Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
JOÃO PESSOA
2020
RANIERI FERREIRA CANDIDO DA SILVA
JOÃO PESSOA
2020
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação
Aos onze dias do mês de dezembro do ano de 2020, foi realizada no formato
remoto apresentação pública do Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado
em Cinema e Audiovisual do aluno Ranieri Ferreira Cândido da Silva, com o
título Profecia Tabajara da Paraíba.
O aluno Ranieri Ferreira Cândido da Silva foi aprovado, recebendo a nota 10,0.
,Arw-üottn,
§sabel}* *t"li***a Ses*a §ikàr* d* Va*ls
{^-r{'--Ç./"'*
Fernando Tre,yas F*lcone
§lljEMeêauatgv_t§uaÀ
ffiFB
RESUMO
This research report aims to present the research and development process of a
documentary short film script, entitled Prophecy Tabajara da Paraíba, whose theme
focuses on the history of the struggle to retake the Tabajara indigenous people of Paraíba.
The Tabajara, since the end of the 19th century, were silenced and made invisible, even
being considered extinct. However, the young Ednaldo Tabajara, Ednaldo dos Santos
Silva, becoming aware of the existence of his people who were dispersed, decides,
together with some family members, to fight for the reunificationand reorganization of
their traditions and customs. In this decision to reconnect his people, Ednaldo Tabajara
comes to know the prophecy narrated by the old trunk Antônio Piaba, a respected elder,
who said that one day a strong and capable young manwould come and fight for the rescue
of the Tabajara indigenous people and reunite his people. Ednaldo takes this prophecy to
himself and starts a whole job of looking for his family. The documentary script here in
question aims to present the Tabajara history today. The research for this report has
theoretical support in authors who study this theme, such as: Barcellos and Eliane Farias
(2015) and Barcellos and Figueredo (2019). We conducted a research on the writing and
script construction methods of the authors Puccini (2007) and Field (2001), in addition to
interviews and documentary surveys, thus enabling a basis in the construction of the
documentary script. We also researched the beginning of the documentary in Brazil
through the authors Gonçalves (2006) and Rodrigues (2010). In addition, a study was
carried out on the construction of theindigenous documentary based on authors such as
Costa and Galdino (2018). Then, we made an analysis about the Videos in the Villages
project based on the author Lacerda (2018). Finally, we undertook a study on specific
festivals with indigenous themes inthe light of the theoretical contributions of Freitas
(2019).
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 9
3.3.1 Sinopse................................................................................................... 36
3.3.4 Entrevistas.............................................................................................. 40
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 45
Fonte: Autor
1
Faz referência ao fenômeno do reaparecimento de povos considerados extintos no Nordeste, que tem sido
denominado de diferentes formas de acordo com os grupos de estudos e organizações indigenistas deforma
que a eles já se referiram como etnogênese, emergência, ressurgência e revivescência étnica (Arcanjo, 2003,
p. 18). Neste TCC, entende-se que todos esses termos utilizados representam os movimentos de afirmação
da étnica dos vários povos indígenas do Brasil.
11
Fonte: Autor
Fonte: Autor
é que o roteiro funcione como um guia de produção, direção e montagem, para que, ao
fim do período de distanciamento social provocado pela pandemia de COVID-19, o curta
seja filmado e finalizado da forma mais eficiente e breve possível. É preciso levar em
consideração a importância de estar ao lado desse povo que faz parte da história da Paraíba
e ter consciência de que lutar com eles é lutar por nós e pelo Brasil.
Foram mais de cem anos de invisibilidade e esquecimento. Isso não pode
acontecer novamente. Como bem afirma Barcellos e Farias (2017), na Paraíba existiam
outras etnias indígenas além das Tabajara e Potiguara, porém não conseguiram resistir
com o avanço da colonização.
Ou seja, é importante contribuir para o fortalecimento dos que resistem nos dias
atuais e ajudar a preservar e a difundir sua memória viva. Portanto, nada melhor do que
o cinema para contribuir na promoção de visibilidade a essa causa e história.
A realização do roteiro de documentário é de suma importância para contar a
história desse povo originário, pois os Tabajara deram início à retomada em 2006 e
continuam resistindo para alcançar seus principais objetivos, que são: o seu
reconhecimento pela sociedade, o fortalecimento da sua identidade cultural e, o
principal deles, a demarcação do seu território. É importante ressaltar que muitas
conquistas que os Tabajara e outros povos indígenas de todo o Brasil alcançaram vêm
sendo ameaçadas pelo atual Governo Federal. De acordo com Conselho Indigenista
Missionário (CIMI, 2019), o povo Tabajara, junto com alguns membros da Funai, foi ao
Ministério Público Federal (MPF) com o intuito de saber como está o andamento do
processo de demarcação de suas terras. Segundo o CIMI, o processo de demarcação das
terras dos Tabajara, como consta no site da Funai, ainda está em estudo. No ano de
2018, em entrevista ao apresentador do Brasil Urgente da TV Band, José Luiz Datena, o
Presidente Jair Bolsonaro declarou que não é a favor da demarcação de terras indígenas.
Diante da fala do Presidente da República, percebemos a não demarcação de
territórios indígenas como política pública da atual gestão. De acordo com Le Tourneau
(2019), são três forças que ameaçam os direitos fundiários dos povos indígenas: a
bancada ruralista, que tem como lema é “muita terra para pouco índio”; a ala militar,
14
especialmente alguns generais que dizem que a Amazônia é vulnerável aos interesses dos
estrangeiros; e, por fim, algumas igrejas evangélicas que pretendem “salvar” os indígenas,
alegando que eles vivem em pecado e suas almas precisam ser purificadas (LE
TORNEAU, 2019, pp. 7-8).
Concordo com Le Tourneau quando ele fala da interferência de igrejas
evangélicas na vida dos povos indígenas, pois, algo que percebemos no povo Tabajara,
é que a maioria é convertida em religiões protestantes. Isso pode gerar um problema na
prática da cultura deles, porque, segundo Farias (2011), alguns Tabajara podem vir a se
recusar ou se sentirem desconfortáveis ao dançar o Toré ou praticar outros costumes
ancestrais indígenas por causa da religião (FARIAS, 2011, p. 52).
Outra dificuldade que vemos em relação ao povo Tabajara é a falta de apoio e
reconhecimento de sua existência perante a sociedade. Muitas pessoas não conhecem,
nem procuram conhecer assuntos relacionados à cultura Tabajara, a maioria acha que
povos indígenas na Paraíba só existem no município de Baía da Traição. Por isso, a
importância desse roteiro de documentário e, posteriormente, a realização de um filme
que aborda a cultura indígena de valor milenar. Essas produções servirão como uma
promoção e divulgação da história dos Tabajara e também como documento audiovisual.
É importante frisar que os indígenas Tabajara da Paraíba também sofreram com o intenso
processo de colonização portuguesa, algo comum no Brasil colonial. “No transcorrer da
história, pode-se dizer que a etnia Tabajara incorporou-se ao mundo colonial lusitano,
chegando quase ao completo desconhecimento” (FARIAS, 2011, p. 68).
Hoje, já são quatorze anos de luta do povo indígena Tabajara nessa retomada, com
muitas conquistas alcançadas e diversos desafios superados pelo caminho. Podemos
perceber que jovens e crianças Tabajara têm a possibilidade de praticar seus costumes
ancestrais, tais como: dançar o Toré, fazer pinturas corporais e fabricar artesanatos.
Costumes esses que, por muitos anos, seus avós e pais foram privados de cultiva por causa
de perseguições, silenciando para que não fossem totalmente extintos da sociedade.
Barcellos e Figueiredo apontam a importância do ritual do Toré para a cultura indígena
Tabajara: “O Toré fortalece a identidade ética e faz com que o Tabajaracelebre, lute, viva,
sinta, eduque, emocione, motive momentos na arte, costumes, cultura, religiosidade,
espiritualidade e tradições indígenas, nesse ritual sagrado” (FIGUEIREDO;
BARCELLOS, 2019, p. 10).
15
Um fato importante a ser considerado é que esse povo ficou por tanto tempo sem
praticar seus costumes, tradições e cultura que o nome Tabajara não era mais lembrado
por eles. Ou seja, sabiam que eram indígenas, mas não recordavam de qual etnia.
Desse modo, quando Ednaldo decide ir em busca dos direitos do seu povo junto
com alguns familiares, uma de suas primeiras iniciativas foi descobrir qual era a sua etnia.
Assim, procuram um especialista na Funai, Petrônio Machado, hoje coordenador da Funai
na Paraíba, e contam suas histórias. Ao ouvi-los, Petrônio diz a Ednaldo e aos seus
parentes que a história deles se assemelhava com a dos Tabajara, que muitos acreditavam
estar extintos. Então, os orienta a ir à Universidade Federal da Paraíba, em busca de um
antropólogo que pudesse investigar aquela história mais a fundo.
O jovem Ednaldo dos Santos e seus familiares ficaram muito felizes ao descobrir
que eles poderiam ser os Tabajara pertencentes ao litoral Sul da Paraíba. E que, a partir
daquele dia, aquele povo que estava ressurgindo nunca mais cairia no esquecimento.
Atualmente, na Paraíba, os Tabajara conseguiram ser reconhecidos como segunda
etnia indígena. Suas lutas vêm gerando frutos: já são três aldeias e o número de Tabajara
vem crescendo a cada ano. Além disso, diversos jovens da etnia ingressaram no ensino
superior, mostrando que a educação é uma grande aliada à sua luta. Ou seja, é um povo
forte que não se deixou vencer pelo processo de aculturação dos seus costumes, nem por
perseguições, tanto nos séculos passados, quanto nos dias de hoje.
16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Desde pequeno a gente sabia que era indígena porque nossos pais sempre
falaram para nós, agora nós não poderíamos tá falando para ninguém a nossa
identidade, isso ficou colocado na parte do tronco familiar nosso, isso ficava
muito entre nós, falar para fora (não indígenas) era proibido por que nós
tivemos pais mortos, avôs mortos, bisavôs mortos e nós não queríamos perder
mais nenhum dos nossos (CACIQUE EDNALDO. Entrevista concedida a
Ranieri Candido, ago. 2020).
Diante da fala do cacique Ednaldo Tabajara, fica evidente que o modo que os
Tabajara encontraram para sobreviver ao tempo foi o silenciamento, evitando, desse
modo, a extinção por completo desse povo originário. Cavalcanti, Barcellos e Moura
afirmam que:
[...] a história deste povo é marcada por lutas, violência e exclusão. Fosse a
violência física por meio dos castigos, da escravidão ou a violência simbólica
como a proibição dos cultos nativos indígenas, os Tabajara bem como os
Potiguara na Paraíba, estiveram em meio a intensos conflitos durante o período
colonial (CAVALCANTI; BARCELLOS; MOURA, 2016, p. 463).
Segundo Farias (2011, p. 77), “os povos indígenas do Brasil foram vítimas de
preconceito pela sociedade não índia, no entanto, um fenômeno que vem crescendo em
18
todo território nacional é a reivindicação de suas terras e tradições que foram usurpadas
deles”. Esse fenômeno ganha força, primeiramente, com os indígenas do Nordeste e se
espalha por todo Brasil.
Dali em diante, práticas que eram realizadas antes da chegada dos portugueses e,
posteriormente, da família dos Lundgren, passam a ser retomadas no ano de 2006, através
dos seus ritos e rituais.
era o fato de não possuir um roteiro de filmagem. Tinham como principal objetivo
registrar o momento e mostrar aquela nova tecnologia às pessoas. A necessidade de
criação de um roteiro de filmagem se deu pelo fato de as obras cinematográficas
evoluírem ao longo dos anos. “O aumento da metragem dos filmes (que passam do
formato curta ao formato longa-metragem), e o crescimento das técnicas narrativas
próprias do cinema faz com que a indústria adote um modelo de escrita especificamente
voltada para este meio” (PUCCINI, 2007, p. 17).
No entanto, o modelo de escrita de roteiro que vemos para filmes de ficção, muitas
vezes, não é adotado por alguns documentaristas, pois estes acreditam que o filme
documentário só pode ser roteirizado quando estiver com todo o material em mãos, tais
como entrevistas, materiais de arquivo, filmagens realizadas em locação, etc. Essa linha
de pensamento, defendida por alguns diretores de documentário, prioriza a realização do
roteiro de documentário durante o processo de montagem, isto é, na pós- produção.
Cada documentarista tem seu próprio jeito de realizar o seu filme, porém,
acreditamos que quando este se propõe, desde a fase de pré-produção, a se organizar junto
com a sua equipe para decidir como a obra será realizada, o cineasta não fica
completamente à mercê de possíveis acontecimentos que possam vir ou não a acontecer
durante as filmagens.
Como aponta Puccini, o cineasta Linduarte Noronha realizou seu documentário
Aruanda (1960) com a ajuda de um roteiro prévio. “Esse modelo de produção de
documentário, apoiado em roteiro, também foi seguido à risca por Linduarte Noronha em
Aruanda, de 1960, filme que, apesar de seu estilo clássico, influenciou a geração do
cinema novo no Brasil” (PUCCINI, 2009, p. 175). Conforme Baggio, a realização de
Aruanda (1960) foi possível porque Noronha se propôs a seguir alguns passos que foram
fundamentais para a conclusão do filme, sendo o primeiro deles uma vastapesquisa sobre
a situação daquela gente que vivia em Serra do Talhado, lugar onde se passa o
documentário (BAGGIO, 2015, p. 90).
20
[...] é preciso lembrar que essa proposta rígida de roteiro foi feita a partir de
uma reportagem bastante detalhada feita pelo próprio cineasta, além das
informações coletadas a partir de um período de observação e pesquisa
fotográfico na Serra do Talhado, ou seja, havia uma preparação prévia intensa
e bem fundamentada (BAGGIO, 2015, p. 90).
Tabajara da Paraíba. No primeiro ato, vamos apresentar a história dos Tabajara a partir
do ponto de vista do protagonista Ednaldo, que, em 2006, no município do Conde-PB,
por incentivo de um tio próximo, decide reunir seu povo que estava disperso, após ter
conhecimento da situação difícil em que se encontravam. Ednaldo busca contato com os
parentes de Barra de Gramame e eles decidem juntar-se a ele para reivindicar seus
direitos. É nesse período que nasce a aldeia Barra de Gramame. Os Tabajara se organizam
para fundar a aldeia e, no centro dela, constroem a oca, dando início às reuniões, debates
e ao Toré.
No Segundo ato, a luta dos Tabajara tem outros contornos, a partir do intenso
conflito que surge com a empresa Elizabeth, que pretendia construir uma fábrica no
território que acabara de comprar. O embate entre os Tabajara e a empresa Elizabeth, em
2011, dura alguns meses, encerrando com um acordo entre o cacique Ednaldo e a fábrica,
o que gera um descontentamento interno e o questionamento acerca de sua liderança por
alguns Tabajara.
Ao conversar com Bruna Tabajara pelo Google Meet, a jovem, que presenciou
todo o embate entre eles e a fábrica Elizabeth, dá seu ponto de vista quanto ao polêmico
acordo do cacique Ednaldo:
Apesar do acordo ter dado origem à aldeia Vitória, Ednaldo enfraquece na luta por
não suportar receber críticas de alguns Tabajara. Assim, busca refúgio na bebida alcoólica
e sofre um acidente de carro que quase tira a sua vida. Mesmo assim, o acordo feito por
ele é importante, pois dele nasceu a aldeia Vitória. É nesse ínterim que os Tabajara da
aldeia Barra de Gramame buscam uma segunda liderança e Carlos Tabajara, neto do vô
Piaba, se coloca à disposição.
No Terceiro ato, vemos a luta do povo Tabajara da Paraíba já consolidada.
Ednaldo abandona o álcool, se fortalece novamente e reconquista a confiança dosTabajara
da aldeia Vitória e o respeito como líder. Os jovens e as crianças têm participação ativa,
se reconhecendo enquanto indígenas e muitos ingressando no ensino superior,
fortalecendo ainda mais a causa. Contudo, o principal objetivo ainda não foi
23
alcançado, que é a demarcação total de suas terras, por isso, a luta dos Tabajara continua
rumo ao seu propósito maior.
Boa parte da escrita dos diálogos do roteiro se baseia nas entrevistas realizadas
com os personagens do filme através da plataforma Google Meet. O objetivo do roteiro
é usar o que for relatado nas entrevistas, tanto pelos Tabajara, quanto pelos estudiosos, e
somar às ações que ocorrerão durante as filmagens do documentário.
Outro órgão federal que usou o cinema para realizar diversos filmes foi O
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). “O DIP também usou o cinema para
controle da população, mas com uma propaganda ainda mais direta do regime”
(RODRIGUES, 2010, p. 66). O que podemos perceber até aqui, quanto aos primórdios
do cinema documental, é que o gênero em questão teve como principais funções registrar
a vida de povos considerados “diferentes”, geralmente, indígenas, e levar os registros para
as cidades. O discurso de transmitir conhecimento e encurtar “mundos” foi usado como
um aliado de uma determinada educação política através de filmes incentivados por
órgãos governamentais, tendo, talvez, como principal objetivo fazer propaganda.
Na década de 60, o cineasta Linduarte Noronha realiza a obra prima da sua vida,
o curta-metragem Aruanda, de 1960. Como foi dito anteriormente, Aruanda é precursor
do movimento Cinema Novo. Este movimento se destacou por ser um cinema voltado
26
principalmente para a realidade do povo, visto que, no Brasil, os filmes que circulavam
eram os estrangeiros e os de propaganda. Uma importante contribuição para o Cinema
Novo foi o seminário produzido pelo documentarista Arne Sucksdorff, que visou o
público de jovens cineastas. Sucksdorff trouxe muito conhecimento e novas tecnologias,
que propiciaram mais mobilidade no set de gravação.
Muitos diretores foram perseguidos pelo regime ditatorial e tiveram seus filmes
censurados. Eduardo Coutinho inicia, em 1964, as filmagens de Cabra
Marcado para Morrer, filme interrompido pelo governo militar, que só seria
concluído 20 anos depois, tornando-se um marco do documentarismo
brasileiro. (GONÇALVES, 2006, p. 84).
27
Mesmo com a forte perseguição dos militares, diversos diretores ousaram realizar
filmes que falavam do regime militar que imperava no Brasil. Destacamos aqui o cineasta
João Batista de Andrade, que dirigiu o filme Liberdade e Imprensa (1967).
Essa obra tem como principal objetivo colocar a imprensa brasileira em discussão
ao questionar a autonomia dos veículos de comunicação da época. O documentário
relembra uma reportagem jornalística: em diversos momento, pessoas sãoentrevistadas
nas ruas e questionadas sobre os veículos de comunicação e sua autonomia. Ao assistir
o curta de Andrade, podemos perceber que os Estados Unidos influenciavam diretamente
nas informações que eram veiculadas no Brasil, ou seja, a imprensa possuía uma falsa
liberdade.
Gonçalves afirma que Liberdade e Imprensa (1967) teve pouca circulação, pois
foi “apreendido pelo Exército, em 1968, após duas exibições. Tornou-se conhecido
praticamente vinte anos depois” (GONÇALVES, 2006, p. 84). Um recurso muito
utilizado naquele período foi o de gravação em som direto, que passou a ser característica
dos documentários. “Com a possibilidade de gravação do som direto, as entrevistas
passaram a ser utilizadas desenfreadamente, e a fala do entrevistado passou a ser
denominada a voz da experiência” (RODRIGUES, 2010, p. 68).
É também nesse período que um meio de comunicação em massa estava se
firmando como um importante veículo no Brasil: a televisão. “Surgem experiências
significativas na busca por formatos de documentários televisivos ou jornalismo
investigativo” (GONÇALVES, 2006, p.84).
Um grande programa jornalístico que contou com a participação de diversos
cineastas foi o Globo Repórter:
Com este acesso, foi possível que os Kaiapó se tornassem o primeiro povo da
Amazônia brasileira a exercer a soberania sobre o registro de suas próprias
imagens percebendo de imediato o potencial da tecnologia do vídeo e suas
possibilidades representativas para fins políticos e culturais (COSTA;
GALDINO, 2018, pp. 30-31).
Com isto, podemos perceber que alguns povos indígenas buscavam ser os
protagonistas das suas histórias, contando-as agora como realizadores. Talvez o olhar dos
não indígenas não conferisse mais a confiabilidade que antes eram vistas nos filmes
etnográficos realizados até aquele momento.
Para que o projeto de Carelli funcione, existe uma gama de colaboradores que
fazem parte do Vídeo nas Aldeias, sempre orientando e incentivando os alunos na criação
das obras. Dessa maneira, o projeto vai além da parte técnica ensinada pelos
colaboradores, pois “os formadores instigam os alunos a irem mais longe, a pesquisarem
mais, etc” (LACERDA, 2018, p. 4).
Assim, podemos perceber que, enquanto os alunos do VNA realizam as obras
fílmicas, também aprendem mais sobre si mesmos e sobre a sua cultura, proporcionando,
dessa forma, novas relações na comunidade.
Vejo, portanto, como uma grande possibilidade no momento em que eu for
realizar o documentário Profecia Tabajara da Paraíba, cujo roteiro compõe este
relatório, que alguns Tabajara se tornem membros da equipe técnica. Assim, o filme
será um processo de criação conjunta, como já vem sendo ao logo do meu processo de
relação e criação junto a eles. Os Tabajara se sentirão representados ao se verem na tela.
Para que isso ocorra, podemos, antes de iniciarmos as gravações, oferecer
oficinas de roteiro e de manuseio de equipamentos técnicos. Desse modo, diferentes
pontos de vista da história do indígena Tabajara da Paraíba serão contemplados no
documentário.
Freitas, através de suas pesquisas, constatou que no ano de 2006 existiam no Brasil
mais de 200 festivais de cinema com temáticas variadas, contudo, só se tem conhecimento
de um festival de cinema especificamente indígena a partir do ano de 2009 (FREITAS,
2019).
Desse modo, podemos perceber que, apesar de existir uma gama de filmes e
realizadores indígenas, ainda faltam espaços para que esses tipos de produções sejam
exibidas. Em uma pesquisa mais recente realizada pela autora, no ano de 2018, ela
concluiu que hoje, no Brasil, existem oito festivais indígenas, são eles:
A curadoria da última edição do Festival, em 2017, foi feita por uma equipe
completamente feminina e conteve em sua programação um total de três
mostras especiais, sendo uma delas a Mostra Cinema das Mulheres Indígenas
que “apresenta um breve recorte da produção audiovisual contemporânea
realizada por mulheres indígenas no continente americano” (FREITAS, 2019,
p. 18).
34
3 PROCESSO DE CRIAÇÃO
3.1 Tema
3.3.1 Sinopse
A sinopse me ajudou a ter uma noção geral do que seria tratado no roteiro e , foi
a partir dela, que fiz o recorte temático do filme, o período de 2006 até o ano de 2019,
quando foi criada a terceira aldeia Tabajara, a aldeia Nova Conquista.
3.3.2 Argumento
Ednaldo dos Santos, aos 19 anos, foi quem deu o pontapé inicial para a
retomada dos Tabajara. Quando criança, ele e seus pais se mudam para Alagoas
buscando condições melhores de vida. Em Alagoas, Ednaldo se dedica ao
futebol, se destacando a ponto de conseguir um contrato para jogar no exterior
(Portugal). Então, no ano de 2006 agora jovem, Ednaldo vem àsua terra natal,
Paraíba, para se despedir dos antigos parentes que aqui moravam, pois pensava
consigo que quando fosse morar em Portugal passaria muitos anos sem vê-
los. Nessa visita, Ednaldo é convencido por seu tio João Gringo, que a terra em
que eles trabalhavam era deles por direito e que não aguentava mais pagar uma
taxa todo ano aos órgãos governamentais pois não era justo. Inquieto com as
palavras do tio, o jovem Ednaldo sente um chamado muito grande dentro de
si, decidindo então, deixar seu sonho pessoal de lado, e assumir a história do
seu povo. Após reunir seus parentes
38
Puccini explica que um bom argumento deve responder a seis perguntas básicas
que irão contribuir na construção do roteiro, são elas: O que? Quem? Quando? Onde?
Como? Por quê? (PUCCINI, 2007, p. 93). Não sei se meu argumento respondeu a todas
essas questões propostas pelo autor, mas, com certeza, me orientou na escrita do roteiro.
Feito o argumento, parti para a escolha dos personagens necessários para que a
história fosse construída. A escolha só foi possível porque fiz uma vasta pesquisa em
materiais de arquivos e li textos e artigos relacionados aos Tabajara. Também tive contato
com os Tabajara no ano de 2019 quando fui bolsista do projeto Cinema nas Aldeias
Tabajara da Paraíba, que me deu a oportunidade de conhecê-los de perto e saberquem
estaria disposto a fazer parte do filme que eu estava me propondo a produzir. A escolha
dos personagens ficou da seguinte forma:
Cacique Ednaldo dos Santos - Ednaldo Tabajara é o jovem da profecia que deu início
ao processo de luta e retomada do seu povo. Hoje, cacique da aldeia Vitória, onde é líder,
Ednaldo é uma pessoa segura das suas atitudes e muito respeitado pelos que o rodeiam.
Em seus anos como cacique passou por momentos de glória, mas também por situações
em que as suas escolhas como cacique geral foram questionadas.
liderança muito respeitada pelos indígenas mais jovens, sendo muito ativa na causa do
seu povo.
Bruna Tabajara - Bruna Tabajara é uma jovem de 21 anos, que desde criança
acompanhou de perto as batalhas enfrentadas pelos Tabajara. Esteve presente na luta do
seu povo contra a fábrica Elizabeth, dando o seu ponto de vista sobre aqueles meses
turbulentos. A jovem descreve como foi a vivência no ensino fundamental e superior,
trazendo relatos de como o indígena é visto nessas instituições de ensino. Vale salientar
que Bruna é co-fundadora do grupo de mulheres indígenas Niaras.
Cacique Paulo Tabajara - Paulo Tabajara por muitos anos ficou conhecido como
cacique da cidade. Contudo, a criação da terceira aldeia Tabajara no Conde-PB deu-lhe
a possibilidade de estar novamente em suas terras e junto do seu povo. Hoje Paulo
Tabajara é o cacique da aldeia Nova Conquista, aldeia essa que é extensão das aldeias
Vitória e Barra de Gramame.
Eliane Farias - Eliane Farias é pesquisadora e estuda a cultura dos Tabajara. É mestre
pela Universidade Federal da Paraíba, com uma dissertação de mestrado relacionada aos
Tabajara. Além disso, tem diversos artigos publicados relacionados aos Tabajara da
Paraíba.
Juscelino Tabajara - Juscelino é um conhecedor das histórias do seu povo, um dos mais
ativos na causa dos Tabajara. É neto de Antônio Piaba, ancião que profetizou um futuro
melhor para o seu povo. Juscelino vê nos estudos um grande aliado para ajudar os
Tabajara, por isso, é antropólogo formado pela UFPB. Segundo ele, a formação em um
ensino superior lhe concede respaldo e autoridade na luta pela causa dos Tabajara.
40
Estevão Martins Palitot - Estevão Palitot foi uma das pessoas mais importantes para a
luta de ressurgimento dos Tabajara. Por ser antropólogo, foi procurado por Ednaldo e seus
familiares para auxiliá-los em um estudo antropológico e serem reconhecidos como
segunda etnia indígena na Paraíba. Estevão Palitot, junto com outros antropólogos,
publicou, no ano de 2015, um relatório de fundamentação antropológica dos Tabajara.
Grupo de Anciões e Anciãs - Os troncos velhos são a história viva dos Tabajara, é com
eles que conhecemos o passado dessa etnia antes da retomada em 2006. Ouvi-los é como
voltar no tempo e presenciar um momento conflituoso, de muitas perseguições, lutas e
estratégias para se manterem vivos. Foram escolhidos sete troncos velhos para uma roda
de conversa, na qual eu vou interagir com eles fazendo diversos questionamentos acerca
do passado da situação atual do seu povo. Os sete anciões e anciãs escolhidos foram: Sr.
Manuel, Sr. Zezinho, Sr. Bill, Dona Maria, Dona Alda, Dona Ita e Dona Sônia.
Aldeias Indígenas - As três aldeias também funcionam como personagem. É nesse local
que as principais decisões dos Tabajara são tomadas e onde suas práticas, costumes e
tradições são vivenciadas no dia a dia.
3.3.4 Entrevistas
mês nós realizávamos lives com temáticas relacionadas à cultura dos Tabajara. Como
voluntário do projeto, fiquei encarregado de dar suporte nas lives, ajudar na criação dos
banners, editar os vídeos das lives e postá-los no canal do Youtube, intitulado Tabajara da
Paraíba.
O último passo que segui para começar a escrita do roteiro de curta metragem
foi procurar entender qual seria a melhor abordagem e o subgênero, dentro do
documentário, mais adequado para o filme. Segundo o cineasta e crítico de cinema Bill
Nichols, o gênero documentário tem seis subgêneros, são eles: poético, expositivo,
participativo, observativo, reflexivo e performático (NICHOLS, 2001, p. 135). Para o tipo
de realização que estou propondo, considerei mais adequados os subgênerosparticipativo
e observativo. Uma característica do subgênero participativo é que, em algumas cenas, o
realizador está presente na narrativa buscando mostrar aquele mundo aos espectadores.
Por exemplo, em algumas cenas do roteiro, me imaginei interagindo com um personagem
enquanto andávamos pela aldeia. Isso possibilita uma imersão na história que é contada
através das falas dos personagens, além de apresentar o mundo noqual eles vivem. Já no
sub gênero de documentário observativo, é comum a vivência do diretor e da sua equipe
no local de gravação do filme. O cotidiano dos personagens do filme é mostrado, tais
como: reuniões, possíveis protestos e os rituais.
dramática do roteiro. Field afirma que a premissa é do que se trata o roteiro, é ela quem
ajuda a levar o filme para a sua conclusão, ou seja, saber da premissa possibilita ao
roteirista ter um norte da sua história (FIELD, 2001). A minha premissa ficou da seguinte
forma: “Um povo indígena da etnia Tabajara busca seus direitos, que lhes foram negados
por tanto tempo, e o devido reconhecimento como segunda etnia indígena da Paraíba.
Antigos costumes vêm à tona, conflitos surgem e conquistas são alcançadas, os Tabajara
estão vivos”.
O mês de outubro foi praticamente todo focado na escrita do roteiro. Utilizei o
software Celtx por já ter trabalhado com ele no decorrer do curso e o conhecer bem, o que
facilitou bastante o andamento da história. Acredito que a parte que encontrei mais
dificuldade foi na descrição das ações do filme. Por se tratar do gênero documentário, não
temos muita noção do que pode acontecer no dia da entrevista e nem como o personagem
vai estar. Desse modo, fiz as descrições das ações sabendo que eventuais alterações
podem ocorrer ou sair diferente do que foi descrito no roteiro. Quanto às imagens de
arquivos, foi tranquilo descrevê-las, pois era algo que eu já tinha em mãos. Antes de
finalizar o roteiro, enviei-o para a minha orientadora, que solicitou ajustes e me deu dicas
que enriqueceram bastante a história e possibilitaram a sua conclusão.
44
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao ser bolsista do projeto Cinema nas Aldeias Tabajara no ano de 2019, tive a
oportunidade de conhecer um pouco mais sobre povos indígenas, sobretudo, os Tabajara
da Paraíba. Esse caminho que percorri foi uma jornada de aprendizado, muitos desafios,
mas também de superação. A princípio, achei que levaria apenas os filmes para as aldeias,
faríamos debates, rodas de conversas e meu trabalho se encerraria ali, porém não foi
assim que funcionou. Estar com eles fez com que eu entendesse a sua história a fundo.
Considero incrível o fato de um povo ter sobrevivido ao tempo após mais de um século
de silenciamento e hoje, ser considerada uma etnia forte e consolidada na Paraíba.
Convivendo com os Tabajara, aprendi que a luta dos povos indígenas não é algo
que pertence ao passado, aos tempos de colonização portuguesa. É uma luta travada no
dia a dia, para que a cultura permaneça viva, para ter o direito de praticar seus costumes
ancestrais, pela posse das terras que lhe foram tiradas e pelo reconhecimento e respeito
por ser diferente.
Em minha primeira visita à aldeia Vitória, no Conde - PB, o cacique Ednaldo
Tabajara pediu que nós, que estávamos ali, abraçassem a causa dos Tabajara junto com
eles. Por isso, acredito que a melhor forma de contribuição que eu posso dar ao povo
Tabajara da Paraíba é produzir um filme que conte a história de luta deles. Como visto
anteriormente, a melhor forma de fazer esse documentário é oferecendo a oportunidade
de os Tabajara participarem como membros da equipe técnica do filme. Dessa forma, eles
estarão se apropriando da sua cultura e produzindo, junto conosco, uma troca de saberes.
Eles serão não só os personagens da sua história, mas também realizadores do filme.
Construindo, assim, um trabalho em conjunto e coletivo que será de grande importância
para todos.
É importante salientar que a cultura, os costumes e as tradições dos Tabajara da
Paraíba ainda são pouco conhecidos no estado. A realização de um filme, possivelmente,
contribuiria para disseminar ainda mais a sua história.
O roteiro que escrevi é um grande passo para que o filme se torne realidade. Nele,
é abordada a luta dos Tabajara, que se inicia em 2006, as alianças que foram necessárias
para que a luta ganhasse força, os principais conflitos que eles enfrentaram eas conquistas
que foram alcançadas nestes últimos anos.
45
REFERÊNCIAS
DELGADO, Paulo Sergio; JESUS, Naine Tereza de (org.). Povos Indígenas no Brasil:
Perspectivas no fortalecimento de lutas e combate ao preconceito por meio do
audiovisual. Curitiba: Brazil Publishing, 2018. 244 p. ISBN 978-85-68419-31-1.
RESENDE, Sarah. ‘No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra
indígena’, diz Bolsonaro a TV. Folha de S. Paulo, 2018. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/no-que-depender-de-mim-nao-tem-
mais-demarcacao-de-terra-indigena-diz-bolsonaro-a-tv.shtml. Acesso em: 05 out.
2020.