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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

BEATRIZ PEROTE FERNANDES

FORMAÇÃO INTERCULTURAL DE PROFESSORES(AS):

ESTUDO DE CASO NA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA UECE

FORTALEZA - CEARÁ

2022
BEATRIZ PEROTE FERNANDES

FORMAÇÃO INTERCULTURAL DE PROFESSORES(AS):

ESTUDO DE CASO NA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA UECE

Dissertação apresentada ao Curso de


Mestrado Acadêmico em Educação do
Programa de Pós-Graduação em Educação
do Centro de Educação da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito para
obtenção do título de mestra em Educação.
Área de Concentração: Formação de
Professores.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Kátia Regina


Rodrigues Lima.

FORTALEZA – CEARÁ

2022
À minha avó Cidinha, Maria Aparecida
Gomes Fernandes (In memoriam), de quem
herdei minhas marcas raciais.
À Netinha, Maria Evenice Barbosa Neta (In
memoriam), que ensinou tudo o que uma boa
irmã poderia me ensinar.
AGRADECIMENTOS

Aos(Às) meus(minhas) Ancestrais, que me trouxeram até aqui e a quem eu busco


constantemente.
Aos meus pais, Maria Estela Perote Fernandes e Antonio Carlos Gomes Fernandes, por me
apoiarem nos desafios aos quais me proponho.
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Kátia Regina Rodrigues Lima, por me apresentar a área da
Educação e construir comigo esta pesquisa.
Aos(Às) professores(as) do PPGE/UECE pela mediação de conhecimentos, em especial à
Prof.ª Dr.ª Elisângela André da Silva Costa, também por sua sensibilidade encorajadora.
Ao Prof. Dr. Elcimar Simão Martins e à Prof.ª Dr.ª Lia Pinheiro Barbosa, pela alegria em
aceitar o convite em colaborar com esta pesquisa e com minha formação.
Aos(Às) professores(as) do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais que contribuíram
com esta pesquisa.
Ao Professor Luis Carlos Saldanha Ribeiro, Luca Salri, da História e do Cinema, que
contribuiu com informações sobre sua experiência como educador para a construção do
projeto e em entrevista na disciplina de Educação das Relações Étnico-Raciais, oferecida
pela Prof.ª Michely Peres de Andrade, onde fiz meu Estágio de Docência.
Ao grupo de pesquisa Observatório das Nacionalidades, em especial à Prof.ª Dr.ª Mônica
Dias Martins, que me despertou para os “conhecimentos outros” que me constituem.
À Alana Aline Pinheiro, Amanda Myrella Gomes e Johnny Levy Nascimento, companheiros
de pesquisa do Observatório das Nacionalidades, que contribuíram com esta investigação
através de informações e contatos sobre o curso de Ciências Sociais da UECE.
À minha amiga-irmã Patrícia Maria Apolônio, que me acolheu em sua casa durante a
construção do projeto de pesquisa e continua me acolhendo, me ensinando e contribuindo
para o meu letramento racial.
À minha amiga-irmã de pesquisa, Najla Almeida, por me (re)conhecer desde a Educação
Infantil e pelo reencontro que a vida nos ofereceu na Pós-Graduação em Educação da UECE.
Aos(Às) meus(minhas) amigos(as) de trabalho do Centro Cultural Grande Bom Jardim,
Joaquim Araújo, Cleneide Araújo, Kelly Enne Saldanha, Henrique Gonzaga, Doroteia
Ferreira; da We World GVC Brasil, Elzineide Marques, Natalia Marín Ricón, Rôgean Luna,
Rosângelo Marcelino, Victor Yuri Alves; do Esplar, Deninha Maia, Marina Porto e Andrea
Sousa. A todos(as) os que me apoiaram no desafio que é ser uma trabalhadora-estudante.
Aos(Às) meus(minhas) amigos(as) da Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC),
alguns(algumas) deles(delas) hoje professores/as de Filosofia no Ensino Básico, Eva
Marques, Brena Castro, Andressa Mota, Allan Celso, Douglas Santana, Rayane Barros e
Sara Bezerra, com quem também cresci em sabedoria na universidade e na vida.
À minha grande amiga-irmã, Maria Evenice Barbosa Neta, que me encantava com sua
amizade desde 2011, quando nos conhecemos através da Espiritualidade Inaciana, que estava
presente na apresentação de minha monografia em 2018 e em tantas outras alegrias e tristezas
da vida. Netinha encantou-se dois dias depois da defesa desta dissertação, virou passarinha
que vai cantar por aqui, “Bibibia”.
“– Mas, dona Cobra-Grande, depois que
engoli o papagaio eu só sei perguntar,
perguntar, perguntar. Falando nisso, onde
eu posso encontrar Wahutedewá, o espírito
do tempo?
– Eu não sei onde ele mora, mas ele acorda
no nascente e dorme no poente. Às vezes, ele
acorda de mau humor e talvez não queira
muita conversa. Talvez não seja bom você se
encontrar com ele.
– Por quê?
– Dizem que ele devora gente.
– Ah, ele é onça também?
– Não. Ele também devora árvore, planta,
bicho. Tudo o que vê pela frente.
– Nossa!
– Sim. A melhor coisa é não se preocupar
com ele e brincar a vida. Dizem que, quando
a gente não liga pra ele e brinca a vida, ele
não fica manchando e desmanchando,
manchando e desmanchando. Ele esquece.
Então, é quando a vida acontece no sempre
e no agora”
(JECUPÉ, Kaká Werá. As Fabulosas
Fábulas de Iauaretê, 2007, p. 64).
RESUMO

Esta Dissertação apresenta o desenvolvimento de uma pesquisa de Mestrado Acadêmico,


realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual
do Ceará (PPGE/UECE). Teve como objetivo geral compreender a formação de
professores(as) realizada no curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE, numa
perspectiva Intercultural, tendo como objetivos específicos: problematizar, a partir dos
estudos desenvolvidos na área de Ciências Sociais, os elementos epistemológicos, políticos
e pedagógicos que contribuem para a inserção da abordagem intercultural na formação
inicial de professores(as); identificar, a partir de análise documental, as mudanças ocorridas
para inserção da abordagem intercultural na formação de professores do curso de Ciências
Sociais da UECE; e analisar como a abordagem intercultural contribui, no curso de
licenciatura em Ciências Sociais da UECE, para que os(as) professores(as) nele
formados(as) lidem com as Relações Étnico-raciais no contexto da educação básica. Nosso
objeto de investigação foi o Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE, numa
perspectiva intercultural. A pesquisa fundamentou-se nas categorias de Colonialismo,
Colonialidade, Descolonização e Decolonialidade, no âmbito das Ciências Sociais, e
Interculturalidade e práticas descolonizadoras para compreender as possíveis mudanças na
formação de professores(as) para as Relações Étnico-Raciais no Ensino Básico. Propôs
como procedimentos de coleta de dados a pesquisa bibliográfica, documental e entrevista
semiestruturada. Como resultado de pesquisa, evidencia-se na produção bibliográfica,
documental e in loco, através das entrevistas, a importância de se estreitar as relações entre
a universidade e a sociedade (a comunidade, a escola, movimentos sociais), de se equiparar
a importância, na formação de professores(as), entre conhecimentos didádico-pedagógicos
e conhecimentos específicos da área, no que diz respeito à valorização dos conhecimentos
africanos, indígenas e afrodiaspóricos, apresentando-se como necessidade e desafio à
formação dos(as) próprios(as) professores(as) universitários(as) saber sobre a história e
conhecimentos subalternizados para incorporação na estrutura do curso por meio das
disciplinas obrigatórias à formação de professores(as) de Sociologia para o ensino médio
(EM).

Palavras-chave: Interculturalidade. Descolonização. Formação de professores(as).


Licenciatura em Ciências Sociais.
RESUMEN

Esta disertación presenta el desarrollo de una investigación de Máster Académico, llevada a


cabo en el ámbito del Programa de Postgrado en Educación de la Universidad Estatal de
Ceará (PPGE/UECE). Tuvo como objetivo general comprender la formación de
profesores(as) llevada a cabo en el curso de Licenciatura en Ciencias Sociales de UECE, en
una perspectiva Intercultural, teniendo como objetivos específicos: problematizar, desde los
estudios desarrollados en el área de Ciencias Sociales, los elementos epistemológicos,
políticos y pedagógicos que aportan hacia la inserción del abordaje intercultural en la
formación inicial docente; identificar, desde el análisis documental, los cambios ocurridos
para la inserción del abordaje intercultural en la formación docente del curso de Ciencias
Sociales de UECE; y analizar cómo el abordaje intercultural aporta, en el curso de
Licenciatura en Ciencias Sociales de UECE, para que los(las) profesores(as) salidos de él
lidien con las Relaciones Étnico-Raciales en el contexto de la educación básica. Nuestro
objeto de investigación ha sido el Curso de Licenciatura en Ciencias Sociales de UECE, en
una perspectiva intercultural. La investigación se ha fundamentado en las categorías de
Colonialismo, Colonialidad, Descolonización y Decolonialidad, en el ámbito de las Ciencias
Sociales, e Interculturalidad y prácticas descolonizadoras para comprender los posibles
cambios en la formación docente para las Relaciones Étnico-Raciales en la Enseñanza
Básica. Propuso como procedimientos de recolecta de datos la investigación bibliográfica,
documental y entrevista semiestructurada. Como resultado de investigación, se evidencia en
la producción bibliográfica, documental e in loco, a través de las entrevistas, la importancia
de estrecharse las relaciones entre universidad y sociedad (la comunidad, la escuela,
movimientos sociales), de igualarse la importancia, en cuanto a la valoración de los
conocimientos africanos, indígenas y afrodiaspóricos, presentándose como necesidad y reto
a la formación de los(las) propios(as) docentes universitarios saber acerca de la historia y
conocimientos hechos subalternos para la incorporación en la estructura del curso por medio
de las asignaturas obligatorias a la formación de profesores(as) de Sociología para la
enseñanza secundaria.

Palabras clave: Interculturalidad. Descolonización. Formación de profesores(as).


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Combinação de descritores............................................................. 30


Quadro 2 - Descritores com símbolos de truncagem........................................ 31
Quadro 3 - Periódicos selecionados para análise.............................................. 32
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Artigos científicos selecionados no Portal Periódicos Capes............. 31


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABPN Associação Brasileira de Pesquisadores Negros


A.V.A. Artigos Validados para Análise
BDTD Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
BNCC Base Nacional Comum Curricular
BNC-Formação Base Nacional Comum para Formação de Professores
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCBJ Centro Cultural Grande Bom Jardim
CECITEC Centro de Educação e Tecnologia da Região dos Inhamuns
CIMI Conselho Indigenista Missionário
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educação
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
DPD Desenvolvimento Profissional Docente
E.E.F.M. Escola de Ensino Fundamental e Médio
E.E.M. Escola de Ensino Médio
ES ensino superior
FCC Fundação Carlos Chagas
FACEDI Faculdade de Educação de Itapipoca
FAEC Faculdade de Educação de Crateús
FAFIDAM Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos/Limoeiro do Norte
FECLESC Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão
Central/Quixadá
FECLI Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu
GREDI Grupo de Investigación en Educación Intercultural
IC/UECE Iniciação Científica da UECE
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IES instituições de ensino superior
L.A. Leitura do Artigo
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
L.R. Leitura do Resumo
MN movimento negro
MNU Movimento Negro Unificado
OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG Organização Não Governamental
OSC Organizações da Sociedade Civil
PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PDI Projeto de Desenvolvimento Institucional
PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
PIBID Diversidade Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência para a
Diversidade
PLANPIR Plano Nacional de Promoção de Igualdade Racial
PNE Plano Nacional da Educação
PNEDH Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
PPC Projeto Pedagógico do Curso
PPGS Programa de Pós-Graduação em Sociologia
PPI Projeto Pedagógico Institucional
PPP Projeto Político Pedagógico
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
R.B. Resultado da Busca
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SEDUC Secretaria de Educação do Estado do Ceará
SME Secretaria Municipal da Educação
SPI Serviço de Proteção ao Índio
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade
Racial
THE Times Higher Education
UAB Universidade Aberta do Brasil
UCDB Universidade Católica Dom Bosco
UECEVest Cursinho Pré-Vestibular da UECE
UECE Universidade Estadual do Ceará
UEMS Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
UNILA Universidade Federal da Integração Latino-Americana
UNILAB Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 16
2 ESTADO DA QUESTÃO............................................................................ 30
3 MOVIMENTO CONTRA-HEGEMÔNICO DOS(AS)
COLONIZADOS(AS): ANÁLISE CRITICA SOBRE
COLONIALISMO, COLONIALIDADE, DESCOLONIZAÇÃO E
DECOLONIALIDADE............................................................................... 55
4 FORMAÇÃO DOCENTE, INTERCULTURALIDADE E
DESCOLONIZAÇÃO................................................................................. 70
4.1 A formação de Professores(as) e as Especificidades do Trabalho
Docente.......................................................................................................... 70
4.2 Interculturalidade e Descolonização.......................................................... 74
4.3 O caráter intercultural e descolonizador das Leis nº 10.639/03 e nº
11.645/08....................................................................................................... 81
5 METODOLOGIA........................................................................................ 88
6 A UNIVERSIDADE E AS CIÊNCIAS SOCIAIS .................................... 94
6.1 A Universidade no Brasil............................................................................ 94
6.2 O Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE em Fortaleza.. 97
6.3 A Curiosidade Epistemológica em processo.............................................. 100
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 112
REFERÊNCIAS........................................................................................... 115
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS..................................... 124
16

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo aborda a formação inicial de professores(as), especificamente


do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE),
Campus Itaperi em Fortaleza, a partir da abordagem intercultural crítica que “abarca
diferentes âmbitos — ético, epistemológico e político —, orientada à construção de
democracias em que justiça social e cultural sejam trabalhadas de modo articulado”
(CANDAU; RUSSO, 2010, p. 167), e na qual às culturas se integram, no processo de
formação docente, a história e a cultura africanas, afro-brasileiras e indígenas, as quais não
são apresentadas como temáticas, mas como conhecimentos que foram “subalternizados”
pela modernidade ocidental eurocêntrica.
O estudo se faz relevante para a formação de professores(as) ao buscar perceber
como as Leis nº 10.639/03 (BRASIL, 2003) e nº 11.645/08 (BRASIL, 2008) têm
possibilitado inserir os conhecimentos produzidos pela população negra, em África e na
diáspora, e pelos povos indígenas nos cursos de formação inicial de professores(as) no que
diz respeito à matriz curricular, às ementas das disciplinas de conteúdo específico e aos
conhecimentos didático-pedagógicos. O estudo também apresenta relevância ao reconhecer,
junto aos(às) profissionais da educação, o processo de adequação do curso de licenciatura às
exigências propostas pela Educação para as Relações Étnico-raciais e os seus documentos
orientadores.
Esta pesquisa não propõe um diagnóstico ou uma avaliação, mas, para entender
a formação de professores(as) é “necessário olhar sem véus a situação presente, o que se está
fazendo e os efeitos histórico-sociais dessas ações” (GATTI, 2017, p. 727). Por isso propõe,
junto aos sujeitos da pesquisa, recordar as mudanças feitas na estrutura do curso, na sua
composição, no espaço dado ao debate sobre produção de conhecimento e na vinculação
entre educação e relações étnico-raciais. Tendo como propósito apresentar como tem
acontecido, neste curso, a dinâmica de trazer à tona conhecimentos tratados pela
colonialidade como alegorias, mitologias, folclore, buscando desvendar até que ponto a
perspectiva eurocêntrica permanece nos contextos formativos e as possibilidades de
superação por uma visão problematizadora.
Em referência ao que diz Santos (2008), sobre o paradigma emergente assumir
um caráter autobiográfico, apresento aqui como se deu meu encontro com a temática. Minha
17

aproximação inicial com a história das Áfricas aconteceu a partir do próprio processo
formativo no Curso de Ciências Sociais da UECE. Iniciei o curso no período letivo 2012.2,
após 2 anos no Curso de Letras Português na mesma instituição, onde conheci o poeta Cruz
e Sousa, que muito me marcou, e tive a experiência de lecionar como professora estagiária
de Português no Cursinho Pré-Vestibular da UECE (UECEVest).
Esse primeiro contato aconteceu através de uma disciplina optativa de Estudo
sobre a Nação, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Mônica Dias Martins, que focava no caso da
construção do pensamento nacional de Angola, por meio da qual conheci os primeiros
autores africanos que pude ler, estes retratavam as dores geradas pelo colonialismo e os
dilemas dos movimentos de libertação nacional, entre eles Artur Carlos Maurício Pestana
dos Santos, conhecido por Pepetela.
Na ocasião, já estava interessada em construir uma pesquisa monográfica sobre
uma experiência em Educação Popular e, ao conversar com a Prof.ª Mônica sobre a
possibilidade de ser minha orientadora, fui convidada a fazer seleção para uma bolsa de
Iniciação Científica da UECE (IC/UECE) no projeto “A Defesa do Atlântico Sul no
Contexto da Cooperação Brasil-África”, em 2016. Meu ingresso no projeto como bolsista
possibilitou o aumento de meu interesse pelos estudos desenvolvidos no continente
Africano, em especial nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), quando
conheci os interesses de pesquisa de alguns estudantes estrangeiros da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e os debates construídos
por professores de diversas nacionalidades da África, pessoas que contribuíram muito com
a minha formação.
Fui tão afetada pelas leituras, pelos debates, pelas conversas, que minha pesquisa
monográfica foi nessa direção e teve como título “Ressignificação da luta de libertação em
Guiné-Bissau: o caso dos estudantes Bissau-guineenses da UNILAB” (FERNANDES,
2017). Nesse percurso percebi o quanto os conhecimentos dos povos tradicionais africanos,
dentro do processo de escolarização, foram decisivos na Luta de Libertação de Guiné-
Bissau. A partir dessa pesquisa inicial, comecei a me perguntar como se dá a formação
dos(as) professores(as) para o ensino das relações étnico-raciais no Brasil. Em especial nos
cursos de licenciatura da UECE, sendo esta uma instituição de ensino superior (ES) que tem
como uma de suas funções centrais a formação de professores(as), revelando como essa
universidade tem materializado o que propõem as Leis nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e nº
11.645/2008 (BRASIL, 2008).
18

Mais que abordar como temáticas pontuais, essas leis propõem abordar a história
e a cultura dos povos afetados pelo colonialismo como produções de conhecimento, como
novas epistemologias ocultadas pelo pensamento eurocêntrico, possibilitando efetivamente
um diálogo entre as culturas que compõem a sociedade brasileira.
O contato com a história e a cultura dos povos tradicionais africanos, o estudo
sobre seus processos de luta anticolonialista e os impactos que a colonização e a
colonialidade têm sobre a construção da identidade e sobre a formação dos sujeitos me
permitiu refletir sobre as trajetórias vividas no Brasil, enquanto país que também partilha
um passado colonial.
As trajetórias de escolarização da população brasileira trazem marcas que nos
indicam a forte presença de um pensamento eurocêntrico e, dependendo da abordagem sobre
a diversidade cultural, podem se dar de maneira inclusiva ou excludente. A minha é uma
delas, sou uma mulher “negríndia”, trabalhadora-estudante, da periferia da cidade de
Fortaleza e, assim como muitos da realidade em que vivo, a primeira universitária da família.
Tenho passado por um processo de autoconhecimento quanto às minhas origens étnico-
raciais e este momento se deve muito ao acesso ao conhecimento.
Para pensar minha história é necessário resgatar minha ancestralidade, seus
modos de viver e pensar, ocultados pela colonialidade. Minha família paterna é de Araioses
- Maranhão, assim, tive pouco acesso à sua história. Quando conheci a ligação desse Estado
Federativo com Guiné-Bissau, olhei para trás e senti arrependimento de não ter ouvido mais
as histórias de minha avó, Maria Aparecida Gomes Fernandes, Vó Cidinha, filha de
indígenas. Senti arrependimento de ter jogado a única fotografia que tinha de meu avô,
Vicente Pinto Fernandes, homem negro, carpinteiro de barcos e pescador, quando soube de
um erro que ele cometeu em vida. Mas quais as ferramentas que eu, enquanto adolescente,
tinha para ter interesse pela história de minha família?
Candau (2012) observa que apesar da consciência sobre a diversidade existente
no sistema escolar, estudos mostram o quanto os estudantes ainda sofrem com a
desvalorização de suas identidades culturais. Minha trajetória escolar foi marcada por um
“multiculturalismo assimilacionista” (CANDAU, 2012), no qual o único contato com a
cultura dos povos originários acontecia no desfile de 7 de setembro e no Dia Nacional dos
Povos Indígenas, quando me tornaram uma alegoria do indígena por ter “marcas raciais” de
“negríndia”, vestida com roupas de jornais e chinelo no pé. Enquanto outras crianças
estavam na banda ou como destaque de beleza, eu era a alegoria da “democracia racial”,
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demarcando arbitrariamente que a cultura está relacionada apenas ao fenótipo,


desconsiderando os conhecimentos produzidos por esses povos.
Logo depois, uma professora de Português me chamou atenção no ensino
fundamental, Verônica, mulher negra, caprichosa nos processos educativos, na organização
dos conteúdos e nos horários. E, apesar de muitos alunos temerem seu rigor, eu a admirava
muito, com ela comecei a amar a Língua Portuguesa e na 8ª série, com sua ajuda, construí
uma redação sobre o aniversário da Escola de Ensino Fundamental e Médio (E.E.F.M.) Prof.ª
Adélia Brasil Feijó. A professora Verônica, assim como tantas outras mulheres negras que
encontrei no percurso de meus 29 anos, me ajudaram a chegar até aqui.
No ensino médio (EM), estudei em uma das escolas públicas de referência no
Estado do Ceará, a Escola de Ensino Médio (E.E.M.) Governador Adauto Bezerra. No
primeiro ano, todos(as) os(as) alunos(as) faziam aula de teatro e minha turma ficou com o
livro O Guarani de José de Alencar. Apesar de ser uma escola transformadora, naquele
momento ninguém questionava, nem mesmo o professor de teatro, a forma como o autor
escrevia sobre os povos que constituem a sociedade brasileira. Logo fui apontada para ser
Isabel, a filha mestiça de D. Antonio e uma mulher indígena, concebida fora de um
casamento cristão ocidental. Isabel é o arquétipo do comportamento que impõem aos
indígenas, uma jovem que se mata ao saber que Alvaro, por quem alimentava uma paixão
não correspondida, havia sido assassinado.
É esta a importância que um romancista do século XIX dá aos povos
marginalizados, ao indígena a submissão e ao negro nenhuma relevância. Mas é este o lugar
que uma escola no século XXI deve dar a esses grupos sociais em um exercício teatral?
Como eu e outros(as) alunos(as) poderíamos conhecer e valorizar a história das marcas
raciais que carregamos no corpo? Pelo contrário, a escola e os profissionais que a constroem
deveriam

[a]judá-los [os(as) educandos(as)] a entenderem as relações sociais que os vitimam


e, sobretudo, ajudá-los a entenderem os sentidos de seus esforços por alargar esse
fim da estrada predefinido. Ajudá-los a entenderem seus esforços coletivos por
emanciparem-se da segregação social e racial (ARROYO, 2015, p. 37).

Assim, possibilitariam aos estudantes uma leitura crítica de como a


categorização dos seres humanos não se estabeleceu de forma natural, mas sim com a
finalidade de explorar quem se afastava do ideal da cultura ocidental eurocêntrica, e de como,
20

ainda hoje, é possível identificar as consequências dessa segregação nas condições de vida
das populações negras e indígenas.
Foi na minha pesquisa monográfica, sobre a luta de libertação em Guiné-Bissau,
que notei o papel da educação nos processos revolucionários, a exemplo de Amílcar Cabral,
e outros(as) revolucionários(as) bissau-guineenses, que utilizavam não apenas a educação
formal e a escolarização, mas também os conhecimentos tradicionais subalternizados para
despertar o povo contra o projeto colonialista português. Paulo Freire (1978), após a
libertação de Guiné-Bissau, também contribuiu com a educação daquele país a partir das
experiências vividas pelo povo e caracterizou a educação desenvolvida nos tempos de guerra
no país como

[u]ma educação que, expressando, de um lado, o clima de solidariedade que a luta


provocava, de outro, o estimulava e que, encarnando o presente dramático da
guerra, buscava o reencontro com o autêntico passado do povo e se dava a seu
futuro (FREIRE, 1978, p. 17).

Após a graduação, iniciei minha experiência profissional com o ensino, não


como professora, mas como assistente pedagógica no Centro Cultural Grande Bom Jardim
(CCBJ), equipamento de cultura do Governo do Estado do Ceará, localizado na periferia de
Fortaleza. Foi nesse espaço que pude ter contato com o Fórum de Escolas do Grande Bom
Jardim, o qual mantém uma parceria com o CCBJ. Durante as visitas técnicas para a
implementação de cursos e no contato com os(as) professores(as), pude perceber que a
História e a Cultura Africanas e Afro-brasileiras ficavam em evidência apenas em momentos
pontuais, como o Dia da Consciência Negra, que se torna obrigatório no calendário escolar
com a Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003), quando são convidados militantes do Movimento
Negro do Ceará, mas apenas nesses momentos.
Nesse sentido, professor(a) e gestão escolar cumprem um protocolo exigido pela
lei. Mas, como sujeitos ativos e comprometidos? Mostra-se necessário que a história dos
negros e indígenas no Brasil não se dê apenas em um momento específico, e sim durante
todo o ano letivo, possibilitando abolir um olhar exótico e garantir uma relação com as
expressões afro-brasileiras e indígenas que marque os alunos. Para tanto, o(a) profissional
precisa estar comprometido com a emergência desse contexto. Freire (1979) reflete sobre a
dinâmica do(a) profissional que se compromete com a realidade social, que mantém uma
21

relação e não apenas um contato com o mundo. Um(a) educador(a) que se permite sair do
seu conforto, de suas certezas e ser transformado(a), pois

Somente um ser que é capaz de sair do seu contexto, de “distanciar-se” dele para
ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e,
transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação; um ser que é e
está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo
isto, de comprometer-se (FREIRE, 1979, p. 17).

A construção de um ambiente escolar antirracista e intercultural precisa do


engajamento de vários atores sociais. Sejam os(as) professores(as), a gestão escolar, como
também a universidade que forma esses(essas) profissionais.
Não é possível construir a educação em paralelo à cultura. Ambas estão ligadas
e influenciam-se uma à outra, em uma relação dialógica. Mas, durante muito tempo, em
consequência do colonialismo expresso na modernidade, as sociedades vêm tratando esse
diálogo como estratégia ainda de homogeneização cultural (CANDAU, 2013).
Pensando na formação do Brasil, as questões racial e cultural foram marcadas
por relações de poder (ocupação do território, apagamento histórico e linguístico, migração
forçada, ser humano como objeto de produção econômica, definição do conhecimento
dominante, imposição religiosa). Os efeitos dessa construção ainda são sentidos nas relações
sociais, na produção de conhecimento, no imaginário social da população.
Fanon (2008) e Césaire (1978) demonstram as contradições da fase mercantilista
e imperialista do capitalismo: o colonialismo. Enquanto a filosofia europeia, a partir do
século XVII, caminhava para pensar o ser humano livre das correntes que prendiam sua
razão e condições de vida às determinações estabelecidas pela Igreja Católica e nobreza, o
grupo insurgente naquele momento, a burguesia, pautado nas ideias de “liberdade,
fraternidade e igualdade”, enriquecia-se com a animalização de povos não-europeus. Isto se
deu não apenas pela exploração de seu trabalho, mas também pelo roubo das terras que
ocupavam e de seus conhecimentos favoráveis ao sistema capitalista, na condenação de seus
modos de ser, na imposição violenta da cultura ocidental eurocêntrica.
Autores(as) do grupo Modernidade/Colonialidade também apresentam que,
apesar da queda de regimes colonialistas, aspectos desse processo de dominação, em
especial, subjetivos, ainda são identificados nos sujeitos, como ainda compõem as estruturas
sociais. Isto é perceptível no Brasil, por exemplo, na desvalorização de determinadas
profissões dentro da divisão social do trabalho, no alto índice de violência obstétrica com
22

mulheres negras, na naturalização da ausência dos conhecimentos produzidos por sociedades


antigas, como as indígenas e africanas. Por isso, propõem a Decolonialidade como um
conceito que “desempenha um importante papel em várias formas de trabalho intelectual,
ativista e artístico atualmente” (MALDONADO-TORRES, 2020, p. 28), possibilitando
identificar e desconstruir a lógica colonialista ainda presente na modernidade.
Mariátegui (2007; 1925) e Cusicanqui (2010) apresentam que, mais do que
construir teorias e conceitos, é necessário desenvolver práticas descolonizadoras, fortalecer
os conhecimentos produzidos por latino-americanos e em suas próprias instituições,
fundamentando-se nas lutas e reivindicações dos movimentos sociais, em especial, nas lutas
indígenas e negras em nosso continente.
O mito da democracia racial, baseado numa suposta convivência natural entre as
diferentes raças, tenta invalidar as consequências da escravidão na sociedade e, em especial,
na vida de africanos e afrodescendentes, como também nos efeitos da ocupação das terras
indígenas, no apagamento de sua história e diversidade, na tutela desses povos.
A suposta aceitação gerada pelo mito da democracia racial causa, na verdade,
uma exotização das culturas não-hegemônicas, sendo tratadas como mito, como folclore,
como fantasia e não como conhecimento nos processos educacionais. Nesse sentido, é
importante diferenciar as abordagens do multiculturalismo para entender a inovação que as
Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 propõem para a educação.
Para conseguir analisar o que já foi alcançado para a implementação de políticas
educacionais de promoção da igualdade racial, em especial as Lei nº 10.639/03 e nº
11.645/08, assim como o que ainda é necessário transformar na formação dos professores, é
fundamental observar a natureza dessas políticas educacionais e o que elas aventam. Não
propõem a inserção da história e cultura desses povos apenas como temáticas, o que
intensificaria as visões fantasiosas sobre esses povos, mas como formas de construção de
conhecimento que não se encaixam nos parâmetros estabelecidos arbitrariamente pela
ciência ocidental eurocêntrica.
As diretrizes que orientam a implementação da Lei nº 10.639/03 destacam seus
aspectos inovador e desafiador, ou seja, a indicação da perspectiva multi/intercultural para,
no diálogo entre as culturas, inserir as produções de conhecimento ocultadas por séculos pela
colonialidade. Isto pode ser observado no seguinte trecho da Resolução nº 1/2004, de 17 de
junho de 2004 do Conselho Nacional de Educação (CNE, 2004):
23

É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico


marcadamente de raiz europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos
currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica
brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e
atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico-
culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz
africana e europeia. É preciso ter clareza que o Art. 26A acrescido à Lei
9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se
repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino,
condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da
educação oferecida pelas escolas (CNE, 2004, p. 8).

Assim, mais do que inserir as presenças negra e indígena em algumas datas


pontuais no ano letivo, ou pior, associá-las apenas à situação de escravidão ou tutela
religiosa, a lei propõe que negros(as) e indígenas sejam trabalhados como sujeitos políticos,
que atuaram ativamente ao longo da história. Nesse sentido, destaca-se a iniciativa da
professora Larisse Moraes, com o Projeto Afroativos, implementado na escola de ensino
fundamental Saint’Hilaire, em Porto Alegre-RS, que tem como uma das atividades a
elaboração de um Calendário Afroafirmativo, no qual durante todo o ano são refletidos
marcos históricos e personalidades importantes da cultura negra.
Portanto, a lei tem um caráter desafiante e não pretende apenas preencher
espaços vagos no currículo escolar, mas inserir os saberes “subalternizados” (MIGNOLO,
2020) no debate e na construção de conhecimento junto a outras produções. Mas, para essas
leis alcançarem os processos educacionais na escola é necessária a transformação de uma
estrutura ligada à educação (aprovação do CNE, formação inicial e continuada de
professores, Projeto Político Pedagógico (PPP), currículo).
O foco desta pesquisa está na formação de professores e em como ela foi
impactada pelas necessidades que essas leis trouxeram para a educação. Para tanto, exige-se
uma mudança de atitudes e mentalidade sobre o que e porque determinados conhecimentos
são legítimos e são transformados em pensamentos hegemônicos, enquanto outros são
relegados ao caráter de mito e folclore. Carvalho (2020) propõe a descolonização como
processo de resgate dos pensamentos subalternizados pelo colonialismo — estruturas
econômica e ideológica —, e de suas consequências ainda presentes por meio da
colonialidade, pois

Descolonizar, no nosso caso, seria um duplo movimento. Primeiro, desvincular-se


do mandato introjetado de repetir o padrão epistêmico ocidental como a única
referência de conhecimento (científico, artístico, tecnológico). [...] O segundo
24

movimento seria não de restaurar um momento acadêmico anterior, não


colonizado, mas de refundar nossa academia. Refundar a universidade é construir
um novo pacto entre todos os grupos e comunidades da nação (CARVALHO,
2020, p. 90).

Dessa maneira, tendo como princípio de que o processo formativo docente é


contínuo, no qual os desafios do cotidiano escolar motivam os(as) professores(as) a
pesquisar para suprir as necessidades pedagógicas, como também as mudanças sociais
impulsionam esse profissional a integrar, em sua ação pedagógica, estratégias de superação
dos problemas sociais, a formação de professores deveria, assim, “gerar verdadeiros projetos
de intervenção comunitária nas cidades” (IMBERNÓN, 2010, p. 46).
A Lei nº 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura
Africanas e Afro-brasileiras, completou 18 anos em janeiro de 2021. Esta é uma conquista
do Movimento Negro no Brasil e uma reivindicação que parte de fora da academia e da
escola, como nos apresenta Gomes (2017, p. 38),

[o] Movimento Negro ressignifica e politiza a raça, compreendendo-a como


construção social. Ele reeduca e emancipa a sociedade, a si próprio e ao Estado,
produzindo novos conhecimentos e entendimentos sobre as relações étnico-raciais
e o racismo no Brasil.

A Educação para as relações étnico-raciais se dá em um diálogo constante entre educação


formal e não-formal, entendendo que ambas oferecem conhecimentos necessários para
pensar e transformar a sociedade.
A universidade, nesse sentido, teria como missão adaptar os currículos dos
cursos de pedagogia e das licenciaturas com o intuito de capacitar os(as) futuros(as)
professores(as) no desenvolvimento de ações pedagógicas para o ensino de “conhecimentos
outros”. Sendo necessário inserir os conhecimentos produzidos pelos povos subalternizados
pela colonização no debate sobre a produção de conhecimentos, para que os educadores
sejam capazes de quebrar paradigmas que, “Ainda quando se fala em África na escola e até
mesmo no campo da pesquisa acadêmica, reporta-se mais ao escravismo e ao processo de
escravidão” (GOMES, 2013, p. 75).
Essa dificuldade não é uma realidade apenas do Ceará. Na experiência de
“militantes/professores negros” da Bahia, as vivências cotidianas da comunidade escolar
foram fontes de conhecimento para desenvolver pedagogias interculturais na escola, segundo
25

Araújo (2014). Observa-se, assim, que para pensar a construção da sociedade brasileira
(cultura, história e epistemologia) é necessário lançar o olhar para as diversas vozes que
contribuem para o processo de formação do(a) professor(a), podendo contribuir, também, no
reconhecimento de crianças, jovens e adultos estudantes sobre a presença de seu povo na
construção do conhecimento.
A fim de conhecer como a temática da formação intercultural de professores e
os conceitos que contribuem para sua construção têm sido discutidos na produção
acadêmica, foi realizada uma pesquisa bibliográfica denominada de Estado da Questão. A
base escolhida para o estudo foi o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na qual as buscas aconteceram a partir de dez
combinações com cinco descritores derivados da temática proposta:
a) Formação de professores;
b) Políticas educacionais;
c) Relações Étnico-raciais;
d) Educação Intercultural;
e) Decolonialidade.

Também foram estabelecidos critérios de inclusão e exclusão das produções


científicas:
a) revisão por pares;
b) 2 descritores associados no assunto;
c) operador booleano – AND;
d) recorte temporal de 10 anos (2011 a 2021);
e) língua: Português;
f) tipo de arquivo: artigo científico.

As produções selecionadas no Resultado da Busca (R.B.) passaram pelas


seguintes etapas: Leitura do Resumo (L.R.), Leitura do Artigo (L.A.) e Artigos Validados
para Análise (A.V.A.). Dos 67 artigos obtidos no R.B., 20 foram A.V.A. de acordo com os
critérios estabelecidos, como também por sua relevância para a compreensão da temática.
As produções sobre formação docente e políticas educacionais apresentaram que
esse processo acontece de forma mais qualificada quando os(as) professores(as) participam
ativamente desde a identificação das necessidades formativas até a avaliação, superando
26

também a fragmentação do trabalho docente no qual os(as) professores(as) se tornam apenas


executores de tarefas, reprodutores de manuais, “transmissores” de conhecimentos. Também
foram identificadas, nessa área, a necessidade de estreitar as relações entre universidade e
educação básica – Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC), Secretaria
Municipal da Educação (SME) e escola – e superar a sobreposição dos conhecimentos
específicos aos conhecimentos didático-pedagógicos, entendendo ambos como essenciais
para a formação docente; também evidenciaram que nos últimos anos o movimento de
massificação do conhecimento investiu mais em programas para o ensino privado que na
valorização de programas voltados para os cursos das universidades públicas.
Os artigos sobre as Relações Étnico-raciais, Decolonialidade e Interculturalidade
evidenciaram que a diversidade cultural não é uma problemática, mas sim a categorização e
hierarquização dos povos, das culturas e dos conhecimentos, instrumento já utilizado pelo
sistema capitalista para dominar as sociedades não-europeias. Apresentam também que a
produção de conhecimento não se dá apenas no âmbito da educação formal, mas também no
diálogo entre as instituições de ensino e as tensões sociais. A valorização e o reconhecimento
das diversas culturas e de seus saberes no processo educativo foram indicados como uma
possibilidade de melhorar o aprendizado de educandos(as) ao passo que eles(elas)
conseguem se reconhecer na história, nas lutas por direitos, na política, na produção de
conhecimentos.
Assim, o Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE apresenta-se
como lócus desta pesquisa. Sendo raça um conceito social, área do conhecimento que pode
revelar uma maior variedade no debate sobre o estudo das relações étnico-raciais e, estando
esse curso inserido na UECE, universidade que apresenta a formação de professores(as)
como uma de suas funções centrais, pode apresentar como tem sido desenvolvido o debate
sobre as relações étnico-raciais na educação, especificamente na formação inicial de futuros
professores(as) de sociologia.
A UECE oferece 51 cursos de licenciatura na modalidade presencial,
identificados a partir da oferta de cursos nos vestibulares 2020.2 e 2021.1, distribuídos nos
campi Itaperi e Fátima (Fortaleza), Faculdade de Educação de Itapipoca (FACEDI),
Faculdade de Educação de Crateús (FAEC), Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos/Limoeiro do Norte (FAFIDAM), Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão
Central/Quixadá (FECLESC), Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu (FECLI)
e Centro de Educação e Tecnologia da Região dos Inhamuns (CECITEC).
27

Sendo referência na formação de professores(as) e em sua atuação sociopolítica,


a UECE se destacou, segundo pesquisa realizada pela Times Higher Education (THE) em
2019, como uma Universidade que reduz a desigualdade, tendo sido a segunda colocada no
Brasil e a 92ª no mundo. Nesse sentido, torna-se importante perceber se o enfrentamento à
desigualdade social nessa universidade abre-se para os “conhecimentos outros”,
possibilitando a inserção de saberes indígenas, afro-brasileiros e africanos no debate sobre
as produções de conhecimento.
A partir da delimitação do objeto de pesquisa, foi possível elaborar a seguinte
questão motivadora: Quais aspectos compõem a formação de professores no Curso de
Licenciatura em Ciências Sociais numa perspectiva intercultural? Para tanto, foi necessário
responder também às seguintes indagações:
a) Quais as contribuições da abordagem intercultural para a educação para as
relações étnico-raciais?
b) Como a área do conhecimento das Ciências Sociais contribui para o debate
das relações étnico-raciais na educação e na formação de professores?
c) Como se dá a dialética de aproximações e distanciamentos entre
interculturalidade e elementos teórico-metodológicos e político-
pedagógicos do currículo do curso de licenciatura em sociologia da UECE?

Dessa maneira, estabeleceu-se como objetivos deste estudo:

Objetivo geral: Compreender a formação de professores(as) realizada no Curso de


Licenciatura em Ciências Sociais numa perspectiva intercultural.

Objetivos específicos:

a) Problematizar, a partir dos estudos desenvolvidos na área de Ciências


Sociais, os elementos epistemológicos, políticos e pedagógicos que
contribuem para a inserção da abordagem intercultural na formação inicial
de professores;
b) Identificar, a partir da análise documental, as mudanças ocorridas para
inserção da abordagem intercultural na formação de professores do curso de
Ciências Sociais da UECE;
28

c) Analisar como abordagem intercultural contribui, no curso de licenciatura


em Ciências Sociais da UECE, para que os(as) professores(as) nele
formados lidem com Relações Étnico-raciais no contexto da educação
básica.

A partir da observação das iniciativas realizadas pelo curso de Licenciatura em


Ciências Sociais da UECE para inserção, na formação de professores(as), dos conhecimentos
subalternizados como legítimos e necessários para o percurso de produção de conhecimentos
locais e globais da humanidade e para a formação docente, opto por uma abordagem
qualitativa crítica na qual

[...] o[a] autor[a] se centra no papel da história e dos valores na pesquisa


educacional, procurando demonstrar que suas regras e padrões são historicamente
construídos e vinculados a valores sociais e a relações políticas específicas que,
freqüentemente, são escamoteados por meio dos rituais e do discurso da ciência
(ALVES-MAZZOTTI, 1996, p. 19).

Assim, se mostra importante expor abertamente ao leitor a posição e perspectiva


de não-neutralidade da pesquisadora, que parte da observação do objeto mediada “pelos
contextos de organização da tensão entre colonialidade e descolonialidade e pelas
subjetivações sociais e culturais” (MARTINS; BENZAQUEN, 2017, p. 25).
Para observar as mudanças ocorridas no curso e como tem sido inseridos(as)
os(as) autores(as) negros(as), indígenas e seus conhecimentos na formação de professores,
utilizo as orientações para uma prática descolonizadora de Cusicanqui (2010). A fim atentar
mais às práticas, às tomadas de decisão, às escolhas políticas que ao desenvolvimento de
conceitos.
Para tanto, foram realizados
a) Levantamento e análise documental do Projeto Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Sociologia da UECE e dos Currículos Lattes dos(as)
professores(as);
b) Análise dos documentos orientadores das Leis nº 10.369/03 e nº 11.645/08,
respectivamente, do Parecer nº 03, de 10 de março de 2004, e do Parecer nº
14, de 11 de novembro de 2015;
29

c) Realização de entrevistas com professoras das diferentes áreas das Ciências


Sociais.

O texto de dissertação é composto pelas seguintes seções: 1 Introdução; 2 Estado


da Questão; 3 Movimento contra-hegemônico dos(as) colonizados(as): análise crítica sobre
colonialismo, colonialidade, descolonização e decolonialidade; 4 Formação docente,
Interculturalidade e Descolonização; 5 Metodologia; 6 A Universidade e as Ciências Sociais;
7 Considerações finais.
30

2 ESTADO DA QUESTÃO

Para a realização deste estudo, foram utilizados 5 descritores a partir de uma


pesquisa exploratória sobre as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 e as mudanças que estas
propõem na educação brasileira: 1 Formação de professores; 2 Políticas educacionais; 3
Relações Étnico-raciais; 4 Educação Intercultural; 5 Decolonialidade. A combinação entre
esses descritores resultou em 10 descritores associados para especificar o interesse desta
pesquisa bibliográfica. No Quadro 1 é apresentada a combinação desses descritores.

Quadro 1 – Combinação de descritores

Interculturalidade
Decolonialidade
Formação de professores AND Políticas Educacionais
Relações Étnico-raciais

Interculturalidade
Políticas Educacionais AND Decolonialidade
Relações Étnico-raciais

Interculturalidade
Relações Étnico-raciais AND Decolonialidade

Interculturalidade AND Decolonialidade


Fonte: Elaborado pela autora.

Foram utilizados símbolos de truncagem para delimitar a pesquisa, como as


aspas (“ ”) nas expressões que são compostas por mais de uma palavra, como também para
ampliar o alcance de produções científicas com o asterisco (*) no final do radical das
palavras a fim de recuperar variações de sufixo e a interrogação (?) para contemplar as
variações de gênero nas palavras. O Quadro 2 apresenta como os descritores foram buscados
no Portal de Periódicos da CAPES.
31

Quadro 2 – Descritores com símbolos de truncagem

Sem símbolos Com símbolos


Formação de professores “Formação de professor?s”
Políticas Educacionais “Política* Educac*”
Relações Étnico-raciais “Relações Étnico-raciais”
Interculturalidade Intercultural*
Decolonialidade Decolonial*
Fonte: Elaborado pela autora.

Foram estabelecidos também critérios de inclusão para melhor delimitar a


pesquisa bibliográfica e alcançar artigos que estejam em concordância com os propósitos e
limites temáticos da pesquisa. Assim, na fase de arquivamento do material foram utilizados
os seguintes elementos para refinar a pesquisa: 1) Revisão por pares; 2) 2 descritores
associados no assunto; 3) Operador booleano -AND; 4) Recorte temporal de 10 anos (2011
a 2021);5) Língua: Português; 6) Tipo de arquivo: artigo científico.
A Tabela 1 apresenta o resultado de busca (R.B.) no Portal de Periódicos
CAPES, assim como o número de artigos selecionados para Leitura do Resumo (L.R.) e para
Leitura do Artigo (L.A.). Durante a leitura dos artigos, também foi possível perceber que,
apesar do título, as palavras-chave e o resumo indicarem que o texto contemplava a temática
desta pesquisa, alguns artigos não atendiam aos limites conceituais estabelecidos. Dessa
maneira, foi incluída também uma etapa final chamada Artigos Validados para Análise
(A.V.A.). A Tabela 1 apresenta os números de artigos em cada etapa.

Tabela 1 – Artigos Científicos selecionados no Portal de Periódicos CAPES


(continua)
Descritores Associados R.B. L.R. L.A. A.V.A.
“Formação de professor?s” AND Intercultural* 9 9 4 4
“Formação de professor?s” AND Decolonial* 1 1 1 1
“Formação de professor?s” AND “Política* Educac*” 32 30 9 6
“Formação de professor?s” AND “Relações Étnico- 3 3 2 2
raciais”
“Política* Educac*” AND Intercultural* 2 0 0 0
“Política* Educac*” AND Decolonial* 0 0 0 0
“Política* Educac*” AND “Relações Étnico-raciais” 3 3 3 3
“Relações Étnico-raciais” AND Intercultural* 1 1 1 1
32

Tabela 1 – Artigos Científicos selecionados no Portal de Periódicos CAPES


(conclusão)
Descritores Associados R.B. L.R. L.A. A.V.A.
“Relações Étnico-raciais” AND Decolonial* 1 1 1 1
Intercultural* AND Decolonial* 15 15 4 2
TOTAL 67 63 25 20
Fonte: Elaborada pela autora.

Na fase de pesquisa dos artigos no Portal de Periódicos Capes, por meio dos 10
descritores, foram encontradas um total de 67 produções. Importante apontar que não foi
encontrado nenhum resultado com os descritores combinados “Política* Educac*” AND
Decolonial* e, que mesmo utilizando o filtro de língua apenas para Português, os 2 artigos
encontrados na combinação “Política* Educac*” AND Intercultural* foram de produções
em Espanhol e retiradas na fase R.B.
Do primeiro filtro (R.B.), onde foram encontradas 67 produções por meio dos
descritores combinados, foram descartados apenas 4 artigos, restando 63 para a próxima
etapa, quando foi feita a L.R. Da apreciação de L.A. mantiveram-se 25 produções, o que
equivale a 37% do número inicial, tendo como critério a importância do debate de cada artigo
para entender a temática proposta para este trabalho. Por fim, 20 produções foram
selecionadas para análise. No Quadro 3 são apresentadas as informações de casa artigo:
autor(a), título, periódico e ano.

Quadro 3 – Periódicos selecionados para análise


Autor (es)/a (as) Título Periódico Ano

ANDRÉ, Marli. Políticas e Programas de apoio aos Cadernos de Pesquisa 2012


professores iniciantes no Brasil
RODRIGUES, Tatiane O debate contemporâneo sobre a
C.; ABRAMOWICZ, diversidade e a diferença nas Educação e Pesquisa 2013
Anete. políticas e pesquisas em educação
BATISTA, Aline Em busca de um diálogo entre
Cleide; SILVA Plano Nacional de Educação Ensaio: Avaliação e
JUNIOR, Paulo (PNE), Formação de professores e Políticas Públicas em 2013
Melgaço da; CANEN, multi/interculturalismo Educação
Ana.
33

FERREIRA DA Formação de professores:


SILVA, Gilberto; perspectivas docentes para a Revista Ibero-americana de 2013
CABRERA, Flor construção da cidadania Educação
Ángeles. intercultural
LIMA, Denise M. S.; Educação antirracista: um Brasil Revista Ibero-americana de 2014
SOUSA, Carlos A. M. melhor é possível? Educação
RODRIGUES, Neoprodutivismo e
Melânia Mendonça mesquinhamento da formação Revista HISTEDBR 2015
docente
Relação entre educação básica e
REAL, Giselle Cristina educação superior: algumas Revista Brasileira de
Martins considerações com base em estudo Estudos Pedagógicos 2015
exploratório do Ideb em Mato
Grosso do Sul
ALVES, Simone S.; (Re)Educação das Relações Conexões Culturais –
STOLL, Vitor G,; Étnico-Raciais: ação-reflexão na Revista de Linguagens, 2016
ESPÍNDOLA, Quelen formação de professores na Artes e Estudos em Cultura
C. Educação Básica
RODRIGUES, Tatiane Desafios da implementação da lei
C.; OLIVEIRA, nº 10.639/03: um estudo de caso de Revista Educação PUC-
Fabiana L.; SANTOS, municípios do Estado de São Paulo Campinas 2016
Fernanda V.S.
ESTERMANN, Josef; Interculturalidade crítica e
TAVARES, Manuel; decolonialidade da educação Laplage em Revista 2017
GOMES, Sandra. superior: para uma nova
geopolítica do conhecimento
MARQUES, Luiz Interculturalidade na formação de Revista Brasileira de
Otávio Costa. professores do campo: análise de Educação do Campo 2017
uma experiência
VOLSI, Maria Eunice Políticas atuais para formação de
França; MOREIRA, professores da educação básica e
Jani Alves da Silva; as novas diretrizes nacionais para a Colloquium Humanarum 2017
GODOY, Gislaine formação docente
Aparecida Valadares.
Ensino de História, Diálogo
MEINERZ, Carla B. Intercultural e Relações Étnico- Educação & Realidade 2017
Raciais
34

JESUS, Carina Análise das pesquisas sobre a


Nogueira de; política de formação inicial de Colloquium Humanarum 2017
PERBONI, Fábio. professores no período de 2002-
2016
KATO, Danilo Seithi; “Cadê a puba?”: por uma formação EDUCA – Revista
SANTOS, Adriana intercultural de professores de Multidisciplinar em 2019
Araújo Pompeu Piza. Biologia em uma comunidade Educação
amazônica
JARDILINO, José Desenvolvimento profissional
Rubens Lima; docente: reflexões sobre política Educação & Formação 2019
SAMPAIO, Ana Maria pública de formação de professores
Mendes.
MARCON, Telmo; Educação das relações-raciais no Roteiro 2019
DOURADO, Ivan P. Brasil: paradoxos e obstáculos
NASCIMENTO, Adir Experiências interculturais na
C.; VIEIRA, Carlos M. universidade: a presença dos Cadernos CEDES 2019
N.; LANDA, Beatriz S. indígenas e as contribuições à lei
11.645/08
PINHEIRO, Bárbara Educação em Ciências na Escola Revista Brasileira de
C.S. Democrática e as Relações Étnico- Pesquisa em Educação em 2019
Raciais Ciências
A produção de currículos
ROSA, Fabio José Paz multiculturais e decoloniais no Revista Espaço do 2021
curso de pedagogia pelo cinema Currículo
negro de Zózimo Bulbul
Fonte: Elaborada pela autora.

O texto de Batista, Silva Junior e Canen (2013), intitulado “Em busca de um


diálogo entre Plano Nacional de Educação (PNE), Formação de professores e
multi/interculturalismo”, buscou compreender como o multi/interculturalismo é abordado
no PNE, entendendo que a educação multi/intercultural possibilita não apenas detectar as
diferenças, mas também conhecer o processo de construção das identidades e como as
relações de poder estabelecem uma hierarquia entre estas. Os autores observam que a
presença do multi/interculturalismo na formação de professores(as) proporciona um
processo de ensino-aprendizagem que constrói pontes entre a cultura vivenciada pelos(as)
estudantes e a cultura escolar, pois a educação multicultural não busca congelar as
35

identidades, ao contrário, as interpreta como historicamente construídas e, por isso mesmo,


abertas e em constante transformação pelo contato com outras culturas. Ao analisar o PNE,
os autores observaram que existe uma ausência de propostas para uma formação
multicultural de professores(as), com exceção de uma preparação específica para
profissionais da educação que irão atuar na educação do campo, quilombola e indígena.
O artigo “Formação de professores: perspectivas docentes para a construção da
cidadania intercultural”, de autoria de Ferreira da Silva e Cabrera (2013), tem como objetivo
analisar a construção de uma cidadania ativa, crítica e participativa a partir da
implementação dos princípios da interculturalidade nas práticas educativas. Para tanto, os
autores utilizam duas pesquisas de investigadores que compõem o Grupo de Investigación
en Educación Intercultural (GREDI), da Universidade de Barcelona. As duas pesquisas têm
foco na formação de professores para atuar em contextos multiculturais e estão
fundamentadas em orientações teórico-metodológicas da pesquisa-ação, que possibilita a
participação ativa dos sujeitos pesquisados no desenvolvimento da investigação. Os autores
observam que, nas pesquisas que se dedicam à diversidade cultural, é importante notar a
posição do “pesquisador-educador-formador”, suas motivações na escolha do desenho da
pesquisa, assim como do aporte teórico-epistemológico, para evitar a pseudoneutralidade
que universaliza a construção da pesquisa e do ensino, como também pelas investigações
voltadas à análise de experiências multiculturais exigirem uma postura aberta a uma
diversidade paradigmática. Um resultado muito pertinente para esta pesquisa, apontado
pelos pesquisadores, foi a necessidade de se construir processos formativos participativos e
que esses processos de formação estejam articulados tanto aos projetos pedagógicos das
escolas quanto às políticas públicas.
A pesquisa de Kato e Santos (2019), intitulada “‘Cadê a puba?’: por uma
formação intercultural de professores de biologia em uma comunidade amazônica”, se deu
por meio de uma pesquisa participante na qual se buscou identificar o aspecto etnobiológico
na formação de professores de Biologia através da articulação entre saberes populares
locais/comunitários e o conhecimento científico. Os autores evidenciam que processos
educativos voltados à valorização da diversidade cultural se dão não pela introdução do
“Outro” na cultura hegemônica, mas sim pelo interconhecimento no qual a sociedade
reconhece sua diversidade e consegue estabelecer diálogo entre saberes locais e
conhecimento científicos. Dessa maneira, os pesquisadores estabelecem a Interculturalidade
crítica como estratégia de superação do racismo estrutural e de hegemonias do conhecimento
36

que inferiorizam e desumanizam os conhecimentos produzidos por grupos sociais não-


dominantes. Por fim, os autores notam que estudantes, que têm seus saberes valorizados,
“aprendem e apreendem melhor os conceitos científicos das ciências” (p. 360), assim como
observam que a valorização, pelos professores, da história e dos conhecimentos das
comunidades nas quais as escolas estão inseridas não se dá em detrimento do conhecimento
científico, ambos os conhecimentos são, dessa forma, valorosos para a humanidade.
O artigo “Interculturalidade na formação de professores do campo: análise de
uma experiência”, produzido por Marques (2017), tem como intuito fazer uma reflexão sobre
a proposta pedagógica de um curso de Licenciatura do Campo sob a concepção de
interculturalidade. O autor apresenta o conceito a partir autores como Estermann (2010), que
identifica a Interculturalidade como um processo de aprendizagem e enriquecimento mútuo
entre as pessoas de culturas diferentes; Walsh (2010) que anuncia a Interculturalidade crítica
como um “projeto político-sócio-epistêmico”, pois visa transformar a estrutura de poder
dominante, eliminar as desigualdades sociais e culturais e valorizar outras formas de
produção de conhecimento e saberes que foram subalternizados pelas ferramentas do
capitalismo moderno. O autor inclui também no debate Fleuri (2001), que apresenta a
diversidade e as relações culturais pensadas no seio dos movimentos sociais como base da
educação intercultural no Brasil e na América Latina, apresentando a Interculturalidade
como uma possibilidade de superação da monocultura presente na educação. O autor ainda
apresenta que o projeto pedagógico da Educação do campo é desenvolver metodologias que
deem conta de vincular os conhecimentos científicos à realidade sociocultural dos estudantes
do campo. Assim, o autor observa que a proposta pedagógica das licenciaturas de Educação
do campo se opõe à proposta iluminista e colonialista, como também da Pedagogia
Tradicional, de apenas transmissão do conhecimento científico, e busca transformar a
realidade monocultural e monoepistêmica das instituições escolares. Dessa maneira, o autor
informa que a pesquisa evidenciou que o projeto pedagógico desse curso tem um caráter
inter/transdisciplinar, que a existência da Metodologia da Alternância e do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência para a Diversidade (PIBID Diversidade)
possibilitam um diálogo entre conhecimentos científicos e saberes da comunidade local.
O artigo desenvolvido por Rosa (2021), intitulado “A produção de currículos
multiculturais e decoloniais no curso de pedagogia pelo cinema negro de Zózimo Bulbul”,
apresenta como objetivo “pensar-praticar conhecimentos curriculares da formação de
professores através de uma das expressões do MN: o cinema negro” (p. 2), pois, para o autor,
37

o movimento negro (MN) foi um ator importante na inserção de “conhecimentos outros” na


educação, podendo contribuir dessa maneira, e especificamente, na formação de
professores(as). Ao analisar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Base Nacional
Comum para Formação de Professores (BNC-Formação), o autor observa que esses
documentos pouco oferecem suporte para tratar a diversidade étnico-cultural nos currículos
escolares, relacionando o termo “étnico-racial” ao combate à violência física e simbólica.
Dessa maneira, esses documentos só fortalecem o apagamento dos conhecimentos
produzidos por grupos subalternizados. Para alcançar os objetivos da pesquisa, o autor se
fundamentou no paradigma do multiculturalismo e construiu a pesquisa através da
fundamentação metodológica da pesquisa-ação, na qual o filme “Alma no Olho” foi inserido
na ementa de uma disciplina do curso de Pedagogia de uma universidade federal. Embasado
em referências como Gomes (2017), Hall (2003), Canen (2008) e Hooks (2013), o autor
apresentou a perspectiva do multiculturalismo, em especial no desenvolvimento de pesquisa.
Assim, apresentou as “quatro dimensões para o desenvolvimento de pesquisas
multiculturalmente orientadas”, elaboradas por Canen e Ivenicki (2016), sendo estas: 1)
atenção à diversidade cultural dos formadores-pesquisadores; 2) abertura à diversidade de
paradigmas;3) diversidade cultural apresentada a partir de várias áreas do conhecimento; 4)
certificar se as instituições de ensino estão abertas à diversidade cultural. Rosa (2021) atenta
para as diferentes perspectivas e transformações a partir do filme: para discentes negros pode
produzir um reconhecimento das opressões e adquirir conhecimentos que ressignifiquem sua
existência, para estudantes pardos pode reposicionar sua negritude negada historicamente e
para licenciandos brancos pode fazê-los repensar sua estrutura de privilégio histórico e
social. Rosa (2021) também apresenta, como estratégia metodológica de trabalhar a
produção cinematográfica de Bulbul para repensar o currículo, a produção de planos de
aulas, pela turma da disciplina, a partir do filme apresentado. Como resultados, o autor
observa que os aspectos estéticos e as expressões corporais foram analisados pelos alunos
não apenas no filme como também a partir de seus próprios corpos e de suas histórias
pessoais. A execução dessa atividade de pesquisa também possibilitou incluir novas
possibilidades para se pensar a imagem do negro e a utilização de obras fílmicas como
conhecimento estético para repensar os currículos e a didática.
O estudo desenvolvido por André (2012), intitulado “Políticas e programas e
apoio aos professores iniciantes no Brasil”, tem como objetivo realizar um mapeamento de
políticas e programas de formação de professores iniciantes que possibilite sua inserção na
38

profissão. Para tanto, a autora tem como base os dados obtidos pelo relatório “Professores
são importantes: atraindo, desenvolvendo e retendo professores eficazes”, publicado pela
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento revela
que a maior taxa de evasão de professores do exercício de sua profissão se dá no início da
carreira. A partir desse dado, André (2012) defende a importância de programas e políticas
que deem suporte aos professores iniciantes, seja na sua formação, seja no acompanhamento
e apoio ao exercício da profissão. A autora atenta que o desenvolvimento dessas ações deva
ser de responsabilidade da gestão pública e não uma iniciativa individual e isolada dos
professores. Iniciativas de formação de professores em sua fase inicial na Europa e América
Latina são levantadas e, diante desse cenário, André (2012) questiona como se dá o apoio a
esses professores iniciantes no Brasil, observando que de 6.978 textos sobre formação de
professores das reuniões da ANPED e dos encontros do ENDIPE, produzidos entre 1995 e
2004, apenas 24 se dedicam à formação inicial. A autora utiliza como base de critérios a
pesquisa realizada por Davis, Nunes e Almeida (2011), publicada pela Fundação Carlos
Chagas (FCC), buscando alcançar estados e municípios onde a pesquisa não foi realizada e,
assim, ampliar a base de dados, mas também buscou contemplar a diversidade regional,
ações distintas entre si, para acessar municípios e estados que “tivessem proposta curricular
apoiada em sistema apostilado de ensino” (p. 8), alcançando o recorte de 15 estudos de caso
(5 Secretarias Estaduais de Educação e 10 municipais). Foram desenvolvidos e aplicados 2
instrumentais de roteiros de entrevistas, o primeiro com questões voltadas a obter dados
quantitativos sobre professores(as), escolas e planos de carreira, e o segundo voltado para
obter dados sobre as formas de apoio ao trabalho dos(as) professores(as) e a ações de
formação continuada. A pesquisa conseguiu detectar iniciativas de formação durante o
processo seletivo de professores (concurso público) ou logo após a aprovação, como as
realizadas pela SEDUC dos estados do Espírito Santo e do Ceará e pela SME de Jundiaí. A
autora observa que, apesar de ter um caráter positivo, essas experiências não podem ser
consideradas ideais, pois não compõem um programa de acompanhamento dos professores
iniciantes. André (2012) também apresenta o programa de formação docente desenvolvido
pela SME de Sobral, no Ceará, que constrói um programa voltado às necessidades dos(as)
professores(as). Essa ação, observa a autora, é a única política de formação continuada a ser
regulamentada por uma lei municipal. Também é apresentado o programa para professores
no início da atividade docente da SME de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. André
(2012) destaca o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID),
39

construído pela CAPES, o Bolsa Alfabetização, em São Paulo, e o Bolsa ao Estagiário de


Pedagogia, da SME de Jundiaí, como iniciativas que possibilitam estreitar as relações entre
diferentes espaços formativos, universidade e escolas, na construção de programas que
apoiem os professores iniciantes na construção e reflexão sobre sua atividade profissional.
Por fim, a autora apresenta como resultado dos 15 estudos de caso: a preocupação por um
melhor atendimento aos(às) professores(as) iniciantes pelos responsáveis da secretarias de
educação; as iniciativas apresentadas também contemplam necessidades da região na qual
estão inseridas, o que é valorizado pela pesquisadora devido à diversidade no Brasil; as
avaliações sobre os processos formativos são destacados como pontos de atenção, por ser
necessário que essas avaliações levem em consideração a aprendizagem dos alunos e não as
avalições sistêmicas, que levam o ensino a inclinar-se a atender as metas desses testes. A
partir dessa discussão, André (2012) apresenta uma sugestão de criação de uma comissão de
especialistas e pesquisadores, a nível nacional, que elabore propostas de programas voltados
à formação docente.
O artigo “Análise das pesquisas sobre a política de formação inicial de
professores no período de 2002-2016”, de autoria de Jesus e Perboni (2017), tem como
objetivo fazer um levantamento sobre as produções acadêmico-científicas acerca das
políticas de formação inicial de professores. As autoras utilizam referências como Gatti
(2010), Mindal e Guérios (2013) e Brzezinski (2014) para apresentar um panorama sobre a
formação inicial docente, a sobreposição da área específica sobre a formação pedagógica
nas licenciaturas e as circunstâncias pontuais nas quais são produzidas as políticas de
formação de profissionais da Educação. Foram selecionadas 40 produções (12 teses e 28
dissertações) no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD)
relacionadas a políticas e formação inicial, tendo sido esses trabalhos organizados em quatro
grupos. As produções do grupo “Políticas, ações e programas para a formação inicial de
professores em exercício” analisaram que os programas contavam com conflitos políticos
no seu processo de implementação, apresentavam a característica de aligeiramento na
formação pedagógica, mas conseguiram minimamente introduzir a epistemologia da prática,
mudando também a visão dos docentes sobre o exercício de sua profissão. Os estudos do
grupo “Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)” destacaram o
papel do programa na interação entre “Universidade-escola-formação” (p. 65),
possibilitando o diálogo entre teoria e prática docente e o contexto escolar. As pesquisas do
40

grupo “Formação Inicial e Políticas curriculares” destacaram que as reformas nas


licenciaturas são perpassadas por uma disputa de poder sobre as concepções curriculares,
ocasionando uma diminuição na autonomia das universidades, tanto no aspecto didático-
pedagógico quanto de identidade da instituição e do(a) profissional da educação. Dessa
maneira, observam que as políticas direcionadas às licenciaturas são elaboradas de forma
vertical, sem levar em consideração as estruturas das universidades. As produções do grupo
“Macro e Micro, Implementação de políticas, ações e programas” atentam para o fato de as
políticas de formação inicial se darem de forma pontual, sem levar em consideração as
necessidades reais da educação e apresentar uma formação aligeirada e flexível que só
atendem a problemas emergenciais.
O artigo intitulado “Neoprodutivismo e amesquinhamento da formação
docente”, de autoria de Rodrigues (2015), busca fazer reflexões sobre a interferência de
organismos internacionais, como o Banco Mundial, na formação de professores no Brasil
tendo como foco de análise o documento “Profesores excelentes: cómo mejorar el
aprendizaje en América Latina y Caribe”. A ação desses organismos é garantida pelo
processo de reforma da educação brasileira, que se inicia na década de 1990 e direciona o
ensino para a pedagogia das competências, estabelecendo a educação escolar voltada à
“formação para o trabalho simples e para o trabalho complexo” (p. 129). A autora apresenta
o conjunto de reformas estabelecidas pelos organismos internacionais, as quais buscam
responder a demandas do capital, isto é, direcionar a educação para a formação de
trabalhadores flexíveis que se adaptem às transformações do mercado e reproduzam
conhecimentos técnicos. Rodrigues (2015) observa que a finalidade dos programas voltados
à formação de professores era capacitar profissionais já atuantes na educação, mas que não
tinham formação para desempenhar a docência. Foram em iniciativas assim que também se
deu a criação de diretrizes curriculares para a formação de professores no nível superior e da
Universidade Aberta do Brasil (UAB), que busca oferecer formação inicial e continuada a
distância. Por fim, a autora demonstra que as ações dos mecanismos internacionais ainda
hoje são responsáveis pelo aligeiramento da formação docente, fragmentação do trabalho
do(a) professor(a), tornando-os(as) executores(as) de planos de ensino universalizantes,
elaborados de forma arbitrária por outros profissionais, inclinados a um currículo de
formação docente para beneficiar a expansão do capital e o direcionamento de investimento
de recursos no universo da educação básica.
41

O artigo de Real (2015) intitulado “Relação entre educação básica e educação


superior: algumas considerações com base em estudo exploratório do Ideb em Mato Grosso
do Sul”, desenvolvido através de uma pesquisa exploratória, teve como objetivo entender a
relação entre algumas redes municipais de ensino, que tiveram bons resultados no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), e a Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul (UEMS), levando em consideração sua função institucional de desenvolver uma
formação pautada no ensino, na pesquisa e na extensão. A autora apresenta algumas ações
dessa universidade voltadas à formação inicial de professores. Entre elas o curso normal
superior, desenvolvido a partir das demandas das redes de ensino municipais e estaduais,
como a formação de quadros técnicos, no qual a avaliação se dá por meio de relatórios dos
resultados do vestibular e por reuniões com as secretarias municipais. Outra iniciativa
institucional foi a ampliação de vagas para os cursos de licenciatura, tendo sido adotada a
Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica para
qualificar docentes em exercício e criar fóruns estaduais de apoio à formação docente. Essas
ações e a interiorização da universidade pública, especificamente da UEMS, se dão em um
cenário de expansão de faculdades privadas no Brasil, caracterizado pela massificação do
ES. É importante ressaltar que enquanto a interiorização da universidade pública possibilita
a interação com as demandas locais das redes municipais de ensino e o desenvolvimento de
ações conjuntas para sanar as necessidades desses contextos, a expansão do ES privado
promove uma formação aligeirada que não está embasada na vinculação entre ensino-
pesquisa-extensão. Nesse sentido, a autora atenta para o fato de as ações da UEMS
constituírem um processo contrário à capitalização do ensino. Por fim, Real (2015) observa
que os conhecimentos das áreas específicas ainda se sobrepõem aos conhecimentos
pedagógicos, necessários para o exercício da docência. Isto pode ser causado por uma
exclusividade a professores universitários que, no desenvolvimento de ações em cursos de
licenciatura, focam apenas em sua área específica de conhecimento. A partir da pesquisa, a
autora também observa que existe a necessidade de desenvolver técnicas de análise e
processos avaliativos de políticas institucionais que possibilitem tomadas de decisão mais
assertivas a partir dos resultados obtidos. Assim, Real (2015) observa que a contribuição das
ações da UEMS nas redes de ensino municipal se dá diretamente na formação inicial de
professores e gestores e propõe que as políticas para pesquisa e extensão foquem na
formação de professores para que, de fato, esses profissionais potencializem e interfiram no
desenvolvimento educacional para além dos bons resultados em avaliações sistemáticas.
42

O artigo “Desenvolvimento profissional docente: reflexões sobre política


pública de formação de professores”, sob autoria de Jardilino e Sampaio (2019), propõe
debater sobre o Desenvolvimento Profissional Docente (DPD) diante do Plano Nacional da
Educação (PNE). Para tanto, os autores apresentam várias definições sobre o conceito, a
partir de referências como García (1999), que destaca que o termo expõe um processo desde
a formação inicial, passando pela continuada e pelo crescimento profissional, assim como é
caracterizado por uma união de fatores (formação, pesquisa, reflexão sobre o contexto
escolar). Imbernón (2004; 2009), que destaca a importância de incluir no desenvolvimento
profissional de professores ações para além de formativas, mas também questões
relacionadas à profissão e à identidade docente. Esses autores também apresentam a
perspectiva de Nóvoa (2002), que afirma ser o DPD um espaço tanto para trabalhar a
identidade docente como o contexto escolar no qual esse(essa) profissional está atuante.
Jardilino e Sampaio (2019) observam que, mesmo não havendo uma única definição de
DPD, é comum na literatura de referência a necessidade dos(as) professores(as) participarem
ativamente de seu processo de desenvolvimento profissional. Os autores identificam que o
DPD é previsto no PNE, nas metas 15 e 16, relacionadas à formação, e nas metas 17 e 18,
associadas à valorização profissional. O documento também estabelece um modelo de
acompanhamento de professores nos seus primeiros anos de atividade docente, sem apontar
quem serão os responsáveis por essa orientação. Estão previstas também licenças
remuneradas e incentivos à qualificação profissional que, segundo os autores, se não for dada
atenção à metodologia dos planos de carreira, pode-se intensificar o problema já conhecido
da meritocracia e da remuneração por desempenho. Os autores também atentam para que o
desenvolvimento profissional dos professores seja pautado em uma formação polivalente,
promovida a partir da pesquisa e da relação de parceria entre a universidade e a comunidade.
Jardilino e Sampaio (2019) concluem que as propostas de formação e de trabalho docentes
inseridas no PNE se dão a partir de embates político-ideológicos e tendem a separar a
formação dos(as) professores(as) de sua “constituição epistemológica de ciência” (p. 191),
considerando os(as) docentes como meros(as) reprodutores(as) de ideias e operadores(as) de
tarefas.
O artigo de Volsi, Moreira e Godoy (2017), intitulado “Políticas atuais para
formação de professores da educação básica e as novas diretrizes nacionais para formação
docente”, tem como objetivo desenvolver um debate sobre o impacto das novas diretrizes
sobre a organização dos currículos das licenciaturas e a relação entre a formação de
43

professores no ES e a educação básica. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental,


tendo como referencial teórico-metodológico o materialismo histórico. As autoras discutem
a Resolução nº 2/2015 (MEC/CNE/CP, 2015a), que estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação Inicial em nível superior, e o Parecer nº 2/2015 (MEC/CNE/CP,
2015b), que apresenta as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Inicial
e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica. Além disso, reconhecem
esses documentos como “representações históricas, com significações que expressam
aspectos ideológicos produzidas no contexto de mundialização da economia” (p. 124). A
Resolução nº 2/2015 define que os cursos de licenciatura serão organizados em 3 núcleos:
1) formação geral das áreas específicas e dos fundamentos e metodologias pedagógicas; 2)
aprofundamento na área de atuação profissional com conteúdos específicos e pedagógicos e
em sintonia com as redes de ensino; 3) estudos de enriquecimento curricular. Também
estabelece a divisão da carga horária de 3.200 horas entre prática, estágio supervisionado,
atividades formativas e atividades teórico-práticas de interesse do estudante. A Resolução
orienta ainda que os Projeto Pedagógico Institucional (PPI), Projeto Pedagógico do Curso
(PPC) e Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI) devam ser adequados às novas
mudanças estabelecidas pelas DCNs num prazo de 3 anos. As autoras informam que essas
diretrizes pretendem dar apoio à implementação das DCNs para formação de professores em
nível superior de 2002, que impõem o desenvolvimento de competências no processo
formativo, demonstrando que as adequações curriculares às DCNs são orientadas por
demandas do capital, as quais pretendem estruturar a formação docente de acordo com as
necessidades e mudanças no mercado de trabalho. Apesar das críticas, foram lançados
desafios importantes, entre eles está o de diminuir o distanciamento entre as instituições
formadores e a educação básica. Para tanto, as autoras propõem que os planos de formação
de professores não só tenham uma organização didático-pedagógica e curricular adequada,
como também pensem em um processo formativo no qual os(as) professores(as) sejam
sujeitos históricos em busca da emancipação humana.
O artigo “Desafios da implementação da Lei nº 10.639/03: um estudo de caso de
municípios do Estado de São Paulo”, de autoria de Rodrigues, Oliveira e Santos (2016), tem
como propósito entender como a Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003) tem sido implementada
na rede pública de ensino infantil e fundamental através de um mapeamento dos níveis de
domínio dos(as) professores(as) sobre as relações étnico-raciais e a posição das instituições
escolares em sua implementação. Para tanto, as autoras constroem os dados a partir de um
44

curso de aperfeiçoamento de 180h, no qual inicialmente apresentam um questionário aos(às)


professores(as) para conhecer seu perfil, as atitudes e as percepções sobre a temática. A
maioria do professorado é composta por pessoas que se identificam com o gênero feminino;
mais de 3/4 se autodeclarou branca; as instituições privadas são os principais espaços
formativos desses(as) professores(as) e gestores(as); 89% declarou participar de religiões de
origem cristã (católicos, evangélicos e espíritas). A pesquisa constatou que 46% dos(as)
gestores(as) e 51% dos(as) professores(as) não têm conhecimento sobre o conteúdo da Lei
nº 10.639/03 e das DCNs, sendo esse fator considerado pelas autoras como principal
obstáculo para a implementação do debate sobre as relações étnico-raciais no contexto
escolar, causando uma falta de confiança nos(as) professores(as) para tratar sobre o assunto.
As DCNs estabelecem que é dever das secretarias de educação propor cursos de formação
continuada aos professores e discutir a inclusão da questão racial no currículo, e que às
instituições escolares cabe o papel de disponibilizar material de apoio sobre a temática aos
professores. A pesquisa apontou que os(as) professores(as) apresentam uma imagem
preconceituosa e reduzida sobre o continente africano. As autoras trazem, portanto, Gomes
e Jesus (2013) para demonstrar o quanto a falta de conhecimentos sobre a história da África
gera uma desvalorização de sua cultura e representatividade. A investigação também
apontou que esses(essas) profissionais não conseguem identificar a existência de racismo no
ambiente escolar apesar de reconhecer sua existência na sociedade brasileira. Também foi
identificado que 1/3 dos(as) professores(as) acredita que os negros são os principais
responsáveis pela existência do racismo e 2/3 não concordam com as políticas de reparação
por acreditar que estas aumentam a incidência de atitudes preconceituosas. As autoras
observam que esse tipo de percepção é fundamentada no discurso de meritocracia, o qual
afirma que os sujeitos têm as mesmas oportunidades e, por isso, devem se esforçar o
suficiente para conquistar seus espaços.
O artigo “(Re)Educação das Relações Étnico-raciais: Ação-reflexão na formação
de professores na Educação Básica”, de autoria de Alves, Stoll e Espíndola (2016), tem como
objetivo identificar experiências de implementação das DCNs para a Educação das Relações
Étnico-raciais por meio do desenvolvimento de um processo formativo com professores. Os
dados são analisados sob a perspectiva histórico-crítica. Os autores identificam que a
educação está impregnada de processos culturais, sendo, dessa maneira, impensável
construir experiências pedagógicas alienadas das experiências culturais do povo. Nesse
sentido, o ambiente escolar não está isolado do racismo, das desigualdades sociais, das
45

discriminações que se dão em sociedade. Alves, Stoll e Espíndola (2016) afirmam que os
processos educativos devem possibilitar, de maneira dialógica, que os educandos tenham
consciência sobre si, sobre o outro e sobre a sociedade em que se constituíram; que os
processos de aprendizagem se tornem mais significativos após ser reconhecida e valorizada
a diversidade cultural dos(as) educandos(as). Nesse sentido, só é possível desconstruir a
ideia de homogeneidade da cultura escolar quando a prática pedagógica é guiada também
pelo princípio da diferença. Através da organização e execução de uma formação com
professores da rede pública de ensino do município de Dom Pedrito, os autores analisaram
esse processo e as informações que se sobressaíram dele a partir da fundamentação
metodológica marxiana do Discurso do Sujeito Coletivo. Os dados sobre a naturalização do
racismo na escola demonstraram o quanto são importantes processos formativos que
contemplem a História da África e dos Povos Originários para construir metodologias que
encorajem o reconhecimento da diferença como positiva, não como uma estrutura de poder,
em um exercício constante de “unir forças para nadar contra séculos de preconceito” (p. 21).
Os autores se fundamentam na perspectiva de que os professores também são vítimas do
sistema capitalista, que impõe grandes jornadas de trabalho, deixando-os indisponíveis a
realizar uma reflexão crítica sobre seu exercício político-pedagógico. Em um diálogo entre
Marx (2007) e Purin (2011), demonstram o quanto a burguesia vê o professor como
reprodutor de conhecimentos para a manutenção da atual estrutura de poder, enquanto a
classe trabalhadora entende os(as) professores(as) como mediadores de conhecimentos que
possibilitam transformar as atuais condições socioeconômicas. Dessa maneira, a formação
desses(as) professores(as) não pode ser pautada simploriamente em competências, mas no
comprometimento social necessário ao exercício da docência. Por fim, os autores entendem,
a partir de Imbernón (2001), que quando processos constroem processos educativos de forma
coletiva também conseguem construir soluções para as contradições sociais, isto é, quando
refletem juntos sobre a própria prática, entendem que é necessário respeitar as diferenças,
mesmo tendo como horizonte o ideal democrático de que “todos são iguais”.
O artigo “Educação as relações étnico-raciais no Brasil: paradoxos e
obstáculos”, de autoria de Marcon e Dourado (2019), propõe entender o que impede o avanço
das discussões sobre relações étnico-raciais no Brasil, em especial no âmbito educacional.
Apresenta a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
e a Lei nº 10.639/03 como instrumentos que estabelecem a educação como direito social,
destacando a valorização das contribuições das diferentes culturas e etnias na formação do
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Brasil e a contribuição da população negra, em África e na diáspora, nos diferentes âmbitos


da sociedade. Os autores observam que, embora a escravidão de pessoas negras não esteja
mais fundamentada legalmente, os impactos da sua existência no passado ainda são
identificados na estrutura social do Brasil atualmente, como apresentam os dados do “Mapa
da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil”, destacando a desigualdade entre
brancos e negros, ocasionando que as maiores vítimas de homicídios por arma de fogo são
negras, além de evidenciar a desigualdade no rendimento salarial que prejudica a população
negra. Para entender a essência desses dados sob a perspectiva sociológica, os autores
utilizam como referência os sociólogos Florestan Fernandes e Jessé Souza. Florestan
constata que a escravidão no Brasil não se deu apenas como uma forma de trabalho forçado,
mas se constituiu como uma cultura, isto é, se entranhou nas relações sociais e, mesmo com
o estabelecimento de uma nova ordem política e econômica, os costumes do regime
escravista não foram superados. Fernandes atribui isso ao fato de essa transição de sistema
político-econômico ter sido conduzida pela própria burguesia escravista que conseguiu
invalidar a presença de movimentos progressistas abolicionistas. Esse fato não gerou
mudanças significativas na estrutura da sociedade e nas relações sociais, como também
estipulou uma manutenção da cultura de dominação. Jessé Souza atenta que houve mudanças
no jogo político-econômico, mas os atores desse jogo continuaram nas mesmas posições e a
burguesia, que garantiu sua posição de poder, buscou preservar sua hegemonia nas diversas
esferas da sociedade, na produção do conhecimento, na divisão do trabalho e nas relações
de dominação. Essa manutenção das relações de poder é naturalizada a partir do
estabelecimento de um “mito da brasilidade”, fundamentado pelos sociólogos Gilberto
Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, no qual o mestiço, símbolo da brasilidade, carrega em
sua personalidade determinadas características, como a cordialidade. Souza (2012) apresenta
que essa imagem sobre a formação do Brasil desconsidera o drama social imposto à
população negra na história do país. A “modernização brasileira”, segundo os autores do
artigo, produzem classes subalternizadas que não conseguem seguir os novos padrões e
naturalizam, assim, a pobreza e a desigualdade, sendo possível identificá-la no uso da
linguagem para reproduzir preconceitos e no discurso de meritocracia. Por fim, os autores
concluem que houve um avanço do ponto de vista formal com a legislação e as políticas
educacionais, mas o mesmo não ocorreu no âmbito cultural e nas práticas sociais. Ainda há
resistência nas instituições escolares em abordar a pluralidade dos grupos sociais, pautando-
se em um discurso homogeneizante e quando o fazem, por uma obrigatoriedade do
47

calendário escolar, naturalizam ou romantizam discriminações. Dessa maneira, os autores


constatam que a educação intercultural é um recurso possível para se entender a pluralidade
como uma condição para a democracia, visibilizando as histórias historicamente silenciadas.
O artigo de Lima e Sousa (2014), intitulado “Educação antirracista: um Brasil
melhor é possível?”, pretende analisar a Lei nº 10.639/03 por meio dos movimentos sociais
e das legislações nacionais e internacionais, entendendo a importância do direito à educação
para as relações étnico-raciais em um país onde as desigualdades entre brancos e negros
ainda são intensas. Os autores relembram que, antes da Constituição de 1988, vários
segmentos dos movimentos sociais, em 1986, já se reuniam com o propósito de formar uma
“Convenção Nacional do Negro pela Constituinte”, o que resultou nas reivindicações por
uma educação gratuita, pela inclusão da História da África e do negro no Brasil no currículo
escolar e pela instituição do 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra.
Lima e Sousa (2014) apresentam a Constituição de 1988, a LDB e a Conferência Mundial
sobre Educação para Todos de 1990, ocorrida na Tailândia, como dispositivos legais que
determinam a educação como um direito humano. Assim como no âmbito da discussão sobre
raça, a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial (1968), a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) e a Conferência Mundial
contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Outras Formas de Intolerância em
Durban (2001) foram marcos legais que legitimaram as Políticas Afirmativas no Brasil.
Dessa maneira, os autores observam que as políticas educacionais são possibilidades de
desconstruir os efeitos, ainda presentes, das políticas colonialistas. No tocante à formação
de professores, os autores salientam que no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-brasileira e Africana, as instituições de ensino superior (IES) são
responsáveis também por incluir nos currículos e disciplinas o debate sobre a Educação para
as Relações Étnico-Raciais, desde a ampliação de vagas que possibilite o ingresso de
afrodescendentes, até garantir a formação e apoio técnico às(aos) professoras(es) que atuam
na educação básica. Tendo como referência Bobbio (1992), Lima e Sousa (2014) atentam
que hoje o problema não se trata de fundamentar os direitos que garantem a dignidade
humana, mas sim assegurá-los e impedir que sejam suspensos. Assim, os autores observam
que além da legislação citada, o Estado brasileiro implementou a Secretaria Especial de
Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (PNEDH) e o Plano Nacional de Promoção de Igualdade
48

Racial (PLANPIR) como formas de responder às demandas da sociedade civil e cumprir os


acordos estabelecidos diante da comunidade internacional. No entanto, afirmam os autores,
não basta que as(os) professoras(es) tenham conhecimento dos instrumentos legais, mas é
necessário despertar nestas(es) um compromisso com o rompimento de posturas, valores e
julgamentos discriminatórios no ambiente escolar. Despertar nessas(es) professoras(es) a
consciência de que a manutenção de preconceitos desenvolve nas minorias uma imagem
negativa de si mesma, sobre sua história, sobre seu povo, além da preservação de um dos
piores efeitos do racismo: a perda de autoconfiança. Concluem, assim, reiterando que o
debate sobre a Educação para as Relações Étnico-Raciais deve ser tomado por toda a
sociedade, brancos e negros, que uma educação antirracista só é possível quando se tem um
compromisso com as mudanças no currículo, nos projetos e na formação de professores, mas
assumindo que a educação tem suas limitações e não será apenas ela a transformar as
relações sociais, mas é importante tê-la como aliada.
O artigo “O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença nas políticas
e pesquisas em educação”, com autoria de Rodrigues e Abramowicz (2013), tem como
objetivo entender o debate contemporâneo sobre os conceitos de cultura, diversidade e
diferença. As autoras estabelecem como pressuposto a verificação de que a partir dos anos
1990 o debate sobre diversidade e outros conceitos a ela relacionados cresceu no cenário
nacional e internacional, influenciando a criação de novas políticas públicas, em especial no
âmbito da educação. Foi utilizado como base documental um acervo de fontes oficiais
composto pelos: Balanço de governo 2003-2010; o Plano Plurianual 2004-2007; leis
orçamentárias 2003-2010; e relatórios de gestão do governo federal. As autoras primeiro
desenvolvem o conceito de diversidade, notando que essa ideia se tornou significativa em
sociedades que foram diretamente impactadas pelo colonialismo europeu. Tem sido também
objeto de intervenção de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a qual considera a diversidade não
apenas como um direito, mas também uma condição para um diálogo entre os povos,
reconhecendo que a cultura “são e estão num processo contínuo de evolução, sendo resultado
de múltiplas influências ao longo da história” (p. 17). Logo depois, em diálogo com Cuche
(1999), apresentam as várias concepções para cultura, empregada pela língua francesa do
século XVIII para designar uma formação quase que sagrada, “uma soma de saberes”, sendo
fundamental para que os Iluministas a utilizassem para distinguir a espécie humana,
tornando-se um fator de delimitação da nacionalidade na Alemanha do século XVII e de
49

tomada pela Antropologia, como um conjunto de experiências na história de um povo. Para


as autoras, quando a educação é inserida no campo social, passa a ser utilizada como
ferramenta para apaziguar conflitos existentes na sociedade. O culturalismo no Brasil se dá
a partir dos anos 1930, buscando definir formação nacional diante da diversidade de povos
que o compõem. A relação entre educação e cultura se dá com a função de homogeneização
cultural, buscando formar sujeitos universais ao extinguir as culturas africanas e indígenas.
Inicialmente, o currículo se torna o centro do debate entre educação e cultura através dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Ao analisar produções acadêmicas sobre o
assunto, as autoras observaram que existem alguns pontos em comum muito utilizados pelos
pesquisadores: o interculturalismo crítico, que propõe uma unidade cultural entre todos
como fusão das diversas culturas locais; e a crítica ao multiculturalismo, que considera a
sociedade como um mosaico cultural no qual a tolerância é ponto de partida e ponto de
chegada do processo pedagógico. As autoras destacam que no governo de Fernando
Henrique Cardoso se estabelece o debate sobre o combate à discriminação na esfera pública
e a partir do governo Lula acontece uma reorganização das políticas públicas focadas no
debate da raça, do gênero e da sexualidade. Concluem que, apesar do esvaziamento do tema
no debate público, da falta de comunicação entre os programas, da supressão de programas
de proteção aos direitos humanos, um ponto positivo a ser destacado nesse processo, em
especial no governo Lula, é a abertura para se construir políticas públicas em diálogo com
movimentos sociais. Assim como a abordagem de “espaço da diáspora” traz consigo a
possibilidade de tratar o debate cultural em diálogo com gênero, raça, etnia, classe social e
desigualdade.
O artigo de Meinerz (2017), intitulado “Ensino de História, Diálogo Intercultural
e Relações Étnico-Raciais”, tem como propósito fazer uma reflexão, a partir de análise
bibliográfica e documental, entre o ensino de História, a educação para as relações étnico-
raciais e a interculturalidade. A autora observa que as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 são
inovadoras por trazerem para a esfera pública, por meio da educação, o debate sobre racismo,
onde profissionais da educação são desafiados a reinventar suas práticas pedagógicas, não
apenas do ponto de vista do conteúdo, mas também da construção de uma ética diante de
atitudes racistas no ambiente escolar. Além disso, a autora destaca que a implementação
dessas leis ultrapassa os limites do acesso ao conhecimento científico e escolar,
reivindicando uma relação justa com as histórias e memórias ocultadas. Meinerz (2017)
apresenta a construção dos conceitos de raça e etnia que, inicialmente, se dá através de um
50

paradigma de superioridade da raça branca, pautado em bases biológicas, e que nas Ciências
Sociais se estabelecem como construções históricas e sociais orientadas por experiências
culturais. Fazendo referência à historiadora Lília Moritz Schwarcz (1998), a autora apresenta
que o racismo no Brasil se construiu na esfera da intimidade, trazendo à tona o mito da
democracia racial e evidenciando a contradição existente no fato das práticas racistas, as
quais se dão no privado e são condenadas publicamente. A autora verifica que, mesmo sendo
construído o imaginário de que no estado do Rio Grande do Sul existe uma população
predominantemente branca, descendente de italianos e alemães, a cidade de Porto Alegre
durante o século XIX era habitada por negros que foram removidos pelo mercado imobiliário
e pelo poder público. A autora evidencia que o mesmo acontece com os povos originários
que lutam pelo reconhecimento da presença histórica de diversas etnias no território gaúcho.
No que diz respeito à implementação das leis, uma das dificuldades encontradas reside no
fato de que algumas comunidades escolares ainda não reconhecem a existência da
desigualdade racial e, nesse sentido, não veem importância desse debate no ambiente escolar.
Também revela que o “afeto à causa” é um fator que tem sido possível à efetivação das leis,
professores sensíveis ao debate e que têm sua trajetória pessoal ligada à temática possibilitam
construir novas experiências de educação para relações étnico-raciais. Mesmo quando os
professores são sensíveis ao tema, sentem dificuldade de relacionar os conceitos a ações
concretas de racismo no ambiente escolar. Quanto à introdução de conteúdos e debates sobre
História da África, dos afro-brasileiros e indígenas no ES, a autora destaca que ainda é
pequeno o número de disciplinas obrigatórias que contemplem as demandas trazidas pelas
leis, mas que ainda se dão através de iniciativas pessoais dos professores universitários. A
autora conclui expressando que quando se trata de relações étnico-raciais na escola, a forma
e o conteúdo não podem ser refletidos isoladamente, que o diálogo intercultural é uma
possibilidade de interlocução com os conhecimentos construídos por intelectuais negros e
indígenas e que os professores podem contribuir com o processo de reparação histórica ao
dar visibilidade e positividade à história e à cultura dos povos indígenas e negros em África
e na diáspora.
O artigo de Pinheiro (2019), denominado “Educação em Ciências na Escola
Democrática e as Relações Étnico-Raciais”, tem como objetivo indicar novos caminhos
pedagógicos nas ciências naturais tendo a Educação para as relações étnico-raciais como
condutora. Para tanto, a autora realiza uma revisão bibliográfica em produções científicas
dessa área do conhecimento as quais abordam as relações étnico-raciais no ensino de
51

ciências, tendo também selecionado cientistas negros apresentados no perfil do Instagram


“Descolonizando Saberes”. Pinheiro (2019) inicia informando que o processo de execução
da pesquisa a fez repensar sua própria prática pedagógica e investigativa ao dar-se conta da
universalidade epistemológica à que foi imposta. Por isso mesmo, ela informa que seu texto
é construído a partir da proposta teórico-metodológica desenvolvida por Conceição Evaristo,
a escrevivência. Em diálogo com Munanga e Gomes (2006), a autora evidencia que, no
Brasil, a história da população africana é arbitrariamente associada à escravização de
pessoas, como se o passado do povo negro se resumisse à situação desumana à que foram
submetidos. Em referência à Quijano (2005), a autora observa que é a racionalidade europeia
que funda a universalização de todas as experiências da humanidade, como se todas tivessem
que seguir uma única direção de acordo com os parâmetros eurocêntricos, reduzindo tudo o
que não segue essa lógica a um estado de atraso, de selvagem, de primitivo. Isto, atenta a
autora, gera fortes impactos na construção da identidade de pessoas negras, que passam a
fazer uma associação causal entre sua origem e a posição socioeconômica que ocupam.
Pinheiro (2019) apresenta que, diante dos conceitos de colonialidade do ser, como a negação
do Outro não-europeu condenado à desumanização, de colonialidade do poder que
hierarquiza a sociedade em raças, na qual o homem branco exerce o direito à dominação
enquanto os demais são subjugados, e de colonialidade do saber, na qual se impõe o saber
europeu como marco referencial do conhecimento verdadeiro, a decolonialidade tem como
princípio o rompimento da naturalização dos impactos da colonialidade. Ao apresentar um
quadro com 28 personalidades negras que contribuíram para o avanço da ciência, a autora
dialoga com Cunha-Junior (2010), para informar que os homens e as mulheres
escravizados(as) foram quem, por exemplo, criaram e aperfeiçoaram os engenhos, os túneis
de mineração e as colheitas de café e de cana de açúcar e, por essa razão, a sociedade
brasileira também se desenvolveu a partir dos conhecimentos técnicos e científicos de
pessoas escravizadas. Por fim, Pinheiro (2019) afirma que esse exercício de conhecer
intelectuais negros, e sua contribuição à ciência, é necessário para romper com o racismo
institucional, para apresentar outras perspectivas históricas, para repensar o lugar que foi
reservado à população negra dentro de uma histórica hegemonia, questionando os padrões
impostos e trazendo à tona os conhecimentos silenciados. Isto é apresentado não apenas
como papel do professor, mas também como dever de uma ciência comprometida com o
enfrentamento às desigualdades raciais no Brasil e no mundo.
52

O artigo “Interculturalidade crítica e decolonialidade da educação superior: para


uma nova geopolítica do conhecimento”, de Estermann, Tavares e Gomes (2017), tem como
objetivo construir um debate sobre a decolonialidade do ES vinculado à interculturalidade
crítica. Inicialmente, os autores apresentam a universidade tradicional como um instrumento
para difusão dos valores ocidentais, fundamentados em sua filosofia e cultura. Dessa
maneira, segundo os autores, as universidades na América Latina, desde sua criação, foram
um mecanismo de sustentação da civilização ocidental cristã, através de estratégias de
“imitação, adaptação e incorporação das ideias filosófico teológicas vigentes na Europa e,
posteriormente, nos Estados Unidos” (p. 20). Diante disso, os autores informam que o
processo de decolonialidade da universidade revela as estruturas de poder construídas em
contexto colonial e a colonialidade presente nas várias áreas da universidade tradicional. Em
referência a Santos e Almeida Filho (2008), os autores identificam que o conhecimento
pluriversitário está comprometido politicamente com a transformação social por meio de
uma educação crítica. Apresentam, assim, a Universidade Federal da Integração Latino-
Americana (UNILA) e a UNILAB como exemplos de instituições de ES nas quais seus
princípios epistemológicos são contra-hegemônicos. Os autores observam que a diversidade
existente na América Latina exige que a universidade colabore com uma “justiça histórica e
cognitiva” (p. 20) ao incluir a perspectiva histórica e os conhecimentos dos povos oprimidos
pelo colonialismo. A colonialidade se expressa no ES através da manutenção do pensamento
único e da monocultura, impondo uma mesma forma de ser e viver a todos os povos, assim
como na submissão às exigências dos organismos internacionais de regulação. Diante desse
cenário, os autores apresentam a interculturalidade com o duplo papel de “desconstrução
intercultural” (p. 21) do saber eurocêntrico e propõem uma “pluriversidade” (p. 21) que dê
conta da diversidade e dos conhecimentos. Mesmo com a adoção de uma política para a
inclusão de grupos sociais historicamente subalternizados, a universidade tradicional, como
expõe os autores, não assume a inclusão cultural e epistemológica como exigências do seu
novo público, entendendo que a colonização não foi apenas uma violência física, mas
também se tratou de uma destruição ou silenciamento de conhecimentos. A
Interculturalidade, por sua vez, não pretende nem excluir os conhecimentos produzidos pela
Europa, nem incluir os conhecimentos antes ocultados como uma simples temática,
pretende, antes de qualquer coisa, que através da consciência sobre a colonialidade na
educação, construam-se novos modelos de conhecimento, outras práticas políticas, outros
procedimentos educacionais, outra sociedade. Os autores concluem observando que a
53

decolonialidade da educação necessita de um diálogo interepistêmico, tendo como


consequência o exercício do estranhamento de representações históricas construídas pela
colonialidade, sendo necessário, propõem os autores, descolonizar todas as camadas da
universidade.
O artigo “Experiências interculturais na universidade: a presença dos indígenas
e as contribuições à lei 11.645/08” tem como autores Nascimento, Vieira e Landa (2019) e
como objetivos apresentar e refletir sobre a presença e os impactos de estudantes indígenas
nos cursos de licenciatura e Pós-Graduação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)
e da UEMS. Os autores destacam que sempre houve a presença de indígenas nas
universidades do Mato Grosso do Sul, mas estes não tinham oportunidade de visibilizar e
“legitimar seus conhecimentos, histórias, cosmovisões e epistemologias” (p. 402). Também
apresentam que a “vigilância epistemológica do desaprender, do desconstruir e do
ressignificar a modernidade racional” (p. 399 grifo dos autores) é um dos impactos gerados
pela presença indígena nos não indígenas. Esses acadêmicos não indígenas descobrem novas
discussões, até então, não realizadas sobre temas como “território, territorialidade, indígenas
urbanos, natureza como cosmovisão, conhecimento não fragmentado, contradisciplinaridade
e epistemologias outras” (p. 403). As disciplinas atravessadas pelo debate trazido pela Lei
nº 11.645/08 (BRASIL, 2008) também possibilitam desconstruir estigmas impostos pela
colonização e ressignificar o olhar que se tem em relação aos pensamentos hegemônicos,
assim como incentivar a consciência crítica sobre o passado e o presente. Os autores
observam que o exercício da escuta também é provocado por meio da relação entre indígenas
e não indígenas na universidade, isto possibilita que a comunidade acadêmica não indígena
crie e estabeleça outras relações com os indivíduos e o universo de conhecimentos,
produções e epistemologias indígenas. Por fim, os autores notam que a presença indígena na
Pós-Graduação gerou uma mudança nas pesquisas realizadas, em especial na opção por
epistemologias que trazem à tona e valorizam os conhecimentos produzidos pelos povos
indígenas.
Para realizar com qualidade esta etapa da pesquisa, busquei o aperfeiçoamento
de meu exercício de pesquisadora no Treinamento do Portal de Periódicos da CAPES (2021
Multidisciplinar – Treinamento 23) e na Tutoria em Escrita Acadêmica ministrada pela Prof.ª
Me. Eleonora Figueiredo Correia Lucas de Morais.
Este Estado da Questão contribuiu para conhecer as principais referências
documentais utilizadas nos trabalhos selecionados, além da relevância em citá-los como
54

referências para construir o estado atual do debate sobre a Educação para as Relações Étnico-
Raciais no Brasil, especialmente, no que tange à formação de professores, destacando a
importância de lembrar os que vieram antes.
Foi possível detectar, no que tange à formação docente, que esse processo se dá
de maneira mais qualificada quando os(as) professores(as) fazem parte do desenvolvimento
formativo, isto é, através de uma proposta de formação docente participativa. Observou-se
também que os programas de ampliação das licenciaturas têm beneficiado o ensino privado
em detrimento do ensino público em uma manobra de massificação e aligeiramento da
formação de professores.
Quanto à educação para as relações étnico-raciais, identificou-se,
recorrentemente, que a diferença não é um problema nas produções, mas sim quando uma
identidade ou uma cultura se sobrepõe à outra, estabelecendo uma hierarquia, assim como
evidenciou-se que é possível melhorar a aprendizagem dos estudantes quando se valorizam
e se reconhecem suas origens e a diversidade que os compõem. No que diz respeito à
introdução de conhecimentos “outros”, antes ocultados pela colonialidade, as produções
revelaram que a produção de conhecimento não se dá apenas no âmbito da educação formal,
mas em diálogo com as tensões sociais existentes.
Identificou-se como necessidades: 1) superar a sobreposição dos conhecimentos
específicos de cada área do conhecimento aos conhecimentos pedagógico-didáticos; 2)
fortalecer a relação entre nível superior e nível básico; 3) qualificar a relação entre
universidade e comunidade; 4) superar a fragmentação do trabalho docente; 5) aprimorar a
participação dos(as) professores(as) na construção e no desenvolvimento de processos
formativos.
A identificação dessas necessidades se apresentou como um importante
instrumento para se reconhecer no campo quais orientações são referências para a
coordenação do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE, as condições nas quais
é planejada e executada a formação de professores para as relações étnico-raciais, como
acontece o diálogo entre docentes e discentes do curso, as tensões sociais locais e globais e
os grupos que se apresentam a partir delas, o vínculo entre Universidade e Educação Básica
e a relação entre conteúdos específicos das Ciências Sociais e conhecimentos pedagógicos.
55

3 MOVIMENTO CONTRA-HEGEMÔNICO DOS(AS) COLONIZADOS(AS):


ANÁLISE CRÍTICA SOBRE COLONIALISMO, COLONIALIDADE,
DESCOLONIZAÇÃO E DECOLONIALIDADE

“Como posso saber de onde eu venho


Se a semente profunda eu não toquei”1

Para desenvolver os conceitos de colonialismo, colonialidade, descolonização e


decolonialidade é necessário fazer um resgate do contexto histórico em que estes são
desenvolvidos e das ideias às quais estão relacionados.
Para falar de colonialidade, um termo atual, elaborado por intelectuais latino-
americanos no final do século XX, é preciso entender o que foi o colonialismo, sistema
político e econômico que surge na expansão do capitalismo para terras não-europeias após
o declínio da sociedade feudal. Esse fortalecimento econômico da burguesia não se dá
meramente porque um grupo social economizou e outro esbanjou riqueza, mas porque, como
evidencia Karl Marx (1996, p. 341), a “expropriação está inscrita nos anais da humanidade
com traços de sangue e fogo”. E essa expropriação, esse roubo, essa exploração, marcantes
do sistema capitalista, se dá na Europa através da retirada de terras dos camponeses,
transformando-os em trabalhadores assalariados, sistema mascarado por uma
pseudodemocracia que afirma melhorar as condições das pessoas retirando-as da condição
de servidão e oferecendo-lhes uma suposta autonomia de venda da força de trabalho a quem
se interessar. Nos territórios não-europeu, essa expansão do capitalismo se dá de forma ainda
mais cruel, através da escravização de mulheres e homens indígenas e negras(os), em
especial africanos, porque para melhor dominar e explorar o capitalismo utiliza-se do
racismo, da “epidermização” das funções sociais, como afirma Fanon (2008).
Por isso, para apresentar primeiramente o conceito de colonialismo, é importante
manter um diálogo entre a literatura que versa sobre a expansão do capitalismo e de como
intelectuais africanos e latino-americanos apresentam o impacto do sistema capitalista
mercantilista e imperialista nos territórios não-europeus, utilizando-se de instrumentos como

1
Sêmen, Composição de Braulio Tavares e Sérgio Roberto Veloso de Oliveira.
56

a cultura, por exemplo, para dominar a população desses territórios e subordinar suas
expressões de religiosidade, de modos de viver, de conhecimento.
Para entender as investidas contra o colonialismo, é necessário compreender
todas as suas facetas e instrumentos de dominação, seja na primeira fase do colonialismo
caracterizada pelo capitalismo mercantil nas Américas, a partir do século XVI, seja na sua
segunda fase caracterizada pelo capitalismo imperialista que atinge a África e a Ásia a partir
do século XIX. A história contada pelos “vencedores”, legitimada por séculos de dominação,
nós já a conhecemos. E no intuito de superá-la, para abrir um diálogo com as culturas e os
povos que tiveram seus modos de ser e pensar subalternizados, trago aqui a perspectiva do
colonizado, intelectuais que tanto vivenciaram a expressão do colonialismo e daqueles que,
mesmo após o fim dessa estrutura econômica e política, notam suas expressões na
modernidade, a chamada colonialidade. O objetivo é alargar as fronteiras do saber e incluir
a perspectiva de quem sofreu com o colonialismo e com seus desdobramentos no debate
sobre os impactos da versão colonialista do capitalismo nos territórios e povos não-europeus.
Nas primeiras décadas do Século XX, José Carlos Mariátegui, jornalista e
intelectual socialista peruano, inicia o debate sobre a condição indígena, reconhecendo-o não
apenas como povo originário, mas também como sujeito político contemporâneo. Mariátegui
(2007) apresenta que, antes da invasão europeia, o povo Inca tinha sua organização coletiva
no âmbito da economia, da religião, da produção e “[...] o trabalho coletivo, o esforço
comum, se empregavam proveitosamente com fins sociais”2 (p. 7), demonstrando, assim,
que já havia uma civilização antes da implementação do sistema colonial.
Mariátegui (2007) atenta para o desmantelamento da sociedade indígena com a
chegada dos espanhóis, não se tratando somente de colonizadores, mas de exploradores
recrutados para uma “missão militar e eclesiástica”3 (p. 8) que, além de destruir um sistema
de organização, roubar as riquezas do território, dividir arbitrariamente a terra, “[s]obre as
ruínas e resquícios de uma economia socialista, lançaram as bases de uma economia feudal” 4
(p. 8). Nota-se, assim, que o autor identifica as formas de organização dos povos indígenas
como anticapitalistas.

2
Tradução nossa para: “[e]l trabajo colectivo, el esfuerzo común, se empleaban fructuosamente en fines
sociales”.
3
Tradução nossa para: “empresa militar y eclesiástica”.
4
Tradução nossa para: “[s]obre las ruinas y los residuos de una economía socialista, echaron las bases de una
economía feudal”.
57

O autor também apresenta que a luta por independência na América do Sul não
foi motivada pelos interesses do povo, mas “inspirada e motivada, de modo bastante
evidente, pelos interesses da população mestiça e mesmo da espanhola, muito mais do que
pelos interesses da população indígena”5 (MARIÁTEGUI, 2007, p. 11). Nota-se que as
motivações para a independência são externas e relacionadas aos interesses de
desenvolvimento do sistema capitalista. Mariátegui (2007) aponta as contradições das
chamadas Civilizações Ocidentais que, ao mesmo tempo que se tornavam exemplo de luta
revolucionária, impediam que essas ideias fossem tomadas pelos povos colonizados, como
é o caso da França.
Mariátegui (2007) atenta para a rapidez do aculturamento nos territórios que hoje
chamamos de Brasil e Argentina. Segundo o autor, isto se deve ao crescente comércio de
produtos primários da América para a Europa e produtos industriais da Europa para a
América, o que ocasionou também o deslocamento de grande contingente de imigrantes
europeus que “aceleraram nesses países a transformação da economia e da cultura que
gradualmente adquiriram a função e a estrutura da economia e da cultura europeias”6 (p. 12),
e por conta disso, tornaram-se territórios onde a “democracia burguesa e liberal pôde criar
raízes seguras”7 (p. 12).
Ao tratar da Educação no período republicano no Peru, Mariátegui (2007)
observa que há uma evidente sobreposição de elementos europeus e pouco contextualizados.
Assim, para o autor, “A educação nacional, por conseguinte, não possui um espírito nacional:
tem, pelo contrário, um espírito colonial e colonizador”8 (p. 87), por não se referir aos
indígenas como cidadãos de direito como os demais peruanos(as), além da Universidade ser
restrita, naquele momento, apenas a uma classe privilegiada, sendo excluídos mestiços e
indígenas dessas instituições.
Evidencia-se, assim, que não só as demandas para o processo de transição entre
colônia e república procederam de uma burguesia colonial, como também os benefícios que

5
Tradução nossa para: “inspirada y movida, de modo demasiado evidente, por los intereses de la población
criolla y aun de la española, mucho más que por los intereses de la población indígena”.
6
Tradução nossa para: “aceleraron en estos países la transformación de la economía y la cultura que
adquirieron gradualmente la función y la estructura de la economía y la cultura europeas”.
7
Tradução nossa para: “democracia burguesa y liberal pudo ahí echar raíces seguras”.
8
Tradução nossa para: “La educación nacional, por consiguiente, no tiene un espíritu nacional: tiene más bien
un espíritu colonial y colonizador”.
58

dele resultaram eram usufruídos apenas por essa classe. Mariátegui (2007) reitera que, nesse
momento de transição, a mentalidade colonial foi apenas substituída, após a diminuição da
efervescência liberal que motivou a independência, por privilégios concedidos aos
latifundiários e à burguesia urbana, mantendo-se as mesmas estruturas de poder baseadas na
exploração de camponeses e indígenas.
No que diz respeito a um pensamento hispano-americano, Mariátegui (1925), na
ocasião do Congresso Ibero-americano de Intelectuais (1923-1925), apresenta uma
retificação sobre o discurso de Alfredo Lorenzo Ramón Palacios em 1924 que “[...] parece
anunciar uma radical independência de nossa América em relação à cultura europeia”9 (p.
1). A crítica de Mariátegui (1925) refere-se a expressões exageradas, como “Nossa América
até hoje tem vivido de Europa, tendo-a como um guia. Sua cultura a tem nutrido e orientado
[…] Reconheçamos que não nos servem os caminhos da Europa nem suas velhas culturas” 10.
Palacios (1924), podendo levar o leitor/interlocutor desse discurso a acreditar que, daquele
momento em diante, não existe mais nenhuma influência europeia.
Para Mariátegui (1925) é importante que a hispano-américa perceba que tem
autoridade para construir novas formas de ser e pensar o mundo, mas isso não significa que
a hegemonia intelectual dos povos europeus tenha findado, longe disso, “O pensamento
europeu submerge nos mais longínquos mistérios, nas mais velhas civilizações. Por isso
mesmo demonstra sua possibilidade de convalescer e de renascer”11 (p. 2). Apresenta-se,
dessa maneira, que mesmo a Europa encontrando-se em uma crise naquele momento pós 1ª
Guerra, isso não representa o seu fim, mas a decadência de um modelo civilizatório
capitalista, podendo a Europa ainda se transformar.
Assim, o pensamento hispano-americano apresenta-se, segundo Mariátegui
(1925), em processo, em construção. Para colaborar com essa formação é necessário que as
produções intelectuais tenham características próprias, de acordo a realidade latino-
americana, que seus pensadores construam sua formação em instituições universitárias
latino-americanas e que o pensamento hispano-americano não seja tido como mero folclore
à serviço do imaginário europeu, mas como conhecimento.

9
Tradução nossa para: “parece anunciar una radical independización de nuestra América de la cultura
europea” (p. 1)”.
10
Tradução nossa para: “Nuestra América hasta hoy ha vivido de Europa, teniéndola por guía. Su cultura la
ha nutrido y orientado [...] Reconozcamos que no nos sirven los caminos de Europa ni las viejas culturas”.
11
Tradução nossa para: “El pensamiento europeo se sumerge en los más lejanos misterios, en las más viejas
civilizaciones. Pero esto mismo demuestra su posibilidad de convalecer y renacer”.
59

A partir dos anos 1970 surgem os estudos pós-coloniais, com a influência de


intelectuais do continente asiático e africano, com destaque à criação do grupo Estudos
Subalternos, por Ranajit Guha, historiador indiano. Os trabalhos de Frantz Fanon, Albert
Memmi, Aimé Césaire, Gayatri Spivak, Edward Said e Stuart Hall também são associados
a essa escola de pensamento. Conforme Rosevics (2017), Costa (2006) apresenta três
principais aspectos que influenciaram as produções desses intelectuais: “a formação do
discurso social, a partir dos pós-estruturalistas Michael Foucault e Jacques Derrida; a
descentralização das narrativas e dos sujeitos contemporâneos, do pós-modernismo de Jean-
François Lyotard; e os estudos culturais britânicos” (COSTA, 2016 apud ROSEVICS, 2017,
p. 188). Rosevics (2017) ainda apresenta que a intenção das produções pós-coloniais era
entender como homem e mulher colonizados(as) e o seu mundo eram moldados pelo
discurso do colonizador, inclusive sua autoimagem também sofria influência dos parâmetros
brancos ocidentais.
Césaire (1978), poeta e político da Martinica, apresenta de forma sarcástica e
enfática o colonialismo e suas consequências no(a) colonizado(a) como também no
colonizador. Césaire já inicia condenando qualquer tipo de romantização ou justificativa que
se dê ao colonialismo, anunciando que este não é “nem evangelização, nem empresa
filantrópica, nem vontade de recuar as fronteiras da ignorância, da doença, da tirania, nem
propagação de Deus, nem extensão do Direito” (CÉSAIRE, 1978, p. 14). Dessa maneira,
Césaire já se posiciona contra o colonialismo e apresenta o cristianismo como instrumento
de dominação e submissão dos povos não-europeus, quando relaciona a religião cristã à
civilidade e tudo que não é cristão à barbárie, à selvageria, contribuindo para legitimar a
exploração de homens e mulheres não-brancos pelo sistema colonial.
O autor não se mostra contrário ao encontro das culturas, de outro modo, afirma
que “o intercâmbio é o oxigênio” (p. 15), pois as culturas são abertas, mas do encontro
através da violência, da expropriação de terras, da acumulação de bens roubados, próprios
do capitalismo e, por isso mesmo, do colonialismo, “é impossível resultar um só valor
humano” (p. 16).
Assim, Césaire (1978) constrói o argumento de que é impossível também existir
humanidade em quem coloniza, isto é, em quem se utiliza do assassinato, da cobiça, da
violência, do ódio racial, do relativismo moral, do roubo para acumular riquezas, nunca
compradas muito menos vendidas. O autor questiona, assim, como a burguesia “humanista”
espanta-se com a barbárie que se abateu aos judeus no século XX, tendo como principal
60

algoz Hitler, se os instrumentos do Nazismo já haviam sido utilizados desde o século XVI
para explorar, dominar e matar os povos não-europeus. Porque o massacre de homens e
mulheres negros e indígenas é tido como natural e legítimo pela burguesia e só se torna uma
barbárie quando atinge a “civilização” europeia?
Césaire (1978) desmascara a hipocrisia burguesa europeia que construiu toda sua
riqueza e supremacia de seu continente de origem através de meios utilizados pelo Nazismo
de Hitler, pois

[...] o que não perdoa a Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é
a humilhação do homem em si, é o crime contra o homem branco e o ter aplicado
à Europa processos colonialistas a que até aqui só os árabes da Argélia, os
<<coolies>> da Índia e os negros de África estavam subordinados (p. 18 grifo do
autor).

Dessa maneira, Hitler foi gerado desde a expansão do capitalismo, Hitler


construiu suas ideias de dominação nas diversas expressões do colonialismo, como também
na filosofia rasa e formal que fechou os olhos para a escravização e animalização de
mulheres e homens não-europeus.
Assim, o capitalismo expresso pelo colonialismo estabelece a divisão social do
trabalho a partir de parâmetros relacionados à cor e à cultura dos povos. Césaire observa que
o colonialismo, baseado nas ideias do filósofo Ernest Renan, busca naturalizar as posições
sociais de acordo com o fenotípico e a origem

A regeneração das raças inferiores ou abastardadas pelas raças superiores está


dentro da ordem providencial da humanidade [...] A natureza gerou uma raça de
operários – é a raça chinesa – duma maravilhosa destreza de mão e quase sem
nenhum sentimento de honra [...] uma raça de trabalhadores da terra, é o negro;
sede para ele bom e humano e tudo estará em ordem; uma raça de senhores e
soldados é a raça europeia. Que se reduza esta nobre raça a trabalhar no ergástulo
como os negros e os Chineses, e ela revolta-se (RENAN apud CÉSAIRE, 1978,
p. 19-20).

Assim, a suposta proposta de civilização que cresceu no imaginário europeu e


que se impôs aos demais povos é fundamentada em princípios que não humanizam nem os
colonizados nem os colonizadores, pelo contrário cada ato que possibilita o empreendimento
colonial, a expansão do capitalismo nos territórios não-europeus,
61

Provam que a colonização desumaniza, repito, mesmo o homem mais civilizado


[...] que o colonizador, para se dar boa consciência se habitua a ver no outro o
animal, se exercita a tratá-lo como animal, tende objectivamente a transformar-se,
ele próprio, em animal” (p. 23-24, grifos do autor).

Césaire (1978), diante desse cenário, apresenta que o colonialismo não tem nada de
civilização, mas sim de coisificação. Que a colonização não se trata de “contacto humano,
mas relações de dominação e de submissão que transformam em criado, ajudante, comitre,
chicote e o homem indígena em instrumento de produção” (p. 25).
A colonização, dessa maneira, não se tratou de um encontro cultural, mas de uma
guerra econômica que destruiu “culturas de subsistência”, que introduziu a “subalimentação”
ao submeter os povos não-europeus a atividades agrícolas que só beneficiavam a metrópole
(CESAIRE, 1978). A colonização, na verdade, não construiu uma civilização, na verdade
destruiu civilizações, já estabelecidas, pela força das armas, porque “[e]ram sociedades não
só pré-capitalistas, como se disse, mas também anticapitalistas” (p. 27), e estas são perigosas
para o estabelecimento do capitalismo, que para gerar riqueza para alguns poucos, precisa
destruir, expropriar terras, matar, roubar matéria-prima. É nessa base que se fundamenta a
riqueza do continente europeu, a riqueza da burguesia europeia não surge da suposta
acumulação, mas do roubo e do assassinato.
Fanon, médico psiquiatra também da Martinica, influenciado pelos escritos de
Césaire, observa que o colonialismo não é uma guerra entre culturas, mas uma guerra
econômica, que visa o lucro e para melhor explorar, argumenta pela hierarquização dos
sujeitos colonizados a fim de legitimar a sua escravização,

Na realidade, as nações que empreendem uma guerra colonial não se preocupam


com o confronto das culturas. A guerra é um negócio comercial gigantesco e toda
a perspectiva deve ter isto em conta. A primeira necessidade é a escravização, no
sentido mais rigoroso, da população autóctone (FANON, 1980, p. 37).

Porém, ele pontua que o racismo não é o sistema capitalista, mas um instrumento
mais concreto, utilizado nos territórios não-europeus para manter esse sistema em pé, em
contínuo crescimento. Dessa maneira, “O racismo não é um todo, mas o elemento mais
visível, mais quotidiano, para dizermos tudo, em certos momentos, mais grosseiro de uma
estrutura dada” (FANON, 1969, p. 35).
62

Mesmo entendendo que o colonialismo é uma expressão, um modo de operar do


capitalismo, Fanon (1969) busca observar o que é próprio da escola de pensamento pós-
colonial, como o racismo extingue os valores culturais, desarticulando a estrutura social de
um povo e a imagem que os indivíduos têm de si a partir de uma referência: o homem branco
ocidental. Assim

[...] é preciso destruir os sistemas de referência. A expropriação, o despojamento,


a razia, o assassínio objetivo, desdobram-se numa pilhagem dos sistemas culturais
ou, pelo menos, condicionam essa pilhagem. O panorama social é desestruturado,
os valores ridicularizados, esmagados, esvaziados” (p. 37).

Faustino (2018) apresenta 3 níveis de análise que Fanon faz sobre o colonialismo
e, para tanto, é necessário levar em consideração as dimensões sócio-históricas e econômicas
concretas, isto é, que o colonialismo se dá através da modernidade capitalista e na
transformação do ser humano em objeto de acumulação. Segundo o autor, Fanon apresenta
como primeiro nível de análise o racismo e a racialização como instrumento no processo de
dominação da Europa nos territórios não-europeus. O segundo nível é a destruição do
sistema de referências, assim as mudanças concretas (exploração da terra, escravização, uso
da violência) desdobram-se em alterações ou no desaparecimento de sistemas culturais já
existentes que, segundo Fanon, passam a ser ridicularizados. A “agonia continuada”
(FANON, 1969, p. 38) se dá quando essas culturas passam a adequar-se aos padrões
estabelecidos pelo regime colonial e quem leva no corpo as marcas dessas culturas são tidos
como selvagens.
O pseudo-respeito que o sistema colonialista deu às culturas pode ser expresso
nos aldeamentos construídos pela Companhia de Jesus no Brasil, tratando-se de uma
tentativa de “objectificar, de encaixar, de aprisionar, enquistar” (FANON, 1980, p. 39). O
discurso que se tem sobre as Missões Jesuíticas é que a Igreja Católica salvou os indígenas
do Bandeirantes quando, na verdade, dentro desses agrupamentos era necessário que os
indígenas se adequassem ao modo de ser e estar no mundo do europeu e seguir os
fundamentos cristãos. Talvez, esta seja a real sensação de estar literalmente “entre a cruz e
a espada”, expressão muito utilizada para demonstrar a escolha entre duas opções ruins.
O terceiro nível de análise sobre o colonialismo feito por Fanon, segundo
Faustino (2018), é a “interiorização subjetiva, por parte do colonizado, dos complexos
oriundos da situação colonial” (FAUSTINO, 2018, p. 153), na qual o encontro entre a
63

racialização e o colonizado transformam a imagem que este tem de si e também a relação do


colonizado com o mundo. Segundo o autor, a racialização tem dois aspectos: primeiro a
“epidermização” das posições a serem ocupadas na sociedade, e sobre isto Fanon (1969, p.
29-30) diz que

Quando se observa em sua imediatidade o contexto colonial, verifica-se que o que


retalha o mundo é antes de mais nada o fato de pertencer ou não a tal espécie, a tal
raça. Nas colônias a infraestrutura econômica é igualmente uma superestrutura. A
causa é consequência: o indivíduo é rico porque é branco, é branco porque é rico.
[...] Não são as fábricas nem as propriedades nem a conta do banco que
caracterizam em primeiro lugar a “classe dirigente”. A espécie dirigente é antes de
tudo a que vem de fora, a que não se parece com os autóctones, “os outros”.

Esse primeiro aspecto me faz recordar da pesquisa desenvolvida por Muller


(2006), sobre a atuação de mulheres negras na docência durante a Primeira República, e de
como o desaparecimento destas nas fotografias de turma pode ter sido causado por reformas
educacionais que enfatizavam a aparência que os docentes deveriam ter, sabendo que
aspectos fenotípicos da população negra, como a textura e organização do cabelo e a cor da
pele eram tidos como negativos.
O segundo aspecto é a interiorização subjetiva, não apenas pelo colonizado, mas
também pelo colonizador, da “epidermização”. Assim, ambos veem a si e o outro pelo filtro
do colonialismo, como também se estabelecem identidades fixas e essenciais. Reservando a
essas populações um lugar apenas no passado, tendo um só modo de se expressar, apenas
um trabalho a assumir. Dessa maneira, é estabelecido um dualismo, o negro é o que o branco
não é e o branco é o que o negro não é.
Importante destacar que tanto Césaire como Fanon são incluídos na escola Pós-
colonialista e ambos os autores não consideram negativo o encontro entre as culturas e as
transformações que isso acarreta. Quanto a isso, Césaire (1978, p. 15) afirma que “[...] é bom
pôr civilizações diferentes em contacto umas com as outras; que consorciar mundos
diferentes é excelente; que uma civilização, seja qual for o seu génio íntimo, se estiola se se
encerrar sobre si mesma”, e Fanon (1980, p. 38) corrobora afirmando que “A característica
de uma cultura é ser aberta, percorrida por linhas de força espontâneas, generosas, fecundas”.
Porém, a problemática desse encontro, em especial, entre a Europa e as populações e culturas
não-europeias através da colonização, reside no capitalismo mercantil e imperialista que
64

desumaniza os humanos não-europeus com a finalidade de acumular mais riquezas vindas


desses povos e dos territórios que ocupam. Quanto a isto, Césaire afirma

O grande drama histórico da África não foi tanto o seu contacto demasiado tardio
com o resto do Mundo, como a maneira como esse contacto se operou; que foi no
momento em que a Europa caiu nas mãos dos financeiros e capitães da indústria,
os mais desprovidos de escrúpulos, que a Europa se <<propagou>>; que o nosso
azar quis que fosse essa a Europa que encontrámos no nosso caminho e que a
Europa tem contas a prestar perante a comunidade humana pela maior pilha de
cadáveres da história (CÉSAIRE, 1978, p. 27-28 grifo do autor).

Esse debate pós-colonial tornou-se popular nos Estados Unidos, onde também
intelectuais latino-americanos lecionavam e acabaram por fundar o Grupo Latino-
Americano de Estudos Subalternos nos anos 1990. Rosevics (2017) observa que Ramón
Grosfoguel apresenta as motivações que desagregaram esse grupo de estudo: primeiro a
reprodução, por alguns intelectuais, de epistemologias estadunidenses, sem levar em
consideração o papel dos EUA no estabelecimento de ditaduras civil-militares na América
Latina; segundo, o uso de autores europeus para pensar problemáticas latino-americanas,
sem incluir conhecimentos produzidos por negros, indígenas, mulheres e homens latino-
americanos, pois um dos principais objetivos desse grupo de estudo era romper com a
tradição de pensamento eurocêntrica.
É nesse momento que o sociólogo peruano Aníbal Quijano apresenta como o
capitalismo colonial/moderno estruturou o mundo e estabeleceu, por exemplo, a divisão
racial do trabalho através do conceito de raça, no qual os indígenas foram destinados à
servidão, os negros ao trabalho escravo, colonos espanhóis e portugueses a trabalhos
assalariados, ao comércio independente, artesanato e agricultura, e os nobres europeus à
administração colonial (QUIJANO, 2005), o que é muito próximo ao conceito de
“epidermização” pensado por Fanon, que também traz como seu elemento a interiorização
subjetiva nos colonizados e colonizadores, o que Quijano (2005, p. 119) irá chamar de “uma
nova tecnologia de dominação/exploração”, isto é, a associação entre raça e trabalho gerou
no pensamento colonial uma naturalização das posições, desenvolvendo, no imaginário
eurocêntrico, a ideia que o trabalho pago era um privilégio dos brancos.
Assim, a colonialidade se dá primeiro pelo controle do capitalismo mundial a
todas as formas de trabalho e, em seguida, pelo “controle da subjetividade, da cultura, e em
especial do conhecimento, da produção do conhecimento” (QUIJANO, 2005, p. 121). Dessa
maneira, a colonialidade exerce vários instrumentos para construir um “novo universo de
65

relações intersubjetivas de dominação” (QUIJANO, 2005, p. 121). Primeiro, expropria as


populações colonizadas de seus conhecimentos culturais, “aqueles que resultavam mais
aptos para desenvolvimento do capitalismo e em benefício do centro europeu” (p. 121);
depois, reprimem as formas e produção de conhecimentos, as cosmovisões, as expressões
dessas populações colonizadas; e, em terceiro lugar, impõem a cultura dominante. Quijano
(2005) apresenta que não apenas os territórios foram expropriados, mas também os
conhecimentos próprios das populações colonizadas em benefício da acumulação capitalista.
Quijano (2005) também observa que o etnocentrismo, que marca essa imposição
da Europa como o centro do mundo moderno, no caso europeu, se fundamenta na
classificação racial das populações não-europeias e, da combinação entre etnocentrismo
colonial e classificação racial, constrói-se nos próprios europeus a ideia de que são
naturalmente superiores em relação ao restante do mundo. Assim, ao citar Mignolo (1995),
Blaut (1993) e Lander (1997), observa que a Europa gera uma nova temporalidade da história
da humanidade, na qual a história dos colonizados é fixada no passado e o horizonte a ser
alcançado é a experiência europeia. E o mais curioso é que Quijano observa que este não é
o grande marco, “mas o fato de que foram capazes de difundir e de estabelecer essa
perspectiva histórica como hegemônica dentro do novo universo intersubjetivo do padrão
mundial do poder” (QUIJANO, 2005, p. 122).
No contexto de lutas de libertação e de independência, o filósofo de origem
porto-riquenha, Maldonado-Torres (2020), apresenta que os conceitos de colonialismo e
descolonização questionam a legitimidade da construção do Estado Moderno e das
instituições que o compõem porque, se antes a ação do capitalismo colonial/moderno era
amenizada com termos como “descoberta” e a escravização de pessoas considerada uma
forma de discipliná-las, hoje, ao se questionar o que foi construído como natural, abalam-se
as certezas das instituições modernas, assim como também abre-se a discussão sobre os
impactos ainda existentes do colonialismo no atual estado da sociedade mundial
(MALDONADO-TORRES, 2020).
Assim, o autor apresenta a Decolonialidade como a possibilidade de garantir na
consciência coletiva o questionamento sobre os condicionantes impostos pelo colonialismo,
mas também a consciência de que, mesmo tendo se findado a estrutura político-econômica
do colonialismo, ainda é possível identificar seus instrumentos na estrutura social. Dessa
maneira, o autor afirma que a teoria decolonial
66

[...] reflete sobre nosso senso comum e sobre pressuposições científicas referentes
a tempo, espaço, conhecimento e subjetividade, entre outras áreas-chave da
experiência humana, permitindo-nos identificar e explicar os modos pelos quais
sujeitos colonizados experienciam a colonização, ao mesmo em que fornecem
ferramentas conceituais para avançar a descolonização (MALDONADO-
TORRES, 2020, p. 29).

Para enriquecer o debate sobre a descolonização, apresento as contribuições de


outros dois intelectuais latino-americanos(as) que constroem uma crítica não apenas ao
colonialismo, expressado na primeira fase do Sistema Capitalista em território não-europeu,
mas também em como ele se modifica e se adapta às pautas político-sociais para dar
continuidade à manutenção de privilégios e estruturas de poder. Inclusive, esses(as)
autores(as) atentam para o caso de forças progressistas que podem estar contribuindo na
criação de outras formas de colonialismo, sejam estas europeia ou norte-americanas. Na
ocasião do I Congresso Brasileiro de Sociologia, em 1954, o sociólogo baiano Alberto
Guerreiro Ramos apresentou uma crítica à reprodução de teorias sociológicas europeias e
norte-americanas para formar uma Teoria da Sociedade Brasileira. Ao apresentar o cenário
analisado, o autor identifica que o tecido social brasileiro, entre os anos que antecedem a
implantação do regime republicano e os anos que o procedem, era composta por “[u]ma
considerável massa de cidadão livres, mal ajustados num sistema em que quase só havia
lugar para os senhores de escravos, carecia de uma posição e função na sociedade” (RAMOS,
1954, p. 78) e cada vez mais aumentava com o declínio do sistema escravocrata.
Para então pensar e propor soluções para os problemas que se apresentavam na
sociedade, apresentaram-se alguns esforços para construir uma teoria da realidade social
brasileira. A princípio, fazendo referência ao estudo de Oliveira Viana sobre o “idealismo
utópico” das elites brasileiras, o autor atenta para o esforço da classe média republicana em
“transplantar” exemplos de teorias e instituições europeias e norte-americanas para o Brasil,
com o intuito “de que os cidadãos sob o impacto dos exemplos seriam induzidos a alterar a
sua psicologia” (RAMOS, 1954, p. 276-277), acreditando que seria a reprodução de
instituições, que tiveram seus resultados em contextos específicos, que proporcionariam as
mesmas modificações na sociedade brasileira.
Os positivistas, adeptos de Comte, também buscaram criar uma teoria sobre a
formação do Brasil, mas pautados por um “[...] caráter normativo, fruto de um conceito
normal da sociedade” (RAMOS, 1954, p. 281), no qual tem como referência um modelo de
67

sociedade, não conseguindo compreender que cada sociedade tem suas particularidades e
seu percurso de desenvolvimento.
Guerreiro Ramos também apresenta a análise feita por Sílvio Romero acerca das
diferenças entre os partidos políticos e sua respectiva interpretação teórica sobre o Brasil.
Entre os quatro partidos citados, Ramos (1954) observa que Sílvio Romero também
questiona a quem serve e qual a base das reivindicações do Partido Socialista naquele
advento da Primeira República, tendo em vista que a massa de cidadãos(ãs) livres havia
saído recentemente do regime agrícola escravocrata, sendo assim “[...] os pobres da inércia,
não são os proletários no sentido socialista, porque não são operários rurais nem fabris”
(ROMERO apud RAMOS, 1954, p. 285). Assim, se não havia sequer uma estrutura política
e econômica que gerasse emprego fora do sistema escravista, muito menos haveria pautas
de uma classe trabalhadora. Logo se observa que até mesmo o partido socialista estaria
reproduzindo uma teoria construída em seu tempo e espaço específicos, sem fazer os devidos
ajustes ao contexto brasileiro de abolição tardia. Tratava-se de movimentos políticos que
“têm refletido os percalços e vicissitudes de uma classe média em busca do enquadramento
social” (RAMOS, 1954, p. 285) e não das necessidades do povo.
Outro desafio se apresentava a essa nova classe formada por pessoas antes
exploradas pelo regime escravista, o boicote de comerciantes estrangeiros. Ramos (1954)
apresenta que importantes setores comerciais estavam nas mãos de estrangeiros e, em
diversas cidades do país, em especial, os portugueses, estavam impedindo brasileiros(as) de
exercer atividades no comércio e empregando apenas seus compatriotas. Na então capital,
Rio de Janeiro, havia “contratos de casas comerciais em que seus sócios se obrigavam a não
empregar jamais brasileiros” (RAMOS, 1954, p. 287).
Vários eram os questionamentos, na Primeira República, à dominação
portuguesa no comércio interno e externo brasileiro. Entre elas, a sociedade Propaganda
Nativista, fundada em 1919 no Rio de Janeiro, que logo depois se transformaria em Ação
Social Nacionalista, onde se destaca a figura de Álvaro Bomilcar, nascido na região do
Crato-CE. De acordo com Ramos (1954), entre os propósitos desse grupo, além de
autonomia política, econômica e intelectual do país e a igualdade entre as raças, estava a
“[...] aproximação do Brasil com as repúblicas americanas, em especial subcontinentais, por
uma ação política de concórdia, de respeito e de reciprocidade de interesses" (p. 289).
Apresentava-se, assim, no início do século XX, uma ação política no Brasil que
se pode considerar de interesse descolonialista. Ramos (1954) conclui que a reflexão e a
68

proposta feitas por esses grupos, mais que uma iniciativa de cunho acadêmico ou um simples
esforço intelectual, tratava-se de programas que partiam de uma intuição, de uma
consciência sobre a realidade brasileira.
Na Bolívia, Silvia Rivera Cusicanqui, socióloga aymara, apresenta Ch’ixinakax
utxiwa. Uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores12, um texto crítico que
denuncia a reprodução das ideias elaboradas por latino-americanos indígenas,
afrodescendentes e mestiços, — a partir de suas próprias experiências, — por uma elite
intelectual que desenvolve estudos coloniais ou pós-coloniais com a lógica científica
ocidental das universidades estadunidenses.
Cusicanqui (2010) apresenta as características da modernidade indígena, tendo
como base a experiência Aymara na Bolívia, que teve como expressão o levante Tupaq
Amaru, desencadeado pela forte imposição da coroa espanhola sobre a organização
econômica nesse país no fim do século XVIII. Esse movimento buscava a retomada da
própria história e a descolonização de imaginários e formas de representação através da
autodeterminação política e religiosa. Dessa maneira, entende-se que a modernidade das
populações subalternizadas é caracterizada pela sua organização política, econômica e
social, que se dá simultaneamente à modernidade europeia.
A autora apresenta que o projeto de modernidade indígena se baseia na sua
própria forma de entender a concepção do tempo, que não se dá de maneira linear (passado-
presente-futuro). Assim, esse projeto orienta-se por um movimento contínuo, no qual
passado e futuro compõem o presente, no qual apresenta como necessário recordar o passado
para construir o futuro, ao mesmo tempo que a descolonização se realiza no presente.
Cusicanqui (2010) aponta um princípio importante para a descolonização: o
mundo, ao contrário do colonialismo só será possível, ao se constituir como história,
derrotando aqueles que insistem em manter os seus ilegítimos privilégios do passado, pois
se entende que é no presente onde se dão as disputas pela manutenção ou superação desses
privilégios. A autora, então, faz o seguinte questionamento: “Como temos pensado e
problematizado, a partir do aqui e agora, o presente colonizado e sua superação?” (p. 55).
Para tanto, Cusicanqui (2010) sugere que os princípios que regem uma
descolonização possível, além de teorias e conceitos, sejam práticas descolonizadoras e
pautadas na experiência e reivindicações das populações indígenas, afrodescendentes e

12
Tradução nossa para: “Una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores”.
69

africanas, pensadas, discutidas e sistematizadas nas nossas próprias instituições em diálogo


com as temáticas emergentes dos movimentos sociais.
Entre as ações descolonizadoras destaco: 1) diálogo entre universidades e
demandas dos movimentos sociais; 2) Reconhecimento da coexistência dos povos
subalternizados em relação à ação europeia; 3) Superação do multiculturalismo essencialista;
4) Desenvolvimento de uma economia política do conhecimento; e 5) Responsabilização
coletiva dos(as) intelectuais. O aprofundamento desses pontos pode ser observado na sessão
Formação de Professores(as) e Interculturalidade desta pesquisa.
É possível identificar no debate teórico que a literatura e mobilização
descolonialista constroem seus fundamentos ao apontar as contradições do capitalismo em
suas fases mercantilista e imperialista, assim como desnaturalizam sua estrutura baseada,
antes na escravização das populações não-europeias e hoje, na desvalorização da classe
trabalhadora, onde se encontram os(as) descendentes daqueles(as) explorados(as) no sistema
capitalista escravocrata. Além de identificar as ferramentas de dominação capitalista sobre
os povos subalternizados, as(os) intelectual(ais), em especial os latino-americanos(as)
críticos(as), apresentam propostas para a realização desse processo, chamando a atenção para
as novas facetas colonialistas do atual sistema neoliberal.
70

4 FORMAÇÃO DOCENTE, INTERCULTURALIDADE E DESCOLONIZAÇÃO

A formação de professores(as), para o ensino em um sistema de educação


ocidental moderno, é recente. As ações para suprir essa necessidade formativa remontam do
século XIX, motivadas por princípios da Revolução Francesa de universalização e
gratuidade do ensino, mas que, contraditoriamente, ainda estabelecia uma educação distinta
oferecida à burguesia e aos pobres.
Nesta seção, conto como referências alguns(mas) autores(as) que fizeram parte
de minha formação durante o mestrado no PPGE da UECE. Por isso, considero importante
fazer menção a elas para pensar a formação de licenciandos(as) em Ciências Sociais e para
identificar as características e fundamentos desse programa, que orientou meu processo
formativo pedagógico, ajudando a entender o curso de Ciências Sociais a partir da lupa da
Educação.

4.1 A formação de Professores e as Especificidades do Trabalho Docente

Saviani (2009) apresenta um curso histórico da formação de professores(as) no


Brasil, tendo como base marcos legais e instituições criadas para executar essa atividade. A
partir de 1890 é estabelecida a Lei das Escolas de Primeiras Letras e logo se faz necessário
também estipular uma formação aos(às) profissionais que nela atuariam, nesse intuito, surge
a motivação de criar Escolas Normais, em 1890, com o Decreto nº 27, proposto pelo
presidente da província de São Paulo, Prudente de Moraes. Em 1932 se dá a criação dos
Institutos de Educação, no Distrito Federal (até então no Rio de Janeiro) e em São Paulo,
motivada pelas Reformas Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, que demonstram interesse
em elevar a um nível superior a formação de professores(as) e desenvolver pesquisas sobre
Educação (SAVIANI, 2009).
Quando a responsabilidade pela educação primária passa a ser das províncias,
em 1934, o modelo europeu de formação de professores(as), a Escola Normal, é estabelecido
em todas elas, com instabilidade no oferecimento de atividades. No Ceará, a primeira Escola
Normal foi criada em 1885. Nesse contexto, foi publicado o romance “A Normalista”, do
escritor cearense Adolfo Caminha, que retratava na obra os costumes da sociedade da época
71

e tinha como personagem principal uma jovem, Maria do Carmo, que se torna professora
formada em uma escola Normal.
Em 1939, o curso de Pedagogia é regulamentado na Faculdade Nacional de
Filosofia e composto por 3 anos de disciplinas voltadas à conhecimentos sobre áreas
específicas do currículo da educação primária, e 1 ano de disciplinas voltadas para
conhecimentos didático-pedagógicos, método conhecido como 3+1, e era destinado à
capacitação de profissionais para atuar nas Escolas Normais.
Apesar da intenção das Escolas Normais ser desenvolver capacidades didático-
pedagógicas nos(as) professores(as) aprendizes, na prática “[...] os professores deveriam ter
o domínio daqueles conteúdos que lhes caberia transmitir às crianças, desconsiderando-se o
preparo didático-pedagógico” (SAVIANI, 2009, p. 144).
Predominava um interesse muito maior pela transmissão do conhecimento que
pela estratégia pedagógica, de como estes deveriam ser trabalhados na formação de
professores(as) nas Escolas Normais e no Ensino Primário. Assim, esse modelo de formação
de professores(as) permanece consolidado até 1971, quando a Escola Normal é substituída
pela Habilitação Específica de Magistério, isto é, quem concluísse, o que naquele momento
começou a ser denominado 2º Grau (em 3 ou 4 anos), teria habilitação para lecionar,
respectivamente, até à 4ª série ou até a 6ª série do 1º Grau.
A Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, define, em seu Art. 62, as “[...] universidades e institutos superiores de
educação” (BRASIL, 1996) como instituições responsáveis pela formação docente no ES.
Esses Institutos apresentam-se, segundo Saviani (2009), como uma alternativa para obter
uma habilitação à docência de forma mais aligeirada. Isto contribuiu para o despreparo
dos(as) profissionais e para a desvalorização da categoria.
Atualmente, a literatura sobre a formação de professores(as) reconhece que um
dos principais desafios na capacitação de profissionais da educação tem sido o caráter
bacharelesco dos cursos de licenciatura, que por muitas vezes desconsideram a importância
dos elementos didático-pedagógicos para a sua profissionalização (GATTI, 2013; 2014). A
autora atenta para o propósito desses cursos, que apesar dos conhecimentos específicos de
cada área, são voltados para “formar profissionais para o trabalho docente na educação
básica, ou seja, formar professores, o que é muito diferente de formar especialistas
disciplinares” (p. 36).
72

Dessa maneira, além das problemáticas relacionadas à infraestrutura das


instituições responsáveis por essa formação, os elementos curriculares e de conteúdo
(GATTI, 2010) e os aspectos pedagógicos também apresentam o mesmo grau de
importância, pois são essenciais na identidade de um curso de licenciatura e, ao reduzir sua
relevância e espaço, enfraquecem a atuação profissional dos(as) futuros(as) professores(as).
Nesse sentido é que Marques e Pimenta (2015) apresentam que existem saberes
específicos para o exercício da docência e para entender que o(a) professor(a) é um
profissional que, além de dominar conteúdos específicos, promove a aprendizagem destes
através de “situações didáticas com vistas à mobilização da atividade cognitiva do aluno”
(p. 138). Portanto, durante o processo formativo nas licenciaturas, também devem ser
desenvolvidas condições para que esses(as) profissionais consigam mediar esses
conhecimentos e ajudar os(as) estudantes a desenvolver sua subjetividade acerca dos
conteúdos trabalhados.
De acordo com Tardif (2014), os saberes profissionais dos(as) docentes são
caracterizados por ser: 1) Temporais, porque fundamentam-se, inicialmente, na sua própria
experiência escolar e nos conhecimentos acumulados no início de sua formação, assim como
começam a entender a rotina de trabalho e a estruturação de seu exercício docente já no
início de sua profissionalização; 2) Plurais e heterogêneos, porque apoiam-se em uma
variedade de saberes específicos de sua área, didático-pedagógicos, de sua cultura e de
seus(suas) alunos(as), e nos saberes curriculares exigidos pelos programas e os relacionados
à sua própria experiência profissional; 3) Personalizados e situados, porque os(as)
professores(as) não são indivíduos neutros, mas sujeitos sociais e políticos, com uma história
de vida própria e, ao incorporar determinados conhecimentos, conseguem trabalhá-los de
acordo com contextos específicos e não de forma generalizada; 4) Carregam marcas
humanas, pois trabalham diretamente com seres humanos que, apesar de viver
coletivamente, tem a capacidade da individualidade, assim, o trabalho do(a) professor(a)
destina-se a uma turma de alunos(a)s, mas os atinge individualmente. É a partir dessa
interação que se dá também entre indivíduos que o(a) professor(as) consegue refletir sobre
sua prática por meio da reação de cada aluno(a).
Em 1996, Paulo Freire lança a primeira edição de Pedagogia da Autonomia:
saberes necessários à prática educativa. Freire dialoga sobre os quefazeres do trabalho
docente, isto é, do diálogo entre teoria e prática no exercício da docência, pois “[...] se os
homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É
73

transformação do mundo” (FREIRE, 2015, p. 167). Portanto, o autor nos apresenta que os
seres humanos, diferente de outros animais, conseguem analisar o mundo reconhecendo sua
historicidade e, por isso, reconhecem que podem transformá-lo. A Reflexão não se limita a
um mero devaneio do pensamento, mas motiva uma ação transformadora que, mais à frente,
será novamente refletida em um ciclo dialógico entre teoria e prática.
Dessa maneira, alguns dos quefazeres apresentados por Freire (2019) me
chamaram atenção e acredito que possam contribuir para pensar a formação de
professores(as) para o Ensino Básico, em especial para ensino-aprendizagem de Sociologia.
Um deles é a relação entre os conteúdos específicos e os aspectos didático-pedagógicos,
ambos necessários à atividade docente. Segundo Freire (2019, p. 101), o ensino dos
conteúdos é importante, mas tão necessário também

[...] é meu testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço. É a


preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É
o respeito jamais negado ao educando, a seu “saber de experiência feito” que busco
superar com ele. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha
coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço.

O(a) professor(a), além de mediar conhecimentos, ele(a) educa eticamente os(as)


estudantes e isto “autentica o caráter formador do espaço pedagógico” (FREIRE, 2019, p.
90). Assim, além dos conteúdos sistematizados, é necessário dominar saberes próprios da
docência e “experimentar a unidade dinâmica entre o ensino do conteúdo e o ensino do que
é e de como aprender” (p. 122), ou seja, como conseguir que aquele conhecimento faça
sentido à vida dos(as) alunos(as).
Freire (2019) também apresenta que uma das características que compõem a
essência da prática é a “[...] capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas
sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a” (p. 67). Para tanto, é
necessário que o(a) professor(a) entenda a importância de estar aberto(a) para a mudança.
Essa mudança se apresenta no processo de exercício docente, pois “quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2019, p. 25) e, portanto,
o(a) professor(a) aprende cada vez mais sobre seu ofício, sobre como ensinar, ao ouvir o(a)
aluno(a), ao tentar compreender porque o(a) estudante não aprendeu e, junto com ele(a),
construir seus próprios saberes pedagógicos para ajudá-lo(a) a fazer sua mudança, sua
transição da Curiosidade Ingênua para a Curiosidade Epistêmica.
74

Dessa maneira, segundo Freire (2019), a aprendizagem não se dá na


transferência ou memorização de conteúdos, mas na transição de uma curiosidade baseada
em uma experiência do senso comum, chamado pelo autor de “saber de pura experiência
feito” (p. 31), onde se observa o mundo de uma forma despretensiosa, desconsiderando sua
historicidade, para uma curiosidade crítica, rigorosa, que promove o desejo de mudança.
Nesse processo, aluno(a) e professor não ocupam posições antagônicas, pelo contrário, estão
lado a lado como sujeitos dessa mudança e isto só é possível quando ambos se reconhecem
como seres históricos e inacabados (FREIRE, 2019).
Até aqui, é possível entender o quanto a “[...] responsabilidade do professor, de
que às vezes não nos damos conta, é sempre grande” (FREIRE, 2019, p. 64), portanto, seu
exercício constante de quefazer deve ser respeitado e valorizado no que se refere às suas
condições de trabalho, à sua remuneração, às suas necessidades formativas e tantas outras
demandas que vão surgindo de acordo com as necessidades do espaço escolar.
Desse modo, Freire (2019) atenta para a importância de a luta dos(a)s
professores(as) pelos seus direitos compor a formação do docente, pois “[...] ela deve ser
entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não
é algo que vem de fora da atividade docente, mas algo que dela faz parte” (p. 65). Assim,
os(as) licenciandos(as) podem entender que a luta por uma educação de qualidade, desde a
valorização do(a) professor(a) até o aprimoramento do material didático, faz parte da
profissão docente, pois se trata de sua formação política.

4.2 Interculturalidade e Descolonização

No que diz respeito à diversidade cultural, nas próximas páginas apresento,


especificamente, a crítica ao Multiculturalismo, utilizado como estratégia do sistema
capitalista neoliberal, e da Interculturalidade e Descolonização, como propostas de diálogo
entre culturas que superam os estereótipos relacionados aos povos historicamente
subalternizados.
Para tanto, faço menção aos estudos de Vera Maria Candau, pedagoga brasileira,
referência no debate sobre Multiculturalismo e Interculturalidade na educação, a autora tem
como base de conhecimento as Epistemologias do Sul, propostas por Boaventura de Sousa
75

Santos, sociólogo português, e o debate sobre a Decolonialidade, desenvolvida em especial


por autores(as) latino-americanos(as) que desenvolveram seus estudos sobre o colonialismo
e a descolonização também em universidades estadunidenses.
Por outro lado, trago também para acrescentar a esse debate uma socióloga
boliviana, Silvia Rivera Cusicanqui, que conheci através da Disciplina de Pensamento Social
na América Latina, ministrada pela Prof.ª Lia Pinheiro Barbosa no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia (PPGS) da UECE. A autora, também aymara, além de apresentar
os efeitos do colonialismo na estrutura social atual, propõe também que o processo de
descolonização se dê por meio da identificação da modernidade indígena, sua experiência
social e sua produção de conhecimentos no percurso da história da Humanidade.
Trazer duas autoras que apresentam propostas semelhantes de descolonização
por meio de processos sociais e educativos, mas que apresentam também referenciais
distintos, pode acrescentar a esse debate, que se utiliza das categorias das Ciências Sociais e
da Educação para analisar um curso de licenciatura em Ciências Sociais, reconhecendo que

[n]a atualidade são inúmeras as perspectivas teóricas e epistemológicas que partem


de um diagnóstico crítico acerca dessa pesada herança das ciências sociais latino-
americanas e propõem como tema central a revalorização de um pensamento
crítico, a exigência da descolonização do saber, sem se isolar, por isso, na pura
defesa do vernáculo nem renunciar também às contribuições do pensamento
crítico do Norte Global, nem aos incipientes diálogos Sul-Sul13 (SVAMPA, 2016,
p. 2).

Assim, reconhece-se que também existe uma disputa de narrativas e estruturas


de poder dentro do debate sobre colonialismo e descolonização, sendo importante para a
pesquisa identificar as aproximações e discordâncias entre as linhas teóricas para melhor
compreender os discursos.
Walsh (2009), apresenta o Multiculturalismo como estratégia neoliberal de uso
das reivindicações indígenas e afrodescendentes para a manutenção da estrutura de poder
que, ao contrário do que acontecia nas primeiras experiências de colonialismo oficial, não
se dá através da exclusão, da hierarquização de conjuntos de pessoas não-brancas, na

13
Tradução nossa para: “[e]n la actualidad son numerosas las perspectivas teóricas y epistemológicas que
parten de un diagnóstico crítico acerca de esta pesada herencia de las ciencias sociales latino-americanas
e platean como tema central la revaloración de un pensamiento crítico, la exigencia de la descolonización
del saber, sin acantonarse por ello en la pura defensa de lo vernáculo ni renunciar tampoco a los aportes
del pensamiento crítico del Norte Global, ni a los incipientes diálogos Sur-Sur”.
76

escravização de pessoas negras, mas hoje o sistema capitalista utiliza-se do


Multiculturalismo para estabelecer uma falsa sensação de garantia de direitos, de equidade,
de aceitação das culturas subalternizadas, o que a autora denomina como “recolonização”
(p. 16). Ao passo que reconhece a diversidade, continua a apoiar políticas racistas,
excludentes através do Estado que fortalece o genocídio do povo negro e indígena para a
manutenção da estrutura de poder herdada do colonialismo.
Esse movimento de utilização de pautas dos grupos subalternizados para
disfarçar as novas estratégias de poder, só reforça o quanto a elite econômica está muito mais
preocupada em não “parecer” racista, homofóbica, misógina do que de fato em “construir”
novas práticas dialógicas, não segregacionista, não genocidas. Isso se manifesta na mídia,
nas relações de trabalho, no sistema de ensino.
Um exemplo disto se dá em uma das maiores emissoras de televisão do Brasil,
Rede Globo, que produziu uma minissérie chamada “Vozes da Terra” com profissionais
indígenas de todas as áreas, mas a mesma veicula constantemente seu apoio ao agronegócio,
que invade terras indígenas, que envenena tanto as produções como o próprio solo, que
alimenta um mercado externo e não a população brasileira. Mas essa estratégia também se
manifesta nas políticas de reconhecimento da diversidade cultural que são incentivadas e
apoiadas por organismos multilaterais com a intenção de incorporar essas populações ao
sistema capitalista.
O Multiculturalismo também é questionado pela socióloga Silvia Rivera
Cusicanqui ao analisar a formação social boliviana. De acordo com Cusicanqui (2010), esse
multiculturalismo, na verdade, proporciona “[...] a reciclagem das elites e a continuidade de
seu monopólio no exercício do poder”14 (p. 59), pois as elites se sensibilizam com o
reconhecimento da cultura das populações indígenas e negras, desde que a garantia de
direitos desses povos não comprometa seus privilégios históricos. Esse Multiculturalismo
está, assim, a serviço dessa elite, que se mostra progressista, mas, como afirma Freire (2019),
“[t]oda vez, porém, que a conjuntura o exige, a educação dominante é progressista à sua
maneira, progressista ‘pela metade’” (p. 97).
Assim, esse multiculturalismo artificial e essencialista reforça estereótipos,
limita a população indígena, em especial, ao ambiente rural, rotula condutas e
comportamentos para legitimar a sua etnicidade, nega o pertencimento étnico-racial às

14
Tradução nossa para: “el reciclaje de las élites y la continuidad de su monopolio en el ejercicio del poder”.
77

populações heterogêneas e aculturadas e impossibilita a autonomia desses povos para decidir


sobre sua própria vida (CUSICANQUI, 2010).
No Brasil, podem ser apontados vários momentos que, pautados nesse
multiculturalismo, reforçaram a exclusão de negros e indígenas da participação política e
social, assim como lhes impuseram uma meia cidadania que acontecia apenas através da
exotização de seus corpos e conhecimentos.
Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que, baseado no
positivismo, acreditava que “[...] os índios caminhariam gradual e naturalmente à
civilização” e por isso o Estado deveria tutelar esses povos pelo percurso até a chamada
“civilização” (MUNDURUKU, 2012, p. 52). Durante o Governo de Getúlio Vargas, foi
realizada, em 1938, uma Missão de Pesquisas Folclóricas, de Mário de Andrade, pelo Norte
e Nordeste brasileiros. Também durante o Estado Novo, foi instituído o Dia do Índio, em
1943. E no que diz respeito à autodeclaração racial, apenas nos censos demográficos de 1950
e 1960 se iniciou a orientação de respeitar a resposta das pessoas sobre sua própria cor e
raça, anteriormente eram os pesquisadores que apontavam o pertencimento racial dos
recenseados (PETRUCCELLI, 2013). Essas ações apenas amparavam a legitimação de um
Estado Multicultural.
Ambas as autoras apontam que o multiculturalismo neoliberal, através dos
organismos multilaterais, financia ações de organizações da sociedade civil indígena como
“[...] estratégia política funcional ao sistema/mundo moderno e ainda colonial; pretende
‘incluir’ os anteriormente excluídos dentro de um modelo globalizado de sociedade, regido
não pelas pessoas, mas pelos interesses do mercado” (WALSH, 2009, p. 20). Evidenciando
que se trata, na verdade, de uma inclusão de um novo grupo de consumidores, que dê
valorização e respeito aos conhecimentos dessas populações, logo em suas raízes estão
presentes práticas não apenas pré como não capitalistas, continuando a ser uma ameaça à
expansão dos novos modelos econômicos de objetificação e exploração de homens e
mulheres trabalhadores(as).
Cusicanqui (2010) observa que, conforme os povos indígenas vão se
organizando em uma estrutura de Organização Não Governamental (ONG), as perspectivas
essencialistas sobre a imagem, as características, a história dos povos indígenas “[...] se
fazem hegemônicas e se convertem no adorno multicultural do neoliberalismo” 15 (p. 59),

15
Tradução nossa para: “se hacen hegemónicas y se convierten en el adorno multicultural del neoliberalismo”.
78

que estabelece estereótipos sobre o que é um “indígena legítimo”, carregado de


características e traços étnicos que chegam a parecer um jogo teatral, como informa a autora.
As autoras apresentam alternativas para a superação do multiculturalismo oficial
e essencialista, de acordo com seus contextos e com as linhas de pensamentos que lhes
orientam. Walsh (2009) apresenta a Interculturalidade crítica como prática política e
ferramenta pedagógica que busca modificar estruturas políticas, sociais e culturais baseadas
em uma lógica colonialista, como também epistemológicas que têm sua lógica pautada em
um modelo ocidental/moderno de ciência e, por isso mesmo, eurocêntrico.
Para tanto, a autora se orienta a partir dos estudos sobre a “de-colonialidade” (p.
24), desenvolvidos por intelectuais latino-americanos e que elaboraram seus estudos em
universidades estadunidenses. Essa proposta, como apresenta Walsh (2009), sugere
questionar as noções de desenvolvimento que estabelecem uma hierarquia entre as
populações, tendo a Europa como referência, questionar a imposição da lógica universal na
produção de conhecimentos que excluem os saberes e experiências não-europeias.
A Interculturalidade crítica também oferece, de acordo com Walsh (2009),
possibilidades de “[...] novos processos, práticas e estratégias de intervenção intelectual que
poderiam incluir, entre outras, a revitalização, revalorização e aplicação dos saberes
ancestrais [...] como conhecimentos que têm contemporaneidade” (p. 25), isto é, ao invés de
limitar as contribuições dessas populações a um tempo no passado, a interculturalidade
propõe o encontro com conhecimentos ancestrais ocultados pela colonização, mas ainda
vivos pelas várias resistências das populações indígenas e negras.
Cusicanqui (2010), apresenta, mais que teoria ou conceitos, práticas
descolonizadoras para superar a colonização e a subalternização. A autora apresenta um
princípio importante para a descolonização: o mundo, ao contrário do colonialismo, só será
possível, ao se constituir como história, derrotando aqueles que insistem em manter os seus
ilegítimos privilégios do passado, pois se entende que é no presente onde se dão as disputas
pela manutenção ou superação desses privilégios. A autora, então, faz o seguinte
questionamento: “Como temos pensado e problematizado, a partir do aqui e agora, o presente
colonizado e sua superação?” (p. 55).
Foi possível identificar alguns princípios que podem nos orientar na construção,
além de uma teoria, de ações descolonizadoras pautadas na experiência das populações
indígenas, afrodescendentes e africanas, pensadas, discutidas e sistematizadas nas nossas
próprias instituições em diálogo com as pautas emergentes dos movimentos sociais.
79

Primeiramente, é fundamental “reconhecer a coetaneidade das populações


subalternizadas”. Segundo Cusicanqui (2010), é inadmissível à lógica ocidental europeia e
norte-americana a existência simultânea de outras populações que também construíram a
história e produziram conhecimento. Para a manutenção da hegemonia europeia e norte-
americana, é necessário ocultar, e quando convém, apropriar-se dos conhecimentos dos
povos subalternizados, construindo o imaginário de que esses povos são sujeitos apenas de
um passado muito remoto, que sua existência está relacionada ao contato com a Europa.
Se a Modernidade europeia se dá na passagem da ordem feudal para a 1ª fase do
capitalismo, caracterizado também pelo colonialismo como instrumento político, econômico
e cultural, a Modernidade Indígena, e por que não dizer de todas as populações
subalternizadas, se dá no confronto e resistência ao colonialismo, na insistência da
manutenção de sua organização social. Assim, a história das populações indígenas e negras
não começa com a invasão colonial europeia. Ela se dá antes desse contato, durante a
dominação colonial e hoje, com pautas atuais que fazem referência a seu passado.
Não resta dúvida sobre as diversas tentativas de extermínio das populações
negras e indígenas na história da humanidade, isto não significa o seu desaparecimento físico
e cultural. A história desses povos se deu, e ainda hoje se dá, concomitantemente, à história
dos europeus.
Dessa maneira, é necessário que a “construção do conhecimento aconteça por
meio do diálogo entre universidade latino-americana e as reivindicações políticas dos
movimentos sociais”. Pois, em crítica às elites política, burocrática estatal e intelectual
bolivianas, — mas poderíamos estender às de outros países, como Brasil, — Cusicanqui
(2010) observa que estas tomam posturas pós-modernas e pós-coloniais baseadas em uma
lógica ocidental europeia e norte-americana. Entendendo as universidades como um
instrumento de poder, as instituições de ES estadunidenses adotam os estudos pós-coloniais
sem levar em consideração as mudanças das reivindicações políticas dos movimentos
indígenas e negros, desenvolvendo esses estudos de maneira culturalista e academicista. A
autora observa que a elite intelectual boliviana (e pode-se dizer latino-americana) desenvolve
seus estudos em universidades norte-americanas, alimentam-se dos estudos já existentes
sobre a subalternidade e da crítica latino-americana, e os reinterpretam a partir de uma lógica
ocidental. Esses estudos, segundo a autora, não constroem práticas descolonizadoras, ao
contrário, apoiam a manutenção de estruturas hierárquicas de poder e capital cultural, no
80

qual “regurgitam” (p. 68) os conhecimentos indígenas, africanos e afrodescendentes como


se tivessem sido uma descoberta fruto das instituições estadunidenses.
Outra prática descolonizadora, sugerida por Cusicanqui (2010), é a “superação
do multiculturalismo oficial, ornamental e simbólico”. Segundo a autora, o
multiculturalismo imposto pelas elites se caracteriza pela maneira artificial e essencialista
de reconhecer a composição heterogênea das sociedades, neutralizando a presença indígena
e de suas expressões, relegando a estas um lugar num passado remoto e “primitivo”, essa
posição é, então, mascarada pelo conceito de “povos originários” (CUSICANQUI, 2010, p.
58).
Assim, o multiculturalismo, proposto pelas elites e conduzida pelo Estado, “[...]
tem sido o mecanismo acobertador por excelência das novas formas de colonização”16 (p.
60), pois ele oferece uma cidadania limitada, neutraliza as expressões das populações
subalternizadas e esconde sua principal estratégia de perpetuar antigas estruturas de poder,
que continuam a hierarquizar pessoas, conhecimentos e trabalhos (CUSICANQUI, 2010).
Para tanto, é necessário também “que os intelectuais se responsabilizem pelo
rompimento do ciclo de dominação”. Ao longo do texto, Cusicanqui (2010) também
apresenta algumas contradições da elite intelectual latino-americana, dita pós-colonial, que
absorve os conhecimentos já existentes na América Latina, leva-os a centros universitários
hegemônicos, analisa-os a partir de uma lógica ocidental e os transforma em um novo
produto. A autora observa que essa intelectualidade está muito mais preocupada com a
elaboração de conceitos, como Decolonial, que na construção de práticas descolonizadoras.
Dessa maneira, esses princípios nos convidam a construir práticas
descolonizadoras que valorizem a diversidade presente nessas populações, que possibilitem
uma participação política, social e cultural efetiva de homens e mulheres que compõem os
grupos subalternizados e práticas que proporcionem o pertencimento racial consciente da
população miscigenada e heterogênea que, devido à política de embranquecimento, perdeu
os laços com suas raízes.
Por fim, Cusicanqui (2010) apresenta sua proposta de “desenvolvimento de uma
Economia Política do Conhecimento” no lugar de uma geopolítica do conhecimento, que
identifica a estrutura hierárquica de poder, mas não propõe estratégias para romper essa
dominação. A autora observa que, assim como os bens materiais, o conhecimento também é

16
Tradução nossa para: “[…] ha sido el mecanismo encubridor por excelencia de las nuevas formas de
colonización”.
81

uma matéria-prima extraída das populações subalternizadas que volta para estas como um
produto finalizado, organizado, científico e assume esse status apenas por terem passado
pelo crivo norte-americano e europeu.
Essas orientações também nos fazem compreender que é possível utilizar como
referência nos debates sobre colonialismo e descolonialismo, autores latino-americanos,
africanos, asiáticos, negros e indígenas que refletem sobre sua própria experiência, sobre as
demandas atuais dos movimentos sociais e fortalecem suas próprias instituições.
Também nos convidam a debater a história desses povos dentro de todo o
percurso histórico da humanidade, para além das datas do dia 19 de abril ou 20 de novembro,
e sua presença e participação na construção da sociedade brasileira durante todo o seu
percurso.

4.3 O caráter intercultural e descolonizador das Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08

No que diz respeito à Educação como pauta reivindicatória dos Movimentos


Negros e Indígenas, apresento aqui algumas ações efetivadas que desencadearam na
conquista das Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 que estabelecem a obrigatoriedade do ensino
da história e cultura africanas, afro-brasileiras e indígenas na rede de educação básica.
Gomes (2017) apresenta que, diante da invisibilidade da história da população
negra e da ocultação de sua participação ativa na construção da sociedade brasileira, o MN,
entendendo-o como “diversas formas de organização e articulação das negras e negros
politicamente posicionados na luta contra o racismo” (p. 23), estabeleceu que a educação é
um importante instrumento para se intervir a fim de uma emancipação social, inclusive
porque esta foi negada durante muito tempo a essa população.
Os jornais organizados por negros(as), no final do século XIX e início do XX
em São Paulo, revelaram-se, segundo Gomes (2017), como “[...] instrumento[s] de luta dos
negros frente à sociedade estabelecida” (p. 30). Em suas publicações, além de apresentarem
as condições de vida dos(as) negros(as), relacionavam o acesso à educação a possibilidades
de ascensão social dessa população.
A Frente Negra Brasileira também é apontada por Gomes (2017), nos anos 1930,
como espaço político, de socialização e de articulação de demandas sociais da população
82

negra em São Paulo, entre elas a alfabetização. Assim como a atuação do Teatro
Experimental do Negro, entre os anos 1930 e 1960, que agregava trabalhadores(as)
negros(as) de diversas áreas e, além de combater a discriminação racial e conceber uma
imagem positiva sobre a raça negra, também alfabetizava seus integrantes e reivindicava a
inserção de negros(as) no ensino público secundário e universitário.
A autora também se refere ao Movimento Negro Unificado (MNU), criado em
1978, como principal responsável por formar “[...] uma geração de intelectuais negros que
se tornaram referência acadêmica na pesquisa sobre relações étnico-raciais no Brasil”
(GOMES, 2017, p. 32) e são essas pessoas que participam ativamente dos debates públicos
sobre as políticas públicas, inclusive questionando o caráter universal da educação que não
agregava a história e a cultura da população negra nos seus instrumentos didático-
pedagógicos, impulsionando assim demandas por políticas afirmativas.
Fanelli (2021) apresenta que, nesse período dos anos 1970, também acontecem
as primeiras movimentações da Antropologia para ressignificar e desconstruir, junto aos
indígenas, a “imagem negativa, vitimizadora e reducionista da diversidade e da agência de
tantos povos indígenas no Brasil” (p. 65) da historiografia nacional.
Naquele momento também surge o Movimento Indígena Brasileiro
contemporâneo, motivado pelas lutas indígenas na América Latina. Esse caráter
contemporâneo se dá porque se reconhece que as resistências indígenas acontecem desde
seu contato com o colonizador branco europeu e estas contribuíram “[...] na formação
territorial do que é hoje o Brasil, demonstrando escolhas e formas de se relacionar entre si
ou com os europeus, contrapondo-se, negociando e sendo, portanto, partícipes fundamentais
no estabelecimento de nossa sociedade (FANELLI, 2021, p. 64).
As produções científicas realizadas no âmbito da Antropologia, a partir desse
momento, começaram a ter como referência as reivindicações sociais e políticas do
Movimento Indígena, em especial, aquelas relacionadas à demarcação de terras, pautadas
em estudos históricos que demonstravam a presença indígena nos territórios reivindicados
(FANELLI, 2021).
Munduruku (2012) também associa a organização dos povos indígenas, em um
movimento unificado nacional, à atuação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na mobilização das lideranças
indígenas em assembleias, que tinha como propósito principal a tomada de consciência,
83

pelos indígenas, do “seu papel histórico na transformação da sociedade” (MUNDURUKU,


2012, p. 52).
Essa mobilização dos povos indígenas no Brasil, como movimento social,
também possibilitou o “[...] aparecimento de novos parceiros aliados à causa dos povos
indígenas e aglutinou forças de coesão” (MUNDURUKU, 2012, p. 44) que ocasionaram na
visibilidade das reivindicações de seus direitos sociais e políticos diante do Estado brasileiro.
Antes dessa organização, revela Munduruku (2012, p. 45), “[...] cada povo
procurava defender apenas seus interesses, não se dando conta de que outros povos e
comunidades viviam situações semelhantes”. Portanto, construir um movimento que agrega
as necessidades de cada etnia, com a participação de suas lideranças, contribui para a
organização de uma memória coletiva dos povos indígenas no Brasil e para a construção de
um sentimento de solidariedade entre as comunidades (MUNDURUKU, 2012).
Importante ressaltar, nesse percurso histórico, a criação da Associação Brasileira
de Pesquisadores Negros (ABPN), em 2000, responsável pela produção de conhecimentos
sobre as relações étnico-raciais e condições da população negra no Brasil realizada por
negros(as) e não negros(as). Assim como também a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECADI), criada em 2004, que marcou o início da
institucionalização das reivindicações dos movimentos sociais, particularmente,
relacionados ao debate racial (GOMES, 2017).
Assim, a Lei nº 10.639/03 apresenta-se como uma conquista, fruto de um longo
histórico de mobilização dos movimentos negros e de sua visibilidade nos diversos setores
da sociedade brasileira. Na ocasião de sua sanção, um grupo de estudantes indígenas, do
Projeto Pindorama da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), enviou um
abaixo assinado ao então ministro da educação, Fernando Haddad, solicitando a
obrigatoriedade também do ensino das histórias e culturas indígenas no Ensino Básico
(FANELLI, 2021, p. 73), pois “havia uma demanda legítima por políticas públicas de
educação para os ‘não indígenas’ que revertesse o quadro de desconhecimento dos povos
originários, de seu protagonismo na história e de sua contemporaneidade”. A Lei nº 11.645
foi sancionada em 2008, depois de uma longa disputa de narrativas, que inicialmente
apontava apenas as contribuições culturais dos povos indígenas e, ao longo do debate,
alcançou uma visão crítica sobre os(as) indígenas como sujeitos e a dívida histórica que a
sociedade brasileira tem com essa população.
84

Aqui, entretanto, busco conhecer os aspectos interculturais e descolonizadores


nos documentos que regulamentam essas leis, especificamente o Parecer nº 03, de 10 de
março de 2004 (MEC/CNE/CP, 2004), elaborado pelo CNE, que estabelece o ensino da
história e cultura Afro-brasileiras e Africanas na Educação Básica e o Parecer nº 14, de 11
de novembro de 2015 (MEC/CNE/CEB, 2015), também elaborado pelo CNE, que estabelece
diretrizes para o ensino da história e das culturas dos povos indígenas na Educação Básica.
Ambas as leis, que motivam a escritura desses documentos, modificam a Lei nº 9.394/1996,
LDB. Além de um avanço jurídico, trata-se também de um marco histórico, porque dialogam
com o passado para pensar o presente e construir outras possibilidades de futuro e, por serem
históricos, são constituídos por processos.
O primeiro trata-se do Parecer nº 03, aprovado em 10 de março de 2004 pelo
CNE, o qual se trata de uma política curricular que busca oferecer elementos que contribuam
para o estabelecimento de novas relações étnico-raciais no Brasil, em especial, no que diz
respeito ao ensino da história e da cultura africanas e afro-brasileiras. Esse parecer esteve
sob a relatoria da Professora Petronilha Beatriz Gonçalves de Silva, indicada pelo MN como
conselheira do CNE, nascida em um antigo bairro de Porto Alegre – RS, chamado Colônia
Africana.
O Parecer nº 14, aprovado em 11 de novembro de 2015 pelo CNE, dá
continuidade ao debate, orientando sobre como as instituições de ensino, nos diferentes
níveis, podem trabalhar a história e culturas dos povos indígenas na organização curricular
dos sistemas de ensino a fim de superar formas deturpadas da imagem dos povos indígenas,
construídas a partir de uma imagem eurocentrada. Esse Parecer teve como relatora a
Professora Rita Gomes do Nascimento, pedagoga indígena do Povo Potyguara do Ceará.
Esses pareceres são políticas curriculares que se baseiam em aspectos sociais,
históricos e antropológicos, os quais compõem a sociedade brasileira, buscando combater o
racismo e as discriminações por meio da divulgação e da produção de conhecimentos
africanos, afro-brasileiros e indígenas. Assim, caracterizam-se como Políticas de
Reparações, de Reconhecimento e de Valorização, de Ações Afirmativas, onde o propósito
não é punir, senão reeducar, construir novas relações raciais no Brasil.
Os textos dos pareceres apresentam fundamentações e propostas que se
aproximam dos processos de interculturalidade e descolonização, apesar de não os
apontarem diretamente, para construir o movimento de superação de sociedade eurocêntrica
e construção de um diálogo entre os povos que a compõem.
85

Ambos os documentos propõem “[...] divulgação e produção de conhecimentos,


a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu
pertencimento étnico-racial” (MEC/CNE/CP, 2004, p. 2) e “[...] reconhecimento e
valorização das diferenças e das diversidades como formas de se promover uma educação
para a mudança e a transformação social” (MEC/CNE/CEB, 2015, p. 4). Dessa maneira,
entende-se que a desvalorização da diversidade e o desrespeito às diferenças produziram um
histórico de desigualdades entre os grupos raciais, gerando um distanciamento ou negação
dos indivíduos à sua cultura pertencente.
Diante disso, essas políticas curriculares compreendem que a “[...] dinâmica
sociocultural da sociedade brasileira visa à construção de representações sociais positivas
que valorizem as diferentes origens culturais da população brasileira como um valor”
(MEC/CNE/CEB, 2015, p. 7) e que as populações negras e indígenas possam, a partir de um
ambiente escolar antirracista, ter suas visões de mundo, pensamentos e autonomia
respeitados e valorizados.
Os documentos também apresentam que, para desfazer a imagem distorcida e
excludente sobre negros(as) e indígenas, provocadas pelo colonialismo, é necessário também
que os materiais didáticos “[...] reconheçam a contemporaneidade dos povos indígenas”
(MEC/CNE/CEB, 2015, p. 5) e que respeitem “[...] os processos históricos de resistência
negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na
contemporaneidade” (MEC/CNE/CP, 2004, p. 4). Essa orientação aproxima-se do princípio
da coetaneidade dos povos subalternizados que, durante séculos, tiveram seus processos de
produção de conhecimento e resistência ocultados pelo eurocentrismo e sua presença na
história da humanidade relacionada apenas ao seu contato com os europeus.
Para tanto, é necessária uma formação crítica que leve os(as) professores(as) a
superar um multiculturalismo essencialista, que orienta ações sem fundamentação
antropológica e histórica e acabam por reproduzir “[...] estereótipos e preconceitos
tradicionalmente utilizados contra os povos indígenas” (MEC/CNE/CEB, 2015, p. 6) e que
desconsidera “[...] as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com
prejuízos para os negros (MEC/CNE/CP, 2004, p. 3). Portanto, em um contexto brasileiro,
faz-se necessário desconstruir o imaginário criado pela falácia da Democracia Racial, que
estabeleceu uma falsa harmonia entre os grupos racializados no Brasil, escondendo a
verdadeira história de exploração às populações negras e indígenas.
86

É importante, nesse sentido, que as demandas e reivindicações dos movimentos


sociais, especialmente os negros e indígenas, sejam a referência na produção de
conhecimentos e na atualização das condições dessas populações. Portanto, os pareceres
orientam que as escolas e as instituições responsáveis pela formação de professores(as)
possam “[...] contar com a presença das lideranças indígenas (pajés, xamãs, sábios,
intelectuais em geral) nas instituições de Educação Básica como formadores, palestrantes e
conferencistas” (MEC/CNE/CEB, 2015, p. 7), assim como com o

[...] apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro, com os quais


estabelecerão canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir nas
vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos de disciplinas, as
temáticas em questão (MEC/CNE/CP, 2004, p. 8).

Assim, os documentos orientadores indicam que as mudanças políticas,


pedagógicas e sociais que dizem respeito às relações étnico-raciais não são apenas
responsabilidade das escolas e, portanto, devem manter constante diálogo com os
movimentos sociais, inclusive na elaboração de conteúdos de disciplinas e “[...] na
elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnicoracial”
(MEC/CNE/CP, 2004, p. 11) e na “[...] formação de professores para a diversidade étnico-
racial” (MEC/CNE/CP, 2004, p. 13).
Nesse intuito, é importante destacar a necessidade do compromisso, não apenas
dos(as) professores(as), mas de toda a sociedade no processo de rompimento de uma
estrutura racista, seja no ambiente escolar ou não. Para tanto, é fundamental o

[i]ncentivo, pelos sistemas de ensino, a pesquisas sobre processos educativos


orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros e
indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a
educação brasileira (MEC/CNE/CP, 2004, p. 15),

exigindo o compromisso dos(as) pesquisadores(as) das universidades públicas no


rompimento do ciclo de violência, inclusive epistemológica, que atinge as populações
subalternizadas.
Logo, essas políticas curriculares não propõem uma exclusão dos conhecimentos
produzidos pela Europa e “[...] não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente
de raiz européia [sic] por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para
87

a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira” (MEC/CNE/CP, 2004, p. 8).


Assim, como apresenta Candau (2013), a perspectiva intercultural busca promover um
diálogo entre diferentes grupos culturais, enfrentando as estruturas de poder que os
hierarquizam, “Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o
objetivo de educação das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre
os negros e despertar entre os brancos a consciência negra” (MEC/CNE/CP, 2004, p. 7),
assim como “[...] promover a formação de cidadãos atuantes e conscientes do caráter
pluriétnico da sociedade brasileira” (MEC/CNE/CEB, 2015, p. 8), contribuindo, dessa
maneira, não para a negação de uma ou outra história, mas para a construção de relações
raciais positivas.
Portanto, como observou Cusicanqui (2010), mais que a elaboração de
conceitos, é necessário fundamentá-los em práticas descolonizadoras e, para tanto, é
fundamental não apenas valorizar os conhecimentos das populações subalternizadas, mas
entendê-los dentro de seus próprios processos educativos que valorizam a oralidade, a
corporeidade e a Arte como marcas da relação que africanos e indígenas estabelecem com o
mundo “[...]ao lado da escrita e da leitura” (MEC/CNE/CP, 2004, p. 10).
É notório o grande desafio lançado por essas políticas à sociedade brasileira para
desconstruir relações baseadas na exploração e desumanização das populações indígenas e
negras. As perspectivas intercultural e descolonizadora apresentam-se como uma utopia, não
por que são inalcançáveis, mas porque são construídas em cada escolha política, em cada
atitude que se transforma em prática descolonizadora e na opção que se toma por aqueles(as)
que ainda sentem as consequências do colonialismo e de suas atuais variações.
88

5 METODOLOGIA

“Caminho se conhece andando”17

Nesta seção, apresento o caminho feito para chegar até o cenário desta pesquisa
e as escolhas que deram forma ao estudo e às bases teóricas que dialogam com o objeto
estudado, o curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE. É importante situar esta
pesquisa dentro da Ciência da Educação, a Pedagogia, no qual os conceitos sociológicos
foram escolhidos em razão da natureza do objeto de estudo, que se trata de um curso de
licenciatura, e das possibilidades de uma formação de professores(as) intercultural e
descolonizadora.
A centralidade da pesquisa é o problema educativo, é a formação de
professores(as). Assim, Saviani (2012, p. 121) apresenta o circuito em uma investigação no
âmbito da Pedagogia, “[...] a educação, enquanto ponto de partida e ponto de chegada, torna-
se o centro das preocupações”.
Dessa maneira, não penso a metodologia como mera descrição minuciosa de
técnicas utilizadas para coleta de dados, mas as referências teóricas, seja no campo das
Ciências Sociais, seja no âmbito da Ciência da Educação, os quais me levam a observar o
caso com suas especificidades. Além de evidenciar ao(à) leitor(a) a temporalidade onde foi
desenvolvida esta pesquisa e as circunstâncias que possibilitaram sua realização. Assim,
entendemos a metodologia como um processo reflexivo que

[...] caracteriza-se fundamentalmente por ser a atitude crítica que organiza a


dialética do processo investigativo; que orienta os recortes e as escolhas feitas pelo
pesquisador; que direciona o foco e ilumina o cenário da realidade a ser estudada;
que dá sentido às abordagens do pesquisador e as redireciona; que, enfim, organiza
a síntese das intencionalidades da pesquisa (GHEDIN; FRANCO, 2011, p. 108).

A opção metodológica está entrelaçada com a temática, a escolha do objeto de


análise e os conceitos que o caracterizam. A proposta das Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08,
e seus documentos de referência, ultrapassa a abordagem das culturas subalternizadas apenas
como temática no processo educacional, tendo como horizonte trazer à tona os

17
Música: Deus me proteja. Composição: Chico César e Dominguinhos.
89

conhecimentos indígenas, afro-brasileiros e africanos estigmatizados e ocultados pelo


colonialismo. Assim, esta pesquisa também se propõe a observar o objeto e os sujeitos que
o constroem a partir da perspectiva intercultural (CANDAU, 2013) e de prática
descolonizadora (CUSICANQUI, 2010), que reconhecem na ciência moderna ocidental, o
exercício de hegemonia do conhecimento, estabelecido arbitrariamente por um
eurocentrismo que determina como base a dualidade própria do pensamento moderno
ocidental na qual “sua visibilidade assenta na invisibilidade de formas de conhecimento que
não encaixam em nenhuma destas formas de conhecer. Refiro-me aos conhecimentos
populares, leigos, plebeus, camponeses, ou indígenas do outro lado da linha” (SANTOS,
2013, p. 31).
Entende-se que a realidade a ser observada não é objetiva ou linear, pelo
contrário, trata-se de um curso construído por diversos professores/as ao longo de sua
história. A criação do curso de licenciatura também é motivada por elementos históricos,
entre eles a articulação política pela inclusão da Sociologia no EM. Dessa maneira, opto pela
abordagem qualitativa, entendendo sua contribuição para “[...] ‘captar’ o fenômeno em
estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de
vista relevantes. Vários tipos de dados são coletados e analisados para que se entenda a
dinâmica do fenômeno” (GODOY, 1995, p. 21).
Situada em divergência à dominação das epistemologias ocidentais
eurocêntricas, reconhecer a colonialidade e as possibilidades de descolonização proporciona
conhecer melhor o objeto em análise nesta pesquisa. Martins e Benzaquen (2017) propõem,
por exemplo, uma matriz metodológica descolonial pautada em três categorias de análise:
saber, poder e ser, na qual

[r]eivindicar saberes contextualizados e incorporados e questionar o saber


eurocêntrico que tem a pretensão de ser neutro, total e verdadeiro, são formas
descoloniais do saber. Facilitar práticas de democracia radical internamente e
externamente (se organizando em forma de rede, por exemplo) contribui para a
desestabilização de estruturas hierárquicas e autoritárias de organização, sendo
assim, um exemplo de descolonialidade do poder. Valorizar a interculturalidade,
permitir que os sujeitos possam elaborar suas identidades segundo os seus
contextos e possam se fortalecer na troca com os outros são exemplos de
descolonização do ser (p. 22).

Para observar o objeto de estudo, e como ele e seus agentes se transformam, a


partir da unidade dialética reflexão-ação, utilizo as orientações para uma prática
90

descolonizadora de Cusicanqui (2010, p. 62), pois “não pode haver um discurso da


descolonização, uma teoria da descolonização, sem uma prática descolonizadora” 18.
Assim, não se pretende avaliar ou medir o grau de descolonização do curso, de
seus(suas) professores(as), de seus(suas) estudantes, senão observar e entender o processo
desse curso de licenciatura dentro de seu tempo histórico, de acordo com as circunstâncias
que o permitem existir e entendendo-o como um produto cultural e político e, por isso
mesmo, “[...] em contínuo processo de elaboração, de construção e reconstrução (CANDAU,
2013, p. 22).
Essas práticas descolonizadoras, pensadas por Cusicanqui (2010), também
contribuíram na execução do Estudo de Caso, que “[fornece] o conhecimento aprofundado
de uma realidade delimitada que os resultados atingidos podem permitir e [formula]
hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas”, como Triviños (1987, p. 111)
apresenta sendo a riqueza desse tipo de estudo.
É importante que esta pesquisa, inicialmente, foi proposta para conhecer os
espaços de formação que dão base para os conhecimentos de professores(as) sobre a
experiência coletiva das populações negras e indígenas em Fortaleza. Entretanto, o primeiro
dia de mestrado foi marcado pelo 1º decreto estadual de prevenção à Covid-19, no dia 16 de
março de 2020. As aulas passaram a ser realizadas na modalidade remota, não havia espaços
de sociabilização da turma além do horário estabelecido para cada disciplina. Chegamos a
passar 4 meses trancados em casa, com comércio fechado, então começamos a nos adaptar
a um novo modo de integração, de construir ou não as relações. Isto impactou muito a
pesquisa, porque para trabalhar com as relações étnico-raciais é muito importante construir
relações de confiança com os sujeitos da pesquisa. Para se construir relações é necessário
olhar, sentir o cheiro, ver as cores e diversidade de formas, é necessário mostrar-se. E isso
não foi possível em uma pandemia.
A experiência de Estágio de Docência levou-me à disciplina “Tópicos Especiais
I: Educação das Relações Étnico-Raciais”, obrigatória para o curso de licenciatura em
Ciências Sociais da UECE, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Michely Peres de Andrade. Participar
dessa disciplina como estagiária possibilitou-me reconhecer, nesse curso, esforços para
incluir na formação dos(as) licenciandos(as) em Ciências Sociais a experiência das
populações subalternizadas, estabelecendo uma metodologia de ensino crítica ao

18
Tradução nossa para: “[n]o puede haber un discurso de la descolonización, una teoría de la descolonización,
sin una práctica descolonizadora”.
91

pensamento ocidental eurocêntrico e anunciadora de “conhecimentos outros”, evidenciando


a relevância de se aprofundar no empenho desse curso e de seu corpo docente em construir
possibilidades para uma formação intercultural e descolonizadora. Assim, estabeleci que o
lócus da pesquisa seria o curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE, campus
Itaperi em Fortaleza.
Observo também que, após a qualificação da pesquisa, estive presente como
aluna especial, a convite da Prof.ª Lia Pinheiro Barbosa, na disciplina “Pensamento Social
na América Latina”, ofertada pelo PPGS da UECE. Onde também foi importante para
fundamentar o debate teórico não apenas sobre o colonialismo, mas sobre a produção de
conhecimento sobre os povos da América Latina, produzido pelos(as) próprios(as) latino-
americanos(as).
Foi realizada uma pesquisa documental, tendo como referência os marcos legais
nº 10.639/03 e nº 11.645/08 e seus documentos orientadores, especificamente o Parecer nº
03, de 10 de março de 2004, elaborado pelo CNE, que estabelece o ensino da história e da
cultura Afro-brasileiras e Africanas na Educação Básica, e o Parecer nº 14, de 11 de
novembro de 2015, também elaborado pelo CNE, que estabelece diretrizes para o ensino da
história e das culturas dos povos indígenas na Educação Básica. Assim como também foi
realizado um estudo de Estado da Questão como estratégia de aproximação ao que está sendo
produzido no ES brasileiro sobre as categorias que compõem esta pesquisa.
Também foram analisados documentos referentes ao objeto de estudo, como o
PPC elaborado em 2019 e em vigência até o término desta pesquisa. O primeiro PPC da
licenciatura foi elaborado em 2003, ano de sua criação. O documento foi solicitado à
coordenação do curso, formada pelas Prof.ª Dr.ª Natalia Monzon Montebello e Prof.ª Dr.ª
Michely Peres de Andrade. Também foram analisados os Currículos Lattes dos(as)
professores(as) que compõem o corpo docente do curso, coletados no dia 29 de novembro
de 2021 por meio da Plataforma Sucupira.
A análise dos Currículos Lattes orientou a seleção de 8 professores(as) que
apresentavam em seu currículo aspectos que apontavam para a inserção de conhecimentos
africanos, afrodiaspóricos e indígenas no seu exercício da docência no ES (ensino, pesquisa
e extensão), assim como pesquisas voltadas para a formação de professores(as). Os(as)
professores(as) são: 1) Catarina Tereza Farias de Oliveira; 2) Gustava Bezerril Cavalcante;
3) João Tadeu de Andrade; 4) Jouberth Max Maranhão Piorsky Aires; 5) Maria Raquel de
92

Carvalho Azevedo; 6) Michely Peres de Andrade; 7) Mônica Dias Martins; 8) Wellington


Ricardo Nogueira Maciel.
As orientações contidas nos pareceres citados e PPC contribuíram também para
a construção do roteiro das entrevistas (Apêndice A), do tipo semiestruturadas, compostas
por perguntas primárias e secundárias e de acordo com as seguintes categorias: 1) formação
do(a) docente do curso; 2) a licenciatura em Ciências Sociais; 3) currículo; 4) avaliação. A
entrevista semiestruturada foi realizada com 3 professoras: 1) Professora A; 2) Professora
B; 3) Professora C19, que atuam respectivamente nas áreas de: 1) Ciência Política; 2)
Sociologia; 3) Antropologia.
Esta etapa foi planejada para acontecer na modalidade a distância, através da
Plataforma Google Meet, devido à pandemia de Covid-19 e pela possibilidade de melhor
encaixar-se na agenda dos(as) professores(as) e por, naquela ocasião, eu estar trabalhando
na Fundação Fé e Alegria, filial Ceará, no distrito de Vazantes, Aracoiaba. Logo no primeiro
contato com as professoras para fazer o convite à entrevista, foi indicado que o momento
teria, no máximo, 1 hora de duração, estratégia considerada mais atrativa às professoras e
para evitar que se tornasse um momento cansativo. Foram selecionadas, no máximo, 3
perguntas primárias para cada entrevistada, de acordo com sua formação e histórico no curso.
Para tanto, foi criada uma apresentação de Power Point, como ferramenta de condução da
entrevista. Inicialmente foi apresentado o processo formativo de cada professora na
universidade e, depois, com perguntas primárias relacionadas à sua área de atuação no curso.
Inicialmente foi explicado às professoras a temática da pesquisa, seu recorte e o
procedimento para chegar ao nome de cada entrevistada. Apesar de ter as perguntas
primárias e secundárias pré-elaboradas, elas foram apresentadas às entrevistadas dentro de
uma contextualização na qual o primeiro bloco da entrevista é a apresentação da formação
da professora entrevistada tendo como referência seu Currículo Lattes, o que abriu o diálogo
sobre a presença dos conhecimentos indígenas, africanos e afrodiaspóricos em sua formação,
fosse dentro dos marcos dentro das instituições universitárias ou fora dela, entendendo “a
importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula
das escolas, nos pátios dos recreios” (FREIRE, 2019, p. 44). Dessa maneira, os saberes
dos(as) professores(as) não são construídos apenas dentro dos modelos apresentados pelas
estruturas de ensino, mas nas entrelinhas de sua vida cotidiana.

19
Optou-se por substituir o nome das entrevistadas por códigos porque, apesar de ser uma reflexão sobre suas
práticas, trata-se também de suas opiniões sobre a estrutura de seu trabalho e de suas relações.
93

Foi muito interessante conhecer inicialmente o percurso formativo dos(as)


professores(as) através de seu Currículo Lattes, porque, confesso, que nunca havia feito um
estudo minucioso sobre o caminho feito por meus(minhas) professores(as) e, melhor ainda,
dialogar na entrevista com as informações que tive dessa análise documental.
Então, pude notar o marco temporal a partir do qual a Professora B iniciou suas
produções relacionadas à Relações Étnico-raciais, feminismo negro, pós-colonialismo,
descolonização do currículo, tanto que já estava inserido em uma das lâminas do Power
Point apresentado. Na verdade, o que aconteceu foi um encontro, pois a conversa foi
conduzida de modo que se chegasse àquele momento em que a professora despertou para
esses saberes.
Conhecer a atuação da Professora C no terceiro setor ou, como se chama hoje,
em Organizações da Sociedade Civil (OSC), pautando suas pesquisas acadêmicas em sua
experiência e atuação profissionais, me causou um encantamento por perceber que, no PPC,
um dos objetivos do curso é a formação de profissionais para trabalhar na educação não
formal, desenvolvida em OSCs. Esse encantamento também se dá porque esta é a área em
que tenho atuado profissionalmente, após concluir a graduação em Ciências Sociais, em
funções nas quais os(as) cientistas sociais já têm atuado e poderiam fazê-lo de forma ainda
mais qualificada, pesquisando sobre suas áreas de atuação e se organizando como categoria.
A inserção da Professora A como docente na UECE aconteceu no mesmo ano
de criação da licenciatura em Ciências Sociais e da sanção da Lei nº 10.639, mesmo que sua
atuação não tenha ocorrido diretamente na licenciatura desde sua entrada na UECE, seu
interesse sempre esteve voltado a preencher as lacunas sobre a construção das nações latino-
americanas e africanas.
94

6 A UNIVERSIDADE E AS CIÊNCIAS SOCIAIS

Nesta seção, apresento o que os dados, coletados na pesquisa documental e nas


entrevistas, apresentam sobre o caso em estudo: o curso de Licenciatura em Ciências Sociais
da UECE de Fortaleza. Essa explanação foi construída tendo como base as informações
apresentadas pelo PPC da Licenciatura em Ciências Sociais, elaborado em 2019, estando em
vigência até a realização desta pesquisa, e os currículos dos(as) professores(as).

6.1 A Universidade no Brasil

Além do Ensino Básico, o ES também se apresenta como um cenário


significativo para conhecer e entender a história e a cultura africanas, afro-brasileiras e
indígenas no Brasil. Seu nascimento tardio e suas bases epistemológicas eurocentradas são
fatores importantes para observar o atual estado de formação dos(as) professores(as) para a
Educação das Relações Étnico-Raciais.
Como definição de universidade, apresento a explicação de Mendonça (2000)
que, baseada em Charles e Verger (1996), identifica a instituição universitária como

uma criação específica da civilização ocidental, que teve, nas suas origens, um
importante papel unificador da cultura medieval e que, posteriormente, ao longo
do século XIX, redefinida em suas atribuições e em seu escopo, exerceu também,
um papel significativo no processo de consolidação dos Estados nacionais
(MENDONÇA, 2000, p. 131-132, grifo da autora).

Assim, a universidade apresenta-se como instituição ocidental e, por isso,


eurocêntrica em suas raízes e desenvolvimento. Ela não está isenta de modificações e tendo
ela modificado vários territórios e culturas, necessita também ser modificada.
A sociedade brasileira formou-se a partir de diversas raízes culturais, além das
que já habitavam este território antes da ocupação portuguesa. Indivíduos que compunham
sociedades pré-capitalistas em África e na América, com seus próprios modos de vida, de
cultivo da terra, de organização social e política, entraram em contato entre si e com uma
95

sociedade europeia que entrava em uma nova dinâmica socioeconômica burguesa. A


primeira fase do capitalismo, caracterizado pelo mercantilismo e pautado na exploração de
novas terras e na escravidão e servidão de pessoas, estrutura econômica que conhecemos
como colonialismo, não se deu apenas no âmbito econômico, no qual a Europa construiu sua
riqueza material através da monetarização de matéria-prima, de seres humanos e de terras
roubadas dos continentes americano e africano.
A Europa também estabeleceu um padrão de civilização, “característico de todos
os impérios europeus modernos” (MALDONADO-TORRES, 2020, p. 30), no qual os povos
não-europeus estariam em uma escala como selvagens e primitivos, enquanto a Europa,
branca e moderna, estaria no mais alto grau de evolução, os civilizados. A partir disso, é
estabelecido um dualismo próprio do eurocentrismo (bom/mal; civilizado/selvagem;
cristão/pagão). Assim, a colonização instala não apenas uma exploração objetiva de terras,
corpos, matéria-prima, mas também “[...] uma guerra permanente contra o povo colonizado,
seus costumes e um vasto conjunto de suas criações e seus produtos” (MALDONADO-
TORRES, 2020, p. 38), submetendo os povos não-europeus ao processo de aculturação,
negação de seus modos de viver e pensar, tidos como conhecimentos primitivos, e adesão
compulsória aos costumes do colonizador.
Para se colocar no centro da modernidade, a Europa estabelece, em uma guerra
bélica e simbólica, a não-existência dos conhecimentos de povos não-europeus ou,
especificamente, indígenas e africanos, quando se trata de uma análise sobre o colonialismo
no território hoje chamado de Brasil. Assim, quando se trata de produção de conhecimentos,
esses povos eram relegados apenas a objetos de estudos científicos e não como sujeitos que
pensam sobre sua própria experiência e existência.
É importante destacar o papel do colonialismo na ocultação dos conhecimentos,
porque a presença ou ausência de universidades no território colonizado se dá a partir dos
objetivos do império colonizador e, como observa Fávero (2006, p. 19), os “impasses vividos
pela universidade no Brasil poderiam estar ligados à própria história dessa instituição na
sociedade brasileira”.
Dessa maneira, a dificuldade de implementar as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08
está também na dificuldade de a universidade brasileira incluir os conhecimentos indígenas
e africanos nos currículos dos cursos, em especial, nas licenciaturas.
Fávero (2006) evidencia a resistência de Portugal em implantar universidades
nos territórios colonizados. Isto é perceptível tanto no período colonial no Brasil como
96

também nas colônias no continente africano durante o neocolonialismo no século XX, após
a Conferência de Berlim. Apenas uma parcela da população, uma elite econômica, conseguia
ter acesso à universidade na Metrópole, em especial, na Universidade de Coimbra.
É possível fazer um paralelo com a colonização espanhola no território
americano, que não se torna menos violenta, mas quando se trata de implantação de
instituições de ES, em 1538 surge a Universidade de São Domingos, na República
Dominicana e, logo após, em 1551 era fundada a Universidade de São Marcos, no Peru, esta
última nos mesmos moldes da Universidade de Salamanca, como apresenta Holanda (2014).
O mesmo autor também apresenta que essa distinção entre colonização portuguesa e
espanhola se dá porque enquanto o primeiro está preocupado apenas com a exploração
comercial, a Espanha pretendia estender as instituições de seu país aos territórios
colonizados. O que também não deixa de ser uma estratégia colonialista de dominação de
um modo de produção de conhecimento sobre outros, pois, como argumenta Fanelli (2021),
cada sociedade tem seus modos próprios de aprendizagem e perpetuação de seus
conhecimentos, não necessariamente precisa acontecer através de um sistema institucional.
A chegada da coroa portuguesa ao Brasil trouxe consigo novas possibilidades de
criação de instituições de ES. Entretanto, estas se tratavam, apenas, de cursos
profissionalizantes e escolas superiores de Medicina, Engenharia e Direito, em especial para
formar profissionais para o funcionamento do Estado. Essa relação entre a chegada da
Monarquia e a criação de instituições de ensino leva Fávero (2006, p. 20) a entender que
“[...] Portugal exerceu, até o final do Primeiro Reinado, grande influência na formação de
nossas elites”, refletindo na forma como essas elites se relacionam com as minorias sociais
no próprio Brasil.
É possível, assim, entender que essa influência de Portugal sobre as elites
brasileiras estendeu-se à reprodução de instrumentos colonialistas por essas elites, mesmo
com o advento da República. Como observa Casanova (2007, p. 438), o colonialismo interno
apresenta-se nos países que passaram pelo processo da colonização quando “suas classes
dominantes refazem e conservam as relações coloniais com as minorias e as etnias
colonizadas que se encontram no interior de suas fronteiras políticas”.
Dessa maneira, mesmo após o fim da dominação política de Portugal no Brasil,
não há mudança na estrutura de dominação, apenas uma substituição de pessoas no cargo de
poder, onde a população negra e indígena continuou a ser inferiorizada. Como é possível
97

observar em Gomes (2017), reconhecer-se como pessoa negra também é um ato político que
gera incômodo às elites.
Mortari e Wittmann (2019) esclarecem que a exigência por respeito e
reconhecimento, e não apenas por inclusão, resulta do debate sobre o eurocentrismo ainda
estar fortemente presente no currículo dos cursos de ES, assim como “o ensino da história
brasileira tem sido historicamente eurocêntrico, ignorando processos, personagens e
histórias indígenas e afro-brasileiras” (MEC/CNE/CEB, 2015, p. 8). É nesse sentido que se
apresenta uma resistência institucional e, por isso mesmo, elitista, em inserir a história e a
cultura dos povos subalternizados como conhecimentos que também contribuíram para a
formação da sociedade brasileira.

6.2 O Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE em Fortaleza

Inicialmente, foi criado o Curso de Bacharelado em Ciências Sociais, no ano de


1989, por meio do Departamento de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da UECE.
Motivado pelas necessidades e reivindicações dos(as) próprios(as) estudantes, em 2003 foi
estabelecida a Licenciatura em Ciências Sociais. Entretanto, de acordo com os meios de
comunicação da UECE, entre os anos de 1978 e 1987 era realizado o vestibular para ingresso
no curso de Licenciatura Curta em Estudos Sociais, sendo suprimida, de acordo com o site
da instituição, porque “[...] o curso refletia a política do regime militar [...]”.
Uma das principais reivindicações dos(as) alunos(as) era a de que, tendo se
evidenciado a abertura para atuação dos(as) cientistas sociais na área da educação, em
especial no exercício da docência, os(as) próprios(as) deveriam assumir esse espaço e não
profissionais de outras áreas. Essa exigência dos(as) alunos(as) apresenta-se como evidência
de uma necessidade coletiva em estabelecer a educação como campo das Ciências Sociais,
em especial apresentando-se através da disciplina de Sociologia no EM, além de sua atuação
no âmbito da educação não-formal.
Esse movimento de ampliação da atuação profissional de cientistas sociais
naquele período, assim como de qualificar sua formação para tal demanda, estão em
consonância com o que apresenta o Parecer nº 38, de 07 de julho de 2006 (MEC/CNE/CEB,
2006), que, ao analisar a importância da inclusão da Sociologia e da Filosofia no EM,
98

observa que essa inclusão aconteceu nas redes de ensino público e privado de 17 estados
federativos antes do estabelecimento de uma lei federal, o que é fruto de “uma persistente
mobilização de amplos setores ligados à educação, que defendem a Sociologia e a Filosofia
no contexto dos esforços de qualificação do Ensino Médio no Brasil” (MEC/CNE/CEB,
2006, p. 3). Apresenta-se, assim, a criação da Licenciatura em Ciências Sociais da UECE,
em Fortaleza, dentro de seu tempo histórico e das demandas coletivas da categoria.
Respondendo a esse cenário e fundamentando-se no parecer técnico do CNE,
citado anteriormente, construído em colaboração com profissionais da área, a Lei nº 11.684,
de 02 de junho de 2008, efetiva o ensino obrigatório da Sociologia e da Filosofia no EM.
Esse parecer constrói seu argumento favorável à inclusão, estando fundamentado nas
contradições entre a Lei nº 9.394/1996, a LDB, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio, Resolução CNE/CEB nº 3/98 e Parecer CNE/CEB nº 15/98, nas quais
consta que os(as) estudantes devem demonstrar domínio sobre essas áreas do conhecimento,
mediado pelos conteúdos, metodologias e avaliação, assim como as propostas pedagógicas
devem dispor dessas áreas para assegurar a interdisciplinaridade, considerando assim
Sociologia e Filosofia como necessárias à formação escolar.
Entretanto, o Parecer nº 22/2003 (CNE/CEB, 2003), ao analisar as indicações
desses últimos documentos sobre o ensino dessas matérias, entendeu que não existiria
obrigatoriedade em tornar essas áreas em disciplinas que compõem a Matriz Curricular.
Assim, compreende-se que essa análise se atenta muito mais aos termos que, de fato, aos
conhecimentos necessários para uma formação de qualidade no EM.
Dessa forma, a Lei nº 11.684/08 altera a LDB e institui a Sociologia como
disciplina obrigatória no âmbito do EM, entretanto com a Lei do Novo Ensino Médio nº
13.415/2017 (BRASIL, 2017), a Sociologia é incluída como componente curricular das
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, de acordo com a BNCC, não sendo mais uma
disciplina, mas estudo e prática obrigatórios.
Um estudo realizado pela Prof.ª Dr.ª Adelita Neto Carleial, sobre o estado da arte
das monografias do curso de Ciências Sociais da UECE durante os anos de 1989 e 2009,
apresentou que, mesmo se tratando da análise da produção científica dos(as) estudantes do
Bacharelado, das 235 monografias analisadas na área de conhecimento da Sociologia, 21
tratavam de temáticas voltadas para diversas áreas da Educação: 1) educação; 2)
escola pública; 3) discentes; 4) universidade; 5) projetos pedagógicos; 6) docentes; 7) Curso
de Ciências Sociais (CARLEIAL, 2011). Evidenciando que, mesmo não sendo um número
99

expressivo, as produções científicas de conclusão de curso apresentavam que havia discentes


interessados por essa área, entendendo-a como um espaço onde os(as) cientistas sociais
podem pesquisar e dar suas contribuições teórico-práticas.
Segundo o documento orientador do curso, durante o período inicial de
implantação da licenciatura notou-se uma “[...] secundarização da essencialidade da docência
no Curso [...]” (LICENCIATURA EM CIÊNCIA SOCIAIS/PPC20, 2019, p. 7), causado pela
divisão entre disciplinas específicas da licenciatura e disciplinas de conteúdos próprios das
Ciências Sociais, nas quais alunos(as) do bacharelado e da licenciatura partilhavam da
mesma experiência. Isto é, os conteúdos específicos da área não eram trabalhados com o
propósito de formar professores(as) para compreender a transposição didática desses
conteúdos e temáticas para o EM, seu público e estrutura organizacional do ensino básico.
A partir de 2010 também foi incluído no processo de formação de
professores(as) o PIBID, o qual tem contribuído para a introdução de licenciandos(as) no
espaço escolar durante sua formação e a reflexão sobre teoria e prática no ensino de
Sociologia.
Além dos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais em
Fortaleza, a UECE também oferece o curso de Licenciatura em Ciências Sociais no interior,
pela FACEDI, fruto da mobilização da comunidade universitária, tendo sido sua criação uma
das pautas de negociação com o Governo do Estado do Ceará durante a greve que durou de
setembro de 2014 a janeiro de 2015. A UECE ainda mantém o vestibular como um dos
principais meios para ingresso de novos estudantes e, a partir do semestre 2019.1, incluiu a
Sociologia e a Filosofia nas provas de conhecimentos gerais e específicos.
Em 2013, o curso até então no campus Fátima em Fortaleza, foi transferido para
o campus Itaperi com a justificativa de que esse campus oferecia melhor estrutura e uma
maior aproximação com a Pós-Graduação, naquele momento, em Políticas Públicas. Na
ocasião da coleta dos currículos dos(as) docentes, em novembro de 2021, o curso
apresentava um total de 28 professores(as), dentre os quais 6 eram substitutos(as),
distribuídos nas disciplinas das 3 áreas das Ciências Sociais: Sociologia, Antropologia e
Ciência Política, e nas disciplinas didático-pedagógicas, que conferem identidade ao curso
de licenciatura.

20
Retirado do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais/CH/UECE - Volume I – 2019,
disponível na coordenação do referido curso.
100

Contraditoriamente, após um longo período de reforma dos blocos do campus


Itaperi e 2 anos na modalidade de ensino remoto por conta da pandemia de Covid-19, no
retorno às aulas presenciais, em março de 2021, o Curso de Ciências Sociais não tinha seu
bloco reformado e disponível para o desenvolvimento das disciplinas. Alguns(mas)
alunos(as) colaram lambe e fizeram alguns pixos nas paredes do bloco em quem estavam
temporariamente, em protesto à situação da infraestrutura do curso. Essas expressões foram
apagadas e removidas pela prefeitura do campus e por estudantes de outros cursos,
evidenciando tanto um processo de higienização como de disputa de discursos políticos
dentro da universidade.

6.3 A Curiosidade Epistemológica em processo

O PPC apresenta que existe o entendimento de que a especificidade do curso de


licenciatura corresponde aos aspectos didático-pedagógicos, tendo o desenvolvimento do
PIBID contribuído para superar os problemas relacionados à secundarização desses
conhecimentos necessários à formação de professores(as).
É possível perceber isto também na resposta da Professora C, quando tratamos
de um ponto específico apresentado no PPC, relacionado ao desenvolvimento de “[...]
competências e habilidades acadêmicas necessárias ao professorar, que sejam apropriadas
ao público do ensino médio” (LICENCIATURA EM CIÊNCIA SOCIAIS/PPC, 2019, p. 15,
grifo dos autores). Na ocasião, a professora afirma que

[...] tem um conhecimento que nasce na prática, e esse a gente tenta ao máximo,
eu acho a licenciatura da UECE muito boa nesse sentido, eu acho que o PIBID é
fundamental para isso, o PIBID não pode acabar nunca, a experiência com o PIBID
é importantíssima, ela não substitui o estágio, porque o estágio como o tempo de
acontecer é diferente do PIBID (PROFESSORA C).

A experiência do PIBID, no qual o licenciando está constantemente em sala de


aula, possibilita a construção de saberes reflexivos sobre a prática e que só podem ser
construídos na observação da relação professor(a) – aluno(a), na presença no cotidiano
101

escolar. Dessa maneira, é uma experiência que materializa, que dá vida aos estudos didático-
pedagógicos das disciplinas.
Almeida e Gonçalves (2011, p. 5-6), ao analisar a experiência do PIBID nas
Ciências Sociais da UECE para a formação de professores(as) de sociologia, apresenta que

[...] a vivência cotidiana do aluno na escola é fundamental para o conhecimento e


a aprendizagem de sua futura profissão, ser professor. E que a aprendizagem é um
acontecimento do dia a dia escolar e se aprofunda no envolvimento com atividades
de pesquisa das temáticas que cercam a escola, seus profissionais e seus desafios.

Assim, esses conteúdos indispensáveis à formação de professores(as) são


elaborados na prática formadora (FREIRE, 2019, p. 24 grifos do autor), na qual o(a)
licenciando(a) se dá conta de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.
É possível perceber o processo de transição entre a curiosidade ingênua e a
curiosidade epistemológica (FREIRE, 2019) na própria experiência das três professoras
entrevistadas em relação a suas aproximações com os conhecimentos africanos, afro-
brasileiros e indígenas. Estas apresentam que em suas formações, os conhecimentos
supostamente universais não contemplavam os conhecimentos sobre indígenas, africanos e
os descendentes de africanos na diáspora, muito menos conhecimentos elaborados por eles,
sob sua perspectiva. Esse conhecimento apresentava-se a partir de pesquisas e também
através de estudos desenvolvidos por professores(as) próximos(as) das entrevistadas,
enquanto estudantes da Pós-Graduação, conforme afirmam:

[...] na Universidade nos 4 anos que eu passei lá, praticamente não houve
absolutamente nada formal, nada formal nesse, nesse, nesse aspecto, na graduação
né, no Mestrado a professora Silvia Porto Alegre, ela é uma antropóloga, foi minha
professora no Mestrado, e ela dava, uma aula que trazia muitos dos conhecimentos
indígenas (PROFESSORA A).

E o contato que eu vim ter mesmo com autores africanos, afro-diaspóricos, não os
autores né, mas os conhecimentos mesmo através desses autores, foi já no
finalzinho do doutorado, com Eliane Veras, professora de sociologia e Remo
Mutzenberg, que foi o meu orientador do doutorado, porque eram os dois
professores que tinham muito interesse na literatura africana (PROFESSORA B).

[...] essa questão com os indígenas e os quilombolas, africanos, foi mesmo com
pesquisa, primeiro com pesquisa. Eles estavam, faziam parte dos fóruns, faziam
parte de alguns momentos de discussão política, enfim, de algumas manifestações
102

que a gente mobilizava pelo litoral, foram muitos encontros, mas aprofundando
mesmo foi já quando eu estava interessada pela pesquisa, na pesquisa, aí foi no
doutorado (PROFESSORA C).

E pensando na relevância do processo de descoberta de conhecimentos ocultados


na formação dessas professoras, Oliveira e Barbosa (2020) apresentam que ao fazermos esse
movimento de superação das epistemologias eurocêntricas, ao nos abrimos para as
epistemologias negras e para os trabalhos produzidos por intelectuais negros e negras, “[...]
causamos rasuras no fazer científico ocidentalizado e problematizamos as bibliografas
canônicas autorizadas no âmbito da produção sociológica, ao tempo que visamos desenterrar
as bases epistêmicas soterradas” (OLIVEIRA; BARBOSA, 2020, p. 385).
As professoras entrevistadas identificam que esses conhecimentos não são
restritos ao ambiente acadêmico. De fato, fazendo referência às diversas abordagens da
multiculturalidade, a reivindicação pelo reconhecimento da diversidade cultural no Brasil
não tem origem no ensino superior, mas nas “lutas dos grupos sociais discriminados e
excluídos, dos movimentos sociais, especialmente os referidos às questões étnicas”
(CANDAU, 2013, p. 18). Segundo a mesma autora, esse debate ainda é frágil dentro da
universidade e, por essa razão, é importante destacar a necessidade de diálogo constante com
os movimentos sociais, pois deles resultam as reais demandas das populações
subalternizadas (CUSICANQUI, 2010). Assim, é possível perceber que as professoras
reconhecem esses conhecimentos nos espaços fora da universidade da seguinte forma:

[...] na minha cabeça esses saberes Indígenas, Africanos e Afrodiaspórico são


saberes que vêm muito mais das lutas sociais e da Arte, do que da academia né, na
minha vida, na minha vida como professora, como intelectual (PROFESSORA A).

Também eu acho que a amizade com alguns colegas, como o professor Hilário, eu
acho que é uma pessoa importante na minha trajetória, que hoje é um dos grandes
defensores do povo negro no Ceará, no Brasil. A aproximação com ele também na
época da graduação, a gente tinha poucos colegas negros e negras né. E assim, a
aproximação com ele sempre fez perceber o quanto era importante conhecer o
povo negro, as suas raízes, a cultura, os comportamentos (PROFESSORA C).

Munduruku (2012, p. 47), ao tratar da memória como importante elemento das


sociedades indígenas, apresenta que esta “[...] é passada de geração a geração através dos
fragmentos que a compõem e que são ‘colados’ por uma concepção de educação que passa,
necessariamente, pelo aprendizado social”.
103

Assim, os conhecimentos das populações negras e indígenas são também


conhecimentos ancestrais, integrados aos modos de viver e se relacionar dessas populações,
compondo também sua educação não-formal, sua formação social e familiar. Destaco a fala
da Professora B, mulher negra, pernambucana, que afirma:

[...] porque os conhecimentos indígenas, africanos, estão na nossa formação, está


na minha família, está a partir do momento que a minha avó, chegava na casa da
minha avó e ela vinha com todos os ensinamentos, benzedeira né. Então esses
conhecimentos estão na formação [...] esses sentimentos se articulam, ela faz parte,
essa formação familiar, essas sabedorias que são ancestrais fazem parte também
desta minha formação como professora (PROFESSORA B).

No que diz respeito aos princípios de práticas descolonizadoras, relatadas na


seção anterior, tendo como referência os estudos de Cusicanqui (2010), exponho o que, para
mim, e a partir desses estudos, apresentam-se como uma abertura para essa realização. Na
entrevista, a Professora A relata a importância do desenvolvimento de projetos de pesquisa
voltados a superar a ausência do debate sobre a formação dos Estados Nacionais na América
Latina e África, estando restrito apenas à experiência europeia, ou seja,

[...] havia um interesse da gente fazer pesquisa, sobre uma lacuna muito grande,
era conhecimento das nações na América Latina e na África, se falavam muito das
Nações Europeias, né, da Formação das Nações Europeias, etc. e tal, mas havia
uma grande lacuna sobre a formação da América Latina [...] (PROFESSORA A)

Após a finalização do projeto, o processo da pesquisa é adaptado à estrutura de


disciplinas optativas, nas quais são disseminadas suas fundamentações teóricas e seus
resultados. Como pesquisadora e egressa do curso de Ciências Sociais, não posso deixar de
informar que estive matriculada em algumas dessas disciplinas optativas que são frutos de
projetos de pesquisa dos(as) professores(as) e que apresentam conhecimentos decorrentes
das experiências indígenas, negras, em África e na diáspora, e da classe trabalhadora. Como
exemplo disto, cito a Disciplina de Movimentos Sociais, ministrada pela Prof.ª Catarina
Tereza Farias de Oliveira, no semestre letivo 2013.1, quando foi apresentado o histórico das
organizações sociais no Brasil, o que me impactou por ter sido nessa disciplina que conheci
a Lei de Terras, de 1850, e me fez refletir sobre a existência do latifúndio em detrimento das
terras indígenas, da terra e de sua função social, defendidas pelo MST em especial, e dos
104

aglomerados urbanos onde está presente, principalmente, a população negra (pretos e


pardos). Conhecer a Lei de Terras me fez identificar uma das origens da desigualdade no
Brasil e pensar o meu lugar, a periferia.
Também participei da disciplina optativa Estudo sobre a Nação, ministrada pela
Prof.ª Mônica Dias, em 2014.2, que tratava da formação dos Estados Nacionais de Angola e
do Brasil, quando, além de começar a construir um olhar crítico sobre o colonialismo
europeu em África após a Conferência de Berlim, pude conhecer as lutas travadas pelo povo
angolano contra o regime colonial português, seus personagens históricos e sua literatura de
combate.
Também fez parte da minha formação a disciplina optativa Antropologia
Contemporânea, ministrada pelo Prof. Jouberth Max Maranhão Piorsky Aires, no semestre
letivo 2016.1, que tratava da Antropologia dos Povos e Comunidades Tradicionais, quando
pude conhecer a diversidade de grupos que ocupam tradicionalmente as terras, como os
povos indígenas, os remanescentes de quilombos e as comunidades tradicionais, a exemplo
das Terras de Santo, além da necessidade de sua preservação cultural, religiosa, econômica,
os marcos regulatórios, as instituições responsáveis pelos estudos, demarcação e seguridade
do direito tradicional à terra.
Também tive à experiência de participar da disciplina Tópicos Especiais I:
Educação das Relações Étnico-Raciais, ofertada como Componente Curricular de Extensão
por meio do Estágio de Docência no Mestrado, o que contribuiu muito para a delimitação
desta pesquisa. A disciplina foi ministrada pela professora Michely Peres de Andrade,
também coordenadora do grupo de pesquisa e extensão sobre Relações Étnico-Raciais,
Gênero e Educação (GERE), organizado em parceria com a UNILAB.
No período letivo 2018.2, também foi ofertada a disciplina optativa Tópicos
Especiais I: Sociologia das Sociedades Africanas, ministrada pelo Prof. Wellington Ricardo
Nogueira Maciel, tendo como objetivo “[a]presentar a produção sociológica endógena e, em
parte, africanista, sobre as sociedades africanas, com ênfase na produção de conhecimento
na diáspora e em África”21.
Todas essas disciplinas foram ofertadas como componente curricular optativo e
elaboradas por esses(as) professores(as) a partir de suas pesquisas e interesse de estudo. É

21
Retirado da ementa da disciplina optativa “Tópicos Especiais I: Sociologia das Sociedades Africanas”,
ofertada no semestre 2018.1 pelo Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE e disponível na
coordenação do referido curso.
105

importante destacar que, quando optativas, geralmente não carregam em seu título pistas
sobre os conteúdos trabalhados, o que é de grande importância não apenas para a formação
de cientistas sociais, como também dos(as) licenciandos(as) que irão mediar esses
conhecimentos no ensino básico.
É possível observar que essas disciplinas apresentam-se como uma estratégia de
efetivação do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, incluído no
artigo 207 da Constituição Federal de 1988, entretanto, limitar os conhecimentos por elas
abordados apenas a disciplinas optativas impossibilita que constituam efetivamente a
formação dos(as) licenciandos(as), “uma vez que cursá-las ou não depende do interesse
pessoal dos alunos”, como avalia Ferreira (2019, p. 193) ao notar que a Questão Étnico-
Racial nos cursos Pedagogia limitam-se a atividades de extensão.
Entretanto, os conhecimentos produzidos através de pesquisas voltadas ao
debate sobre as populações negra e indígena no Brasil também são inseridos em disciplinas
obrigatórias, como é o caso de Antropologia III, que trata da produção científica dessa área
das Ciências Sociais no Brasil. Quando desenvolvida na modalidade presencial pela
Professora Gustava Bezerril, eram apresentados estudos desenvolvidos por antropólogos
brasileiros, como Darcy Ribeiro e Kabengele Munanga (brasileiro-congolês), assim como
eram realizadas aulas de campo em parceria com comunidades remanescentes de quilombo.
Quando fiz essa disciplina no período letivo 2016.1, a professora organizou uma aula junto
à comunidade Alto Alegre, em Horizonte, localizada na Região Metropolitana de Fortaleza.
Durante o momento, as crianças da comunidade fizeram uma apresentação com cantos e
danças e uma das lideranças contou a história de Cazuza, um homem negro africano que
foge da escravidão e chega até uma comunidade indígena. Dessa maneira, “[a] aldeia
indígena de Pacajus é parte da história local” (SANTOS, 2012, p. 82) e aquela interação
entre negros e indígenas me chamou tanta atenção que escrevi no relatório, o qual guardo
até hoje, que “[a]o entrar na mata [Cazuza] é capturado por alguns capitães do mato, mas é
salvo por uma comunidade indígena e acaba casando-se com uma ‘negra-índia’”.
Alguns estudos, como o de Almeida (2013, p. 12), já apontam que na “[...]
incessante luta pela liberdade, negros e índios se aliavam e estabeleciam comunidades onde
se miscigenavam e faziam trocas culturais”. Isto me marcou naquele momento de escuta do
relato do Nego do Neco, liderança da comunidade Alto Alegre, e continua a me marcar até
hoje com esses estudos, porque minha família paterna se desenvolve dessa miscigenação no
município de Araioses-MA, entre uma mulher agricultora, pescadora de siri e costureira, que
106

carrega marcas raciais e costumes indígenas (mas não declarada porque, afinal, a
racialização indígena não se define pelos fenótipos) e um homem negro, carpinteiro de
barcos e pescador.
É possível perceber também a escolha por incluir autores(as) negros(as) nos
programas das disciplinas obrigatórias do currículo da licenciatura, como apresentado no
relato da Professora B

Como professora, eu lembro que quando eu cheguei na UECE, e aí por conta desse
meu interesse de pesquisar determinados autores, eu lembro que quando eu
cheguei com o livro, e aí eu nem tô falando de conhecimento africano, tô falando
de uma autora, como uma feminista negra como a Ângela Davis, que eu lembro
que a primeira vez que eu cheguei com um livro em sala de aula os estudantes:
"nossa, a gente quer muito ler essa autora, a gente nunca leu essa autora nas
disciplinas ". Então, quando eu cheguei com Bell Hooks também, lá em uma
disciplina da sociologia da educação, os estudantes faziam, eu sentia que havia
uma demanda muito grande por autores e autoras que trouxessem um debate sobre
a questão racial e de gênero fora daquelas referências mais convencionais, que
geralmente a gente tem nas ciências sociais. Então naquele momento eu percebi
uma demanda muito grande, tanto é que eu resolvi trazer esses autores também
para as disciplinas de prática de formação, porque o meu setor é o de prática de
ensino e de estágio supervisionado (PROFESSORA B).

Entretanto, no que diz respeito às disciplinas obrigatórias em sua totalidade,


Silva e Marcondes (2020, p. 184), em recente estudo sobre a inserção dos conhecimentos
das populações subalternizadas nas epistemologias das Ciências Sociais, observando
também o curso de Ciências Sociais da UECE, concluem que

Torna-se problemático constatar em pesquisas como esta que, entretanto, há


engessamento na construção desses saberes e que não houve, ao menos no que foi
delimitado aqui, relativamente às disciplinas obrigatórias, abertura para novas
formas de compreender a sociedade produzida por negrodescendentes.

Silva e Marcondes (2020) constatam que as produções científicas de autores(as)


negros(as) aparecem com maior frequência em disciplinas optativas, o que consideram uma
abertura, mas que não geram uma transformação na estrutura curricular do curso. Constatam
ainda que “[...] as discussões referentes ao colonialismo são pontos centrais que
aparentemente vêm se destacando nas áreas das Ciências Sociais de Fortaleza-Ceará, assim
107

como os debates relacionados à descolonização” (SILVA; MARCONDES, 2020, p. 184-


185).
Apesar de a introdução dos conhecimentos decorrentes das experiências das
populações subalternizadas seja algo recente na formação de professores(as), sendo
trabalhados “[...] de modo esporádico e pouco sistemático, ao sabor de iniciativas pessoais
de alguns professores/as” (CANDAU, 2013, p. 19), é importante dar relevância à abertura
dos(as) professores(as) intelectuais desse curso às lacunas existentes sobre as experiências
negra e indígena nas áreas do conhecimento que compõem as Ciências Sociais. Tão
significativo é, da mesma forma, perceber que eles(as) desenvolvem o ensino a partir de suas
pesquisas, que se trata também de suas escolhas políticas, assim confirmam o que Freire
(2019, p. 30-31) apresenta sobre a necessidade da pesquisa para o ensino, pois

Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque


indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando,
intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Assim, é na formação de uma curiosidade epistemológica, que se aproxima do


objeto de estudo com criticidade, com rigor metodológico (FREIRE, 2019), que as
professoras entrevistadas apresentam discursos que questionam o quão arbitrário é um
conjunto de conhecimentos que se apresenta como universal, mas excluem os conhecimentos
produzidos pelas populações subalternizadas

[...] hoje os tempos são outros, a gente perde quando fica só com um foco, apesar
de que eu acho que isso não foi ingênuo, foi no sentido mesmo de todo um projeto
de colonização, acho não, foi todo um processo de colonização, de estratégia de
dominação. Como hoje a gente já tem várias outras discussões que caminham para
outro lado, esses novos referenciais são imprescindíveis, significa a atualização e
o movimento do conhecimento [...] Eu não tô dizendo que a gente tem que
abandonar tudo, mas tem que fazer todo um movimento epistemológico mesmo,
de olhar para nós mesmos e avaliar o quanto a gente ainda pode avançar, o quanto
a gente ainda pode diversificar em relação à construção do conhecimento, em
relação às pesquisas, e principalmente aos nossos referenciais (PROFESSORA C).

Eu tive vários professores em antropologia que abordavam, inclusive, a questão


racial, mas não trazia um pensador africano, nem um pensador indígena, por
exemplo [...] hoje a gente percebe, parece que retiraram mesmo algo da gente, a
gente se sente enganado (PROFESSORA B).
108

[...] meu tema, do Estudo do Doutorado, foi exatamente “A expansão do


capitalismo no vale do Curú”, através de uma empresa chamada “Agrovale”. E
como já tinha certeza da perspectiva, né, que era importante conhecer a história,
porque o capitalismo diz que quando ele, o João Grangeiro, né, que era o
proprietário ele dizia “aqui não tinha nada, aqui era uma terra sem dono, só tinha
pedra, carnaúba, não tinha nada”. E esse “não tinha nada” me chocava, e aí o
Manuel Domingues era o meu orientador e era um estimulador. Aí eu fui para o
Museu Histórico, e descobri que os Tremembés, que era uma tribo muito
importante [a entrevistada apresenta, bastante ênfase] aqui no litoral do Ceará,
então, aí fui descobrir é... um pouco que mostrar toda a história do Vale do Curú,
desde do começo quando eram ali as sesmarias para os portugueses, para eles
justamente ocuparem as terras do Vale do Curú, então esse processo também de
consultar documentos antigos, ah, surgiu, os índios surgiram com muita força né
(PROFESSORA A).

No que diz respeito ao material didático utilizado para o ensino, a Sociologia


tem uma especificidade. Como se trata de um conhecimento recém inserido no currículo do
EM, inicialmente o material didático era elaborado por cada professor(a), assim como a
proposta curricular para cada ano. A Professora C destaca a importância do livro didático de
Sociologia, mas aponta que, com a elaboração dos primeiros exemplares, surge uma nova
disputa no âmbito do ensino de Sociologia que é a construção de materiais que tenham como
principais referências as teorias sociológicas, ou seja,

Ele é importante, ele sempre foi importante para nós porque ele trazia
respeitabilidade para a disciplina, mas a gente não podia nunca se afastar da
universidade, a gente tá sempre junto de quem faz pesquisa, que era através da
ligação com a pesquisa que a gente poderia atualizar as discussões em sala de
aula [...] Os primeiros livros de sociologia da gente se confundiam com os livros
de história. Tinha uma abordagem muito mais parecida com a abordagem do
historiador do que propriamente de um … até porque a formação dos professores
que elaboraram os primeiros livros, eles eram da área de história. Então assim, a
gente passou muito tempo tendo que conquistar mais espaços. E é um desafio, a
elaboração desse material ainda, com certeza. (PROFESSORA C, grifos meus).

Apesar da existência, atualmente, de um material de referência para o ensino de


Sociologia, a professora não deixa de destacar a necessária relação entre universidade e
escola, tanto para “atualizar as discussões em sala de aula”, como foi dito, mas também
porque isso se apresentou como uma medida para uma formação de professores(as)
atualizada de acordo com as demandas escolares e de exercício da docência.
Por fim, as professoras demonstram em suas falas que se entendem dentro de um
processo de mudança coletiva e apresentando-se como sujeitos desse processo
109

[...] hoje com um pouco mais de liberdade, não sei, ou menos constrangimento,
hoje eu me sinto menos constrangida de colocar determinadas questões nas
reuniões de colegiado, afinal já estou há cinco anos na UECE. Então hoje eu já me
sinto mais tranquila nesse sentido. Então eu coloquei para os meus colegas que era
necessário a gente fazer essa revisão bibliográfica do curso inteiro, por que né?
Aproveitando que nós teremos uma nova modificação. A gente vai precisar enviar,
e aí nós estamos trabalhando nisso, pra enviar até maio uma nova versão, porque
chegaram outras resoluções de 2021 que nós precisamos incorporar, tanto no PPC
do bacharelado quanto da licenciatura. Então eu resolvi aproveitar a oportunidade
para dizer assim na reunião do colegiado: "eu sei que nós, na nossa prática docente,
que no nosso dia a dia nós fazemos isso, nós trabalhamos com autores africanos,
nós trabalhamos com autores latino-americanos [...] mas isso não está nas nossas
ementas, então fica muito a cargo de cada professor, a partir da sensibilidade de
cada professor, nós precisamos que isso esteja registrado nas nossas ementas e no
nosso projeto, porque afinal de contas o projeto pedagógico é o que nos orienta".
Então os colegas concordaram em fazer essa revisão bibliográfica, de fazer essa
revisão nas ementas, para trazer essas epistemologias do sul, esses conhecimentos
africanos, indígenas e afro-diaspóricos (PROFESSORA B).

[...] a gente ainda precisa caminhar, porque a elaboração de um currículo novo é


uma elaboração coletiva, mas ao mesmo tempo é um imenso trabalho, onde muitas
vezes também é necessário dividir. E no que você divide aqueles especialistas
daquelas áreas vão fazer, vão fazer tudo pra fazer, tá entendendo? Então o
currículo sempre tem que ser repensado, atualizado. Então uma pessoa que tem
uma tendência mais a discutir, por exemplo, da área da educação e política, ela
monta uma disciplina toda voltada para isso. E não é que tá errado ou que tá certo,
é que naquele momento histórico aquela professora ficou responsável por aquela
disciplina, então ela dá aquela tônica, aí vai para o grupo todo, o grupo todo
analisa, aí tem a questão de dar tempo, a gente pode incluir no tempo daquela
disciplina dentro da carga horária (PROFESSORA C).

Alguns professores tentam fazer, até vem conseguindo, outros ainda não, eu não
sei se porque não tem essa clareza, até porque é um lugar que a gente tem que sair,
né, dessa coisa acomodada, porque nós não tivemos essa formação, os desafios
são muito grandes para quem vai para a sala de aula, precisa tá se atualizando, né,
e pior, nós não tivemos, nossa formação toda acentuada nesse modelo europeu,
americano também, estadunidense e não latino-americano. É grande o desafio
(PROFESSORA C).

[...] mas eu acho que o maior desafio nosso é realmente fazer com que essa coisa,
filosófica mesmo, essa compreensão de que esses conhecimentos são
fundamentais para a licenciatura, isso a gente ainda precisa aprofundar, com
certeza a gente ainda precisa melhorar, não deixar só centrado em algumas
disciplinas, né, de quem sabe fazer, mas ampliar a própria formação dos
professores universitários para que eles possam trazer isso para a sala de aula, né
(PROFESSORA C).

Tem professores que não acreditam nem que o conhecimento que vem dos
movimentos sociais, pra você ter ideia, é um conhecimento legítimo a ser
trabalhado em sala de aula, entende? O que vale é o conhecimento científico,
acadêmico, não percebe que ele mesmo tem que se atualizar, entende? Então é um
desafio grande e muito bom também, necessário. Os professores universitários não
são deuses e deusas, eles são iguais a quaisquer outros professores de qualquer
110

outro nível que precisam estar se atualizando e se deslocando, se autoavaliando,


vivendo e revendo a sua própria prática (PROFESSORA C).

Freire (2019) desenvolve o conceito de “pensar certo” como uma prática do(a)
educador(a) e baseia-se na dialética do pensar dentro e sobre a realidade para construir
possibilidades de transformá-la. Entretanto, para pensar certo é necessário estar aberto(a) à
mudança, entender-se como um sujeito inacabado, pois “[é] próprio do pensar certo a
disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque
é novo” (FREIRE, 2019, p. 36). Mais ainda, ensinar a pensar certo é “algo que se faz e que
se vive enquanto dele se fala com a força do testemunho” (p. 38).
A abertura à mudança apresenta-se na trajetória dessas professoras quando se
dão conta e reconhecem a ausência dos conhecimentos africanos, indígenas, afrodiaspóricos
na sua formação e passam a introduzi-los em suas pesquisas, seja como sujeitos do estudo
ou como base teórica. Isto apresenta-se também como um processo de formação continuada
para o(a) professor(a) universitário(a). O desafio que se apresenta é a tomada de consciência
dos(as) demais professores(as) de sua incompletude no que diz respeito a esses
conhecimentos subalternizados no curso da colonização.
Este é o desafio apresentado, em especial, aos(às) professores(as) que já
entendem a necessidade e a urgência do reconhecimento e da valorização dos conhecimentos
produzidos pelos povos indígenas, africanos e afro-brasileiros. Trata-se do desafio de
contagiar os(as) seus(suas) colegas de profissão.
A necessidade por uma educação intercultural e descolonizadora nasce
justamente da identificação da exclusão histórica de negros e indígenas, em especial no que
diz respeito à legitimação de seus conhecimentos como necessários também para
compreender a formação da sociedade brasileira.
Como essas populações também foram excluídas dos processos educativos
formais, do acesso às instituições escolares, a reivindicação pelo reconhecimento da
diversidade e o respeito pela diferença no Brasil partem não da universidade ou das rodas de
debate intelectuais, senão dos movimentos sociais e das lutas dos povos, como nos apresenta
Candau (2013).
É possível perceber também que os(as) autores(as) que debatem as relações
étnico-raciais e os conhecimentos subalternizados, desenvolvem conceitos, mas, em
especial, propõem superar um exercício meramente intelectual e, fundamentados(as) nas
111

experiências dos movimentos sociais e suas pautas, constroem práticas descolonizadoras que
podem ser realizadas em diversos setores da sociedade, entre eles, na educação.
Assim como a Professora B afirma “eu sei que nós, na nossa prática docente,
que no nosso dia a dia nós fazemos isso, nós trabalhamos com autores africanos, nós
trabalhamos com autores latino-americanos[...]”, de fato, as Ciências Sociais, ao longo do
século XX, vêm construindo muitos debates em torno à crítica ao eurocentrismo e de
estímulo a uma produção não apenas sobre indígenas, afrodescendentes, mas realizada por
eles, por nós. Incentivar pesquisas sobre/na América Latina e por suas populações é acreditar
que nós temos capacidade de entender os problemas existentes em nossa sociedade e propor
soluções para eles a partir do que consideramos desenvolvimento e não de acordo com os
parâmetros europeus ou estadunidenses.
É possível identificar um processo de alteração, de desejo por mudança, que
definitivamente não ocorre de forma homogênea e momentânea. É preciso ter consciência,
como foi observado pelos(as) autores(as) trabalhados(as), dos condicionantes do
colonialismo ainda existentes em nossas relações, nas instituições, na educação e partir dessa
reflexão para propor modificações.
Nem todos(as) os(as) professores(as) precisam voltar suas pesquisas para o
debate racial ou que diz respeito aos povos indígenas e africanos, afinal os(as) docentes são
sujeitos históricos e suas pesquisas falam sobre sua personalidade, sua atuação social, suas
escolhas. O que se faz urgente, no que corresponde aos conhecimentos necessários à
formação de professores(as), é o reconhecimento da coexistência dessas populações em
relação à modernidade europeia e a necessária inserção de seus conhecimentos no
planejamento e na organização da formação didático-pedagógica e de conteúdos dos
futuros(as) professores(as) de Sociologia.
Não é uma tarefa fácil, como apresentou a Professora C: “[...] nós não tivemos
essa formação, [...] nossa formação toda acentuada nesse modelo europeu, americano
também, estadunidense e não latino-americano”. Assim, o processo formativo
descolonizador apresenta-se como necessário não apenas no ensino básico, não apenas nas
licenciaturas, mas também, e não menos importante, na formação contínua dos(as)
professores(as) universitários(as), na sua abertura, não necessariamente ao novo, mas, ao
que foi ocultado em sua formação.
112

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Toda vez que dou um passo o mundo sai do lugar


Ouço o mundo me dizendo: corra pra me
acompanhar” 22

Por meio da problematização teórica, seja no âmbito das Ciências Sociais como
no da Ciência da Educação, a Pedagogia, foi possível perceber que já existe um debate que
fundamenta as consequências do capitalismo mercantil e imperialista, utilizando-se como
instrumento o colonialismo e o racismo nas relações sociais e, consequentemente, nas
instituições de formação, seja escola ou universidade.
É possível constatar que existe uma base de pensamento contra hegemônico no
âmbito das Ciências Sociais, o que pode cada vez mais se firmar ao passo que compreende
que as cosmovisões e experiências indígenas e africanas são essenciais para se construir
projetos de sociedade verdadeiramente justos. É necessário aprender com as nossas raízes,
com nossos ancestrais, porque esses conhecimentos foram ocultados por serem perigosos
para o desenvolvimento da ordem vigente.
O impasse é identificado quando esses conhecimentos passam a tentar ser
institucionalizados. Introduzir os modos de ser e pensar indígenas e africanos provoca
mudanças não apenas nos conteúdos que compõem a estrutura de um currículo, mas nas
estratégias de ensino-aprendizagem, na relação entre professores(as) e alunos(as), nos
formatos de avaliação, nas relações universidade e sociedade, na forma como nos
relacionamos com o mundo, inclusive profissionalmente, pois “[n]ão é possível também
formação docente indiferente à boniteza e à decência que é estar no mundo, com o mundo e
com os outros substantivamente exige de nós” (FREIRE, 2019, p. 46).
O curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UECE, campus Itaperi, em
Fortaleza, é jovem, tem apenas 19 anos. Isso não quer dizer que suas origens precisam ser
apenas europeias nesse momento, pelo contrário, isto pode se tornar um encorajamento para
construir sua identidade em bases epistemológicas diversas, em especial, que levem em

22
Música: Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar. Composição: Sérgio Roberto Veloso de Oliveira
(Siba).
113

consideração a diversidade racial, cultural e de conhecimentos próprios do lugar onde se


desenvolve, sem desconsiderar o histórico das Ciências Sociais, mas dialogar com ele.
Dos(as) 22 professores(as) efetivos(as) do curso, 8 já desenvolvem pesquisas
voltadas para o estudo dos conhecimentos produzidos pelas sociedades indígenas e africanas,
de Estados Nacionais na América Latina e em África, a Educação para as Relações Étnico-
Raciais, Comunidades Tradicionais no Campo e no Litoral e Movimentos Sociais.
É possível notar os aspectos da interculturalidade ou de práticas
descolonizadoras em iniciativas individuais de alguns(as) professores(as) através do
desenvolvimento de suas pesquisas, das indagações sobre as lacunas existentes no que diz
respeito aos conhecimentos sobre os povos africanos e indígenas e na adaptação dessas
pesquisas em disciplinas, mesmo que optativas.
Entretanto, essas iniciativas mostram-se estimuladoras de novas produções
realizadas pelos(as) estudantes que participam dos grupos de pesquisa e das disciplinas,
utilizando-se desses conhecimentos para produzir seus primeiros trabalhos acadêmicos. Isso
também pode conferir identidade ao curso e o movimento de passagem da curiosidade
ingênua para a curiosidade epistemológica sobre as populações indígenas e negras na África
e na diáspora. Esta se constitui minha nova curiosidade ingênua: houve crescimento de
produções científicas de alunos(as) voltadas para o conhecimento sobre o universo que são
as sociedades indígenas e africanas, as relações étnico-raciais, práticas descolonizadoras?
Seu resultado pode falar muito sobre o curso.
Esta pesquisa também foi uma descoberta pessoal ou de interrogações sobre o
que me compõe, quais são as minhas raízes, quem são meus ancestrais, o que dá sentido às
marcas raciais que carrego no corpo. Pesquisar sobre o colonialismo e suas consequências
geram uma profunda dor existencial em mim, me faz olhar para o vazio que existe em minha
história.
Mesmo reconhecendo que as mudanças sobre as classificações raciais e a
ressignificação de ser negro e indígena foram positivas, eu, mulher de cor, não me vejo em
nenhuma classificação do IBGE e isso é consequência também de não me sentir aceita e, por
isso, pertencente a um grupo. O que me faz entender o quanto isso é resultado da destruição
dos sistemas de referência, pensados por Fanon (1969), o que gera essa “agonia continuada”
de não pertencer a nada.
O chamado “pardo” consegue ter uma maleabilidade social circunstancial, mas
o não pertencimento político-cultural lhe faz perder seu engajamento, sua politização e seu
114

pertencimento de coletividade. Isto eu já sentia, mas conseguir relacionar aos processos


históricos e sociais é tentar entender as consequências disso em mim hoje, na forma como
me relaciono com o mundo. E, diante da reflexão sobre essa realidade, acompanhada de
Paulo Freire (2019, p. 52-53), penso: "Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um
ser condicionado, mas consciente do inacabamento, sei que, posso ir mais além dele”. Assim,
finalizo esta pesquisa, mas faço novos começos, animada por conhecer a história daqueles e
daquelas, minha família de Araioses no Maranhão, ocultada de mim e, assim, ir montando a
minha história.
115

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116

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Apêndice A – Roteiro de entrevistas

Procedimento Inicial

O título da minha pesquisa é Formação Intercultural de Professores/as: um estudo de caso


na licenciatura em Ciências Sociais da UECE.

O recorte da pesquisa se dá porque a UECE tem como uma de suas principais funções a
formação de professores e professoras dentro do estado do Ceará. O curso de Ciências
Sociais da UECE completa este ano 33 anos e no próximo ano o curso de licenciatura em
Ciências Sociais completa 20 anos. Mas como não pensar nas Ciências Sociais, dentro deste
debate, sendo as Ciências Sociais um conjunto de conhecimentos que reflete e teoriza a
formação do pensamento social.

Sabendo que a abordagem da Interculturalidade, se mostra nas orientações para o ensino de


História e cultura africana, afro-brasileira e indígena, propõe mais do oferecer um espaço
vago ao estudo dos conhecimentos destas populações, propõe entender a história da
humanidade como um diálogo entre os diferentes conhecimentos, que tem beleza no
encontro entre culturas, mas é marcada profundamente por uma estrutura econômica, política
e cultural opressora, em especial para os povos não-europeus. E nesse sentido é necessário
compreender a contribuição das populações negras e indígenas em todo o currículo escolar.
Este é o desafio! E consequentemente, nos conteúdos específicos que compõem cada
formação de professores.

A pesquisa que proponho tem o objetivo de identificar e entender os indícios dos passos
dados, até então, para uma formação intercultural de professores de sociologia, através da
elaboração de uma plataforma teórica, de um estudo documental tanto das diretrizes para a
implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08, como também de documentos orientadores
do próprio curso. E entendendo que a Interculturalidade é uma perspectiva, um objetivo a
ser alcançado ainda. E aí, por isso mesmo, estamos vivendo e construindo este processo.

A partir da análise dos currículos do corpo docente como também Projeto Pedagógico do
Curso, foi feita a seleção de alguns professores e professoras que podem oferecer pistas sobre
este processo no curso de licenciatura em Ciências Sociais. A professora é uma delas.
125

Perguntas primárias e secundárias

Área Questões
1. Formação do/a 1.1 Os conhecimentos indígenas, africanos e afrodiaspóricos
docente do estiveram presentes em algum dos momentos da sua formação?
curso
1.2 Como se deu o seu interesse em trabalhar com as Relações
étnico-raciais/conhecimentos e experiências africanos,
indígenas e afrodiaspóricos?
2. A Licenciatura 2003 – Criação do curso de Licenciatura em Ciências Sociais na
em Ciências UECE.
Sociais 2.1 Você participou deste processo?
2.2 Os(as) professores(as) que iniciaram o curso tinham alguma
formação pedagógica?

3. Currículo “O currículo é um instrumento agregador de tradições culturais


e de experiências vividas pelos sujeitos, devendo estar adequado
às exigências do tempo presente e às demandas em tempo
futuro” (p.26)
3.1 Você percebe mudanças no currículo do curso de licenciatura
em Ciências Sociais no que diz respeito ao diálogo com
Conhecimentos africanos, indígena e afrodiaspóricos?
O PPC do curso de licenciatura em Ciências Sociais faz
referência à Resolução 2/2015 do CNE que orienta “Os cursos
de formação inicial de professores para a educação básica em
nível superior, em cursos de licenciatura, organizados em áreas
especializadas, por componente curricular ou por campo de
conhecimento e/ou interdisciplinar, considerando-se a
complexidade e multirreferencialidade dos estudos que os
englobam. (p. 25)
3.2 Quais são as multireferências das áreas de conhecimentos que
compõem as Ciências Sociais?

O PPC também apresenta “Domínio dos conteúdos básicos que


são objeto de ensino e aprendizagem no ensino fundamental e
médio” como competências e habilidades específicas da
licenciatura. (p. 34)
3.3 A escolha desses conteúdos é baseada no livro didático de
sociologia ou outro recurso didático?
3.4 Como você considera a presença e conhecimentos africanos,
indígenas e afrodiaspóricos neste recurso didático?
3.5 Qual seria uma estratégia pedagógica para respeitar e valorizar
o encontro de culturas e conhecimentos que formam a
sociedade brasileira?

4. Avaliação O PPC do curso também apresenta que a “A UECE implantou


o processo de auto avaliação institucional em 2011 [...]Essa
avaliação interna permite a participação de professores,
estudantes e servidores na análise do cumprimento das
finalidades da Universidade, identificando os pontos fortes e
frágeis da instituição” (p.47)
4.1 É possível identificar nessas avaliações questões e/ou
demandas relacionadas tanto com a Educação para as Relações
Étnico-raciais como a inclusão de conhecimentos africanos,
indígenas e afrodiaspóricos dentro do rol de conhecimentos
126

indispensáveis à profissionalização de um(a) professor(a) de


sociologia?

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