. Não é certo que o título Πῶς δεῖ τὸν
νέον ποιημάτων ἀκούειν, que se encontra nos manuscritos
remanescentes, seja da autoria de Plutarco, ou sequer remonte
ao tempo em que ele viveu. O mais provável é que tenha sido
introduzido em época posterior. No chamado Catálogo de
Lâmprias, uma lista das obras do Queronês datada dos sécu-
los III-IV da nossa era, o tratado está registado com o nome
Πῶς δεῖ ποιημάτων ἀκούειν que, traduzido literalmente,
corresponderia ao português Como se deve ouvir poemas; mas
em todos os manuscritos o título é complementado com τὸν
νέον ‘o jovem’, o que corresponde de forma mais acurada
ao conteúdo do livro. Por essa razão a versão latina do séc.
XVI o intitula Quomodo adolescens poetas audire debeat, ou

* A autora opõe-se frontalmente ao chamado Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa (1990) e não o adota. A ortografia seguida é
da responsabilidade da Imprensa da Universidade de Coimbra, que,
enquanto instituição pública, o exige por imposição legal a que está
obrigada.
1
Sobre a história da obra de Plutarco desde a Antiguidade até ao
séc. XVI, vide Flacelière & Irigoin 1987: CCXXVII-CCCXXIII.
11
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

simplesmente De audiendis poetis, a forma pela qual o texto


ficou mais conhecido.
A tradução portuguesa agora adotada – Como deve o jovem
ouvir os poetas – está, pois, mais próxima da versão latina e, ao
contrário de algumas traduções modernas2, mantém o signifi-
cado mais literal do verbo ἀκούειν ‘ouvir’. Não se ignora que,
na época de Plutarco (séc. I), este verbo já há muito fosse usado
também com o sentido de ‘ler’ ou mesmo ‘estudar’, dado que o
grego não possuía uma palavra para o ato da leitura silenciosa.
Na verdade, durante muitos séculos, a audição pública foi a
única forma de receção da poesia e até de textos filosóficos ou
historiográficos, o que justificará esse vazio lexical; e, mesmo
depois de ser possível a leitura a sós das obras, a leitura em
voz alta continuou a ser a forma mais comum de ler3. No
entanto, a opção que aqui se apresenta, mais do que procurar
manter a correspondência exata com o vocábulo original – que
Plutarco usa frequentemente ao longo do seu texto – justifica-se
sobretudo pelo facto de que, nas palavras ouvir ou escutar, em
português como em outras línguas, está muitas vezes implícito
o ato de estar atento, o de refletir e o de assimilar, significados
que convêm muito bem à forma como Plutarco desenvolve o
seu pensamento acerca do melhor modo de acolhimento da
poesia. Também se afigurou muito adequada a versão latina
do título com a palavra ‘poetas’ em vez de ‘poesia’ ou ‘poemas’
(mais próximas do grego ποιημάτων), porquanto ela me
parece verter melhor a absoluta importância dada aos autores
que, durante muito tempo e ainda neste séc. I, eram objeto
de estudo e reverenciados como modelos da grande poesia;

2
Note-se, entre outras, a de Philippon (1987) Comment lire les
poètes, e a de Hunter & Russell How to Study Poetry.
3
Cf. Knox 1968; Kennedy 1990: 302; Schenkeveld 1992: 130.
12
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e, além disso, porque vai ao encontro da forma pessoalizada


como Plutarco se lhes refere ao longo de uma obra ainda muito
distante da moderna ideia da “falácia da intenção”.
No que diz respeito à data de redação, no estado atual da
investigação não é possível determiná-la com absoluta certeza.
Composto sob a forma de uma carta dirigida ao seu amigo
Marco Sedácio, neste tratado o autor procura responder à per-
gunta sobre o lugar da poesia na educação dos jovens, numa
altura em que os filhos de ambos – Soclaro e Cleandro, respe-
tivamente – estariam em idade escolar. Mas nem a referência
a Marco Sedácio nem a Soclaro ajudam a resolver a questão
cronológica, porquanto do primeiro nada sabemos, e, relati-
vamente ao segundo, ignoramos a qual dos quatro filhos do
autor corresponde. No entanto, porque faz sentido pensar que
este tipo de questões educativas surgiria logo com um primeiro
filho, é provável que se trate do mais velho. Por outro lado,
como a aprendizagem dos poetas fazia parte do curriculum de
estudos dos jovens entre os doze e os dezasseis anos, mais ou
menos, Soclaro estaria nessa idade. Por essa razão, e porque
Plutarco terá nascido cerca do ano 45, a maior parte dos crí-
ticos hoje defende uma data algures na década de 80 do séc. I
para a composição desta obra.

C onteúdo e estrutura da obra


Se as preocupações pedagógicas emergentes no texto
nascem objetivamente da experiência pessoal de Plutarco
como pai e professor, a verdade é que, de forma tácita, porém
insofismável, toda a reflexão do autor parte das ideias de
Platão acerca do papel da poesia na formação dos guardiães
da cidade ideal discutidas na República; e parece responder
13
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

ao desafio lançado por Sócrates no final desse diálogo 4. Aí,


apesar de defender a expulsão dos poetas da kallipolis devido
ao efeito pernicioso das suas falsas ideias sobre os ouvintes,
Sócrates admite o carácter provisório das suas conclusões e o
facto de serem a consequência necessária do método de análise
escolhido (Rep. 388d-e), a ponto de, no livro décimo (607c-e),
tornar claro que, longe de estar encerrado, o assunto continu-
ará em aberto, à espera de revisão posterior:

Mesmo assim, diga-se que, se a poesia imitativa voltada para


o prazer tiver argumentos para provar que deve estar presente
numa cidade bem governada, a receberemos com gosto, pois
temos consciência do encantamento que sobre nós exerce; mas
seria impiedade trair o que julgamos ser verdadeiro. (…) Con-
cederemos certamente aos seus defensores, que não forem poetas,
mas forem amadores de poesia, que falem em prosa, em sua
defesa, mostrando como é não só agradável, como útil, para os
Estados e a vida humana.5

Com De audiendis poetis Plutarco retorna, pois, ao “antigo


diferendo entre poesia e filosofia”6, radicalizado na República
e resolvido na Poética de Aristóteles (1451b), embora nunca
completamente ultrapassado. O tema é retomado a partir
do ponto de visão usado por Sócrates naquele diálogo – o da
educação – e o autor insiste nos mesmos topoi usados pelo
mestre e que continuaram a dar forma às discussões posteriores
acerca daquela arte – o útil e o agradável. Mas, ao contrário

4
A relação deste texto de Plutarco com a República de Platão é
unanimente reconhecida pelos críticos. Cf. e.g. Halliwell 2002: 296 e
Hunter 2009: 175, só para citar alguns dos mais recentes.
5
As traduções da República aqui reproduzidas são da autoria de
Rocha Pereira 51987.
6
Rep. 29d-e.
14
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

deste, a sua proposta vai no sentido de defender e demonstrar


as potencialidades pedagógicas da poesia e o seu papel prope-
dêutico em relação à filosofia, que continua a ser o ponto alto
da paideia helenística.
O valor pedagógico das narrativas fabulosas na formação
dos jovens e particularmente na aprendizagem da filosofia
justifica-se pelo facto de essas histórias proporcionarem
entusiasmo e prazer (χαίρουσι … μεθ’ ἡδονῆς ἐνθουσιῶσι
– 14e), facilitando a assimilação dos conteúdos filosóficos mais
áridos. Plutarco reconhece a impossibilidade e a inconveni-
ência da repressão das emoções, defendendo, antes, que elas
devem ser orientadas no sentido da aprendizagem do bem e da
virtude. O prazer derivado da audição dos poetas pode, afinal,
ter efeitos benéficos.
Isto não significa que ele ignore os problemas morais e
psicológicos que justificavam a rejeição platónica do valor
educativo da poesia7. Pelo contrário, mostra partilhar com o
mestre a preocupação relativamente aos perigos de uma leitura
ingénua e despreparada dos poetas e mantém-se em linha com
algumas das afirmações feitas no livro segundo da República 8.
Sócrates mostrava-se aí aberto à possibilidade de alguns mythoi
servirem para a educação das crianças, desde que veiculassem
valores estimáveis. Defendia, por isso, um ato de vigilância
ou de censura prévia aos futuros autores dessas narrativas
fabulosas, por forma a comporem somente fábulas portado-
ras de uma moralidade edificante. A proposta de Plutarco é
diferente e decorre não de um exercício especulativo, teórico
sobre educação, nem, como na República, de um exercício

7
Sobre as preocupações éticas da educação em Plutarco, vide
Xenophontos 2016.
8
Rep. 377a-c.
15
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

de imaginação em busca do ideal9. Trata-se, antes, de uma


reflexão conduzida por alguém que está a pensar a educação no
mundo real em que vive e onde porventura não é possível nem
vantajoso manter afastados da poesia jovens com tão pouca idade
(15a). Por conseguinte, em vez de proibir, integra, sugerindo
um outro tipo de vigilância – a que consiste em guiar os jovens
na leitura dos poemas para que eles desenvolvam o seu sentido
crítico, a capacidade de discernimento, de juízo – κρίσις – que
os tornará autónomos e capazes de procurar e amar o que é
útil naquilo que dá prazer (14f )10. O poder psicagógico das
narrativas poéticas, de que falava Platão como um perigo, é
implicitamente reconhecido, caso contrário não proporia o
autor formas de contestar e criticar as ações e os comporta-
mentos imorais apresentados nos poemas. O que Plutarco
espera da poesia é que ela possa servir para iniciar o jovem na
aprendizagem do discernimento do bem e do mal que mais
tarde a filosofia há de aprofundar e solidificar. Como Platão,
também ele nega aos poetas o estatuto de seres divinamente
inspirados e garantes de conhecimento verdadeiro. Por isso
recomenda que o jovem não os reverencie como se fossem
sagrados, nem aprove tudo o que lê, mas exerça o seu juízo
com confiança e critique, aprovando ou censurando, o que
encontra nos textos (26b-c).
Se, de facto, o tratado De audiendis poetis foi composto sob
o signo de Platão e em diálogo com ele, a verdade é que em
momento algum o autor assume esse propósito. A presença

9
Em Rep.376d Sócrates convida os outros participantes no diálogo,
com palavras que não deixam dúvidas: Ora vamos lá! Eduquemos estes
homens em imaginação, como se estivéssemos a inventar uma história e
como se nos encontrássemos desocupados.
10
Halliwell 2002: 297 fala de “uma espécie de auto-censura em
substituição da censura política proposta na República de Platão”.
16
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

tutelar do filósofo da Academia é facilmente reconhecível


até nos trechos poéticos selecionados para comentário, que
Plutarco replica e apresenta pela mesma ordem em que surgem
na República11. Mas o seu texto não responde declaradamente
ao repto socrático, nem sequer recorre à citação das palavras
do mestre ou à referência direta ao seu pensamento, senão de
forma difusa e tácita, o que demonstra a ausência de qualquer
intenção polémica. De resto, a própria tese de fundo deste
tratado, que aponta para a possível e desejável conciliação da
poesia com a filosofia, apesar de estar certamente contaminada
por ideias estoicas, não é completamente alheia a Platão que,
nas Leis, diálogo posterior à República, deixara uma porta
aberta para a possibilidade de os poetas continuarem a ser
acolhidos na cidade, quando, pela voz do Ateniense, afirma
não deverem ser rejeitados os poemas que estejam de acordo
com os ensinamentos da filosofia. Plutarco agarra essa possibi-
lidade e expande-a, por forma a resolver os problemas morais e
éticos colocados por uma visão antiga da poesia como verdade
divinamente inspirada e dos poetas como educadores da polis.
Dos primórdios daquele “antigo diferendo” até ao tempo
de Plutarco uma reflexão muito intensa e profícua sobre a
natureza, a função e o estatuto da poesia se fora desenvol-
vendo. Neste longo caminho Platão e Aristóteles marcaram
de forma indelével o modo como estas questões continuaram
a ser pensadas durante vários séculos, no contexto da tradição
peripatética e da escola estoica, entre outras. Em De audiendis
poetis Plutarco revisita, de forma mais próxima, ainda que sem
as referir diretamente, as ideias platónicas e aristotélicas, esta-
belecendo com elas uma colaboração dialética, por assim dizer,
cujo resultado é uma espécie de síntese conciliadora. Mas não

11
Cf. Hunter 2009: 175.
17
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

ignora toda essa tradição secular de pensamento acerca da


poesia, bem patente quer nas referências a pensadores estoi-
cos, quer no uso de uma argumentação eivada de conceitos
e pontos de vista advindos certamente da escola peripatética.
Embora não se trate de um tratado de crítica literária, as con-
siderações expendidas acerca da poesia, que fundamentam as
suas sugestões de abordagem dos textos poéticos, reproduzem
ideias e tópicos desenvolvidos ao longo de séculos de reflexão
sobre este assunto.
O desconhecimento atual da quase totalidade da produção
escrita dos pensadores da escola estoica relativa à temática da
poesia impede-nos de apontar marcas de uma influência direta
na obra do Queronês. Segundo Diógenes Laércio, Crisipo,
citado neste tratado (31e; 34b), teria composto uma obra inti-
tulada Sobre como se deve ouvir poesia (Περὶ τοῦ πῶς δεῖ τῶν
ποιημάτων ἀκούειν), que alguns estudiosos têm defendido
ser a principal fonte de Plutarco para a composição do De
audiendis 12. No entanto, a inexistência desse texto ou sequer
de fragmentos a ele atribuíveis não nos permite quaisquer
certezas sobre o assunto. Apesar de tudo, o que sabemos, quer
através de testemunhos indiretos, quer a partir dos fragmen-
tos remanescentes de autores como Cleantes, por exemplo,
ou ainda através das referências ao tema na obra de autores
como Séneca ou Estrabão, permite-nos filiar algumas ideias de
Plutarco nessa matriz filosófica 13. É conhecido o interesse dos
estoicos pela poesia, que alguns chegaram a cultivar, e a sua

12
Vide Lacy 1948 e Nussbaum 1993.
13
Sobre as possíveis ligações entre este tratado de Plutarco e a
conceção de poesia dos Estoicos, vide Hunter & Russell 2011: 11-15.
18
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

defesa da conciliação entre esta arte e a filosofia 14. No entanto,


como afirmam Hunter & Russel (2011: 12):

“…it is not always easy, particularly in a non-technical


essay auch as How to study poetry, to draw firm distinctions
between positions held by Stoics and those of Middle Plato-
nism, and so the suspicion of Stoic sources or influences must
often remain at the level merely of possibility.”

Sobre a questão das influências, defende Kennedy (1990:


302) que Plutarco “é acima de tudo um platonista, não um
estoico, e uma das suas maiores preocupações era reconciliar
Platão com a tradição educativa prevalecente”. Nesta mesma
linha de pensamento, Philippon (1987: 73-76) acrescenta que,
mesmo quando acolhe ideias de outras escolas filosóficas, o
autor o faz apenas na medida em que elas estejam de acordo
com o pensamento de Platão. Contudo, se isto é verdade a
respeito de algumas ideias estoicas e até epicuristas referidas
no tratado, no caso particular de Aristóteles parece mais difícil
sustentar tal opinião. Plutarco procura, de facto, fazer a síntese
do pensamento de cada um neste domínio particular, mas o
acordo que estabelece é da sua lavra.
Um dos argumentos de claras ressonâncias aristotélicas
usados no tratado é o que parte da definição da poesia como
pseudos e mimesis. Embora estes conceitos traduzam uma
visão tradicional da arte poética e sejam também usados por
Platão, é claramente o ponto de vista de Aristóteles, tal como
o conhecemos da Poética, que emerge em vários momentos da

14
De Lacey 1948: 241 lembra que os Estoicos defendiam que os
grandes poetas, como Homero, tinham sido os primeiros filósofos.
19
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

obra 15. Ao contrário da posição crítica do Filósofo da Acade-


mia, o entendimento da poesia como pseudos é um dado de
partida que o autor acolhe sem reservas morais, rejeitando
liminarmente a verdade factual e filosófica como critério para
a aferição da boa poesia: ποιητικῆι μὲν οὐ πάνυ μέλον
ἐστὶ τῆς ἀληθείας – a poesia não se preocupa com a verdade
(17d). A razão é que no universo poético mentira é ficção ou
τὸ πλαττόμενον λόγωι “aquilo que se fabrica pela palavra”
(16b) –; e isso constitui a própria essência da arte. Por essa
razão, e num claro eco dos exemplos aduzidos por Aristóteles
na Poética para separar a poesia ficcional dos discursos que
se limitam a imitar aspetos formais da elocução poética, os
versos de Empédocles e de Parménides são designados como
logoi, por oposição aos mythoi que caracterizam a poesia digna
desse nome. A própria centralidade conferida ao mythos lembra
inevitavelmente passos da Poética16.
Tal como Aristóteles, Plutarco (18a) insiste nos conceitos
de verosimilhança (εἰκός) e de adequação (τὸ πρέπον) e
defende que a poesia deve ser julgada por critérios artísticos.
O mais importante desses critérios é o que decorre de ela ser
definida como mimesis, ‘imitação’, que só alcança os seus
objetivos estéticos se for verosímil. O reconhecimento das
semelhanças com o real daquilo que é representado na arte
é, em si mesmo, fonte de prazer. É, portanto, a qualidade da

15
Não é absolutamente certo que Plutarco conhecesse a Poética
de Aristóteles. Halliwell 2002: 299 n 5, por exemplo, vê com muitas
reticências a possibilidade de uma conexão direta com o Estagirita,
mas afirma que se deve aceitar uma linha de pensamento peripatética
no tratado. Sobre a presença da obra de Aristóteles em Plutarco, vide
Rostagni 1955: 255-322; Flashar 1979: 79-111; Sandbach 1982: 207-232;
Pérez Jiménez, García López & Aguilar 2000; Roskam, 2009: 25-44.
16
Vide Arist., Po. 1447b; 1450a-1450b; 1451b. R. Hunter and D.
Russell 2011: 88 notam a proximidade entre este passo de De audiendis
poetis e o Schol. Dion. Thrax.
20
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

verosimilhança que está em causa na avaliação da mimese poé-


tica, porque uma coisa é imitar o bem e outra imitar bem (18d).
A mimese não pode almejar fazer do feio belo, mas representar
as coisas de acordo com o que é apropriado, e a representa-
ção apropriada é aquela que respeita as características do
representado.
Também a analogia com a pintura, defendida no início
do capítulo 3 (17f ), remete para Platão e Aristóteles, que, de
formas diferentes e, em certa medida, antagónicas, haviam
retirado profundas consequências teóricas e filosóficas dessa
aproximação entre as artes. Aristóteles aponta para a qualidade
transfiguradora da arte, ao falar do prazer que certas imagens,
repugnantes na vida real, suscitam quando artisticamente
trabalhadas17. Plutarco retoma essas mesmas ideias (18c):

Tal como nos perturba e nos custa suportar o grunhido de


um javali, ou o chiar de roldanas, ou o silvo dos ventos, ou
o bramido do mar, mas nos agrada quando alguém os imita
de forma convincente – como Parménon imita o javali, e
Teodoro as roldanas –; e tal como evitamos olhar para
um homem doente e ulceroso por se tratar de uma visão
desagradável, mas nos apraz ver o Filoctetes de Aristofonte
e a Jocasta de Silânio, representados como pessoas que se
consomem e que estão a morrer; assim também, ao ler as
palavras ou ações do bufão Tersites, do trapaceiro Sísifo, ou
do proxeneta Bátraco, o jovem deve aprender a apreciar a
habilidade e a arte de imitar estas coisas, mas a rejeitar e
censurar as disposições de espírito e as ações que ela imita.

17
Poética 1448b.
21
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Curiosamente, numa parte da discussão em que segue


ideias e afirmações da Poética, Plutarco abre a porta a Platão,
ao recordar o exemplo de Tersites, a personagem homérica 18.
Caracterizando-o como ‘bufão’ (γελωτοποιός), faz eco de
um passo da República em que o Filósofo contava o mito
de Er e usava exatamente o mesmo adjetivo para qualificar
aquela figura da Ilíada 19. Esta é uma forma subtil de lembrar
não só que o próprio Platão criou mitos, narrativas fabulosas,
como ainda não se absteve de neles incluir figuras imorais da
tradição épica. O destino final que o Filósofo dá a Tersites
neste mito escatológico, é o de ser transformado num macaco,
o que significa que a personagem protagoniza uma história
de culpa e castigo, como, de resto, Homero já havia feito na
Ilíada, onde Tersites é ridicularizado e açoitado por Ulisses
devido à sua vilania. Ora esta é precisamente uma das chaves
de leitura que Plutarco oferece para evitar que os jovens se
deixem levar pelos maus exemplos de personagens míticas:
mostrar que elas acabam por ser castigadas. Mas trata-se ainda
de uma estratégia a que frequentemente o autor recorre neste
diálogo intertextual com o mestre e que ilustra outro dos
métodos que aconselha para uma leitura crítica dos poetas
– o de contestar passos moralmente censuráveis com outros
de sentido contrário pertencentes aos mesmos autores20. Por
isso Plutarco, mesmo sem o citar, usa Platão para responder

18
A figura de Tersites aparece em Il. 2. 212-277. Aí ele é apresentado
como uma personagem física e moralmente inferior. Na tradição poste-
rior ficou como o paradigma mítico do insubordinado.
19
Rep. 620c. Este eco platónico é também apontado por Hunter &
Russell 2011: 102.
20
Sobre o diálogo intertextual que estrutura o desenvolvimento das
ideias de Plutarco neste tratado, vide Várzeas 2020.
22
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

a Platão21. Por outro lado, o trecho exemplifica o modo como


o autor aproxima dialeticamente as perspetivas do mestre da
Academia e as do pensador do Liceu, e as entretece com a sua
proposta de solução do problema dos potenciais efeitos nocivos
da poesia – não a fuga, mas a orientação do jovem para o
desenvolvimento da κρίσις22, o sentido crítico. Aqui, vela-
damente, como de forma explícita em muitos outros trechos,
com particular ênfase no último capítulo, convergem poesia e
filosofia: Homero, Platão e Aristóteles.
O tratado desenvolve-se como uma espécie de manual de
preceitos sobre a melhor forma de orientar os jovens na leitura
dos poetas, aspeto bem patente, a nível da elocução, no cons-
tante uso de formas de conjuntivo exortativo (φυλάττωμεν,
εἰσάγωμεν, ἐπιστήσωμεν, διδάσκωμεν) ou de verbos
que traduzem o dever e a necessidade (e.g. δεῖ). Também os
objetivos morais da educação ressaltam nos abundantes quali-
ficativos – adjetivos e advérbios – que evidenciam o propósito
de inculcar nos jovens um profundo sentido do que é bom e do
que é mau, de modo a poderem olhar as personagens e as ações
narradas pelos poetas de forma distanciada, aprendendo a lou-
var o que é louvável e a censurar o que não é. Para realizar este
desiderato, o autor alia às considerações mais teóricas sobre
a natureza da poesia (capítulos 2, 3 e 7) exemplos de análise
e interpretação de passos específicos dos poetas da tradição,
a maioria dos quais colhidos em Homero, o mais estudado

21
Esta estratégia é bem visível, por exemplo, quando o autor lembra
que também Sócrates cultivou a poesia durante algum tempo, tendo
dado forma poética às fábulas de Esopo, por crer que não há poesia
sem falsidade (16c); ou quando recorda que o mesmo Sócrates afirmava
ignorar a verdade sobre assuntos complexos, como o dos deuses ou da
morte (17e).
22
Cf. Van der Stockt 1990 «La krisis qu’il recommande (15D) lui
permet de sauver l’expérience esthétique».
23
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

nas escolas e o mais sujeito ao estudo crítico dos eruditos na


época helenística.
A estrutura geral da obra, sobretudo no que respeita à sua
parte principal – os capítulos que reúnem exemplos práticos –
evidencia um método pedagógico que consiste na progressão
gradual dos assuntos mais simples para os mais complexos23.
Assim se manifesta a ideia geral do carácter propedêutico da
poesia que levará o jovem em direção à filosofia.
Deste modo, pode-se dividir o tratado nas seguintes partes:

C apítulo 1: Introdução
Apresentação das principais linhas de pensamento que os
restantes capítulos desenvolverão: não é possível nem vantajoso
afastar os jovens da poesia; a poesia pode atenuar a dificuldade
dos conteúdos filosóficos que são o ponto alto da educação;
podendo ser proveitosa, mas também nociva, é preciso que o
jovem seja corretamente orientado na sua leitura.

C apítulos 2-3: Princípios teóricos fundamentais


Para a iniciação na leitura dos poetas e para que o jovem
não aceite como verdadeiro tudo o que estes dizem, é preciso
que ele tenha sempre presente que a poesia é essencialmente
falsa e não se preocupa com a verdade; só assim cumpre os
seus objetivos – dar prazer e encantar. Além disso é uma arte
mimética análoga à pintura, razão pela qual o que está sob
avaliação não são as personagens e as ações que ela imita, mas
a arte de as imitar.

23
Sobre a estrutura do tratado, vide o importante artigo de
Schenkeveld (1982).
24
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

C apítulos 4-6: Formas de obviar aos potenciais perigos


de uma leitur a passiva dos poemas

Apresentação de estratégias de leitura e interpretação que


possam responder criticamente a passos censuráveis nos textos
poéticos:
1) Estar atento aos indícios dados pelos próprios poetas
daquilo que pensam acerca das palavras e das ações
das suas personagens. Exemplos disso em Homero são
abundantes.
2) Contrabalançar trechos indecentes com outros de sen-
tido contrário ditos pelos mesmos em lugares diferentes
das suas obras, ou por outros autores renomados.
3) Analisar com pormenor as palavras usadas num deter-
minado contexto; e ter em conta a plurissignificação das
mesmas palavras em contextos diferentes, bem como
o seu uso metafórico, em especial no que respeita aos
nomes dos deuses, ou a conceitos como ‘fortuna’ ou
‘virtude’.

C apítulo 7: A inda sobre a natureza mimética da poesia


Retomam-se e aprofundam-se as considerações mais teó-
ricas sobre a natureza mimética da poesia, daí se retirando a
consequência óbvia de que, sendo uma arte imitativa do real,
a poesia tem de representar verosimilmente tanto a virtude
como o vício.

C apítulos 8-9: Como distinguir a virtude do vício nas


palavr as e atitudes das personagens

1. Heróis como Aquiles tanto podem apresentar palavras


e ações louváveis como outras totalmente condenáveis.
25
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

2. Os jovens não devem obedecer aos poetas como se eles


fosses pedagogos ou legisladores. Devem saber questio-
nar, pôr em causa, refutar e resistir ao que é dito “sem
verdade nem benefício”.

C apítulos 10-13: Como retir ar utilidade dos poemas


1. Visto que um dos objetivos da educação é a formação
e o fortalecimento do carácter, deve-se procurar nos
poemas exemplos da prática das virtudes cardiais –
coragem, temperança, justiça e sabedoria.
2. Versos com ideias censuráveis devem ser corrigidos,
como fizeram Cleantes, Antístenes ou Zenão.
3. O que de útil se encontrar em determinados versos deve
ser aplicado a situações semelhantes.

C apítulo 14: A poesia é conciliável com a filosofia


O que se encontra de benéfico nos poetas deve ser ampli-
ficado com testemunhos dos filósofos, por forma a mostrar a
concordância entre uns e outros. Com a orientação correta, a
alma do jovem abrir-se-á à Filosofia.

26
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Nota Prévia

A tradução tem por base o texto grego editado em Cam-


bridge por Richard Hunter e Donald Russell, em 2011, e muito
aproveitou dos seus preciosíssimos comentários.

27
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

(Página deixada propositadamente em branco)

10
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Plutarco
Como deve o jovem ouvir os poetas?

Marco Sedácio1,[14d]

Se, como dizia o poeta Filóxeno2, a melhor das carnes é


a que não é carne, e o melhor dos peixes o que não é peixe,
deixemos que decidam sobre esta matéria aqueles que Catão3
diz terem o palato mais apurado do que o entendimento.
Mas para mim é evidente [e] que, na filosofia, os que são
ainda muito jovens têm mais prazer nos ensinamentos que
não parecem ser expressos em termos filosóficos nem de
forma séria, e a estes se mostram mais obedientes e receti-
vos. Com efeito, quando percorrem não apenas as fábulas
de Esopo e os resumos poéticos4, mas também o Ábaris de

1
Nada se sabe sobre este amigo de Plutarco.
2
Trata-se provavelmente de Filóxeno de Citera, poeta ditirâmbico
do séc. V-IV a.C..
3
Catão, o Censor (234-149 a.C.), figura de grande relevo na vida
política e cultural de Roma, foi cônsul em 195 e censor em 184. Acér-
rimo defensor das virtudes romanas tradicionais, foi o maior orador do
seu tempo e o responsável pela criação da prosa literária em latim. Dele
compôs Plutarco uma biografia.
4
Em grego τὰς ποιητικὰς ὑποθέσεις. Trata-se de resumos de poe-
mas inteiros ou de alguns episódios escolhidos, quer da epopeia, quer
de tragédias e comédias, que circulavam como textos independentes e
constituíam uma espécie de compêndios de narrativas míticas. Era por
estes resumos que os jovens iniciavam o seu contacto com os poetas.
Muitas destas ὑποθέσεις foram transmitidas nos manuscritos das
peças, e outras têm sido recuperadas em papiros recentemente encontra-
dos. São muitas vezes a única fonte que possuímos para o conhecimento
de algumas peças perdidas. Sobre a pedagogia dos estudos literários na
29
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Heraclides5 e o Lícon de Aríston6, sentem prazer e entusiasmo


com as doutrinas sobre a alma misturadas na ficção. É por
isso que não só devemos velar por que eles se comportem com
decência nos prazeres da comida e da bebida, mas ainda mais,
no que ouvem e leem, devemos habituá-los a usufruir [f] com
moderação do que é agradável, como se de um condimento se
tratasse, e a procurarem o que daí venha de útil e salutar. Tal
como os portões fechados não guardam uma cidade impene-
trável, se por um único ela deixar entrar os inimigos, assim
também o autodomínio sobre os outros prazeres não salva o
jovem, se ele se abandonar [15a], desprevenido, ao prazer dos
ouvidos. Pelo contrário, quanto mais este mesmo prazer se
apodera da sensibilidade e da inteligência naturais, mais ele
prejudica e destrói quem o acolheu, por ter sido descurado.
Pois bem, como porventura não é possível nem vantajoso man-
ter afastados da poesia jovens com tão pouca idade como a que
agora têm o meu Soclaro e o teu Cleandro, temos de os vigiar
muito bem, pois eles precisam mais de orientação nas leituras
do que nas estradas7. Por isso, decidi enviar-te agora por escrito
as considerações sobre poesia que ainda recentemente fiz.
Examina-as [b] e, se te parecer que não são piores do que as

época helenística vide Marrou 1948: 241-262; Morgan 1998; Westaway


1922.
5
Heraclides Pôntico (c. 390-310 a.C.) foi discípulo de Espeusipo,
sucessor de Platão na Academia, e também de Aristóteles. Cícero (Da
natureza dos deuses 1. 34) diz que ele vinha da escola de Platão e que
“encheu livros com histórias infantis” (puerilibus fabulis refersit libros)
acerca dos deuses.
6
Aríston de Ceos (séc. III a.C.), ligado à escola peripatética, foi
provavelmente sucessor de Lícon (c. 299. 225 a.C.) à frente do Liceu.
Cícero (Dos limites extremos 5. 13) faz referência ao seu estilo oratório
harmonioso e elegante (concinnus et elegans), mas carecente da gravitas
e da auctoritas que se esperaria de um grande filósofo.
7
Alusão à função do παιδαγωγός, o escravo que acompanhava as
crianças na rua, designadamente no percurso até à escola.
30
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

chamadas ametistas que, nas festas onde corre o vinho, alguns


penduram ao pescoço e tomam antes de beber8, partilha-as
com Cleandro e fortalece-lhe o carácter, pois, não sendo ele
nada preguiçoso, mas antes muito ativo e brilhante em tudo,
é mais propenso a deixar-se conduzir por estes prazeres.

Na cabeça do polvo existe o mal, mas também nela o bem9,

porque a cabeça é a melhor coisa de se comer, mas provoca


um sono cheio de pesadelos, com visões estranhas e pertur-
badoras. O mesmo se passa com a poesia: nela existe muita
coisa agradável e proveitosa para a alma do jovem, mas não
menos elementos perturbadores e confusos, se a sua audição
não encontrar uma orientação correta. Pois, ao que parece, não
é só da região do Egipto [c] que se pode dizer que

as drogas muitas coisas boas misturadas com muitas coisas más 10

dão aos que as usam; também da poesia se pode dizer o


mesmo.

Aí está o amor, aí o desejo, aí a intimidade


e a sedução, que arrebata até o espírito dos sensatos.11

8
Ametista era o nome dado a uma pedra e a uma planta que se
julgava terem propriedades que protegiam dos efeitos nocivos do vinho
quem a usasse ao pescoço, no caso da pedra, ou a ingerisse, no da
planta. A palavra, em grego ἀμέθυστον (forma neutra do adjetivo),
significa literalmente ‘que não está/ fica bêbedo’.
9
Em grego este provérbio constitui um hexâmetro cuja autoria é
desconhecida.
10
Odisseia 4. 230.
11
Ilíada 14. 216-217.
31
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Com efeito, a ilusão da poesia não atinge apenas os que


são completamente estúpidos e ignorantes12. Por isso, quando
perguntaram a Simónides13 “porque é que só os Tessálios tu
não enganas?” ele respondeu: “porque são demasiado igno-
rantes para serem enganados por mim.” Também Górgias14
[d] disse que a tragédia era um engano no qual quem engana
é mais justo do que quem não engana, e o enganado mais
sábio do que o não enganado. Será, pois, que devemos tapar
os ouvidos dos jovens com uma cera dura e indissolúvel, como
os dos Itacenses, e obrigá-los a levantar as velas de Epicuro e a
fugirem da poesia, passando ao largo15? Ou não devemos antes
guiá-los e protegê-los, mantendo de pé o seu discernimento e
atando-o a um reto juízo, para não ser desviado pelo prazer
em direção ao dano16?

12
Na República 605c Sócrates falara do dano que a poesia pode
causar “até às pessoas honestas, com exceção de um escassíssimo
número”.
13
O poeta Simónides de Céos (séc. VI-V a.C.) cultivou vários sub-
-géneros da poesia grega arcaica e foi um dos primeiros cultores do
epinício.
14
Górgias de Leontinos (c. 485-c.380 a.C.), famoso sofista e mestre
de retórica de quem possuímos, além de vários fragmentos, dois discur-
sos, Encómio de Helena e Defesa de Palamedes.
15
Evocação do famoso episódio do canto das Sereias (Odisseia 12),
em que Ulisses coloca cera derretida nos ouvidos dos companheiros,
para eles não ouvirem os cantos sedutores que os conduziriam à morte,
mas ele mesmo, de ouvidos à escuta, se faz atar, de pé contra o mastro,
para usufruir do seu encantamento, sem a ele sucumbir. A referência
ao içar das velas de Epicuro parece ser o eco de palavras que o filósofo
teria dirigido a um dos seus discípulos, usando a metáfora do barco para
o aconselhar a afastar-se de toda a παιδεία, isto é, da educação tradi-
cional, assente na aprendizagem da poesia e da retórica. Cf. Diógenes
Laércio 10. 6; Quintiliano 12.2. Sobre as ideias de Epicuro a respeito da
poesia, vide Asmis 1995.
16
Plutarco faz corresponder a Ulisses o “discernimento” dos jovens,
que deve ser atado e mantido de pé contra o mastro de um “reto juízo”
(ὁρτῷ τινι λογισμῷ). Traduzi por ‘discernimento’ o conceito de
κρίσις, a faculdade de ajuizar e de distinguir, que, na perspetiva de
32
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Nem o filho de Driante, o poderoso Licurgo,17

tinha um espírito são, porque, quando muitos estavam a


embebedar-se e a comportar-se como bêbedos, foi à volta
[e] das videiras e arrancou-as, em vez de trazer a água das
fontes para mais perto e, como diz Platão, temperar um deus
“enlouquecido, castigando-o com outro deus sóbrio” 18. Com
efeito, a mistura da água afasta os danos do vinho sem destruir
o seu proveito. Por isso, não vamos nós arrancar e destruir a
videira poética das Musas, mas quando o elemento fabuloso e
teatral, arrogantemente encorajado por um prazer sem mistura
com mira na glória, ultrapassa os limites e se alastra, devemos
pôr-lhe a mão, truncá-lo e reprimi-lo; quando, porém, ele
está ligado pela graça de uma verdadeira musa, e a doçura
[f ] sedutora da linguagem não é infrutífera nem vã, então
devemos levar-lhe a filosofia e misturá-la com ele. Tal como
a mandrágora, que se planta junto às videiras, passa para o
vinho as suas qualidades e atenua os efeitos em quem bebe,
assim também a poesia, recebendo os ensinamentos da filosofia
misturados com o fabuloso torna o ensino fácil e agradável
para os jovens. Por isso, quem vai dedicar-se à filosofia não
deve fugir dos poemas; antes, é com os poemas [16a] que deve
iniciar-se na filosofia, acostumando-se a procurar e a amar o

Plutarco, é o verdadeiro alvo da educação para a leitura dos poetas.


A palavra ‘discernimento’ tem a vantagem de conter, por via latina, a
mesma raiz grega.
17
Ilíada 6. 130. Licurgo é uma das personagens míticas conhecidas
pela sua oposição ao deus do vinho, Dioniso.
18
Plutarco parece fazer aqui a defesa implícita de um passo de As
Leis (773c), censurado por alguns críticos, como Longino (Do Sublime
32. 6), que o cita como exemplo do que entendia serem as “metáforas
excessivas e rudes” e “a ênfase alegórica” em que, por vezes, cairia
Platão.
33
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

útil no que é agradável; e a resistir e a mostrar desagrado, caso


ele não exista. Este é o princípio da educação, e

quando alguém começa bem uma obra,


é possível que assim a termine também,

como diz Sófocles19.


2. Por conseguinte, em primeiro lugar iniciemos o jovem
na poesia quando ele nenhuma outra coisa tiver já tão natu-
ralmente assimilado como a ideia de que “os aedos mentem
muito”20, deliberadamente ou não. Deliberadamente, porque
pensam que, quando se trata de dar prazer e de encantar o
ouvinte – objetivo da maioria – a verdade é mais austera do
que a mentira. Com efeito, como é real, mesmo que o resul-
tado não seja agradável, a verdade [b] não muda, enquanto
aquilo que é criado pela palavra facilmente se desvia do que
é doloroso e se volta para o agradável. Pois nem metro, nem
tropo, nem linguagem grandiosa, nem metáfora apropriada,
nem uma harmoniosa ordem das palavras têm tanta sedução
e encanto como a composição bem urdida de uma narrativa
fabulosa. Mas tal como nas pinturas a cor é mais empolgante
do que o traço porque é ela que cria a semelhança com a
realidade 21 e a ilusão, assim também nos poemas é o falso
misturado com o convincente que impressiona e se aprecia,
mais do que o trabalho artístico à volta do metro e da locução
sem uma história fictícia. Por essa razão, o próprio Sócrates

19
Fr. 747 Nauck.
20
Afirmação atribuída ao poeta e legislador ateniense Sólon (séc.
VI a.C.).
21
Traduzi por ‘semelhança com a realidade” a palavra grega
ἀνδρείκελον, isto é, literalmente, ‘algo que é semelhante a um
homem’. Plutarco teria em mente a representação de figuras humanas.
34
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

[c], quando se iniciou na poesia devido a uns sonhos, como


não era um criador de mentiras talentoso nem convincente,
pois toda a vida tinha combatido pela verdade, pôs em versos
as fábulas de Esopo, por achar que não há poesia que não
contenha o falso. De facto, sabemos de sacrifícios sem coros
nem flautas, mas não sabemos de poesia sem fábula e sem
falsidade. Os versos de Empédocles22 e os de Parménides23, os
Teriaka de Nicandro24 e as recolhas de máximas de Teógnis25
são composições que foram buscar à poesia o metro [d] e
a grandeza, como uma carruagem, para fugirem ao registo
pedestre26. Por conseguinte, sempre que um homem distinto

22
Empédocles de Agrigento (c.492-432 a.C.), um dos filósofos
pré-socráticos, autor de poemas como Sobre a natureza e Purificações,
de que restam alguns fragmentos. Na sua atividade confluíam a inves-
tigação científica, a prática da medicina, da adivinhação (fr.112 Diels),
da magia e, segundo Diógenes Laércio (8. 58, 59), da oratória. Plutarco
segue aqui Aristóteles (Poética 1447b), que também o menciona como
exemplo de autores que, apesar de escreverem em verso, não podiam
ser considerados poetas.
23
Parménides de Eleia (séc. V a.C.), outro dos pré-socráticos, autor
de um poema filosófico em hexâmetros, de que possuímos extensos
fragmentos.
24
Trata-se de Nicandro de Cólofon (séc. III a.C.) cujo poema
didático Teriaka versava sobre serpentes e outros animais e insetos
venenosos, bem como dos antídotos para curar os seus malefícios. Nada
nos chegou deste poema.
25
Teógnis de Mégara (VI-V a.C.) cultivou a elegia de teor gnómico
ou moralista. A coletânea dos poemas que lhe são atribuídos, conhecida
por Corpus Theognideum, sofreu várias interpolações desde muito cedo
e poucos são considerados autênticos. Não se sabe se Plutarco estará a
referir-se a uma coleção de máximas que a enciclopédia bizantina Suda
inclui nos seus escritos.
26
Estrabão (1.2.6) explica que a palavra prosa, em grego πεζόν
(literalmente ‘que caminha a pé’), se aplica ao discurso sem metro, e
defende que ela parece mostrar que este desceu do alto e de uma espécie
de carruagem (ὀχηήματος) para o chão. A ideia de que a poesia era
mais elevada do que a prosa era comum, razão que terá levado autores
como Xenófanes, Parménides e Empédocles a optarem pela forma
poética para a exposição do seu pensamento.
35
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e reputado diz nos poemas algo absurdo e desagradável sobre


deuses, ou sobre demónios27, ou sobre a virtude, quem aceita
as suas palavras como verdadeiras é levado e corrompido na
sua opinião; mas quem se lembra sempre e tem uma clara
compreensão da magia que a mentira poética possui e é capaz
de lhe dizer em todas as ocasiões:

ó maquinação mais enganadora do que um lince, 28

“porque franzes o sobrolho, se estás a brincar? Porque finges


ensinar, se estás a iludir?” – então não se persuadirá de nada
de terrível, nem acreditará no que é mau; antes, dominará o
medo de Poseidon e o terror de que ele abra uma fenda na terra
e desnude o Hades29; e dominará [e] a sua raiva contra Apolo
em favor do primeiro dos Aqueus:

o mesmo que cantou o hino, o mesmo que esteve presente na


festa,
o mesmo que disse estas coisas, esse mesmo é quem o matou.30

27
Para os Gregos, os ‘demónios’ (δαίμονες) eram seres sobrenatu-
rais, híbridos de divindades e humanos, que não eram necessariamente
maus. Sócrates, na Apologia (27c-e) diz que “os demónios são deuses e
filhos de deuses”. Cf. Platão, Banquete 202d.
28
Nauck, adespota 349.
29
Evocação da descrição de Hades na Ilíada 20. 61-65. Este mesmo
passo homérico é citado por Longino (Do Sublime 9. 6-7) como exemplo
de um momento sublime no Poema, embora também ele assinale o
carácter ímpio e impróprio de uma tal caracterização dos deuses, que
só uma interpretação alegórica poderia salvar.
30
Platão (República 383b) atribui a Ésquilo estes versos, incluídos
numa citação mais longa, e informa que são ditos por Tétis. Trata-se
do passo de uma tragédia perdida, provavelmente O julgamento das
armas, em que Tétis atribuía a Apolo a morte de seu filho Aquiles (“o
primeiro dos Aqueus”).
36
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

E deixará de chorar Aquiles morto e Agamémnon no


Hades, impotentes e sem forças a estender as mãos com o
desejo de viver. E se porventura ficar profundamente per-
turbado com estes sofrimentos e estiver a ser dominado pelo
veneno, não hesitará em dizer para si mesmo:

Faz por voltar depressa para a luz; todas estas coisas


fica a sabê-las, para mais tarde as contares à tua mulher.31

Pois o que Homero disse desta forma graciosa a respeito


da Nekuia32 foi que ela é uma narração própria de mulheres,
devido ao elemento fabuloso.
[f] Tais são as coisas que os poetas inventam deliberada-
mente. A maior parte, porém, não a inventam, são, antes, as
suas próprias crenças e opiniões que nos infetam com o que é
falso. [17a] Como o que Homero diz sobre Zeus:

E nela colocou os dois destinos da morte dolorosa,


o de Aquiles e o de Heitor domador de cavalos,
e pegando-a pelo meio, pesou-os; baixou o dia fatal de Heitor,
e ele partiu para o Hades, e abandonou-o Febo Apolo.33

Ésquilo compôs uma tragédia inteira à volta desta história,


intitulando-a “Pesagem das almas”; dum lado da balança de
Zeus pôs Tétis e do outro Aurora, a pedirem pelos filhos em
combate. É muito evidente que esta é uma ficção poética e

31
Odisseia 11. 223-224: palavras da mãe de Ulisses para seu filho
quando este desce ao Hades para consultar o adivinho Tirésias.
32
Nome por que ficou conhecido o episódio da Catábase, ou Des-
cida ao Hades, mencionado na nota anterior.
33
Ilíada 22. 210-213.
37
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

uma invenção para agradar e impressionar o ouvinte. Mas este


verso:

Zeus, que dispensa a guerra aos homens,34

[b] e estes:

Um deus faz nascer um motivo para os mortais


quando quer a ruina completa de uma casa,35

já são ditos de acordo com a opinião e a crença dos poetas,


que trazem até nós e nos transmitem o seu próprio engano e
ignorância acerca dos deuses. Também são muito poucos os que
não percebem que as histórias prodigiosas sobre o mundo dos
mortos e as descrições com nomes assustadores, que criam visões
e imagens de rios a arder, lugares selvagens e penas horríveis
trazem à mistura, como veneno na comida, muito de fabuloso e
falso.36 Nem Homero [c], nem Píndaro, nem Sófocles estavam
convencidos destas coisas quando escreveram assim:

Daí vomitam uma escuridão sem fim


lentos rios de negra noite 37

ou:

passavam junto às correntes do Oceano e à rocha de Lêucade 38

Ilíada 4. 84.
34

Platão (República 380a-b) cita estes versos atribuindo-os à Níobe


35

de Ésquilo, tragédia para nós perdida.


36
Evocação das palavras de Sócrates (República 387c), apelando
à rejeição desses “nomes terríveis e medonhos”, que designam rios e
espaços do Hades.
37
Píndaro, fr. 130 Maehler.
38
Odisseia 24. 11.
38
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

ou:

estreito do Hades, fluxo e refluxo do abismo.39

E considerando a morte miserável e terrífica a falta de


sepultura, quantas palavras de lamento e temor proferiram,
como estas:

ao regressares, não me deixes para trás sem ser chorado e


sepultado,40

ou:

e a alma evolou-se dos seus membros e foi para o Hades


lamentando o seu destino, pois deixava a virilidade e a
juventude,41

ou:

não me mates antes de tempo, pois doce é contemplar a luz;


não me obrigues a ver o que está sob a terra [d].42

Estas palavras são de quem sofreu e já foi capturado pela


opinião e pelo engano. Por isso, mais afetam e perturbam
quem está contaminado pelo sofrimento e pela fraqueza da
qual elas provêm. Por essa razão, devemos preparar o jovem
logo de início para ter sempre na memória que a poesia não se

Fragmento de uma tragédia de Sófocles de que nada se conhece.


39

Odisseia 11.72: palavras de Elpenor a Ulisses.


40
41
Ilíada 16.856-857 = 22.362-363. No primeiro caso o narrador
refere-se a Pátroclo, no segundo a Heitor.
42
Eurípides, Ifigénia em Áulide 1218-1219.
39
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

preocupa com a verdade; e que a verdade sobre estes assuntos


é difícil de captar e de compreender até para aqueles que a
mais nada se dedicam senão ao conhecimento e à compreensão
da realidade, como eles próprios reconhecem. Que ele tenha
presentes as seguintes palavras de Empédocles:

Assim, estas coisas não são visíveis aos homens, nem audíveis,[e]
nem podem ser captadas pelo espírito43

e as de Xenófanes:

e nenhum homem existiu nem algum existirá que tenha claro


conhecimento acerca dos deuses e acerca de todas as coisas que
eu digo,44

e, por Zeus! as de Sócrates, em Platão, quando nega sob jura-


mento o conhecimento destes assuntos. Ao verem os filósofos
vacilantes nestas matérias, os jovens darão menos atenção aos
poetas que pretendem ter conhecimento delas.
3. Para prender ainda mais a atenção do jovem na iniciação
aos poemas devemos mostrar-lhes que a poesia [f] é uma arte
mimética e uma faculdade análoga à pintura. Mas que ele não
tenha apenas no ouvido aquela expressão muito batida de que
“a poesia é uma pintura que fala [18a], e a pintura uma poesia
muda”45. Devemos ensinar-lhe, além disto, que, quando vemos
a pintura de um lagarto, ou de um macaco, ou do rosto de
Tersites46, sentimos prazer e ficamos maravilhados não com a

43
Fr. 2. 7-8 Diels-Kranz.
44
Fr. 34. 1-2 Diels-Kranz.
45
Frase atribuída a Simónides. Sobre este poeta, vide supra n. 12.
46
Personagem da Ilíada, cuja fealdade física e moral constitui exce-
ção entre as figuras da epopeia. É descrito como o mais feio dos Aqueus,
40
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

beleza, mas com a semelhança. É que, na sua essência, o feio


não pode tornar-se belo; e a imitação, seja de uma coisa má
seja de uma coisa boa, merece louvor se alcançar a semelhança.
Pelo contrário, se criar uma imagem bela de um corpo feio,
não representa o que é apropriado e verosímil. Alguns pintores
também representam ações repugnantes, como Timómaco 47,
que pintou Medeia a matar os filhos; Téon48, Orestes a matar
a mãe; Parrásio49,[b] Ulisses fingindo-se louco; e Queréfanes50,
mulheres a terem relações indecentes com homens. O jovem
deve acostumar-se a isto principalmente, aprendendo que
não é o ato de que nasce a imitação que nós louvamos, mas
a arte, isto é, se o seu objeto está imitado convenientemente.
E como também muitas vezes a poesia conta de forma mimé-
tica más ações e vis paixões e costumes, o jovem não deve
aceitar como verdadeiro nem considerar belo o que essas
coisas têm de admirável e bem feito, mas louvá-las apenas
por corresponderem e estarem de acordo com a figura repre-
sentada. Tal como nos perturba [c] e nos custa suportar o
grunhido de um javali, ou o chiar de roldanas, ou o silvo dos

com as pernas tortas, coxo, ombros curvados, cabeça pontiaguda e


cabelo ralo. Cf. Ilíada 2. 216-219.
47
Timómaco de Bizâncio (séc. I a.C.). Este pintor é referido em
Plínio (História Natural 7. 39) e na Antologia Palatina 135-143. Cf.
Martins de Jesus 2017.
48
Téon de Samos (séc. IV a.C.). Cf. Quintiliano 12. 10. 6.
49
Parrásio de Éfeso (séc. V-IV a.C), contemporâneo de Zêuxis com
quem teria rivalizado, era considerado um dos maiores pintores da Anti-
guidade. Cf. Plínio, História Natural 35. 36, 40. O quadro representaria
um episódio não referido nos Poemas Homéricos, mas decerto num
do chamado Ciclo Épico, intitulado Cypria, que contava as histórias
anteriores à Ilíada. De acordo com essas narrativas, Ulisses ter-se-ia
fingido louco para evitar integrar a expedição a Troia.
50
Nome desconhecido. Há quem pense tratar-se de uma confusão
com o pintor Nicófanes (séc. IV a.C.), a quem Ateneu (13.567b) se
refere como pornographos. Cf. Plínio, História Natural 35. 36.
41
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

ventos, ou o bramido do mar, mas nos agrada quando alguém


os imita de forma convincente – como Parménon51 imita o
javali, e Teodoro52 as roldanas –; e tal como evitamos olhar
para um homem doente e ulceroso por se tratar de uma visão
desagradável, mas nos apraz ver o Filoctetes de Aristofonte53
e a Jocasta de Silânio54, representados como pessoas que se
consomem e que estão a morrer; assim também, ao ler as
palavras ou ações do bufão Tersites55, do trapaceiro Sísifo56,
ou do proxeneta Bátraco57, o jovem deve aprender a apreciar
a habilidade e a arte de imitar estas coisas, mas a rejeitar [d] e
censurar as disposições de espírito e as ações que ela imita. É
que imitar o bem não é o mesmo que imitar bem. Imitar bem
significa de forma adequada e conveniente; e o conveniente e
adequado para coisas feias são as coisas feias. Demónides58, o
coxo, quando ficou sem as sandálias, desejou que coubessem

51
Trata-se provavelmente de um ator cómico referido pelo orador
Ésquines (1. 157). Cf. Hunter & Russell 2011: 101.
52
Actor trágico do séc. IV a.C., mencionado por Aristóteles na
Política 1336b, e elogiado na Retórica 1404b pela naturalidade com que
assumia as vozes das personagens.
53
Aristofonte de Tasos (séc. V a.C.), pintor e irmão do famoso
Polignoto. Cf. Plínio, História Natural 35, 138.
54
Silânio de Atenas (séc. IV a.C.) era escultor.
55
Vide supra n. 44. Já Homero (Ilíada 2. 215-216) diz que a fala des-
propositada de Tersites suscitava o riso dos seus companheiros; e Platão,
na narração do mito de Er (República 620c), chama-lhe γελωτοποιός,
o qualificativo aqui retomado por Plutarco.
56
Sísifo era protagonista de diversas histórias em que se revelava
como ardiloso e trapaceiro, tentando enganar os deuses, o que lhe
custou o suplício no Hades. Em algumas versões do mito, narradas nos
Poemas do Ciclo Épico e de que a tragédia faz eco, seria pai de Ulisses,
a quem teria transmitido essas mesmas características.
57
Personagem de comédia.
58
Esta mesma história, protagonizada por Damon, um treinador de
ginástica, é contada por Téon nos Progymnasmata 100, como exemplo
de creia, isto é, de uma breve anedota sobre uma determinada pessoa, a
partir da qual os alunos faziam exercícios de composição.
42
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

nos pés de quem lhas tinha roubado, porque, apesar de nada


valerem, ajeitavam-se aos seus pés. Ora estas palavras:

Se é preciso cometer injustiça,


o melhor é cometê-la pelo poder 59

e estas:

Faz por ter a aparência de um homem justo,


mas age como aquele que tudo faz, e assim terás proveito;60

e estas:

O dote é um talento. Não o aceito? E há vida para mim [e]


se eu recusar um talento? E poderei eu dormir
se o rejeitar? Não serei castigado no Hades
por impiedade contra um talento de prata? 61

são vis e falsas, mas adequadas a Etéocles62, a Ixião63 e a um


velho agiota. Por conseguinte, se lembrarmos aos nossos

59
Eurípides, As Fenícias 524.
60
Nauck, adespota 4. Embora inclua estes versos entre os de autoria
anónima, Nauck considera muito provável a sua atribuição à tragédia
Ixião de Eurípides, a que Plutarco faz referência mais abaixo (19e).
61
Kassel-Austin, adespota 707.
62
Depois de Édipo ser banido de Tebas como parricida incestuoso,
os filhos, Etéocles e Polinices, fazem um acordo para exercerem o
governo alternado da cidade. Porém, Etéocles recusa-se a ceder o lugar
ao irmão no final do primeiro ano no poder. Este é o conflito central
da tragédia As Fenícias de Eurípides. Sófocles trata-o também na sua
última peça Édipo em Colono.
63
Ixião, outra personagem mítica, é um dos supliciados do Hades.
Tentou seduzir Hera, a esposa de Zeus, mas este substituiu-a por uma
nuvem com a qual Ixião gerou os Centauros. Desta história, na versão
latina, proveio o provérbio “Tomar a nuvem por Juno”.
43
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

filhos que [f], ao escreverem estas coisas, os poetas não estão


a louvá-las nem a aceitá-las, mas a atribuir a costumes e
personagens ignóbeis e indecentes características indecentes
e más, eles não poderão ser prejudicados pela opinião dos
poetas. Pelo contrário, a desconfiança em relação a uma
personagem denuncia as suas ações e palavras como algo
indecente, dito e praticado por alguém indecente. Como,
por exemplo, quando Páris foge da batalha e vai para a cama:
como Homero não apresenta nenhum outro homem a deitar-se
de dia com uma mulher senão este depravado e adúltero, é
claro que considera tal incontinência motivo de vergonha e de
reprovação.
4. Nestes casos [19a], tem de se ver com muita atenção se
o próprio poeta dá alguns indícios de que o que é dito não lhe
agrada. Como fez Menandro64 no prólogo da Taís:

Canta-me, ó deusa, uma mulher assim:


descarada, bela e também sedutora,
injusta, que muito recusa, muito pede,
a ninguém tem amor e está sempre a fingir.65

Mas Homero é o melhor a usar este tipo de recurso, pois


antecipa-se a denunciar o mal e a recomendar o bem daquilo
que se diz. É assim que recomenda: [b]

e logo falou uma palavra doce e prudente, 66

64
Comediógrafo (344/43-292/91 a.C.), representante da Comédia
Nova. Dele conhecemos uma peça completa, o Díscolo, e fragmentos
de muitas outras.
65
Fr. 163 Kassel-Austin.
66
Odisseia 148.
44
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e:

pondo-se ao lado dele começou a dissuadi-lo com palavras


amáveis.67

Por outro lado, com a prévia denúncia, ele quase dá teste-


munho pessoal e ordena que não se dê atenção às palavras, por
serem injuriosas e mesquinhas. Por exemplo, quando vai contar
que Agamémnon tratou o sacerdote com dureza, diz antes:

Mas isso não agradou ao coração do Atrida Agamémnon


e mandou-o embora malevolamente,68

isto é, de forma rude e imprópria. E a Aquiles atribui as pala-


vras insultuosas: [c]

pesado de vinho, tens olhos de cão e coração de veado;69

mas antes tinha feito o seu próprio juízo:

E o Pelida, mais uma vez, com palavras severas


falou ao Atrida; e de modo nenhum abandonava a sua raiva.70

Com efeito, nada é belo quando é dito com ira e agressiva-


mente. E o mesmo faz com as ações:

Assim falou; e para o divino Heitor planeava ações vergonhosas,


estendendo-o no chão, de cara para baixo, junto ao esquife do
Menecida.71

67
Ilíada 2.189.
68
Ilíada 1. 24-25.
69
Ilíada 1. 225.
70
Ilíada 1. 223-224.
71
Ilíada 23. 24-25.
45
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Também faz bom uso das censuras, dando uma espécie de


voto particular contra [d] o que é feito ou dito, como quando,
a respeito do adultério de Ares representa os deuses dizendo:

Não prosperam as más ações; o lento apanha o veloz.72

E, em relação à arrogância e soberba de Heitor, diz:

Assim falou, ufano; mas indignou-se a venerável Hera; 73

e sobre Pândaro atirar o arco:

Assim falou Atena; e persuadiu a sua mente sem siso.74

Todo aquele que estiver atento percebe estas sentenças e


opiniões verbalizadas. Mas os poetas fornecem outros ensi-
namentos tirados das próprias ações. Como Eurípides [e]
que, segundo se conta, disse aos que censuravam o seu Ixião
por ser ímpio e desprezível: eu não o tirei de cena antes de o
atar à roda75. Em Homero, porém, este tipo de lição é tácito;
mas possibilita um exame aprofundado e útil dos mitos mais
desacreditados, embora alguns críticos, recorrendo ao que
antigamente se chamava hiponoia76 e agora alegoria, os forcem
e retorçam, dizendo, por exemplo, que a revelação do adultério

72
Odisseia 8. 329.
73
Ilíada 8. 198.
74
Ilíada 4. 104.
75
Fr. 490 Nauck. Sobre Ixião vide supra n. 61. Aqui refere-se o
castigo que lhe foi dado por Zeus pela sua impiedade: o de ser atado a
uma roda de fogo sempre a girar.
76
A palavra indica o sentido por baixo da superfície do discurso.
Platão (Rep. 378b) rejeita igualmente esse tipo de interpretação a que se
refere com o mesmo termo.
46
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

de Ares e Afrodite pelo Sol quer dizer que, da conjugação do


astro de Ares com o de Afrodite, nascem descendências adúl-
teras, que não passam despercebidas quando o Sol se mostra
de novo e ocupa o seu lugar; e pretendem [f] que os adornos
de Hera para ir ao encontro de Zeus, e a magia à volta do cinto
são a purificação do ar aproximando-se do elemento ardente.
Como se o próprio poeta não desse as soluções! Com efeito, no
caso de Afrodite, ele ensina a quem está atento que música má,
canções maliciosas e narrativas que tratam de temas imorais
criam [20a] costumes dissolutos, vidas cobardes e homens que
amam a luxúria, a indolência, o jugo das mulheres,

mudas de roupa, banhos quentes e cama.77

Por essa razão também representou Ulisses ordenando ao


aedo:

vamos, muda de tema e canta a beleza do cavalo 78

– uma bela indicação de que os músicos e os poetas devem


tomar os seus temas de homens prudentes e sensatos79.

77
Odisseia 8. 249.
78
Odisseia 8. 492.
79
Entenda-se o comentário de Plutarco: os amores adúlteros de Ares
e Afrodite são cantados por Demódoco no palácio dos Feaces, que o
rei Alcínoo acabara de descrever a Ulisses como um povo de excelsos
atletas e marinheiros, apreciador de festins, de música, de danças e de
mudas de roupa, banhos quentes e cama. Por seu lado, Ulisses, ao pedir
que o aedo mude de assunto e cante o episódio heroico do cavalo de
pau, mostra a sua suposta prudência e sensatez, não obstante alguns
versos antes o poeta se ter referido à história de Ares e Afrodite como
‘bela’, e ter mencionado o deleite do herói ouvindo o aedo, coisa que
Plutarco evidentemente omite.
47
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

No caso de Hera, mostrou muito bem que as uniões e as


delícias amorosas com os homens por meio de drogas, magia e
dolo não só são efémeras, enfastiantes e instáveis, como tam-
bém [b] passam ao ódio e à ira, sempre que o prazer acaba.
Com efeito, Zeus ameaça-a e diz-lhe coisas como estas:

Para que vejas se te hão de valer as carícias e a cama


em que te meteste, quando vieste da morada dos deuses e me
enganaste.80

A descrição e imitação de más ações é útil e não prejudica


o ouvinte, se incluir a vergonha e o dano que daí resulta para
quem as pratica. Os filósofos usam exemplos, admoestando [c]
e instruindo a partir de coisas reais; os poetas fazem o mesmo
criando eles próprios os factos e contando histórias.
Melântio81, a brincar ou a sério, dizia que a cidade de Ate-
nas estava a salvo por causa do desacordo e da desordem dos
oradores, porque eles não se inclinavam todos para o mesmo
lado do barco82; e que havia uma espécie de contrapeso aos
danos nas diferenças entre os políticos. Ora as contradições
dos poetas consigo mesmos devolvem a confiança e não permi-
tem uma forte inclinação para o que é prejudicial. E, quando
eles mesmos fazem ver as contradições pondo-as lado a lado,
deve-se defender a melhor, como nestes casos:

A. Muitas vezes, meu filho, os deuses fazem os homens cair. [d]


B. Disseste o mais fácil – culpaste os deuses.83

80
Ilíada 15. 32-33.
81
Provavelmente um poeta trágico do séc. V a.C..
82
A metáfora da nau do estado remonta ao séc. VII a.C. nos versos
do poeta Arquíloco (fr. 56 Diehl). Aqui é sugerida apenas pela palavra
τοῖχον, que designa os lados de um barco.
83
Fr. 254 Nauck. Versos de Arquelau, tragédia perdida de Eurípi-
des.
48
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

E neste:

A. É com a abundância de ouro que deves alegrar-te, não com


estas coisas.
B. É vergonhoso ser rico e nenhuma outra coisa saber.84

E:

A. Então, porque tens de fazer sacrifícios, se vais morrer?


B. É melhor. Não é penosa a piedade para com os deuses.85

Coisas como estas contêm soluções muito evidentes se,


como se disse, dirigirmos os jovens na sua capacidade de
discernimento para as melhores coisas. Mas quantas se dizem
indecentemente e não têm solução imediata devem ser balan-
ceadas com outras de sentido contrário, ditas [e] pelos mesmos
em outros lugares, sem se ficar indignado nem descontente
com o poeta, mas aceitando-as como algo que foi dito em
conformidade com o carácter da personagem e a brincar. Por
exemplo, se quiseres, aos episódios de Homero em que os
deuses são lançados para fora do Olimpo uns pelos outros,
são feridos por homens, discutem e se hostilizam, pode-se
responder:

Sabes decerto pensar um discurso melhor que esse;86

84
Fr. 1069 Nauck. Versos de uma tragédia desconhecida de Eurí-
pides.
85
Fr. 752 Nauck. Versos de Hipsipile, tragédia perdida de Eurípides
86
Ilíada 7. 358 = 12. 232.
49
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e, por Zeus, “pensas com mais perfeição e dizes melhor nou-


tros lugares coisas como estas”:

os deuses de vida fácil 87

e:

aí se alegram os deuses bem-aventurados todos os dias 88

e:

assim fiaram os deuses para os míseros mortais:


viverem em aflição; mas eles são isentos de cuidados.89

Estas [f] são opiniões sãs e verdadeiras acerca dos deuses,


ao passo que aquelas foram inventadas para impressionar os
homens. De novo, quando Eurípides diz:

Com muitas formas de enganos os deuses


nos abatem, porque são por natureza mais fortes,90

não é pior [21a] acrescentar o seguinte verso, muito melhor


dito por ele:

se os deuses praticam o mal, não são deuses.91

87
Ilíada 6. 138; Odisseia 4. 805= 5. 122.
88
Odisseia 6.46.
89
Ilíada 24. 525.
90
Fr. 972 Nauck.
91
Fr. 292, 7 Nauck. Da tragédia perdida Belerofonte.
50
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

E quando Píndaro diz de forma muito veemente e provo-


cadora:

é necessário fazer tudo para enfraquecer o inimigo,92

podemos responder: “mas tu próprio dizes que”

o mais amargo fim


aguarda a doçura do que é contrário à justiça.93

E a Sófocles, quando diz:

Doce é o lucro, ainda que venha de mentiras,94

responderemos “mas nós ouvimos-te dizer que”

as palavras falsas não produzem frutos.95

E àqueles versos sobre a riqueza: [b]

Pois a riqueza é hábil para se mover tanto para lugares inaces-


síveis
como para lugares acessíveis, onde o homem pobre,
afortunado embora, não poderia alcançar o que deseja.
E a uma pessoa feia e odiosa de língua
converte-a em sábia e bela de se ver.96

92
Ístmicas 4. 48.
93
Ístmicas 7. 47.
94
Fr. 749 Nauck.
95
Fr. 750 Nauck.
96
Fr. 85 Nauck.
51
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

se oporão muitos de Sófocles, entre os quais estes:

mesmo sem riquezas um homem pode atrair honras,97

e:

em nada é pior um mendigo, se for sensato,98

e:

mas que prazer [há] na abundância de bens


se irrefletidos cuidados
alimentam a próspera riqueza? 99 [c]

Menandro, sem dúvida, exaltou a busca do prazer e


exagerou-a um pouco com estes versos eróticos e inflamados:

Tudo o que vive e vê o sol


que nos é comum, é escravo do prazer.100

Mas de novo nos fez dar a volta e nos desviou para o bem
e arrancou a ousadia da devassidão, dizendo:

Uma vida vergonhosa é uma desgraça, mesmo que seja doce.101

Estas palavras não só são o contrário daquelas, mas


também são melhores e mais proveitosas. Por conseguinte,

97
Fr. 751 Nauck.
98
Fr. 752 Nauck.
99
Fr. 534 Nauck.
100
Fr. 599 Kassel-Austin.
101
Fr. 600 Kassel-Austin.
52
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

tal justaposição de afirmações contrárias e a sua ponderação


produzirá uma de duas coisas: ou guiará [d] a confiança do
jovem para o que é melhor ou, pelo menos, há de desviá-la do
que é pior.
Mas se os próprios poetas não dão soluções para as coisas
absurdas que dizem, não é má ideia fazer inclinar o jovem para
o melhor, colocando do outro lado, como numa balança, afir-
mações contrárias de outros autores renomados. Por exemplo,
se Alexis102 perturba alguns quando diz:

O homem sábio deve reunir os prazeres.


Ora, três são os que têm a capacidade
de contribuir verdadeiramente para a vida:
beber, comer e obter os favores de Afrodite.
A todas as outras coisas se deve chamar acessórios;

tem de [e] se lembrar que Sócrates dizia o contrário – que os


maus vivem para comer e beber, os bons comem e bebem para
viver. E quem escreveu:

para o mau não é arma inútil a maldade,103

mandando-nos, de alguma maneira, ser semelhantes aos maus,


deve ser confrontado com a história de Diógenes. Quando
lhe perguntaram como é que alguém se poderia defender do
inimigo, ele respondeu: tornando-se ele mesmo belo e bom 104 .
Também contra Sófocles se deve usar Diógenes. Com efeito,

102
Alexis de Túrios (c. 375–c. 275 a.C.), comediógrafo do período
de transição entre a Comédia Média e a Comédia Nova. A citação
corresponde ao fr. 273 Kassel-Austin.
103
De autor anónimo. Fr. 5 Kassel-Austin.
104
Plutarco cita de novo esta história em Como tirar proveito dos
inimigos 88b.
53
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

aquele lançou no desespero muitos milhares de homens,


quando disse a respeito dos mistérios:

Três vezes felizes


aqueles dos mortais que, tendo visto estes ritos, [f]
foram para o Hades. Só esses
aí podem viver; para os outros muitos males existem.105

Diógenes, ao ouvir algo assim disse: “que dizes? o ladrão


[22a] Patécio, por ser iniciado, terá melhor destino depois
de morto do que Epaminondas106?” A Timóteo107, que cantava
Ártemis no teatro dizendo:

Ménade, possuída, inspirada, enfurecida,

Cinésias108 logo replicou: Oxalá te nasça uma filha assim.


Para Teógnis109, que dizia:

todo o homem dominado pela pobreza é incapaz de dizer


ou fazer alguma coisa, mas a sua língua está presa,

105
Fr. 837 Radt.
106
Famoso general tebano do séc. IV a.C., que obteve a vitória nas
batalhas de Leuctra e Mantineia.
107
Timóteo de Mileto (c.450-360 a.C.), poeta ditirâmbico conhe-
cido pelas suas inovações no domínio da música. O verso citado
corresponde ao fr. 778b Page.
108
Cinésias de Atenas (c.450-390 a.C.), poeta ditirâmbico, rival de
Timóteo. Aristófanes refere-se a ele em Aves 1372 sqq., Lisístrata 860
e Rãs 153, 1437.
109
Vide supra n. 25.
54
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

é boa também a resposta de Bíon110: “Então como é que tu, que


és pobre, dizes tamanhos disparates e nos importunas?”
5. Também não devemos deixar passar os pontos de partida
para a correção, dados pelas expressões que estão no mesmo
contexto ou próximas. Tal como os médicos pensam que,
apesar de o escaravelho ser venenoso, as suas patas e asas são
benéficas e anulam [b] o seu poder111; assim também nos poe-
mas, se, num mesmo passo, um nome ou um verbo atenuam
o desvio para o pior sentido, então temos de nos fixar neles e
dar uma explicação adicional, como fazem alguns a respeito
destes versos:

É esta a homenagem para os lastimáveis mortais:


cortar o cabelo e deixar correr uma lágrima das faces; 112

e:

assim fiaram os deuses para os míseros mortais:


viverem em aflição; 113

O poeta não disse simplesmente que foi para todos os


mortais que os deuses fiaram uma vida dolorosa, mas para
os insensatos [c] e néscios, a quem, por serem míseros e

110
Bíon de Borístenes (cidade da Ólbia, na atual Ucrânia) foi um
filósofo popular do séc. IV-III a.C., de cujos escritos se preservam
alguns fragmentos na obra de Diógenes Laércio.
111
Plínio, História Natural 29. 30, explica, a propósito deste inseto,
que ele possui um veneno mortal se for ingerido, mas, aplicado exter-
namente e misturado com um certo tipo de uvas e sebo de ovelha ou de
cabra, tem efeitos benéficos. Acrescenta ainda que as asas são o único
antídoto para esse veneno.
112
Odisseia 4. 197-198.
113
Ilíada 24. 525-526.
55
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

deploráveis devido à sua maldade, ele tem o hábito de chamar


“míseros” e “lastimáveis”.
6. Mas há outra maneira de desviar da pior para a melhor
interpretação aquilo que causa suspeita nos poemas, a saber,
através do sentido corrente das palavras. É nisto que o jovem
deve estar treinado, mais do que nas chamadas “glossas”114.
De facto, este conhecimento é o de um erudito, e não é
desagradável saber que rigedanos significa ‘morrer miseravel-
mente’ (pois os Macedónios chamam à morte danos); ou que
os Eólios chamam kammonie à vitória obtida com resistência
e perseverança; e os Dríopes chamam popoi às divindades115.
Mas, necessário e útil, se quisermos tirar benefício [d] e não
prejuízo dos poemas, é saber como é que os poetas usam os
nomes dos deuses e os do mal e do bem; o que querem dizer
com as palavras Tyche e Moira, e se dão a estes nomes, como
a muitos outros, um ou vários sentidos. Por exemplo, às vezes
chamam oikos à casa:

para um oikos de alto telhado 116

outras, propriedade:

o meu oikos está a ser devorado.117

114
Trata-se de palavras raras ou estrangeiras. Aristóteles (Poética
1457b) distingue γλῶσσαι, palavras raras que só alguns usam, de
κύρια ὀνόματα, palavras comuns, usadas por todos. A aprendizagem
das γλῶσσαι fazia parte da educação dos jovens. Cf. e.g. Quintiliano 1.
1, 35. Na educação helenística, muito marcada pelo desejo de erudição,
este termo técnico designava também o vocabulário especial dos poe-
tas, sobretudo de Homero, cujo estudo era parte integrante da exegese
literária. Cf. Marrou 1964: 250-253.
115
Todas estas palavras ocorrem em Homero: Ilíada 19. 325; 22. 257
= 23. 661; Odisseia 1. 32.
116
Odisseia 5. 42; 7. 77; 10.474.
117
Odisseia 4. 318.
56
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Umas vezes chamam biotos à vida:

enfraqueceu-lhe a ponta da lança


Poseidon de cabelos azuis, negando-lhe biotos,118

outras vezes “bens”: [e]

outros me consomem biotos;119

e às vezes usam ‘estar fora de si’ (aluein) por “estar aflito” ou


“estar em dificuldade’:

Assim falou; e partiu, fora de si (aluous’), em grande


sofrimento; 120

outras vezes por ‘exultar’ e ‘regozijar-se’:

Estás fora de ti (alueis) por teres vencido o vagabundo Iro? 121

E com o verbo thoazein querem dizer ‘mover-se’, como


Eurípides:

Um monstro que se move (thoazon) vindo do mar Atlântico.122

Ou ‘sentar-se’, como Sófocles:

Porque vos sentais (thoazete) nesses degraus diante de mim,


adornados com ramos de suplicantes? 123 [f]

118
Ilíada 13. 562-563.
119
Odisseia 13. 419.
120
Ilíada 5. 352.
121
Odisseia 18. 333 = 18. 393.
122
Fr. 145 Nauck, da tragédia perdida Andrómeda.
123
Rei Édipo, 2-3.
57
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Também é elegante ajustar o uso das palavras aos assuntos


tratados, como ensinam os gramáticos, pois elas tomam sen-
tidos diferentes em diferentes contextos; como, por exemplo:

Louva um barco pequeno, e põe as mercadorias num grande.124

Aqui o poeta usa ‘louvar’ (ainein) com o sentido de ‘recusar’


(paraiteisthai), tal como dizemos [23a] correntemente ‘não,
obrigado’ e mandamos ‘passar bem’ quando não queremos nem
aceitamos alguma coisa125. Assim também alguns usam

“epainen” Perséfone 126

com o sentido de ‘a que é recusada’ (paraiteten).


Esta diferenciação e distinção dos nomes deve ser
observada atentamente em assuntos maiores e mais sérios.
Começando pelos deuses, devemos ensinar os jovens que os
poetas usam os nomes dos deuses umas vezes com a intenção
de se referirem a eles mesmos, outras designando com os mes-
mos nomes certas forças de que os deuses são dadores e a que
presidem. Por exemplo, quando Arquíloco diz numa prece:

124
Hesíodo, Trabalhos e Dias 643.
125
Plutarco parece ter em mente não o verbo simples αἰνεῖν usado
por Hesíodo, mas o composto ἐπαινεῖν que, de facto, pode exprimir “a
civil form of declining an offer or invitation” (LSJ s.v. III). Cf. Hunter
& Russell 2011: 129.
126
Um escólio a Ilíada 9. 457, um dos versos homéricos em que
ocorre este epíteto de Perséfone, explica que o adjetivo designa a deusa
“que não se deve louvar’, exemplificando assim uma antífrase ou uso de
uma palavra no sentido contrário ao pretendido. Assim, neste contexto,
e para se aproximar daquele epíteto, a forma παραιτήτην, que normal-
mente significa ‘a que deve ser aplacada com preces’, deve ser traduzida
por “a que é recusada”, isto é, ‘aquela cujo convite se declina’, ou não
fosse ela a esposa de Hades. Vide Hunter & Russell 2011: 129-130.
58
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Ouve, senhor Hefesto, e como aliado de quem te implora,


sê propício, concede-me o que tu concedes,127 [b]

é evidente que está a chamar o próprio deus. Mas quando,


lamentando o marido da irmã, que desaparecera no mar sem
ter recebido os costumados ritos fúnebres, diz que teria supor-
tado com mais moderação o infortúnio,

se Hefesto tivesse posto à volta da cabeça


e dos graciosos membros dele vestes puras,128

está a referir- se ao fogo e não ao deus. Também Eurípides,


quando diz em juramento:

por Zeus que está entre os astros e Ares assassino,129

nomeou os próprios deuses. Mas quando Sófocles diz:

pois Ares cego, ó mulheres, e nada vendo,


com focinho de javali, provoca tudo o que é mau,130 [c]

é de subentender a guerra, tal como se deve subentender


‘bronze’ quando Homero diz:

e agora pelo Escamandro de boa corrente Ares aguçado


derramou o seu negro sangue 131

127
Fr. 108 West.
128
Fr. 9 West.
129
As Fenícias 1006.
130
Fr. 754 Nauck.
131
Ilíada 7. 329-330.
59
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Como há muitos exemplos destes, é preciso saber e lembrar


que os poetas designam com o nome de Dios e Zenos 132 ora o
deus, ora a fortuna, ora muitas vezes o destino. Com efeito,
quando dizem:

Zeus pai, que governas a partir do Ida,133

e [d]

Ó Zeus, quem diz ser mais sábio do que tu? 134

referem-se ao próprio deus. Mas quando aplicam a palavra


Zeus às causas de tudo o que acontece e dizem:

muitas almas de valentes heróis lançou ao Hades


– cumpria-se a vontade de Zeus – 135

é o destino que querem dizer. Com efeito, o poeta não pensa


que o deus engendra maldades para os homens, mas mostra
justamente o carácter necessário dos acontecimentos, porque
também para as cidades, exércitos e chefes, se são sensatos,
está destinado serem bem-sucedidos e dominarem os inimigos;
mas se, como aqueles heróis, se deixam cair em paixões e erros,
envolvidos em querelas e conflitos uns com os outros, está-lhes
destinada [e] a desgraça, a desordem e um mau fim,

pois, para os mortais, o destino das más decisões


é colher más recompensas.136

132
A palavra Ζεύς, Διός tinha duas formas nos casos oblíquos,
uma mais comum formada a partir da raiz Δι- e a outra, frequente no
dialeto iónico e de registo mais poético, formada a partir da raiz Ζην-
133
Ilíada 3. 276, 320; 7. 202; 24. 308.
134
Nauck, adespota 351.
135
Ilíada 1. 3, 5.
136
Nauck, adespota 352.
60
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Sem dúvida também Hesíodo usa o nome de Zeus com o


sentido de Fortuna, quando fez Prometeu ordenar a Epimeteu:

nunca aceites presentes


de Zeus Olímpico, mas manda-os embora.137

Com efeito, ele chamou “presentes de Zeus” aos bens que


dela dependem – riquezas, casamentos, poder e, em geral,
todos os bens externos138 – cuja posse não traz proveito a quem
é incapaz de os usar bem. Por isso, [f] pensa que Epimeteu,
por ser fraco e insensato, deve guardar-se e temer a boa for-
tuna, para não ser molestado e destruído por ela. E de novo,
quando diz:

nunca te atrevas a lançar à cara de um homem a pobreza


funesta
e atormentadora, dádiva dos bem-aventurados que vivem
sempre; 139

137
Trabalhos e Dias 86-87.
138
Platão (Leis 3. 697b; 5. 743e; 8. 870b) estabelece uma hierar-
quia entre os três tipos de bens que contribuem para o fortalecimento
de um Estado – os da alma (τὰ περὶ τὴν ψυχὴν ἀγαθά), de que
se deve cuidar em primeiro lugar; os do corpo (τὰ περὶ τὸ σῶμα
καλὰ καὶ αγαθά), em segundo; e, por último, os da propriedade e
das riquezas (τὰ περὶ τὴν οὐσίαν καὶ χρήματα). Aristóteles (Ética a
Nicómaco 1098b) usa a mesma tripartição e chama externos (τῶν ἐκτὸς
λεγομένων) a estes últimos, embora noutros passos pareça englobar
no mesmo grupo os bens externos e os do corpo. Cf. 1153b. Para os
Estoicos todos os bens tornam o homem bom, logo, os que dependem
da Fortuna não são bens, dado que não possuem esse efeito. Cf. Séneca,
Cartas a Lucílio 87. 12. Plutarco volta a referir-se aos bens externos, isto
é, os que dependem da Fortuna (τυχηρά), em 35d.
139
Trabalhos e Dias 717-718.
61
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

aqui chamou dádiva divina ao que depende da Fortuna, por


considerar indigno acusar quem é pobre [24a] devido à má
sorte, pois as dificuldades acompanhadas de preguiça, indo-
lência e extravagância é que são vergonhosas e censuráveis.
Com efeito, sem conhecerem ainda a própria palavra fortuna,
sabiam que a causa que se move sem ordem e sem limite tem
uma força poderosa e imprevisível para a razão humana, e
deram-lhe os nomes dos deuses, tal como nós costumamos
apelidar de sobrenaturais e divinas ações, caracteres e, por
Zeus!, palavras e homens. É assim que muitas das coisas que
parecem ser ditas sobre Zeus de forma absurda, entre as quais
também estas:

pois dois jarros estão colocados no limiar de Zeus


cheios de destinos, um de bons, o outro de maus;140 [b]

os juramentos não os cumpriu o Crónida de alto assento,


mas no seu pensamento maldades fixou para ambos;141

pois foi então que começaram a rolar desgraças


para Troianos e Dânaos, por decisão do grande Zeus; 142

140
Ilíada 24. 527-528. O segundo verso aqui citado não corresponde
exatamente ao texto homérico que conhecemos, mas à sua citação por
Platão (República 379d). Não se sabe se a discrepância se deve ao facto
de o Filósofo citar de cor, ou à existência de outra versão do texto na
sua época. Plutarco, que tem sempre presente o diálogo platónico na
composição deste tratado, segue o mestre.
141
Ilíada 7. 69-70.
142
Odisseia 8. 81-82.
62
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

têm de ser corrigidas como sendo ditas acerca da Fortuna ou


do Destino, com os quais relacionamos a causa que o nosso
raciocínio não alcança e está completamente fora das nossas
capacidades. Mas quando são apropriadas e conformes à razão
e à verosimilhança, então devemos pensar que o nome do deus
é usado no sentido próprio, como por exemplo nestes versos:

ele percorria as fileiras dos outros homens


mas evitava o combate com Ájax, filho de Télamon. [c]
É que Zeus irava-se com ele, sempre que combatia com um
homem melhor; 143

Pois Zeus é que cuida das coisas mais importantes dos mortais,
as menores abandona-as, deixando-as para outras divindades.144

Muita atenção é devida também às outras palavras que


os poetas mudam e alteram em muitas circunstâncias, como
por exemplo a arete 145. Dado que esta não só torna os homens
sensatos, justos e bons nas ações e nas palavras, mas também
compreende frequentemente dignidades e poderes, os poetas,

143
Ilíada 11. 540, 542. O terceiro verso citado não figura nos
manuscritos de Homero, embora Aristóteles o cite em Retórica 1387a.
144
Fragmento de tragédia desconhecida. Nauck, adespota 353.
145
Correspondendo a um conceito fundamental da axiologia grega
antiga, a palavra ἀρετή designa a excelência nas mais diversas facetas
da vida humana. De acordo com o contexto, pode traduzir-se, entre
outras possibilidades, por ‘excelência’, ‘valor’, ‘mérito’, ‘coragem’, ‘vir-
tude’, (virtus, virtutis é precisamente a tradução latina do termo grego).
É desta diversidade de sentidos que Plutarco dá conta nos exemplos cita-
dos, mostrando a dificuldade de delimitação conceptual de um termo
com uma já muito longa história na cultura grega. Para conservar a
polissemia, optei por não traduzir o substantivo, apresentando-o apenas
transliterado, para facilitar a leitura.
63
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

de acordo com isto, tratam a boa reputação e o poder como


arete, dando ao fruto [d] o mesmo nome da árvore que o pro-
duz, como “maçã” que vem de “macieira” e “castanha que vem
de castanheiro”146. Por isso, sempre que eles dizem:

diante da arete os deuses puseram o suor;147

então, com a sua arete, os Dânaos romperam as falanges; 148

se é justo morrer, é belo morrer assim,


pondo fim à vida com arete; 149

imediatamente o nosso jovem tem de pensar que isto é dito


acerca da faculdade mais excelente e divina que há em nós, e
que consideramos ser a reta razão, o ponto mais alto da nossa
natureza racional e uma firme disposição da alma150. Mas, pelo
contrário, sempre que ele leia:

Mas Zeus aumenta e diminui a arete aos homens;151 [e]

146
Os exemplos de Plutarco são o da azeitona (ἐλαία), que em grego
tem o mesmo nome da oliveira, e o da bolota (φηγόν), que difere do
da árvore apenas no género (em grego geralmente os nomes dos frutos
são neutros, os das árvores femininos). Usei ‘maçã’ e ‘castanha’ para
manter a ideia original.
147
Hesíodo, Trabalhos e Dias 289.
148
Ilíada 2. 190.
149
De uma tragédia perdida de Eurípides. Fr. 944 Nauck.
150
Sobre os ecos platónicos e estoicos deste passo, vide Hunter &
Russell 2011: 137-138.
151
Ilíada 20. 242.
64
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

a arete e a glória acompanham a riqueza;152

que não se deixe ficar sentado, maravilhado e estupefacto com


os ricos, como se possuíssem arete obtida diretamente a preço de
dinheiro, nem pensando que é da sorte que depende o aumento
ou a diminuição da sua sabedoria; mas pensando que o poeta
usou a palavra arete com o sentido de ‘reputação’, ou ‘poder’, ou
‘sucesso’ ou algo semelhante. Da mesma maneira, com a palavra
maldade os poetas umas vezes indicam em sentido próprio a
malvadez e a perversidade da alma, como Hesíodo:

pois a maldade pode-se conseguir com abundância;153

outras vezes por qualquer outro mal ou desgraça, como


Homero: [f]

pois os mortais envelhecem rapidamente na maldade.154

Também em relação à felicidade alguém se pode enganar,


se pensar que, com ela, os poetas querem dizer o mesmo que os
filósofos, isto é, ‘aquisição’ ou ‘posse completa dos bens’, ou ‘cum-
primento [25a] de uma vida próspera de acordo com a natureza’; e
não perceber que é por usarem mal as palavras que aqueles muitas
vezes chamam feliz e bem-aventurado a quem é rico, e felicidade
ao poder e à glória. Homero usa-as corretamente:

Por isso é sem alegria que reino sobre estas riquezas; 155

152
Hesíodo, Trabalhos e Dias 313.
153
Trabalhos e Dias 287.
154
Odisseia 19. 360.
155
Odisseia 4.93.
65
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e Menandro

eu tenho muitos bens, e rico


todos me chamam, mas feliz ninguém.156

Eurípides, porém, quando diz:

Que eu não tenha uma penosa vida feliz,157

porque honras a tirania, [essa] injustiça feliz? 158 [b]

gera muita perplexidade e confusão se, como eu disse, não


se compreender o sentido metafórico e o uso incorreto das
palavras. E sobre este assunto isto é suficiente.
7. É preciso lembrar e mostrar aos jovens não uma, mas
muitas vezes que a poesia, por ser essencialmente mimética,
rodeia de ornamento e brilho as ações e os caracteres tratados,
mas não descura a semelhança com a verdade, pois o que atrai
na imitação é o plausível. E é por não negligenciar comple-
tamente a verdade que a imitação apresenta ações em que se
misturam sinais de vício e de virtude, como a de Homero
[c], que manda passear os Estoicos, pois, segundo eles, nem
à virtude se liga algum mal, nem algum bem ao vício, mas o
ignorante erra completamente em tudo, enquanto o sábio em
tudo acerta. Isto é o que ouvimos nas escolas filosóficas. Mas
na realidade e na vida de muitos, como diz Eurípides,

156
Fr. 601 Kassel- Austin.
157
Medeia 598.
158
As Fenícias 549-550.
66
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

não podem existir separadamente os bens e os males,


mas há uma espécie de mistura.159

Dispensando a veracidade, a poesia usa de preferência o


que é intricado e mudável [d] pois é a variedade que dá às
histórias o patético, o surpreendente e o inesperado, a que se
seguem o maior espanto e prazer; enquanto a simplicidade
carece de emoção e do que é próprio dos mitos. Por essa
razão, os poetas não apresentam as mesmas personagens
sempre vitoriosas em tudo, bem-sucedidas e agindo corre-
tamente. E nem os deuses, quando se envolvem em ações
humanas, são representados isentos de emoções e de erros,
não fosse o elemento perturbador e espantoso da poesia
desaparecer, por eles não estarem sujeitos aos perigos e às
lutas.
8. Sendo assim, devemos introduzir o jovem na poesia
de maneira a que ele não pense que aqueles [e] nomes belos
e grandiosos eram homens sábios e justos, reis superiores
e modelos de toda a virtude e correção. Pois ser-lhe-á muito
prejudicial aprovar tudo e extasiar-se, sem ficar descontente,
nem ouvir quem censura os que fazem e dizem coisas como
estas:

Oxalá, ó Zeus pai e Atena e Apolo,


nenhum dos Troianos, quantos sejam, escapasse à morte,
nem nenhum dos Argivos, mas nós dois evitássemos a ruína
para sozinhos destruirmos as sagradas ameias de Troia; 160

159
Fr. 21 Nauck, da tragédia perdida Éolo.
160
Ilíada 16. 97-100.
67
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e:

Os gritos mais deploráveis que eu ouvi foram os da filha de


Príamo,
Cassandra, que a dolosa Clitemnestra matou [f]
por minha causa;161

e:

que eu me deitasse com a concubina para que o ancião a odiasse;


eu obedeci-lhe e assim fiz;162

e:

Zeus pai, nenhum outro deus é mais funesto do que tu.163

Que o jovem [26a] não se acostume a louvar tais coisas,


nem a mostrar esperteza e capacidade de persuasão, arranjando
desculpas e maquinando subterfúgios especiosos para más
ações. Antes, deve pensar que a poesia é imitação de carac-
teres e de vidas de homens que não são perfeitos, nem puros,
nem totalmente irrepreensíveis, mas nos quais se misturam
paixões, falsas opiniões e ignorância, e, ainda assim, devido
a uma boa natureza, muitas vezes mudam para melhor. Este
tipo de preparação e modo de pensar do jovem, louvando e
entusiasmando-se com o que é bem dito e bem feito, e ficando
[b] descontente e não aceitando o que é mau, proporcionará
uma leitura inofensiva. Mas o que se maravilha com tudo
e com tudo se concilia e, por causa dos nomes de heróis,

161
Odisseia 11. 421-423.
162
Ilíada 9. 452-453-
163
Ilíada 3. 365.
68
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

submete a faculdade crítica à aparência, como os que imitam


a curvatura de Platão ou a gaguez de Aristóteles, deixar-se-
-á ir, sem perceber, para muitas ações imorais. E não deve
ser timorato, nem ficar a tremer perante tudo, prostrando-se
supersticiosamente como se estivesse num templo; antes, deve
ganhar o hábito de exclamar com confiança “não está certo” e
“não é conveniente”, não menos do que “está certo” e “é apro-
priado”. Por exemplo, Aquiles, quando os soldados adoecem,
reúne a assembleia, atormentado [c] com a suspensão da guerra
principalmente devido à sua própria fama e reputação militar,
mas, como tinha conhecimentos de medicina e percebera,
ao fim dos nove dias em que se dá a fase crítica, que aquela
não era uma doença habitual nem estava associada a causas
comuns, levantou-se e, em vez de discursar para a multidão,
falou apropriadamente ao rei como um conselheiro:

Atrida, creio que agora vamos voltar para trás,


fazendo o caminho de regresso.164

Isto é [dito] de forma correta, moderada e apropriada.


Mas, quando o adivinho diz temer a ira do mais poderoso dos
Helenos, e Aquiles jura que, enquanto for vivo, ninguém lhe
porá as mãos, acrescentando, sem acerto nem moderação [d].

nem que te refiras a Agamémnon,165

mostra indiferença e desdém pelo chefe. E depois disto, ainda


mais encolerizado, precipita-se para a espada com intenção de

164
Ilíada 1. 59-60.
165
Ilíada 1. 90.
69
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

o matar, agindo em desacordo com o bem e o conveniente.


Depois, muda de ideias:

voltou a pôr a grande espada na baínha


e não desobedeceu às palavras de Atena,166

voltando a agir de forma correta e bela, porque, não sendo


de modo algum capaz de erradicar a ira, pelo menos, antes
de fazer algo irremediável, afastou-a e conteve-a, sujeitando-
-a [e] à razão. Por seu lado, Agamémnon, com as suas ações
e palavras, faz uma figura ridícula na assembleia, mas já no
episódio de Criseida tem uma atitude mais venerável e própria
de um rei. Com efeito, enquanto Aquiles, quando Briseida
está a ser levada,

sentou-se ao longe chorando, afastado dos companheiros,167

aquele, põe no barco, entrega e envia de volta ele mesmo a


cativa, que ainda há pouco dissera considerar no seu espírito
superior à esposa, nada fazendo de vergonhoso ou passional.
Da mesma maneira Fénix, amaldiçoado pelo pai por causa da
concubina diz:

E eu – diz ele – decidi matá-lo com o bronze afiado. [f]


Ma algum dos imortais pôs fim à minha ira, e no meu coração
pôs a voz do povo e os muitos insultos dos homens,
para que entre os Aqueus eu não fosse chamado assassino do
pai.168

166
Ilíada 1. 220-221.
167
Ilíada 1. 349.
168
Ilíada 9. 458-461.
70
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Aristarco169, com receio, eliminou estas palavras. Mas elas


são adequadas [27a] à ocasião, pois Fénix está a ensinar a
Aquiles como é a cólera, e a quanto se atrevem os homens por
causa das emoções, quando não usam a razão nem obedecem
a quem tenta apaziguá-los. Fénix também dá o exemplo de
Meleagro, que estava irado com os cidadãos, mas logo depois
se acalmou; censura – e bem – as suas paixões, elogiando como
belo e proveitoso o facto de ele as não seguir, mas antes de lhes
resistir, de as dominar e de se arrepender.
Nestes casos a oposição é evidente. Mas quando as opiniões
do poeta não são claras, temos de chamar a atenção do jovem
para distinções como as seguintes. Se Nausícaa, depois de
ver Ulisses, um homem estrangeiro, sente por ele a paixão de
Calipso, por ser voluptuosa [b] e estar em idade de casar, e diz
às suas aias tamanhos desvarios:

Oxalá um homem como este vivesse aqui e fosse chamado meu


esposo
e lhe agradasse cá ficar,170

tem de se censurar o atrevimento e a imoralidade dela. Mas


se, depois de ver nas palavras o carácter do homem e, maravi-
lhada com a inteligência da conversa dele, reza para casar com
alguém assim de preferência a casar com algum dos cidadãos –
um homem do mar ou um dançarino –, merece ser admirada.
Outro exemplo: quando Penélope fala com os Pretendentes de

169
Aristarco de Samotrácia (c. 216-144 a.C.), famoso gramático
que esteve à frente da Biblioteca de Alexandria. É o responsável pela
edição crítica de Homero feita a partir da comparação entre os vários
manuscritos existentes na Biblioteca, como era prática dos eruditos
alexandrinos. A observação de Plutarco remete para o trabalho crítico
de atetizar passos considerados espúrios.
170
Odisseia 6. 244-245.
71
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

forma amigável e aqueles lhe oferecem vestes, objetos em ouro


e outros adornos, Ulisses deleita-se

porque ela lhes sacava presentes e lhes encantava o coração.171[c]

Se ele se alegra por causa da ganância de receber presentes,


ultrapassa em deboche o proxeneta Poliargo da comédia:

Feliz Poliagro,
a criar uma cabra celeste que lhe traz riqueza.172

Mas se ele se alegra pensando que, ao dar-lhes esperança,


os terá sob maior controle, sem estarem à espera do que vai
acontecer, então o seu contentamento e confiança têm justi-
ficação. Da mesma maneira, na contagem das riquezas que os
Feaces lhe deixaram antes de navegarem de volta a casa, se, por
se encontrar realmente em tão grande solidão e na ignorância
e incerteza do que lhe fosse acontecer, ele receia pelas riquezas

que eles tenham ido embora com alguma coisa na côncava


nau.173 [d]

é justo – por Zeus! – deplorar e rejeitar a sua avareza. Mas


se, como dizem alguns, não tendo a certeza de estar em Ítaca,
pensa que a salvação das riquezas é uma prova da piedade dos
Feaces (pois eles não o levariam a troco de nada para uma
terra estranha, largando-o sem tocar nas riquezas), então não
é fraca a prova que usa, e é até digna de louvor a sua previsão.
Outros censuram este mesmo desembarque, pondo em causa

171
Odisseia 18. 282-.
172
Kassel-Austin, adespota 708.
173
Odisseia 13. 216.
72
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

que tenha, de facto, ocorrido enquanto ele dormia; e também


dizem que os Tirrenos conservam uma história segundo a qual
Ulisses [e] era por natureza sonolento e, por esse motivo, desa-
gradável para muitos. Mas se o sono não era verdadeiro e ele,
envergonhado por deixar ir embora os Feaces sem os presentes
de hospitalidade e mostras de amizade – já que não podia
esconder-se dos seus inimigos estando eles presentes – fingiu
estar a dormir para resolver uma situação embaraçosa, então
já aceitam o episódio.
Ao mostrarmos estas coisas aos jovens, não deixaremos que
eles se inclinem para o lado pior dos caracteres, mas antes para
a admiração e preferência pelos melhores, dirigindo a uns a
censura e a outros o elogio, sem hesitar. Isto [f] deve ser feito
sobretudo nas tragédias, que contêm discursos convincentes
e hábeis para ações desonrosas e imorais. Com efeito, não é
completamente verdade o que diz Sófocles:

De ações que não são belas não vêm belas palavras; 174

pois ele mesmo costuma associar a caracteres perversos e a


ações vis palavras sorridentes e benévolas motivações. E sabes
que o seu colega de teatro representou Fedra [28a] a acusar
Teseu por ela própria se ter apaixonado por Hipólito, devido
às infidelidades daquele. E nas Troianas deu esta mesma
linguagem despudorada a Helena contra Hécuba, fazendo-a
dizer que esta é que devia ser castigada por ter dado à luz o
seu amante. Que o jovem não se habitue a pensar que alguma
destas coisas é genial e engenhosa, e que não se ria perante tais
habilidades, mas que rejeite as palavras de imoderação mais
ainda do que os atos.

174
Fr. 755 Nauck.
73
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

9. Finalmente, é também útil procurar o motivo pelo qual


cada coisa é dita. Catão, criança ainda, fazia [b] o que o peda-
gogo ordenasse, mas perguntava a causa e a razão da ordem.
Ora, aos poetas não se deve obedecer como a pedagogos e
legisladores, a não ser que os seus assuntos tenham uma razão;
e terão se forem bons; se forem maus serão vistos como vazios
e vãos. Mas a maioria dos críticos pergunta e quer saber com
precisão porque foram ditas coisas como:

Nunca colocamos a infusa do vinho em cima do krater


de quem está a beber;175

o homem que do seu carro alcançar um carro inimigo,


que esse atire a sua lança; 176

mas dão crédito, sem qualquer exame, a coisas mais graves,


como estas: [c]

ainda que tenha um coração intrépido, um homem torna-se


escravo
quando conhece os crimes da mãe ou do pai;177

quem é desgraçado deve ser humilde.178

175
Trabalhos e Dias 744-745.
176
Ilíada 4. 306-307.
177
Eurípides, Hipólito 424-425.
178
Eurípides, fr. 957 Nauck.
74
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

E, no entanto, estas afirmações afetam o carácter e pertur-


bam as vidas, tornando fracos os juízos e ignóbeis as opiniões,
se não estivermos habituados a dizer em relação a cada uma
delas: “e por que razão quem é desgraçado tem de ser humilde
em vez de se levantar contra a sua sorte, fazendo-se maior e
não inferior? E por que é que, se eu tiver nascido de um pai
mau e desprovido de inteligência, mas eu mesmo for bom e
inteligente, não há de [d] ser conveniente orgulhar-me devido
à minha virtude, em vez de me acobardar e ser humilde por
causa da ignorância de meu pai?” Se o jovem refutar e oferecer
resistência desta maneira, sem dar o flanco a toda a palavra
como ao vento, mas julgando certa a afirmação de que “o
homem tolo fica espantado com qualquer palavra”179, rejeitará
muito do que é dito sem verdade nem benefício. E isso, então,
tornará inofensiva a escuta dos poemas.
10. Tal como entre as folhas e os ramos cerrados da videira
muitas vezes [e] se esconde o fruto e passa despercebido sob a
sua sombra, assim também na profusão da linguagem poética
e das narrativas muitas coisas úteis e vantajosas escapam ao
jovem. Convém que isto não aconteça, nem que ele se desvie
dos factos, mas se fixe sobretudo nos que conduzem à virtude
e que podem formar o carácter. Também não é pior discorrer
sobre isto de forma breve, tocando os factos resumidamente
e deixando as construções extensas e os múltiplos exemplos
para os que escrevem mais para ostentação. Conhecendo as
personagens e os caracteres bons e maus, o jovem deve prestar
atenção às palavras e às ações que o poeta [f] atribui a cada
um de acordo com o que é apropriado. Por exemplo, Aquiles,
apesar de falar com ira, diz a Agamémnon:

179
Heraclito, fr. 87 Diels- Kranz.
75
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Pois eu nunca recebo um prémio igual ao teu, quando os Aqueus


saqueiam uma das cidades bem habitadas dos Troianos; 180

enquanto Tersites, ao mesmo homem dirige insultos:

As tuas tendas estão cheias de bronze, e nelas


muitas mulheres escolhidas que te damos nós, os Aqueus,
a ti em primeiro lugar, quando saqueamos uma cidade.181 [29a]

E de novo Aquiles:

Que um dia Zeus


nos conceda saquear a bem muralhada cidade de Troia.182

Mas Tersites:

que capturei e trouxe eu mesmo ou outro dos Aqueus.183

Também quando Agamémnon, na passagem em revista,


censurou Diomedes, este nada respondeu

respeitando a censura do venerável rei.184

Mas Esténelo, homem sem valor:

Atrida – diz – não mintas, quando sabes falar a verdade.


Nós orgulhamo-nos de ser bem melhores do que os nossos pais.185

180
Ilíada 1. 163-164.
181
Ilíada 2. 226-228.
182
Ilíada 1. 128-129.
183
Ilíada 2. 231.
184
Ilíada 4. 402.
185
Ilíada 4. 404-405.
76
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Se não for descurado [b], este tipo de distinção ensinará o


jovem a considerar como sinal de boa-educação a moderação
e a modéstia, e a tomar como coisa má o orgulho e a jactância.
Aqui também é útil refletir acerca do comportamento de Aga-
mémnon; pois ignorou o inabordável Esténelo, mas a Ulisses,
que estava ofendido, não negligenciou, antes, dirigiu-lhe a
palavra e respondeu;

quando percebeu que ele estava irritado; e voltou atrás no que


dissera.186

De facto, responder a todos é atitude servil e sem digni-


dade; e a todos desprezar é uma atitude arrogante e irracional.
Muito bem esteve Diomedes durante a batalha [c], ouvindo
em silêncio as censuras do rei, mas depois da batalha falou-lhe
livremente:

Primeiro insultaste o meu valor entre os Dânaos.187

É bom também não deixar passar a diferença entre um


homem sensato e um adivinho que gosta de se exibir. Com
efeito, Calcas não mostrou ter sentido da oportunidade, pois
não considerou grave perante a multidão acusar o rei de lhes
ter trazido a peste. Já Nestor queria dizer uma palavra sobre
a reconciliação com Aquiles, mas, para não parecer acusar
Agamémnon, perante a multidão, de ter errado e de se ter
deixado levar pela cólera, diz:

186
Ilíada 4. 357.
187
Ilíada 9. 34.
77
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Oferece um banquete aos anciãos; fica-te bem, não é inconve-


niente para ti;
e quando muitos estiverem reunidos, àquele que der melhor [d]
conselho obedecerás.188

E depois da refeição ele envia os embaixadores. Isto, sim,


era a correção de um erro; mas aquilo que Calcas fez foi uma
acusação e um insulto.
Deve-se ainda observar as diferenças entre os povos, que
se notam da seguinte forma: enquanto os Troianos avançam,
temerários e aos gritos, os Aqueus vão

em silêncio, temendo os chefes.189

De facto, quando os soldados vão enfrentar os inimigos,


temerem os chefes é sinal de coragem e ao mesmo tempo
de obediência. Por isso, Platão nos acostuma a recear [e] as
censuras e as coisas vergonhosas, mais do que os esforços e os
perigos190; e Catão dizia que gostava mais de quem enrubesce
do que de quem fica pálido191.
As promessas também têm características próprias. Por
exemplo, Dólon promete:

188
Ilíada 9. 70, 74-75.
189
Ilíada 4. 431.
190
Cf. Apologia de Sócrates 28b, onde Sócrates defende que os
homens devem ter medo não dos perigos e da morte, mas de praticar
más ações.
191
Plutarco repete esta história na Vida de Catão 9.4. Diógenes
Laércio (6. 54) conta que Diógenes, o Cínico, considerava o rubor “a
cor da virtude”; o que se explica certamente pelo facto de que quem
enrubesce tem, pelo menos, a noção do que é ou não moralmente bom e
conveniente. Já a palidez pode denotar medo do castigo e não vergonha
pelo mal praticado.
78
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Atravessarei o exército sem parar até chegar


à nau de Agamémnon.192

Já Diomedes nada promete, mas diz que terá menos medo


se for enviado juntamente com outro guerreiro193. Portanto, [f]
a prudência é boa e própria dos Helenos; a temeridade é má
e coisa de Bárbaros. Uma deve ser imitada, a outra rejeitada.
Também não deixa de ser motivo para uma útil reflexão
o modo como se sentem os Troianos e Heitor quando Ájax
está para entrar em combate com este. Ésquilo, quando nuns
Jogos Ístmicos, um pugilista foi atingido na cara e se levantou
uma gritaria entre o público, disse: “O que faz o treino! O
que foi atingido fica calado, e os espectadores é que gritam”.
Ora, quando o poeta diz que os Helenos, ao verem Ájax [30a]
avançando refulgente com as suas armas, se alegraram,

mas um terrível tremor penetrou nos membros de cada Troiano,


e a Heitor bateu com força o coração no seu peito,194

quem não admirará a diferença? Daquele que está em perigo só


o coração palpita, como acontece – por Zeus! – com o daquele
que vai lutar ou correr no estádio; mas quem observa é que
sente o corpo tremer e agitar-se devido ao afeto e ao temor pelo
seu rei. Neste ponto é também de observar a diferença entre
um homem nobre e um vilão. Com efeito, Tersites

era o mais odioso sobretudo para Aquiles e Ulisses, 195

192
Ilíada 10. 325-326.
193
Ilíada 10. 221-222.
194
Ilíada 7. 215-216.
195
Ilíada 2. 220.
79
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

mas Ájax foi sempre amigo de Aquiles e sobre ele diz a Heitor:
[b]

agora ficarás a saber claramente, tu só e de um homem só,


que homens excelentes existem entre os Dânaos
além de Aquiles, que rompe as fileiras dos homens, o do coração
de leão.196

Isto é um elogio a Aquiles, mas o que vem a seguir é dito


proveitosamente em honra de todos:

mas nós somos tais e tantos que podemos


enfrentar-te,197

não se mostrando nem como o único nem como o melhor, mas


capaz [c] de combater entre muitos iguais.
Acerca das diferenças isto é suficiente, a não ser que
queiramos acrescentar ainda que dos Troianos foram também
apanhados muitos vivos, mas dos Aqueus nenhum; e que
alguns daqueles se lançaram aos pés dos inimigos, como
Adrasto, os filhos de Antímaco, Licáon e o próprio Heitor, que
suplicou por sepultura a Aquiles198; ao passo que dos Aqueus
nenhum o fez, pois suplicar e lançar-se aos pés dos adversários
nos combates é coisa de Bárbaros; próprio de Helenos é vencer
lutando, ou morrer.
11. Tal como nos pastos a abelha procura a flor, a cabra o
rebento, a porca a raiz e os outros animais a semente e o fruto,
assim também [d] na leitura dos poemas um colhe a flor da

196
Ilíada 7. 226-228.
197
Ilíada 7. 231-232.
198
Os exemplos encontram-se em Ilíada 6.45-50 (Adrasto); 11. 130-
136 (filhos de Antímaco); 21. 64-96 (Licáon); 22. 337-343 (Heitor).
80
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

história, outro enraíza-se na beleza e no arranjo das palavras199,


como Aristófanes diz a respeito de Eurípides:

pois eu uso a concisão da sua boca;200

e outros aplicam-se a tirar proveito do que é dito a favor do


carácter. É a estes que se dirige aqui o nosso discurso. Devemos
recordar-lhes que é estranho que ao amante de histórias não passe
despercebido o que é contado de forma original e extraordinária; e
que o amante da linguagem não deixe escapar o que é enunciado
com pureza linguística201 e de acordo com os preceitos retóricos;
mas que o amante da beleza moral e da honra, que não se liga [e]
à poesia por divertimento, mas com vista à educação, ouça com
indiferença e desinteresse o que é proclamado a favor da coragem,
da temperança e da justiça, como, por exemplo202:

199
A tradução por ‘colhe a f lor’ (ἀπανθίζει) e ‘enraíza-se’
(ἐμφύεται) procura manter as metáforas do original.
200
Fr 488 Kassel-Austin.
201
A pureza de linguagem, aqui expressa pelo advérbio καθαρῶς
era uma das virtudes do estilo, a que os Gregos chamavam ἑλληνισμός
e os Romanos latinitas ou puritas. Tem que ver com o emprego de uma
expressão correta, de acordo com as normas gramaticais, e adequada
ao assunto.
202
As três formas de abordar os textos literários enunciadas anterior-
mente, estão agora sintetizadas nas palavras φιλόμυθος, φιλόλογος e
φιλόκαλος καὶ φιλότιμος, que traduzi, respetivamente por “amante de
histórias”, “amante da linguagem” e “amante da beleza moral e da honra”.
O interesse do primeiro tipo de leitor prende-se com a originalidade do
tratamento dos mitos pelos poetas; o do segundo com a linguagem, com
a composição retórica; o do terceiro tem que ver com a filosofia, por isso,
na tradução, acrescentei à palavra beleza o adjetivo moral, dado que é
da procura dessa beleza específica que se trata e não do sentido geral do
conceito que, verdadeiramente, podia caracterizar o objetivo de qualquer
das restantes formas de leitura dos textos.
Coragem (ἀνδρεία), temperança (σωφροσύνη) e justiça
(δικαιοσύνη) são três das virtudes cardeais gregas; a quarta é a pru-
dência ou sabedoria (φρόνησις), ecoada na frase seguinte a respeito
de Ulisses.
81
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Tidida, que nos aconteceu para esquecermos a força impetuosa?


Mas vem cá, bom amigo, fica de pé ao meu lado; pois uma
desonra
será se Heitor de elmo faiscante tomar as naus.203

O facto de ver que o homem mais prudente, estando em


risco de ser destruído e de morrer juntamente com o exército,
não teme a morte, mas antes o que é vergonhoso e censurável,
fará com que o jovem se afeiçoe à virtude. E com o verso:

Regozijou-se Atena com um homem sábio e justo,204

o poeta oferece a mesma conclusão, fazendo a deusa regozijar-


-se não com um homem rico, nem com um belo de corpo, ou
forte, [f] mas com um prudente e justo. De novo, quando a
faz dizer que não estará desatenta nem abandonará Ulisses:

porque é cortês, sagaz e prudente,205

mostra que, daquilo que nos pertence, só a virtude agrada aos


deuses e é divina, se é certo que, por natureza, o semelhante
atrai o semelhante.
Dado que [31a] dominar a ira parece ser e é uma coisa
grande, mas maior ainda é vigiar e precaver-se para não
sucumbir à ira nem ser arrastado por ela, então isso mesmo

203
Ilíada 11. 313-315. Palavras de exortação à coragem dirigidas
por Ulisses a Diomedes, o Tidida, num momento em que Heitor, com
grande violência, provocava muitas baixas entre os Aqueus. A prudência
é um dos traços da arete de Ulisses, daí que, na afirmação seguinte,
Plutarco não precise de nomear o emissor dos versos, referindo-se a ele
como “o homem mais prudente” (φρονιμώτατον).
204
Odisseia 3. 52. Trata-se ainda de Ulisses.
205
Odisseia 13.332.
82
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

se deve também mostrar, e não superficialmente, aos leitores,


em episódios como o de Aquiles que, não sendo um homem
paciente nem amável, ordena a Príamo que se acalme e não o
irrite, deste modo:

Agora não me irrites mais, ó ancião, (eu próprio penso


restituir-te Heitor, pois da parte de Zeus, veio a mim uma
mensageira)
não vá acontecer, ó ancião, que eu não te deixe na tenda,
embora sejas suplicante, e eu viole as ordens de Zeus.206

E após ter lavado [b] e vestido Heitor, ele mesmo o pôs no


carro antes que o pai o visse maltratado:

Não fosse acontecer que no seu peito aflito ele não conseguisse
conter a cólera
ao ver o filho, e enfurecesse o coração de Aquiles,
e este o matasse, violando as ordens de Zeus.207

É de uma admirável prudência que alguém propenso à ira


e por natureza cruel e irascível não se esqueça disso, mas se
previna, vigie as causas e ao longe as antecipe com o auxílio
da razão, [c] para evitar sucumbir involuntariamente à paixão.
Da mesma maneira se deve comportar o homem que gosta
de vinho em relação à bebedeira, e o homem voluptuoso em
relação à volúpia. Agesilau, por exemplo, não consentiu ser bei-
jado por um belo jovem que vinha ao seu encontro, e Ciro não
ousou ver Panteia 208. Ao contrário, os ignorantes pegam fogo

206
Ilíada 24. 560-561, 569-570.
207
Ilíada 24. 584-586.
208
Ambas as histórias são contadas por Xenofonte (Agesilau 11. 7.;
Ciropedia 5.1). Agesilau (c. 445-359 a.C.), rei espartano, terá recusado o
83
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

às paixões e abandonam-se àquilo em que são piores e mais


dados a escorregar. Já Ulisses não só contém a sua própria ira,
como também, ao perceber a irritação e o ódio nas palavras
de Telémaco, procura apaziguá-lo e prepará-lo de antemão,
ordenando-lhe que fique tranquilo e se contenha:

Eles vão desonrar-me dentro do palácio, mas que o teu querido


coração
aguente dentro do peito enquanto eu estiver a ser maltratado,
[d]
mesmo que me arrastem pelos pés ao longo da sala até à porta
ou me atirem objetos; mas tu, se vires isso, contém-te.209

Com efeito, tal como não se põe o freio aos cavalos quando
eles estão nas corridas, mas antes das corridas, assim também
homens irascíveis e impulsivos frente aos perigos são enviados
para os combates quando estão previamente preparados e
moderados pela razão.
Também as próprias palavras não devem ser ouvidas de
forma desatenta; sem, contudo, entrar nos jogos de Cleantes210,
que às vezes, na brincadeira, faz de conta que está a interpretar
e diz que

Zeus pai, que governas a partir do Ida (Idethen medeon)

beijo do jovem persa Megabates, embora lhe tivesse amor; e Ciro I (séc.
VI a. C), o rei persa, depois de ouvir a descrição da beleza de Panteia,
esposa de Abradatas de Susa que tinha sido capturada pelo seu exército,
recusou vê-la.
209
Odisseia 16. 274- 277. O começo do v. 274 apresenta uma
variante em relação ao texto que possuímos da Odisseia: οἱ δὲ (‘eles’)
em vez de εἰ δὲ (‘se eles’).
210
Cleantes (331-232 a. C.) foi discípulo de Zenão e seu sucessor
na Stoa, a escola estóica. Compôs um Hino a Zeus, de que possuímos
alguns fragmentos. Uma edição com tradução e comentário foi feita
por Thom (2005).
84
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

significa “que governas pela ideia” (eidesei medeon)211; e manda


ler como uma só as duas últimas palavras de

Zeus, senhor de Dodona (ana Dodonaie)212, [e]

por pensar que o ar que vem da terra por ‘exalação’ (anadosis)


sob a forma de vapor é “exalador” (anadodonaion)213. E tam-
bém Crisipo é muitas vezes engenhoso, não a brincar, mas a
inventar argumentos subtis de forma nada convincente, for-
çando o sentido da expressão “Crónida que vê ao longe” como
“hábil na discussão” e “o que domina pela força da palavra”214.
Mas o melhor é deixar estas coisas para os gramáticos e atentar
de preferência naqueles versos nos quais se encontra ao mesmo
tempo o que é proveitoso e convincente:

Nem o coração me impelia, porque aprendi a ser corajoso;215

e:

pois sabia ser amável com todos.216

211
Trata-se de uma brincadeira etimológica: Cleantes veria na
palavra Ἰδήθεν (formada pelo nome Ἴδη e o sufixo de lugar – θεν)
a mesma raiz da palavra εἴδησις ‘conhecimento’. Traduzi por ‘ideia’,
para manter a aparência do jogo etimológico. Hunter&Russell (2011:
177) defendem que na base desta interpretação está a semelhança fónica
entre ambas as palavras.
212
Ilíada 16. 23.
213
Esta interpretação faz eco de ideias dos Estoicos, que identi-
ficavam Zeus com o fogo cósmico ou o ar quente que se evapora da
terra. Sobre as dificuldades interpretativas suscitadas por este epíteto
de Zeus, vide Hunter & Russell 2011: 178. Acerca da teologia estoica
em Cleantes, vide Sardo (2003).
214
Crisipo (280-207 a.C) foi outro filósofo estoico, sucessor de Cle-
antes. Esta interpretação baseia-se no entendimento que o autor faz do
epíteto εὐρύοπα, um composto cujo segundo elemento – οπα – alguns
associavam com ὤψ ‘olho’, outros com ὄψ ‘voz’.
215
Ilíada 6. 444. Fala de Heitor a Andrómaca.
216
Ilíada 17. 671. Palavras de Menelau acerca de Pátroclo.
85
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Mostrando [f] que a coragem se aprende e pensando que


as relações amigáveis e aprazíveis entre os homens nascem do
conhecimento e de acordo com a razão, o poeta exorta a não
nos descuidarmos, mas a aprender o bem e a dar atenção a
quem ensina, dado que a rudeza e a cobardia são ignorância e
irreflexão. Com estes versos estão muito em sintonia aqueles
que o poeta diz acerca de Zeus e de Poseidon:

ambos tinham certamente a mesma linhagem e uma só pátria,


[32a]
mas Zeus nascera primeiro e sabia mais coisas.217

Ele mostra que a coisa mais divina e mais própria de reis é a


sabedoria, na qual reside a maior autoridade de Zeus, pensando
que também as outras virtudes a seguem218. E ainda se deve acos-
tumar o jovem a ouvir com os sentidos bem despertos estes versos:

Não dirá uma mentira, pois é muito sábio;219

e:

Antíloco, tu que antes eras sábio, o que fizeste?


Envergonhaste a minha excelência, prejudicando os meus
cavalos;220

217
Ilíada 13. 354-355.
218
Plutarco defende aqui a ideia socrático-platónica, segundo a
qual a sabedoria (φρόνησις) inclui todas as outras virtudes. Este passo
faz também eco, como mostram os exemplos e comentários seguintes
do autor, do pensamento dos Estoicos, que defendiam que as virtudes
estavam interligadas e que possuir uma era possuir todas. Cf. Diógenes
Laércio 7. 125.
219
Odisseia 3. 20=3. 328
220
Ilíada 23. 570-571. Palavras de Menelau a Antíloco no final
da corrida de cavalos incluída nas cerimónias fúnebres em honra de
Pátroclo.
86
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e:

Glauco, sendo tu quem és, porque falaste com sobranceria?


Meu amigo, eu pensava que superavas os outros pela tua
sabedoria.221[b]

Com efeito, os homens sábios não mentem, nem são desle-


ais nos combates, nem acusam outros injustamente. E, ao dizer
que Pândaro foi persuadido a violar os juramentos pela sua
falta de siso222, é evidente que pensa que o homem sábio não
comete injustiças. Também acerca da temperança é possível
mostrar coisas semelhantes, próximas das seguintes:

A mulher de Preto, a divina Anteia foi possuída por um desejo


violento
de se unir a este em amores ocultos; mas de modo algum per-
suadiu
um homem de bons pensamentos, o valente Belerofonte;223

e:

Na verdade, a princípio, ela recusou o ato vergonhoso, [c]


a divina Clitemnestra; pois tinha bons pensamentos.224

Nestes versos o poeta atribui ao bem pensar a causa da


moderação; e nas exortações aos combates, quando a cada
momento diz:

Que vergonha, Lícios! Para onde fugis? Sede agora velozes! 225

221
Ilíada 17. 170-171
222
Paráfrase de verso já antes citado (cf. supra n. 68).
223
Ilíada 6. 160-162.
224
Odisseia 3. 265-266
225
Ilíada 16. 422.
87
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e:

mas no pensamento ponde, cada um de vós


a vergonha e a vingança; pois uma grande contenda surgiu;226

parece dizer que é por causa da vergonha de atos desonrosos


que os homens sensatos se mostram corajosos e capazes [d]
de ultrapassar os prazeres e enfrentar os perigos. Partindo
destes princípios, também Timóteo, nos Persas, faz uma boa
exortação aos Gregos:

reverenciai a vergonha, que opera junto com a coragem no


combate.227

Ésquilo também considera que não ser arrogante perante a


glória e não ficar orgulhoso nem se envaidecer com os elogios
vindos de muitos são formas de sabedoria, escrevendo acerca
de Anfiarau:

Pois ele não deseja parecer o melhor, mas sê-lo,


colhendo no espírito o fruto da funda semente
de que nascem as boas decisões. 228

É que ter orgulho em si mesmo e na sua excelente disposi-


ção de espírito é próprio de um homem [e] com inteligência.
Por conseguinte, como tudo se reduz à sabedoria, é evidente
que toda a forma de virtude nasce da razão e da aprendizagem.

226
Ilíada 13. 121-122. A vergonha, uma das traduções possíveis
do difícil conceito de αἰδῶς, integra o código heroico dos guerreiros
homéricos. Sobre este conceito e a sua importância na axiologia grega,
vide Cairns 1993.
227
Fr. 789 Page. Sobre Timóteo vide supra n. 100.
228
Os Sete contra Tebas 592-594.
88
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

12. Tal como a abelha, segundo a sua natureza, encon-


tra nas flores mais amargas e nos espinhos mais agrestes o
mel mais doce e útil, assim também as crianças, se forem
corretamente alimentadas com os poemas, até dos que são
suspeitos de serem imorais e absurdos aprenderão a tirar, de
uma maneira ou de outra, alguma coisa útil e proveitosa.
Por exemplo, Agamémnon é suspeito de, por venalidade,
ter dispensado da expedição aquele homem rico que o tinha
presenteado com a égua Eta,

como presente, para que não o seguisse até à ventosa Ílion, [f]
mas ficasse em casa, regozijando-se; pois uma grande fortuna
Zeus lhe dera.229

Mas, como diz Aristóteles, fez bem em preferir uma boa


égua a um homem daqueles; pois um homem medroso e fraco,
amolecido pela riqueza e pela indolência, não tem o mesmo
valor que um cão ou que um burro – por Zeus!. Também
[33a] parece muito vergonhoso que Tétis exorte o filho a
procurar os prazeres e lhe lembre os de Afrodite. Mas neste
caso o que é preciso observar é o autodomínio de Aquiles, que
sabe estar próximo o fim da vida e, apesar de amar Briseida,
não se apressa a desfrutar dos prazeres quando ela volta para
junto de si; nem, como a maioria, fica a chorar o amigo sem
nada fazer e descurando as suas obrigações; mas afasta-se dos
prazeres devido à sua dor e mostra-se diligente nas ações e no
comando do exército. Ainda outro exemplo: Arquíloco não é
de louvar quando, condoído pela perda do marido da sua irmã
no mar, [b] pensa combater a dor com vinho e diversão. Mas
não há dúvida de que ele apresentou uma justificação razoável:

229
Ilíada 23. 297-299
89
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

pois nem a chorar remediarei alguma coisa, nem nada agravarei


por ir atrás dos prazeres e das festas.230

Ora, se este pensava que nada agravaria, “por ir atrás dos


prazeres e das festas”, porque é que as circunstâncias dolorosas
hão de ser piores para nós, que nos dedicamos à filosofia, par-
ticipamos nos assuntos políticos, vamos até à ágora, descemos
à Academia e nos ocupamos da agricultura? É por isso que não
são más as correções marginais que Cleantes [c] e Antístenes
fizeram 231: um, ao ver os Atenienses a fazer muito barulho no
teatro, mudou logo o verso:

Porque é vergonhoso se o não parece aos que o usam? 232

para:

o vergonhoso é vergonhoso, quer pareça quer não pareça.

E Cleantes, reescreve os versos sobre a riqueza:

dar aos amigos e, quando o corpo fica doente,


fazer despesas para o salvar.233

230
Fr. 11 West.
231
Como lembra Nussbaum (1993: 132), os Estoicos defendiam
que o homem sábio era bom em todas as artes, incluindo a poesia; por
essa razão alguns, como Cleantes, escreviam poemas ou corrigiam e
reescreviam versos de poetas da tradição, tentando deles expurgar o que
fosse inaceitável em termos morais ou teológicos. É de correções desse
tipo que Plutarco fala. Sobre Cleantes, vide supra n. 171. Antístenes
(séc. V-IV a.C.) foi amigo de Sócrates, um dos que Platão diz ter estado
nos momentos finais da vida do mestre. Escreveu várias obras, de que
possuímos apenas fragmentos e, como Sócrates, identificava a virtude
com a felicidade e defendia que ela podia ser ensinada.
232
Da tragédia Éolo de Eurípides. Fr. 17 Nauck. Aristófanes parodia
este verso em As Rãs 1475.
233
Eurípides, Electra 428-429. Trata-se de uma fala do Lavrador,
no primeiro episódio da peça, defendendo que a riqueza é importante
90
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

assim:

dar às prostitutas e, quando o corpo fica doente,


fazer despesas para o consumir.234

E Zenão235 corrige os versos de Sófocles:

Quem se aproxima de um tirano [d]


é seu escravo, ainda que chegue livre.236

reescrevendo-os assim:

não é escravo, se chegou livre.

Aqui a palavra ‘livre’ indica o homem destemido, mag-


nânimo e que não se rebaixa 237. Portanto, o que é que nos
impede também a nós de chamar os jovens para o bem com
réplicas como estas usando mais ou menos assim os textos? Por
exemplo, em vez de:

Isto é que é invejável para os homens:


que a seta do desejo vá cair onde se quer.238

para ajudar os amigos ou em caso de doença.


234
A substituição dos versos de Eurípides visa demonstrar a opinião
dos Estoicos, para os quais coisas como a riqueza ou a saúde não são
verdadeiros valores, dado que também podem ser usados para o mal.
235
Trata-se de Zenão (335-263 a.C.) de Cítio, cidade da ilha de
Chipre, fundador da escola estoica.
236
Fr. 789 Nauck.
237
Para os Estoicos a liberdade é uma característica moral; só o
homem sábio é verdadeiramente livre e a liberdade não depende das
circunstâncias exteriores. Cf. Schofield (1991: 48sqq).
238
Nauck, adespota, 354.
91
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

dizer antes:

que a seta do desejo vá cair onde é proveitoso;

pois receber e alcançar aquilo que não se deve desejar é coisa


deplorável e não digna de inveja. E:

Não foi para todos os bens que te gerou, [e]


Agamémnon, Atreu. Mas tanto deves alegrar-te
como afligir-te.239

Por Zeus!, diremos nós, deves alegrar-te e não afligir-te,


quando te cabem em sorte coisas modestas, pois não

foi para todos os bens que te gerou,


Agamémnon, Atreu

Ai, este é mesmo um mal que vem dos deuses para os homens:
quando alguém conhece o bem e não o pratica.240

Conhecer o melhor e, por incontinência e frouxidão,


deixar-se levar para o pior, não é um mal que vem dos deu-
ses, pelo contrário, é algo irracional, deplorável e próprio de
animais.

É a maneira de ser de quem fala que persuade, não a palavra.241

Antes, [f ] é a maneira de ser e também a palavra, ou a


maneira de ser usando a palavra, tal como o cavaleiro usa o

239
Eurípides, Ifigénia em Áulide 29-31.
240
Versos da tragédia perdida de Eurípides Crisipo; fr.841 Nauck.
241
Menandro, fr. 362 Kassel-Austin.
92
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

freio e o piloto o leme, pois a virtude não tem nenhum instru-


mento tão humano e natural como a palavra.

A.Inclina-se mais para o feminino do que para o masculino?


[34a]
B. Onde estiver a beleza, ele pende tanto para a esquerda como
para a direita.242

Mas era melhor dizer:

Onde estiver a sensatez, ele pende tanto para a esquerda como


para a direita,

e é realmente equilibrado; mas quem vira o barco para aqui e


para ali ao sabor do prazer e da beleza é canhestro e instável.

Os mortais que são sensatos têm medo do que vem dos deuses.243

De modo nenhum, antes:

Os mortais que são sensatos têm confiança no que vem dos


deuses,

pois medo têm os insensatos, os irrefletidos e os ingratos, por-


que até o poder e o princípio responsável por todo o bem eles
veem com desconfiança, como se fosse prejudicial, e temem-
-no. [b] Este é, pois, o tipo de correção que se pode fazer.

242
Kassel-Austin, adespota, fr. 355. Segundo Hunter &Russell
(2011: 190), estes versos, de autoria incerta, podem ser de um drama
satírico.
243
Kassel-Austin, adespota, fr. 356.
93
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

13. No que respeita ao uso mais extenso das palavras dos


poetas, Crisipo mostrou acertadamente que se deve transferir
e fazer passar o que é útil para situações semelhantes. Com
efeito, quando Hesíodo diz:

não morreria um boi se não houvesse um mau vizinho,244

a mesma coisa pode dizer acerca de um cão, de um burro


e de todos os que possam ser perdidos da mesma maneira.
E quando Eurípides diz:

não estando preocupado com a morte, quem é escravo? 245

tem de se entender que o mesmo fica dito a respeito do


sofrimento e da doença. Com efeito, tal como os médicos,
conhecendo a eficácia de um fármaco contra uma determinada
enfermidade, o transferem [c] e aplicam a todas as doenças
semelhantes, assim também um discurso, cujo uso pode ser
comunicado e partilhado não deve ficar ligado a um único
assunto, antes, deve ser dirigido a todos os assuntos similares; e
os jovens devem ser acostumados a reconhecer o que é comum
a outros casos e a transferir rapidamente o particular para o
geral, praticando e exercitando a sua agudeza de espírito em
muitos exemplos, para que, quando Menandro diz:

feliz aquele que possui bens e inteligência,246

eles pensem que isto mesmo ele podia dizer sobre a reputa-
ção, o poder e a força da palavra. E [d] em relação à censura

244
Trabalhos e Dias 348.
245
Fr. 958 Nauck.
246
Fr. 111 Kassel-Austin.
94
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

dirigida por Ulisses a Aquiles, quando este está em Ciros


sentado no meio das donzelas:

e tu, que apagas a brilhante luz da tua estirpe,


estás a fiar, tu que nasceste do mais nobre pai entre os
Helenos? 247

pensem que isto se diz também ao perdulário, ao avarento248,


ao negligente e sem educação:

estás a beber, tu que nasceste do mais nobre pai entre os Helenos?

ou “estás a jogar aos dados”249, ou “a jogar ao ataque à


codorniz”250, ou – por Zeus! – “andas a traficar” ou “a fazer
usura, sem um pensamento elevado nem digno da tua nobre
linhagem?”

247
De Eurípides. Fr.9 Nauck. Nos Poemas do Ciclo Épico, contava-
-se que Tétis, para impedir Aquiles de ir para Troia, o tinha escondido
no palácio do rei Licomedes de Ciros, disfarçado de rapariga entre as
filhas do rei. Ulisses tê-lo-ia descoberto e levado consigo. Eurípides
dedicou uma peça a esta história, intitulada Círios, donde talvez prove-
nham os versos aqui citados.
248
O vício a que Plutarco se refere aqui é o da αἰσχροκέρδεια,
que designa a obtenção de lucro de forma vergonhosa. À falta de
melhor tradução, traduzi a forma do adjetivo (αἰσχροκερδῆ) por
‘avarento’. Aristóteles (Ética a Nicómaco 1122a) inclui no número dos
αἰσχροκερδεῖς além dos donos de bordeis, dos usurários, dos ladrões
ou dos piratas, também os jogadores (κυβευτής), que Plutarco men-
cionará a seguir.
249
O jogo dos dados faz parte de um conjunto de vícios juvenis que
Plutarco desaconselha em Da educação das crianças 12b.
250
Em grego ὀρτυγοκοπεῖς: o primeiro elemento significa ‘codor-
niz’, o segundo é uma forma relacionada com o verbo que significa
‘bater’, ‘golpear’. Segundo informação de Pólux (9. 102), neste jogo cada
um dos dois jogadores colocava dentro de um círculo uma codorniz e
dava-lhe pequenos golpes na cabeça; ganhava aquele, cuja ave resistisse
mais tempo. Aristófanes parece referir-se a este jogo em Aves 1297.
95
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Não fales em riqueza. Não admiro um deus


que até o pior dos homens consegue adquirir facilmente.251 [e]

Portanto, “não fales da reputação, nem da beleza física,


nem da clâmide de general, nem da coroa sacerdotal, coisas
que nós vemos calharem em sorte até aos piores dos homens”.

Da frouxidão nascem vergonhosos filhos.252

Sim, por Zeus!, e do desregramento e da superstição e da


inveja e de todas as outras enfermidades. Mas quando Homero
diz, e muito bem:

Triste Páris, o melhor na aparência; 253

e:

Heitor, o melhor na aparência; 254

mostra que é digno de censura e de injúrias aquele que não


possui melhor qualidade do que a beleza da forma. Isto [f]
deve aplicar-se também a casos semelhantes, rebaixando os
que se orgulham por coisas sem qualquer valor, e ensinando
os jovens a considerarem uma vergonha e uma injúria expres-
sões como “o melhor em riquezas”, “o melhor em jantares”,
“o melhor em escravos ou em bestas de carga” e – por Zeus!
– estar sempre a dizer “o melhor em”.[35a] Com efeito, deve
procurar-se a superioridade que vem das coisas belas e ser o

251
Versos da tragédia perdida de Eurípides, Éolo. Fr. 20 Nauck.
252
Kassel-Austin, adespota, fr. 357.
253
Ilíada 3. 39.
254
Ilíada 17. 142
96
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

primeiro no que é de primeira importância e grande entre os


maiores. A glória advinda do que é insignificante e mau não é
gloriosa nem honrosa.
Este exemplo sugere imediatamente que analisemos as
censuras e os elogios, principalmente nos poemas de Homero.
Com efeito, há indícios fortes de que os atributos físicos e os
que dependem da sorte não são considerados dignos de grande
zelo. Em primeiro lugar, quando os heróis se cumprimentam
e quando se dirigem uns aos outros não o fazem com palavras
como ‘belo’, ‘rico’ ou ‘forte’, mas usam formas de louvor como
estas:

Laertida de divina linhagem, Ulisses de mil engenhos;255

e:

Heitor, filho de Príamo, semelhante a Zeus em inteligência;256


[b]

e:

Aquiles, filho de Peleu, grande glória dos Aqueus;257

e:

Divino filho de Menécio, muito caro ao meu coração.258

255
Verso usado várias vezes, tanto na Ilíada como na Odisseia. Vide
e.g. Odisseia 5.203.
256
Ilíada 7. 47 = 11. 200.
257
Ilíada 16. 21 = 19. 216.
258
Ilíada 11. 607.
97
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Depois, insultam sem nunca se agarrarem às características


físicas, mas censurando os defeitos:

pesado de vinho, tens olhos de cão,259

e:

Ájax, excelente nas querelas, mau em conselho;260

e:

Idomeneu, porque falas sempre com arrogância? Não tens


necessidade
de ser um falador arrogante; 261

e:

Ájax, fanfarrão de tolas palavras;262

Por fim, [c] Tersites é insultado por Ulisses não como coxo,
ou calvo, ou corcunda, mas como desbragado a falar; e a que
gerou Hefesto fala-lhe afetuosamente do seu coxear:

Levanta-te, ó meu filho manco.263

Esta é uma maneira de Homero se rir dos que têm vergo-


nha de serem coxos ou cegos, pensando que não é censurável

259
Ilíada 1. 225.
260
Ilíada 23. 483.
261
Ilíada 23. 478-479.
262
Ilíada 13. 824.
263
Ilíada 21. 331.
98
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

o que não é vergonhoso, e não é vergonhoso aquilo que não


depende de nós, mas da sorte.
Dois grandes benefícios obtêm aqueles que estão habitu-
ados a ouvir os poetas com atenção. Um leva à moderação,
a não lançar injúrias graves e insensíveis a ninguém pela sua
sorte; o outro à grandeza de sentimentos próprios, a que,
mesmo sofrendo os golpes da sorte, ninguém [d] se sinta
humilhado nem perturbado, mas suporte com calma os sar-
casmos, as censuras e os risos, sobretudo tendo presentes os
versos de Filémon:

Nada é mais agradável, nada mais elegante


do que ser capaz de suportar as injúrias;264

e atacando os erros e as paixões, caso pareça clara a necessi-


dade de reprimenda, tal como Adrasto, na tragédia, quando
Alcméon lhe disse:

nasceste da mesma família da mulher que matou o marido,

respondeu:

e tu és o assassino da mãe que te gerou.265

Pois [e] da mesma maneira que os que açoitam as vestes


não tocam o corpo266, assim os que insultam outros pela sua

264
Fr. 23 Kassel-Austin. Filémon de Siracusa (séc. IV-III a. C.) é
um comediógrafo, representante da chamada Comédia Nova.
265
Nauck, adespota 358.
266
Esta seria a forma de punição dos nobres Persas instituída por
Artaxerxes: eram as vestes que recebiam açoites, enquanto eles se lamen-
tavam e pediam perdão. Cf. Plutarco, De sera numinis vindicta 565a.
99
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

má sorte ou pelas suas más origens esforçam-se em vão e sem


benefício por coisas exteriores, mas não tocam a alma nem
aquilo que verdadeiramente precisa de correção e de ferroada.
14.Tal como acima 267 pensávamos que podíamos afastar
e refrear a confiança dos jovens opondo aos poemas maus e
nocivos palavras e pensamentos de homens distintos e com
responsabilidades políticas, assim também, se descobrirmos
neles alguma coisa inteligente e útil, devemos alimentá-la e
amplificá-la com demonstrações e testemunhos de filósofos,
atribuindo àqueles268 a descoberta. E isto [f] é justo e provei-
toso, já que as nossas crenças ganham força e valor quando
com as coisas ditas em cena, cantadas à lira ou treinadas na
escola concordam as doutrinas de Pitágoras e de Platão, e
quando os preceitos de Quílon e os de Bias269 conduzem [36a]
aos mesmos pensamentos que aquelas leituras de juventude.
Por essa razão tem de se mostrar, e não de passagem, que os
versos:

Minha filha, a ti não são dados os trabalhos da guerra,


procura antes as desejadas ocupações do casamento;270

e:

pois Zeus irritava-se contigo sempre que combatias com um


homem mais forte;271

Cf. supra cap. 4.


267

Isto é, aos poetas.


268
269
Quílon de Esparta e Bias de Priene eram dois dos chamados Sete
Sábios que Plutarco reúne no Banquete dos Sete Sábios.
270
Ilíada 5. 428.
271
Ilíada 11. 543.
100
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

em nada diferem do “conhece-te a ti mesmo”, antes, contêm o


mesmo pensamento. E ainda:

Tolos! Não sabem quanto mais vale a metade do que o todo;272

e:

a má decisão é péssima para quem a toma;273

é o mesmo que as doutrinas de Platão no Górgias e na Repú-


blica sobre “ser pior cometer injustiça do que sofrê-la” e “fazer
o mal [b] é mais nocivo do que suportá-lo”. E em relação ao
verso de Ésquilo:

Coragem! Pois o extremo da dor não dura muito tempo;274

deve-se dizer que esta frase é semelhante àquelas de Epicuro


que muito admiramos e repetimos, a saber, que “os grandes
sofrimentos desaparecem em pouco tempo e os que duram não
têm força”. Destas duas, a primeira foi claramente afirmada
por Ésquilo, e a outra decorre dessa afirmação, pois se o sofri-
mento grande e intenso não se mantém, o que se mantém não
é grande nem insuportável. E estes versos de Téspis:

vês que nisto Zeus é o primeiro entre os deuses:


a mentira, a jactância ou o riso tolo
não os pratica; e só ele não conhece o prazer;275 [c]

272
Hesíodo, Trabalhos e Dias 40.
273
Hesíodo, Trabalhos e Dias 266.
274
Fr. 352 Nauck.
275
Figura mais ou menos lendária a quem os Antigos atribuíam a
invenção da tragédia. Plutarco, na Vida de Sólon 29. 6-7, fala do seu
encontro com Sólon aquando da primeira representação trágica, e das
101
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

em que é que diferem de “pois o que é divino senta-se longe do


prazer e da dor”, como dizia Platão? E os versos:

direi que a virtude


possui a maior glória; pois a riqueza
encontra-se também entre os homens cobardes,

ditos por Baquílides276 e de modo semelhante também por


Eurípides:

eu nada mais venerável


considero do que a sabedoria,
pois ela está sempre entre os bons;277

e estes:

porque é que vós, mortais, em vão muitas coisas


possuís? Pensais que é com riqueza que se consegue a virtude?
Entre preciosos bens vos sentareis infelizes;278

não [d] são a confirmação do que os filósofos dizem acerca


da riqueza e dos bens externos, isto é, que sem a virtude são
inúteis e não trazem benefício a quem os possui? Relacionar
e aproximar deste modo os poemas às doutrinas dos filósofos
afasta-os do fabuloso e da máscara e confere seriedade às pala-
vras proveitosas. Além disso abre e faz avançar de antemão a
alma do jovem para os discursos filosóficos. E assim ele não

duras críticas do legislador a essa arte. Segundo Hunter & Russell (2011:
203), os pouquíssimos versos atribuídos a Téspis que chegaram até nós
devem ser espúrios.
276
Baquílides 1. 159-161.
277
Fr. 959 Nauck.
278
Fr. 960 Nauck.
102
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

chega a eles sem lhes tomar o gosto nem os ignorar de todo,


nem acriticamente cheio das coisas que estava sempre a ouvir
da mãe, da ama e – por Zeus! – do pai e do pedagogo, que [e]
proclamam a felicidade dos ricos e os veneram, e têm horror
à morte e ao sofrimento, e pensam que a virtude não deve ser
buscada e que ela nada é sem riquezas e fama. A princípio,
quando eles próprios escutam os filósofos dizerem o contrário
destas coisas, ficam tomados por um certo espanto, pertur-
bação e temor, pois não as aceitam nem as suportam, a não
ser que, como se estivessem para ir ver o sol vindos de uma
escuridão profunda, se forem habituando a não fugir, mas a
olhar para estas coisas sem dor, como que através de uma luz
refletida, que tem um raio suave de verdade misturada com os
mitos279. Com efeito, se antes tiver escutado e lido nos poemas:

chorar o que nasceu por quantos males o esperam


e, ao contrário, a quem morreu e deixou de padecer [f]
escoltá-lo para fora de casa aclamando-o com alegria;280

e:

de que precisam os mortais além destas duas coisas:


o milho de Deméter e um gole de água corrente?281

e:

oh, tirania, amiga dos homens Bárbaros;282

279
Estas imagens ecoam a famosa alegoria da caverna exposta por
Platão na República 518b.
280
Da tragédia perdida de Eurípides, Cresfonte. Fr. 449 Nauck.
281
Eurípides, fr. 892 Nauck.
282
Nauck, adespota 359.
103
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

e: [37a]

a felicidade dos mortais


nasce quando eles se deixam afligir menos;283

ficam menos perturbados e descontentes, ao escutarem nos


filósofos que “a morte nada é para nós” e “os bens da natu-
reza são limitados” e “a felicidade e a bem-aventurança não
as trazem a abundância de riquezas, nem a presunção das
ações, nem uns cargos e poderes, mas a ausência de dor e a
suavidade das paixões e uma disposição da alma que põe os
limites naquilo que vem da natureza”284. É por isso que, tanto
por causa destas coisas como por todas as anteriormente ditas,
o jovem precisa de um bom guia na leitura, para que, sem
ter sido antes prejudicado, mas de preferência previamente
instruído, se deixe conduzir [b] de boa vontade, com amor ao
saber e com natural familiaridade, pela poesia até à filosofia.

283
Nauck, adespota 360.
284
Todas estas sentenças são de Epicuro. Cf. Diógenes Laércio 10.
139, 141, 144.
104
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

BIBLIOGRAFIA

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Edições, traduções e comentários de outros Auto-


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London, University of London Press.

108
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

Volumes publicados na Coleção Autores Gregos


e Latinos – série Textos Gregos

1. Delfim F. Leão e Maria do Céu Fialho: Plutarco. Vidas Para-


lelas – Teseu e Rómulo. Tradução do grego, introdução e notas
(Coimbra, CECH, 2008).
2. Delfim F. Leão: Plutarco. Obras Morais – O banquete dos Sete
Sábios. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra,
CECH, 2008).
3. Ana Elias Pinheiro: Xenofonte. Banquete, Apologia de Sócra-
tes. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra, CECH,
2008).
4. Carlos de Jesus, José Luís Brandão, Martinho Soares, Rodolfo
Lopes: Plutarco. Obras Morais – No Banquete I – Livros I-IV.
Tradução do grego, introdução e notas. Coordenação de José
Ribeiro Ferreira (Coimbra, CECH, 2008).
5. Ália Rodrigues, Ana Elias Pinheiro, Ândrea Seiça, Carlos de
Jesus, José Ribeiro Ferreira: Plutarco. Obras Morais – No Ban-
quete II – Livros V-IX. Tradução do grego, introdução e notas.
Coordenação de José Ribeiro Ferreira (Coimbra, CECH, 2008).
6. Joaquim Pinheiro: Plutarco. Obras Morais – Da Educação das
Crianças. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra,
CECH, 2008).
7. Ana Elias Pinheiro: Xenofonte. Memoráveis. Tradução do grego,
introdução e notas (Coimbra, CECH, 2009).
8. Carlos de Jesus: Plutarco. Obras Morais – Diálogo sobre o Amor,
Relatos de Amor. Tradução do grego, introdução e notas (Coim-
bra, CECH, 2009).
9. Ana Maria Guedes Ferreira e Ália Rosa Conceição Rodrigues:
Plutarco. Vidas Paralelas – Péricles e Fábio Máximo. Tradução
do grego, introdução e notas (Coimbra, CECH, 2010).
10. Paula Barata Dias: Plutarco. Obras Morais – Como Distinguir
um Adulador de um Amigo, Como Retirar Benefício dos Inimi-
gos, Acerca do Número Excessivo de Amigos. Tradução do grego,
introdução e notas (Coimbra, CECH, 2010).

109
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

11. Bernardo Mota: Plutarco. Obras Morais – Sobre a Face Visível no


Orbe da Lua. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra,
CECH, 2010).
12. J. A. Segurado e Campos: Licurgo. Oração Contra Leócrates. Tra-
dução do grego, introdução e notas (Coimbra, CECH/CEC,
2010).
13. Carmen Soares e Roosevelt Rocha: Plutarco. Obras Morais –
Sobre o Afecto aos Filhos, Sobre a Música. Tradução do grego,
introdução e notas (Coimbra, CECH, 2010).
14. José Luís Lopes Brandão: Plutarco. Vidas de Galba e Otão.
Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra, CECH,
2010).
15. Marta Várzeas: Plutarco. Vidas de Demóstenes e Cícero. Tradução
do grego, introdução e notas (Coimbra, CECH, 2010).
16. Maria do Céu Fialho e Nuno Simões Rodrigues: Plutarco. Vidas
de Alcibíades e Coriolano. Tradução do grego, introdução e
notas (Coimbra, CECH, 2010).
17. Glória Onelley e Ana Lúcia Curado: Apolodoro. Contra Neera.
[Demóstenes] 59. Tradução do grego, introdução e notas (Coim-
bra, CECH, 2011).
18. Rodolfo Lopes: Platão. Timeu-Critías. Tradução do grego,
introdução e notas (Coimbra, CECH, 2011).
19. Pedro Ribeiro Martins: Pseudo-Xenofonte. A Constituição dos
Atenienses. Tradução do grego, introdução, notas e índices
(Coimbra, CECH, 2011).
20. Delfim F. Leão e José Luís L. Brandão: Plutarco.Vidas de Sólon
e Publícola. Tradução do grego, introdução, notas e índices
(Coimbra, CECH, 2012).
21. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata I. Tradução do grego,
introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2012).
22. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata II. Tradução do
grego, introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2012).
23. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata III. Tradução do
grego, introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2012).
24. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata IV. Tradução do
grego, introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2013).
25. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata V. Tradução do grego,
introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2013).
26. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata VI. Tradução do
grego, introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2013).

110
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

27. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata VII. Tradução do


grego, introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2013).
28. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata VIII. Tradução do
grego, introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2013).
29. Custódio Magueijo: Luciano de Samósata IX. Tradução do
grego, introdução e notas (Coimbra, CECH/IUC, 2013).
30. Reina Marisol Troca Pereira: Hiérocles e Filágrio. Philogelos (O
Gracejador). Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra,
CECH/IUC, 2013).
31. J. A. Segurado e Campos: Iseu. Discursos. VI. A herança de
Filoctémon. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra,
CECH/IUC, 2013).
32. Nelson Henrique da Silva Ferreira: Aesopica: a fábula esópica
e a tradição fabular grega. Estudo, tradução do grego e notas.
(Coimbra, CECH/IUC, 2013).
33. Carlos A. Martins de Jesus: Baquílides. Odes e Fragmentos Tra-
dução do grego, introdução e notas (Coimbra e São Paulo, IUC
e Annablume, 2014).
34. Alessandra Jonas Neves de Oliveira: Eurípides. Helena. Tradu-
ção do grego, introdução e notas (Coimbra e São Paulo, IUC e
Annablume, 2014).
35. Maria de Fátima Silva: Aristófanes. Rãs. Tradução do grego,
introdução e notas (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume,
2014).
36. Nuno Simões Rodrigues: Eurípides. Ifigénia entre os tauros. Tra-
dução do grego, introdução e notas (Coimbra e São Paulo, IUC
e Annablume, 2014).
37. Aldo Dinucci & Alfredo Julien: Epicteto. Encheiridion. Tradu-
ção do grego, introdução e notas (Coimbra e São Paulo, IUC e
Annablume, 2014).
38. Maria de Fátima Silva: Teofrasto. Caracteres. Tradução do grego,
introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Anna-
blume, 2014).
39. Maria de Fátima Silva: Aristófanes. O Dinheiro. Tradução do
grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e
Annablume, 2015).
40. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia Grega, Epigramas Ecfrásti-
cos (Livros II e III). Tradução do grego, introdução e comentário
(Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2015).

111
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

41. Reina Marisol Troca Pereira: Parténio. Sofrimentos de Amor.


Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra e São
Paulo, IUC e Annablume, 2015).
42. Marta Várzeas: Dionísio Longino. Do Sublime. Tradução do
grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC
e Annablume, 2015).
43. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia Grega. A Musa dos Rapazes
(livro XII). Tradução do grego, introdução e comentário (Coim-
bra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
44. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia Grega. Apêndice de Pla-
nudes (livro XVI). Tradução do grego, introdução e comentário
(Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
45. Ana Maria César Pompeu, Maria Aparecida de Oliveira Silva
& Maria de Fátima Silva: Plutarco. Epítome da Comparação
de Aristófanes e Menandro. Tradução do grego, introdução e
comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
46. Reina Marisol Troca Pereira: Antonino Liberal. Metamorfoses
(Μεταμορφώσεων Συναγωγή). Tradução do grego, introdu-
çãoe comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume,
2017).
47. Renan Marques Liparotti: Plutarco. A Fortuna ou a Virtude de
Alexandre Magno. Tradução do grego, introdução e comentário
(Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
48. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia grega. Epigramas Vários
(livros IV, XIII, XIV, XV). Tradução do grego, introdução e
comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
49. Maria de Fátima Silva: Cáriton. Quéreas e Calírroe. Tradução do
grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e
Annablume, 2017).
50. Ana Alexandra Alves de Sousa (coord.): Juramento. Dos fetos
de oito meses. Das mulheres inférteis. Das doenças das jovens. Da
superfetação. Da fetotomia. Tradução do grego, introdução e
comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2018).
51. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia grega. Epigramas de auto-
res cristãos (livros I e VIII). Tradução do grego, introdução e
comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2018).
52. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia grega. Epigramas eróticos
(Livro V). Tradução do grego, introdução e comentário (Coim-
bra e São Paulo, IUC e Annablume, 2018).

112
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

53. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia grega. Epigramas votivos e


morais (livros VI e X). Tradução do grego, introdução e comen-
tário (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018).
55. Maria de Fátima Silva: Pseudo-Eurípides. Reso. Tradução do
grego, introdução e comentário (Coimbra, Imprensa da Univer-
sidade de Coimbra, 2018).
55. Maria de Fátima Silva: Pseudo-Eurípides. Reso. Tradução do
grego, introdução e comentário (Coimbra, Imprensa da Univer-
sidade de Coimbra, 2018).
56. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia grega. Epitáfios (livro
VII). Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019).
57. Maria de Fátima Silva & José Luís Brandão: Plutarco. Vidas Para-
lelas – Alexandre e César. Tradução do grego, introdução e comen-
tário (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019).
58. Aldo Dinucci: As Diatribes de Epicteto, livro I. Tradução do
grego, introdução e comentário (Coimbra, Imprensa da Univer-
sidade de Coimbra, 2020).
59. Karen Amaral Sacconi: Fragmentos de Aristófanes (Aristophanis
fragmenta). Tradução do grego, introdução e comentário (Coim-
bra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020).
60. Reina Marisol Troca Pereira: Eratóstenes. Constelações do Zodíaco.
Introdução, tradução do grego, notas e índices (Coimbra,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020).
61. Joaquim Pinheiro: Plutarco. Vidas Paralelas: Aristides-Catão Cen-
sor. Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2021).
62. Carlos A. Martins de Jesus: Antologia Grega. Epigramas de
Banquete e Burlescos: (Livro XI). Introdução, tradução e notas
(Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2021).
63. Ana Alexandra Alves de Sousa: Apolónio de Rodes, Argonáutica,
Livros I e II. Estudo introdutório, tradução e notas (Coimbra,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2021).
64. Ana Ferreira e Manuel Tröster, Plutarco. Vidas Paralelas: Címon e
Luculo.
65. Maria de Fátima Silva, Pausânias. Descrição da Grécia. Livro I.
66. Marta Isabel de Oliveira Várzeas, Plutarco. Como deve o jovem
ouvir os poetas?

113
Plutarco. Como deve o jovem ouvir os poetas?

(Página deixada propositadamente em branco)

10
O tratado Como deve o jovem ouvir os poetas faz parte
de um conjunto de cerca de setenta e oito obras de
Plutarco, conhecidas pelo nome latino Moralia. Com
este tratado Plutarco retorna ao “antigo diferendo
entre poesia e filosofia”, radicalizado na República
de Platão e resolvido na Poética de Aristóteles, em-
bora nunca completamente ultrapassado. O tema
é retomado a partir do ponto de vista socrático – o
da educação –, e o autor insiste nos topoi do útil
e do agradável, usados pelo mestre. Mas, ao contrário
deste, a sua proposta vai no sentido de defender e
demonstrar as potencialidades pedagógicas da poesia
e o seu papel propedêutico em relação à filosofia.
OBRA PUBLICADA
COM A COORDENAÇÃO
CIENTÍFICA

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