Você está na página 1de 190

Série Autores Gregos e Latinos

antologia grega

Epigramas de
Banquete
e Burlescos
(Livro xi)

Introdução, tradução e notas


Carlos A. Martins de Jesus

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


COIMBRA UNIVERSITY PRESS
Série “Autores Gregos e Latinos –
Tradução, introdução e comentário”
ISSN: 2183-220X
Apresentação: Esta série procura apresentar em língua
portuguesa obras de autores gregos, latinos e neolatinos,
em tradução feita diretamente a partir da língua original.
Além da tradução, todos os volumes são também carate-
rizados por conterem estudos introdutórios, bibliografia
crítica e notas. Reforça-se, assim, a originalidade cientí-
fica e o alcance da série, cumprindo o duplo objetivo de
tornar acessíveis textos clássicos, medievais e renascen-
tistas a leitores que não dominam as línguas antigas em
que foram escritos. Também do ponto de vista da reflexão
académica, a coleção se reveste no panorama lusófono
de particular importância, pois proporciona contributos
originais numa área de investigação científica fundamen-
tal no universo geral do conhecimento e divulgação do
património literário da Humanidade.

Breve nota curricular sobre a autora


Carlos A. Martins de Jesus é doutorado em Estudos
Clássicos (especialidade de Literatura Grega) pela
Universidade de Coimbra, desenvolvendo à data uma
investigação de Pós-doutoramento financiada pela
Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre a Antologia
Grega (transmissão e tradução). Tem publicado um
conjunto amplo de trabalhos, entre livros e artigos em
revistas da especialidade, a maior parte dos quais dedicados
à poesia grega e à sua tradução para português. Assinou a
tradução das obras de diversos autores gregos (Arquíloco,
Baquílides, Ésquilo, Aristófanes, Plutarco, entre outros),
além de trabalhar continuamente na direção de teatro de
tema clássico, em Portugal e Espanha.
Série Autores Gregos e Latinos
Estruturas Editoriais
Série Autores Gregos e Latinos

ISSN: 2183-220X

Diretoras Principais
Main Editors

Carmen Leal Soares


Universidade de Coimbra
Maria de Fátima Silva
Universidade de Coimbra
Maria do Céu Fialho
Universidade de Coimbra

Assistentes Editoriais
Editoral Assistants

Daniela Pereira
Universidade de Coimbra

Comissão Científica
Editorial Board
Adriane Duarte Frederico Lourenço
Universidade de São Paulo Universidade de Coimbra

Aurelio Pérez Jiménez Joaquim Pinheiro


Universidad de Málaga Universidade da Madeira

Graciela Zeccin Lucía Rodríguez-Noriega


Universidade de La Plata Guillen
Universidade de Oviedo
Fernanda Brasete
Universidade de Aveiro Jorge Deserto
Universidade do Porto
Fernando Brandão dos Santos
UNESP, Campus de Araraquara Maria José García Soler
Universidade do País Basco
Francesc Casadesús Bordoy
Universitat de les Illes Balears Susana Marques Pereira
Universidade de Coimbra

Todos os volumes desta série são submetidos


a arbitragem científica independente.
Série Autores Gregos e Latinos

antologia grega

Epigramas de
Banquete
e Burlescos
(LIVRO XI)

Introdução, tradução e notas


Carlos A. Martins de Jesus

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


COIMBRA UNIVERSITY PRESS
Série Autores Gregos e Latinos

Título Title
Antologia Grega. Epigramas de Banquete e Burlescos (Livro XI)
Greek Anthology. Sympothic and Satyrical Epigrams (Book XI)

Introdução, tradução e notas


Introduction, translation and notes
Carlos A. Martins de Jesus
https://orcid.org/0000-0002-8723-690X

Editores Publishers Contacto Contact


Imprensa da Universidade de Coimbra imprensa@uc.pt
Coimbra University Press Vendas online Online Sales
www.uc.pt/imprensa_uc http://livrariadaimprensa.uc.pt

Coordenação Editorial Editorial Coordination


Imprensa da Universidade de Coimbra

Conceção Gráfica Graphics Projeto CECH-UC:


Rodolfo Lopes, Nelson Ferreira UIDB/00196/2020 – Centro de
Estudos Clássicos e Humanísticos
Infografia Infographics
da Universidade de Coimbra
Jorge Neves
Impressão e Acabamento Printed by
KDP

ISSN
2183-220X
ISBN
978-989-26-2055-8
© fevereiro 2021
ISBN Digital
978-989-26-2056-5 Imprensa da Universidade de Coimbra
Classica Digitalia Vniversitatis
DOI Conimbrigensis
https://doi.org/10.14195/978-989-26- http://classicadigitalia.uc.pt
2056-5 Centro de Estudos Clássicos e
Humanísticos da Universidade de
Coimbra

Trabalho publicado ao abrigo da Licença This work is licensed under


Creative Commons CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/pt/legalcode)
Antologia Grega.
Epigramas de Banquete e Burlescos (Livro XI)
Introdução, tradução e notas
Introduction, translation and notes
Carlos A. Martins de Jesus

Filiação Affiliation
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos

Resumo
Os 442 epigramas que constituem o livro XI da Antologia Grega constituem
uma a melhor mostra do género do epigrama satírico da antiguidade grega,
da época clássica à bizantina. Ainda assim, o anónimo escriba do Palatinus
estabeleceu uma subdivisão interna, entre poemas ditos “de banquete”
(sympotika, núms. 1-64) e “burlescos” (skoptika, núms. 65-442). Revela-
doras são as suas palavras sobre estes componentes: “Amplo uso se fez, ao
longo da vida, dos epigramas burlescos, dado que o homem tanto gosta de
burlar-se dos outros como de ouvir os outros a burlar-se do próximo, algo
que, estou em crer, sempre aconteceu entre os antigos, como se mostrará
com os epigramas seguintes”.

Palavras-chave
Antologia Grega, epigrama, banquete, sátira, burlesco

Abstract
The 442 epigrams contained in book XI of the Greek Anthology are the
best sample of the genre of Greek satirical epigram, from Classical to the
Byzantine era. Nonetheless, the anonymous scribe of the Palatinus made
an internal division between sympotic (sympotika, num. 1-64) and satirical
(skoptika, num. 65-442) epigrams. Full of meaning are his words on these
components: “A great use has forever been done of satirical epigrams, since
men is so fond on laughing on others and listening them laughing on their
neighbors, something I believe that always happened between the Ancients,
as the following epigrams demonstrate.”

Keywords
Greek Anthology, epigram, symposium, satire, burlesque
(Página deixada propositadamente em branco)
Autor

Carlos A. Martins de Jesus é doutorado em Estudos Clássicos


(especialidade de Literatura Grega) pela Universidade de Coimbra,
desenvolvendo à data uma investigação de Pós-doutoramento finan-
ciada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre a Antologia
Grega (transmissão e tradução). Tem publicado um conjunto amplo
de trabalhos, entre livros e artigos em revistas da especialidade, a
maior parte dos quais dedicados à poesia grega e à sua tradução para
português. Assinou a tradução das obras de diversos autores gregos
(Arquíloco, Baquílides, Ésquilo, Aristófanes, Plutarco, entre outros),
além de trabalhar continuamente na direção de teatro de tema clás-
sico, em Portugal e Espanha.

Author

Carlos A. Martins de Jesus has a PhD in Classical Studies (specialty of


Greek Literature) by the University of Coimbra and is currently working
on a postdoctoral research founded by the Fundação para a Ciência e
Tecnologia, on the Greek Anthology (transmission and translation). He
has a large record of published works, both books and papers in perio-
dical publications, mostly devoted to Greek poetry and its translation
into Portuguese. He is the author of the Portuguese translation of several
Greek authors’ works (Archilochus, Bacchylides, Aeschylus, and Plutarch,
among others), besides working continuously on classical theatre direc-
tion, both in Portugal and Spain.

7
(Página deixada propositadamente em branco)
Índice

Introdução 11
1. A Antologia Grega 11
2. O livro XI: epigramas de banquete e burlescos 14

Bibliografia 23

Epigramas de banquete e burlescos 27


I. Epigramas de banquete 29
II. Epigramas burlescos 55

Índice de Epigramatistas 183

9
(Página deixada propositadamente em branco)
Introdução

1. A A ntologia Grega
Parece remontar ao século IV a.C. o hábito de organizar
antologias poéticas de um só autor – de que são exemplo as
diversas Simonidea de que há notícia, com um conjunto de
inscrições atribuídas ao poeta de Ceos, não necessariamente da
sua lavra, muitas delas sequer suas contemporâneas. A prática
ganharia um desenvolvimento mais evidente durante o século
III a.C., quando os próprios poetas terão passado a organizar
coletâneas das suas composições, que assim conseguiam maior
divulgação – Ânite, Asclepíades, Calímaco ou Posidipo são
disso exemplos. A verdade é que o epigrama deixara, há um
século pelo menos, de ter como funcionalidade exclusiva a sua
inscrição na pedra. Chegados ao século III a.C., a sua vertente
ficcional, com os mais diversos temas e propósitos, tinha já
ascendido à categoria de género literário, cedo se transfor-
mando na forma poética de eleição para a maioria dos autores.
Tanto que a reunião antológica de epigramas de diversos auto-
res, como bem explica Alan Cameron (1993: 4), mais do que
uma opção, terá sido uma consequência inevitável.
A Antologia Grega, vulgarmente conhecida como Antolo-
gia Palatina devido ao principal manuscrito que no-la trans-
mitiu, consiste nas edições modernas num vasto conjunto de
epigramas em diversos metros, ainda que maioritariamente em
dísticos elegíacos, organizado em dezasseis livros, e que perfaz
a impressionante soma de mais de quatro mil componentes
poéticos. Trata-se, inegavelmente, do maior florilégio poético
11
Epigramas de Banquete e Burlescos

em língua grega conservado, recolhendo poemas de um vastís-


simo lapso temporal, que na realidade cobre todos os períodos
tradicionais da cultura Grega (arcaico, clássico, helenístico e
bizantino). Transmitida essencialmente por dois códices, o cha-
mado Palatinus (Palatinus Graecus 23 + Parisinus Graecus Suppl.
384 = P) de finais do século X e o autógrafo do século XIV
de Máximo Planudes (Marcianus Graecus 481 = Pl), depende
maioritariamente de uma antologia epigramática que não con-
servamos, organizada por Constantino Céfalas nos inícios do
século X, a qual terá reproduzido, sem muitas alterações (tal
qual uma edição revista e aumentada), o anónimo copista de
P. Céfalas, que provavelmente foi protopapa de Constanti-
nopla, teria recuperado um conjunto de florilégios anteriores
do epigrama grego, recorrendo sobretudo aos que organizara
Meleagro (inícios do século I a.C.), Filipo (século I) e Agátias
(século VI), aos quais acrescentou epigramas de outras fontes1,
organizados temática e alfabeticamente.
Dizíamos antes que não é por acaso que mais comumente se
conhece a Antologia Grega como Antologia Palatina. Se é certo
que, desde o século XVIII, com as edições de Reiske (1754),
Brunck (1772-1776) e Jacobs (1794-1814), é P a principal
fonte de organização e edição da Antologia Grega, durante mais
de três séculos e desde a sua editio princeps, pela mão de Lás-
caris (1494), foi a recensão de Planudes a única conhecida e
divulgada. Apenas em 1606 Saumaise, que teria descoberto

1
Além dos três florilégios principais, que desde logo nos permitem
a transmissão de epigramas de um vastíssimo lapso temporal, tem-se
como muito provável o uso direto de antologias pessoais de poetas com
ampla presença na Antologia, como já referíamos, como sejam Estratão
(livro XII), Páladas, Rufino ou Leónidas, além de recolhas autorais
como os Simonidea, os Anacreontea ou coletâneas sobre Homero, por
exemplo.
12
Antologia Grega

uma cópia do Palatinus num códice do séc. XI, começa a copiar


os epigramas que faltavam à já conhecida Antologia de Planudes,
não levando no entanto a bom porto o projeto da sua edição
completa. A atual organização em dezasseis livros tematica-
mente organizados de epigramas depende da edição de Dübner
(1846-1877)2, que pela primeira vez incluía num 16º livro os
componentes apenas colacionados por Planudes, ausentes de
toda a tradição manuscrita de P.
No que a traduções completas e sistemáticas diz respeito,
até à data contamos com as seguintes edições bilíngues: a fran-
cesa da coleção Budé (Paris, Les Belles Lettres, 13 vols., 1929-
1980), a inglesa de R. Patton (1916-1918, 5 vols., London,
William Heinemann Lda.), a alemã de H. Beckby (1957-1965,
4 vols., München) e as duas italianas de F. M. Pontani (1978-
-1981, 4 vols., Torino, Einaudi) e M. Marzi (2005-2011, 3
vols., Torino, UTET). Se, por um lado, são de grande utili-
dade os volumes da Antologia da coleção Budé sobretudo pela
extensão dos seus aparatos e das notas de pé de página e com-
plementares – além de ter em marcha um processo de atua-
lização de alguns livros pela inclusão sistemática da lição de
algumas syllogae minores –, o texto-base da nossa tradução é o
que consta dos dois volumes da edição de Beckby (1957-1965),
sempre que possível confrontado com as edições (por autores)
de Gow-Page (1965, 1968) e Page (1981). É propósito da pre-
sente série lograr, a médio-prazo, uma tradução completa em
Português da Antologia, acompanhada das explicações mínimas

2
À segunda edição da Anthologia Graeca de Jacobs (21813-1817) se
deve, na realidade, a primeira numeração dos poemas exclusivos da
tradição Planudea, editados em apêndice à referida edição, pelo que é
sua, em rigor, a editio princeps desses textos enquanto livro autónomo.
13
Epigramas de Banquete e Burlescos

necessárias a um leitor não familiarizado com a língua grega,


sob a forma de introduções e notas de rodapé.

2. O livro xi: epigramas de banquete e burlescos


Desde que o homem vive em sociedade, criticar e rir da
diferença do outro (e às vezes da sua própria) deve ter sido
uma prática espontânea, cedo cristalizada artisticamente na
literatura e demais artes. Rir do outro, rir de si, fazer do outro
a imagem de um grupo de indivíduos que com ele partilham os
mesmos traços, face a quem, não raro, é inevitável uma sensa-
ção poética de intolerância. Os 442 epigramas que integram o
livro XI constituem, dessa prática universal e intemporal, uma
pequena amostra da poesia invetiva e satírica que, desde muito
cedo, os Gregos cultivaram.
O anónimo escriba do Palatinus estabeleceu, para o atual
livro XI, uma subdivisão interna, entre poemas ditos “de ban-
quete” (sympotika) e “burlescos” (a tradução que preferimos
para o grego para skoptika, como adiante se demonstra) 3.
Quanto aos sympotika, que ocupam a primeira seção (núms.
1-64), a classificação não parece deixar dúvidas: trata-se de epi-
gramas feitos para (ou mesmo improvisados durante) o banquete,
o “ato coletivo de beber”4. O mesmo banquete com o qual as
origens do género epigramático têm íntima relação, e no qual
cabem os mais distintos temas, do sério ao jocoso; reflexões
sobre a vida, a moira e o poder dos deuses, mas também moti-
vos cómicos, burlescos, satíricos (os adjetivos podem continuar

3
Diferente o método de Planudes, que reúne os epigramas de
ambos grupos num só, internamente organizado por lemas temáticos,
dispostos por ordem alfabética.
4
Sobre o género, vd. Giangrande (1968: 91-177).
14
Antologia Grega

a somar-se) e de natureza licenciosa (sexual e pornográfica),


garante da animação pela exploração do valor apotropaico do
riso. O banquete que Alcínoo oferece a Ulisses no canto 8 da
Odisseia é já um exemplo incontornável. O canto de Demó-
doco é essencialmente heroico, acedendo ao pedido de Ulisses
para cantar a destruição da cidadela de Tróia pelo cavalo de
madeira (Od. 8. 487-520). Mas visa sobretudo deleitar os con-
vivas, daí que, com o tempo, nos banquetes entrassem novos
temas e novas formas: o vinho, o amor e o sexo, mas também
a história, o mito, a guerra, as reflexões sobre a vida e sobre a
morte, até mesmo um ou outro episódio esporádico, trágico
ou cómico.
É hoje tendência aceitar que todos estes temas se adapta-
ram à forma do epigrama, e que tal ocorreu, precisamente,
em contexto do banquete. Assim, e no que à Antologia
Grega diz respeito, a maioria dos epigramas dos seus atuais
15 livros tem relação, direta ou indireta, com esse contexto.
É por isso no mínimo estranho que o livro XI apenas inclua
64 epigramas encabeçados pelo lema “... burlas e conselhos
dos antigos, que sempre improvisavam ao redor da bebida
(ou quando se metiam nos copos)”. Da leitura destes com-
ponentes, fica de alguma forma a ideia de que o compila-
dor original terá selecionado epigramas nos quais a presença
(temática e linguística) dos principais elementos conviviais
(o vinho, desde logo) fosse mais evidente. É só uma expli-
cação, das muitas possíveis para um assunto que tem sem-
pre que levar em conta as peripécias da transmissão textual.
O certo é que, dentro destes primeiros 64 componentes,
é o vinho o elemento dominante: o vinho como repelente
de preocupações, incluindo a velhice e a morte (e.g. núms.
3, 19, 59); como símbolo do carpe diem (e.g. núm. 23); mesmo
como elemento destrutivo, do corpo e do caráter (e.g. núms.
15
Epigramas de Banquete e Burlescos

12, 23, 46), que leva por vezes (não muitas, neste contexto) a
aconselhar moderação (e.g. núm. 49). Com o vinho vai sem-
pre a par o amor (núm. 64), e pode o primeiro ora inspirar
o segundo (e.g. núms. 24, 34), ora torná-lo mais difícil (e.g.
núms. 29, 30). Está finalmente presente, como motivo poético,
o próprio banquete que é cenário e atelier destes epigramas, e
com ela a comida (e.g. núms. 1, 9, 35).
Não é completamente clara a divisão dos epigramas entre as
duas seções no Palatinus, desde logo, como se disse, pela trans-
versalidade do seu assunto. Algo que o escriba parece assumir
na epígrafe à segunda seção (núms. 65-442), quando afirma:
“amplo uso se fez, ao longo da vida, dos epigramas burlescos,
dado que o homem tanto gosta de burlar-se dos outros como
de ouvir os outros a burlar-se do próximo, algo que, estou em
crer, sempre aconteceu entre os antigos, como se mostrará com
os epigramas seguintes”. Seja como for, o certo é que um ainda
considerável número de componentes da primeira seção pode-
ria (e até deveria) incluir esta segunda parte; textos onde o ban-
quete, quanto muito, é apenas o cenário implícito ou referido
de passagem, e nos quais é mais evidente a intenção satírica
que os motiva (e.g. 4, 6, 7, 13-16). Teriam também estes epi-
gramas na sala de banquetes (preferencialmente masculina) um
espaço de laboratório e exibição. Não há ainda muito tempo, L.
Floridi (2012: 632-660) refletiu acerca das relações entre este
subgénero e a literatura dita popular, especulando com toda a
coerência acerca de coletâneas de piadas e anedotas5 que teriam
como principal propósito ser fonte para outros poetas – livros
de que os núms. 438-441 parecem dar mostra.

5
Infelizmente, apenas conservamos um exemplo desse tipo de
material, o Philogelos, cujo terminus post quem costuma colocar-se em
248 da nossa era. Sobre estas coletâneas, vd. J. Bremmer (1997: 11-28).
16
Antologia Grega

Porém, muitos componentes da segunda seção tampouco


poderiam classificar-se, num primeiro momento pelo menos,
de burlescos. Cabem nesse grupo alguns epigramas de Páladas,
entre outros, aos quais assenta melhor a definição de epigramas
morais – e por isso poderiam constar do livro X da Antologia, já
chamado precisamente de “livro de Páladas” (e.g. núms. 301,
355).
Explicam esta aparente anomalia, além das complexas ques-
tões de transmissão de uma obra como a Antologia Grega, for-
mada a partir de sucessivos florilégios epigramáticos anteriores,
o adjetivo que temos estado a traduzir por burlesco, e às vezes
por satírico. Em grego, os núms. 65-442 são considerados skop-
tika, termo que tem na sua formação o verbo skoptein (“picar”,
de onde “burlar”, “escarnecer”) mas que costuma designar tam-
bém a poesia que pretende ser sobretudo uma demonstração do
génio e da técnica do seu autor, burlas que podem ser morais,
mas são, antes disso, linguísticas6. E são de facto muitos os
casos de epigramas que têm numa hipérbole (e.g. núms. 74,
85, 162), num paradoxo (e.g. núms. 103, 116), num jogo de
palavras (e.g. núms. 84, 113, 140, 222, 260, 283, 290, 310,
381, 397, 400, 402), num provérbio (e.g. núms. 141, 195,
417) ou na paródia literária (e.g. núms. 130, 132, 140, 141,
400, 401) a sua razão de ser. Isto confere a estes poetas, irreme-
diavelmente, um forte grau de experimentalismo.
Dito de outra forma, o riso como resultado (esperado, pelo
menos) não é condição para estarmos ante um epigrama skopti-
kos – termo que continuamos a preferir traduzir por “burlesco”.
Quando o jogo – desta poesia que é essencialmente lúdica – é
sobretudo linguístico, fica à partida dificultada a tarefa do tra-

6
Sobre o subgénero literário, vd. G. Nisbet (2007: 353-358).
17
Epigramas de Banquete e Burlescos

dutor, e só em poucos casos se logra uma tradução igualmente


funcional em português, como o leitor poderá avaliar da leitura
dos textos. Porque profundamente pessoal – mesmo quando
o alvo da burla não é um indivíduo, mas uma classe de indi-
víduos, ou determinado defeito físico ou moral – este tipo de
epigrama admite grande variedade de temas e motivos. Conti-
nua válida, a propósito dos temas, a divisão levada a cabo por
Brecht (1930), que distingue os epigramas pela sua intenção
final, entre os que buscam o psogos de inspiração iâmbica – um
ataque pessoalmente dirigido com vista à desonra do destinatá-
rio – e os que perseguem mais o geloion, o risível, a burla social
tipificada ou simplesmente a graça inócua entre simposiastas
eruditos (ou que disso presumem) 7.
Tem-se querido entender que o epigrama helenístico8 foi
responsável por esta transição do individual para o coletivo, e
os componentes do livro XI parecem confirmar essa tendência.
Mais afastados dos propósitos invetivos do iambo grego de
Arquíloco e Hipónax, ou mesmo da comédia aristofânica, os
epigramas parecem refletir agora, mais diretamente, as influên-
cias de um novo paradigma cómico, inspirado em outros fenó-
menos artísticos como a comédia nova ou a sátira menipeia,
com a sua aposta em quadros sociais e personagens tipo. Com
Lucílio9 (séc. I), inevitavelmente ligado pela crítica à arte do

7
Aristóteles (1448b) teoriza a distinção entre os conceito de geloion
e psogos, exemplificando com o pseudo-Homérico Margites. Adiante
(1449a32-37), quando tenta definir a comédia, refere-se ao conceito de
geloion (“risível”) como uma forma de aischron (“vergonhoso”).
8
Vd. Blomquist (1998: 45-60).
9
Sobre o epigrama de Lucílio, no geral, vd. Crupi (1964); em
particular sobre os seus epigramas burlescos, vd. Lamolda (1990-1995:
187-195).
18
Antologia Grega

romano Marcial 10, o género parece atingir o seu expoente


máximo: estão criados os principais motivos e as principais
tipologias de personagem que vamos depois encontrar durante
todo Império e nos poetas bizantinos, que amiúde o imitam
nos temas e no estilo. Mesmo quando um epigrama menciona
o nome do seu alvo, na maior parte das vezes esse nome é uma
criação linguística (e.g. núm. 210) que, pelo sentido que tem
implícito, transforma determinada figura na sinédoque de toda
uma classe ou grupo que partilha do mesmo defeito. A burla
mais invetiva, mais ligada ao psogos iâmbico, parece, contudo,
recobrar força mais tarde. É o que sucede com o sempre com-
plexo Páladas, que aos tipos e motivos de Lucílio vai acrescen-
tar algumas críticas pessoais não disfarçadas, como é o caso dos
núms. 283-285, contra o Prefeito Damonico.
Seria talvez exaustivo (e pouco frutífero) estabelecer aqui
uma síntese de todos os temas e tipos sociais que são alvo da
burla destes poetas, cronologicamente distribuídos ao largo de
mais de quinze séculos. Desde logo porque o copista de P teve
esse cuidado, ao organizar grupos sucessivos de epigramas sub-
metidos a um mesmo lema que lhes desvenda o assunto (maio-
ritariamente o alvo da burla), epígrafes que neste volume se
traduzem. Mas esta informação desaparece a partir do núm. 243,
quando só esporadicamente (ainda assim umas 60 vezes) surgem
lemas para um só epigrama, todos pela mão do copista B, que
terá querido suprir essa lacuna informativa do manuscrito o
melhor que pôde. Deve isto significar que, a dada altura, mudou
a fonte manuscrita que preferencialmente se vinha utilizando11.

10
Vd. Burnikel (1980).
11
Sobre este complexo assunto, e as fontes que podem ter sido uti-
lizadas para a composição deste livro, vd. Aubreton (1972, repr. 2002:
27-39).
19
Epigramas de Banquete e Burlescos

Os grupos profissionais – a sua falta de profissionalismo,


especialmente – são frequentemente o alvo: médicos, filóso-
fos (cínicos, sobretudo), advogados, juízes, gramáticos, atletas,
prostitutas, etc.; também personagens unidas na partilha de um
mesmo defeito físico ou vício moral (sendo que um é, por vezes,
par do outro): o gordo ou o lingrinhas, o fulano demasiado
alto ou demasiado baixo, o que sofre de gota, o adúltero, o
homossexual passivo, o ladrão, o mentiroso, etc. Numa catego-
ria à parte devem talvez figurar os epigramas que são sobretudo
paródia literária, contra poetas ou gramáticos que se perdem
em explicações exaustivas ou entre citações de versos alheios –
mostra, em última instância, de rivalidade profissional.
Há, em tão grande variedade de temas e motivos, uma ine-
vitável interseção com outros subgéneros do epigrama. Assim,
os motivos eróticos que encontramos nos livros V e XII da
Antologia (de epigramas hétero e homoeróticos, respetivamente)
são utilizados para levar a cabo, por exemplo, a burla de uma
mulher já velha (núm. 17); como, noutros pontos, vemos ecos
do epigrama funerário (e.g. núms. 122, 133), do ecfrástico
(e.g. núms. 113, 270), ou do moralista (e.g. núm. 348), postos
ao serviço da intenção burlesca destes autores. O resultado, na
maioria dos casos, são epigramas breves, normalmente entre
um e três dísticos, cuja funcionalidade se aproxima da das ane-
dotas, trocadilhos ou historietas burlescas. Uma poesia que
vive, de algum modo, no frágil mas cómico equilíbrio entre o
popular e o erudito, e que tem na burla intelectual a sua base
formal.
Muito mais haveria a dizer acerca destes epigramas, de mui-
tas outras formas se poderia categorizá-los, e muito poderia
buscar-se acerca da sua fortuna na literatura posterior – nas
cantigas de escárnio e maldizer provençais, por exemplo, onde
encontramos grande parte dos motivos e dos recursos expressi-
20
Antologia Grega

vos utilizados pelos poetas da Antologia. Mas cremos que nada


disso dispensaria ou sequer facilitaria sobremaneira a sua lei-
tura. As notas são, como sempre, reservadas a aclarar aspetos
toponímicos ou mitológicos, do contexto geral dos poemas.
Neste caso em particular, grande parte delas elucida sobre
os jogos linguísticos com que a todo o momento se depara
o leitor, explicando o sentido do original – tanto quanto a
ele podemos aceder – e suprindo a informação que não pôde
transmitir-se em tradução.

21
(Página deixada propositadamente em branco)
Bibliografia

Aubreton, R. (1972, repr. 2002), Anthologie Grecque. Tome X. Antho-


logie Palatine. Livre XI. Paris.
Beckby, H. (1957-1965), Anthologia Graeca. Band 1, Buch I-VI,
1957; Band 2, Buch VII-VIII, 1957; Band 3, Buch IX-XI,
1958; Band 4, Buch XII-XVI, 1965. München.
Bing, P., Bruss, J. S. (2007), Brill’s companion to Hellenistic epigram:
down to Philip. Leiden.
Blomquist, J. (1998), “The development of the satyrical epigram
in the Hellenistic period”, in M. A. Harder (ed.), Genre in
Hellenistic Poetry. Gröningen, pp. 45-60.
Bolmarcich, S. (2002), “Hellenistic sepulchral epigrams on Homer.”
in Harder, M. A. et alii (eds.), Hellenistic Epigrams. Leuven:
67–83.
Brecht, F. J. (1930), The Epigram of Derison: Motiv – und Typenges-
chichte des griechischen Spottepigramms. Cambridge.
Bremmer, J. (1997), “Jokes, Jokers and Jokebooks in Ancient Greek
Culture”, in J. N. Bremmer, H. Roodenburg (eds.), A Cul-
tural History of Humour. From Antiquity to the Present Day.
Cambridge: 11-28.
Brunck, R. F. Ph. (1772-1776), Analecta Veterum Poetarum Graeco-
rum. 3 vols. Strasburgo.
Burnikel, W. (1980), Untersuchungen zum Struktur des Witzepigramms
bei Lukillios und Martial. Berlin.
Cameron, A. (1993), The Greek Anthology. From Meleager to Planudes.
Oxford.

23
Epigramas de Banquete e Burlescos

Crupi, P. (1964), L’epigramma greco di Lucilio. Napoli.


Dübner, F. (1846-1877), Epigrammatum Anthologia Palatina cum
Planudeis et appendice nova epigrammatum veterum ex libris et
marmoribus ductorum. Paris.
Floridi, L. (2012), “Greek Skoptic Epigram and ‘Popular’ Literature:
Anth. Gr. IX and the Philogelos”, GRBS 52: 632-660.
Giangrande, G. (1968), “Sympotic literature and Epigram”, in A. E.
Raubitschek (ed.), L’épigramme grecque: sept exposés suivis de
discussions. Vandœuvres-Genève: 91-107.
Gow, A. S. F., Page, D. L. (1965), The Greek Anthology. Hellenistic
Epigrams. Vol. I Introduction, text, and indexes of sources and
epigrammatists; Vol. II Commentary and indexes. Cambridge.
Gow, A. S. F., Page, D. L. (1968), The Greek Anthology: the Garland
of Philip. 2 vols.
Jacobs, Fr. (1794-1814), Anthologia graeca sive poetarum graecorum
lusus ex recensione Brunckii. 5 vols. (+ 7 comm.), Leipzig.
Jacobs, Fr. (21813-1817), Anthologia graeca ad fidem codicis olim Pala-
tini, nunc Parisini ex apographo gothano edita. 3 vols., Leipzig.
Lamolda, B. (1990-1995), “Los epigramas satíricos de Lukillios”,
Euroliceo 1-2, pp. 187-195.
Láscaris, J. (1494), Anthologia graeca Planudea. Firenze.
Marzi, M., Conca, F., Zanetto, G. (2005-2011), Antologia Palatina.
Vol. 1, libri I-VII, 2005; vol. 2, libri VIII-XI, 2009; vol. 3,
libri XII-XVI, 2011. Torino.
Nisbet, G. (2007), “Satiric epigram”, in P. Bing, J. S. Bruss (eds.),
pp. 353-369.
Page, D. L. (1981), Further Greek Epigrams. Epigrams before A.D.
50 from the Greek Anthology and other sources, not included in
‘Hellenistic Epigrams’ or ‘The Garland of Philip’. Cambridge.
Patton, W. R. (1916-1918), The Greek Anthology (5 vols.). London.

24
Antologia Grega

Pollitt, J. J. (1986), Art in the Hellenistic Age. Cambridge.


Pontani, F. M. (1978-1981), Antologia Palatina. Vol. 1, libri I-VI,
1978; vol. 2, libri VII-VIII, 1979; vol. 3, libri IX-XI, 1980;
vol. 4, libri XII-XVI, 1981. Torino.
Reiske, J. J. (1754), Anthologiae graecae a Constantino Cephala conditae
libri tres... 3 vols. Leipzig.

25
(Página deixada propositadamente em branco)
EPIGRAMAS DE BANQUETE
E BURLESCOS

ANTOLOGIA GREGA XI
(Página deixada propositadamente em branco)
I. Epigramas de Banquete

1. DE NICARCO

Nas festas de Hermes1, Afrodísio trazia seis medidas de vinho


e tropeçou, a todos causando grande sofrimento.
O vinho, se até o Centauro2 deitou a perder; como não
[faria ele
o mesmo connosco? Agora, perdemo-lo nós!

2. DE CALÍCTER

Teodoro, filho de Ésquilo! Porque me atacam os finórios?


Não vais pará-los? É que todos eles têm pedras!3

3. ANÓNIMO

Gostaria de ter sido rico, como antes foi Creso4,


ter sido rei e senhor da imensa Ásia.

1
As Hermaia, cujo culto se revestia de natureza dionisíaca, contem-
plavam jogos atléticos de crianças e adolescentes.
2
Eurítion, causador da luta entre Lápitas e Centauros (Odisseia
21.295). Cf. núm. 12, que prova que a frase se devia ter tornado
proverbial.
3
Não é claro o sentido do epigrama – que, de todas as formas,
é mais satírico que simposiasta. Seria Teodoro um médico, a quem
pede ajuda para tratar pedras dos rins? E quem seriam estes “finórios”
(aristoi)?
4
Último governante da Lídia antes da tomada de Sardes pelos
Persas, em 546 a.C., Creso era pelo menos desde Arquíloco de Paros
(séc. VII a.C.) modelo poético de riqueza material.
29
Epigramas de Banquete e Burlescos

Mas quando vejo Nicanor, o que faz os caixões,


e sei para que faz tais estojos de flautas,
então espalho farinha, humedeço-a com uns copos5
e vendo a Ásia por perfumes e coroas.

4. DE PARMÉNION

Casado com uma mulher solícita com o vizinho, o fulano


ressona e engorda6. Eis um trabalho bem fácil:
não navegar, não arar a terra, só ressonar de pança cheia,
comendo à grande a expensas de outro gajo.

5. DE CALÍCTER DA MAGNÉSIA

Quem consegue em casa trigo sem ter que o comprar,


deve ter por esposa um corno de Amalteia7.

6. DO MESMO

Boda de homem pobre é uma luta de cães, motivo de gritaria,


abusos, injúrias, golpes, crimes, cuidados e processos.

5
Seria uma iguaria frequente dos banquetes. Cf. Ilíada 9.639;
Ateneu 10.432.
6
A prostituição como remédio para a miséria. Cf. o núm. 65.
7
I.e. a esposa é bastante rica, não necessariamente uma prosti-
tuta (embora esse sentido possa ressaltar da tradução). Zeus ofereceu
esta cornucópia às Ninfas como símbolo e fonte de fecundidade e
abundância.
30
Antologia Grega

7. DE NICARCO

Ninguém, Caridemo, aguenta dormir sempre com a própria


esposa e com isso deleitar-se no fundo do coração.
A nossa natureza, tão dada a belisques e a mudar de pele,
está sempre à procura de uns afagos estrangeiros.

8. [DE NICARCO]

Não me honres com perfumes nem coroas as estelas de pedra,


nem de novo acendas o fogo – é trabalho em vão!
Em vida, se quiseres, agracia-me! Humedecendo-me as cinzas
farás um lamaçal; e o morto, esse, nada beberá!8

9. DE LEÓNIDAS [DE ALEXANDRIA]

Não me dês após jantar, quando já não controlo o estômago,


maminhas de porca e fatias de presunto!
Tampouco a agricultores a chuva inesperada após a colheita
agrada, ou o Zéfiro9 a nautas ancorados.

10. DE LUCÍLIO

Conheceis bem a norma dos banquetes cá de casa; mas hoje,


Aulo, convido para o banquete com novas regras.

8
O epigrama lê-se, com algumas variantes, numa estela de Cerélia
Fortunata (séc. III), e deve ser essa origem epigráfica que explica a
indicação de anónimo na tradição manuscrita da Antologia.
9
O vento de oeste, de todos o mais favorável à navegação.
31
Epigramas de Banquete e Burlescos

Poeta algum se sentará à mesa a cantar; e tu, não hás de ter


nem provocar quaisquer discussões gramaticais10.

11. DO MESMO

Não te sabia um trágico, Epícrates, nem tocador de flauta,


nem o tipo de pessoa capaz de reunir um coro.
Convidei-te só a ti; mas vieste trazendo de casa um coro
de dançarinos, a quem passavas tudo à socapa.
Se há de ser assim, manda reclinar os teus escravos à mesa,
que nós viremos aos seus pés para os servir.

12. DE ALCEU [DE MESSENE]

O vinho matou até o Centauro11, Epícrates, não só


a ti ou à amável juventude de Cálias.12
É o Caronte dos copos esse zarolho13! Oxalá
lhe envies rápido do Hades tal saúde!

10
Como Marcial (3.45), Lucílio manifesta-se contra a erudição
que tomara conta dos banquetes romanos, com frequentes recitações
e questões de literatura, gramática ou filosofia, cenas que ficaram de
alguma forma cristalizadas no Satyricon de Petrónio (em especial a do
banquete de Trimalquião). O motivo é recorrente nos epigramas deste
autor e nos que o sucederam (e.g. núm. 127).
11
Cf. nota ao núm. 1.
12
Dois poetas, o primeiro cómico – não confundir com o indivíduo
referido no núm. anterior – e o segundo trágico, envenenados por Filipe
V de Macedónia.
13
Filipe teria perdido um olho em combate. Há um jogo de palavras
em “Caronte dos copos”, sugerindo “o que gosta dos copos”.
32
Antologia Grega

13. DE AMIANO

Uma aurora sucede outra aurora; a nós, descuidados,


chegará sem aviso a morte sombria,
derretendo-nos a uns, abrasando ou fazendo inchar
os outros, e todos levando a igual cova.

14. DO MESMO

Convidado que fui ontem para jantar, ao chegar a hora do sono


deitei a cabeça em almofada de Górgona ou Níobe14,
uma que ninguém tecera, mas que alguém cortara ou picara
das pedreiras e tinha trazido para casa do Proclo.
Não tivesse acordado e logo me levantado, e Proclo teria feito
dessa sua almofada a minha estela ou o meu caixão.

15. DO MESMO

Se agora apenas os senadores começados por “A” queres


enterrar, Lúcio, também o teu irmão15 está incluído.
Porém, se como é lógico avançares por ordem alfabética,
vou já avisando que o meu nome é Orígenes16.

14
I.e. de pedra, aludindo ao próprio leito da sala de banquete. A
visão da cabeça da Górgona, como é sabido, transformava em pedra.
Quanto a Níobe, foi transformada em rocha por Zeus para aplacar a dor
da perda dos seus filhos às mãos de Apolo e Ártemis, pois vangloriara-se
de ter descendência melhor e mais numerosa do que Leto, a mãe destes.
15
Amiano (o poeta).
16
Em grego, o nome começa por omega, a última letra do alfabeto.
33
Epigramas de Banquete e Burlescos

16. [DO MESMO]

Cilo e Leuro, dois lanceiros da Tessália simplesmente;


e Cilo, sem dúvida o mais lambão dos dois.17

17. DE NICARCO

Estéfano era jardineiro e pobre; agora que se deu bem


e enriqueceu, passou logo a ser Filostéfano,
acrescentando quatro belas letras ao Estéfano original.
Quando for o momento, há de ser Hipocratipíades,
ou ainda Dionisiopeganódoro18, pela sua extravagância.
Para o mercado todo, continua a ser Estéfano19.

18. DO MESMO

Sem nunca a ter carregado no ventre, Filénio deu à luz


por si mesma uma filha para Heliodoro.
Porque este se envergonhava de ter tido uma filha, ela deixou

17
Solução pouco engenhosa para o jogo de palavras do original, a
partir do final da palavra que em grego significa “lanceiro” (enchesimo-
ros), -moros (“simples”, “tolo”).
18
A mudança de nome – real para o primeiro exemplo, fantasiosa
para os outros dois – era prática corrente dos novos-ricos do tempo
de Nicarco, como atestam os núms. 260 e 358 (cf. também Marcial
4.17). Filostéfano menciona o apego a banquetes e a coroas de flores;
Hipocratipíades relaciona-se também com a ideia de riqueza, pela
referência a cavalos; Dionisiopeganódoro, finalmente, introduz no
aristocrático Dionisiodoro o termo peganos (“arruda”), aludindo ao seu
ofício anterior de jardineiro.
19
I.e., o fulano que não pode pagar quase nada, ou mesmo o ladrão.
34
Antologia Grega

passar seis dias e disse ter parido um rapaz.


Assim se manda Bubástis às favas!20 É que se cada uma
conceber como ela, quem vai velar pela deusa?

19. DE ESTRATÃO

Agora, é beber e amar, Damócrates! Pois não havemos de beber


para sempre, nem para sempre ter a companhia dos moços.
Por isso, cinjamos a testa de coroas e unjamo-nos de perfumes,
antes que outros o façam diante das nossas sepulturas!
Por agora, bebam os meus ossos todo o vinho que conseguirem;
quando estiverem mortos, que os engula Deucalião21!

20. DE ANTÍPATRO DE TESSALÓNICA

Fora daqui quantos de vós cantais tecidos, tochas e peixes


exóticos22, raça de poetas catadores de espinhos
que para os vossos versos buscais apenas barrocos adornos

20
Bubástis era a divindade egípcia assimilada a Ártemis (ou Diana),
protetora das parturientes e dos nascimentos – e a ela, portanto, Filénio
não prestou culto. O epigrama alude ao costume de fingir uma gravidez
que nunca existiu e simular o parto com uma criança abandonada.
21
Deucalião, filho de Prometeu, é o Noé da mitologia grega (cf.
núms. 71, 131). No epigrama, porém, funciona como Zeus, que envia
o dilúvio que destrói todos os mortais. A luta simbólica entre vinho e
água – sinónimo de morte a última – faz deste o primeiro epigrama
realmente simposiasta do livro.
22
No original, três palavras designam, respetivamente, um tipo
exótico de manto, uma tocha de resina e uma espécie de peixe. A crítica
é aos poetas sem conteúdo, que apenas trabalham a forma e o léxico
dos seus poemas.
35
Epigramas de Banquete e Burlescos

e que da fonte sagrada tão só bebeis água pura!


Hoje, bebamos pelo aniversário de Arquíloco e do viril Homero:
o nosso garrafão23 não admite bebedores de água!

21. DE ESTRATÃO

Ainda há pouco Ágaton tinha o lagarto de dedos róseos;


Agora, porém, já o tem de róseos braços24.

22. DE ESTRATÃO

Drácon é um efebo bonito como tudo! Mas, se é um dragão25,


como consente ele no seu buraco outra serpente?

23. DE ANTÍPATRO DE TESSALÓNICA

Vida curta me profetizam os homens que entendem de astros.


Pois seja! A mim, Seleuco, isso não me importa!
Para o Hades, para todos existe uma só descida; e se a minha
é mais rápida, então mais cedo hei de ver a Minos26.

23
No original, o krater, onde se misturava o vinho com água e
se servia aos convivas. Antípatro associa a verdadeira poesia com as
origens dionisíacas, em especial Arquíloco e Homero (símbolos, respe-
tivamente, da invetiva iâmbica e da épica, dois dos géneros mais caros
ao banquete).
24
O pénis, antes e depois da ereção. Cf. AG 12.242, muito seme-
lhante, do mesmo poeta.
25
O termo drakon significa tanto “dragão” como “serpente”.
26
Rei lendário de Creta (o que mandou construir o labirinto e nele
aprisionou o Minotauro), depois de morto Minos transformou-se num
dos juízes dos Infernos, juntamente com Éaco e Radamanto.
36
Antologia Grega

Bebamos! É bem certo que o vinho é cavalo para o caminho,


enquanto os peões27 chegam por atalhos ao Hades.

24. DO MESMO

Ó Hélicon28 da Beócia, que no passado tantas vezes jorraste


das tuas nascentes a água inspiradora para Hesíodo!
Agora mesmo, este rapaz teu homónimo nos serve o Baco
ausónio29 de uma fonte mais descuidada ainda!
Como eu preferia beber, servido por ele, um único copo
que fosse, a mil outros dos teus, fonte de Pégaso30!

25. DE APOLÓNIDES

Dormes, meu amigo? Mas se te chama o próprio copo,


“Levanta-te, não te preocupes com o destino!
Sem medo, Diodoro! Excitado, deixa-te tombar para Baco
e bebe vinho puro até que cedam os joelhos.
Longo, longo será o tempo sem beber! Vamos, levanta-te!
A sabedoria já se nos vai notando nas têmporas.

27
I.e., os que não bebem (ou os que bebem água), cujo percurso
rumo ao Hades é mais penoso – porque sempre estão com preocupações
desnecessárias.
28
Às Musas Helicónias dedicara Hesíodo a Teogonia.
29
I.e. vinho da península itálica, romano lato sensu. “Baco”,
“Brómio”, “Lieu” e “Iaco”, qualificativos de Dioniso, são muito frequen-
temente usados ao longo do livro para significar simplesmente “vinho”.
30
Hipocrene, também no Hélicon.
37
Epigramas de Banquete e Burlescos

26. DE [MARCO] ARGENTÁRIO

Cambaleio, ébrio de vinho puro! Mas quem há de


salvar-me de Brómio, de pernas a tremer?
Que deus injusto fui achar! Quando te levo em cima,
Baco, acabo sempre ultrapassado por ti.

27. DE MACEDÓNIO [DE TESSALÓNICA]

Salve, ó áspera e bem perfumada areia de Sorrento,


tu, terra de Polência, muito doce como o mel,
e também tu, Asta31, três vezes desejada, de onde a arzila
de Brómio32 as três Graças extraíram para Baco,
dádiva tanto de miséria como de riqueza; para uns bem
de necessidade, para outros33 capricho de luxúria.

28. DE [MARCO] ARGENTÁRIO

Morto, jazerás sob sete palmos34 de terra, e nem os prazeres


da vida nem os raios do sol voltarás a contemplar.
Por isso, pega na taça de vinho puro e sorve-a com alegria,
Cíncio, segurando uma moça jeitosa nos braços!

31
Três cidades da Campânia e da Ligúria conhecidas pela qualidade
da sua argila.
32
I.e., com o qual se faziam as taças e demais utensílios para servir
o vinho.
33
Claramente, para os simposiastas.
34
No original, “cinco pés”.
38
Antologia Grega

Se tens a cabeça na sabedoria imortal, fica a saber que Cleantes


e Zenão35 também chegaram às profundezas do Hades.

29. DE AUTOMEDONTE

Envia, manda vir! Está tudo pronto. E se alguém vem,


que pretendes fazer? Pensa bem, Automedonte!
Mais flácido que um vegetal é agora o que antes vivia rijo,
e afundou-se morto de todo no meio das coxas.
Muitos vão gozar contigo, se sem apetrechos insistires
em navegar, um nauta já desprovido de remo.36

30. DE FILODEMO

Antes, podiam ser cinco, nove vezes; mas agora, Afrodite,


uma só, e a custo, do cair da noite ao nascer do sol!
Ai de mim! Até essa é bem curta! Muitas vezes desfalece
o que já estava meio-morto – a desgraça de Térmero.37
Ai velhice, velhice! Que vais fazer-nos depois, caso chegues,
se a dia de hoje já estamos assim tão cansados?

35
Zenão fundou a escola do estoicismo e morreu em 264 a.C.,
sendo sucedido pelo seu discípulo Cleantes, que morreria em 232 a.C.
O poeta opõe os prazeres efémeros de índole epicurista às meditações
estoicas sobre felicidade.
36
Sátira, na primeira pessoa, acerca da insistência em organizar
festins orgiásticos sem capacidade para responder às suas demandas
eróticas.
37
Como no epigrama anterior, o tema é a impotência sexual.
Plutarco (Teseu 11.3) conta que Térmero esmagava os crânios dos seus
adversários com o próprio crânio, até ser destruído por Héracles.
A comparação pode ser que, como o herói do mito, o sujeito poético,
depois de gastar as energias dos outros, sente falharem as suas próprias.
39
Epigramas de Banquete e Burlescos

31. DE ANTÍPATRO [DE TESSALÓNICA]

Não receio o ocaso das Plêiades38, o bater das ondas


do mar à volta de um árido rochedo,
ou o céu imenso acendido de raios, como receio um homem
mau e bebedores de água que lembram o já dito.

32. DE ONESTO

Baco instituiu a celebração da musa dos gracejos em ti,


Sícion39, dirigindo um coro de Graças.
Muito adocicada é a sua crítica, o aguilhão que tem
a sorrir – um bêbado pode ensinar um cidadão!

33. DE FILIPO

Avanças em segredo a dançar, hera, a tua verruma flexível


[e rastejante,
e vais-me enlaçando, a mim, o gracioso filho da vinha
[de Brómio.
Mas não me prendes tanto a mim como te destróis a ti:
[quem colocaria
hera sobre a testa se não se tivesse antes servido de Brómio?

A expressão significaria, portanto, algo tão simples como “calha a


todos!”. Cf. Catulo 1.32, Ovídio, Amores 3.7-1-26.
38
Em meados de novembro, uma das piores alturas para a
navegação.
39
Referência talvez à criação da comédia nova, em Sícion, no
Peloponeso. Não confundir com o género do drama satírico, que Dios-
córides (AP 7.707) situa em Fliunte.
40
Antologia Grega

34. DE FILODEMO

Não quero mais violetas brancas40 e acordes da lira, vinhos


de Quios41, ter de novo a mirra da Síria,
mais pândega, outra vez ter nos braços uma cortesã:
odeio essas coisas que levam à loucura!
Coroai-me a cabeça de narcisos, dai-me a ouvir a flauta
curva, ungi-me os membros de essências de açafrão,
encharcai-me os pulmões com um bom Baco de Mitilene
e casai-me com uma donzela envergonhada.42

35. DO MESMO

Um repolho nos forneceu o Artemidoro, o Aristarco


carne seca, o Atenágoras pequenas cebolas,
o Filodemo um fígado, o Apolófanes duas minas de carne
de porco, e mais três que sobraram de ontem.
Vai comprar vinho de Quios, coroas, sandálias e perfumes,
meu rapaz! Quero começar a servir à hora décima!43

36. DE FILIPO

Enquanto eras belo, Arquéstrato, e com essas tuas faces


da cor do vinho inflamavas o peito dos rapazes,

40
Eram associadas aos banquetes pelo seu perfume forte e mesmo
a capacidade de ajudarem à digestão.
41
O melhor e mais caro dos vinhos.
42
O poeta recusa todos os elementos que se relacionam com os
banquetes mais ricos e sumptuosos, preferindo, na segunda metade do
poema, esses outros mais simples e naturais.
43
I.e., entre as quatro e as cinco da tarde.
41
Epigramas de Banquete e Burlescos

da nossa amizade nem palavra; ao invés, em brincadeiras


com outros, como uma rosa murchava o teu vigor.
Agora que a barba suja te assombra, agora buscas um amigo,
e queres dar-me palhas, tendo a outros dado espigas44.

37. DE ANTÍPATRO [DE TESSALÓNICA]

Já acabou o verão, Épicles, e da cintura do Boieiro


surgiu já o brilho esplêndido do Arcturo45;
já os cachos de uvas pensam na navalha que os cortará
e alguém cobre a sua cabana para o inverno.
Mas tu, que não tens em casa a lã quente de uma samarra
ou túnica, tremerás de frio a maldizer o astro.

38. DO REI POLÉMON

Eis a graciosa panóplia dos mendigos, as côdeas de pão


e a garrafa, mais a coroa de folhas orvalhadas,
e aqui a caveira de um defunto, a habitação sagrada
do cérebro, a cidadela suprema da alma.
“Bebe!”, diz esta gravura, “come e coroa a cabeça
de flores! Isto nos tornamos bem depressa!”46

44
É frequente a imagem da espiga de milho para descrever o
eromenos (amante passivo), que, passado o vigor da juventude, mais se
assemelha às palhas e barbas secas que sobejam após a colheita.
45
A estrela mais brilhante da constelação do Boieiro, cujo nasci-
mento se situa a 18 de setembro e o ocaso em novembro.
46
O epigrama refere uma representação plástica, pintura ou relevo,
que depois da refeição seria apresentada aos convivas para, por con-
traste, incitar à fruição da bebida e dos prazeres, findos no momento da
42
Antologia Grega

39. DE MACEDÓNIO DE TESSALÓNICA

Ontem estive a beber com uma fulana que tem a pior


das famas. Escravos, destruí essas taças!

40. DE ANTÍSTIO

Cleodemo, o filho de Eumenes, é pequeno ainda; mas dança


com os meninos, pequeno como é, no tíaso infantil47.
Aí o vedes, como cingiu a pele com um cervo da montanha
e balança a hera em cima da sua loura cabeça.
Senhor, filho de Cadmo48, fá-lo crescer, para que, já iniciado,
o pequeno possa dirigir o tíaso dos rapazes.

41. DE FILODEMO

Sete anos se acrescentam agora a outros trinta,


as páginas já viradas da minha vida;
Os cabelos brancos já me tomaram conta da cabeça,
Xantipa, arautos da idade da sabedoria.
Mas ainda me importam a canção loquaz e a pândega,
e o fogo arde no meu coração insaciável.

morte. A um costume semelhante, entre os Egípcios, aludia Heródoto


2.78, e conservamos uma gema etrusca com representação similar onde
estão inscritos os últimos dois versos (CIG 7298).
47
O epigrama supõe que não haveria idade mínima para celebrar
os ritos dionisíacos. O tíaso (thíasos) era o nome original dado aos
celebrantes de Dioniso.
48
Dioniso, na verdade neto (e não filho) de Cadmo, o pai da sua
mãe Sémele.
43
Epigramas de Banquete e Burlescos

Vamos, Musas! Escrevei rapidamente o epílogo49,


soberanas, que porá termo à minha folia!

42. DE CRINÁGORAS

Embora leves sempre vida sedentária, não tenhas cruzado


o oceano nem corrido os trilhos secos da terra,
dirige-te para a terra de Cécrops, para que contemples
essas longas noites dos mistérios de Deméter,
pelas quais, ainda vivo, perderás cuidados; e, ao juntar-te
à grande multidão50, terás a alma mais leve.

43. DE ZONAS

Dá-me esta taça doce, trabalhada com esta terra51


da qual nasci e na qual jazerei ao morrer!

44. DE FILODEMO

Amanhã, meu muito querido Pisão, a vir à sua modesta


[choupana,

49
No original, a coronis, pela qual os Alexandrinos assinalavam o
final de uma obra (cf. AP 12.257). A imagem continua essa outra das
“páginas já viradas” do v. 2.
50
I.e., ao morrer. A referência é aos Mistérios de Elêusis, perto de
Atenas, cidade de que Cécrops foi fundador mítico.
51
As taças (kylices) eram preferencialmente de cerâmica.
44
Antologia Grega

a partir da hora nona52, te convida este amigo caro às


[musas,
para celebrar o dia vinte do mês53. E se por acaso não
[encontrares
maminhas de porca e brindes com vinho natural
[de Quios,
hás de encontrar pelo menos amigos sinceros, hás de poder
[escutar
conversas bem mais doces do que as da terra dos Feaces54.
E mais te digo: se para nós te dignares dirigir a tua mirada,
[Pisão,
celebraremos aniversário não humilde, mas mais rico.

45. DE ONESTO

Beber com vontade é sempre melhor! Alguém que te force,


para com o vinho e quem o bebe é um insolente.
Um, há de atirá-lo ao chão às escondidas; outro, muitas vezes
debaixo da terra o conduzirá à água amarga do Letes.
Alegrai-vos, bons bebedores! Beber tanto quanto apetece,
para mim é a justa medida de todo e qualquer prazer.

52
Um pouco mais cedo do que no núm. 35 (v. 6). Cf. nota.
53
No dia 20 de cada mês, os discípulos de Epicuro celebravam o
nascimento (em janeiro ou fevereiro) do seu mestre.
54
No canto 8 da Odisseia, Ulisses é bem recebido entre os Feaces.
Estas conversas “mais doces” seriam de assunto literário e filosófico,
mais apropriadas a um banquete epicurista que segue a máxima do
“nada em excesso”.
45
Epigramas de Banquete e Burlescos

46. DE ANTIMEDONTE DE CÍZICO

Homens! À tardinha é quando bebemos! Porém, ao despontar


a aurora, acordamos como feras, uns contra os outros.

47. [DE ANACREONTE]

Não me importa [o de] Giges55,


de Sardes o soberano:
nunca dele fui zeloso
ou tenho inveja dos tiranos.
Importa-me com perfumes
ungir a minha barba,
importa-me com rosas
coroar a minha fronte.
O dia de hoje só me importa:
o amanhã, quem o conhece?
Ora, enquanto há bonança,
é beber e jogar aos dados
e fazer libações a Lieu56,
não vá que chegue a doença
e te diga para não mais beber.

55
Primeiro rei lídio da dinastia dos Mermnadas, entre 680-644
a.C., famoso pela sua opulência. Estes primeiros versos recuperam,
portanto, um tema caro a toda a poesia grega (à de banquete em
particular): a recusa da ambição. Os núms. 47-48, transmitidos em
coletâneas separadas como pertencentes a Anacreonte (Teos, 563-478
a.C.) – as Anacreontea de que se fala na Introdução – quebram o ritmo
dos epigramas em dístico elegíaco do livro.
56
Epíteto de Dioniso.
46
Antologia Grega

48. [DO MESMO]

Trabalha a tua prata,


Hefesto, mas não me faças
uma armadura jamais!
Antes uma taça vazia,
a mais funda que puderes.
E não ponhas, para mim,
nem estrelas nem o Carro,
sequer a brilhante Oríon57,
mas vinhas de verde tenro
e cachos entre risadas,
na companhia do belo Lieu.

49. DE EVENO

De Baco, nem muito nem pouco é a melhor medida:


é ele a causa de tristeza e de loucura.
Agrada se misturado, quarto parceiro de três ninfas58;
depois, é muito adequado aos tálamos.
Mas se cheira demasiado59, põe a correr os Amores
e afunda-nos num sono vizinho da morte.

57
O Carro (Ursa Maior) e Oríon são duas das constelações mais
brilhantes.
58
Normalmente, misturavam-se duas partes de água para uma de
vinho. Eveno, seguindo o tema da moderação na bebida, defende que se
misturem três partes de água, como já aconselhava Hesíodo (Trabalhos
e Dias 596).
59
I.e. se é demasiado forte.
47
Epigramas de Banquete e Burlescos

50. DE AUTOMEDONTE

Feliz, em primeiro lugar, o homem que não deve nada a


[ninguém;
depois o que não casou; em terceiro o que não tem filhos.
Mas se por loucura um tipo se casa, será para ele uma graça
[enterrar
rapidamente a sua esposa, ficando com um imenso dote.
Sabendo isto, sê esperto! Deixa lá que o Epicuro procure,
[para nada,
saber onde está o vazio e o que são afinal os átomos60.

51. ANÓNIMO

Goza o momento presente – tudo fenece muito rápido!


Um só verão faz do cabrito bode peludo61.

52. ANÓNIMO

Trasibulo! Apanhado nas malhas do amor pelos rapazes,


gritas qual golfinho que, sobre a areia da praia,

60
As duas bases do pensamento científico de Epicuro: a existência
do vazio e dessa matéria eterna primordial e indestrutível, que só livre-
mente podemos traduzir por “átomos”. Cf. Diógenes Laércio 1.330-418;
503-515; 599-634).
61
O tema da brevidade da vida, e consequente necessidade de
fruição, no epigrama dado pelo tópico homoerótico do rapaz que rapi-
damente vê o seu corpo invadido de pelos, com isso perdendo o atrativo
que tinha para os amantes.
48
Antologia Grega

tem saudades das ondas. Nem mesmo a foice de Perseu62


bastaria para cortar as redes em que te foste enredar.

53. ANÓNIMO

Por breve tempo floresce uma rosa. Se deixas passar a ocasião,


bem podes buscá-la, que já não há rosa – só espinhos.

54. DE PÁLADAS

Por ser velho me injuriam as mulheres, mandando-me


ver ao espelho o que me resta de juventude.
Eu cá, se tenho os cabelos brancos ou ainda negros,
não me importa – caminho para o fim da vida.
Com perfumes odoríferos, grinaldas de belas flores
e Brómio apago os pensamentos amargos.

55. DO MESMO

Dá-me de beber, para que Baco dissipe os meus cuidados


e volte a aquecer o meu coração enregelado.

56. ANÓNIMO

Bebe e aproveita a vida! O que será amanhã, o que será o futuro,


ninguém o sabe. Não te precipites nem te canses!

Hermes oferecera a Perseu uma foice com a qual poderia decapitar


62

Medusa.
49
Epigramas de Banquete e Burlescos

Como puderes, agrada, partilha, come e pensa como um mortal:


entre viver e não viver não há nenhuma diferença.
A vida toda é só isso, um prato da balança: se és esperto,
[tudo teu;
mas quando morres, tudo de outro, e tu não levas nada.

57. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA

Empanturrou a barriga de Baco perfumado o velho


Enópio, e mesmo assim não pousou a taça;
ainda cheio de sede, fazia acusações à própria mão
por já não retirar nada de dentro do garrafão.63
Os rapazes ressonam, e nem têm forças para contar
o número de taças que ainda há para beber.
Bebe, velhote, e vive! Em vão o divino Homero64
diz que a velhice é vencida pela juventude.

58. DO CÔNSUL MACEDÓNIO

Não desejo ouro, as cidades sem conta que há no mundo


ou tudo quanto Homero diz haver em Tebas;
apenas que a minha taça arredondada transborde de Lieu,
os meus lábios sejam banhados de fonte perene
e comigo beba um grupo barulhento de finórios, enquanto
os demais homens se matam a trabalhar nas vinhas.
Eis a minha grande riqueza, todo o meu amor; nem cuido
de honras consulares douradas, quando ergo a taça.

63
Cf. nota ao núm. 20.6.
64
Ilíada 4.315; 8.102.
50
Antologia Grega

59. DO MESMO

Vamos, bêbados perdidos, atletas do soberano Iaco,


organizemos os ritos do banquete copobélico,
destilando em abundância os dons do icário deus Lieu;
que outros se ocupem dos ritos de Triptólemo,
aí onde há bois, charruas, as pegas e os dentes do arado
e espigas de milho, insígnias do rapto de Perséfone65.
E se tivermos mesmo que levar à boca alguma comida,
para nós, os bêbados, basta a uva-passa de Baco.

60. DE PAULO SILENCIÁRIO

Nós, os bêbados, ofereceremos libações a Lieu que faz rir,


com as taças baniremos o cuidado assassino de homens.
Um fulano, trabalhador rústico, sacie a barriga que tolera
o pão com a mãe de Perséfone de escuro peplo66;
as carnes vis e sangrentas dos festins assassinos de bois,
às feras e aves que comem carne crua as deixaremos;
as espinhas que ferem os lábios dos seres que vêm das redes,
fiquem para aqueles que preferem o Hades ao sol.
Quanto a nós, seja o vinho que dá alegria a nossa bebida
e comida; a ambrosia, outros desejem possui-la!

65
A filha de Zeus e Deméter, símbolo da fertilidade da terra em
geral, e dos cereais em particular, é no poema a deusa tutelar da alimen-
tação que os bêbados recusam por princípio. Com os ritos de Elêusis
se relaciona também Triptólemo (v. 4), o filho de Celeu que Deméter
amamentou quando procurava a filha Perséfone, bem como o próprio
nome místico Iaco (v. 1), nesse contexto dado a Dioniso.
66
Deméter, que aqui simboliza o pão, como Perséfone no epigrama
anterior.
51
Epigramas de Banquete e Burlescos

61. DO CÔNSUL MACEDÓNIO

Ontem, estando eu doente, veio até mim um inimigo,


um médico que me proibiu o néctar das cepas.
Mandou-me beber água, o desvairado, que ignorava
ser o vinho a força dos mortais – já dizia Homero67.

62. DE PÁLADAS

Todos os mortais hão de morrer, e mortal algum


pode saber se amanhã ainda está vivo.
Sabendo isso, homem, medita e sê feliz por ti mesmo,
encontra em Brómio o olvido da morte.
E regozija com a Páfia68, levando a vida efémera:
os demais assuntos, decida-os a Sorte!

63. DO CÔNSUL MACEDÓNIO

Homens, vós que cuidais dos rituais do inofensivo Baco,


na esperança das vinhas afastai a miséria!
Seja um garrafão a minha taça, por perto tenha um tonel
em vez de jarro, morada da brilhante alegria!
Deixa só que eu beba um garrafão inteiro cá do nosso Lieu,
e enfrentarei todos os gigantes de Canastra69, se quiseres.

67
Ilíada 6.261 (“Ao homem cansado, muito o vinho aumenta a
força”).
68
Afrodite.
69
Em Canastra, no promontório de Palene – na Macedónia da
Trácia – teve lugar a gigantomaquia, a luta entre os deuses olímpicos e
os gigantes (cf. Apolodoro 1.6.1-2).
52
Antologia Grega

Não tenho medo do mar implacável, nem do raio do trovão,


se tiver a coragem de Brómio que nunca tem medo.

64. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA

Estando nós a pisar o fruto abundante de Iaco,


executávamos juntos o ritmo báquico.
Já se destilava uma vasta corrente e, como batéis,
as taças nadavam nas doces ondas.
Com elas provávamos de perto o vinho já pronto,
sem o salpicar muito com as quentes Náiades70.
Mas então a bela Rodante71 se inclinou sobre o lagar,
iluminando o líquido com a sua beleza radiante.
De imediato se atiçaram os corações de todos, e entre nós
não havia quem não fosse vencido por Baco e a Páfia72.
Desgraçados! Aquele corria abundantemente a nossos pés;
nós, éramos ludibriados na esperança da última.

70
Sem água, i.e., provando vinho sem mistura.
71
Neste ponto, significa o vermelho das rosas. Segundo o mito,
Rodante era uma ninfa de extraordinária beleza pretendida por mui-
tos admiradores. Porque recusava todas as investidas eróticas, Diana
transformou-a em rosa, e aos seus seguidores nos espinhos dessa flor.
72
Afrodite.
53
(Página deixada propositadamente em branco)
II. Epigramas Burlescos

65. DE PARMÉNIO

Entre um morto de fome e uma velha, venha o diabo e


[escolha! Terrível
coisa é ter fome, mas partilhar a cama com ela é pior ainda.
Quando tinha fome, pedia uma velha; quando foi para a
[cama com ela, Fílis
desejou ter fome. Eiss a inconstância de um rapaz
[desgraçado!

66. DE ANTÍFILO DE BIZÂNCIO


Sobre uma velha

Mesmo que alises a pele enrugada das tuas faces muito


laceradas, os olhos sem pálpebras pintes de negro,
a branca cabeleira tinjas de negro e à volta das tuas têmporas
pendures esses brincos de argola forjados pelo fogo,
de nada vale, ridícula; nem que te atrevas a ir ainda mais longe,
...

67. DE MIRINO
Sobre uma velha

Esse “U”1 significa quatrocentos; mas tu deves ter o dobro

1
Para se fazer passar por nova, a velha aperta os lábios que formam
um U (um ypsilon em grego), letra com valor numérico de 400.
55
Epigramas de Banquete e Burlescos

dos anos, gentil Laís, soma de Hécuba e um corvo,


tu, a mesmíssima mamã de Sísifo e a irmã de Deucalião!2
Vamos! Pinta essas cãs e chama “papá a todos!”.

68. DE LUCÍLIO
Sobre uma velha

Os teus cabelos, Nicila, andam por aí a dizer que os pintas;


cabelos tão negros, foi na feira que os compraste.

69. DO MESMO
Sobre uma velha

Pintou as cãs Temístone, de três vezes a idade de um corvo,


e ei-la que do nada se volve não jovem, mas Reia3.

70. DE LEÓNIDAS [DE ALEXANDRIA]


Um isopséfico [de] Leónidas4

Filino desposou uma velha quando era rapaz; e depois de velho,

2
De Deucalião (o Noé da mitologia grega), duas gerações anterior
a Sísifo, descendia a segunda geração dos mortais, renovada pelo dilú-
vio. Hécuba, a esposa de Príamo – como o corvo entre os animais – era
conhecida pela sua longevidade. Cf. núm. 71.
3
A mãe dos deuses.
4
Como os núms. 321-322 e 324-329 do livro VI, estamos ante um
epigrama no qual a soma do valor numérico de todas as letras resulta
num mesmo valor por cada dístico (ou verso, no caso de um só dístico).
Para uma explicação desta caraterística poética de Leónidas de Alexan-
dria, vd. Page (1981: 503-519).
56
Antologia Grega

uma moça de doze – uma Páfia de ocasião, jamais!


Por isso, semeando antes terra estéril, permaneceu sem filhos,
e agora arranjou mulher para outros – duplo erro!

71. DE NICARCO
Sobre uma velha

Florescia outrora Nicónoe – sim senhor! Mas ela já florescia


quando Deucalião contemplava a água abundante5.
Disso, nós cá não sabemos nada; o que sabemos é que ela
não devia andar em busca de marido, mas de tumba.

72. DE BASSO DE ESMIRNA


Sobre uma velha

A Citótaris de brancas têmporas, velha de histórias mil,


para quem Nestor6 deixou de ser o mais velho,
a que viu a luz antes do cervo e com a mão esquerda
por segunda vez contou os anos da sua velhice7,
está viva, firme de pernas e de olhos, como uma noiva,
e por isso pergunto se Hades está de boa saúde8.

5
Cf. nota ao núm. 67.3.
6
Nestor, rei de Pilos, era o mais velho dos generais gregos que
tomaram Troia.
7
Uma superstição antiga dizia que se contava de 1-100 com a mão
esquerda, de 100-1000 com a direita, e de novo com a esquerda.
8
A pergunta é se tudo vai bem no reino dos mortos e continua a
receber os defuntos.
57
Epigramas de Banquete e Burlescos

73. DE NICARCO
Sobre uma velha

A velha era jeitosa de nova, sabes bem; e então? Então pedia


salário, e agora dispõe-se a pagar a quem a cavalgue.
Verás nela uma artista; e então quando beber, mais submissa
ainda a encontrarás a tudo quanto dela quiseres.
Bebe mesmo três ou quatro canecas, assim tu lho permitas,
e aí sim as coisas com ela ficam de patas para o ar;
dá abraços, excita-te e fica toda oferecida. Se lhe dás algo,
ela aceita; se nada lhe dás, por salário toma o prazer.

74. DO MESMO
Sobre uma surda

Essa velha surda, Onésimo, por Zeus, vê se a mandas


dar uma volta! É uma carga de trabalhos!
Se acaso lhe pedimos que nos traga queijo fresco,
ela volta não com queijo, mas trigo novo9.
Há dias tinha uma dor de cabeça e pedi-lhe arruda;
a gaja trouxe-me uma caçarola de barro.
Pede-lhe tu um xarope, ela traz uma viga; se lhe digo,
com fome, “traz-me verdura”, traz o penico.
Se peço vinagre, ela traz um arco; e em vez do arco,
vinagre. Enfim: não entende uma palavra!
Que vergonha, por uma velha, tornar-me pregoeiro
e praticar fora de casa, em vela toda a noite!

9
No original, apenas uma letra ou duas distinguem os pares de
palavras que se enumeram no epigrama, como mostra da surdez cómica
da personagem. O efeito, naturalmente, não se consegue em tradução.
58
Antologia Grega

75. DE LUCÍLIO
Sobre os pugilistas10

Este Olímpico que aqui está, Sebasto, tinha no passado


nariz, queixo, sobrancelhas, orelhas e pálpebras.
Fez-se depois um pugilista profissional, e tudo perdeu;
nem pôde cobrar a sua parte da herança paterna:
é que o seu irmão apresentou um retrato que tinha dele,
e julgou-se que era outro, por não se parecer.

76. DO MESMO
Sobre o mesmo

Com essas trombas que tens, Olímpico, não vás tu dirigir-te


a uma fonte, nem olhes através da água translúcida.
É que tu, como Narciso, se um dia vires de frente o teu reflexo,
também morrerás, odiando-te a ti mesmo até à morte.11

77. DO MESMO
Sobre Estratofonte

Ulisses, regressando são e salvo à pátria após vinte anos,


reconheceu-lhe a figura o cão Argos, ao vê-lo.

10
Esse o assunto dos núms. 75-81.
11
Narciso, na versão mais difundida do mito (Ovídio, Metamorfoses
3.339-510), enamorou-se do seu reflexo nas águas e deixou-se morrer de
inanição. Aqui, está em causa uma imagem de fealdade devolvida pelas
águas, o que parece ter sido uma versão corrente a partir do período
helenístico. Essa é a que parece ler-se num recente papiro de Oxirrinco
(P. Oxy. 69.4711) identificado com as Metamorfoses de Parténio de
Niceia (séc. I a.C. – I d.C.).
59
Epigramas de Banquete e Burlescos

Mas tu, depois de não mais que quatro horas de pugilato,


ficas irreconhecível para os cães e para a cidade.
E se por acaso quiseres ver a tua imagem num espelho,
“não sou Estratofonte”, dirás sob juramento.

78. DO MESMO
Sobre Apolófanes

Numa verdadeira peneira se transformou a tua cabeça,


[Apolófanes,
ou num desses livros que por baixo comem as térmitas;
12

parece tal e qual os buracos das formigas, sinuosos ou retilíneos,


ou as anotações musicais13 lídias ou frígias dos líricos.
Vai, vai boxear sem medo! Quando por fim te racharem a
[cabeça,
o que tiver de ser será – pior não vais poder ficar!

79. DO MESMO
Sobre Cleômbroto

Cleômbroto era pugilista, mas reformou-se; depois de casar,


tem em casa os golpes dos Ístmicos e dos Nemeus,
uma velha dada à luta que esmurra como em Olímpia, e teme
a sua casa mais do que alguma vez temeu o estádio.

12
No tempo de Lucílio, ainda estamos a falar de rolos de papiro,
não de códices.
13
Os papiros com os poetas líricos continham, frequentemente,
anotações para a sua execução musical, do que conservamos apenas
escassíssimos fragmentos.
60
Antologia Grega

mal recupera o fôlego, leva com os socos que há em todas


as lutas para reagir; então reage... e mais socos!

80. DO MESMO
Sobre Ápis

Foram os colegas do boxe que aqui ergueram o pugilista


Ápis: ele, nunca pôde ferir um adversário!

81. DO MESMO
Sobre Androleonte

Das provas de pugilato todas que os Gregos organizam,


em todas eu, Androleonte, pude participar.
Em Pisa consegui ficar só com uma orelha, e em Plateias
uma pálpebra; em Píton14, fui carregado sem vida.
Damóteles, o meu pai, foi chamado com os concidadãos
para me tirarem do estádio, morto ou mutilado.

82. DE NICARCO
Sobre os corredores15. [Sobre Carmo]

O Carmo, numa corrida na arcádia com outros cinco fulanos


(é espantoso, mas é verdade), ficou em sétimo.
“Se eram seis” – dirás tu – “em sétimo, como?” Um amigo

14
I.e. Delfos, nos Jogos Píticos.
15
Esse o assunto dos núms. 82-86.
61
Epigramas de Banquete e Burlescos

veio puxar por ele “vamos, Carmo!”, de casaco16.


Por isso ficou em sétimo. Imagina que o gajo tinha mais cinco
amigos, Zoilo, e ainda ficava em décimo segundo.

83. DE LUCÍLIO
[Sobre Erasístrato]

Ontem, quando tudo tremia, apenas o corredor do estádio,


Erasístrato, a terra toda poderosa não fez mover.

84. DO MESMO

Nenhum dos meus adversários foi ao chão mais rápido


ou correu no estádio mais lento do que eu.
Do disco, nem sequer cheguei perto; os meus pés,
jamais tive força para elevá-los para o salto;
um coxo lançaria o dardo melhor que eu; de cinco provas17,
fui o primeiro a ser vencido cinco vezes.

85. DO MESMO

Metade da noite levou a correr Marco, o hoplita,


tanto que o estádio já estava fechado.
Os funcionários pensaram todos que era uma estátua
de pedra, dessas armadas que há lá dentro.

16
O amigo correu a seu lado, para puxar por ele, e mesmo assim, de
casaco vestido – marca de amadorismo, quando sabemos que os atletas
corriam nus – cruzou antes dele a linha da meta.
17
O pentatlo.
62
Antologia Grega

Que aconteceu? Chegada a hora da reabrir, Marco veio,


mas ainda lhe faltava um estádio para o estádio18.

86. [DO MESMO]

Se ao estádio Péricles foi para correr ou ficar sentado,


ninguém sabe bem – que lentidão dos diabos!
Tínhamos ainda nos ouvidos o som da barra a cair19, já outro
era coroado, e Péricles sem se mover um centímetro.

87. DO MESMO
Sobre um fulano alto20

Para Timómaco, verdadeira torre, a sua casa de cinco braças21


tinha altura suficiente, só se ficasse deitado no chão.
Mas se calhava querer levantar-se, os escravos começavam
de manhã um buraco no teto de cinco pés por cinco.

88. DO MESMO
Sobre baixos e magrelas

A pequena Erócio, um dia que estava a brincar, levou-a um


[mosquito.

18
I.e., não se tinha ainda movido praticamente nada, tal a sua len-
tidão, ao cabo de um ano – ou de quatro, se os Jogos em causa forem
os de Olímpia.
19
A barra que, caindo ao chão, marcava o início da corrida.
20
Os núms. 87-111, salvo poucas exceções (núms. 96-98), parodiam
defeitos de estatura. Deste grupo, apenas este epigrama não diz respeito
a indivíduos demasiado franzinos (núms. 88-111).
21
Uma braça corresponde a 2,20 metros.
63
Epigramas de Banquete e Burlescos

Disse ela: “Que sucederá? Acaso, pai Zeus, me desejas?”22

89. DO MESMO

O minúsculo Hermógenes, quando deixa algo cair ao chão,


tem que puxá-lo para baixo com uma alabarda23.

90. DO MESMO

Ressentido com o pai, Dionísio, o pequeno Marco


subiu a um pé de pepino e enforcou-se.

91. DO MESMO

Espetando uma farpa num junco, o magrela do Estratonico


atou-se a ela por um fio de cabelo e enforcou-se.
E então? O seu peso não o puxou para baixo, e por isso,
mesmo sem vento, o cadáver ficou a esvoaçar.

92. DO MESMO

O Gaio exalou ontem o seu último suspiro, esse magrela,


e não deixou nada de nada para levar a enterrar.

22
Alusão ao rapto de Ganimedes por Zeus, metamorfoseado em
águia. Vd. núms. 330 e 407.
23
Uma quase absurda hipérbole. De tão baixo, algo que esteja no
chão está ainda alto para Hermógenes.
64
Antologia Grega

Tendo enfim chegado inteiro ao Hades, tal qual era em vida,


como o mais leve dos esqueletos esvoaça sob a terra.
Foi uma liteira vazia que os seus confrades levaram aos ombros,
escrevendo-lhe por cima: “É o Gaio que se transporta”.

93. DO MESMO

Os átomos de Epicuro?24 Uma vez o magrela do Marco


furou um com a cabeça e passou-lhe pelo meio.

94. DO MESMO

Tocava trompete Marco, o magrela; mal a soprou,


foi-se de cabeça direto para o Hades.

95. DO MESMO

Encontrando a dormir o pequeno Mácron, um dia de verão,


um rato pequeno arrastou-o pelo pé para a toca.
Então ele, desarmado que estava na toca, estrangulava o rato
e dizia: “Zeus, meu pai! Tens um segundo Héracles!”25

24
A relação com o atomismo de Epicuro, já detetável no núm.
50, está presente nos núms. 93, 99, 103 e 149, recebendo mesmo uma
explicação breve no penúltimo epigrama.
25
A cena é uma paródia da luta de Héracles com o leão de Nemeia.
65
Epigramas de Banquete e Burlescos

96. DE NICARCO

Aos da Arcádia não causaram as Estinfálides26 tanto dano


como a mim27 esses tordos de ossos secos,
essas Harpias28, carnes secas a dez por dracma. Fora daqui,
desgraçados, verdadeiros morcegos dos prados!

97. DE AMIANO

Ou para esse fulano de Estratoniceia construís outra cidade,


ou para os seus habitantes outra cidade construís.29

98. DO MESMO

Que Metrópolis30 seja antes uma cidade, e logo se lhe chame


metrópole; não agora, quando nem sequer cidade é.

99. DE LUCÍLIO

Soprando o fogo o magrela do Proclo, o fumo ergueu-o,

26
Criaturas aladas de tais dimensões que não deixavam passar a
luz do sol e impediam qualquer colheita de dar fruto, até que foram
vencidas por Héracles.
27
Parece ser um prato o sujeito do epigrama.
28
Frequentemente representadas como aves de rapina com rosto e
seios de mulher, exerciam semelhante ação perniciosa às aves referidas
no v. 1.
29
Esta a interpretação de Planudes, que agrupou o epigrama entre
os dedicados a homens obesos.
30
Pequena localidade próxima a Esmirna, que pretenderia esse
título honorífico.
66
Antologia Grega

e por entre a janela foi-se embora com ele.


A duras penas se fundiu com uma nuvem, e por obra dela
voltou a descer31, ferido por milhares de átomos.

100. DO MESMO

Tão leve tão leve era o Gaio, que apenas nadava


se atasse a um pé uma pedra ou chumbo.

101. DO MESMO

Abanando durante o sono a magrela da Artemidora,


Demétrio atirou-a para fora do telhado32.

102. DE AMIANO, OU NICARCO

Uma vez que tirava um espinho, o magrela do Diodoro


fez ele próprio um buraco na agulha com o pé.

103. DE LUCÍLIO

Todo o universo está composto de átomos – isso que escreveu


Epicuro, pensando, Alcimo, ser a coisa mais pequena.
Existisse Diofantes, e teria escrito estar composto de Diofantes,

31
Entenda-se, a descer à terra sob a forma de chuva.
32
Pelo contexto, deve tratar-se de um terraço no topo da casa, muito
usado na estação quente.
67
Epigramas de Banquete e Burlescos

ele que é muito mais pequeno do que os átomos;


ou então teria escrito que tudo está composto de átomos,
e só os átomos, Alcimo, compostos desse fulano.

104. DO MESMO

Cavalgando uma formiga como se fosse um elefante, o pobre


Menéstrato foi de repente atirado ao chão de costas
e, no momento em que recebia o golpe mortal, dizia: “Oh,
[inveja!
Em semelhante cavalgata morreu também Faetonte33!

105. DO MESMO

Procurava eu o grande Eumécio, e o gajo escondido a dormir


debaixo de um pequeno galheteiro, de braços estendidos.

106. DO MESMO

Levado por uma brisa ligeira, flutuava ao vento


Querémon, muito mais leve que o feno;
logo teria sido levado pelo vento, não tivesse prendido
os pés numa teia de aranha e aí ficado de costas.

33
Dirigindo as rédeas do carro do Sol, Faetonte não conseguiu man-
ter a rota segura que lhe recomendara Hélio, seu pai, arriscando-se a
provocar destruição na terra. Para prevenir tal desastre Zeus fulminou-
-o com um raio, e Faetonte precipitou-se sobre o rio Erídano.
68
Antologia Grega

E aí ficou ele, suspenso por cinco dias e cinco noites,


descendo ao sexto dia por um fio da teia.

107. DO MESMO

Atingido por uma folha de álamo que o vento


levava, Querémon caiu de costas.
Agora jaz como Tício34, ou antes uma lagartixa,
arrastando o corpo esquelético pelo chão.

108. ANÓNIMO35

Cónon mede dois codos, a mulher quatro;


na cama, quando os seus pés se tocam,
ela anda à procura dos lábios de Cónon.

109. [ANÓNIMO]

Não tem onde apoiar-se o pequeno Demétrio;


fica colado ao chão, tentando erguer-se.

34
Gigante filho de Zeus e Elara, que a mãe gerou e deu à luz
debaixo da terra, para evitar a cólera de Hera. Quando cresceu, tentou
violar Leto e, como castigo, foi morto pelas flechas de Ártemis e Apolo.
Após a sua morte, foi condenado a ficar esticado no Hades, preso por
braços e pernas, com abutres comendo-lhe o fígado.
35
O lema sugere uma atribuição, pouco provável, ao imperador
Juliano, aí designado de diabólico e apóstata. O epigrama é dos raros
exemplos compostos no metro iâmbico.
69
Epigramas de Banquete e Burlescos

110. DE NICARCO

Três magricelas competiam em magreza, no outro dia,


a quem cabia o título de fulano mais magro.
Um deles, Hérmon, deixava notar uma arte extraordinária,
passando pelo buraco de uma agulha preso à linha;
Demas, saindo de um buraco, deteve-se numa teia de aranha,
e a aranha manteve-o suspenso enquanto tecia a teia.
Gritou então o Sosístrato: “Dai-me o prémio a mim! É que eu,
se for visto, serei vencido – não passo de um sopro.”

111. DE LUCÍLIO

Uma vez, porque queria enforcar-se, o magrela do Diofantes


pegou no fio de uma teia de aranha e pendurou-se.

112. DO MESMO
Sobre os médicos36

Antes de passar o colírio, Demóstrato, “Adeus, luz divina”


deves dizer – tal olho para a coisa tem o Díon!
Não bastava ter cegado o Olímpico, mas de uma estátua
sua ainda conseguiu fazer-lhe saltar os olhos.37

36
O tema dos núms. 112-126.
37
Pode querer dizer que o médico é tão mau que até as estátuas
deixa cegas, simplesmente, ou que dessa estátua ficou com os olhos, i.e.,
as pedras preciosas que os representavam, aludindo ao custo elevado dos
seus maus serviços oftalmológicos.
70
Antologia Grega

113. DO MESMO

Ontem mesmo, o médico38 Marco tocou a estátua de Zeus;


era de mármore, e era Zeus – e hoje já foi a enterrar.

114. DO MESMO

O astrólogo Diofanto disse ao médico Hermógenes


que apenas lhe restavam nove meses de vida.
Disse-lhe este, rindo: “Sabes o que Cronos diz que sucederá
em nove meses; conciso é, porém, o que te digo.”
Assim falou, e estendendo a mão apenas lhe tocou; Diofanto,
que tentava afligir outro, teve ele próprio um ataque.

115. DO MESMO

Se por acaso tiveres um inimigo, Dionísio, não lhe lances


a maldição de Ísis ou de Harpócrates39,
ou qualquer deus que cega os mortais – chama Símon:
então verás o poder do deus e o de Símon!

38
No original, klinikos refere-se a um médico que dá consultas ao
domicílio.
39
Ísis e Harpócrates eram divindades originalmente egípcias rela-
cionadas com a medicina. A partir do período helenístico, Ísis passou
a ser identificada com Deméter; Harpócrates, filho da primeira com
Osíris, era sobretudo uma divindade ligada à magia, tendo semelhante
poder de cegar os homens em Juvenal (13.93).
71
Epigramas de Banquete e Burlescos

116. DO MESMO

Para o Hades, há muito muito tempo, César40 nosso senhor,


diz a lenda que Euristeu mandou o grande Héracles41.
Agora, mandou-me a mim Menófanes, o médico. Seja pois
esse médico chamado Euristeu, e não Menófanes.

117. [DE ESTRATÃO]42

O médico Cápito ungiu os olhos de Crises, quando via


ainda uma torre alta a oito estádios de distância,
um homem a um estádio e uma codorniz a doze codos,
e distinguia mesmo um piolho a dois palmos.
Agora, a um estádio não vê uma cidade, e a dois pletros
não é sequer capaz de ver o farol a arder;
a custo vê um cavalo a um palmo, e em vez do piolho de antes,
não consegue ver sequer uma grande avestruz.
Se o fulano continuar com os unguentos, nem um elefante
conseguirá ver no futuro, perfilado a seu lado.

40
Pode tratar-se do imperador Nero.
41
Rei de Tirinto e de Micenas, foi encarregado pelo Oráculo de
Delfos de exigir a Héracles os famosos doze trabalhos como expiação
pelo assassinato de seus filhos. No Hades, Héracles teve que defrontar
Cérbero, o monstruoso cão de três cabeças que guardava a entrada do
mundo inferior.
42
Não tem sido aceite esta atribuição, desde logo porque todos os
demais epigramas conservados de Estratão de Sardes – os que se reúnem
no livro XII da Antologia Grega – são de temática homoerótica.
72
Antologia Grega

118. DE NICARCO43

Fídon não me fez a purga, nem sequer me tocou; sentindo-me


[doente,
fui eu que me lembrei do nome dele e acabei por morrer.

119. DO MESMO

Se o médico deu a purga à velha, ou se a estrangulou,


ninguém sabe – mas foi rápido como o diabo!
Com o som do clister ainda nos ouvidos, já lhe coroávamos
a urna, e outros preparavam a sopa de lentilhas44.

120. DO MESMO

Tendo prometido endireitar a coluna de Diodoro,


Socles pôs-lhe três pesadas pedras de quatro pés
de diâmetro sobre as costas. O gajo morreu do peso,
é certo, mas ficou mais reto que uma régua.

121. DO MESMO

Quando o operou, Agelau causou a morte de Acestórides.


“Se sobrevivesse” – dizia – “o pobre ficava coxo!”

43
A atribuição é de Pl. Em P, o epigrama (que parece funerário)
vem na continuação do anterior – sendo, portanto, atribuído ao mesmo
Estratão –, e é repetido adiante no códice, onde o corretor o atribui ao
alexandrino Calícter.
44
A refeição fúnebre, aqui tomada de um dos pratos mais humildes.
73
Epigramas de Banquete e Burlescos

122. DO MESMO

O médico Aléxis aplicou cinco clisteres e cinco purgas de


[uma vez;
cinco pacientes ele visitou, e mais cinco ungiu.
E para todos houve uma só noite, um só remédio, um só
[coveiro,
uma urna só, um mesmo Hades, um mesmo lamento.

123. DE HÉDILO

Ágis não purgou o Aristágoras, nem sequer lhe tocou;


mas assim que entrou, o Aristágoras foi-se.
Há algum acónito com semelhante poder? Ó coveiros,
enfeitai a cabeça de Ágis de mitras e grinaldas!

124. DE NICARCO

– Estrangeiro! Que queres saber? – Quem está sob a terra


[destas tumbas?
– Aqueles que Zópiro roubou à doce luz do dia,
o Dâmis, o Aristóteles, o Demétrio, o Arcesilau,
o Sóstrato e todos os outros, até ao Paretónio45.
Com o seu caduceu de madeira e as suas sandálias46 ortopédicas,
qual Hermes, o fulano enterra os seus pacientes.

45
Paretónio pode ser o último dos pacientes que Zópiro enterrou,
ou mesmo uma cidade da fronteira líbia de Alexandria, até onde – essa
seria a sátira – há defuntos da responsabilidade desse médico.
46
Os atributos de Hermes psychopompos, i.e., o que leva as almas dos
defuntos para o Hades.
74
Antologia Grega

125. ANÓNIMO

O médico Cráteas e Dámon, o embalsamador,


fizeram um pacto um com o outro.
Dámon mandava as bandoletes que roubava aos defuntos
para o seu Cráteas usar como ligaduras;
e Cráteas, justa retribuição, mandava-lhe os pacientes
todos para que pudesse embalsamá-los.

126. ANÓNIMO

Não com uma sonda, mas com um tridente, me ungiu Carino,


e com uma esponja dessas das tabuinhas de escrever.
Quando retirou a sonda, o fulano arrancou-me o olho
da raiz, mas a sonda ficou toda lá dentro.
Tivesse-me ele ungido duas vezes, e não mais o incomodaria
com os meus olhos – como poderia, sem nenhum?

127. DE POLIANO
Sobre poetas47

Também entre as Musas há Erínias; são elas que te transformam


em poeta, e inspirado por elas escreves, muito e sem critério.
Por isso te digo: escreve mais ainda! Loucura maior do que essa
não posso eu pedir aos deuses que te calhe em sorte.

47
Lema comum aos núms. 127-137.
75
Epigramas de Banquete e Burlescos

128. DO MESMO

Se não me alegro, Floro48, volva-me eu um dátilo ou um pé,


desses teus que andas por aí a martirizar.
Alegro-me com a tua coroa, juro pela boa sorte que tiveste
nos concursos, como com um pedaço courato.
Por isso, coragem, Floro! Volta a sair triunfante de novo!
Por este andar, podes mesmo ganhar na corrida.

129. DE CEREÁLIO

Um certo poeta, tendo vindo aos Ístmicos49 competir,


ao ver outros poetas disse que tinha amigdalite.
Vai em seguida aos Píticos; se também os encontrar aí,
já não vai poder dizer “É que tenho parapitite!”50

48
Cronologicamente, pode tratar-se de L. Eneu Floro, o historiador
contemporâneo do imperador Adriano, que nesse caso seria acusado de
ser um mau poeta, mas que, ainda assim, teria conseguido a vitória num
concurso poético (v.3).
49
Os Jogos Ístmicos realizavam-se a cada dois anos no Istmo de
Corinto, e os Píticos a cada quatro anos, em Delfos. Ambos incluíam
concursos musicais. No epigrama, está em causa a covardia de um
poeta que, ante o talento dos seus adversários – ou antes, a sua mera
existência – inventa uma desculpa de saúde para não participar e evitar
a derrota certa.
50
O Jogo vocabular é impossível de manter em tradução, porquanto
a palavra que traduzimos por “amigdalite” (paristhmia), tem na sua
composição Isthmia (“Jogos Ístmicos”).
76
Antologia Grega

130. DE POLIANO

Esses poetas cíclicos que vão dizendo “então de novo”,


odeio-os, plagiadores dos versos de outros.
É por isso que prefiro os elegíacos – nada tenho eu
que roubar a Parténio, e menos a Calímaco!
À “besta de grandes orelhas”51, se dou em escrever,
me assemelhe, “a verde quelidónia dos rios”52.
Estes fulanos roubam as vestes de Homero descaradamente,
e escrevem mesmo “Canta, ó deusa, a cólera...”53

131. DE LUCÍLIO

Nem a água dos tempos de Deucalião que tudo inundou,


nem Faetonte54 que queimou os seres sobre a terra
assassinaram tantos homens quantos o poeta Pótamon,
quantos matou Hermógenes com as suas cirurgias.
Assim, desde o início dos tempos houve estes quatro males:
Deucalião, Faetonte, Hermógenes e Pótamon.

132. DO MESMO

Detesto, César soberano, aqueles a quem nunca agrada


um novato, ainda que diga “Canta, ó deusa, a cólera...”.

51
Assim designava Calímaco (séc. III a.C.) o macaco.
52
A expressão deve ser de Parténio de Niceia (séc. I a.C. – I d.C.).
53
O início da Ilíada. Cf. núms. 132 e 140.
54
Cf. núm. 104 (com nota), a propósito de Faetonte. Quanto a
Deucalião, Lucílio partilha da opinião de Estratão (núm. 19, com nota),
e faz dele responsável pela destruição humana.
77
Epigramas de Banquete e Burlescos

Se um fulano não tiver a idade de Príamo, for meio-careca


e todo encurvado, não pode escrever nem um alfa.
Se as coisas têm que ser realmente assim, Zeus dos céus,
é porque o talento é exclusivo dos que têm hérnias!

133. DO MESMO

Morreu Eutíquides, o poeta lírico! Habitantes dos infernos,


é hora de fugir! Chega Eutíquides com seus versos!
Deu ordem para que fossem queimadas consigo doze cítaras,
juntamente com vinte e cinco caixas de canções.
Já Caronte se aproxima de vós; onde encontrar refúgio,
de futuro, se Eutíquides já desceu ao Hades?

134. DO MESMO

Começamos, Heliodoro? Vamos executar estes poemas


assim, um contra o outro? Queres, Heliodoro?
“Vem aqui, para que mais rápido atinjas a morte”55. Verás que
[sou
um tagarela mais entediante e mais Heliodoro que tu!

135. DO MESMO

Não mais, não mais, Marco, chores esse rapaz, antes a mim,
muito mais morto do que o filho que tens contigo!
Compõe agora as tuas elegias para mim, meu carrasco, os trenos

55
Cena de desafio para uma competição poética pessoal, na qual
Lucílio se serve do desafio de Diomedes a Glauco (Ilíada 6.143).
78
Antologia Grega

para mim, assassinado pelo teu versejar mortífero.


Pelo teu filho morto, sou eu quem sofre o que deviam sofrer
aqueles que inventaram os livros e as canetas.56

136. DO MESMO

Não, jamais os homens forjaram um tão terrível


punhal contra uma emboscada traiçoeira,
como esta guerra não declarada que tu, Calístrato,
me fazes com os teus hexâmetros assassinos.
Rápido, toca em retirada! De olho no armistício,
até Príamo teve que controlar as lágrimas57.

137. DO MESMO

Depois de me servir um bife de vaca cru, Heliodoro,


seguido de três copos de vinho mais cru ainda,
inundaste-me por fim com epigramas. Se fui ímpio
e acaso devorei um desses bois da Trinácria58,
quero de uma vez afundar-me nas ondas; mas se o mar
fica longe, levanta-me e lança-me à cisterna.

56
Os núms. 135-137 satirizam os poetas elegíacos que persis-
tentemente compõem versos para a morte de familiares e amigos.
Conservamos na Antologia o exemplo f lagrante de Gregório de
Nazianzo (livro VIII), que no séc. IV ainda conservava essa prática.
57
Referência à humilhação que supôs o resgate do cadáver de Hei-
tor, seu filho, na Ilíada (24.460-517).
58
Como os companheiros de Ulisses, que por isso naufragaram
e morreram. Lucílio satiriza esses poetas que oferecem os melhores
banquetes, para logo servirem os piores epigramas.
79
Epigramas de Banquete e Burlescos

138. DO MESMO
Sobre os gramáticos59

Tão só de me lembrar do gramático Heliodoro,


começo a falar mal e trava-se-me a língua.

139. DO MESMO

Zenónis tem em casa Menandro, o gramático barbudo,


e diz que confiou o filho aos seus cuidados.
Mas pelas noites o gajo não cessa os cuidados com ela:
ele é flexões, conjunções, posições e copulações.60

140. DO MESMO

A esses tagarelas que se digladiam com versos ao jantar,


gramáticos enigmáticos da escola de Aristarco
que não são dados a piadas nem à bebida, mas, reclinados,
brincam como meninos a fazer de Nestor e Príamo,
não me lances, como diz o ditado, para ser presa e pasto61.
Eu hoje não janto com o Canta, ó deusa, a cólera...

59
Núms. 138-140.
60
Todo o vocabulário gramatical do último verso pretende, no
original – e de alguma maneira em tradução – ter uma ambiguidade
sexual. De resto, já o termo que traduzimos por “barbudo” no v. 1
(pogon) traz em grego a sonoridade de “debochado” (pygon).
61
Odisseia 3.271.
80
Antologia Grega

141. DO MESMO
Sobre os oradores62

Perdi um leitão e um boi, e a minha única cabra,


e por isso recebeste um soldo, Ménecles.
Mas eu cá nada tenho em comum com Otríades,
nem cito por roubo os heróis das Termópilas;
é Eutíquides o acusado deste processo! Importam-me
lá a mim Xerxes e os Lacedemónios63?
Pensa mas é em mim, para bem da lei, ou alto gritarei:
“Uma coisa é o que diz Ménecles, outra o leitão!”

142. DO MESMO

Nos comuns mais faltaria, nos a vós, nos ditos três vezes
por frase senhores do júri, ou nos no caso a lei diz-me,
nos ergo, nos meditai pois, nos quarenta e nos com efeito
exercitado, e mais os por Zeus! e os não, por Zeus!,
Críton é finalmente um orador e ensina muitas crianças.
Por elas, acrescentará ainda nada a dizer, dizei e a si.64

62
Núms. 141-152.
63
Os Espartanos. Lucílio critica os oradores que em tribunal, para
defender as causas mais corriqueiras, recorrem a exemplos históricos e
míticos imponentes. No caso, o recurso à batalha das Termópilas (480
a.C.) e às lutas entre Persas e Espartanos.
64
Epigrama de dificilíssima versão. O poeta satiriza o uso de pala-
vras e expressões arcaizantes, algumas delas tiques de oradores antigos
como Demóstenes (séc. IV a.C.).
81
Epigramas de Banquete e Burlescos

143. DO MESMO

Plutão não há de receber o orador Marco ao morrer,


argumentando: “Basta cá um cão Cérbero65!”
Se verdadeiramente queres entrar, a Ixíon66, ao lírico
Méliton67 e a Tício68 vai dar as tuas palestras!
Pois não tinha eu pior praga que tu, até aqui ter chegado
Rufo69, o gramático, com os seus solecismos.

144. DE CEREÁLIO

Não! Usar palavras grandiloquentes e um punhado de aticismos


não é mostra de presença de espírito e sabedoria.
Não basta que digas estremece, ou ressoa, ou assobia,
ou murmura, para te tornares um Homero.
O bom-senso deve governar as ações, e a sua expressão
ser mais simples, para que se entenda o que dizes.

65
Vd. nota ao núm. 116.2.
66
Em vida, teria sido o primeiro mortal a derramar o sangue de
um familiar; no Olimpo, onde foi o primeiro suplicante dos deuses,
tentou violar Hera, sendo fulminado por um raio e lançado no Tártaro,
onde foi preso a uma roda em chamas e condenado a nela girar pela
eternidade. Aristóteles (Poética 18) considerava-o o tema patético por
excelência dos trágicos.
67
Poeta contemporâneo do autor, de quem nada mais sabemos, mas
que volta a ser referido no núm. 246.
68
Vd. nota ao núm. 107.3.
69
Desconhecido.
82
Antologia Grega

145. ANÓNIMO

É um retrato de Sexto que discursa; Sexto está em silêncio.


O retrato é orador; e o orador, um retrato do retrato.

146. DE AMIANO

Enviei sete solecismos de presente a Flaco, o orador,


e ele retribuiu-me cinco lotes de duzentos.
E dizia ainda: “Por agora, envio-te estes bem contados;
de futuro, vão por alqueire, após chegar a Chipre70.”

147. DO MESMO

O Asiático, assim do nada, é orador. Nada de admirar!


É só mais um milagre que acontece em Tebas.

148. DE LUCÍLIO

Sem sequer falar, no outro dia, o retor Flaco fez solecismos


e, ao abrir a boca, deixou escapar um barbarismo;
no mais, mesmo com o gesticular da mão ele faz solecismos,
e eu, apenas de vê-lo, fico com a língua amarrada.

70
Seria a sua terra natal, acerca da qual parece considerar que se
falava um grego menos correto. Na verdade, aí se falava um grego mais
próximo do velho dialeto arcádio, afastado do grego clássico (ático).
83
Epigramas de Banquete e Burlescos

149. ANÓNIMO

És tu que eu vejo71, Médon, o orador! Então, qual o espanto?


Bem vestido, estás calado – nada mais semelhante!

150. DE AMIANO

“Um chapéu arcádio72, após um sonho, a Hermes


da Arcádia o oferece Atenágoras, o orador.”
É orador em sonhos? – A Hermes o levaremos assim mesmo;
Orador a sério? Basta pôr “Oferenda de Atenágoras”.73

151. ANÓNIMO

Eis aqui o retrato de um orador. E o orador? – Retrato


[do retrato.
Como assim? É que não fala – nada mais conveniente.74

152. DE AMIANO

Se queres, Paulo, formar o teu filho para ser orador


como os outros, nem as letras ele aprenda!

71
Refere-se a uma estátua fortemente realista.
72
O chapéu de três pontas, típico dos viajantes e uma das insígnias
de Hermes.
73
I.e., se é um verdadeiro orador, não tem porque lembrá-lo.
74
Cf. núm. 145.
84
Antologia Grega

153. DE LUCÍLIO
Sobre os filósofos75

Que sejas um cínico, Menéstrato, e um pé-descalço,


e andes sempre com frio, ninguém leva a mal;
mas se roubas as minhas côdeas de pão às escondidas,
também tenho bastão, e a ti, chamam-te cão76.

154. DO MESMO

Qualquer fulano pobre e ignorante, já não faz farinha


como antes, já não carrega fardos mal pago.
É deixar a barba e arranjar um bastão numa encruzilhada,
e dizem logo que o gajo é cão-guia da virtude!
É como o dito sábio do Hermódoto: se estás sem pilim,
deita fora essa túnica e trata de vestir a samarra!

155. DE AMIANO

Este fulano, o feroz guardião da virtude, o que a todos


por tudo repreende, enfrenta corajoso o frio

75
Núms. 153-158.
76
O nome da escola e dos seus praticantes deriva de kyon (“cão”),
animal que passou a ser um dos seus símbolos. É sobretudo contra os
Cínicos, com efeito, que este grupo de epigramas investe, realçando
esses e outros elementos identificativos, como sejam a barba longa,
o bastão, a carteira, ou o manto – uma espécie de samarra (cf. núm.
157.3).
85
Epigramas de Banquete e Burlescos

e deixa crescer a barba, foi apanhado ... a quê? Custa dizê-lo,


mas foi apanhado a fazer coisas de boca cheia77.

156. DO MESMO

Por acaso pensas que essa barba faz de ti alguém inteligente,


e por isso, meu caro, deixas crescer o mata-moscas?
Vai por mim, corta-a de imediato! Uma barba como essa
vai criar mais piolhos do que inteligência!

157. DO MESMO

Meu querido, não será que, para onde e de onde, senhor,


amiúde, vejamos, seguramente e ora vamos lá,
túnica pequena, tufo de cabelo, barbicha e ombros para fora:
destas coisas78 vive a sabedoria nos dias que correm!

158. DE ANTÍPATRO [DE TESSALÓNICA]

Queixa-se a carteira, queixa-se a gloriosa e pesada maça


de Héracles que trazia Diógenes de Sinope,

77
Preferimos a leitura kakostomaton (à letra, “que fazem mal à
boca”) proposta por Scaliger à lição de P kakostomachon (“que fazem
mal ao estômago”), embora a imagem pornográfica também pudesse
estar nesta última versão, se tomássemos stomachos com o sentido
original de “orifício”.
78
I.e., de expressões e tiques de linguagem – a maior parte deles
detetáveis nos Diálogos platónicos – e do aspeto tradicional do sábio
despojado, como nos epigramas anteriores.
86
Antologia Grega

queixa-se o manto duplo que se espalha em desordem


cheio de gordura, proteção para as neves geladas,
por poluir-se às tuas costas. Ele era, na verdade, o cão
celeste; tu, não passas de um que fuça nas cinzas.
Vamos, despe, despe as armas que não são tuas! Uma coisa
são os feitos de um Leão, outra os de bodes barbudos!79

159. DE LUCÍLIO
Sobre os adivinhos80

A meu pai, todos os astrólogos profetizavam, a uma


só voz, que o irmão dele teria longa velhice;
só o Hermóclides dizia que iria morrer antes de tempo;
ele dizia, e em casa já chorávamos o cadáver.

160. DO MESMO

Todos os que traçam horóscopos por Marte e Saturno81,


todos eles merecem o poste da tortura!
Em pouco tempo, hei de até vê-los a experimentar
o que faz o Touro, e quanto pode o Leão82.

79
O epigrama critica o uso das insígnias tradicionais de Diógenes
de Sinope, o modelo do filósofo cínico, pelos autodenominados filósofos
do seu tempo. No último verso, o “leão” é Héracles (e por extensão
Diógenes, que dele se dizia descendente).
80
Núms. 159-164.
81
Marte e Saturno – no epigrama dados pelos nomes gregos, Ares
e Cronos – são signos de pequena e grande desgraça, respetivamente.
82
Constelações anunciadoras da morte, frequentes nos vaticínios
destes adivinhos, que apenas profetizam desgraças.
87
Epigramas de Banquete e Burlescos

161. DO MESMO

Junto do adivinho Olimpo veio Onésimo, o pugilista,


procurando saber se chegaria à velhice.
Disse-lhe ele: “Sim, mas só se te reformares desde já!
Se continuas a lutar, Saturno83 será a tua sorte.

162. DE NICARCO

Se devia ir a Rodes, alguém veio perguntar a Olímpico,


o adivinho, e como podia viajar em segurança.
Disse o adivinho: “primeiro, escolhe um navio novo,
e não te faças ao mar de inverno, mas de verão.
Se assim procederes, então hás de chegar lá e regressar,
a menos que te assalte um pirata em alto-mar”.

163. DE LUCÍLIO

Junto do adivinho Olimpo veio Onésimo, o lutador,


o pentatleta Hilas e o corredor Ménecles,
querendo saber qual de entre eles sairia vitorioso
nos jogos. Ele examinou as vítimas e disse:
“Vencereis todos, a menos que alguém te ultrapasse,
alguém te derrube ou alguém se te adiante84.”

83
Cf. nota ao núm. 160.1.
84
As previsões (sempre óbvias) são dadas a Hilas, Onésimo e Méne-
cles, respetivamente.
88
Antologia Grega

164. DO MESMO

Que chegara a sua hora derradeira dizia o astrólogo


Aulo, tendo traçado o próprio horóscopo,
e que só tinha quatro horas de vida. Quando chegou
à quinta, tendo que viver com a ignorância,
com vergonha de Petosíris85 enforcou-se. Morreu
nas nuvens86, mas morreu sem saber nada!

165. DO MESMO
Sobre os avarentos87

Não inala menta Críton, o avarento, mas uma moeda


de cobre88, sempre que fica mal da barriga.

166. ANÓNIMO

Toda a gente diz que és rico, e eu digo que és um miserável:


o proveito é que é mostra de riqueza, Apolófanes!
Se usas algo do que é teu, é teu de facto; mas se o deixas
para os herdeiros, desde já é pertença de outrem.

85
Filósofo e matemático egípcio, que passou a simbolizar a arte da
astrologia (cf. Juvenal 6.581, 677).
86
No original, meteoros lembra o Sócrates das Nuvens de Aristófa-
nes (v. 226). Cf. núm. 354.7.
87
Núms. 165-173.
88
Uma moeda de cobre vale ¼ de óbolo.
89
Epigramas de Banquete e Burlescos

167. DE POLIANO

Tens dinheiro, mas sabe porque não tens nada: tudo na usura!
Assim, nada disfrutas para que outro o desfrute.

168. DE ANTÍFANES

Sempre a fazer contas, infeliz! Mas o tempo, mais que juros,


gera os cabelos brancos da velhice ao esvair-se.
E assim, sem beber, sem flores a enfeitar-te a cabeça,
sem provar um perfume ou um amor delicado,
hás de morrer, deixando grande fortuna em testamento,
e de tanta riqueza levando apenas um óbolo89.

169. DE NICARCO

Ainda ontem, o avarento do Dinarco esteve para enforcar-se,


Glauco, mas por seis tostões, não morreu, o infeliz:
seis tostões custava a corda; mas ele tentou regatear o preço,
procurando dessa forma uma morte mais em conta.
Eis o cúmulo da terrível avarícia, que alguém queira morrer,
Glauco, e por seis tostões não morra, o desgraçado!

170. DO MESMO

Lamenta-se Fídon, o avarento, não porque vai morrer,


mas por ter de pagar cinco minas pelo caixão.

89
O que, tradicionalmente, se colocava sobre a boca do cadáver
para pagar ao barqueiro infernal.
90
Antologia Grega

Façam-lhe então a vontade e, já que há espaço de sobra,


metam lá dentro um dos seus muitos filhos!

171. DE LUCÍLIO

Ao morrer, o avarento Hermócrates nomeou-se a si mesmo,


por testamento, o único herdeiro dos seus bens.
No leito de morte, calculava quanto pagaria aos médicos,
se se levantasse, e quanto lhe custaria a doença.
Quando descobriu que gastaria mais uma dracma se vivesse,
disse “é preferível morrer” – e foi desta para melhor.
Agora jaz, sem nada além de um óbolo; [e os herdeiros dele,
de bom grado se fizeram cargo da sua fortuna.]90

172. DO MESMO

Um filho que lhe nascera, o forreta do Aulo afogou-o,


feitas as contas do que custaria ficar com ele.

173. DO MESMO

Se emprestaste algum, dás agora outro e mais darás,


jamais poderás ser senhor do teu dinheiro!

90
O último verso, ausente de qualquer manuscrito, deve ser uma
reconstrução dos editores da Aldina.
91
Epigramas de Banquete e Burlescos

174. DE LUCÍLIO
Sobre os ladrões91

Uma Cípris emergente das ondas maternas do mar,


toda em ouro, ontem o Díon roubou-a;
com a mão, levou ainda um Adónis em ouro batido
e um Amor pequenino que estava ao lado92.
Agora, os melhores ladrões que existem hão de dizer:
“Não mais competiremos contigo a roubar!”93

175. DO MESMO94

O próprio deus pelo qual devia jurar, o Eutíquides


roubou-o, e disse: “Por ti não posso jurar!”

176. DO MESMO

O Hermes alado, o copeiro dos deuses,


senhor dos Arcádios, condutor de bois,
que se erguia como vigia destes ginásios,

91
Núms. 174-184.
92
Deve tratar-se do grupo escultórico de um templo, à imagem da
famosa (e eterno tema de poesia) pintura de Apeles, a Vénus Anadio-
mene. O epigrama parece parodiar um outro de Antípatro de Sídon
(AP 16.178).
93
No epigrama de Antípatro referido na nota anterior, são Hera
e Atena quem pronuncia estas palavras, dando-se por vencidas ante a
beleza insuperável de Afrodite.
94
Os núms. 175-177 e 183 formam uma subsérie sobre ladrões de
estátuas dos deuses.
92
Antologia Grega

o ladrão noturno Aulo, ao levá-lo, dizia:


Muitos discípulos superam os mestres!”95

177. DO MESMO

O deus que denuncia os ladrões, Febo, o Eutíquides


roubou-o, dizendo: “Não vás tu falar demais!
Compara a tua arte com a minha, oráculos com mãos,
adivinho com ladrão e o deus com Eutíquides.96
Já que, graças à tua língua sem freio, serás em breve vendido,
diz de mim o que quiseres aos que te comprarem!

178. DO MESMO

Boieiro! Vai pastar longe a manada, não vá o Péricles,


esse ladrão, levar-te a ti também com os bois!

179. DO MESMO

Tivesse Díon os pés como as mãos, e não seria Hermes


considerado alado pelos homens, mas Díon.

95
Entre as suas múltiplas atribuições ligadas ao ofício do comércio,
Hermes era também o deus dos ladrões. Um dos raros epigramas em
trímetros iâmbicos da coleção.
96
Numa palavra: profetas, oráculos e ladrões, tudo farinha do
mesmo saco.
93
Epigramas de Banquete e Burlescos

180. DE AMIANO

Nos Idos, Pólemon não dita sentença, e nas Nonas condena:


quer lhe pagues, quer o compres97, é sempre Pólemon.

181. DO MESMO

Sabíamos todos, Pólemon, que te chamavas António;


como desapareceram de repente três letras?98

182. DE DIONÍSIO

A mim, um porco não vosso, sacrificais; e chamais-me


leitãozinho, sabendo bem que não sou vosso.99

183. DE LUCÍLIO

Sabendo que Saturno era hostil100 ao seu horóscopo, Heliodoro


roubou esse Saturno dourado, à noite, do templo.

97
Todo o epigrama joga com o duplo sentido das palavras. Pólemon
é, pelo nome, “o belicoso”; igualmente, os Idos (o 13º ou 15º dia do mês)
ecoam o sentido “se dás” (i.e., se há uma tentativa de suborno), como
as Nonas (5º ou 7º dia do mês) podem ter o sentido de “se o compras”
(vd. epigrama e nota seguinte). Simplesmente, estamos diante de um
juiz corrupto que sempre condena.
98
Suprimidas as três primeiras letras de Antonios, fica-se com onios
(“subornável”, “à venda”).
99
Fala a vítima de furto, um porco, que os ladrões querem oferecer
à divindade em sacrifício, fazendo-o passar por um leitão. O jogo de
palavras é com a terminação do diminutivo em grego (-idion), que
sozinho significa “próprio”.
100
Vd. nota ao núm. 160.
94
Antologia Grega

E disse: “Experimenta agora, senhor, qual de nós é o mais


nefasto, e fica a saber quem é o Saturno de quem!
Quem para outro obra maldades, para si mesmo as está
[a obrar;101
rende-me boa soma, e nasça o astro102 que quiseres.

184. DO MESMO

Do jardim das Hespérides de Zeus, Menisco roubou,


como antes Héracles103, três maçãs de ouro.
Então? Ao ser apanhado, a todos deu grande espetáculo:
como antes Héracles, foi queimado vivo.

185. DO MESMO
Sobre citaredos, atores trágicos e cómicos104

Hegéloco105 devastou o estado dos Gregos, soberano


César106, quando veio cantar o seu Náuplio.

101
Verso proverbial, inspirado em Hesíodo (Trabalhos e Dias 265).
102
O nascimento do astro no céu, momento de pior augúrio.
103
O modelo mítico de Héracles, que roubou as maçãs do Jardim
das Hespérides (o jardim dos deuses, com frutos de ouro, guardado por
estas ninfas do poente), e cujo corpo foi queimado ainda vivo no Monte
Ida, antes de subir ao Olimpo.
104
Núms. 185-189.
105
Segundo Aristófanes (Rãs 303-341), era um ator de estilo muito
marcado que, embora trágico, provocava o riso. Náuplio fora o respon-
sável pela destruição de navios gregos no regresso de Troia, acendendo
tochas que os levaram a naufragar no cabo Cafareu em Eubeia, ou na
ilha de Míconos. E parece que o seu poder destrutor é tal, que só de ser
representado é funesto para os Gregos.
106
Nero ou Vespasiano.
95
Epigramas de Banquete e Burlescos

Náuplio é sempre funesto aos Gregos, seja afundando


os navios em alto-mar, seja por tal citaredo.

186. DE NICARCO

O canto da coruja é prenúncio de morte. Mas se canta


o Demófilo, quem morre é a própria coruja.

187. DE LEÓNIDAS

Símilo, o tocador de lira, matou os vizinhos todos


tocando toda a noite, exceto um, Orígenes.
É que a natureza fê-lo nascer surdo; e assim lhe deu,
em vez da audição, uma vida mais longa.

188. DE AMIANO

Nicetas, quando se põe a cantar, é o Apolo107 das canções;


quando exerce medicina, então é o dos pacientes.

189. DE LUCÍLIO

Por cinco óbolos, Apolófanes, o ator trágico, desfez-se


dos adereços de cinco deuses: a maça de Héracles,

107
Pela etimologia do seu nome (apollymi) Apolo é considerado, por
vezes, “o destruidor”.
96
Antologia Grega

mais as carantonhas de Tisífone108, o tridente de Posídon,


o escudo de Atena109 e a aljava de Ártemis.
Os deuses que com Zeus se sentam110 foram despojados
por umas côdeas de pão e um pouco de vinho.

190. DO MESMO
Sobre barbeiros111

Ao peludo Hermógenes, o barbeiro busca por onde começar


a rapar-lhe a cabeça – todo ele é como uma cabeça.

191. DO MESMO

Ares, Ares flagelo dos mortais, sanguinário! Deixa, barbeiro,


de me cortar em postas – já não tens onde cortar-me!
Vamos, passa já para os meus músculos, ou as pernas, abaixo
dos joelhos, e corta aí à vontade, que eu deixo-te!
Agora, o teu local já está cheio de moscas; e se insistires,
hás de mesmo ver bandos de abutres e corvos.

192. DO MESMO
Sobre os invejosos112

Vendo, ao seu lado, um fulano amarrado a uma cruz maior


do que a sua, Diofonte, invejoso, ficou deprimido.

108
Uma das Erínias, a vingadora da morte. Deve tratar-se da tradi-
cional máscara com serpentes em vez de cabelos.
109
No qual estava gravada a cabeça da Górgona.
110
Citação de Ilíada 4.1 (e passim).
111
Núms. 190-191.
112
Núms. 192-193.
97
Epigramas de Banquete e Burlescos

193. ANÓNIMO

A inveja é o pior dos males; mas algo de bom tem em si:


é que corrói os olhos e o coração dos invejosos.

194. DE LUCÍLIO
Sobre os caçadores

Para Pã amante de cavernas, para as Ninfas que correm pelo


[monte,
para os Sátiros e as sagradas Hamadríades ocultas,
[o caçador] Marco, nada tendo apanhado com os cães e as
[estacas
assassinas de javalis, pendurou os seus próprios cães.113

195. DE DIOSCÓRIDES

Aristágoras dançou o Galo114; eu cá, só a muito custo


percorri a história dos Teménidas115 belicosos.

113
O poema satiriza o género dos epigramas votivos, reunidos no
livro VI da Antologia Grega.
114
Falamos de representação pantomímica, baseada sobretudo na
coreografia e na caraterização dos artistas. Os Galos eram sacerdotes
de Cibele – assimilada pelos Gregos a Reia –, mais conhecidos pelo seu
aspeto efeminado e pela castração ritual a que se submetiam. Cf. AP
6.51 (com nota), 173, 217, 219-220, 237, exemplos de epigramas votivos,
o género aqui parodiado.
115
Eurípides tinha composto uma peça intitulada Teménidas, na
qual se contariam as façanhas dessa família de descendentes de Héra-
cles. Vd. Pausânias 2.28. Hirneto (v. 4) era filha de Témeno e esposa de
Deifontes, a quem o primeiro entregara o poder, passando por cima dos
seus herdeiros masculinos. Estes tentaram persuadir a irmã – heroína
98
Antologia Grega

Foi despedido entre aplausos; quanto à minha infeliz


Hirneto, saiu entre uma chuva de assobios116.
Ao fogo com as proezas dos heróis! Para os rústicos,
até uma garça canta melhor do que um cisne.

196. DE LUCÍLIO
Sobre os feiosos117

Bito tinha a fronha de três macacos, e era até capaz de levar


a própria Hécate118, bem sei, a enforcar-se se o visse.
Diz-me a fulana: “Sou honrada, Lucílio, e durmo sozinha.”
Deve ela ter vergonha de dizer “sou virgem.”
Se alguém me odeia, que se case com semelhante flagelo,
e oxalá possa gerar filhos dessa sua castidade.

197. DO MESMO

Antigamente, Jerónimo queria ser circunspecto:


tem o circun-, mas o -pectum tornou-se -ciso119

da tragédia euripidiana perdida – a deixar o marido, prometendo-lhe


melhores bodas, o que ela recusou, com isso provocando a sua morte.
No séc. II a.C., tempo do epigrama, este tipo de episódios já não des-
pertava o interesse do público.
116
Tradução livre. No original, “entre uma confusão de krotaloi”,
pequenos instrumentos musicais, semelhantes a castanholas, usados em
representações cómicas e, importante para o caso, nos cultos de Cibele.
117
Núms. 196-204.
118
Filha da Noite, Hécate cedo se transformou numa divindade
monstruosa do mundo infernal.
119
Jogo de palavras de impossível tradução entre drimys (“austero”)
e drylos (“verme”, “sanguessuga”), podendo o último termo ter um
sentido fálico e assim sugerir a prática da circuncisão.
99
Epigramas de Banquete e Burlescos

198. DE TEODORO

Diz-se o Hermócrates do nariz, na verdade; se dissermos o nariz


de Hermócrates, favorecemos o pequeno, não o grande.

199. DE LEÓNIDAS [DE ALEXANDRIA]

Peixe não é coisa que o narigudo Sosíptolis compre,


antes tira grande pesca do mar a custo zero.
Não munido de linha nem de cana, ata um anzol
ao nariz e pesca tudo quanto nada no mar.

200. DO MESMO120

Zenógenes, com a casa em chamas, a duras penas


tudo fazia para se escapar pela janela.
Empilhava cadeiras, mas não chegava; então fez-se luz:
usou o nariz de Antímaco como escada e fugiu.

201. DE AMÓNIDES

Antípatra, era alguém tê-la mostrado nua aos Partos


e fugiriam para lá das colunas de Héracles.121

120
Não é segura a atribuição a Leónidas de Alexandria, desde logo
por não estarmos ante um epigrama isopséfico. Vd. nota ao lema do
núm. 70.
121
I.e., fugiriam de uma extremidade à outra do mundo conhecido,
do qual o país dos Partos designa o limite oriental, e as Colunas de
Héracles o ocidental.
100
Antologia Grega

202. ANÓNIMO

Ao enterrar a esposa velha, o espertalhão do Mosco casou


com uma moça – o dote, ficou todo em sua casa.
É justo elogiar a inteligência de Mosco, o único que sabe
com quem deitar-se e de quem herdar os bens.

203. [ANÓNIMO]

O nariz de Castor, quando cava a terra, é uma enxada,


trompete quando ressona, foice para a vindima,
âncora de navios, dente de arado para a sementeira,
anzol para os nautas, garfo122 para os convivas,
turquês de fazer barcos, sacho para os agricultores,
enxó para carpinteiros, aldraba para as portas.
Um tão útil instrumento Castor tem a sorte de possuir,
com esse nariz que é pau para toda a colher.

204. DE PÁLADAS
Sobre um orador egípcio

Ao ver o orador Mauro e a sua tromba de elefante fiquei para


[morrer,
como emitia um som mortífero dos seus lábios carnudos123.

122
No original, um instrumento de forma curva – como todos os
referidos – que servia para servir a carne.
123
À letra, “que pesam uma litra” (c. 327 gr.).
101
Epigramas de Banquete e Burlescos

205. DE LUCÍLIO
Sobre glutões124

Rigorosamente nada, Dionísio, deixou para Aulo o Eutíquides,


ao vir jantar, antes lhe roubou tudo por trás das costas125.
E agora, o Eutíquides tem em sua casa um banquete enorme,
e Aulo, sem ser convidado, sentado a comer côdeas.126

206. DO MESMO

Sejas tu capaz, Dionísio, de digerir bem todos estes pratos;


mas, em nome da tradição, dá-nos algo de comer!
Também fui convidado, também a mim Públio deu a provar
esta comida, também está aqui a minha parte.
A menos que penses, por ver-me magro, que me sentei doente,
e por isso tenhas medo que coma algo sem notares.

207. DO MESMO

Comes como cinco lobos, Gamo, e os restos, não os teus


mas de quem tens à volta, rapina-los pelas costas.
Vamos, volta amanhã com o cesto que tens a teus pés,
com serragem, uma esponja e uma vassoura127.

124
Núms. 205-208.
125
Como no núm. 207.2, trata-se de entregar a um escravo, às ocul-
tas, os restos de comida.
126
Tema frequente da sátira latina. Cf. Marcial 2.37.
127
Para limpar a sala de banquetes, já que soube, no dia anterior,
limpar por completo a mesa.
102
Antologia Grega

208. DO MESMO

Na corrida do estádio, Eutíquides era só lentidão; para o jantar,


correu tanto que podíamos dizer: “O Eutíquides voa!”

209. DE AMIANO
Sobre um usurpador de terras

Ainda que chegues às Colunas de Héracles invadindo terra


[alheia,
porção de terra igual à de todos os homens te espera,
e jazerás, tal qual Iro, possuindo nada mais do que um óbolo128,
apodrecendo numa terra que já não te pertence.

210. DE LUCÍLIO
Sobre os covardes129

Ante o carvão e o louro o soldado Aulo tapa os ouvidos,


enrolando-se no seu manto cor de marmelo130;
dá-lhe terror a própria espada, inútil; e se calhas de dizer
“Lá vêm eles!”, cai ao chão de costas na hora.

128
Vd. nota ao núm. 168. Iro foi o mendigo que tentou expulsar
Ulisses do próprio palácio, no regresso do herói.
129
Núms. 210-211.
130
O dístico sofreu distintas interpretações. Como o entendemos,
o som do carvão e do louro pisados faz este soldado covarde recordar a
guerra, provocando-lhe terror.
103
Epigramas de Banquete e Burlescos

Não se dá ele com nenhum Pólemon ou Estratoclides:


sempre preferiu a amizade de um Lisímaco131.

211. DO MESMO

O soldado Calpúrnio, quando viu pintada na parede,


como é costume, a batalha junto às naus132,
o nosso valentão estatelou-se no chão, verde e sem pulso,
gritando “capturai-me, Troianos amigos de Ares!”
Perguntava ainda se estava ferido, e a custo o tipo acreditou
estar vivo – já acertara o resgate com as muralhas!

212. DO MESMO
Sobre os pintores133

[O meu bonito filho, Diodoro, te encomendei pintar;]


mas tu deste-me um filho desconhecido,
pondo-lhe uma cabeça de cão; e por isso lamento
que Zopírion me tenha nascido de Hécuba134.

131
Pólemon e Estratoclides têm na sua etimologia o sentido de
“dados à guerra”, pelo que prefere amigos de nome Lisímaco (“avesso à
guerra”), com o mesmo propósito tomado como nome de personagem
desde Aristófanes.
132
A cena descrita no canto 13 da Ilíada.
133
Núms. 212-215.
134
Segundo o mito, no final da vida a dor pela perda dos filhos
provocou a metamorfose da viúva de Príamo em cadela.
104
Antologia Grega

E agora, por seis dracmas, eu, o carniceiro Erasístrato,


das minhas salsichas135 consegui um filho Anúbis136.

213. DE LEÓNIDAS [DE ALEXANDRIA]

Ao pintar o retrato de Menódoto, Diodoro fê-lo


igual a toda a gente, menos a Menódoto.

214. DE LUCÍLIO

Pintaste, Menéstrato, um Deucalião e um Faetonte,


e perguntas quanto vale cada uma das obras.
Julgaremos ambas convenientemente: merece o fogo
Faetonte, de facto, e Deucalião a água!137

215. DO MESMO

Vinte foram os filhos que gerou o pintor Êutico,


e nem um dos que gerou se lhe parece.138

135
Ou “dos festivais de Ísis”, segundo outra leitura, que se relacio-
naria com o deus referido no mesmo verso. Vd. nota seguinte.
136
Deus egípcio dos mortos e moribundos, condutor das almas no
submundo, Anúbis era representado com cabeça de cão (ou de chacal)
e venerado juntamente com Ísis.
137
Cf. núms. 19, 104 e 131 (com notas). Cada uma das pinturas
merece o castigo da morte, por via do elemento natural mais associado
a cada herói.
138
Mau pintor e marido enganado.
105
Epigramas de Banquete e Burlescos

216. DO MESMO
Sobre os lascivos139

Acerca do pederasta Cratipo, escutai: algo extraordinário,


uma novidade anuncio – as Némesis são poderosas!
O pederasta Cratipo, descobrimos agora que é doutra raça,
desses com outros gostos. Posso eu lá crer nisto?
Sim, posso, Cratipo! Devo estar louco: dizias a toda a gente
que eras lobo, e eis que te revelas um cordeiro.140

217. DO MESMO

Para evitar quaisquer suspeitas, Apolófanes casou-se,


e a noiva andava em praça pública a dizer:
“Amanhã, sim, terei um filho!” Mas, quando o amanhã
chegou, ela voltou sem filho, mas com suspeitas.

218. DE CRATES

A Quérilo141 falta-lhe muito para ser como o Antímaco142,


mas Quérilo andava sempre com Eufórion143 na boca;

139
Comum aos núms. 216-225.
140
I.e., dizia ser um erastes (o amante ativo) e afinal prefere ser
eromenos (o passivo, pela norma só aceitável, entre os Gregos, entre os
12 e os 17 anos).
141
Deve tratar-se de Quérilo de Samos, autor de uma epopeia sobre
as guerras Medo-Persas.
142
No século IV a.C., compôs uma Tebaida e uma Lídia, poema
erótico e místico. Consta que Platão (o filósofo) o preferia a Quérilo
(Proclo, Acerca do Timeu 1.90).
143
Compôs, no séc. III a.C., pequenas epopeias de temática
histórica.
106
Antologia Grega

compunha poemas bem lambidos144, e também os de Filetas145


tinha na ponta da língua: era, enfim, um Homérico.

219. DE ANTÍPATRO [DE TESSALÓNICA]

Não lhes faço caso, mas há gente de confiança; entretanto


Pânfilo, por Zeus, se me amas, não me beijes146.

220. ANÓNIMO
Sobre um fulano chamado Alfeu

Foge da boca de Alfeu: ele gosta dos seios de Aretusa


e lança-se de cabeça para o seu mar salgado.147

221. DE AMIANO

Não, não é por chupares o estilete que eu te detesto,


mas porque o fazes haja ou não haja estilete.

144
Uma série de sentidos eróticos está implícito na seleção vocabular
do original, sobretudo nos termos de crítica literária. No caso, parece
clara a alusão ao sexo oral.
145
Filetas de Cós, poeta elegíaco do séc. IV a.C.
146
O epigrama joga com o duplo sentido do verbo philein (“amar”
e “beijar”), criando no original a (aparente) contradição “se me amas,
não me ames...”, e com isso sugerindo a promiscuidade do destinatário.
147
O nome do amante corresponde com o de um rio do Peloponeso
ocidental. Segundo o mito, Alfeu apaixonou-se pela ninfa Aretusa
e perseguiu-a até à Sicília, por terra, acabando por unir-se a ela, já
metamorfoseada em fonte (cf. Pausânias 5.7.2).
107
Epigramas de Banquete e Burlescos

222. ANÓNIMO

Quílon e Lícon148, as mesmas letras. Isso que importa?


Quílon lambe igual, sejam as mesmas ou não.

223. [DE MELEAGRO]

Duvidas tu que Favorino fode? Acabaram-se as dúvidas!


Ele mesmo me disse que fodia a própria boca.

224. DE ANTÍPATRO [DE TESSALÓNICA]

Quando pôs o olho no pau de Címon bem ereto, disse Priapo149:


“Ai, que me vence um mortal, imortal que sou!”

225. DE ESTRATÃO150

Na cama há dois que se deixam comer e dois que comem,


por isso julgarás que são quatro ao todo. Mas são três.
Perguntas “Como pode ser?”. É que o do meio conta por dois,
pois a ambos oferece um prazer partilhado ao mover-se.

148
No original, ambos os nomes têm de facto o mesmo número de
letras, sugerindo o primeiro o substantivo comum “lábios” e o segundo
o verbo “lamber”.
149
Priapo costumava ser representado em estado de ereção, com um
falo no mínimo desproporcional.
150
Variação sobre AP 12.210, do mesmo autor.
108
Antologia Grega

226. DE AMIANO
Sobre malvados151

Que uma terra leve te cubra quando morreres, miserável Nearco,


para que os cães te possam desenterrar facilmente!

227. DO MESMO

Mais depressa um escaravelho fará mel, ou leite um mosquito,


do que tu, sendo Escorpião152, farás algo de bom.
É que não o fazes de boa vontade, nem o permites a outro,
assim odiado por todos, tal qual o planeta Saturno153.

228. DO MESMO

Há fulanos que matam a mãe, outros o pai ou o irmão.


Poliano matou os três – inédito, desde Édipo154.

229. DO MESMO

A gota atingiu, finalmente, quem dela era merecedor,


quem há mais de cem anos merecia ter gota.

151
Núms. 226-238. O epigrama parece ter eco em Marcial (9.29.11-
-12): Sit tibi terra levis mollique tegaris harena, / ne tua non possint eruere
ossa canes.
152
Nome próprio e signo do zodíaco.
153
Cf. nota ao núm. 160.1.
154
Como é sabido, Édipo só matou o pai Laio. Quanto à mãe e aos
irmãos (os filhos desta e também seus filhos), entende o epigrama que
foi responsável indireto pelas suas mortes.
109
Epigramas de Banquete e Burlescos

230. DO MESMO

Tira as duas primeiras letras de Mastaura, Marco:


és merecedor de muitas das que sobram!155

231. DO MESMO

Uma letra menos e serias uma fera156 – por uma letra não és
[humano!
E mereces muitas, tu, dessas de que te separa uma só letra!

232. DE CÁLEAS DE ARGOS

Sempre foste de ouro, Polícrito; agora que andas nos copos,


do nada te volveste um malvado enraivecido.
Sempre tiveste, para mim, essa maldade; o vinho revela
o caráter! Não ficaste mau agora, só o mostraste.

233. DE LUCÍLIO
Sobre homens de leis

O negociante Fedro e o pintor Rufo competiam


por pintar o retrato mais rápido e realista.

155
I.e., de muitas stauroi (“cruzes”). Mastaura, uma cidade da Lídia,
podia ser a terra-natal deste Marco.
156
Tirando o M inicial do seu nome, ficamos com arkos, forma
equivalente a arktos (“urso”).
110
Antologia Grega

Porém, ainda o Rufo começava a misturar as tintas,


já o Fedro colhera e forjara um recibo157 convincente.

234. DO MESMO

Os pés e as mãos, Crátero até podia tê-los em perfeito estado;


mas não a cabeça, para escrever tais barbaridades!

235. DE DEMÓDOCO

Outro de Demódoco: “Os de Quios são maus, todos e cada


[um;
todos, menos Procles; mas Procles também é de Quios.”158

236. DO MESMO

Na Cilícia só há homens malvados; entre as gentes da Cilícia


um só fulano bom, Cíniras; mas Cíniras é da Cilícia.

157
Fedro deveria dinheiro a Rufo, pelo que se preocupa não em
pintar um retrato, mas em falsificar uma nota de pagamento nunca
efetuado.
158
Estrabão (1.5.12) transmite um epigrama idêntico de Focílides de
Mileto (séc. VI a.C.), que apenas muda os habitantes de Quios do v. 1
pelos de Leros. Da última cidade era Demódoco, o autor do epigrama, e
por isso teria, já no séc. V a.C., feito uma paródia do epigrama original,
mantendo o nome de Procles e mudando a sua terra natal.
111
Epigramas de Banquete e Burlescos

237. DO MESMO

Uma serpente terrível mordeu uma vez um Capadócio;


[também ela
acabou por morrer, por ter provado sangue envenenado.

238. [ANÓNIMO]

Os Capadócios159, são todos malvados! Se conseguem um


[cinturão160,
mais malvados; ao enriquecerem, os mais malvados
[dos seres!
Então se por duas ou três vezes agarram nas mãos um cargo
[de poder,
aí sim se tornam os seres mais malvados dos malvados.
Não, César, suplico-te! Não uma quarta vez, ou o próprio
[mundo
há de desmoronar em consequência de tanta capadocização.

239. DE LUCÍLIO
Sobre os malcheirosos161

A Quimera não fedia tanto em Homero162, nem a manada

159
Está em causa a entrega de cargos oficiais (e consequente corrup-
ção), pelo imperador Justiniano, a figuras do exército e da aristocracia
capadócia, por influência de João da Capadócia, prefeito pretoriano do
Oriente entre 532 e 541.
160
I.e., quando se tornam soldados.
161
Núms. 239-242.
162
Homero (Ilíada 6.182) realça a exalação de fogo por este monstro
com corpo de cabra, cabeça de leão e cauda de serpente.
112
Antologia Grega

de touros que respiravam fogo de que fala a lenda163,


nem Lemnos toda inteira164, nem os dejetos das Harpias,
nem sequer o pé cheio de gangrena de Filoctetes165,
e por isso todos sabem que vences, Telesila, as Quimeras,
putrefações, touros, aves e mulheres de Lemnos.

240. DO MESMO

Não é apenas a própria Demóstratis que apesta a bode;


faz apestar todos quantos sentem o seu odor.

241. DE NICARCO

A tua boca e o teu cu cheiram exatamente igual, Teodoro,


e distingui-los seria boa tarefa para os médicos.
Melhor escrever numa tabuinha qual é a boca e qual é o cu;
agora, quando falas, [fico a pensar que te peidaste].

163
Hefesto forjara para Eetes, rei da Cólquide, dois touros de pés e
boca de bronze, que exalavam fogo ao respirar. Jasão teria que domá-los
e pô-los a arar a terra para conseguir o tão desejado velo de ouro. Cf.
Apolónio de Rodes, Argonáuticas 3.215.
164
Para punir a impiedade de que fora alvo, Afrodite fizera com
que todas as mulheres de Lemnos cheirassem mal, o que fez com que
os maridos as desdenhassem e elas, em retaliação, assassinassem todos
os homens da ilha.
165
Um dos chefes gregos que invadiu Troia, Filoctetes foi ferido
no tornozelo e, posto que a ferida gangrenou, abandonado na ilha de
Lemnos pelos companheiros, que aí regressariam mais tarde para lhe
pedir as armas de Héracles, necessárias para tomar a cidade.
113
Epigramas de Banquete e Burlescos

242. DO MESMO

Não sou capaz de perceber se o Diodoro soltou um bocejo


ou um peido: cheira igual em cima e em baixo.

243. DO MESMO
Sobre um balneário frio

Para se banhar, Onésimo foi um dia ao balneário,


um doze do mês Distro da era Antífilo166,
deixando em casa um recém-nascido, que ao voltar
do banho encontrou já pai de dois filhos.
Voltará a seu tempo, nos escreve; é que os encarregados
decidiram, para então, destruir a caldeira.

244. [DO MESMO]


Sobre uma caldeira fria

Compraste uma caldeira de cobre, Heliodoro,


mais gelada que o Bóreas da Trácia.
Não sopres o fogo, poupa-te! Em vão apeiras o fumo:
termo de cobre para o verão foste comprar.

166
A cena passa-se na Macedónia, onde o mês Elafebólion recebia
o nome Distro. O nome do governador, por cujo mandato se faz a
contagem do tempo, deve ser fictício. Pode, como pretende o lema por
influência talvez do epigrama seguinte, satirizar um balneário público
cuja caldeira estivesse sempre avariada, mas também a lentidão de
Onésimo.
114
Antologia Grega

245. DE LUCÍLIO
Sobre um barco danificado e pesado

As bordas, Diofantes, deixam passar muitas ondas,


e pelas duas escotilhas entra o Oceano;
os bandos de golfinhos e as brilhantes filhas de Nereu167,
no teu barco as contemplamos a nadar.
Aí ficássemos, e logo alguém navegaria dentro de nós,
pois o certo é que já não resta água no mar.

246. DO MESMO

Em que espécie de pedreiras, Dionísio, foste tu cortar


esta madeira? De que rochas é este barco?
Se estou certo, é da raça do chumbo, não do carvalho
ou do pinho; já se enraíza ao fundo do mar168.
Talvez me transforme em rocha; e o que é pior, Méliton169
escreverá sobre mim uma tragédia foleira, qual Níobe170.

247. DO MESMO

Estamos a cruzar o pélago, Dionísio, e o navio


enche-se de pélagos por toda a parte.
Vão secando o Adriático, o Tirreno, o mar de Isso, o Egeu;

167
As Nereides.
168
Como esse barco fenício que Posídon transformou em pedra
(Odisseia 13.162).
169
Vd. nota ao núm. 143.4.
170
Vd. nota ao núm. 14.2.
115
Epigramas de Banquete e Burlescos

já não é um barco, mas fonte de madeira do Oceano.


Às armas, César! Dionísio não mais se conforma com dirigir
o navio, mas quer também ser senhor dos mares.

248. DE BIANOR

O fundo do mar não engoliu o navio (que fundo, se nem


[navegou?),
nem o Noto171; destruído sem enfrentar o Noto e o pélago.
Estava já completamente construído, até aos bancos,
já ungido com o suco gorduroso do pinheiro;
mas a resina, incendiando-se na chama do fogo, mostrou
[que ele,
construído para fielmente servir o mar, era infiel à terra.

249. DE LUCÍLIO

Menófanes comprou um campo e, por causa da fome,


enforcou-se no carvalho de outro indivíduo.
Quando morreu, não havia terra suficiente para o cobrir,
e foi enterrado, a pagar, no terreno de um vizinho.
Tivesse o Epicuro ficado a saber deste campo de Menófanes,
e diria que tudo está cheio de campos, não de átomos.

171
O vento do sul.
116
Antologia Grega

250. [ANÓNIMO]
Sobre um gordo
Este gordo, pintou-o bem o pintor! Ao diabo com ele,
se duas escórias, não uma, temos agora de ver!

251. NICARCO
Sobre os surdos

Estava um surdo em tribunal com outro surdo, e muito


mais surdo que estes dois era o juiz do caso.
Afirmava um deles que o outro lhe devia cinco meses
de renda, o outro que o outro moía milho à noite.
Olhando para ambos, diz o juiz: “Porque estais em litígio?
A mãe172 é dos dois – ambos deveis alimentá-la!”

252. DO MESMO
Sobre um malcheiroso

Se me beijas, é que me odeias; e se me odeias, é que me beijas.


mas se não me odeias, meu querido, então não me beijes.173

172
No que realmente parece uma “conversa de surdos”, a resposta
do juiz versa sobre outro caso.
173
O jogo de palavras do original, assente no duplo sentido de
philein (“amar” e “beijar”, como no núm. 219), não se pode manter em
tradução. A acreditar no lema, são os beijos desse indivíduo malcheiroso
que são odiados.
117
Epigramas de Banquete e Burlescos

253. DE LUCÍLIO
Sobre dançarinos sem talento174

De que carvalhos te cortou o teu pai, Aríston,


da rocha de que pedreiras te talhou ele?
Ao certo nasceste de lendário carvalho ou pedra175,
tu, o dançarino, modelo vivo de Níobe;
tanto que digo de espanto: “Também tu deves ter querelado
com Leto, ou não serias naturalmente de pedra176.

254. DO MESMO

Dançaste tudo como na história, mas quando passaste ao lado


de algo importante da ação deixaste-nos furiosos.
A dançar o papel de Níobe, estiveste bem, como uma pedra,
e ao fazer de Capaneu tombaste de repente177.
Com Cânace178, não foste esperto, pois tinhas a espada contigo
e saíste com vida – que ataque contra a história!

174
Dançarinos, ou seja, atores de pantomima, como já no núm. 189.
175
Odisseia 19.163.
176
Cf. nota ao núm. 14.2.
177
Capaneu, um dos sete generais que atacou Tebas, era conhecido
pelas suas dimensões gigantescas, tendo apenas caído da muralha por
ser fulminado por Zeus.
178
Filha de Éolo, Cânace suicidou-se com a espada que lhe dera o
seu pai, após cometer incesto com o irmão Macareu. I.e., era a oportu-
nidade para o fulano se suicidar.
118
Antologia Grega

255. DE PÁLADAS
Sobre um dançarino sem talento

O narigudo do Mênfis dançou os papéis de Dafne e Níobe;


Dafne179 como se fosse de madeira, e de pedra Níobe.

256. DE LUCÍLIO
Sobre uma velha

Dizem que te banhas por muito tempo, Heliodora,


velha de cem anos ainda não reformada.
Mas eu sei bem por que razão o fazes: como o velho
Pélias180, esperas rejuvenescer com a fervura.

257. DO MESMO
Sobre um médico

Hermógenes viu o médico Diofanto nos seus sonhos


e não mais acordou, embora usasse amuleto.

179
Dafne, perseguida por Apolo, foi transformada em loureiro para
assim escapar ao seu pretendente divino.
180
Rei de Iolco e pai de Medeia, morto pelas filhas, levadas por
Medeia a acreditar que, se o cortassem em pedaços e o cozinhassem,
este renasceria jovem. Heliodora é personagem frequente dos epigramas
de Meleagro.
119
Epigramas de Banquete e Burlescos

258. DO MESMO181
Sobre o pugilista Aulo

Ao senhor de Pisa182, ofereceu o crânio183 o pugilista


Aulo, depois de recolher os ossos um a um.
Salve-se ele de Nemeia, Zeus soberano, e quem sabe
te dedique as vértebras que ainda lhe sobram.

259. DO MESMO
Sobre alguém que tinha um cavalo selvagem

Tens um cavalo tessálio, Erasístrato, mas a trotear


não sabem pô-lo todas as poções da Tessália,
um cavalo de madeira que, mesmo que todos os Frígios
e Dânaos o puxassem, não cruzaria as portas esquerdas184.
Oferece-o como estátua votiva a algum deus, vai por mim!
Com os grãos de cevada, faz papa para os teus filhos.

260. ANÓNIMO

Este ouleuein é teu há muito tempo. Porém, esse beta


não o conheço – antes escrevia-se com delta.185

181
Devia estar entre os núms. 75-86.
182
Zeus, patrono de Olímpia.
183
Há um jogo de palavras, em grego, entre “crânio” (kranion) e
“capacete” (kranos), o último dos quais costumava de facto ser oferecido
pelos pugilistas como tributo à divindade.
184
Por onde o cavalo de Troia entrou na cidade.
185
Sátira à rápida ascensão social, a partir do jogo de palavras bou-
leuein (“governar”, mais literalmente “ser boulethes”), e doulein (“ser
escravo).
120
Antologia Grega

261 ANÓNIMO

O filho do Patrício, bela peça! Ele que, por uma paixão


indecente, dos companheiros todos se afasta.

262. ANÓNIMO

Selene, brilhante no céu à noite, os jovens rapazes


de Faros a arrastaram, rachada ao meio.186

263. DE PÁLADAS

Aparecendo em sonhos ao cómico Paulo, disse-lhe Menandro187:


“Nunca te fiz mal nenhum, e tu recitas-me tão mal!

264. DE LUCÍLIO
Sobre um avarento

Tendo gastado dinheiro em sonhos, o avarento Hérmon


enforcou-se, tomado por grande sofrimento.

186
Alusão ao ritual mágico de que fala Teócrito (Idílio 2), que
consistia em simbolicamente fazer descer a lua para a tornar propícia.
Porque este era um ritual feminino, o epigrama deve ter um sentido
erótico e referir-se a uma cortesã, de nome Selene, que certa noite os
rapazes de Faros fizeram desembarcar de um navio e violaram.
187
Menandro, quase dez séculos volvidos, continua a ser apreciado
na Alexandria do séc. IV.
121
Epigramas de Banquete e Burlescos

265. DO MESMO
Sobre um tipo lingrinhas

Se for declarada guerra aos gafanhotos, moscardos,


ratos, a uma cavalaria de pulgas ou de rãs,
Gaio, tem medo também tu, não vá que te considerem
um fulano digno de combater tais inimigos.
Mas se for declarada guerra a homens corajosos, ocupa-te de
[outra coisa:
os Romanos não têm qualquer guerra com os grous188.

266. DO MESMO
Sobre o feio

Um espelho mentiroso deve ter Demosténis; caso ela visse


a verdade, não teria vontade de olhar para ele.

267. ANÓNIMO

Não precisas de régua, tu, o geómetra, nem isso te importa:


tens, irrepreensivelmente, um nariz de três codos.189

188
I.e., os Romanos não são como os Pigmeus, conhecidos pela sua
estatura baixa, que caçavam estas aves.
189
Os núms. 267 e 268 podiam incluir o grupo dos epigramas sobre
narigudos (núms. 196-203).
122
Antologia Grega

268. DE AMIANO

Proclo não consegue assoar o nariz com a própria mão,


pois tem uma mão mais pequena do que o nariz;
e não diz “salve-nos Zeus!” se espirra, pois nem sequer ouve
o seu nariz, tão afastado que está das orelhas.

269. [ANÓNIMO]

Eu, o filho de Zeus, o triunfante Héracles,


não sou Lúcio – mas obrigaram-me a sê-lo!190

270. [ANÓNIMO]
Sobre uma estátua do Imperador Anastácio, no Euripo191

A ti, monarca destruidor do universo, esta estátua de ferro


te ergueram, por ser bem menos nobre que o bronze,
em troca da morte, da miséria, da fome assassina e da cólera
pelas quais tudo destruíste, graças à tua avarícia.

190
Paródia à substituição da cabeça de uma estátua de Héracles pela
do imperador Lúcio Cómodo Hércules, no séc. II.
191
No Hipódromo de Constantinopla. Anastácio, imperador
bizantino entre 491-518, ficou conhecido pela aposta na remodelação
arquitetónica e artística da nova capital do Império, tendo importado
e mandado construir um vasto conjunto de estátuas para exibição
pública. A Écfrase de Cristodoro às estátuas dos Balneários do Zêu-
xipo, por exemplo, é-lhe dedicada (AP 2.403-404). Ao invés, a sua ação
política, económica e militar recebeu grandes críticas, das quais este
epigrama e o seguinte são eco.
123
Epigramas de Banquete e Burlescos

271. [ANÓNIMO]
Sobre o mesmo assunto192

Ao lado de Cila ergueram a cruel Caríbdis193,


este monstro feroz que é Anastácio.
Também tu, Cila, deves por isso recear que te devore,
talhando em moedas uma deusa de bronze.

272. [ANÓNIMO]
Sobre os pervertidos

Homens recusaram ser, embora mulheres tampouco sejam.


Homens não são de facto, pois sofrem como as mulheres,
e mulheres tampouco, pois da natureza dos homens participam.
São enfim homens para as mulheres, e mulheres para os
[homens.

273. [DE PÁLADAS]


Sobre um aleijado

Tão aleijado tens o espírito como o pé; é bem verdade:


imagem do teu interior é o teu aspeto exterior.

192
Falso. Apenas o destinatário é o mesmo.
193
Cila e Caríbdis são as alegorias mitológicas, respetivamente, de
um rochedo e um redemoinho no estreito de Messina, normalmente
fatais para os navegantes.
124
Antologia Grega

274. DE LUCIANO

Diz-me, a mim que to pergunto, Cilénio194: como desceu


a alma de Loliano195 às moradas de Perséfone?
Uma maravilha, se foi em silêncio; por certo quis também
ensinar-te algo! Chiça! Encontrar esse tipo já morto!

275. DE APOLÓNIO, O GRAMÁTICO196

Calímaco, essa praga, esse brincalhão e cabeça oca197!


A causa é Calímaco, que escreveu as Causas.198

276. DE LUCÍLIO

Uma vez que foi parar à prisão, o preguiçoso do Marco,


recusando sair pelo seu pé, confessou o crime.

194
Hermes, que teria nascido no monte Cilene, na Arcádia, é invo-
cado nas suas atribuições de condutor das almas ao Hades.
195
Um orador do tempo de Adriano, de quem Filóstrato escreveu a
biografia (Vidas dos Filósofos 1.23).
196
Page (1981: 17-18) atribui com reservas o epigrama a Apolónio
de Rodes, que com Calímaco protagonizou, em Alexandria, uma
importante polémica sobre arte poética, a respeito da obediência ou
necessidade de subversão do estilo homérico.
197
No original, “de madeira”.
198
O segundo verso é de sentido pouco claro.
125
Epigramas de Banquete e Burlescos

277. DO MESMO
Sobre um preguiçoso

Sonhando uma noite que estava a correr, o preguiçoso do Marco


não voltou a dormir, não fosse ter que correr outra vez.

278. DO MESMO
Sobre um gramático cornudo

Fora de casa ensinas as desgraças de Páris e Menelau;


dentro, tens muitos Páris para a tua Helena.

279. DO MESMO
Sobre um gramático

Gramático algum pode jamais ser um tipo [moderado],


se todo ele é raiva, cólera e ressentimento.

280. DE PÁLADAS
Sobre o cirurgião Genádio

É preferível ser levado a tribunal por Hégemon


a cair nas mãos do cirurgião Genádio.
Aquele, é com justiça que destroça os assassinos;
este, faz-se pagar para te levar ao Hades.

126
Antologia Grega

281. DO MESMO
Sobre Magno, médico talentoso

Quando Magno chegou ao Hades, Aidoneu199 disse


a tremer: “Veio para curar até os mortos!”

282. DO MESMO
Sobre alguém que está sempre doente

Quantos já abandonaram a doce luz, eu não os choro,


mas os que viveram sempre à espera da morte.

283. DO MESMO
Sobre o Prefeito Demonico

Há muita gente a falar muito, mas não conseguem expressar


em palavras as oscilações dos teus sentimentos.
Mas uma caraterística tua nos deixa pasmados e incrédulos:
como, sendo ladrão, tens sempre prontas as lágrimas.
Vindo da terra de Cálcis200, o fulano descalcificou-nos a cidade,
roubando e roubando entre lágrimas proveitosas.

199
Como Homero designa Hades, deus dos Infernos (Ilíada 20.61).
Só um entendimento irónico faz do epigrama uma burla.
200
Cidade da Eubeia. Tentámos, com êxito relativo, manter a
sonoridade do jogo de palavras do original, traduzindo a forma verbal,
com o sentido de “espoliar”, por descalcificar.
127
Epigramas de Banquete e Burlescos

284. DO MESMO
Sobre o mesmo

Da terra dos Lotófagos201 veio o grande chefe Licáon202;


um da terra de Cálcis que se fez de Antioquia203.

285. DO MESMO
Sobre o mesmo

Outra caraterística sua, bem feminina, nos deixava pasmados204:


que chorasse ao roubar, com pena de quem roubava,
ele, que mesmo roubando queria ser puro, e puro rapinava os
[demais,
um fulano que nada tinha de puro – nem o corpo de esterco.

286. DO MESMO

Nada pior do que uma mulher, mesmo que seja bela;


do que um escravo nada pior, mesmo que seja belo.205
Mesmo assim, que falta te fazem estas desgraças!

201
Os Lotófagos (à letra “os que comem a flor de lótus”) eram um
povo do norte de África. Podia ser esse o local de nascimento de Demo-
nico, mais tarde tornado cidadão de Cálcis.
202
O lobo (lykos) era imagem comum para o erastes, o amante ativo.
203
No original, o topónimo Antioquia permite a leitura implícita
anti-ocheuein (“sair por trás”). Todo o epigrama parece sugerir que este
Demonico, aqui chamado Licáon, é um homossexual que assume o
papel de passivo, como no núm. 216.
204
O epigrama é um desenvolvimento do núm. 283.
205
Os dois primeiros versos correspondem a duas sentenças atribuí-
das a Menandro (núms. 133 e 413).
128
Antologia Grega

Pensas que um escravo tem afeto pelo seu dono?


Bom há de ser o escravo com as pernas partidas.

287. DO MESMO

O que foi amaldiçoado com mulher feia,


acende a lamparina de manhã e vê trevas.

288. DO MESMO
Sobre barbeiros [e alfaiates]

Um barbeiro e um alfaiate estavam a discutir, cara a cara,


e depressa as agulhas triunfaram sobre a navalha.206

289. DO MESMO
Sobre um banqueiro

Ó arrebatamento mais veloz que há na vida!


Um usurário, quando apontava os juros de anos,
morreu de repente, em curto espaço de tempo,
apertando ainda esses juros entre os dedos.207

206
Deve referir-se a um barbeiro cujas navalhas nunca estão devi-
damente afiadas.
207
Com uma mão tomava nota, provavelmente numa tabuinha de
cera, e com a outra contava as moedas.
129
Epigramas de Banquete e Burlescos

290. DO MESMO
Sobre o mesmo

Um fulano, enquanto manejava com os dedos a calculadora208,


a morte fez-lhe as contas e cedo o levou para o Hades.
Está viva ainda a calculadora, já privada do seu contabilista,
cuja alma lhe foi arrebatada e daqui se evolou.

291. DO MESMO
Sobre Nicandro

Que serviço prestas tu à cidade escrevendo versos,


recebendo tanto ouro por um punhado de calúnias,
vendendo iambos209 feito um comerciante de azeite?

292. DO MESMO
Sobre um filósofo que se tornou Prefeito [de Constantinopla]
durante o governo de Valentiniano e Valente210

Do carro celeste onde te sentavas, tiveste tu o desejo

208
Se no epigrama anterior as contas se faziam pelos dedos, aqui há
recurso a uma espécie de ábaco, que muito livremente vertemos por
“calculadora”.
209
Marcial (12.47) também critica este tipo de poetas a metro, que
fizeram fortuna por vender muitos e maus versos. Não sabemos quem
foi, no entanto, este Nicandro.
210
Segundo Planudes, tratava-se de Temístio da Paflagónia, um
sofista famoso do século IV. No entanto, Valentiniano e Valente gover-
naram juntos em 374, e Temístio teria sido Prefeito (e precetor do filho)
de Teodósio, em 384.
130
Antologia Grega

de um carro de prata211 – vergonha sem fim!


Antigamente estavas bem melhor, agora ficaste muito pior!
Vamos, sobe cá abaixo – já desceste às alturas.

293. DO MESMO
Sobre um fulano a quem ofereceram um cavalo coxo

O Olímpio prometeu-me um cavalo, mas trouxe uma cauda


na qual vinha pendurado um cavalo exausto.

294. DE LUCÍLIO

Tens a riqueza de um rico, mas a alma de um pobre,


tu, rico para os herdeiros, mas pobre para ti.212

295. DO MESMO, OU DE PÁLADAS


Sobre um tipo a quem ofereceram vinho carrascão

Se por acaso tiveres algum Dioniso em tua casa,


fora com o loureiro e coroa-o de folhas de alface213.

211
I.e., do carro celeste (simbólico) da filosofia, para o carro de prata
que de fato estaria previsto para as deslocações de cada Prefeito, como
o código Teodosiano, pouco posterior, revela.
212
Cf. núms. 166-168.
213
I.e., o vinho (Dioniso) é tão mau que só serve para temperar
salada, como no núm. 396.4.
131
Epigramas de Banquete e Burlescos

296. DE TÍMON
Sobre Cleantes

Quem é este fulano, que feito cordeiro percorre as fileiras de


[soldados?
Um ser cansado, amigo das palavras, de Asso, uma mó que
[não mói.214

297. ANÓNIMO
Sobre uma mulher bêbada

– Como é que gostas mais de vinho do que eu, mãe, teu


[filho?
Dá-me agora vinho de beber, como outrora me deste o leite.
– Filho! Sim, o meu leite outrora acalmou a tua sede;
mas agora vai, bebe água e acalma tu mesmo a tua sede!

298. ANÓNIMO

Vê como, morto de sede, o filho estende a mão à mãe;


e como a mulher, mesmo sendo mulher, ébria de vinho
e bebendo do garrafão, o olha de soslaio e lhe diz:
– Deste pequeno gole que posso eu dar-te, meu filho?
Uns seis litros apenas215 é quanto tem este garrafão.”

214
Cleante de Asso, na Mísia, filósofo estoico que, a partir de 264,
sucedeu a Zenão à frente do Pórtico.
215
Fazendo os cálculos, se a medida do original corresponde ao
sextarius de época bizantina. Seja como for, que ainda haja muito vinho
serve o propósito de realçar a bebedeira e o egoísmo desta mulher. O
epigrama, que pode ser inspirado numa pintura mural, parece uma
132
Antologia Grega

– Mãe, que mais te assemelhas à natureza de madrasta,


dá-me para mamar estas lágrimas da doce vinha!”
– Minha mãe, mãe cruel e de coração sem piedade!
Se me amas, o teu filho, dá-me um pouco de mamar!

299. DE PÁLADAS
Sobre um insolente

És insolente. Qual o espanto? Para quê afligir-me? Suporto-te:


o castigo dos insolentes é o próprio atrevimento.

300. DO MESMO
Sobre um insolente

Falas muito, meu amigo, mas não tarda vais estar estendido
[na terra!
Cala-te mas é, e enquanto vives prepara-te para a morte!216

301. DO MESMO
Sobre o mesmo

O sol para os homens é o deus da luz; caso também ele


brilhasse insolente, não mais desejariam a luz.

amplificação do anterior. Os últimos dois dísticos devem ser interpre-


tações do gesto do filho nessa pintura.
216
Por via do exercício da filosofia. Páladas recupera o conselho
platónico do Fédon (62c).
133
Epigramas de Banquete e Burlescos

302. DO MESMO

Não me insultaste a mim, mas à pobreza; fosse o próprio Zeus


mendigo na terra, e até ele suportaria o teu insulto.

303. DO MESMO

Se sou pobre, que culpa tenho? Porque me odeias, se não te


[ofendi?
Isto é o azar do Destino, não defeito de personalidade.

304. DO MESMO

O que mais há é covardes, charlatões e toda a espécie


de defeitos de caráter entre os homens!
O que tem juízo, esse não se gaba ao próximo,
mas esconde dentro de si o seu defeito.
Tu, tens a porta da alma aberta: ninguém esquece
que és um fanfarrão e um descarado.

305. DO MESMO

Filho da desvergonha, poço de ignorância, rebento da loucura,


diz-me: porque és arrogante, se não sabes nada?
Entre os gramáticos, és platónico; mas se pelas doutrinas
de Platão alguém te pergunta, já és gramático.
Escapas com uma coisa à outra; mas não dominas
a arte da gramática, e tampouco és platónico.

134
Antologia Grega

306. DO MESMO
Sobre uma prostituta

Ainda que de Alexandria partas para Antioquia217,


e depois da Síria embarques para a Itália,
nenhum poderoso casará contigo. Pensas sempre
que sim, por isso saltas de cidade em cidade.

307. DO MESMO

Tens um filho que é um Eros, e uma mulher como Afrodite.


Não estranha, ferreiro, que tenhas a perna coxa.218

308. DE LUCÍLIO

Cleonico, o magricela, tentou furar o pé com uma agulha,


mas foi ele próprio a furar a agulha com o pé.219

309. DO MESMO

Trasímaco! Perdeste grande fortuna à traição,


e de repente, infeliz, ficaste sem nada;
poupaste, emprestaste, cobraste juros, bebeste água,

217
Vd. nota ao núm. 284.2. No caso deste epigrama, além de pros-
tituta a destinatária é caça-fortunas.
218
Como Hefesto, primeiro esposo de Afrodite que ela enganou
com Ares (Odisseia 8.266 sqq.). Hefesto transformara-se no símbolo
dos maridos enganados.
219
Cf. núms. 87-109. O núm. 102 deve ser imitação deste epigrama.
135
Epigramas de Banquete e Burlescos

às vezes nem comeste, tudo para ter mais.


Basta comparares a fome de antes com a de agora:
nada inferior à que então julgavas ter.

310. DO MESMO

Foste comprar uma peruca, rouge, mel, cera e dentes novos;


por esse preço, podias ter comprado a cara inteira.

311. DO MESMO

De tão preguiçoso que é, Panténeto, quando caiu com febre,


rezava aos deuses todos para não mais se levantar.
Agora, é contrariado que sai da cama, e no seu interior
censura os ouvidos moucos dos deuses injustos.220

312. DO MESMO
Sobre um poeta

Não há ainda aqui ninguém sepultado, transeuntes,


mas o poeta Marco construiu esta tumba,
e gravou este epigrama de um verso que compôs:
“Chorai Máximo de Éfeso, de doze anos.”
Eu não vi nenhum Máximo, mas, perante tal talento
do poeta, digo aos transeuntes que chorem.221

220
Cf. núm. 276.
221
Mais do que um cenotáfio – epigrama escrito para uma sepultura
desprovida de cadáver, pelo fato de este nunca ter sido recuperado,
136
Antologia Grega

313. DO MESMO

Com fome de prata me matou um fulano que me convidara


para um festim, tendo servido famélicos pratos.
Cheio de raiva, disse desde a minha fome brilhante de prata:
“Onde está a refeição dos velhos pratos de barro?”

314. DO MESMO
Sobre o mesmo assunto

Buscava eu descobrir porque têm esse nome os pratos222,


quando me convidaste para casa e fiquei a saber.
uma fome imensa me serviste nos teus pratos imensos,
instrumentos de fome, famélicos pratos.

315. DO MESMO
Sobre um ladrão

Antíoco, um dia, pôde ver a almofada de Lisímaco,


mas nunca mais viu a sua almofada Lisímaco.

subgénero do qual se conservam inúmeros exemplos no livro VII da


Antologia –, Lucílio sugere que esta sepultura foi erguida com o único
propósito de promover o talento poético do autor da inscrição.
222
O jogo sonoro do original – onde a pronúncia dos termos pinax
(‘prato’), peines (‘fome’) e peinaleous (‘famélico’) se aproximaria – é
impossível de traduzir.
137
Epigramas de Banquete e Burlescos

316. DO MESMO

Um dia, a um jogo sagrado, só foi o lutador Mílon;


logo o juiz o convocou para coroá-lo vencedor.
Ao aproximar-se, o tipo caiu de costas; gritava a gente
que não fosse coroado, pois até sozinho ele caíra.
Ele, pôs-se de pé ante todos e gritou: “Não foram três vezes,
só uma, que caí. Venha alguém derrubar-me as outras!”

317. [DE PÁLADAS]

Coxo o burro que me deram, um poço de paciência,


porto seguro para a carga de mercadorias,
burro filho da lentidão, cansado, medroso, aluado;
ao regressar, porém, o último é o primeiro!223

318. DE FILODEMO

Sabia Antícrates de astronomia muito mais do que Arato224,


mas com o próprio signo não acertava muito:
se tinha nascido em Carneiro dizia não saber muito bem,
se fora em Gémeos ou nos dois Peixes.
Claramente nasceu nos três, posto que é um garanhão,
um maníaco, um maricas e um mamador.

223
Porque nunca de lá saiu.
224
No séc. III a.C., compôs uns Fenómenos, obra de referência para
a astronomia.
138
Antologia Grega

319. DE AUTOMEDONTE

Importa dez medidas de carvão, e também tu serás cidadão225;


e se lhe juntares um porco, Triptólemo226 em pessoa!
Mas, isso sim, a Heráclides terás de oferecer, ao teu padrinho,
uns tronchos de couve, umas lentilhas ou uns caracóis.
Faz isso tudo, e chama-te mesmo Erecteu, Cécrops, Codro227,
o que quiseres – ninguém se vai incomodar com isso.

320. DE [MARCO] ARGENTÁRIO

Antígona era a amada de Filóstrato. Mas o desgraçado


era cinco palmos mais pobre do que Iro228.
Encontrou, porém, no frio, doce remédio: com os joelhos
dobrados dormia, estrangeiro, com Antígona.229

321. DE FILIPO

Gramáticos, filhos da infernal Momo230, larvas dos cardos,

225
Paródia do costume de outorgar a cidadania a homens de
negócios.
226
O porco era a oferenda tradicional nos sacrifícios de Elêusis,
e daí a alusão a Triptólemo, filho de Celeu, rei de Elêusis, o favorito
de Deméter por via de quem a deusa ofereceu o trigo aos mortais. Cf.
núm. 59.
227
Três reis míticos de Atenas.
228
Um mendigo da Odisseia.
229
Jogo de palavras intraduzível, no original, entre as expressões
assinaladas a itálico, a primeira das quais (antia gonata) ecoa o nome
da protagonista do epigrama.
230
Personificação da censura e da sátira (Hesíodo, Teogonia 214)
139
Epigramas de Banquete e Burlescos

Telquines231 dos livros, cachorrinhos de Zenódoto,


mercenários de Calímaco232, a quem ostentais como arma,
mas de quem não conseguis afastar a vossa língua,
caçadores de miseráveis conjunções, a quem os min e os sphin233
tanto agradam, como saber se o Ciclope tinha cães!234
Oxalá vos consumais para sempre, malditos, falando mal
dos demais, e para mim se esgote o vosso veneno.

322. DE ANTÍFANES

Raça inútil dos Gramáticos, toupeiras da inspiração dos demais,


larvas miseráveis que caminham entre espinhos,
detratores dos mais valiosos235, mas aduladores de Erina236,
cães de guarda de áspero e azedo latido,
desgraça dos poetas, breu para todos os principiantes, malditos
sejais, traças que comeis em segredo os bons livros!

231
Antigas divindades demoníacas de Creta, hábeis no ofício da
metalurgia.
232
Contra os comentadores de textos antigos, seguidores dos mode-
los helenísticos de Zenódoto (c. 320-260 a.C.) e Calímaco, versa o
epigrama. Sobre Calímaco, neste contexto, vd. núms. 130, 274 e 347.
233
Ambas formas prenominais, homéricas, que davam origem a
tratados inteiros.
234
As discussões sobre os silêncios homéricos. Teócrito (Idílio 6.1)
menciona estes cães.
235
Deve referir-se aos grandes autores da Antiguidade.
236
Poeta helenística, embora uma tradição antiga (e.g. a Suda) a
apresente como contemporânea de Safo.
140
Antologia Grega

323. DE PÁLADAS
Sobre os aduladores

Só um rô de um lambda distingue os corvos dos aduladores;


no mais, são o mesmo o corvo do altar e o adulador.237
Por isso, meu caríssimo amigo, tem cuidado com esta criatura,
sabendo que os aduladores são os corvos dos vivos.

324. DE AUTOMEDONTE

– Aceita, Febo238, a refeição que te trago! – Se mo permites,


aceitarei! – Algo acaso te dá medo, filho de Leto?
– Nada nem ninguém, salvo Árrio. Esse fulano tem as garras
mais potentes do que as de um milhafre ladrão,
guarda de altar sem primícias: uma vez concluído o meu
sacrifício, desbarata tudo e põe-se a andar.
Abençoada seja a ambrosia de Zeus! Não fosse por ela, seria
como vós, se os deuses pudéssemos passar fome!

325. DO MESMO

Ontem, jantei um pezunho de cabra e uma penca de couve


já com dez dias, já amarelada e cheia de veios,
mas vou calar o nome do anfitrião: é que o gajo é irascível,
e receio (estranho!) que não volte a chamar-me.

237
No original, korax (‘corvo’) e kolax (‘adulador’).
238
Apolo, o “filho de Leto” do v. 2.
141
Epigramas de Banquete e Burlescos

326. DO MESMO

O viril pelo da barba e dos músculos – com que rapidez


tudo muda o tempo. Cónico, nisto te converteste!
Eu não dizia: “Tu não sejas insuportável nem pacóvio,
que também a beleza tem as suas Némesis”?
Entraste no estábulo, arrogante; o que tu agora queres,
sabemos bem; mas já devias ter ganhado juízo!239

327. DE ANTÍPATRO DE TESSALÓNICA

Uma Licénide240 de costados já ressequidos, a vergonha


de Afrodite, com menos coxas que qualquer cervo,
com quem nem um cabreiro bêbado, diz-se, poderia dormir.
Oinc, oinc!241 Assim são as mulheres dos Sitónios!

328. DE NICARCO

Uma só fulana o Hermógenes, eu e ainda o Cleobulo


levámos para as lides de Afrodite: Aristódice.
A mim, calhou-me em sorte habitar o seu mar cinzento:
a cada um o seu quinhão, não tudo para todos.
A Hermógenes tocou a odiosa e humedecida mansão
à retaguarda, perdendo-se nessa região secreta,

239
Epigrama de assunto homoerótico, como os do livro XII da
Antologia. A sátira versa sobre o tópico comum do amadurecimento do
amante, pelo surgimento dos pelos corporais. Cf. e.g. AP 12.33, 34 e 35.
240
O nome significa, etimologicamente, “pequena loba”.
241
A interjeição do original (goi, goi), que apenas ocorre neste texto,
tem sido interpretada como onomatopeia do roncar de um porco.
142
Antologia Grega

as falésias dos mortos, onde as figueiras selvagens


são sacudidas ao sopro dos ventos selvagens.
De Zeus fazia Cleobulo, a quem calhou entrar no céu
segurando na mão o relâmpago fumacento.
A terra era comum a todos nós: estendemos aí então
uma esteira, e assim partilhámos a velha.242

329. DO MESMO

Demónax! Não baixes sempre o olhar, nem agracies tanto


a língua – o coirato243 tem um espinho terrível!
Vives connosco, sim, mas é na Fenícia244 que te deitas;
não és filho de Sémele245, mas cria-te uma coxa.

330. DO MESMO

Convidado que fui ontem, Demétrio, só hoje consegui chegar


ao jantar. Não me culpes – enorme é a tua escada;
com ela gastei muito tempo. Nem creio que teria escapado
hoje, não tivesse subido preso ao rabo de um burro.
Tu tocas as estrelas! Zeus, naquela altura, quando raptou

242
O epigrama, cheio de ressonâncias homéricas, descreve um trio
sexual por via da paródia da partilha do mundo entre Posídon, Hades
e Zeus. Cf. sobretudo Ilíada 15.190-194, episódio que já deve ter sido
parodiado, em semelhante contexto sexual, por Arquíloco de Paros, no
séc. VII a.C. (fr. 196a).
243
No original, “porco”, com o sentido cómico de órgão sexual
feminino, como na alegoria de Aristófanes (Acarnenses 739, 773 sqq.).
244
Com um sentido sexual e de depravação.
245
Dioniso, que nascera prematuro e acabara de ser gerado nas
coxas do pai, Zeus.
143
Epigramas de Banquete e Burlescos

Ganimedes246, creio que daqui o levou para o céu.


Daqui, porém, quando chegarás ao Hades? Tu não és parvo!
Encontraste uma maneira de te tornares imortal.

331. DO MESMO

Fílon tinha um barco de nome Salvador; mas nele,


não podia salvar-se nem o próprio Zeus.
Só o seu nome era salvador; quantos embarcavam,
ora davam à costa, ora à morada de Perséfone247.

332. DO MESMO

Navegar não, para drenar a água, deve o timoneiro Eicandro


ter-nos feito embarcar no seu batel de vinte remos;
não é pouca a água que tem dentro dele, tanto que Posídon
parece navegar sobre ele até à outra margem248.
Nunca antes se viu um batel sofrer de gota! Eu cá só receio
que em caixão se transforme o que era um batel249.

333. DE CALÍCTERO

Com os seus remédios, Ródon tira a lepra e as espinhas.


E tudo o mais ele tira, mesmo sem remédios250.

246
Vd. núms. 88 (com nota) e 407.
247
I.e. o Hades (a morte), por quem Perséfone tinha sido raptada e
com quem passava parte do ano.
248
I.e., até ao Hades, a outra margem da vida.
249
Em grego, há um jogo de palavras entre “batel [de vinte remos]”
(eikosoros) e “caixão” (soros).
250
Porque é um ladrão.
144
Antologia Grega

334. ANÓNIMO

Ouvindo dizer que Damágoras e a peste são equivalentes251,


alguém pesou numa balança o caráter de ambos.
Mas a balança, elevando-se, pendeu para o fundo do lado
de Damágoras, e concluiu que a peste é mais leve.

335. ANÓNIMO

Ó infeliz Cinegiro252, tanto entre os vivos como os mortos,


como sempre te amputam palavras e machados!

336. ANÓNIMO

Carregando consigo os espólios da Ásia, Carino fez-se ao mar


num dia de inverno, quando as Crianças vão deitar-se253.
Adrasteia254 também viu esta carga; mas ele partiu, sob a mirada
dela, assim fazendo troça das divindades marinhas.

251
Um exercício de isopsefia. Somando o valor numérico de todas
as letras, o nome Damagoras e o termo loimon (“peste”) resultam num
mesmo valor. Esta técnica era aplicada a epigramas completos. Vd. nota
ao lema do núm. 70.
252
Segundo Heródoto (6.114), Cinegiro foi o irmão de Ésquilo que,
tentando reter um navio persa no contexto da batalha de Maratona,
perdeu as duas mãos. Cf. AP 16.117.
253
Por volta de 22-23 de dezembro. As Crianças são duas estrelas
da constelação Auriga, cujo nascimento e ocaso eram na Antiguidade
associados a grandes tempestades (cf. Arato, Fenómenos 156 sqq.; Sér-
vio, Comm. Eneida 9.688). Este Carino pode ser Marco Aurélio Carino,
imperador entre 283 e 285, morto pouco tempo depois de conseguir
o poder em consequência de uma expedição asiática não identificada.
254
Uma ninfa irmã de Io, Adrasteia foi identificada pelos Gregos
tardios com Némesis, a vingança.
145
Epigramas de Banquete e Burlescos

337. ANÓNIMO

Agora mandas, Agatino! Esse beta, diz lá, compraste-o


há pouco? Por quanto? Era um delta antes255.

338. ANÓNIMO

A chamar enope à voz foi Homero quem te ensinou;


e a ter a língua no olho, quem te ensinou256?

339. ANÓNIMO

A tua cabeça agitas enfurecido, as tuas nádegas contrais:


com aquela deliras, com estas vais ao delírio257.

340. DE PÁLADAS

Jurei mil e uma vezes não mais compor epigramas:


atraí a mim a cólera de estúpidos sem fim!
Mas quando dou de caras com a fronha do Paflagónio258,
o Pantágato, não posso conter a doença.

255
O mesmo jogo de palavras do núm. 260, com os termos bou-
leuein (“mandar”) e duleuein (“ser escravo”). O epigrama costuma
atribuir-se a Páladas de Alexandria ou Estratão de Sardes.
256
Intraduzível. Enope (“voz”) soa, em grego, como en ope (“no
olho”).
257
No original, o v. 2 joga com os particípios mainomenos (“delirar”,
como as bacantes) e perainomenos (“penetrar”). A tradução fez o que
pôde, usando de muita liberdade.
258
Um político do tempo do autor, apodado pelo nome com que
Aristófanes se referia a Cléon. Falso deve também ser o nome do v. 4,
significando “O todo delícias”.
146
Antologia Grega

341. DO MESMO

Elogiar é o melhor; a crítica, essa, é fonte de ódio:


mas falar mal dos outros é o mel da Ática.

342. ANÓNIMO

Apresentaste-me a ferida, sem me mostrar o ferido.


A ferida, não – preciso de ver o próprio.

343. [DE PÁLADAS]

Silvano, com os seus dois amantes, o Vinho e o Sono,


já não quer saber das Musas, nem dos amigos.
Um, desde os lençóis, sobe-lhe copioso à cabeça e enfeitiça-o;
o outro, entre as mantas o mantém a ressonar.

344. ANÓNIMO
Sobre Metrodoto, dos Azuis, que tinha uma mesa verde

Metrodoto, que odeia o excremento eterno dos Verdes259,


tem esta mesa como lembrança da sua raiva.

259
Muito mais do que claques desportivas organizadas, estas fações
à volta do Hipódromo de Constantinopla – quatro no total, Verdes,
Azuis, Vermelhos e Brancos – organizavam os jogos, patrocinavam
as esquipas e os aurigas, dos quais depois erguiam estátuas, símbolo
(pela qualidade e quantidade das mesmas) do seu prestígio e poder.
Tinham ainda grande influência política na capital, tendo desencadeado
e patrocinado revoltas políticas.
147
Epigramas de Banquete e Burlescos

345. ANÓNIMO
Sobre Metrófanes

Metrófanes, cara de cisne, cabeça-de-crista, divina cegonha,


abanas a cabeça para um lado e para o outro, como as garças,
e arrastas esse teu pescoço comprido para longe deste chão.260

346. DE AUTOMEDONTE

Até quando, Policarpo, parasita de uma mesa vazia,


viverás à socapa das riquezas dos demais?
Já nem te vejo muito no mercado; aos caídos andas
agora, e buscas onde te levem teus passos!
Disseste a todos: “Leva o que é teu amanhã! Vem,
leva lá!” Jura, jura – já ninguém acredita.
O vento que de Cízico te trouxe, à Samotrácia te leva.261
Só esse propósito te resta até ao final da vida.

347. DE FILIPO

Adeus, vós que no cosmos sempre passeais o olhar,


e vós, larvas cata-espinhos262 da escola de Aristarco!
Que me importa buscar os trilhos que percorre o sol,
de quem era filho Proteu, ou quem era o Pigmalião?

260
Se o primeiro verso parece sugerir um monge, não é clara essa
associação ao longo do epigrama.
261
Paródia de Odisseia 9.39, aqui como sátira de um banqueiro
falido (vv. 5-6).
262
Cf. núm. 20 e 321 (com notas). A crítica é aos poetas e filólogos
demasiado eruditos de Alexandria.
148
Antologia Grega

Possa eu conhecer só obras de verso limpo; a sombria


erudição, oxalá ela destrua esses ultra-Calímacos263.

348. DE ANTÍFANES

Mortal mais selvagem do que as feras, todos te temem,


parricida! Em todo o lado tens a morte à espera!
Tentas fugir sobre a terra, lá está um lobo; trepas à copa
das árvores, o terror é uma serpente nos ramos.
Atravessas até o Nilo? Nas suas correntes alimenta ele
o crocodilo, para ímpios a mais justa das feras264.

349. DE PÁLADAS

Diz lá como queres medir o cosmos e os limites da terra,


com esse corpo minúsculo feito de pouca terra.
Mede-te a ti mesmo primeiro, e conhece-te a ti próprio,
e depois sim medirás a terra que não tem fim.
Se nem o pequeno torrão do teu corpo consegues medir,
como conhecer as medidas do incomensurável?

263
Já os versos 3-4 apontavam para os poetas que tentavam, à
maneira dos Aitia de Calímaco, explicar as razões científicas e históricas
de tudo, até do mito.
264
No Egito, o crocodilo simbolizava a justiça (como o leão ainda
hoje). Pode isto sugerir um local de composição para o epigrama?
149
Epigramas de Banquete e Burlescos

350. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA


Sobre um advogado corrupto

Insensato! Como foste esquecer a balança da justiça, ignorando


a sentença que calha aos homens que não são justos?
Confias demasiado na tua retórica retorcida, nessa inteligência
experimentada em pronunciar um discurso artificioso.
Esperar é o que cabe. Mas não serão capazes de mudar Témis
os joguinhos dessa tua imaginação inconsequente.

351. DE PÁLADAS

A um fulano que vendia cevada arrendei ontem o meu sótão,


e hoje um terrível pugilista fui achar lá dentro.
Eu dizia-lhe “tu quem és? Como foste entrar em minha casa?”
O gajo erguia as mãos, como em combate, contra mim.
Eu mandei-me ao chão, cheio de medo desse homem terrível,
ao ver um vendedor de cevada volvido pugilista.
Mas tu, pelo pugilista Polideuces, e pelo mesmíssimo Castor265,
suplico-te, e por Zeus, protetor dos suplicantes,
afasta-me esse pugilista, tudo o que odeio. É que não posso
ter combate corpo a corpo quando vier cada mês.

352. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA

A um fulano hábil com a cítara, ao músico Andrócion,


perguntou-se sobre a técnica de tocar as cordas:
“Quando a mais alta da direita fazes vibrar com o plectro,

265
Os dois Dioscuros, irmãos de Helena de Troia, tutelares do
desporto, e do pugilato em específico.
150
Antologia Grega

a mais baixa da esquerda vibra por si mesma,


soltando um som agudo, e então sofre por consequência
ressonância, quando apenas a corda alta é tocada.
Admirável como cordas sem vida, em estado de tensão,
a natureza as dotou de uma simpatia recíproca.”
Então jurou que Aristóxeno266, mestre admirável do plectro,
não conhecer a solução para o problema em causa.
E disse: “Eis a solução: as cordas são todas geradas
das tripas de cordeiro, postas juntas a secar;
são por isso irmãs, e por tal afinidade ressoam juntas,
partilhando o som familiar umas com as outras.
Filhas legítimas que são todas, nascidas de um só ventre,
herdam desse modo também os sons ressonantes.
Também o nosso olho direito, se ferido, para o esquerdo
muitas vezes transfere as suas moléstias.”267

353. DE PÁLADAS

A filha do Hermólico deitou-se com um gorila


e gerou muitos Hermopitecozinhos268.
Porém, se a Helena, Castor e Pólux Zeus gerou
de Leda, metamorfoseado em cisne,

266
Nascido em Tarento, no séc. IV a.C., foi um grande discípulo de
Aristóteles e considerado o maior teórico da música.
267
O problema (musical, técnico) fora posto por Aristóteles (Probl.
19.24). A solução do epigrama é naturalmente pouco técnica, inspirada
nas relações humanas e na teoria estoica da “simpatia universal”. De
satírico, o epigrama tem muito pouco.
268
O composto – que funciona em português pela etimologia do
termo “macaco” (pitecos) do v. 1 – mistura o nome do avô (o pai da
rapariga) e do pai destas criaturas. Já Hermólico, pelo nome, nascera
da união de um Hermes com um lobo.
151
Epigramas de Banquete e Burlescos

a Hermíone deve ter-se unido um corvo: a pobre gerou


um rebanho de Hermes, asquerosos demónios.

354. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA

Ao novo Aristóteles, ao Nicóstrato, o semelhante a Platão,


intérprete minucioso269 da mais alta sabedoria,
alguém pôs esta questão sobre a alma: “Que se pode afinal
dizer da alma? Será ela mortal, ou antes imortal?
Há que dizê-la corpórea ou sem corpo? Com os espíritos
ou seres sensíveis há que classificá-la? Ou ambos?”
O fulano pôs-se então a ler os livros Da meteorologia270
e o tratado Sobre a alma de Aristóteles,
confirmando no Fédon a sua eloquência platónica,
e com tudo isso se armou de toda a verdade.
Depois, enrolando-se no seu manto, enquanto alisava
a extremidade da barba soltou a resposta:
“Se a alma tem de todo natureza (e não estou certo disso),
será em todo o caso mortal ou imortal, de natureza
física ou imaterial. Porém, quando chegares ao Aqueronte,
aí sim conhecerás toda a verdade, como Platão.

269
No original, “corta-palhas”, neologismo aparente de Agátias para
designar a finura (exagerada) das investigações deste indivíduo e dos da
sua classe. Todo o epigrama critica os excessos das escolas neoplatónicas
e aristotélicas, que contribuem, no limite, não para o saber, mas para o
total desconhecimento.
270
Embora nada tenha que ver com o assunto da natureza da alma,
pelo menos desde Aristófanes que o termo meteoros (que dá título ao
tratado aristotélico) se aplicava aos pensadores que andavam “com a
cabeça nas nuvens”. Vd. nota ao núm. 164.6.
152
Antologia Grega

Ou, se quiseres, imita o jovem Cleômbroto da Ambrácia271,


e deixa o teu corpo cair do alto de um telhado.
Poderás então, liberto do corpo, conhecer-te a ti mesmo,
restando-te apenas aquilo sobre que investigas.

355. DE PÁLADAS

“Eu sei tudo”, afirmas – mas em tudo és um principiante.


Se tudo experimentas, nada é realmente teu.

356. ANÓNIMO

Sobre ti, mentiu até o livro de Homero que nunca mente272,


chamando voláteis aos pensamentos dos jovens273.

357. DE PÁLADAS

Um filho e o pai fizeram entre si uma aposta competitiva,


sobre quem, gastando mais, comeria toda a fortuna.
Quando por fim devoraram todo o dinheiro que tinham,
no final, só se tinham um ao outro para comer.

271
Segundo Calímaco (AP 7.), suicidou-se depois de ler o Fédon
de Platão.
272
Variação sobre um verso de Nono (Dionisíacas 42.181).
273
Cf. Ilíada 3.103. O epigrama é, na verdade, laudatório, e só o
erro explica a sua inclusão neste livro.
153
Epigramas de Banquete e Burlescos

358. [ANÓNIMO]

Rufiniano, antes Rufino com duas sílabas,


multiplicou com os seus crimes as sílabas,
mas não fugiu à Justiça, dissilábica274 também.
De novo se chamará pelo nome de duas sílabas,
Rufo, o malvado, o impostor, como dantes.

359. [ANÓNIMO]

Tu, que estás acima de qualquer poder,


salva-me, miserável, de toda a inveja.
Queres ouvir? Também eu quero falar:
é que a vontade outorga dupla gratidão,
como dupla beleza outorga ao discurso,
elegância ao orador e gravidade ao ouvinte.
És o astro luminoso dos discursos e das leis,
julgando pela lei e brilhando pelos discursos.
Um Gato275 garimpeiro eu vi neste príncipe,
cruel sanguessuga, a fúria coberta de ouro.

360. [ANÓNIMO]

Agora o general Hermanúbis276 transformou-se


em cão, levando consigo dois irmãos Hermes,

274
Em grego, Dike.
275
Deve tratar-se de Timóteo Eluro – cujo apelido, “Gato”, derivava
do seu porte reduzido e do seu caráter fuinha –, um bispo miafisita que
logrou por duas vezes o posto de Patriarca de Alexandria, no séc. IV.
276
Nome forjado, obviamente, numa mistura do deus egípcio Anú-
bis (normalmente representado com cabeça de cão) e do grego Hermes,
patrono dos ladrões e comerciantes.
154
Antologia Grega

ladrões de prata, bem amarrados a uma corda,


demónios gelados e prematuros do Tártaro.
Não conheço eu terra que denuncie o caráter;
mas digo que o caráter deste denuncia a terra.

361. DE AUTOMEDONTE

Mulas, que envelhecestes comigo, adornai meu carro,


em tudo semelhantes às Preces de Homero,
coxas, cobertas de rugas e cegas de ambos os olhos277,
escolta de Hefesto, demónios descarnados
que jamais provaram, juro pelo Sol, em sonhos sequer,
nem cevada no verão, nem erva na primavera!
A meu cuidado, oxalá logreis viver tanto como um corvo,
[e para sempre] vos alimenteis do vento ligeiro.

362. DE CALÍMACO

Afortunado o Orestes de antes, ele que, furioso com todos,


Lêucaro, com a minha loucura não enlouqueceu,
nem o da Fócida submeteu a um inquérito para revelar
a sua amizade; tivesse ele apresentado apenas um drama278,
e logo teria perdido o seu amigo. Dessa forma procedi eu,
e já não tenho comigo os meus inúmeros Pílades.

277
Citação da Ilíada 9.503.
278
O verso 4 está corrupto, e dificulta bastante a interpretação do
epigrama. Seja como for, Calímaco usa a amizade proverbial de Orestes
(filho de Agamémnon e Clitemnestra) e Pílades, da Fócida, talvez para
sugerir que os assuntos teatrais podem terminar com qualquer amizade.
De ser assim, haveria relação com AP 9.566, no qual refere a sua parti-
cipação num concurso dramático.
155
Epigramas de Banquete e Burlescos

363. DE DIOSCÓRIDES

Acabou a honra entre os de Alexandria, e o filho de Ptolemeu,


Mosco, na corrida de tochas obteve glória entre os jovens.
O filho de Ptolemeu, Mosco! Ai, ai, cidade! E então as vergonhas
de sua mãe, e as atividades públicas que fazia em casa?
Então e [os lupanares? Então e] as pocilgas? É ter filhos, é ter
[filhos,
prostitutas, assim encorajadas pela coroa de Mosco!279

364. DE BIANOR

Esse zero à esquerda, cretino, vendido, o gajo, vejam,


é senhor da alma de outro alguém.

365. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA

O rústico Calígenes, ao lançar a semente à terra,


foi a casa de Aristófanes, o astrólogo,
e pediu-lhe que lhe dissesse se conseguiria boa
colheita e abundância invejável de espigas.
O tipo pegou nas pedrinhas, espalhou-as na mesa,
estalou os dedos e então disse a Calígenes:
“Se o teu terreno for orvalhado pela chuva suficiente
e não produzir uma colheita de ervas daninhas,
se as granizadas não partirem os sulcos, se pela geada

279
O epigrama mais não é do que uma reação conservadora ao
alargamento da atribuição da cidadania a filhos bastardos, sem o que
este Mosco não poderia ter competido em jogos oficiais.
156
Antologia Grega

os rebentos das espigas não forem cortados,


se uma corça não lhes arrancar os pés, se nenhuma outra
praga do ar ou da terra, enfim, aparecer,
prevejo-te excelente colheita, e com sucesso cortarás
as espigas. Tem só cuidado com os grilos!

366. DO CÔNSUL MACEDÓNIO

Um tipo avarento, tocando um tesouro em sonhos,


quis morrer durante esse sono de riqueza;
quando viu, passado o sombrio lucro desse sonho,
a miséria ao acordar... voltou a dormir.

367. DE JULIANO ANTECESSOR

Tens a cara chapada de uma avestruz. Circe, por certo,


transformou em ave a tua natureza, ao beberes a poção280.

368. DO MESMO

É imenso o matagal que tens sob a tua cara barbuda;


precisas de uma foice, não de tesoura, para o aparar.

280
Em grego, o termo é o mesmo da poção que tomam os compa-
nheiros de Ulisses na Odisseia (10.290).
157
Epigramas de Banquete e Burlescos

369. DO MESMO
Sobre um anão

Deixa-te ficar seguro a viver na cidade, não vá picar-te


uma dessas garças que gostam do sangue dos Pigmeus.

370. DO CÔNSUL MACEDÓNIO

O espelho não fala; eu cá, ao invés, denunciarei


a tua falsa beleza toda borrada de rouge.
Píndaro, doce poeta, denunciou outrora o mesmo,
e disse a água é o melhor281, mas o pior para o rouge.

371. DE PÁLADAS

Não me chames para testemunhar os teus pratos famélicos,


servindo-me de comer apenas puré de abóbora.
Prata em bruto não comemos, a que nos pões à mesa
para enganar a fome com pratos miseráveis.
Busca gente de dieta para uma tal mostra de prataria,
e aí sim, surpreenderás com o metal ligeiro282.

281
O conhecido início da Olímpica 1 de Píndaro, que já ao tempo
(séc. VI) abriria as coletâneas do poeta.
282
I.e. prata adulterada, um prato que, para cúmulo, perdeu já o seu
valor monetário original.
158
Antologia Grega

372. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA

Com esse corpo de sombra, de ar como o vento invisível,


jamais te atrevas a chegar perto de alguém,
não vá ele, ao respirar, levar-te para dentro das narinas,
tu, muito mais leve que uma brisa de ar.
Tu não temes a morte – não mudando grande coisa,
serás igual a ti próprio, o fantasma que já és.

373. DE PÁLADAS
Sobre um poeta que jogava aos dados

De todos os poetas, é Calíope a deusa;


a tua Calíope? Mais Tablíope.283

374. DO CÔNSUL MACEDÓNIO

Maquilha de branco, sem cessar, o teu rosto descarnado,


Laódice, pagando justa recompensa à multidão.
Mas jamais escancares os lábios; pois quem te consertará
as fileiras dos dentes com truques de cosmética?
Já se vai o encanto que antes tinhas; e a beleza do corpo,
não pode ela tirar-se de uma fonte inesgotável.
Qual rosa, floresceste na primavera; agora, estás murcha,
ressequida pelo esquálido verão da velhice.

283
Jogo de palavras intraduzível com Tablíope (“jogo de dados”),
como em AP 9. 482 e 767.
159
Epigramas de Banquete e Burlescos

375. DO MESMO

Espirrei284 junto a uma tumba, e quis, aí mesmo, escutar


aquilo que desejava – a morte da minha esposa.
Espirrei ao vento; mas à minha esposa não sobreveio mal
nenhum dos homens – nem doença, nem morte.

376. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA

Um tipo desgraçado foi a casa do advogado Diodoro


e questionou-o acerca deste caso em concreto:
“A minha escrava fugiu um dia; um fulano encontrou-a
e, sabendo que ela era a criada de outra pessoa,
casou-a com um escravo seu. E ela teve filhos com ele.
Então, de quem são esses escravos, por direito?
O tipo, depois de refletir e consultar todos os seus livros,
virou-se para ele e disse, franzindo a sobrancelha:
“Teus, ou do tipo que levou a tua escrava, são por força
esses escravos pelos quais agora me perguntas.
Busca, porém, um juiz benevolente, e rapidamente terás
a decisão mais justa, se é justo quanto dizes.”285

284
Espirrar era associado a várias superstições, pelo que, espirrar
ante um túmulo, teria uma interpretação necromântica. O epigrama
tem sido relacionado com as leis restritivas de Justiniano (séc. VI) relati-
vas ao divórcio, o que teria levado a distintas estratégias para contornar
essa limitação.
285
Como no num. 365, por exemplo, a sátira reside na suma de
obviedades, quando ditas por um suposto especialista.
160
Antologia Grega

377. DE PÁLADAS

Um triste pito comemos, nós, homens convidados,


e de outras aves nos tornámos o repasto.
Tício, debaixo da terra, dois abutres o devoram,
e a nós, vivos ainda, quatro abutres.286

378. DO MESMO

Não posso mais aguentar com a minha mulher e a docência:


a docência não tem futuro, a minha mulher justiça.
Por causa de ambas, o que sofro é a morte e o destino final.287
Da docência, enfim, acabo agora de me libertar;
mas não logro afastar-me desta minha mulher tão irascível288:
o contrato e a lei da Ausónia289 mo impedem.

379. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA


Sobre um glutão

Não há quem aguente ver esses teus dentes molares,


e por isso ninguém se acerca de tua casa;

286
Sobre Tício, vd. nota ao núm. 107.3. Não é claro o contexto do
epigrama, mas pode referir-se, simplesmente, a quatro companheiros
de mesa insuportáveis, como sejam gramáticos ou poetas, figuras da
predileção da sátira de Páladas (e.g. núms. 135-137).
287
Hemistíquio colhido de Ilíada 3.101 (= Odisseia 21.24).
288
Literalmente, “que combate o marido” (andromaches).
289
I.e., da Itália (Roma). Alusão às mesmas leis restritivas de
divórcio referidas na nota ao núm. 375. Noutros epigramas, Páladas
queixa-se da sua profissão de gramático (e.g. núm. 303; AP 9.168, 169,
171, 175; 10. 97) e da esposa (AP 9.165-167).
161
Epigramas de Banquete e Burlescos

é que, se tens sempre o apetite do próprio Erisícton290,


acabarás por devorar o amigo que convidas.
As tuas paredes não me receberão nunca – não estou
para ir lá e tornar-me presa do teu estômago.
Mas se um dia for a tua casa, maior proeza não cumpriu
o filho de Laertes ao enfrentar as goelas de Cila291!
Muito mais sofredor serei eu, se me aproximar de ti,
nada menos perigoso do que o cruel Ciclope.

380. DO CÔNSUL MACEDÓNIO


Resposta ao que dizia “não fosse a soberana Justiça tão avessa
ao ouro” 292

Virgem de ilustre linhagem, a Justiça protetora de cidades


não vira a cara ao ouro com origem na piedade;
ao invés, a própria balança de Zeus é feita de ouro maciço,
e é nela que pesa toda a lei da nossa vida.
Foi então que o Pai suspendeu a sua balança de ouro293,
se não te esqueceste das pérolas de Homero.

290
Herói da Tessália, ousou cortar as árvores de um bosque consa-
grado a Deméter e foi condenado pela deusa à fome eterna.
291
Segundo a Odisseia, quando a nau de Ulisses passou junto à
gruta de Cila, os cães saltaram e devoraram seis dos seus companhei-
ros. Mais conhecido é o episódio do Ciclope, que completa o par dos
monstros antropófagos do epigrama.
292
Resposta ao epigrama de Arábio, o Escolasta (AP 16.), contem-
porâneo, sobre a recusa de uma estátua de ouro por um certo Longino.
293
O poeta cita simplesmente um hexâmetro da Ilíada (8.69) como
prova do seu argumento.
162
Antologia Grega

381. DE PÁLADAS

A mulher é só cólera! Mas tem dois bons momentos:


no leito nupcial um, quando morre o outro.

382. DE AGÁTIAS, O ESCOLASTA

Alcímenes estava de cama, atormentado pela febre,


da garganta soltando apenas sons roucos,
com dores de costas como se o ferissem com punhais,
respirando ofegante com sonoros ronquidos.
Veio então junto de si Calignoto de Cós, o fala-barato,
inflado com a sua ciência de curandeiro,
com um prognóstico completo de doenças, mas nada
dizendo além do que fatalmente aconteceria.
Observou a posição de Alcímenes deitado na cama, meditou
sobre o seu aspeto, mediu-lhe o pulso com ciência
e fez o cálculo do esquema dos dias críticos294,
ponderando tudo sem se afastar do seu Hipócrates.
Só então comunicou o seu prognóstico a Alcímenes,
de semblante carregado e aspeto sério:
“Se os ronquidos da garganta e as dores agudas de costas
cessarem, e a respiração ofegante pela febre,
não hás de morrer de pleurisia. Isto, em meu entender,
é sinal de que a tua doença há de desaparecer.
Coragem! Mas chama o notário, e, uma vez divididos
os teus bens, abandona a vida cheia de cuidados.
E a mim, o teu médico, por este excelente diagnóstico,
nomeia-me herdeiro de uma terça-parte.

294
Os dias em que ocorrem as crises, muito importantes na medi-
cina hipocrática.
163
Epigramas de Banquete e Burlescos

383. DE PÁLADAS

Também os burros, é certo, têm Sorte ou funesta ou ditosa,


e Cronos marca o horóscopo dos quadrúpedes.
Mas este burro em concreto deve ter uma má sorte crónica,
já que, de alabarca, se tornou agora gramático.
Suporta, resignado, a desgraça, burrico! Para os gramáticos,
não chega a fim de mês a cevada; diz-se só ceva.295

384. DO MESMO

Monges296? Porquê tantos? E se tantos, porquê solitários?


Ó multidão de monges que engana a solidão!

385. DO MESMO

Fingido o amor que tens – amas por medo e necessidade.


Do que um amor assim, nada mais traiçoeiro.

386. DO MESMO

Alguém, vendo a Vitória cabisbaixa a errar pela cidade,


disse: “Deusa Vitória, que mal sofreste agora?”

295
No original, o último verso opões o termo chrite (“cevada”)
com o épico chri (com o mesmo significado). Assim se transforma uma
questão de erudição filológica numa crítica à pobreza dos filólogos como
Páladas. “Chegar a fim de mês” é uma liberdade do tradutor.
296
Em grego, “monge” e “solitário” partilham a raiz monos.
164
Antologia Grega

Ela, lamentando-se e criticando a decisão, respondeu:


“Apenas tu não sabes? Fui concedida a Patrício.”
Muito triste estava esta Vitória, pois contra toda a norma
Patrício297 a atrapara, como ao vento o marinheiro.

387. DO MESMO

Todos comem uma só vez. Mas se convida Salamino,


vamos para casa e toca de voltar a comer.

388. DE LUCÍLIO

Enquanto és solteiro, Numénio, tudo na vida


te parece ser o melhor do melhor.
Mas se chega uma mulher, logo tudo na vida
te parece o pior de quantos males há.
“Mas então e os filhos?” Terás filhos, Numénio, sim,
se tens dinheiro – o pobre, nem os filhos ama.

389. DO MESMO
Sobre um rico insaciável

Se tivesses a vida longa de um cervo ou de um corvo,


seria natural acumulares tamanha fortuna.
Mas se és desses mortais que cedo são atingidos pela velhice,

297
Apesar das sugestões aventadas, não há como saber quem era este
indivíduo, que por certo saiu vitorioso de uma contenda importante,
fosse ela legal, desportiva, ou de outra natureza.
165
Epigramas de Banquete e Burlescos

não te prendas à obsessão de riquezas sem fim;


não vás tu consumir a alma com dores insuportáveis,
e outros usufruir, sem esforço, dos teus bens.

390. DO MESMO
Sobre os que simulam amizade para com os homens

Se me amas, ama-me de facto e não me faças mal,


fazendo da amizade o princípio da ofensa.
Para todos os homens, digo que é muito preferível
o ódio às claras a uma amizade enganadora.
Dizem que também para os navios errantes são piores
os rochedos ocultos que os escolhos visíveis.

391. DO MESMO
Sobre um avarento

Asclepíades, o avarento, encontrou um rato em casa


e disse-lhe: “Que fazes tu, caro rato, cá em casa?
O rato, rindo docemente, disse: “Nada temas, amigo!
Não buscamos em tua casa comida, só um teto.”298

392. DO MESMO

Sentado sobre o dorso de uma formiga alada,


o orador Adrasto dizia estas palavras:

298
I.e., até o animal percebeu que, na casa do avarento, não há o
que comer.
166
Antologia Grega

“Voa; tens aqui o teu Belerofonte, ó meu Pégaso!”


O melhor dos heróis, esqueleto meio-morto!

393. DO MESMO

Não há maior fardo do que uma filha. Se te parece,


Euctémon, ser leve carga, escuta-me!
Tu tens uma hérnia, eu uma filha; fica com esta,
e dá-me não uma, mas cem hérnias.

394. DO MESMO

O melhor dos poetas é, na verdade, aquele


que paga o jantar aos que o escutam.
Se só lê, e os manda de volta a casa em jejum,
sobre si recaia a própria loucura!299

395. DE NICARCO
Sobre o peido

O peido mata muitos, se não consegue encontrar saída;


mas o peido salva, ao produzir melodia sonora.
Assim sendo, se de facto o peido salva e também mata,
ao dos reis se assemelha o poder que tem o peido.

O tema das récitas poéticas acompanhadas de banquete, comum


299

em Lucílio. Vd. núms. 10 e 137.


167
Epigramas de Banquete e Burlescos

396. DE LUCIANO

Muitas vezes me enviaste vinho, e muitas vezes te agradeci,


encantado com esse néctar de doce paladar.
Mas agora, se me queres bem, não envies mais! Não preciso
de vinho desse tipo, visto já não ter alfaces300.

397. DO MESMO

Milhares e milhares de moedas conta Artemidoro,


mas nada gasta e leva a vida das mulas.
Elas, que amiúde levam carga pesada de ouro
às costas, mas comem apenas palha.

398. DE NICARCO

Ao pintar o cabelo, um tipo perdeu a melena inteira,


e de cabeludo que era ficou igual a um ovo.
Isto logrou esse pintor: barbeiro algum de novo cortará
o seu cabelo, nem o negro nem o branco.

399. DE APOLINÁRIO

Um dia, um gramático montava o seu burro, escorregou


e, como se diz, perdeu a sua... gramática301.

300
Para temperar com vinagre, como no núm. 295.
301
Todo o epigrama se constrói a partir da frase proverbial cair do
burro, que por proximidade fónica em grego tem o sentido de perder o
168
Antologia Grega

Desde então levou vida banal, como qualquer outro,


pois sempre ensinara sem nada aprender.
A Glícon, porém, sucedeu o contrário: ignorante que era
mesmo da língua corrente, não só da gramática,
agora que monta burros da Líbia302, tantas foram as vezes
que caiu que se tornou, de repente, gramático.

400. DE LUCIANO

Salve, fecunda gramática! Salve, tu que para a fome


achaste remédio no Canta, ó deusa, a cólera303.
Um templo extraordinário haveria que construir para ti,
e um altar em que jamais faltassem oferendas.
Pois de ti estão cheios os caminhos, cheios estão o mar
e os portos, Gramática que com todos te deitas304.

conhecimento (ap’ onou / apo nou). O mesmo encontramos, por exemplo,


em Aristófanes (Nuvens 1273).
302
Estes animais costumavam cruzar-se com burros selvagens, de
forma a tornar a linhagem mais ágil. Não fica claro o sentido da sátira
do epigrama.
303
O início da Ilíada, símbolo da atividade filológica do comen-
tador, como o é, nos vv. 5-6, a citação de Arato (Fenómenos 3-4). Vd.
núms. 130, 132, 139.
304
Literalmente, “que a todos recebes”. Aparentemente um elogio,
o epigrama é na verdade uma sátira, o que apenas fica percetível no
último verso, onde se emprega o termo dektria, que na poesia iâmbica
significa “prostituta”. Assim, parece que se critica a mesmíssima univer-
salidade da disciplina, praticada por competentes e perfeitos ignorantes.
169
Epigramas de Banquete e Burlescos

401. DO MESMO

Um certo médico enviou-me o seu filho muito amado


para comigo aprender assuntos de gramática.
Quando ele aprendeu o Canta, ó deusa e o tantas dores
causou, e o verso que vinha em terceiro lugar,
o almas valentes sem conta enviou para o Hades305,
não mais enviou o filho para aprender comigo.
O pai, um dia que me viu, disse: “Agradeço-te, amigo,
mas o rapaz pode aprender essas coisas comigo.
É que também eu envio muitas almas para o Hades,
e para isso não preciso de nenhum gramático.”

402. DO MESMO

Que nenhum dos deuses, Erasístrato, me outorgue luxúria


semelhante àquela com que tu vives luxuosamente,
comendo porcarias piores para o estômago do que a fome,
como desejo que comam os filhos dos meus inimigos.
Antes morrer de fome, como no passado morria de fome,
a empanturrar-me com tal luxúria em tua casa.

403. DO MESMO
Sobre a gota

Deusa que odeias o pobre, a única que derrota a riqueza,


tu, que conheces bem a arte da boa vida!

305
Citações dos versos 1-3 da Ilíada, o bê-á-bá dos estudos de
literatura grega.
170
Antologia Grega

Comprazes-te por um lado em descansar nos pés dos outros,


mas sabes apoiar-te no bastão, gostas de perfumes,
a grinalda é do teu agrado, e a pomada do Baco Ausónio306.
Nada disto se encontra jamais entre os pobres.
É por isso que evitas a soleira sem tostão da miséria
e te comprazes em ir para os pés da riqueza.

404. DO MESMO

Diofanto, por causa da sua hérnia, jamais se monta


numa barca para chegar à outra margem.
Antes, colocando sobre a hérnia toda a bagagem
e o burro, iça as velas e faz ele a travessia.
Assim, é falsa a fama que têm os Tritões307 nas águas,
se um tipo com hérnia pode fazer o mesmo.

405. DO MESMO

O narigudo Nícon tem olfato apuradíssimo para o vinho,


mas é incapaz de dizer de que casta é rapidamente.
Ao cabo de três horas de verão a custo consegue cheirá-lo,
por levar erguido o seu nariz de duzentos codos.308

306
I.e. o vinho de produção italiana (Ausónio). O poeta enumera
uma série de símbolos do banquete, cujos hábitos favorecem o surgi-
mento da doença.
307
Divindades marinhas.
308
Embora pouco claros, estes dois versos parecem significar que,
no verão, por haver mais horas de sol, Nícon tem de levar o nariz
erguido para não o queimar.
171
Epigramas de Banquete e Burlescos

Que tromba imensa a sua! Sempre que atravessa o rio,


com ela pesca muitas vezes uns peixitos!309

406. DE NICARCO

Vejo o nariz de Nícon, o narigudo, Menipo:


então o gajo não deve andar longe!
Já aí vem – é só esperar. No máximo, a cinco
estádios do nariz creio que deve estar.
Já vês o nariz que se adianta. É subir a um monte
alto, e também o veremos a ele.

407. DO MESMO

O lingrinhas Menéstrato, descansando num dia de verão,


veio uma formiga e arrastou-o para o seu buraco.
Mas resgatou-o uma mosca a voar, como a Ganimedes310
a águia para o leito celestial do filho de Cronos.
Caiu então das patas da mosca, mas nem assim tocou terra,
ficando pendurado nos fios de uma teia de aranha.

408. DE LUCIANO

Tinges os cabelos, mas a velhice jamais tingirás,


nem esticarás as rugas das tuas faces.

309
Planudes elimina o último dístico, que pode na verdade corres-
ponder a outro poema, dada a imagem distinta que atualiza. Cf. núm.
199, onde a mesma imagem do nariz como cana de pesca é utilizada.
310
Vd. núms. 88 (com nota) e 330.
172
Antologia Grega

Deixa-te de borrar toda a tua cara de branco:


pareces ter uma máscara, não uma cara!
De nada te vale. Estás louca? Nenhum tipo de rouge
ou base branca de Hécuba fará Helena311!

409. DE GETÚLICO312

Quatro vezes encostou os lábios nos lábios da ânfora


Selene, e emborcou a vindima inteira,
Dioniso de bela cabeleira! Nem te manchou com água,
antes, desde que chegaste da vinha,
logo te começou a beber avidamente, de taça na mão,
mesmo até chegar ao deserto dos mortos.

410. DE LUCIANO

Desse cínico barbudo, mendigo que anda de bastão,


apreciámos ao jantar a grande sabedoria.
Começou o gajo por rejeitar os tremoços e os rabanetes,
pois a virtude (dizia) não deve servir o estômago.
Mas quando viu ante os olhos ventre de porca branquíssimo
em vinagreta, que logo o fez perder o juízo prudente,
inesperadamente mandou vir e comeu que dava gosto ver,
nada dizendo sobre o ventre macular a virtude.

311
Cf. os núms. 370, 374 e 398, sobre o mesmo assunto. Hécuba
era a velha rainha de Troia, e Helena, para todos os efeitos, modelo
humano universal de beleza, a causa primeira da guerra de Troia.
312
Outro que não o conhecido autor de epigramas votivos e fune-
rários dos livros VI e VII da Antologia, de quem apenas este epigrama
se transmite.
173
Epigramas de Banquete e Burlescos

411. ANÓNIMO
Sobre um balneário demasiado quente313

A este lugar seria melhor chamar-lhe pira, não balneário,


a que outrora o Pelida acendeu para o Menecíada314,
ou a grinalda de Medeia, à qual a Erínia ateou o fogo
no tálamo de Glauce por causa do Esónida315.
Tem pena de mim, encarregado, por Zeus; sou homem
que escreve todos os feitos de mortais e imortais.
Mas se a tua ideia é queimar muitos homens ainda vivos,
ateia uma pira de madeira, carrasco, não de pedra.

412. DE ANTÍOCO
Sobre um fulano disforme

Retratar a alma é difícil, e pintar a forma física


fácil; contigo, porém, todo o contrário.
A deformidade da alma, sacando-a para fora,
nos teus traços a moldou a Natureza.
A estranheza do teu aspeto e a desmesura do teu corpo,
como a pintará alguém, se ninguém te quer ver?

313
Cf. núm. 243, onde Nicarco se queixa exatamente do oposto.
314
A pira que Aquiles (o filho de Peleu) acendeu para Pátroclo (filho
de Menécio), como conta a Ilíada (23.164).
315
Jasão, filho de Éson.
174
Antologia Grega

413. DE AMIANO

Sacrificando o jardim, Apeles serviu-nos o jantar


como quem alimenta gado, não amigos.
Havia rábano, chicória, feno-grego, alfaces, alhos-porros,
cebolinhas, manjericão, menta, arruda e aspáragos.
Temi que em seguida me fosse servir também forragem,
e por isso comi uns tremoços insossos e fugi.

414. DE HÉDILO

De Baco que relaxa os membros e Afrodite que relaxa


[os membros
nasceu uma filha que também relaxa os membros – a gota.

415. DE ANTÍPATRO OU NICARCO

Quem, Mentórides, descaradamente te pôs


o cu onde antes tinhas a boca?
Peidas-te, não respiras, e falas desde um buraco.
Prodígio: o de baixo passou para cima.316

416. [ANÓNIMO]
Sobre a riqueza

O dinheiro, até com as putas se vai. Não quero saber!


Odeie-me o ouro miserável, amigo das putas.

316
Cf. núm. 241, de Nicarco.
175
Epigramas de Banquete e Burlescos

417. [ANÓNIMO]
Sobre uma mulher velha que andava atrás de um moço

Sacode as bolotas317 de outra azinheira, Menéstio: eu cá


não aceito as rugas de maçãs já passadas;
sempre desejei a fruta que fosse da minha época!
Então, porque tentas ver um corvo branco?318

418. DO IMPERADOR TRAJANO

É só pores o nariz contra o sol e escancarares a boca,


e darás as horas a todos os que passem.319

419. DE FÍLON

Cabelos brancos, com juízo, merecem muito respeito; sem


[juízo,
porém, são sobretudo a vergonha da idade avançada.

420. [ANÓNIMO]

Cabelos brancos, se te calas, são sensatez; se te pões a palrar,


já não são sensatez, só cabelos, como os dos jovens.

317
O termo, em grego, tem também sentido fúlico.
318
Provérbio que significa desejar o impossível. Cf. núm. 436.
319
Imagem rebuscadíssima, na qual o nariz (gigante) seria o pon-
teiro, projetado nos dentes, marcas das horas. Pode estar neste epigrama
a fonte do conhecido soneto satírico de Quevedo, Para um nariz,
quando se refere ao alvo da sua sátira como “reloj de sol mal encarado”.
176
Antologia Grega

421. DE APOLINÁRIO

Se dizes mal de mim pelas costas, não me fazes mal;


mas se falas bem na cara, sabe que falas mal.320

422. DE ANTÍOCO
Sobre um ignorante que fala em público

Bessas, se tivesse juízo, ter-se-ia enforcado. Mas agora, insensato,


vive e prospera, mesmo depois de falar em público.

423. DE HELÁDIO

Tudo tinges, tintureiro, e com as tuas cores tudo transformas;


até a miséria tu tinges, e dás-te ares de ser rico.

424. DE PISÃO

Na terra dos Gálatas não há flores; do seu seio


despontaram as Erínias, funestas aos mortais.321

320
Contra os aduladores, como no núm. 323.
321
As Erínias perseguiam os autores de crimes de sangue, de que
Orestes (assassino da mãe Clitemnestra) cedo se tornou o paradigma.
Na ausência de qualquer outra referência à Galácia como pátria das
Erínias, deve tratar-se de uma metáfora do caráter destrutivo dos seus
povos.
177
Epigramas de Banquete e Burlescos

425. [ANÓNIMO]
Sobre Placiano, que se casou com uma velha

Quero que saibas, Placiano, com clareza, que qualquer


velha forrada de dinheiro é um rico caixão.

426. [ANÓNIMO]
Sobre Opiano, magistrado bêbado

Tens uma letra a mais no início: se alguém ta tira322,


terás um nome que te assenta como uma luva.

427. DE LUCIANO

O demónio, muitas vezes, expulsou-o o exorcista de mau hálito


a falar – não à força de conjuros, mas da pestilência.

428. DO MESMO
Sobre um Índio

Porque tentas lavar um corpo de Índio? Deixa-te disso!


Uma noite escura, é impossível assoleá-la.

429. DO MESMO

Entre uma multidão de bêbados, Acindino queria estar sóbrio:


e por isso era ele o único que parecia estar bêbado.

322
I.e. Pianos, que soaria ao verbo pinein (“beber”).
178
Antologia Grega

430. DO MESMO

Acreditas que deixar crescer a barba te vai garantir sabedoria?


Assim, um bode barbudo seria um perfeito Platão.323

431. DO MESMO

Se és rápido a comer e lento para a corrida,


come com os pés e corre com a boca.

432. DO MESMO

Apagou a candeia um néscio a que mordia uma multidão


de pulgas, dizendo-lhes: “Agora não podem ver!”

433. DO MESMO

Pintor! Só as formas podes roubar; pois não consegues


capturar a voz, prisioneiro que és das cores.

434. DO MESMO

Se vires uma cabeça bem rapada, peito e ombros,


nada perguntes – vês um imbecil careca.

323
Cf. núm. 153, com nota, e infra, núm. 434, ambos de Lucílio.
179
Epigramas de Banquete e Burlescos

435. DO MESMO

Estou boquiaberto! Como pode Bito ser um sofista,


se não tem nem senso comum nem juízo?

436. DO MESMO

Mais fácil encontrar corvos brancos324 e tartarugas voadoras,


que um orador da Capadócia que valha a pena.

437. DE ARATO
Sobre o poeta Diotimo

Choro por Diotimo, que sentado entre rochedos


às crianças de Gárgara ensina o bê-á-bá.325

438. DE MENANDRO326

Confia num tipo de Corinto, mas não faças dele amigo.

439. DE DÍFILO

Argos é terra de cavalos; mas os que nela vivem são lobos.

324
Cf. núm. 417.4, com nota.
325
Não é clara a identidade deste Diotimo, entre os vários poetas
com esse nome, nem o sentido do epigrama, que pode tanto ser irónico,
como um lamento sincero. No último caso, a sua inclusão no livro XI
seria um equívoco.
326
Os últimos componentes do livro, na verdade fragmentos,
deviam corresponder a epigramas ou sentenças de comédia. Este, em
particular, pode remeter a um passo de Heródoto (1.24), no qual Aríon
confiou na técnica naval dos Coríntios, acabando atraiçoado por eles.
180
Antologia Grega

440. DE PÍTACO

Os de Mégara, evita-os a todos – são uns chatos.

441. DE FILISCO

O Pireu é uma grande noz, mas oca.

442. ANÓNIMO
Sobre uma estátua de Pisístrato327

Três vezes fui tirano, outras tantas me desterrou o povo


de Erecteu328, e mais três me devolveu ao poder,
a mim, Pisístrato, o melhor da Assembleia, o compilador
de Homero, dispersas que estavam as suas obras.
Pois, na verdade, era de ouro esse nosso concidadão,
se nós Atenienses colonizámos mesmo Esmirna329.

327
Numa Vida de Homero, informa-se que o epigrama estaria
inscrito na base de uma estátua de Pisístrato, o primeiro dos tiranos
atenienses desse nome (entre 546-527 a.C.). Só temos notícia de dois
exílios deste político, que cedo foi considerado o mandante da colação
dos Poemas Homéricos, como os conhecemos. É disso testemunho,
além deste epigrama, Cícero (De Oratione 3.137).
328
Rei mítico de Atenas.
329
Esmirna é apenas uma das hipóteses da Antiguidade para a
pátria de Homero. Com efeito, diversas cidades – cedo organizadas
num grupo mais ou menos estável de sete – disputavam a naturalidade
do poeta, mostra simbólica de poder. Cf. AP 16.297-298.
181
(Página deixada propositadamente em branco)
Índice de epigramatistas

Um ponto de interrogação assinala as atribuições duvidosas


ou dúplices nos códices, bem como aqueles epigramatistas
desconhecidos. Esta lista não contempla as discussões de
autoria dos epigramas, apenas a sua atribuição nos manuscritos
da Antologia.

Agátias, o Escolasta (séc. VI) 57, 356, 358-360, 411, 416-


64, 350, 352, 354, 365, 372, 417, 420, 425-426, 442
376, 379, 382 Antífanes, da Macedónia (séc. I)
Alceu, de Messene (?) (séc. II 168, 322, 348
a.C.) 12 Antífilo, de Bizâncio (séc. I a.C.)
Amiano (séc. II) 13, 16, 97, 98, 66
102?, 146, 147, 150, 152, Antimedonte, de Cízico (?) 46
155, 156, 157, 180, 181, Antíoco (?) 412, 422
188, 209, 221, 226-231, Antípatro, de Tessalónica (séc.
268, 413 I a.C.) 20, 23, 24, 31, 37,
Amónides (?) 201 158, 219, 224, 327, 415?
Anacreonte, de Teos (séc. VI Antístio (?, Grinalda de Filipo)
a.C.) 47, 48? 40
Anónimos 3, 51, 52, 53, 56, Apolinário (séc. I/II) 399, 421
109, 125-126, 149, 151, Apolónides, de Esmirna (séc. I)
166, 193, 202-203, 220, 25
222, 238, 250, 260-262, Apolónio, o Gramático (?) 275
267, 269-272, 297-298, Arato, de Soles (séc. III a.C.)
334-339, 342, 344-345, 437

183
Epigramas de Banquete e Burlescos

Automedonte, de Cízico (séc. Filisco, de Mileto (séc. III a.C.)


I a.C.-I d.C.) 29, 50, 319, 441
324, 325, 326, 346, 361 Filodemo, de Gádara (séc. I a.C.)
Basso [Lólio] (séc. I) 72 30, 34, 35, 41, 44, 318
Bianor, o Gramático (séc. I) 248, Fílon, de Biblos (?) (séc. II a.C.)
364 419
Cáleas, de Argos (?) 232 Getúlico (séc. I) 409
Cereálio (séc. I) 129, 144 Hédilo (séc. I) 123, 414
Cálicter, da Magnésia (?) 2, 5, Heládio (séc. I) 423
6, 333 Juliano, o Antecessor (séc. VI)
Calímaco, de Cirene (séc. III 367, 368, 369
a.C.) 362 Juliano, Imperador (séc. IV)
Crates, o Gramático (séc. II a.C.) 108?, 109?
218 Leónidas, de Alexandria (séc. I)
Crinágoras, de Mitilene (séc. I 9?, 70, 187?, 199, 200?, 213
a.C.) 42 Leónidas, de Tarento (?) (séc. III
Demódoco, de Leros (séc. V-IV a.C.) 9, 187, 200
a.C.) 235-237 Luciano, de Samósata (séc. II)
Diodoro (Zonas) de Sardes (séc. 10?, 17, 68?, 129?, 239?,
I a.C.) 43 274?, 294?, 396, 397,
Dionísio, de Halicarnasso (?) 400-405, 408, 410, 420?,
(séc. II a.C.) 182 427-436
Dioscórides, de Nicópolis (?) Lucílio (séc. I) 10, 11, 68,
(séc. III a.C.) 195, 363 69, 75-81, 83-85, 86-95,
Dífilo, de Atenas (séc. IV-III 99-101, 103-107, 111-116,
a.C.) 439 131-143, 148, 153, 154,
Estratão, de Sardes (séc. II) 19, 159-161, 163-165, 171,
21, 22, 117, 225 172, 173?, 174-179, 183-
Eveno, de Ascalão (séc. II-I a.C.) 185, 186?, 187?, 189-192,
49 194, 196, 197, 205-208,
Filipo, de Tessalónica (séc. I) 36, 210-212, 214-217, 233,
36, 173, 321, 347 234, 239, 240, 245-247,

184
Antologia Grega

249, 253, 254, 256-259, Páladas, de Alexandria (séc. IV)


264-266, 276-279, 281?, 54, 55, 62, 204, 255, 263,
282?, 293?, 294, 308-315, 273, 280-293, 294?, 295,
316, 330?, 373?, 388-393, 299-307, 310?, 317, 323,
394 340, 341, 343, 349, 351,
Macedónio, de Tessalónica (séc. 353, 355, 357, 371, 373,
I a.C.) 27, 39 377, 378, 381, 383-387,
Macedónio, de Tessalónica (séc. 430?
VI) 58, 59, 61, 63, 366, 370, Parménio, da Macedónia (séc. I
374, 375, 380 a.C.) 4, 65
Marco Argentário (séc. I) 26, 28, Paulo Silenciário (séc. VI) 60
320 Pisão (?) 424
Meleagro, de Gádara (séc. I a.C.) Pítaco, de Mitilene (séc. VII-VI
223 a.C.) 440
Menandro, de Atenas (séc. IV Polémon, de Laodiceia (séc. I) 38
a.C.) 438 Polieno, o Gramático (séc. II)
Mirino (?, Grinalda de Filipo) 67 127, 128, 130, 167
Nicarco (séc. I) 1, 7, 8, 17, 18, Te m í s t i o ( Eu f r a d e s ) , da
71, 73, 74, 82, 96, 102??, Paflagónia (séc. IV) 292?
110, 118-122??, 124, 162, Tímon, de Fliunte (séc. IV-III
169-170, 186, 241-243, a.C.) 296
244, 251, 252, 328-332, Trajano, Imperador (séc. I) 418
395, 398, 406, 407, 415? Zonas (vd. Diodoro)
Onesto, de Bizâncio (séc. I a.C.)
32, 45

185
(Página deixada propositadamente em branco)
Os 442 epigramas que constituem o livro XI da Anto-
logia Grega constituem uma a melhor mostra do géne-
ro do epigrama satírico da antiguidade grega, da época
clássica à bizantina. Ainda assim, o anónimo escriba
do Palatinus estabeleceu uma subdivisão interna, entre
poemas ditos “de banquete” (sympotika, núms. 1-64)
e “burlescos” (skoptika, núms. 65-442). Reveladoras
são as suas palavras sobre estes componentes: “Amplo
uso se fez, ao longo da vida, dos epigramas burlescos,
dado que o homem tanto gosta de burlar-se dos outros
como de ouvir os outros a burlar-se do próximo, algo
que, estou em crer, sempre aconteceu entre os antigos,
como se mostrará com os epigramas seguintes”.
OBRA PUBLICADA
COM A COORDENAÇÃO
CIENTÍFICA

Você também pode gostar