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CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
FORTALEZA - CEARÁ
2022
BEATRIZ PEROTE FERNANDES
FORTALEZA – CEARÁ
2022
À minha avó Cidinha, Maria Aparecida
Gomes Fernandes (In memoriam), de quem
herdei minhas marcas raciais.
À Netinha, Maria Evenice Barbosa Neta (In
memoriam), que ensinou tudo o que uma boa
irmã poderia me ensinar.
AGRADECIMENTOS
1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 16
2 ESTADO DA QUESTÃO............................................................................ 30
3 MOVIMENTO CONTRA-HEGEMÔNICO DOS(AS)
COLONIZADOS(AS): ANÁLISE CRITICA SOBRE
COLONIALISMO, COLONIALIDADE, DESCOLONIZAÇÃO E
DECOLONIALIDADE............................................................................... 55
4 FORMAÇÃO DOCENTE, INTERCULTURALIDADE E
DESCOLONIZAÇÃO................................................................................. 70
4.1 A formação de Professores(as) e as Especificidades do Trabalho
Docente.......................................................................................................... 70
4.2 Interculturalidade e Descolonização.......................................................... 74
4.3 O caráter intercultural e descolonizador das Leis nº 10.639/03 e nº
11.645/08....................................................................................................... 81
5 METODOLOGIA........................................................................................ 88
6 A UNIVERSIDADE E AS CIÊNCIAS SOCIAIS .................................... 94
6.1 A Universidade no Brasil............................................................................ 94
6.2 O Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE em Fortaleza.. 97
6.3 A Curiosidade Epistemológica em processo.............................................. 100
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 112
REFERÊNCIAS........................................................................................... 115
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS..................................... 124
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1 INTRODUÇÃO
aproximação inicial com a história das Áfricas aconteceu a partir do próprio processo
formativo no Curso de Ciências Sociais da UECE. Iniciei o curso no período letivo 2012.2,
após 2 anos no Curso de Letras Português na mesma instituição, onde conheci o poeta Cruz
e Sousa, que muito me marcou, e tive a experiência de lecionar como professora estagiária
de Português no Cursinho Pré-Vestibular da UECE (UECEVest).
Esse primeiro contato aconteceu através de uma disciplina optativa de Estudo
sobre a Nação, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Mônica Dias Martins, que focava no caso da
construção do pensamento nacional de Angola, por meio da qual conheci os primeiros
autores africanos que pude ler, estes retratavam as dores geradas pelo colonialismo e os
dilemas dos movimentos de libertação nacional, entre eles Artur Carlos Maurício Pestana
dos Santos, conhecido por Pepetela.
Na ocasião, já estava interessada em construir uma pesquisa monográfica sobre
uma experiência em Educação Popular e, ao conversar com a Prof.ª Mônica sobre a
possibilidade de ser minha orientadora, fui convidada a fazer seleção para uma bolsa de
Iniciação Científica da UECE (IC/UECE) no projeto “A Defesa do Atlântico Sul no
Contexto da Cooperação Brasil-África”, em 2016. Meu ingresso no projeto como bolsista
possibilitou o aumento de meu interesse pelos estudos desenvolvidos no continente
Africano, em especial nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), quando
conheci os interesses de pesquisa de alguns estudantes estrangeiros da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e os debates construídos
por professores de diversas nacionalidades da África, pessoas que contribuíram muito com
a minha formação.
Fui tão afetada pelas leituras, pelos debates, pelas conversas, que minha pesquisa
monográfica foi nessa direção e teve como título “Ressignificação da luta de libertação em
Guiné-Bissau: o caso dos estudantes Bissau-guineenses da UNILAB” (FERNANDES,
2017). Nesse percurso percebi o quanto os conhecimentos dos povos tradicionais africanos,
dentro do processo de escolarização, foram decisivos na Luta de Libertação de Guiné-
Bissau. A partir dessa pesquisa inicial, comecei a me perguntar como se dá a formação
dos(as) professores(as) para o ensino das relações étnico-raciais no Brasil. Em especial nos
cursos de licenciatura da UECE, sendo esta uma instituição de ensino superior (ES) que tem
como uma de suas funções centrais a formação de professores(as), revelando como essa
universidade tem materializado o que propõem as Leis nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e nº
11.645/2008 (BRASIL, 2008).
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Mais que abordar como temáticas pontuais, essas leis propõem abordar a história
e a cultura dos povos afetados pelo colonialismo como produções de conhecimento, como
novas epistemologias ocultadas pelo pensamento eurocêntrico, possibilitando efetivamente
um diálogo entre as culturas que compõem a sociedade brasileira.
O contato com a história e a cultura dos povos tradicionais africanos, o estudo
sobre seus processos de luta anticolonialista e os impactos que a colonização e a
colonialidade têm sobre a construção da identidade e sobre a formação dos sujeitos me
permitiu refletir sobre as trajetórias vividas no Brasil, enquanto país que também partilha
um passado colonial.
As trajetórias de escolarização da população brasileira trazem marcas que nos
indicam a forte presença de um pensamento eurocêntrico e, dependendo da abordagem sobre
a diversidade cultural, podem se dar de maneira inclusiva ou excludente. A minha é uma
delas, sou uma mulher “negríndia”, trabalhadora-estudante, da periferia da cidade de
Fortaleza e, assim como muitos da realidade em que vivo, a primeira universitária da família.
Tenho passado por um processo de autoconhecimento quanto às minhas origens étnico-
raciais e este momento se deve muito ao acesso ao conhecimento.
Para pensar minha história é necessário resgatar minha ancestralidade, seus
modos de viver e pensar, ocultados pela colonialidade. Minha família paterna é de Araioses
- Maranhão, assim, tive pouco acesso à sua história. Quando conheci a ligação desse Estado
Federativo com Guiné-Bissau, olhei para trás e senti arrependimento de não ter ouvido mais
as histórias de minha avó, Maria Aparecida Gomes Fernandes, Vó Cidinha, filha de
indígenas. Senti arrependimento de ter jogado a única fotografia que tinha de meu avô,
Vicente Pinto Fernandes, homem negro, carpinteiro de barcos e pescador, quando soube de
um erro que ele cometeu em vida. Mas quais as ferramentas que eu, enquanto adolescente,
tinha para ter interesse pela história de minha família?
Candau (2012) observa que apesar da consciência sobre a diversidade existente
no sistema escolar, estudos mostram o quanto os estudantes ainda sofrem com a
desvalorização de suas identidades culturais. Minha trajetória escolar foi marcada por um
“multiculturalismo assimilacionista” (CANDAU, 2012), no qual o único contato com a
cultura dos povos originários acontecia no desfile de 7 de setembro e no Dia Nacional dos
Povos Indígenas, quando me tornaram uma alegoria do indígena por ter “marcas raciais” de
“negríndia”, vestida com roupas de jornais e chinelo no pé. Enquanto outras crianças
estavam na banda ou como destaque de beleza, eu era a alegoria da “democracia racial”,
19
ainda hoje, é possível identificar as consequências dessa segregação nas condições de vida
das populações negras e indígenas.
Foi na minha pesquisa monográfica, sobre a luta de libertação em Guiné-Bissau,
que notei o papel da educação nos processos revolucionários, a exemplo de Amílcar Cabral,
e outros(as) revolucionários(as) bissau-guineenses, que utilizavam não apenas a educação
formal e a escolarização, mas também os conhecimentos tradicionais subalternizados para
despertar o povo contra o projeto colonialista português. Paulo Freire (1978), após a
libertação de Guiné-Bissau, também contribuiu com a educação daquele país a partir das
experiências vividas pelo povo e caracterizou a educação desenvolvida nos tempos de guerra
no país como
relação e não apenas um contato com o mundo. Um(a) educador(a) que se permite sair do
seu conforto, de suas certezas e ser transformado(a), pois
Somente um ser que é capaz de sair do seu contexto, de “distanciar-se” dele para
ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e,
transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação; um ser que é e
está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo
isto, de comprometer-se (FREIRE, 1979, p. 17).
Araújo (2014). Observa-se, assim, que para pensar a construção da sociedade brasileira
(cultura, história e epistemologia) é necessário lançar o olhar para as diversas vozes que
contribuem para o processo de formação do(a) professor(a), podendo contribuir, também, no
reconhecimento de crianças, jovens e adultos estudantes sobre a presença de seu povo na
construção do conhecimento.
A fim de conhecer como a temática da formação intercultural de professores e
os conceitos que contribuem para sua construção têm sido discutidos na produção
acadêmica, foi realizada uma pesquisa bibliográfica denominada de Estado da Questão. A
base escolhida para o estudo foi o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na qual as buscas aconteceram a partir de dez
combinações com cinco descritores derivados da temática proposta:
a) Formação de professores;
b) Políticas educacionais;
c) Relações Étnico-raciais;
d) Educação Intercultural;
e) Decolonialidade.
Objetivos específicos:
2 ESTADO DA QUESTÃO
Interculturalidade
Decolonialidade
Formação de professores AND Políticas Educacionais
Relações Étnico-raciais
Interculturalidade
Políticas Educacionais AND Decolonialidade
Relações Étnico-raciais
Interculturalidade
Relações Étnico-raciais AND Decolonialidade
Na fase de pesquisa dos artigos no Portal de Periódicos Capes, por meio dos 10
descritores, foram encontradas um total de 67 produções. Importante apontar que não foi
encontrado nenhum resultado com os descritores combinados “Política* Educac*” AND
Decolonial* e, que mesmo utilizando o filtro de língua apenas para Português, os 2 artigos
encontrados na combinação “Política* Educac*” AND Intercultural* foram de produções
em Espanhol e retiradas na fase R.B.
Do primeiro filtro (R.B.), onde foram encontradas 67 produções por meio dos
descritores combinados, foram descartados apenas 4 artigos, restando 63 para a próxima
etapa, quando foi feita a L.R. Da apreciação de L.A. mantiveram-se 25 produções, o que
equivale a 37% do número inicial, tendo como critério a importância do debate de cada artigo
para entender a temática proposta para este trabalho. Por fim, 20 produções foram
selecionadas para análise. No Quadro 3 são apresentadas as informações de casa artigo:
autor(a), título, periódico e ano.
profissão. Para tanto, a autora tem como base os dados obtidos pelo relatório “Professores
são importantes: atraindo, desenvolvendo e retendo professores eficazes”, publicado pela
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento revela
que a maior taxa de evasão de professores do exercício de sua profissão se dá no início da
carreira. A partir desse dado, André (2012) defende a importância de programas e políticas
que deem suporte aos professores iniciantes, seja na sua formação, seja no acompanhamento
e apoio ao exercício da profissão. A autora atenta que o desenvolvimento dessas ações deva
ser de responsabilidade da gestão pública e não uma iniciativa individual e isolada dos
professores. Iniciativas de formação de professores em sua fase inicial na Europa e América
Latina são levantadas e, diante desse cenário, André (2012) questiona como se dá o apoio a
esses professores iniciantes no Brasil, observando que de 6.978 textos sobre formação de
professores das reuniões da ANPED e dos encontros do ENDIPE, produzidos entre 1995 e
2004, apenas 24 se dedicam à formação inicial. A autora utiliza como base de critérios a
pesquisa realizada por Davis, Nunes e Almeida (2011), publicada pela Fundação Carlos
Chagas (FCC), buscando alcançar estados e municípios onde a pesquisa não foi realizada e,
assim, ampliar a base de dados, mas também buscou contemplar a diversidade regional,
ações distintas entre si, para acessar municípios e estados que “tivessem proposta curricular
apoiada em sistema apostilado de ensino” (p. 8), alcançando o recorte de 15 estudos de caso
(5 Secretarias Estaduais de Educação e 10 municipais). Foram desenvolvidos e aplicados 2
instrumentais de roteiros de entrevistas, o primeiro com questões voltadas a obter dados
quantitativos sobre professores(as), escolas e planos de carreira, e o segundo voltado para
obter dados sobre as formas de apoio ao trabalho dos(as) professores(as) e a ações de
formação continuada. A pesquisa conseguiu detectar iniciativas de formação durante o
processo seletivo de professores (concurso público) ou logo após a aprovação, como as
realizadas pela SEDUC dos estados do Espírito Santo e do Ceará e pela SME de Jundiaí. A
autora observa que, apesar de ter um caráter positivo, essas experiências não podem ser
consideradas ideais, pois não compõem um programa de acompanhamento dos professores
iniciantes. André (2012) também apresenta o programa de formação docente desenvolvido
pela SME de Sobral, no Ceará, que constrói um programa voltado às necessidades dos(as)
professores(as). Essa ação, observa a autora, é a única política de formação continuada a ser
regulamentada por uma lei municipal. Também é apresentado o programa para professores
no início da atividade docente da SME de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. André
(2012) destaca o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID),
39
discriminações que se dão em sociedade. Alves, Stoll e Espíndola (2016) afirmam que os
processos educativos devem possibilitar, de maneira dialógica, que os educandos tenham
consciência sobre si, sobre o outro e sobre a sociedade em que se constituíram; que os
processos de aprendizagem se tornem mais significativos após ser reconhecida e valorizada
a diversidade cultural dos(as) educandos(as). Nesse sentido, só é possível desconstruir a
ideia de homogeneidade da cultura escolar quando a prática pedagógica é guiada também
pelo princípio da diferença. Através da organização e execução de uma formação com
professores da rede pública de ensino do município de Dom Pedrito, os autores analisaram
esse processo e as informações que se sobressaíram dele a partir da fundamentação
metodológica marxiana do Discurso do Sujeito Coletivo. Os dados sobre a naturalização do
racismo na escola demonstraram o quanto são importantes processos formativos que
contemplem a História da África e dos Povos Originários para construir metodologias que
encorajem o reconhecimento da diferença como positiva, não como uma estrutura de poder,
em um exercício constante de “unir forças para nadar contra séculos de preconceito” (p. 21).
Os autores se fundamentam na perspectiva de que os professores também são vítimas do
sistema capitalista, que impõe grandes jornadas de trabalho, deixando-os indisponíveis a
realizar uma reflexão crítica sobre seu exercício político-pedagógico. Em um diálogo entre
Marx (2007) e Purin (2011), demonstram o quanto a burguesia vê o professor como
reprodutor de conhecimentos para a manutenção da atual estrutura de poder, enquanto a
classe trabalhadora entende os(as) professores(as) como mediadores de conhecimentos que
possibilitam transformar as atuais condições socioeconômicas. Dessa maneira, a formação
desses(as) professores(as) não pode ser pautada simploriamente em competências, mas no
comprometimento social necessário ao exercício da docência. Por fim, os autores entendem,
a partir de Imbernón (2001), que quando processos constroem processos educativos de forma
coletiva também conseguem construir soluções para as contradições sociais, isto é, quando
refletem juntos sobre a própria prática, entendem que é necessário respeitar as diferenças,
mesmo tendo como horizonte o ideal democrático de que “todos são iguais”.
O artigo “Educação as relações étnico-raciais no Brasil: paradoxos e
obstáculos”, de autoria de Marcon e Dourado (2019), propõe entender o que impede o avanço
das discussões sobre relações étnico-raciais no Brasil, em especial no âmbito educacional.
Apresenta a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
e a Lei nº 10.639/03 como instrumentos que estabelecem a educação como direito social,
destacando a valorização das contribuições das diferentes culturas e etnias na formação do
46
paradigma de superioridade da raça branca, pautado em bases biológicas, e que nas Ciências
Sociais se estabelecem como construções históricas e sociais orientadas por experiências
culturais. Fazendo referência à historiadora Lília Moritz Schwarcz (1998), a autora apresenta
que o racismo no Brasil se construiu na esfera da intimidade, trazendo à tona o mito da
democracia racial e evidenciando a contradição existente no fato das práticas racistas, as
quais se dão no privado e são condenadas publicamente. A autora verifica que, mesmo sendo
construído o imaginário de que no estado do Rio Grande do Sul existe uma população
predominantemente branca, descendente de italianos e alemães, a cidade de Porto Alegre
durante o século XIX era habitada por negros que foram removidos pelo mercado imobiliário
e pelo poder público. A autora evidencia que o mesmo acontece com os povos originários
que lutam pelo reconhecimento da presença histórica de diversas etnias no território gaúcho.
No que diz respeito à implementação das leis, uma das dificuldades encontradas reside no
fato de que algumas comunidades escolares ainda não reconhecem a existência da
desigualdade racial e, nesse sentido, não veem importância desse debate no ambiente escolar.
Também revela que o “afeto à causa” é um fator que tem sido possível à efetivação das leis,
professores sensíveis ao debate e que têm sua trajetória pessoal ligada à temática possibilitam
construir novas experiências de educação para relações étnico-raciais. Mesmo quando os
professores são sensíveis ao tema, sentem dificuldade de relacionar os conceitos a ações
concretas de racismo no ambiente escolar. Quanto à introdução de conteúdos e debates sobre
História da África, dos afro-brasileiros e indígenas no ES, a autora destaca que ainda é
pequeno o número de disciplinas obrigatórias que contemplem as demandas trazidas pelas
leis, mas que ainda se dão através de iniciativas pessoais dos professores universitários. A
autora conclui expressando que quando se trata de relações étnico-raciais na escola, a forma
e o conteúdo não podem ser refletidos isoladamente, que o diálogo intercultural é uma
possibilidade de interlocução com os conhecimentos construídos por intelectuais negros e
indígenas e que os professores podem contribuir com o processo de reparação histórica ao
dar visibilidade e positividade à história e à cultura dos povos indígenas e negros em África
e na diáspora.
O artigo de Pinheiro (2019), denominado “Educação em Ciências na Escola
Democrática e as Relações Étnico-Raciais”, tem como objetivo indicar novos caminhos
pedagógicos nas ciências naturais tendo a Educação para as relações étnico-raciais como
condutora. Para tanto, a autora realiza uma revisão bibliográfica em produções científicas
dessa área do conhecimento as quais abordam as relações étnico-raciais no ensino de
51
referências para construir o estado atual do debate sobre a Educação para as Relações Étnico-
Raciais no Brasil, especialmente, no que tange à formação de professores, destacando a
importância de lembrar os que vieram antes.
Foi possível detectar, no que tange à formação docente, que esse processo se dá
de maneira mais qualificada quando os(as) professores(as) fazem parte do desenvolvimento
formativo, isto é, através de uma proposta de formação docente participativa. Observou-se
também que os programas de ampliação das licenciaturas têm beneficiado o ensino privado
em detrimento do ensino público em uma manobra de massificação e aligeiramento da
formação de professores.
Quanto à educação para as relações étnico-raciais, identificou-se,
recorrentemente, que a diferença não é um problema nas produções, mas sim quando uma
identidade ou uma cultura se sobrepõe à outra, estabelecendo uma hierarquia, assim como
evidenciou-se que é possível melhorar a aprendizagem dos estudantes quando se valorizam
e se reconhecem suas origens e a diversidade que os compõem. No que diz respeito à
introdução de conhecimentos “outros”, antes ocultados pela colonialidade, as produções
revelaram que a produção de conhecimento não se dá apenas no âmbito da educação formal,
mas em diálogo com as tensões sociais existentes.
Identificou-se como necessidades: 1) superar a sobreposição dos conhecimentos
específicos de cada área do conhecimento aos conhecimentos pedagógico-didáticos; 2)
fortalecer a relação entre nível superior e nível básico; 3) qualificar a relação entre
universidade e comunidade; 4) superar a fragmentação do trabalho docente; 5) aprimorar a
participação dos(as) professores(as) na construção e no desenvolvimento de processos
formativos.
A identificação dessas necessidades se apresentou como um importante
instrumento para se reconhecer no campo quais orientações são referências para a
coordenação do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE, as condições nas quais
é planejada e executada a formação de professores para as relações étnico-raciais, como
acontece o diálogo entre docentes e discentes do curso, as tensões sociais locais e globais e
os grupos que se apresentam a partir delas, o vínculo entre Universidade e Educação Básica
e a relação entre conteúdos específicos das Ciências Sociais e conhecimentos pedagógicos.
55
1
Sêmen, Composição de Braulio Tavares e Sérgio Roberto Veloso de Oliveira.
56
a cultura, por exemplo, para dominar a população desses territórios e subordinar suas
expressões de religiosidade, de modos de viver, de conhecimento.
Para entender as investidas contra o colonialismo, é necessário compreender
todas as suas facetas e instrumentos de dominação, seja na primeira fase do colonialismo
caracterizada pelo capitalismo mercantil nas Américas, a partir do século XVI, seja na sua
segunda fase caracterizada pelo capitalismo imperialista que atinge a África e a Ásia a partir
do século XIX. A história contada pelos “vencedores”, legitimada por séculos de dominação,
nós já a conhecemos. E no intuito de superá-la, para abrir um diálogo com as culturas e os
povos que tiveram seus modos de ser e pensar subalternizados, trago aqui a perspectiva do
colonizado, intelectuais que tanto vivenciaram a expressão do colonialismo e daqueles que,
mesmo após o fim dessa estrutura econômica e política, notam suas expressões na
modernidade, a chamada colonialidade. O objetivo é alargar as fronteiras do saber e incluir
a perspectiva de quem sofreu com o colonialismo e com seus desdobramentos no debate
sobre os impactos da versão colonialista do capitalismo nos territórios e povos não-europeus.
Nas primeiras décadas do Século XX, José Carlos Mariátegui, jornalista e
intelectual socialista peruano, inicia o debate sobre a condição indígena, reconhecendo-o não
apenas como povo originário, mas também como sujeito político contemporâneo. Mariátegui
(2007) apresenta que, antes da invasão europeia, o povo Inca tinha sua organização coletiva
no âmbito da economia, da religião, da produção e “[...] o trabalho coletivo, o esforço
comum, se empregavam proveitosamente com fins sociais”2 (p. 7), demonstrando, assim,
que já havia uma civilização antes da implementação do sistema colonial.
Mariátegui (2007) atenta para o desmantelamento da sociedade indígena com a
chegada dos espanhóis, não se tratando somente de colonizadores, mas de exploradores
recrutados para uma “missão militar e eclesiástica”3 (p. 8) que, além de destruir um sistema
de organização, roubar as riquezas do território, dividir arbitrariamente a terra, “[s]obre as
ruínas e resquícios de uma economia socialista, lançaram as bases de uma economia feudal” 4
(p. 8). Nota-se, assim, que o autor identifica as formas de organização dos povos indígenas
como anticapitalistas.
2
Tradução nossa para: “[e]l trabajo colectivo, el esfuerzo común, se empleaban fructuosamente en fines
sociales”.
3
Tradução nossa para: “empresa militar y eclesiástica”.
4
Tradução nossa para: “[s]obre las ruinas y los residuos de una economía socialista, echaron las bases de una
economía feudal”.
57
O autor também apresenta que a luta por independência na América do Sul não
foi motivada pelos interesses do povo, mas “inspirada e motivada, de modo bastante
evidente, pelos interesses da população mestiça e mesmo da espanhola, muito mais do que
pelos interesses da população indígena”5 (MARIÁTEGUI, 2007, p. 11). Nota-se que as
motivações para a independência são externas e relacionadas aos interesses de
desenvolvimento do sistema capitalista. Mariátegui (2007) aponta as contradições das
chamadas Civilizações Ocidentais que, ao mesmo tempo que se tornavam exemplo de luta
revolucionária, impediam que essas ideias fossem tomadas pelos povos colonizados, como
é o caso da França.
Mariátegui (2007) atenta para a rapidez do aculturamento nos territórios que hoje
chamamos de Brasil e Argentina. Segundo o autor, isto se deve ao crescente comércio de
produtos primários da América para a Europa e produtos industriais da Europa para a
América, o que ocasionou também o deslocamento de grande contingente de imigrantes
europeus que “aceleraram nesses países a transformação da economia e da cultura que
gradualmente adquiriram a função e a estrutura da economia e da cultura europeias”6 (p. 12),
e por conta disso, tornaram-se territórios onde a “democracia burguesa e liberal pôde criar
raízes seguras”7 (p. 12).
Ao tratar da Educação no período republicano no Peru, Mariátegui (2007)
observa que há uma evidente sobreposição de elementos europeus e pouco contextualizados.
Assim, para o autor, “A educação nacional, por conseguinte, não possui um espírito nacional:
tem, pelo contrário, um espírito colonial e colonizador”8 (p. 87), por não se referir aos
indígenas como cidadãos de direito como os demais peruanos(as), além da Universidade ser
restrita, naquele momento, apenas a uma classe privilegiada, sendo excluídos mestiços e
indígenas dessas instituições.
Evidencia-se, assim, que não só as demandas para o processo de transição entre
colônia e república procederam de uma burguesia colonial, como também os benefícios que
5
Tradução nossa para: “inspirada y movida, de modo demasiado evidente, por los intereses de la población
criolla y aun de la española, mucho más que por los intereses de la población indígena”.
6
Tradução nossa para: “aceleraron en estos países la transformación de la economía y la cultura que
adquirieron gradualmente la función y la estructura de la economía y la cultura europeas”.
7
Tradução nossa para: “democracia burguesa y liberal pudo ahí echar raíces seguras”.
8
Tradução nossa para: “La educación nacional, por consiguiente, no tiene un espíritu nacional: tiene más bien
un espíritu colonial y colonizador”.
58
dele resultaram eram usufruídos apenas por essa classe. Mariátegui (2007) reitera que, nesse
momento de transição, a mentalidade colonial foi apenas substituída, após a diminuição da
efervescência liberal que motivou a independência, por privilégios concedidos aos
latifundiários e à burguesia urbana, mantendo-se as mesmas estruturas de poder baseadas na
exploração de camponeses e indígenas.
No que diz respeito a um pensamento hispano-americano, Mariátegui (1925), na
ocasião do Congresso Ibero-americano de Intelectuais (1923-1925), apresenta uma
retificação sobre o discurso de Alfredo Lorenzo Ramón Palacios em 1924 que “[...] parece
anunciar uma radical independência de nossa América em relação à cultura europeia”9 (p.
1). A crítica de Mariátegui (1925) refere-se a expressões exageradas, como “Nossa América
até hoje tem vivido de Europa, tendo-a como um guia. Sua cultura a tem nutrido e orientado
[…] Reconheçamos que não nos servem os caminhos da Europa nem suas velhas culturas” 10.
Palacios (1924), podendo levar o leitor/interlocutor desse discurso a acreditar que, daquele
momento em diante, não existe mais nenhuma influência europeia.
Para Mariátegui (1925) é importante que a hispano-américa perceba que tem
autoridade para construir novas formas de ser e pensar o mundo, mas isso não significa que
a hegemonia intelectual dos povos europeus tenha findado, longe disso, “O pensamento
europeu submerge nos mais longínquos mistérios, nas mais velhas civilizações. Por isso
mesmo demonstra sua possibilidade de convalescer e de renascer”11 (p. 2). Apresenta-se,
dessa maneira, que mesmo a Europa encontrando-se em uma crise naquele momento pós 1ª
Guerra, isso não representa o seu fim, mas a decadência de um modelo civilizatório
capitalista, podendo a Europa ainda se transformar.
Assim, o pensamento hispano-americano apresenta-se, segundo Mariátegui
(1925), em processo, em construção. Para colaborar com essa formação é necessário que as
produções intelectuais tenham características próprias, de acordo a realidade latino-
americana, que seus pensadores construam sua formação em instituições universitárias
latino-americanas e que o pensamento hispano-americano não seja tido como mero folclore
à serviço do imaginário europeu, mas como conhecimento.
9
Tradução nossa para: “parece anunciar una radical independización de nuestra América de la cultura
europea” (p. 1)”.
10
Tradução nossa para: “Nuestra América hasta hoy ha vivido de Europa, teniéndola por guía. Su cultura la
ha nutrido y orientado [...] Reconozcamos que no nos sirven los caminos de Europa ni las viejas culturas”.
11
Tradução nossa para: “El pensamiento europeo se sumerge en los más lejanos misterios, en las más viejas
civilizaciones. Pero esto mismo demuestra su posibilidad de convalecer y renacer”.
59
algoz Hitler, se os instrumentos do Nazismo já haviam sido utilizados desde o século XVI
para explorar, dominar e matar os povos não-europeus. Porque o massacre de homens e
mulheres negros e indígenas é tido como natural e legítimo pela burguesia e só se torna uma
barbárie quando atinge a “civilização” europeia?
Césaire (1978) desmascara a hipocrisia burguesa europeia que construiu toda sua
riqueza e supremacia de seu continente de origem através de meios utilizados pelo Nazismo
de Hitler, pois
[...] o que não perdoa a Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é
a humilhação do homem em si, é o crime contra o homem branco e o ter aplicado
à Europa processos colonialistas a que até aqui só os árabes da Argélia, os
<<coolies>> da Índia e os negros de África estavam subordinados (p. 18 grifo do
autor).
Césaire (1978), diante desse cenário, apresenta que o colonialismo não tem nada de
civilização, mas sim de coisificação. Que a colonização não se trata de “contacto humano,
mas relações de dominação e de submissão que transformam em criado, ajudante, comitre,
chicote e o homem indígena em instrumento de produção” (p. 25).
A colonização, dessa maneira, não se tratou de um encontro cultural, mas de uma
guerra econômica que destruiu “culturas de subsistência”, que introduziu a “subalimentação”
ao submeter os povos não-europeus a atividades agrícolas que só beneficiavam a metrópole
(CESAIRE, 1978). A colonização, na verdade, não construiu uma civilização, na verdade
destruiu civilizações, já estabelecidas, pela força das armas, porque “[e]ram sociedades não
só pré-capitalistas, como se disse, mas também anticapitalistas” (p. 27), e estas são perigosas
para o estabelecimento do capitalismo, que para gerar riqueza para alguns poucos, precisa
destruir, expropriar terras, matar, roubar matéria-prima. É nessa base que se fundamenta a
riqueza do continente europeu, a riqueza da burguesia europeia não surge da suposta
acumulação, mas do roubo e do assassinato.
Fanon, médico psiquiatra também da Martinica, influenciado pelos escritos de
Césaire, observa que o colonialismo não é uma guerra entre culturas, mas uma guerra
econômica, que visa o lucro e para melhor explorar, argumenta pela hierarquização dos
sujeitos colonizados a fim de legitimar a sua escravização,
Porém, ele pontua que o racismo não é o sistema capitalista, mas um instrumento
mais concreto, utilizado nos territórios não-europeus para manter esse sistema em pé, em
contínuo crescimento. Dessa maneira, “O racismo não é um todo, mas o elemento mais
visível, mais quotidiano, para dizermos tudo, em certos momentos, mais grosseiro de uma
estrutura dada” (FANON, 1969, p. 35).
62
Faustino (2018) apresenta 3 níveis de análise que Fanon faz sobre o colonialismo
e, para tanto, é necessário levar em consideração as dimensões sócio-históricas e econômicas
concretas, isto é, que o colonialismo se dá através da modernidade capitalista e na
transformação do ser humano em objeto de acumulação. Segundo o autor, Fanon apresenta
como primeiro nível de análise o racismo e a racialização como instrumento no processo de
dominação da Europa nos territórios não-europeus. O segundo nível é a destruição do
sistema de referências, assim as mudanças concretas (exploração da terra, escravização, uso
da violência) desdobram-se em alterações ou no desaparecimento de sistemas culturais já
existentes que, segundo Fanon, passam a ser ridicularizados. A “agonia continuada”
(FANON, 1969, p. 38) se dá quando essas culturas passam a adequar-se aos padrões
estabelecidos pelo regime colonial e quem leva no corpo as marcas dessas culturas são tidos
como selvagens.
O pseudo-respeito que o sistema colonialista deu às culturas pode ser expresso
nos aldeamentos construídos pela Companhia de Jesus no Brasil, tratando-se de uma
tentativa de “objectificar, de encaixar, de aprisionar, enquistar” (FANON, 1980, p. 39). O
discurso que se tem sobre as Missões Jesuíticas é que a Igreja Católica salvou os indígenas
do Bandeirantes quando, na verdade, dentro desses agrupamentos era necessário que os
indígenas se adequassem ao modo de ser e estar no mundo do europeu e seguir os
fundamentos cristãos. Talvez, esta seja a real sensação de estar literalmente “entre a cruz e
a espada”, expressão muito utilizada para demonstrar a escolha entre duas opções ruins.
O terceiro nível de análise sobre o colonialismo feito por Fanon, segundo
Faustino (2018), é a “interiorização subjetiva, por parte do colonizado, dos complexos
oriundos da situação colonial” (FAUSTINO, 2018, p. 153), na qual o encontro entre a
63
O grande drama histórico da África não foi tanto o seu contacto demasiado tardio
com o resto do Mundo, como a maneira como esse contacto se operou; que foi no
momento em que a Europa caiu nas mãos dos financeiros e capitães da indústria,
os mais desprovidos de escrúpulos, que a Europa se <<propagou>>; que o nosso
azar quis que fosse essa a Europa que encontrámos no nosso caminho e que a
Europa tem contas a prestar perante a comunidade humana pela maior pilha de
cadáveres da história (CÉSAIRE, 1978, p. 27-28 grifo do autor).
Esse debate pós-colonial tornou-se popular nos Estados Unidos, onde também
intelectuais latino-americanos lecionavam e acabaram por fundar o Grupo Latino-
Americano de Estudos Subalternos nos anos 1990. Rosevics (2017) observa que Ramón
Grosfoguel apresenta as motivações que desagregaram esse grupo de estudo: primeiro a
reprodução, por alguns intelectuais, de epistemologias estadunidenses, sem levar em
consideração o papel dos EUA no estabelecimento de ditaduras civil-militares na América
Latina; segundo, o uso de autores europeus para pensar problemáticas latino-americanas,
sem incluir conhecimentos produzidos por negros, indígenas, mulheres e homens latino-
americanos, pois um dos principais objetivos desse grupo de estudo era romper com a
tradição de pensamento eurocêntrica.
É nesse momento que o sociólogo peruano Aníbal Quijano apresenta como o
capitalismo colonial/moderno estruturou o mundo e estabeleceu, por exemplo, a divisão
racial do trabalho através do conceito de raça, no qual os indígenas foram destinados à
servidão, os negros ao trabalho escravo, colonos espanhóis e portugueses a trabalhos
assalariados, ao comércio independente, artesanato e agricultura, e os nobres europeus à
administração colonial (QUIJANO, 2005), o que é muito próximo ao conceito de
“epidermização” pensado por Fanon, que também traz como seu elemento a interiorização
subjetiva nos colonizados e colonizadores, o que Quijano (2005, p. 119) irá chamar de “uma
nova tecnologia de dominação/exploração”, isto é, a associação entre raça e trabalho gerou
no pensamento colonial uma naturalização das posições, desenvolvendo, no imaginário
eurocêntrico, a ideia que o trabalho pago era um privilégio dos brancos.
Assim, a colonialidade se dá primeiro pelo controle do capitalismo mundial a
todas as formas de trabalho e, em seguida, pelo “controle da subjetividade, da cultura, e em
especial do conhecimento, da produção do conhecimento” (QUIJANO, 2005, p. 121). Dessa
maneira, a colonialidade exerce vários instrumentos para construir um “novo universo de
65
[...] reflete sobre nosso senso comum e sobre pressuposições científicas referentes
a tempo, espaço, conhecimento e subjetividade, entre outras áreas-chave da
experiência humana, permitindo-nos identificar e explicar os modos pelos quais
sujeitos colonizados experienciam a colonização, ao mesmo em que fornecem
ferramentas conceituais para avançar a descolonização (MALDONADO-
TORRES, 2020, p. 29).
sociedade, não conseguindo compreender que cada sociedade tem suas particularidades e
seu percurso de desenvolvimento.
Guerreiro Ramos também apresenta a análise feita por Sílvio Romero acerca das
diferenças entre os partidos políticos e sua respectiva interpretação teórica sobre o Brasil.
Entre os quatro partidos citados, Ramos (1954) observa que Sílvio Romero também
questiona a quem serve e qual a base das reivindicações do Partido Socialista naquele
advento da Primeira República, tendo em vista que a massa de cidadãos(ãs) livres havia
saído recentemente do regime agrícola escravocrata, sendo assim “[...] os pobres da inércia,
não são os proletários no sentido socialista, porque não são operários rurais nem fabris”
(ROMERO apud RAMOS, 1954, p. 285). Assim, se não havia sequer uma estrutura política
e econômica que gerasse emprego fora do sistema escravista, muito menos haveria pautas
de uma classe trabalhadora. Logo se observa que até mesmo o partido socialista estaria
reproduzindo uma teoria construída em seu tempo e espaço específicos, sem fazer os devidos
ajustes ao contexto brasileiro de abolição tardia. Tratava-se de movimentos políticos que
“têm refletido os percalços e vicissitudes de uma classe média em busca do enquadramento
social” (RAMOS, 1954, p. 285) e não das necessidades do povo.
Outro desafio se apresentava a essa nova classe formada por pessoas antes
exploradas pelo regime escravista, o boicote de comerciantes estrangeiros. Ramos (1954)
apresenta que importantes setores comerciais estavam nas mãos de estrangeiros e, em
diversas cidades do país, em especial, os portugueses, estavam impedindo brasileiros(as) de
exercer atividades no comércio e empregando apenas seus compatriotas. Na então capital,
Rio de Janeiro, havia “contratos de casas comerciais em que seus sócios se obrigavam a não
empregar jamais brasileiros” (RAMOS, 1954, p. 287).
Vários eram os questionamentos, na Primeira República, à dominação
portuguesa no comércio interno e externo brasileiro. Entre elas, a sociedade Propaganda
Nativista, fundada em 1919 no Rio de Janeiro, que logo depois se transformaria em Ação
Social Nacionalista, onde se destaca a figura de Álvaro Bomilcar, nascido na região do
Crato-CE. De acordo com Ramos (1954), entre os propósitos desse grupo, além de
autonomia política, econômica e intelectual do país e a igualdade entre as raças, estava a
“[...] aproximação do Brasil com as repúblicas americanas, em especial subcontinentais, por
uma ação política de concórdia, de respeito e de reciprocidade de interesses" (p. 289).
Apresentava-se, assim, no início do século XX, uma ação política no Brasil que
se pode considerar de interesse descolonialista. Ramos (1954) conclui que a reflexão e a
68
proposta feitas por esses grupos, mais que uma iniciativa de cunho acadêmico ou um simples
esforço intelectual, tratava-se de programas que partiam de uma intuição, de uma
consciência sobre a realidade brasileira.
Na Bolívia, Silvia Rivera Cusicanqui, socióloga aymara, apresenta Ch’ixinakax
utxiwa. Uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores12, um texto crítico que
denuncia a reprodução das ideias elaboradas por latino-americanos indígenas,
afrodescendentes e mestiços, — a partir de suas próprias experiências, — por uma elite
intelectual que desenvolve estudos coloniais ou pós-coloniais com a lógica científica
ocidental das universidades estadunidenses.
Cusicanqui (2010) apresenta as características da modernidade indígena, tendo
como base a experiência Aymara na Bolívia, que teve como expressão o levante Tupaq
Amaru, desencadeado pela forte imposição da coroa espanhola sobre a organização
econômica nesse país no fim do século XVIII. Esse movimento buscava a retomada da
própria história e a descolonização de imaginários e formas de representação através da
autodeterminação política e religiosa. Dessa maneira, entende-se que a modernidade das
populações subalternizadas é caracterizada pela sua organização política, econômica e
social, que se dá simultaneamente à modernidade europeia.
A autora apresenta que o projeto de modernidade indígena se baseia na sua
própria forma de entender a concepção do tempo, que não se dá de maneira linear (passado-
presente-futuro). Assim, esse projeto orienta-se por um movimento contínuo, no qual
passado e futuro compõem o presente, no qual apresenta como necessário recordar o passado
para construir o futuro, ao mesmo tempo que a descolonização se realiza no presente.
Cusicanqui (2010) aponta um princípio importante para a descolonização: o
mundo, ao contrário do colonialismo só será possível, ao se constituir como história,
derrotando aqueles que insistem em manter os seus ilegítimos privilégios do passado, pois
se entende que é no presente onde se dão as disputas pela manutenção ou superação desses
privilégios. A autora, então, faz o seguinte questionamento: “Como temos pensado e
problematizado, a partir do aqui e agora, o presente colonizado e sua superação?” (p. 55).
Para tanto, Cusicanqui (2010) sugere que os princípios que regem uma
descolonização possível, além de teorias e conceitos, sejam práticas descolonizadoras e
pautadas na experiência e reivindicações das populações indígenas, afrodescendentes e
12
Tradução nossa para: “Una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores”.
69
e tinha como personagem principal uma jovem, Maria do Carmo, que se torna professora
formada em uma escola Normal.
Em 1939, o curso de Pedagogia é regulamentado na Faculdade Nacional de
Filosofia e composto por 3 anos de disciplinas voltadas à conhecimentos sobre áreas
específicas do currículo da educação primária, e 1 ano de disciplinas voltadas para
conhecimentos didático-pedagógicos, método conhecido como 3+1, e era destinado à
capacitação de profissionais para atuar nas Escolas Normais.
Apesar da intenção das Escolas Normais ser desenvolver capacidades didático-
pedagógicas nos(as) professores(as) aprendizes, na prática “[...] os professores deveriam ter
o domínio daqueles conteúdos que lhes caberia transmitir às crianças, desconsiderando-se o
preparo didático-pedagógico” (SAVIANI, 2009, p. 144).
Predominava um interesse muito maior pela transmissão do conhecimento que
pela estratégia pedagógica, de como estes deveriam ser trabalhados na formação de
professores(as) nas Escolas Normais e no Ensino Primário. Assim, esse modelo de formação
de professores(as) permanece consolidado até 1971, quando a Escola Normal é substituída
pela Habilitação Específica de Magistério, isto é, quem concluísse, o que naquele momento
começou a ser denominado 2º Grau (em 3 ou 4 anos), teria habilitação para lecionar,
respectivamente, até à 4ª série ou até a 6ª série do 1º Grau.
A Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, define, em seu Art. 62, as “[...] universidades e institutos superiores de
educação” (BRASIL, 1996) como instituições responsáveis pela formação docente no ES.
Esses Institutos apresentam-se, segundo Saviani (2009), como uma alternativa para obter
uma habilitação à docência de forma mais aligeirada. Isto contribuiu para o despreparo
dos(as) profissionais e para a desvalorização da categoria.
Atualmente, a literatura sobre a formação de professores(as) reconhece que um
dos principais desafios na capacitação de profissionais da educação tem sido o caráter
bacharelesco dos cursos de licenciatura, que por muitas vezes desconsideram a importância
dos elementos didático-pedagógicos para a sua profissionalização (GATTI, 2013; 2014). A
autora atenta para o propósito desses cursos, que apesar dos conhecimentos específicos de
cada área, são voltados para “formar profissionais para o trabalho docente na educação
básica, ou seja, formar professores, o que é muito diferente de formar especialistas
disciplinares” (p. 36).
72
transformação do mundo” (FREIRE, 2015, p. 167). Portanto, o autor nos apresenta que os
seres humanos, diferente de outros animais, conseguem analisar o mundo reconhecendo sua
historicidade e, por isso, reconhecem que podem transformá-lo. A Reflexão não se limita a
um mero devaneio do pensamento, mas motiva uma ação transformadora que, mais à frente,
será novamente refletida em um ciclo dialógico entre teoria e prática.
Dessa maneira, alguns dos quefazeres apresentados por Freire (2019) me
chamaram atenção e acredito que possam contribuir para pensar a formação de
professores(as) para o Ensino Básico, em especial para ensino-aprendizagem de Sociologia.
Um deles é a relação entre os conteúdos específicos e os aspectos didático-pedagógicos,
ambos necessários à atividade docente. Segundo Freire (2019, p. 101), o ensino dos
conteúdos é importante, mas tão necessário também
13
Tradução nossa para: “[e]n la actualidad son numerosas las perspectivas teóricas y epistemológicas que
parten de un diagnóstico crítico acerca de esta pesada herencia de las ciencias sociales latino-americanas
e platean como tema central la revaloración de un pensamiento crítico, la exigencia de la descolonización
del saber, sin acantonarse por ello en la pura defensa de lo vernáculo ni renunciar tampoco a los aportes
del pensamiento crítico del Norte Global, ni a los incipientes diálogos Sur-Sur”.
76
14
Tradução nossa para: “el reciclaje de las élites y la continuidad de su monopolio en el ejercicio del poder”.
77
15
Tradução nossa para: “se hacen hegemónicas y se convierten en el adorno multicultural del neoliberalismo”.
78
16
Tradução nossa para: “[…] ha sido el mecanismo encubridor por excelencia de las nuevas formas de
colonización”.
81
uma matéria-prima extraída das populações subalternizadas que volta para estas como um
produto finalizado, organizado, científico e assume esse status apenas por terem passado
pelo crivo norte-americano e europeu.
Essas orientações também nos fazem compreender que é possível utilizar como
referência nos debates sobre colonialismo e descolonialismo, autores latino-americanos,
africanos, asiáticos, negros e indígenas que refletem sobre sua própria experiência, sobre as
demandas atuais dos movimentos sociais e fortalecem suas próprias instituições.
Também nos convidam a debater a história desses povos dentro de todo o
percurso histórico da humanidade, para além das datas do dia 19 de abril ou 20 de novembro,
e sua presença e participação na construção da sociedade brasileira durante todo o seu
percurso.
negra em São Paulo, entre elas a alfabetização. Assim como a atuação do Teatro
Experimental do Negro, entre os anos 1930 e 1960, que agregava trabalhadores(as)
negros(as) de diversas áreas e, além de combater a discriminação racial e conceber uma
imagem positiva sobre a raça negra, também alfabetizava seus integrantes e reivindicava a
inserção de negros(as) no ensino público secundário e universitário.
A autora também se refere ao Movimento Negro Unificado (MNU), criado em
1978, como principal responsável por formar “[...] uma geração de intelectuais negros que
se tornaram referência acadêmica na pesquisa sobre relações étnico-raciais no Brasil”
(GOMES, 2017, p. 32) e são essas pessoas que participam ativamente dos debates públicos
sobre as políticas públicas, inclusive questionando o caráter universal da educação que não
agregava a história e a cultura da população negra nos seus instrumentos didático-
pedagógicos, impulsionando assim demandas por políticas afirmativas.
Fanelli (2021) apresenta que, nesse período dos anos 1970, também acontecem
as primeiras movimentações da Antropologia para ressignificar e desconstruir, junto aos
indígenas, a “imagem negativa, vitimizadora e reducionista da diversidade e da agência de
tantos povos indígenas no Brasil” (p. 65) da historiografia nacional.
Naquele momento também surge o Movimento Indígena Brasileiro
contemporâneo, motivado pelas lutas indígenas na América Latina. Esse caráter
contemporâneo se dá porque se reconhece que as resistências indígenas acontecem desde
seu contato com o colonizador branco europeu e estas contribuíram “[...] na formação
territorial do que é hoje o Brasil, demonstrando escolhas e formas de se relacionar entre si
ou com os europeus, contrapondo-se, negociando e sendo, portanto, partícipes fundamentais
no estabelecimento de nossa sociedade (FANELLI, 2021, p. 64).
As produções científicas realizadas no âmbito da Antropologia, a partir desse
momento, começaram a ter como referência as reivindicações sociais e políticas do
Movimento Indígena, em especial, aquelas relacionadas à demarcação de terras, pautadas
em estudos históricos que demonstravam a presença indígena nos territórios reivindicados
(FANELLI, 2021).
Munduruku (2012) também associa a organização dos povos indígenas, em um
movimento unificado nacional, à atuação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na mobilização das lideranças
indígenas em assembleias, que tinha como propósito principal a tomada de consciência,
83
5 METODOLOGIA
Nesta seção, apresento o caminho feito para chegar até o cenário desta pesquisa
e as escolhas que deram forma ao estudo e às bases teóricas que dialogam com o objeto
estudado, o curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE. É importante situar esta
pesquisa dentro da Ciência da Educação, a Pedagogia, no qual os conceitos sociológicos
foram escolhidos em razão da natureza do objeto de estudo, que se trata de um curso de
licenciatura, e das possibilidades de uma formação de professores(as) intercultural e
descolonizadora.
A centralidade da pesquisa é o problema educativo, é a formação de
professores(as). Assim, Saviani (2012, p. 121) apresenta o circuito em uma investigação no
âmbito da Pedagogia, “[...] a educação, enquanto ponto de partida e ponto de chegada, torna-
se o centro das preocupações”.
Dessa maneira, não penso a metodologia como mera descrição minuciosa de
técnicas utilizadas para coleta de dados, mas as referências teóricas, seja no campo das
Ciências Sociais, seja no âmbito da Ciência da Educação, os quais me levam a observar o
caso com suas especificidades. Além de evidenciar ao(à) leitor(a) a temporalidade onde foi
desenvolvida esta pesquisa e as circunstâncias que possibilitaram sua realização. Assim,
entendemos a metodologia como um processo reflexivo que
17
Música: Deus me proteja. Composição: Chico César e Dominguinhos.
89
18
Tradução nossa para: “[n]o puede haber un discurso de la descolonización, una teoría de la descolonización,
sin una práctica descolonizadora”.
91
19
Optou-se por substituir o nome das entrevistadas por códigos porque, apesar de ser uma reflexão sobre suas
práticas, trata-se também de suas opiniões sobre a estrutura de seu trabalho e de suas relações.
93
uma criação específica da civilização ocidental, que teve, nas suas origens, um
importante papel unificador da cultura medieval e que, posteriormente, ao longo
do século XIX, redefinida em suas atribuições e em seu escopo, exerceu também,
um papel significativo no processo de consolidação dos Estados nacionais
(MENDONÇA, 2000, p. 131-132, grifo da autora).
também nas colônias no continente africano durante o neocolonialismo no século XX, após
a Conferência de Berlim. Apenas uma parcela da população, uma elite econômica, conseguia
ter acesso à universidade na Metrópole, em especial, na Universidade de Coimbra.
É possível fazer um paralelo com a colonização espanhola no território
americano, que não se torna menos violenta, mas quando se trata de implantação de
instituições de ES, em 1538 surge a Universidade de São Domingos, na República
Dominicana e, logo após, em 1551 era fundada a Universidade de São Marcos, no Peru, esta
última nos mesmos moldes da Universidade de Salamanca, como apresenta Holanda (2014).
O mesmo autor também apresenta que essa distinção entre colonização portuguesa e
espanhola se dá porque enquanto o primeiro está preocupado apenas com a exploração
comercial, a Espanha pretendia estender as instituições de seu país aos territórios
colonizados. O que também não deixa de ser uma estratégia colonialista de dominação de
um modo de produção de conhecimento sobre outros, pois, como argumenta Fanelli (2021),
cada sociedade tem seus modos próprios de aprendizagem e perpetuação de seus
conhecimentos, não necessariamente precisa acontecer através de um sistema institucional.
A chegada da coroa portuguesa ao Brasil trouxe consigo novas possibilidades de
criação de instituições de ES. Entretanto, estas se tratavam, apenas, de cursos
profissionalizantes e escolas superiores de Medicina, Engenharia e Direito, em especial para
formar profissionais para o funcionamento do Estado. Essa relação entre a chegada da
Monarquia e a criação de instituições de ensino leva Fávero (2006, p. 20) a entender que
“[...] Portugal exerceu, até o final do Primeiro Reinado, grande influência na formação de
nossas elites”, refletindo na forma como essas elites se relacionam com as minorias sociais
no próprio Brasil.
É possível, assim, entender que essa influência de Portugal sobre as elites
brasileiras estendeu-se à reprodução de instrumentos colonialistas por essas elites, mesmo
com o advento da República. Como observa Casanova (2007, p. 438), o colonialismo interno
apresenta-se nos países que passaram pelo processo da colonização quando “suas classes
dominantes refazem e conservam as relações coloniais com as minorias e as etnias
colonizadas que se encontram no interior de suas fronteiras políticas”.
Dessa maneira, mesmo após o fim da dominação política de Portugal no Brasil,
não há mudança na estrutura de dominação, apenas uma substituição de pessoas no cargo de
poder, onde a população negra e indígena continuou a ser inferiorizada. Como é possível
97
observar em Gomes (2017), reconhecer-se como pessoa negra também é um ato político que
gera incômodo às elites.
Mortari e Wittmann (2019) esclarecem que a exigência por respeito e
reconhecimento, e não apenas por inclusão, resulta do debate sobre o eurocentrismo ainda
estar fortemente presente no currículo dos cursos de ES, assim como “o ensino da história
brasileira tem sido historicamente eurocêntrico, ignorando processos, personagens e
histórias indígenas e afro-brasileiras” (MEC/CNE/CEB, 2015, p. 8). É nesse sentido que se
apresenta uma resistência institucional e, por isso mesmo, elitista, em inserir a história e a
cultura dos povos subalternizados como conhecimentos que também contribuíram para a
formação da sociedade brasileira.
observa que essa inclusão aconteceu nas redes de ensino público e privado de 17 estados
federativos antes do estabelecimento de uma lei federal, o que é fruto de “uma persistente
mobilização de amplos setores ligados à educação, que defendem a Sociologia e a Filosofia
no contexto dos esforços de qualificação do Ensino Médio no Brasil” (MEC/CNE/CEB,
2006, p. 3). Apresenta-se, assim, a criação da Licenciatura em Ciências Sociais da UECE,
em Fortaleza, dentro de seu tempo histórico e das demandas coletivas da categoria.
Respondendo a esse cenário e fundamentando-se no parecer técnico do CNE,
citado anteriormente, construído em colaboração com profissionais da área, a Lei nº 11.684,
de 02 de junho de 2008, efetiva o ensino obrigatório da Sociologia e da Filosofia no EM.
Esse parecer constrói seu argumento favorável à inclusão, estando fundamentado nas
contradições entre a Lei nº 9.394/1996, a LDB, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio, Resolução CNE/CEB nº 3/98 e Parecer CNE/CEB nº 15/98, nas quais
consta que os(as) estudantes devem demonstrar domínio sobre essas áreas do conhecimento,
mediado pelos conteúdos, metodologias e avaliação, assim como as propostas pedagógicas
devem dispor dessas áreas para assegurar a interdisciplinaridade, considerando assim
Sociologia e Filosofia como necessárias à formação escolar.
Entretanto, o Parecer nº 22/2003 (CNE/CEB, 2003), ao analisar as indicações
desses últimos documentos sobre o ensino dessas matérias, entendeu que não existiria
obrigatoriedade em tornar essas áreas em disciplinas que compõem a Matriz Curricular.
Assim, compreende-se que essa análise se atenta muito mais aos termos que, de fato, aos
conhecimentos necessários para uma formação de qualidade no EM.
Dessa forma, a Lei nº 11.684/08 altera a LDB e institui a Sociologia como
disciplina obrigatória no âmbito do EM, entretanto com a Lei do Novo Ensino Médio nº
13.415/2017 (BRASIL, 2017), a Sociologia é incluída como componente curricular das
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, de acordo com a BNCC, não sendo mais uma
disciplina, mas estudo e prática obrigatórios.
Um estudo realizado pela Prof.ª Dr.ª Adelita Neto Carleial, sobre o estado da arte
das monografias do curso de Ciências Sociais da UECE durante os anos de 1989 e 2009,
apresentou que, mesmo se tratando da análise da produção científica dos(as) estudantes do
Bacharelado, das 235 monografias analisadas na área de conhecimento da Sociologia, 21
tratavam de temáticas voltadas para diversas áreas da Educação: 1) educação; 2)
escola pública; 3) discentes; 4) universidade; 5) projetos pedagógicos; 6) docentes; 7) Curso
de Ciências Sociais (CARLEIAL, 2011). Evidenciando que, mesmo não sendo um número
99
20
Retirado do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais/CH/UECE - Volume I – 2019,
disponível na coordenação do referido curso.
100
[...] tem um conhecimento que nasce na prática, e esse a gente tenta ao máximo,
eu acho a licenciatura da UECE muito boa nesse sentido, eu acho que o PIBID é
fundamental para isso, o PIBID não pode acabar nunca, a experiência com o PIBID
é importantíssima, ela não substitui o estágio, porque o estágio como o tempo de
acontecer é diferente do PIBID (PROFESSORA C).
escolar. Dessa maneira, é uma experiência que materializa, que dá vida aos estudos didático-
pedagógicos das disciplinas.
Almeida e Gonçalves (2011, p. 5-6), ao analisar a experiência do PIBID nas
Ciências Sociais da UECE para a formação de professores(as) de sociologia, apresenta que
[...] na Universidade nos 4 anos que eu passei lá, praticamente não houve
absolutamente nada formal, nada formal nesse, nesse, nesse aspecto, na graduação
né, no Mestrado a professora Silvia Porto Alegre, ela é uma antropóloga, foi minha
professora no Mestrado, e ela dava, uma aula que trazia muitos dos conhecimentos
indígenas (PROFESSORA A).
E o contato que eu vim ter mesmo com autores africanos, afro-diaspóricos, não os
autores né, mas os conhecimentos mesmo através desses autores, foi já no
finalzinho do doutorado, com Eliane Veras, professora de sociologia e Remo
Mutzenberg, que foi o meu orientador do doutorado, porque eram os dois
professores que tinham muito interesse na literatura africana (PROFESSORA B).
[...] essa questão com os indígenas e os quilombolas, africanos, foi mesmo com
pesquisa, primeiro com pesquisa. Eles estavam, faziam parte dos fóruns, faziam
parte de alguns momentos de discussão política, enfim, de algumas manifestações
102
que a gente mobilizava pelo litoral, foram muitos encontros, mas aprofundando
mesmo foi já quando eu estava interessada pela pesquisa, na pesquisa, aí foi no
doutorado (PROFESSORA C).
Também eu acho que a amizade com alguns colegas, como o professor Hilário, eu
acho que é uma pessoa importante na minha trajetória, que hoje é um dos grandes
defensores do povo negro no Ceará, no Brasil. A aproximação com ele também na
época da graduação, a gente tinha poucos colegas negros e negras né. E assim, a
aproximação com ele sempre fez perceber o quanto era importante conhecer o
povo negro, as suas raízes, a cultura, os comportamentos (PROFESSORA C).
[...] havia um interesse da gente fazer pesquisa, sobre uma lacuna muito grande,
era conhecimento das nações na América Latina e na África, se falavam muito das
Nações Europeias, né, da Formação das Nações Europeias, etc. e tal, mas havia
uma grande lacuna sobre a formação da América Latina [...] (PROFESSORA A)
21
Retirado da ementa da disciplina optativa “Tópicos Especiais I: Sociologia das Sociedades Africanas”,
ofertada no semestre 2018.1 pelo Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE e disponível na
coordenação do referido curso.
105
importante destacar que, quando optativas, geralmente não carregam em seu título pistas
sobre os conteúdos trabalhados, o que é de grande importância não apenas para a formação
de cientistas sociais, como também dos(as) licenciandos(as) que irão mediar esses
conhecimentos no ensino básico.
É possível observar que essas disciplinas apresentam-se como uma estratégia de
efetivação do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, incluído no
artigo 207 da Constituição Federal de 1988, entretanto, limitar os conhecimentos por elas
abordados apenas a disciplinas optativas impossibilita que constituam efetivamente a
formação dos(as) licenciandos(as), “uma vez que cursá-las ou não depende do interesse
pessoal dos alunos”, como avalia Ferreira (2019, p. 193) ao notar que a Questão Étnico-
Racial nos cursos Pedagogia limitam-se a atividades de extensão.
Entretanto, os conhecimentos produzidos através de pesquisas voltadas ao
debate sobre as populações negra e indígena no Brasil também são inseridos em disciplinas
obrigatórias, como é o caso de Antropologia III, que trata da produção científica dessa área
das Ciências Sociais no Brasil. Quando desenvolvida na modalidade presencial pela
Professora Gustava Bezerril, eram apresentados estudos desenvolvidos por antropólogos
brasileiros, como Darcy Ribeiro e Kabengele Munanga (brasileiro-congolês), assim como
eram realizadas aulas de campo em parceria com comunidades remanescentes de quilombo.
Quando fiz essa disciplina no período letivo 2016.1, a professora organizou uma aula junto
à comunidade Alto Alegre, em Horizonte, localizada na Região Metropolitana de Fortaleza.
Durante o momento, as crianças da comunidade fizeram uma apresentação com cantos e
danças e uma das lideranças contou a história de Cazuza, um homem negro africano que
foge da escravidão e chega até uma comunidade indígena. Dessa maneira, “[a] aldeia
indígena de Pacajus é parte da história local” (SANTOS, 2012, p. 82) e aquela interação
entre negros e indígenas me chamou tanta atenção que escrevi no relatório, o qual guardo
até hoje, que “[a]o entrar na mata [Cazuza] é capturado por alguns capitães do mato, mas é
salvo por uma comunidade indígena e acaba casando-se com uma ‘negra-índia’”.
Alguns estudos, como o de Almeida (2013, p. 12), já apontam que na “[...]
incessante luta pela liberdade, negros e índios se aliavam e estabeleciam comunidades onde
se miscigenavam e faziam trocas culturais”. Isto me marcou naquele momento de escuta do
relato do Nego do Neco, liderança da comunidade Alto Alegre, e continua a me marcar até
hoje com esses estudos, porque minha família paterna se desenvolve dessa miscigenação no
município de Araioses-MA, entre uma mulher agricultora, pescadora de siri e costureira, que
106
carrega marcas raciais e costumes indígenas (mas não declarada porque, afinal, a
racialização indígena não se define pelos fenótipos) e um homem negro, carpinteiro de
barcos e pescador.
É possível perceber também a escolha por incluir autores(as) negros(as) nos
programas das disciplinas obrigatórias do currículo da licenciatura, como apresentado no
relato da Professora B
Como professora, eu lembro que quando eu cheguei na UECE, e aí por conta desse
meu interesse de pesquisar determinados autores, eu lembro que quando eu
cheguei com o livro, e aí eu nem tô falando de conhecimento africano, tô falando
de uma autora, como uma feminista negra como a Ângela Davis, que eu lembro
que a primeira vez que eu cheguei com um livro em sala de aula os estudantes:
"nossa, a gente quer muito ler essa autora, a gente nunca leu essa autora nas
disciplinas ". Então, quando eu cheguei com Bell Hooks também, lá em uma
disciplina da sociologia da educação, os estudantes faziam, eu sentia que havia
uma demanda muito grande por autores e autoras que trouxessem um debate sobre
a questão racial e de gênero fora daquelas referências mais convencionais, que
geralmente a gente tem nas ciências sociais. Então naquele momento eu percebi
uma demanda muito grande, tanto é que eu resolvi trazer esses autores também
para as disciplinas de prática de formação, porque o meu setor é o de prática de
ensino e de estágio supervisionado (PROFESSORA B).
[...] hoje os tempos são outros, a gente perde quando fica só com um foco, apesar
de que eu acho que isso não foi ingênuo, foi no sentido mesmo de todo um projeto
de colonização, acho não, foi todo um processo de colonização, de estratégia de
dominação. Como hoje a gente já tem várias outras discussões que caminham para
outro lado, esses novos referenciais são imprescindíveis, significa a atualização e
o movimento do conhecimento [...] Eu não tô dizendo que a gente tem que
abandonar tudo, mas tem que fazer todo um movimento epistemológico mesmo,
de olhar para nós mesmos e avaliar o quanto a gente ainda pode avançar, o quanto
a gente ainda pode diversificar em relação à construção do conhecimento, em
relação às pesquisas, e principalmente aos nossos referenciais (PROFESSORA C).
Ele é importante, ele sempre foi importante para nós porque ele trazia
respeitabilidade para a disciplina, mas a gente não podia nunca se afastar da
universidade, a gente tá sempre junto de quem faz pesquisa, que era através da
ligação com a pesquisa que a gente poderia atualizar as discussões em sala de
aula [...] Os primeiros livros de sociologia da gente se confundiam com os livros
de história. Tinha uma abordagem muito mais parecida com a abordagem do
historiador do que propriamente de um … até porque a formação dos professores
que elaboraram os primeiros livros, eles eram da área de história. Então assim, a
gente passou muito tempo tendo que conquistar mais espaços. E é um desafio, a
elaboração desse material ainda, com certeza. (PROFESSORA C, grifos meus).
[...] hoje com um pouco mais de liberdade, não sei, ou menos constrangimento,
hoje eu me sinto menos constrangida de colocar determinadas questões nas
reuniões de colegiado, afinal já estou há cinco anos na UECE. Então hoje eu já me
sinto mais tranquila nesse sentido. Então eu coloquei para os meus colegas que era
necessário a gente fazer essa revisão bibliográfica do curso inteiro, por que né?
Aproveitando que nós teremos uma nova modificação. A gente vai precisar enviar,
e aí nós estamos trabalhando nisso, pra enviar até maio uma nova versão, porque
chegaram outras resoluções de 2021 que nós precisamos incorporar, tanto no PPC
do bacharelado quanto da licenciatura. Então eu resolvi aproveitar a oportunidade
para dizer assim na reunião do colegiado: "eu sei que nós, na nossa prática docente,
que no nosso dia a dia nós fazemos isso, nós trabalhamos com autores africanos,
nós trabalhamos com autores latino-americanos [...] mas isso não está nas nossas
ementas, então fica muito a cargo de cada professor, a partir da sensibilidade de
cada professor, nós precisamos que isso esteja registrado nas nossas ementas e no
nosso projeto, porque afinal de contas o projeto pedagógico é o que nos orienta".
Então os colegas concordaram em fazer essa revisão bibliográfica, de fazer essa
revisão nas ementas, para trazer essas epistemologias do sul, esses conhecimentos
africanos, indígenas e afro-diaspóricos (PROFESSORA B).
Alguns professores tentam fazer, até vem conseguindo, outros ainda não, eu não
sei se porque não tem essa clareza, até porque é um lugar que a gente tem que sair,
né, dessa coisa acomodada, porque nós não tivemos essa formação, os desafios
são muito grandes para quem vai para a sala de aula, precisa tá se atualizando, né,
e pior, nós não tivemos, nossa formação toda acentuada nesse modelo europeu,
americano também, estadunidense e não latino-americano. É grande o desafio
(PROFESSORA C).
[...] mas eu acho que o maior desafio nosso é realmente fazer com que essa coisa,
filosófica mesmo, essa compreensão de que esses conhecimentos são
fundamentais para a licenciatura, isso a gente ainda precisa aprofundar, com
certeza a gente ainda precisa melhorar, não deixar só centrado em algumas
disciplinas, né, de quem sabe fazer, mas ampliar a própria formação dos
professores universitários para que eles possam trazer isso para a sala de aula, né
(PROFESSORA C).
Tem professores que não acreditam nem que o conhecimento que vem dos
movimentos sociais, pra você ter ideia, é um conhecimento legítimo a ser
trabalhado em sala de aula, entende? O que vale é o conhecimento científico,
acadêmico, não percebe que ele mesmo tem que se atualizar, entende? Então é um
desafio grande e muito bom também, necessário. Os professores universitários não
são deuses e deusas, eles são iguais a quaisquer outros professores de qualquer
110
Freire (2019) desenvolve o conceito de “pensar certo” como uma prática do(a)
educador(a) e baseia-se na dialética do pensar dentro e sobre a realidade para construir
possibilidades de transformá-la. Entretanto, para pensar certo é necessário estar aberto(a) à
mudança, entender-se como um sujeito inacabado, pois “[é] próprio do pensar certo a
disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque
é novo” (FREIRE, 2019, p. 36). Mais ainda, ensinar a pensar certo é “algo que se faz e que
se vive enquanto dele se fala com a força do testemunho” (p. 38).
A abertura à mudança apresenta-se na trajetória dessas professoras quando se
dão conta e reconhecem a ausência dos conhecimentos africanos, indígenas, afrodiaspóricos
na sua formação e passam a introduzi-los em suas pesquisas, seja como sujeitos do estudo
ou como base teórica. Isto apresenta-se também como um processo de formação continuada
para o(a) professor(a) universitário(a). O desafio que se apresenta é a tomada de consciência
dos(as) demais professores(as) de sua incompletude no que diz respeito a esses
conhecimentos subalternizados no curso da colonização.
Este é o desafio apresentado, em especial, aos(às) professores(as) que já
entendem a necessidade e a urgência do reconhecimento e da valorização dos conhecimentos
produzidos pelos povos indígenas, africanos e afro-brasileiros. Trata-se do desafio de
contagiar os(as) seus(suas) colegas de profissão.
A necessidade por uma educação intercultural e descolonizadora nasce
justamente da identificação da exclusão histórica de negros e indígenas, em especial no que
diz respeito à legitimação de seus conhecimentos como necessários também para
compreender a formação da sociedade brasileira.
Como essas populações também foram excluídas dos processos educativos
formais, do acesso às instituições escolares, a reivindicação pelo reconhecimento da
diversidade e o respeito pela diferença no Brasil partem não da universidade ou das rodas de
debate intelectuais, senão dos movimentos sociais e das lutas dos povos, como nos apresenta
Candau (2013).
É possível perceber também que os(as) autores(as) que debatem as relações
étnico-raciais e os conhecimentos subalternizados, desenvolvem conceitos, mas, em
especial, propõem superar um exercício meramente intelectual e, fundamentados(as) nas
111
experiências dos movimentos sociais e suas pautas, constroem práticas descolonizadoras que
podem ser realizadas em diversos setores da sociedade, entre eles, na educação.
Assim como a Professora B afirma “eu sei que nós, na nossa prática docente,
que no nosso dia a dia nós fazemos isso, nós trabalhamos com autores africanos, nós
trabalhamos com autores latino-americanos[...]”, de fato, as Ciências Sociais, ao longo do
século XX, vêm construindo muitos debates em torno à crítica ao eurocentrismo e de
estímulo a uma produção não apenas sobre indígenas, afrodescendentes, mas realizada por
eles, por nós. Incentivar pesquisas sobre/na América Latina e por suas populações é acreditar
que nós temos capacidade de entender os problemas existentes em nossa sociedade e propor
soluções para eles a partir do que consideramos desenvolvimento e não de acordo com os
parâmetros europeus ou estadunidenses.
É possível identificar um processo de alteração, de desejo por mudança, que
definitivamente não ocorre de forma homogênea e momentânea. É preciso ter consciência,
como foi observado pelos(as) autores(as) trabalhados(as), dos condicionantes do
colonialismo ainda existentes em nossas relações, nas instituições, na educação e partir dessa
reflexão para propor modificações.
Nem todos(as) os(as) professores(as) precisam voltar suas pesquisas para o
debate racial ou que diz respeito aos povos indígenas e africanos, afinal os(as) docentes são
sujeitos históricos e suas pesquisas falam sobre sua personalidade, sua atuação social, suas
escolhas. O que se faz urgente, no que corresponde aos conhecimentos necessários à
formação de professores(as), é o reconhecimento da coexistência dessas populações em
relação à modernidade europeia e a necessária inserção de seus conhecimentos no
planejamento e na organização da formação didático-pedagógica e de conteúdos dos
futuros(as) professores(as) de Sociologia.
Não é uma tarefa fácil, como apresentou a Professora C: “[...] nós não tivemos
essa formação, [...] nossa formação toda acentuada nesse modelo europeu, americano
também, estadunidense e não latino-americano”. Assim, o processo formativo
descolonizador apresenta-se como necessário não apenas no ensino básico, não apenas nas
licenciaturas, mas também, e não menos importante, na formação contínua dos(as)
professores(as) universitários(as), na sua abertura, não necessariamente ao novo, mas, ao
que foi ocultado em sua formação.
112
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da problematização teórica, seja no âmbito das Ciências Sociais como
no da Ciência da Educação, a Pedagogia, foi possível perceber que já existe um debate que
fundamenta as consequências do capitalismo mercantil e imperialista, utilizando-se como
instrumento o colonialismo e o racismo nas relações sociais e, consequentemente, nas
instituições de formação, seja escola ou universidade.
É possível constatar que existe uma base de pensamento contra hegemônico no
âmbito das Ciências Sociais, o que pode cada vez mais se firmar ao passo que compreende
que as cosmovisões e experiências indígenas e africanas são essenciais para se construir
projetos de sociedade verdadeiramente justos. É necessário aprender com as nossas raízes,
com nossos ancestrais, porque esses conhecimentos foram ocultados por serem perigosos
para o desenvolvimento da ordem vigente.
O impasse é identificado quando esses conhecimentos passam a tentar ser
institucionalizados. Introduzir os modos de ser e pensar indígenas e africanos provoca
mudanças não apenas nos conteúdos que compõem a estrutura de um currículo, mas nas
estratégias de ensino-aprendizagem, na relação entre professores(as) e alunos(as), nos
formatos de avaliação, nas relações universidade e sociedade, na forma como nos
relacionamos com o mundo, inclusive profissionalmente, pois “[n]ão é possível também
formação docente indiferente à boniteza e à decência que é estar no mundo, com o mundo e
com os outros substantivamente exige de nós” (FREIRE, 2019, p. 46).
O curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE, campus Itaperi, em
Fortaleza, é jovem, tem apenas 19 anos. Isso não quer dizer que suas origens precisam ser
apenas europeias nesse momento, pelo contrário, isto pode se tornar um encorajamento para
construir sua identidade em bases epistemológicas diversas, em especial, que levem em
22
Música: Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar. Composição: Sérgio Roberto Veloso de Oliveira
(Siba).
113
REFERÊNCIAS
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os estudos descoloniais. Cadernos de Ciências Sociais da UFRPE, Recife, v. 2, n. 11, p.
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Crítica da Economia Política. Tomo 2. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996. p. 339-
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Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 42, n. 1, p. 59-77, jan./mar. 2017. Disponível
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Brasília: MEC/CNE/CP, 2015b. Disponível em:
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Acesso em: 5 jan. 2022.
MINISTÉRIO DAEDUCAÇÃO. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação
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Parecer CNE/CP nº 03/2004, de 10 de março de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
121
Procedimento Inicial
O recorte da pesquisa se dá porque a UECE tem como uma de suas principais funções a
formação de professores e professoras dentro do estado do Ceará. O curso de Ciências
Sociais da UECE completa este ano 33 anos e no próximo ano o curso de licenciatura em
Ciências Sociais completa 20 anos. Mas como não pensar nas Ciências Sociais, dentro deste
debate, sendo as Ciências Sociais um conjunto de conhecimentos que reflete e teoriza a
formação do pensamento social.
A pesquisa que proponho tem o objetivo de identificar e entender os indícios dos passos
dados, até então, para uma formação intercultural de professores de sociologia, através da
elaboração de uma plataforma teórica, de um estudo documental tanto das diretrizes para a
implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08, como também de documentos orientadores
do próprio curso. E entendendo que a Interculturalidade é uma perspectiva, um objetivo a
ser alcançado ainda. E aí, por isso mesmo, estamos vivendo e construindo este processo.
A partir da análise dos currículos do corpo docente como também Projeto Pedagógico do
Curso, foi feita a seleção de alguns professores e professoras que podem oferecer pistas sobre
este processo no curso de licenciatura em Ciências Sociais. A professora é uma delas.
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Área Questões
1. Formação do/a 1.1 Os conhecimentos indígenas, africanos e afrodiaspóricos
docente do estiveram presentes em algum dos momentos da sua formação?
curso
1.2 Como se deu o seu interesse em trabalhar com as Relações
étnico-raciais/conhecimentos e experiências africanos,
indígenas e afrodiaspóricos?
2. A Licenciatura 2003 – Criação do curso de Licenciatura em Ciências Sociais na
em Ciências UECE.
Sociais 2.1 Você participou deste processo?
2.2 Os(as) professores(as) que iniciaram o curso tinham alguma
formação pedagógica?