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Copyright @ 2021 Mila Wander

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PIRATARIA É CRIME!
Ao fim das inversões de papéis,
Porque haverá um dia em que
O papel de cada gênero
Será fazer o que quiser.
Sumário
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Agradecimentos:
Sobre a Autora:
Últimos Lançamentos:
Prólogo
Pérola
Nem toda mulher deveria ser mãe. A minha, por exemplo,
teria se dado melhor na vida se não tivesse engravidado de
propósito de um dos caras mais ricos do país, achando que dar o
golpe do baú seria boa coisa. Tudo bem que ela, atualmente, vivia
viajando, aproveitando a fortuna que arrancara da pensão após o
divórcio, mas a maternidade, definitivamente, não lhe fez bem.
A minha genitora era a pessoa mais difícil de lidar da face da
terra. Do tipo narcisista, neurótica e afetada, sempre fez o possível
para fazer de mim o seu alicerce, a base de sua existência, de modo
que, desde que nasci, ela queria que eu seguisse os seus passos e
fizesse tudo o que não conseguira fazer quando mais nova.
Desde criança, ela me fez entrar em aulas de etiqueta, inglês,
francês e alemão, além de piano, natação, jazz, flauta doce, ballet e
dança do ventre. Parece não fazer tanto sentido, mas, em sua
cabeça, fazia. Ela queria que eu fosse uma artista internacional,
muito rica, renomada, com Grammys e Oscars enfeitando a estante
da sala, para que exibisse às suas amigas socialites e enfadonhas.
O problema era que eu não curtia nada disso. Toda vez que
Miranda vinha com uma ideia nova, automaticamente eu já sabia
que odiaria. Nós éramos muito diferentes, embora, confesso, recebi
uma dose cavalar de mimos durante toda a minha vida, e não só
dela. Quando alcancei idade suficiente para me impor, nossa relação
se transformou num verdadeiro caos.
Foi nessa época que meus pais se separaram.
Eu sabia que a culpa não havia sido minha, há bastante
tempo eles não se amavam mais e dava para ver nos olhos de cada
um que só se suportavam para manter as aparências e não me
causar traumas. Com quinze anos, minha vida foi repartida ao meio
e, diante do péssimo cenário com a minha mãe, acabei me
aproximando mais do meu pai, Jacob Leblanc.
Essa aproximação me rendeu descobertas sobre mim mesma:
eu tinha mais a ver com ele do que com Miranda. Percebi que eu
curtia mais fazer cálculos do que aprender a dançar. Amava nossas
conversas sobre o mercado financeiro, bolsas de valores, logística e
mundo corporativo, de forma geral. Preferia me vestir como uma
executiva de sucesso a torrar grana com roupinhas da moda no
shopping.
De certa forma, embora bastante frio e calculista, o meu pai
me fez muito bem. A minha mãe me encheu o saco até o momento
em que arrumou outro namorado rico e, de repente, a sua vida
passou a girar ao redor dele.
Não foi com dúvida alguma que, assim que me formei no
Ensino Médio, prestei vestibular para Administração. O meu pai
ficava contente toda vez que eu dizia que queria ajudá-lo com as
empresas Leblanc. Ele me incentivou a, depois, concluir Ciências
Contábeis e fez questão de pagar inúmeras especializações na área
de Gestão.
Com vinte e dois anos eu já era uma funcionária criativa e
interessada. Com vinte e sete, consegui um cargo de gerência. Com
trinta, aventurei-me na coordenação, até que, aos trinta e três, o
meu pai mandou adesivar a palavra CEO, antes do meu nome, na
porta da minha sala.
Tornara-me a diretora executiva, responsável pelo andamento
administrativo de todo o nosso grupo de empresas. Uma
responsabilidade enorme, mas que eu me via cada segundo mais
capaz de desempenhá-la. O meu trabalho era exímio e a minha
presença, fundamental.
Ser mulher e CEO era complicado, mas ser filha de Jacob
Leblanc era ainda pior: exigia muitos sacrifícios, e um deles foi me
manter longe de relacionamentos ao longo da vida. Uma parte
porque eu não queria terminar como os meus pais e, em outra, os
homens que eu conhecia eram sempre uns imbecis interesseiros.
Estavam mais preocupados com a minha grana e linhagem,
aproveitavam a casa e meus bens muito mais do que a minha
companhia.
Foi por isso que, aos trinta e cinco, tomei uma das decisões
mais importantes da minha vida: ser mãe solo. Eu sequer sabia ao
certo se deveria ser mãe, solo ou não, afinal, eu não tinha a melhor
referência, mas sabia que a oportunidade estava fisicamente
passando e a minha vontade de arranjar alguém era zero, portanto
jamais conseguiria pelos meios “comuns”.
Então para que esperar mais tempo?
Não falei para ninguém quando escolhi a clínica de
fecundação. Mantive-me discreta enquanto fiz alguns tratamentos e
segui todas as recomendações médicas. No dia D, estava lá, com as
pernas abertas e para cima, pronta para receber o sêmen de alguém
que eu nunca tinha visto na vida. Só me importava saber se era
saudável, e isso a clínica me garantiu por meio de vários
documentos.
Alguns dias depois vieram os sintomas: enjoos, vômitos e
inchaço.
Naquela manhã, havia comprado um teste de farmácia e
estava olhando fixamente para o resultado: POSITIVO. Sem me
conter, a primeira reação só poderia ter sido um palavrão:
— Porra!
Não achava que a inseminação daria certo logo de primeira,
visto que passei anos consumindo anticoncepcionais, morta de medo
de ser fecundada por algum idiota. A minha mãe me fez ter medo de
engravidar na adolescência até na adultez.
Acabei pensando nela mais do que deveria, além de no meu
pai e no meu trabalho, que certamente sofreria um abalo e eu não
sabia a opinião do conselho diante de um afastamento em longo
prazo. Sobretudo, pensava em mim mesma, porque naquele instante
descobri que não tinha mais volta. Havia sido o planejamento mais
estupidamente arquitetado de toda a minha existência.
Eu estava grávida e teria que me responsabilizar por uma
vida. Sozinha.
Capítulo 1
Pérola
Eu não era uma mulher de arrependimentos, e grande parte
disso se devia ao fato de que buscava em minha vida a mesma
praticidade e compromisso que dedicava ao trabalho. Fazia muito
planejamento antes de tomar qualquer decisão, portanto não foi em
vão, de um dia para o outro, que resolvi engravidar. Porém, não fui
capaz de mensurar como me sentiria quando tudo estivesse
concluído.
A verdade era que estava à beira do completo pavor.
Ainda bem que, embora terrivelmente angustiada, cheguei a
pensar nessa possibilidade e, por isso, já tinha o telefone de uma
terapeuta conceituada anotada na agenda. Uma parte profunda do
meu ser foi capaz de prever que daria em merda.
Ainda com o resultado em mãos, andei pela casa vazia e
monótona, pois estava cedo e Jacinta ainda não tinha chegado,
pensando se ligaria para o meu pai e diria aquilo por telefone. Não
me parecia uma boa opção, mas encarar a fera pessoalmente
também não era boa ideia. Depois, meu coração acelerou ainda mais
quando pensei na mínima possibilidade de contar à minha mãe.
Eu me sentia muito fodida. Na minha cabeça, aquela parte
seria prática, discreta e sem rodeios, eu me encheria de coragem e,
como adulta, assumiria todas as responsabilidades sem qualquer
problema, mas o que acontecia dentro de mim era algo muito
distante disso. Fui preenchida por uma covardia que nunca senti, e
por um instante quis me trancar no meu quarto só para chorar e
lamentar por ter sido tão estúpida.
Eu não sabia nada sobre bebês. Inclusive, nada a respeito de
gravidez. Como poderia ter falhado em uma questão tão óbvia?
Havia resolvido tudo, menos a parte mais importante. Acho que um
lado meu, de fato, não acreditou que eu fosse engravidar. Um
pensamento persistente de que eu era incapaz de gerar uma vida se
apossou do meu ser desde cedo. Achava que podia acontecer com
todo mundo, comigo, não.
Distraída, quase não ouvi quando Jacinta entrou pela porta
dos fundos, diretamente para a cozinha, e depois surgiu na imensa e
moderna sala de estar.
— Pérola? Aconteceu alguma coisa? Está tão pálida, querida!
— a secretária do lar se aproximou, assustada, e foi logo colocando
a mão terna na minha testa.
Jacinta era uma senhora de quase sessenta anos, negra e
com os cabelos longos e trançados. Ela parecia muito com a Whoopi
Goldberg, trabalhava para mim havia quase dez anos. Eu a amava
muito por estar comigo há tanto tempo e cuidar de mim. Era a mãe
que eu queria ter tido, pois me sentia de fato protegida com seus
cuidados, que não eram exagerados, apenas na medida certa.
— Não é nada, eu... — balancei a cabeça, colocando as mãos
nas têmporas. Depois, percebi que seria impossível ficar me
escondendo, e essa nem era a minha intenção, muito pelo contrário.
Por isso, entreguei o teste nas mãos de Jacinta.
— Oh, meu bom Deus! Está grávida? Mas que... — ela parou
o seu discurso entusiasmado assim que me viu com uma careta
nada agradável. — Querida, esse resultado não te deixa feliz?
— Sim, eu... Não sei — soltei um longo suspiro. — Foi tudo
planejado. Eu deveria estar mais feliz do que isso, não é?
— Não existe uma maneira correta de se sentir, Pérola. A
maternidade é um grande acontecimento na vida de uma mulher.
Pessoalmente, fiquei contente porque essa casa vai deixar de ser
silenciosa — Jacinta abriu um enorme sorriso. Só consegui pensar no
quanto eu amava o silêncio. Claro que não estava pronta para abrir
mão dele. — E acredito que vai mudar a sua vida para melhor. Mas
me conte... Quem é o pai? Aquele sujeito bonito que veio aqui outro
dia?
Senti o meu rosto esquentar de tanta vergonha. Era claro
que, vez ou outra, chamava alguém com o objetivo específico de
transar, nada além disso. Jacinta devia estar se referindo ao Vitor, o
último cara com quem fiquei e que não passou de dois encontros
bem esporádicos.
— Não, Jacinta. Foi inseminação artificial. Eu escolhi ser mãe
solo.
Ela arregalou os olhos em plena surpresa.
Já estava esperando aquele tipo de reação das pessoas ao
meu redor, mas não fazia ideia de que me deixaria tão abalada. Acho
que o fator “hormônios em polvorosa” estava contando demais
naquela situação.
— Sério? O bebê não tem pai?
Dei de ombros.
— Bom, tem alguém no mundo que doou seu sêmen e eu o
aproveitei, mas não faço ideia de quem seja e não quero saber. Há
regras a serem seguidas e uma delas é não procurar pelo doador em
nenhuma hipótese.
— E de onde veio essa ideia, Pérola? Você é sempre tão... —
Jacinta tomou a liberdade de se sentar no sofá branco, de cinco
lugares, ao meu lado. — Centrada e confiante. Eu não sabia que
queria tanto ser mãe.
— Nem eu — respondi, sentindo-me completamente idiota. —
Mas vi o meu tempo passando e... Sei lá, me deu vontade na hora
que decidi. Me pareceu a saída mais provável.
Por um ínfimo segundo eu me lembrei do começo daquela
decisão. Partiu durante uma reflexão que fiz enquanto tomava um
delicioso vinho dentro da minha banheira, com direito a morangos,
sais de banho e incensos. Eu tinha uma hora na semana só para
fazer aquele ritual de autocuidado.
O meu pensamento foi norteado por uma conversa que tive
com meu pai, em que ele falava sobre a herança que deixaria para
mim. Eu ficava desconcertada com aquele papo, pois, além de não
gostar nem de imaginar Jacob Leblanc morto, sabia que, como única
filha, ficaria com absolutamente tudo o que ele tinha, o que
significava alguns bilhões a mais na minha conta.
Eu já achava que possuía muito dinheiro e não saberia o que
fazer com mais, principalmente porque não haveria com quem
dividir, menos ainda com quem deixar caso alguma coisa
acontecesse comigo.
Foi então que o peso de não ter herdeiros mexeu com a
minha cabeça. Os meus milhões, somados aos bilhões do meu pai,
não deveriam ficar com qualquer pessoa, ou pior, com um grupo de
acionistas. Claro que eu deixaria um valor recheado para Jacinta e
para Taciana, a faxineira. Mas, tirando elas e, talvez, os meus
seguranças, não poderia pensar em mais ninguém que fosse
confiável.
Minhas amizades se restringiam a poucos colegas dos tempos
de faculdade e algumas amigas aleatórias, que eu havia conhecido
nos eventos luxuosos da vida, mas elas se juntavam apenas para
cair na gandaia e falar mal de homem. Todos os outros contatos
eram do trabalho e, socialmente falando, superficiais.
Eu tinha consciência de que Jacinta falava alguma coisa,
provavelmente me dando conselhos sobre a maternidade e tentando
me consolar pela escolha, porém confesso que nada compreendi.
Meu juízo só voltou para o lugar quando ela se levantou e, com um
semblante preocupado, falou mansamente:
— Vou preparar um café da manhã reforçado para você. Nada
de pular refeições a partir de agora, viu, mocinha?
A minha vontade, na verdade, era de abrir uma garrafa de
vinho, mas além de eu não poder mais ingerir álcool, ainda
precisaria estar no trabalho antes da primeira reunião, que
aconteceria às nove horas.
​ té ter certeza de que aquela gravidez, de fato, fosse vingar,
A
decidi manter a calma, começar os procedimentos e cuidados
médicos e, principalmente, guardar a informação entre mim e
Jacinta. Fiz exames, comecei a tomar as vitaminas e o
acompanhamento pré-natal estava em dia. Também comprei uma
quantidade absurda de livros sobre maternidade.
​Os três primeiros meses passaram com poucos imprevistos.
Além de um enjoo e outro, um vômito aqui e acolá, não tive
problemas maiores. Escondi com perfeição a minha condição, até
chegar o dia em que notei que a minha barriga começava a
despontar e uma das colegas da aula de Yoga comentou que eu
tinha engordado.
​As pessoas começariam a perceber e, passado o momento
inicial de susto, trabalhei a cabeça, junto à terapeuta, para soltar
aquela informação tão importante para as partes que seriam
diretamente afetadas por ela.
​A minha primeira atitude foi reunir os acionistas e demais
funcionários para uma reunião geral na manhã seguinte. Umas trinta
pessoas se juntaram dentro da ampla sala de planejamento na
diretoria do nosso prédio administrativo, localizado no centro da
cidade. Quando encontrei tantos pares de olhos curiosos apontados
para mim, confesso que tremi nas bases, e olha que eu nunca tive
medo de falar em público. Inclusive, já tinha feito um curso bem
completo de retórica.
​— Bom dia, senhoras e senhores... — entrei de vez na sala,
depois de engolir em seco discretamente, mal notando a saudação
que me retribuíram. Caminhei até o maior assento, aquele que ficava
na ponta da enorme mesa, e me sentei com calma ensaiada. —
Devem estar se perguntando por que convoquei uma reunião deste
porte em plena sexta-feira — abri um sorriso que, no fundo, era
nervoso, e recebi alguns de volta. — Preciso dar a vocês uma notícia
que vai mexer um pouco com o funcionamento da direção, mas
nada que não tiremos de letra.
​Ganhei ainda mais a atenção do pessoal.
​Como ninguém falou mais nada, soltei logo a bomba:
​ Eu estou grávida. — Algumas pessoas soltaram suspiros

mais aprofundados, porém não houve nenhuma reação exagerada,
nada além de que olhos bem abertos. — De treze semanas. Daqui a
mais ou menos seis meses vou precisar me afastar por causa da
licença, mas pretendo fazer com que esse período seja tranquilo,
pois me manterei conectada remotamente e permanecerei por
dentro de todos os processos. — Ninguém comentou absolutamente
nada. — A minha ideia é vir trabalhar até quando der. E voltar o
mais depressa possível. No entanto conto com a colaboração de
vocês para que as empresas Leblanc não sintam qualquer impacto
diante de minha ausência.
​O silêncio daquele pessoal estava me matando. Alguns
acionistas estavam visivelmente preocupados, mas não fizeram
questionamentos, já outros pareciam contentes com a notícia,
sobretudo os que eram mais ligados ao meu pai e estavam
presentes em nosso círculo familiar.
​— Alguém tem alguma objeção ou comentário a fazer? —
perguntei de uma vez, visto que passamos alguns segundos de um
silêncio constrangedor.
​— Creio que só te parabenizar, senhorita Pérola! — um
acionista sorriu para mim. Aquele, em especial, vivia me cantando e
tentando marcar encontros comigo, mas nunca era respondido. —
Desejo que venha com saúde. Felicidades!
​Aos poucos, começaram a se levantar para me felicitar, um a
um. Dei a reunião por encerrada logo em seguida e as engrenagens
do setor administrativo voltaram a funcionar em pleno pavor.
​Voltei para a minha sala, com Gisela, minha secretária, a
tiracolo.
​— Que notícia ótima, senhorita Pérola! — ela estava muito
feliz, mas também surpresa, pelo que pude perceber. Eu já tinha
dito, mais de uma vez, que não desejava a maternidade. — Meus
parabéns!
​— Obrigada, Gisela! — respondi, ainda que não soubesse
direito o que fazer nessa situação. Afinal, por que estavam me
parabenizando? Por torrar uma grana preta comprando o gozo
alheio? Por abrir as pernas na cara do doutor? — Pode me entregar
as fichas que te pedi para separar ontem?
​— Sim, claro! — Gisela saiu com a sua costumeira pasta nas
mãos.
A verdade era que eu pouco tinha feito durante aquele
processo. Só paguei caro e recebi o produto. Não me sentia digna de
felicitações, como se tivesse realizado um grande feito. Se fosse uma
promoção, ou um contrato milionário, talvez...

No fim da tarde, depois de um longo e exaustivo dia de trabalho,


fiquei surpresa quando ninguém menos que o próprio Jacob Leblanc
adentrou a minha sala sem nem bater na porta. Levei um susto
tremendo, já que tínhamos um jantar marcado, com bastante
dificuldade, para aquela noite.
​— Como assim você está grávida? — ele apoiou as mãos na
cintura e ficou me olhando com consternação. — E por que raios eu
soube disso através de um acionista?
​Eu me levantei da cadeira em um pulo. Ainda que estivesse
muito nervosa, e absolutamente intimidada com a presença dele,
tentei manter a compostura.
​O meu pai era o sessentão mais bonito e bem cuidado que eu
conhecia. Grisalho, com um sorriso perfeito e músculos de
academia, fazia sucesso com o público feminino e gay onde quer
que passasse.
​— Por este motivo marquei o jantar, pai. Queria te dar a notícia
pessoalmente.
​— E não poderia ter dado antes de dizer a todo mundo? E que
descuido tremendo foi esse, minha filha? Quem é o pai dessa
criança? Não me diga que é um playboyzinho qualquer, que não
quer nada com a vida!
​— Estou confusa, não sei qual pergunta responder primeiro —
soltei com ironia, e ele, passando as mãos nas têmporas, bufou e se
sentou na poltrona em frente à minha mesa. Eu me sentei de novo.
​— Não brinque comigo, Pérola, estou nervoso. Eu não
pretendia ser avô. Achei que jamais fosse acontecer.
​ Bom, eu também — dei de ombros.

​Ele balançou a cabeça em descrença.
​— Tive que fingir que sabia de tudo para o maldito acionista.
Fiquei com cara de otário enquanto ele me fazia mil recomendações
de como ser o avô perfeito. Eu tenho cara de avô? — apontou para
si mesmo, e eu abri um sorriso que, pela primeira vez naquele dia,
foi genuíno.
De fato, meu pai não parecia ter mais do que uns quarenta e
cinco anos.
— Acho que agora não tem jeito, o senhor vai ter que
descobrir um meio de ser avô, assim como ainda tenho que
descobrir como serei mãe.
Jacob abriu uma enorme careta.
— E quem é o pai dessa criança? Achei que você se cuidasse.
Acabei devolvendo a sua expressão feia.
— Eu me cuido muito bem. Tanto que decidi ser mãe solo,
pois não quero nenhum interesseiro na minha cola — busquei fôlego
para dizer de uma vez: — Fiz inseminação artificial, pai.
Jacob Leblanc mal podia ficar mais surpreso do que já estava,
porém ele ficou, de forma que seu semblante se tornou indecifrável.
— Você planejou isso tudo? — finalmente, papai explodiu,
erguendo-se da cadeira e passando a andar de um lado para o outro
na sala. — Se foi planejado, por que não perguntou minha opinião?
E como não pensou no seu trabalho e nas consequências de uma
licença maternidade? E a sua mãe? Já sabe?
Todas as perguntas eram difíceis de ser respondidas, mas as
que envolviam Miranda eram, com certeza, as piores. A minha mãe
entraria em curto-circuito e retornaria de sua viagem eterna com o
novo namorado só para acompanhar a gravidez, o nascimento e
tudo o mais, sem deixar de emitir suas longas opiniões não
solicitadas a respeito de todo o processo.
— Não achei que precisasse te consultar. Sou adulta, tenho
trinta e cinco anos e decidi ser mãe — dei de ombros. Claro que não
diria a ele que estava apavorada, só pioraria a situação. Quanto mais
confiante eu parecesse, melhor para Jacob entender o meu ponto.
— Não pretendo casar ou me envolver com um qualquer. Já pensou
que o nosso legado precisa de um herdeiro ou herdeira? Para onde o
senhor acha que vai tudo o que construiu depois que eu morrer? Eu
não tenho todo o tempo do mundo, logo vem a menopausa.
Ele parou de andar em círculos e voltou a se sentar,
analisando-me com atenção. De súbito, começou a balançar a
cabeça positivamente, ponderando. Algo me disse que, enfim, eu
tinha convencido o meu pai a comprar aquela ideia.
— Compreendo... — sussurrou.
— E não pretendo contar a mamãe tão cedo. Você sabe como
ela é, vai querer dar pitaco em tudo e quero fazer isso do meu jeito,
sem interferências.
— Você não pode esconder uma gravidez de sua mãe, Pérola.
E, por experiência própria, é melhor que ela saiba de você e não de
terceiros.
— O senhor precisa respeitar essa minha escolha. Ela saberá,
mas no tempo certo.
— Eu lavo as minhas mãos quanto a isso. Só não quero que
ela venha me procurar pra falar merda.
Os meus pais se odiavam a ponto de não quererem se ver
nem pintados de ouro. Miranda jamais estava no mesmo ambiente
de Jacob, e com isso incluía minhas formaturas, aniversários e
eventos que o ideal era ter meus pais comigo. Eles se revezavam
sempre. Eu já tinha desistido de lutar contra um comportamento tão
infantil e infundado, afinal, fazia muitos anos que tinham se
separado.
— Duvido que ela te procure.
Meu pai se levantou.
— Bom, tenho que ir. Vejo você no jantar para saber mais
detalhes dessa... — ele observou a minha barriga rapidamente. Será
se dava para ver alguma coisa? Tive medo de conferir. — Dessa
novidade.
— Essa novidade se chamará Isabela ou Matteo Leblanc.
Jacob abriu um sorriso.
— Eu gosto — e se foi depois de um aceno cordial.
A visita do meu pai me tirou dos eixos no fim daquela tarde.
Sendo assim, considerei meu expediente encerrado e fui dar uma
volta no shopping a fim de comprar coisas para o bebê. Eu ainda
não tinha feito aquilo. Escolher os possíveis nomes e não ter
providenciado sequer uma fralda talvez falasse muito sobre como eu
estava enrolada.
Ainda não tinha encontrado a arquiteta certa para o projeto
do quarto da criança.
Ainda não havia arranjado as grades de proteção em vários
pontos da casa, sobretudo em volta da piscina, que foi projetada
para receber uma solteirona convicta e que ama espaços abertos.
Também precisava encontrar uma babá capacitada, e soube,
em minhas leituras, que isso levava um tempo, pois precisava ser
alguém de confiança, com muito conhecimento e familiarizada com a
rotina da casa e dos moradores. Eu não podia atribuir mais nenhum
serviço nem a Jacinta e nem a Taciana. Ambas já estavam muito
ocupadas com as demandas de uma mansão.
Além de tudo isso, precisaria encontrar uma forma de lidar
com a minha mãe.
Era muita coisa para uma pessoa só fazer, mas sabia que, se
eu tivesse um marido, teria que fazer tudo isso e ainda lidar com o
bebezão resmungando. Homem é sinônimo de dor de cabeça. Ou
seja, poderia ser muito pior.
Capítulo 2
Diego
Abri os olhos lentamente, tentando me acostumar com a
claridade esquisita que quase me machucava. Passei alguns minutos
desnorteado, sem saber onde estava e o que acontecia ao meu
redor.
Primeiro visualizei um quarto impecavelmente branco, depois
observei o que parecia ser a minha própria perna, elevada por um
aparelho metálico esquisito. Estava toda enfaixada e com uns
parafusos enormes atravessando meus ossos.
Aquilo me assustou, tanto que tentei ficar sentado, mas a dor
impediu que eu me movesse. Não me lembrava de... Ah, sim. As
memórias começaram a me atingir, principalmente as dos últimos
segundos antes do acidente. Parecia que estava acontecendo
naquele instante. O veículo descontrolado, aquela árvore bem na
minha frente e... mais nada.
Pensando bem, deveria agradecer por estar vivo.
Geralmente uma batida daquele porte causava vítimas fatais.
Eu mesmo já tinha acompanhado o atendimento, quando trabalhava
em ambulância, de muita gente que se envolvia nesses acidentes e
morriam ou na hora ou pouco tempo depois. Eram poucos os que
chegavam ao hospital.
— Puta merda... — murmurei, sentindo a boca seca.
Precisava de água, mas não tinha certeza se poderia ingerir qualquer
coisa.
Como enfermeiro, estava por dentro dos procedimentos
médicos naqueles casos.
Tentei manter os batimentos cardíacos mais tranquilos, pois
precisava pensar no que sentia e no que via a respeito do meu
próprio corpo. A minha perna direita estava fodida, disso eu tinha
certeza. Passei por cirurgia, talvez mais de uma, e a recuperação
seria tensa, a tirar pelos pinos gigantescos.
Havia uma faixa cobrindo o meu abdômen, descendo mais do
que o normal. O meu saco estava enfaixado, bem como meu pênis.
Não era um bom sinal de forma alguma; talvez significasse algum
problema nos rins ou na bexiga. Ou nos dois, pois percebi que
urinava por uma sonda bastante discreta.
Fora isso, vários curativos espalhados, e podia sentir um
corpo estranho no rosto, sinal de que havia algum machucado por
ali também. A pancada devia ter sido forte. O meu carro,
certamente, deu perda total.
Eu me esgueirei para apertar o botão que chamaria alguém
da enfermaria, mas foi naquele instante que o meu amigo Ricardo
entrou no quarto, segurando um copo descartável com café. Ele
abriu um largo sorriso e mandou logo:
— Filho da puta sortudo! Você quase morreu, cara! Não faz
isso comigo de novo, porra — ele se aproximou e deu uma olhada
minuciosa em meu aspecto. Não deveria estar nada bacana, porque
notei a sua expressão se contrair.
— Como foi que rolou? — perguntei em um murmúrio fraco.
Eu me sentia meio tonto ainda. — Há quanto tempo estou aqui?
— Dois dias. — Soltei um suspiro de alívio. — Você teve que
passar por duas cirurgias de emergência. Ainda bem que a sua
saúde é de ferro, mano. Foi uma na perna e a outra no... — Olhou
para baixo.
— Onde? — franzi o cenho.
— Você quase perdeu a perna, mas o cirurgião daqui é bem
pica.
— Onde foi a outra cirurgia? — insisti. Fiquei bastante
preocupado com aquilo. Ricardo não era do tipo que fazia rodeios.
Nós dividíamos um apartamento há cerca de três anos e eu sabia
tudo o que era necessário para entender seus gestos e expressões.
— No saco.
Arregalei os olhos.
— No saco?
— Sim — ele assentiu de forma dolorosa.
Minha primeira reação foi colocar uma mão, a menos
machucada, sobre o meu pinto. Suspirei de alívio quando senti uma
protuberância mole, sinal de que ele estava intacto. Mas uma
cirurgia no saco não era coisa boa. Podia causar impotência
facilmente.
Para quê ter um pau se ele não funcionar?
— Não se preocupe, disseram que vai ficar duro ainda.
— Cara... — resfoleguei, nervoso. Ricardo não ajudava. Ele
estava com um semblante divertido, enervando-me ainda mais. Se
fosse ele no meu lugar, já estaria gritando pelo hospital. — Como foi
essa cirurgia no saco? Sabe de alguma coisa?
— Só sei que um dos seus sacos levou uma pancada do
caralho. — Ele riu de como a frase soou redundante, mas permaneci
sério e com o coração batendo rápido. — Tiveram que tirar.
— Porra! — eu me exaltei, tentando ficar sentado de novo,
mas foi impossível. — Como assim? Removeram meus testículos?
— Um deles. Um ovo. Você agora é mono-ovo. Mas não se
preocupe, o outro está de boa e você vai poder gozar.
Balancei a cabeça em negativa, desesperado.
— Quero falar com o médico!
Ricardo deu de ombros e apertou o botão de emergência.
Logo, uma enfermeira nos encontrou e, depois de conferir o meu
estado com bastante paciência, falou que chamaria o médico
responsável pela cirurgia.
O doutor chegou depois de uns vinte minutos. Era alto,
moreno e com um sorrisão enorme, mas veio acompanhado por uma
mulher bonita, que se apresentou como psicóloga. Foi assim que
descobri que estava mais fodido do que pensava. Ela veio para me
atender caso enlouquecesse com as notícias. Bom, eu me sentia por
um fio, por isso considerei uma decisão prudente.
Depois das apresentações, o médico se adiantou:
— O seu caso foi um pouco complicado, a cirurgia foi bem
arriscada, mas conseguimos salvar um dos testículos. Parte da
lataria do veículo e do volante atingiu bem no meio das suas pernas
durante o acidente — todos fizeram uma expressão de quem acabou
de receber uma pancada. — A região mais afetada foi abaixo do
pênis, por isso ele não recebeu muito impacto e saiu ileso.
Tentei não me sentir constrangido por estarmos quatro
pessoas num mesmo ambiente conversando sobre o meu pau.
— Meu Deus... — sussurrei, imaginando que foi uma boa
coisa ter desmaiado. Meu corpo não aguentou a dor. — E o testículo
que sobrou ficou comprometido?
O médico fez uma expressão grave.
— Os primeiros exames não são tão positivos, infelizmente.
Acredito, sim, que o senhor poderá ter ereções e viver uma vida
sexual normalmente. No entanto, há um comprometimento na
fabricação de espermatozoides.
— Comprometimento? — questionei, enjoado de tão nervoso.
Ricardo soltou um assovio fora de hora. Tive vontade de
esganá-lo.
— Isso. Senhor Diego, creio que há uma grande possibilidade
de o senhor ser estéril agora. — Alguns segundos de silêncio. A
psicóloga me olhou atentamente, observando minhas reações para
entrar em ação assim que eu me descompensasse. Não aconteceu,
embora por dentro eu estivesse desesperado. — Ainda vamos fazer
vários exames ao longo da semana, para verificar se a situação se
modifica, mas o impacto foi realmente intenso.
— Não há uma chance de esse quadro mudar? — murmurei a
pergunta.
— Sim, há, por isso os exames. Mas não vou mentir para o
senhor, que é um profissional da saúde e entende essas coisas, as
chances são mínimas.
— Compreendo — engoli em seco. A psicóloga ainda me
olhava. — Certo. Obrigado, doutor.
— Passo aqui à noite para te ver. Vou falar para a enfermeira
entrar em contato com o cirurgião da sua perna. Assim ele poderá
dar mais detalhes.
— Tudo bem, obrigado.
O médico saiu e solicitou que Ricardo nos deixasse a sós: a
psicóloga e eu.
Sinceramente, não queria encarar ninguém, menos ainda uma
pessoa que provavelmente me faria muitas perguntas.
Tão logo pensei nisso, ela abriu a boca:
— Como é para você receber essa notícia?
Pisquei os olhos várias vezes em sua direção. Eu não sabia o
que responder.
— Hum...
Achei que ela fosse continuar o interrogatório, mas apenas
me olhava em silêncio. Comecei a ficar meio constrangido e soltei:
— Não sei ainda. É difícil. Não pensei a respeito, não tive
tempo.
Ela assentiu.
— O senhor tem filhos?
— Não.
— Esposa?
— Não.
Ela voltou a ficar calada.
— Mas não sei se pretendo ter filhos. Acho que acabei
fazendo uma vasectomia de graça, não? Se olhar por um lado
otimista, não foi tão ruim assim.
— Quantos anos o senhor tem?
— Trinta e um.
— O senhor sabe que, caso confirmado, esse diagnóstico é
irreversível, diferente da vasectomia, que...
— Eu sei.
Qual é? Ela estava tentando me deixar melhor ou pior?
Outro período de silêncio.
— Certo, estou ferrado, admito. Um dia pretendia gerar uma
vida, sim. Era um grande sonho ser pai, só não encontrei a pessoa
certa ainda — foi naquele instante que uma lembrança me ocorreu.
Fiz uma careta enquanto refletia. — Espera aí... Talvez eu já seja
pai.
A psicóloga não disse nada, mas percebi que franziu um
pouco a testa.
Eu expliquei:
— Doei meu sêmen há um ano. Estava precisando de uma
grana e fiz o procedimento em uma clínica bem conceituada, tudo
através de um amigo meu que trabalha lá.
— Oh... Talvez eles ainda tenham o seu material genético.
Isso pode ser uma saída.
— Sim, talvez. Posso entrar em contato com eles e dar um
jeito de recuperar esse material.
— Com certeza o médico escreverá todos os laudos
necessários, em caso de comprovação da esterilidade. Nessas
situações, é até fácil de recuperar.
— Mas e se eles já tiverem utilizado?
A mulher deu de ombros.
— Bom, há uma chance. O senhor sabe que não pode ir atrás
dessa família que pode ter ficado com seu material, certo?
— Eu sei. Assinei muitos termos. Eles sequer vão me dizer
quem foi a mãe que recebeu.
— Então o senhor tem algumas possibilidades para refletir,
mas o importante é saber lidar em caso de qualquer cenário.
Assenti, sem olhar para ela. Passamos alguns minutos em
silêncio. Tive vontade de falar, mas minhas ideias não estavam
organizadas e preferi nada dizer.
Ela compreendeu meu momento.
— Estarei disponível para quando precisar de mim, está bem?
Antes do fim do meu plantão, vou passar aqui.
— Tudo certo, obrigado.
A simpática profissional se despediu e eu me percebi sozinho,
todo remendado sobre uma cama desconhecida e fria. Eu não
deveria ter ido àquela festa. Ou melhor, não deveria ter bebido e
dirigido, como um adolescente imprudente guiando seu primeiro
carro.
Que grande merda fiz comigo mesmo! Um profissional da
saúde se sujeitando a um risco desse tamanho? Era sorte eu não
estar preso. Agora aquele era o meu castigo, pois para toda ação
havia uma reação.
O sonho de ser pai provavelmente teria que ficar para outra
vida.

​ omo previsto, a recuperação da minha perna foi bastante


C
complicada. Além das fraturas em vários pontos, uma pequena parte
da tíbia se esfarelou e o médico chegou a dizer que provavelmente
eu ficaria com alguma sequela no meu caminhar, mas isso dependia
das sessões de fisioterapia e do tempo. Precisei passar pela terceira
cirurgia, por isso acabei permanecendo no hospital por quase
quarenta dias. Foi um martírio.
​Durante esse tempo, fiz mais dois exames para verificar o
testículo que sobrou. Os resultados não foram nada animadores: não
houve qualquer mudança na fabricação de espermatozoides, que
permaneceu muito abaixo da média. Fiquei bastante nervoso com
isso, sobretudo porque não tive sequer uma ereção no período em
que estive no hospital, embora o médico tivesse me alertado de que
poderia demorar um pouco.
​Meu saco estava com uma cicatriz feia, que necessitava de
cuidados diários, e eu sempre morria de vergonha quando uma
enfermeira vinha aplicar a medicação e trocar os curativos. Sem
contar com o formato dele. Ficou realmente muito esquisito. O
cirurgião informou que meu saco escrotal ainda se adequaria à nova
realidade e certamente modificaria com o tempo, melhorando o
aspecto. Mas eu estava tão desanimado que já estava tentando
colocar na cabeça que nunca mais usaria meu pau pra mais nada
além de fazer xixi.
​Por falar nisso, foi mais uma agonia quando retirei a sonda.
Acabei pegando uma infecção urinária fodida e as primeiras idas ao
banheiro, além de complicadas, porque eu não podia dobrar a perna
de jeito nenhum, foram muito dolorosas. Aqueles dias foram
terríveis, isso porque ainda nem comentei que precisava de uma
enfermeira para vir limpar minha bunda toda vez que fazia cocô.
​No dia que recebi alta, consegui uma cadeira elétrica com um
amigo meu, que era fisioterapeuta, e um par de muletas. Eu não
sabia como seria a minha vida, pois Ricardo trabalhava o dia inteiro
e eu teria que ficar de molho em casa por um bom tempo. Pensei
em contratar alguém da enfermagem, mas deixei quieto. Precisava
me virar com o que tinha. Já estava um pouco menos trabalhoso ir
ao banheiro, depois do inferno que passara no hospital, o que era
uma ótima notícia.
​Dois dias depois que recebi alta, tive uma ereção matinal bem
proveitosa. Bati uma punheta daquelas, pois estava com saudades, e
gozei muito delicioso. O líquido, no entanto, saiu bem ralo e pouco,
com algumas manchas de sangue. O médico já tinha avisado que
isso poderia acontecer, mas não fiquei tranquilo de modo algum.
Os meses foram passando e nenhum resultado sobre o meu
testículo era animador. Não esperei receber os laudos oficiais e liguei
para a clínica onde havia deixado meu sêmen; não queria perder
tempo e de repente aniquilar todas as chances que possuía. No
entanto, não tive muita sorte: meu único material genético bom já
tinha sido utilizado. Alguém, provavelmente, estava esperando uma
criança minha, mas a funcionária que me atendeu falou que era
protocolo não responder a pergunta alguma sobre o procedimento,
de modo que não tive certeza se a fecundação funcionou.
Isso me fez ficar tão frustrado que não consegui evitar me
sentir deprimido.
Sozinho em casa, sem nada interessante para fazer,
preocupado com meu futuro no trabalho, com os movimentos
limitados e a certeza de que nunca mais geraria uma vida, o que
ainda poderia acarretar situações piores quanto aos relacionamentos
que eu porventura arranjasse: era um prato cheio de motivos para
me deixar completamente letárgico.
Capítulo 3
Pérola
​ a vigésima quarta semana de gestação, desisti de tentar
N
esconder a barriga e resolvi aproveitá-la antes que não fosse mais
possível. Eu não pretendia ter outro bebê de jeito nenhum, estava
traumatizada até o limite. Aqueles seis meses tinham sido infernais:
não conseguia dormir direito, meu rendimento no trabalho caiu de
maneira drástica, sentia-me enjoada e desconfortável
constantemente, com os hormônios loucos. Nunca me considerei tão
doida na vida.
Eu comia e fazia xixi o tempo inteiro. Havia me transformado
num monstro faminto, descontrolado, com as emoções à flor da
pele.
​Pela minha idade e a pressão estar um pouco alta, a gestação
necessitava de cuidados particulares, por isso a ginecologista
recomendou bastante repouso, mas ainda assim continuei
trabalhando. Não podia deixar a empresa de repente, sem um
preparo maior. Eu tinha muita coisa para resolver em todos os
âmbitos imagináveis, então não me daria ao luxo até realmente ficar
insustentável.
​Naquela manhã de sábado, por um milagre, eu estava me
sentindo bem e bastante maternal. O bebê me dava uns chutes de
vez em quando, e isso fazia o meu coração bater acelerado. Por
mais sofrimento que estivesse passando, valia a pena quando
pensava na vida dentro de mim, e que em breve eu amaria mais do
que tudo.
O arrependimento do início da gestação passou conforme as
coisas dele – sim, era um menino! – ficavam prontas: o projeto do
quarto já estava sendo tirado do papel, e a cada dia um aspecto
novo me encantava, além dos brinquedos, roupinhas e todos os
detalhes que fui comprando aos pouquinhos.
​Coloquei um biquíni rosa-neon e uma saída de banho, com os
botões abertos na frente e um tecido bem leve, branco. O barrigão
ficou em evidência. Fiz uma maquiagem básica e finalizei com uma
tiara de flores, deixando meus cabelos castanhos soltos. Quando
desci do meu quarto para o andar de baixo, a fotógrafa contratada
já estava me aguardando. Passamos o dia fazendo fotos ao redor da
piscina com borda infinita. Também aproveitamos o imenso jardim e
as áreas de descanso. Acabei trocando de roupa umas três vezes,
para variar o look.
​Marcar aquela sessão de fotos foi importante para que eu
assumisse de vez a barriga. No começo fiquei me sentindo enorme,
num sentido péssimo, principalmente porque minha médica disse
várias vezes que eu estava engordando mais do que deveria. Depois,
mandei tudo à merda e me aceitei daquele jeito: só eu sabia o que
passava quando sentia vontade de comer besteira e não podia.
Chutei o pau da barraca e escolhi não ignorar meus desejos de
grávida.
​As minhas roupas que lutassem depois.
​À noite, mesmo cansada, eu me arrumei para jantar com meu
pai. Como Jacob Leblanc era muito ocupado e vivia viajando a
trabalho, fazia questão de marcar alguns horários para perguntar – e
ver com seus próprios olhos – como eu estava, já que dificilmente
me telefonava ou mandava alguma mensagem.
​Com um vestido longo e mais soltinho, adentrei o restaurante
elegante que costumávamos frequentar. Contudo, tomei um susto do
tamanho do mundo ao me deparar com Miranda sentada ao lado
dele à mesa reservada. Parecia uma miragem. Fazia muitos anos que
não os via juntos.
O semblante de ambos era o puro retrato da insatisfação.
​Confesso que quase virei as costas e fui embora, prestes a
arranjar uma desculpa por telefone, mas então a minha mãe, com
seus olhos sempre atentos, localizou-me na entrada do restaurante.
Seu olhar seguiu diretamente para a minha barriga e parou, então a
expressão contrariada se tornou assustadora.
​— Mas que merda... — balbuciei enquanto, nervosa, fui
andando na direção deles. Não tinha como fugir.
​Os dois se levantaram quando me aproximei. Meu pai já estava
pedindo desculpas com o olhar.
​— Que reunião é essa? É uma intervenção? — fui logo
perguntando. — Nunca pensei que fosse ver os dois juntos
novamente. Deveriam ter pensado nisso nas minhas formaturas.
​— Estamos longe de estar juntos — Miranda revirou os olhos e
esnobou o meu pai com uma careta de deboche, enquanto ele me
dava um beijo no topo da cabeça. — Mesmo te vendo pessoalmente,
ainda não acredito que está grávida — resmungou. Percebi que ela
não me daria nem mesmo um abraço, então me sentei e eles
também. — Como pôde me esconder uma gravidez por tanto tempo,
Pérola?
​Eu tinha os meus motivos. Claro que havia perdido toda a
razão ao esperar tanto para encarar a megera – de fato, ficou feio
para mim. Não era mais adolescente, não precisava dar satisfações
ou ficar com medo de expor o que estava acontecendo. Fui covarde,
sim. Por outro lado, foi maravilhoso passar aqueles seis meses
infernais longe da minha mãe.
​— Faz meses que a senhora não me liga — comentei, dando de
ombros.
​Um garçom veio e pedi uma água naturalmente, como se não
estivesse ciente da raiva que Miranda direcionava a mim. Papai
pediu um uísque. A minha mãe decidiu por uma taça de vinho, o que
me deu certo alívio. Ela ficava mais relaxada quando bebia.
​— Não faz tanto tempo assim que não te ligo, Pérola. Você já
estava grávida da última vez e não me contou, além de que nada a
impedia de me ligar também.
​ Permaneci em silêncio. O meu pai mexia nervosamente num
guardanapo de linho, como se desejasse não estar ali. Eu era do
time dele.
​ Não queria que você se apavorasse. Eu demorei um pouco a

aceitar a minha condição e não ia ajudar te ter por perto.
​— É dessa forma que você me toma? Por uma mulher incapaz
de receber uma notícia de gravidez da própria filha?
​Revirei os olhos. Eu sabia que, cedo ou tarde, ela começaria
com as chantagens emocionais. Nada comentei, então olhei para o
meu pai com raiva. Com certeza foi ele quem soltou a informação.
​— Não olhe para mim, não fui eu — Jacob ergueu as mãos.
​— Não foi, mas deveria ter sido. Afinal, ela é a nossa filha e é
sua obrigação dividir essas coisas comigo, já que a guarda é sua —
Miranda rebateu, tão emputecida que seu rosto estava vermelho. —
Imagina só a vergonha que passei quando uma de minhas melhores
amigas veio me perguntar se era verdade, porque os boatos já estão
correndo soltos na alta sociedade. — Sim, ela era daquele tipo que
falava expressões como “alta sociedade”. — Tive que ligar para o
seu pai e marcar esse jantar porque, se você não tinha me contado
até então, com certeza não me contaria de novo e eu ficaria com
mais raiva ainda.
​— Ninguém mais tem a minha guarda, mãe. Tenho trinta e
cinco anos. Enfim, não adianta discutir. Estou grávida há seis meses
e darei luz ao Matteo Leblanc em breve.
​— Já sabe que é menino? — ela se espantou, mas chegou a
sorrir. — Deveria ter feito um chá revelação. Eu poderia ter ajudado
a organizar. É por isso que você precisa de mim, além de mãe
solteira, ainda não sabe nada sobre dar festas. Cadê o chá de
fraldas? Não tem sequer uma matéria sua em nenhuma coluna
social.
​— Não preciso dar festas. Não vejo motivo para isso. E também
não quero me exibir em jornais e revistas, não por esse motivo.
​— Claro que precisa de um chá de fraldas. E os presentes?
​— Posso perfeitamente comprar tudo de que meu filho precisa.
Não sei se a senhora sabe, mãe, mas eu sou milionária.
​— Está vendo, Jacob? A culpa é sua de ela me odiar desse
jeito! — Miranda quase apontou um dedo na cara do meu pai.
Naquele instante, foi sorte o garçom ter chegado com nossas
bebidas.
Os dois deram longos goles ao mesmo tempo. Retomei o
assunto:
​— Eu não te odeio, mãe. Só tenho outras formas de lidar com
as situações. Era por isso que não te queria por perto. Não quero ser
obrigada a nada, preciso fazer do meu jeito. Criar esse bebê é meu
novo propósito de vida.
​O meu pai olhou para mim com surpresa, mas acabou sorrindo
de lado. Ele já estava acostumado com a ideia de ser avô e, por
dentro, ansioso para levar o netinho para seus jogos de golfe.
Provavelmente seria ele quem ensinaria tudo de errado ao moleque.
Eu não poderia reclamar, já que vovô Jacob se transformaria na
única figura paterna, tão necessária, de Matteo.
​— Quer dizer então que não vou poder participar da criação do
meu próprio neto? — ela fez um biquinho e cruzou os braços na
frente do corpo. Estava bem chateada e, daquela vez, senti pena.
Era injusto deixá-la de fora da vida do meu filho. Isso não
aconteceria.
​— Claro que vai. Como uma avó normal, que faz todos os
gostos e conta histórias. Preciso de suas dicas e conselhos, mas só
quando eu solicitar. As decisões são minhas e não quero que se
envolva na rotina da minha casa.
​Miranda balançou a cabeça em negativa, chacoalhando as
mechas loiras. Ficamos em silêncio por alguns segundos, então o
garçom aproveitou e veio perguntar se já queríamos pedir o jantar.
O meu pai se adiantou e pegou o cardápio, então todos nós o
acompanhamos e fizemos nossos pedidos. Eu estava morta de fome.
Achei que teria uma refeição tranquila naquela noite.
​— Como estão as suas viagens? — perguntei a minha mãe,
louca para mudar de assunto.
​— Boas. Raimundo é um homem maravilhoso, uma companhia
agradabilíssima — ela olhou de esguelha para o meu pai, que
continuou fingindo que estava atento à enorme televisão grudada na
parede adiante. — Finalmente conheci o Egito.
​— Que ótimo! Vai passar muito tempo aqui na cidade?
​Minha mãe fez uma careta. Eu queria sondar por quanto tempo
teria que lidar com ela.
​ Vou embora amanhã. — Quase suspirei de alívio, mas

disfarcei bem. — Parto para a Inglaterra. Só viemos aqui para que
eu tirasse essa história de gravidez a limpo. Mas devo retornar para
ver o nascimento do meu neto, já que não sou bem-vinda antes
disso.
​— Sei... Vai a algum local específico na Inglaterra?
​Continuei fazendo perguntas para mantê-la com a mente
ocupada. Depois de duas taças de vinho, Miranda estava quase
agradável e falante. Entramos, enfim, numa conversa prazerosa. Ela
chegou até a relembrar o passado com o meu pai sem mencionar as
partes desagradáveis. Jacob, por outro lado, ficou meio
monossilábico no início, mas após umas doses também se soltou.
​Quando terminamos o jantar, comecei a ficar muito sonolenta e
minhas pernas inchadas doíam.
​— Meus amores, preciso ir — avisei, sorrindo em vê-los
papeando como duas pessoas civilizadas. Talvez Matteo não
precisasse se dividir entre os avós no futuro. Foi diante daquela
reflexão que entendi que Miranda e Jacob estavam fazendo aquilo
pelo neto. — Estou muito cansada. O bebê não para de mexer.
​— Mesmo? — os olhos do meu pai brilharam. — Posso sentir?
​— Claro — sorri para ele.
​Meu pai repousou a mão grande sobre a minha barriga
saliente. Em poucos segundos, Matteo distribuiu mais chutes e papai
começou a rir feito uma criança.
​— Venha sentir isso, Miranda — disse, empolgado.
​A minha mãe tomou a liberdade de me tocar também e reparei
que as mãos deles se encostaram. Ambos disfarçaram o
constrangimento e afastaram os dedos, mas foi uma situação
engraçada. Quando Matteo voltou a chutar, os dois resfolegaram.
​— Ah, que gracinha! — mamãe pareceu maravilhada.
​— Vai ser um jogador de futebol! — papai soltou.
​— Que nada! Meu neto vai ser um artista de grande renome.
​— Ele vai ser o que quiser, pessoal — murmurei.
​Nenhum dos dois emitiu mais opiniões a respeito.
​Eu me senti ótima com meus pais por perto, de um jeito que
me surpreendeu. Aparentemente, nos uniríamos mais pelo bem da
criança. Era o que eu desejava. A falta de um pai era preocupante,
pelo que pude entender em minhas pesquisas, mas com uma
estrutura familiar boa, Matteo mal sentiria a ausência.
​Por um lado me sentia culpada por não poder dar ao meu filho
a chance de ter um pai amável. No entanto, já tinha desistido. Se
não havia encontrado um cara legal sem um bebê no colo, depois
que nascesse que não encontraria mesmo, ainda mais porque os
meus cuidados se redobrariam e eu jamais colocaria qualquer
pessoa dentro de casa, para conviver com meu filho.
​ Eu não era capaz nem de imaginar um homem que me
inspirasse tamanha confiança.
Capítulo 4
Diego
​ m ano após o acidente que mudou a minha vida para sempre,
U
eu ainda não tinha conseguido permissão para retornar ao trabalho.
Já estava ficando louco dentro de casa, com uma licença por
invalidez para dar conta. A gerente do hospital já tinha me
aconselhado a dar entrada na aposentaria, porém eu achava
exagero – ninguém conseguiria se aposentar assim tão fácil na
minha idade.
Compreendia que eu não era capaz de voltar para a rotina
hospitalar, que precisava de alguém fisicamente perfeito, coisa que
eu não era mais, só que tinha esperança de uma melhora em longo
prazo e um remanejamento para uma área mais tranquila.
​A minha perna direita estava manca. Eu tentava corrigir com
uso de sapatos especiais, mas ela teimava em dar uma dobrada
quando caminhava, além de doer pra caramba ao longo do dia. Em
noites frias, então, sofria demais por causa da placa de metal que
precisou ficar dentro. Correr, nem pensar. Parecia que os ossos
explodiriam se me esforçasse demais. Sem contar que a minha mão
esquerda sofrera uma torção que fazia com que eu não conseguisse
fechá-la direito, contribuindo para a incapacidade de manusear
materiais hospitalares. Mal dava conta de usar uma seringa sem
tremer.
​Ainda existia uma cicatriz esquisita no meu saco. E, por causa
disso, não tive coragem de transar com ninguém neste período.
Além de o meu desempenho físico estar uma bosta, o sexual não
estava muito para trás. Eu demorava mais que o normal para ter
uma ereção e durava uma eternidade para gozar, o que descobri
sozinho.
Envergonhado e ressentido, mal saí da toca durante aquele
tempo, que parecia o mais tenebroso da minha vida.
​— Ei, cara, tenho uma coisa pra te contar — Ricardo apareceu
na sala numa noite qualquer, só mais uma em que eu estava deitado
no sofá, assistindo a uma novela mexicana cheia de dramas
familiares.
​O meu caso estava sério.
​— Que coisa?
​— Vem aqui, vou te mostrar.
​Estranhando seu comportamento, levantei-me com alguma
dificuldade e caminhei devagar até o quarto dele, que costumava me
dar agonia só de ver. Tudo ficava constantemente espalhado, e como
meu amigo era da área de T.I., aparelhos e mais aparelhos
eletrônicos, aninhados a um turbilhão de fios por toda parte,
estavam atribuindo ao seu quarto uma aparência sufocante.
​Ricardo se sentou numa poltrona gamer em frente aos seus
três monitores – um exagero, em minha opinião – e apontou para a
beirada de sua cama para que eu me sentasse. Afastei três cuecas e
mais um punhado de roupas sujas para poder fazer aquilo. Precisava
me lembrar de lavar as mãos depois.
​Uma das telas na nossa frente exibia um perfil do Instagram de
uma mulher chamada Pérola Leblanc. Era uma morena muito
sensual, com o rosto expressivo, as sobrancelhas perfeitamente
desenhadas e um porte que parecia de modelo. Em sua descrição
dizia que ela era CEO de uma empresa. Os cabelos longos e lisos lhe
davam um charme incomum.
​Soltei um assovio enquanto Ricardo rolava na tela várias fotos
dela. Havia algumas sozinha e outras dela com um bebê
engraçadinho. Acreditei ser seu filho quando visualizei duas
fotografias belíssimas de sua gravidez.
​— Uau! Está saindo com ela? — questionei, sorrindo com
ironia. — Como conseguiu uma mulher assim, mano? Seu pau nem é
tão grande. Ela parece ser rica.
​— Di, presta atenção — Ricardo continuou sério, o que
estranhei de imediato. Ele nunca perdia uma brincadeira daquele
tipo. Olhei-o fixamente, com uma sobrancelha erguida. — Eu achei o
seu filho.
​Continuei o observando por longos segundos.
​— O QUE? — soltei um berro que veio das profundezas do meu
ser.
​Instantaneamente, minhas mãos começaram a tremer e tive
certeza de que não conseguiria me levantar dali. Olhei para a foto da
bela mulher segurando seu bebê, que Rick colocou em evidência na
tela, e senti que entraria em surto a qualquer momento.
​— Pérola Leblanc é a pessoa que utilizou o seu sêmen pelo
processo de inseminação — ele continuou passando as fotos. — Tive
a ideia de invadir o sistema da clínica essa semana, e até que foi
fácil fazer isso. Também não foi complicado encontrá-la nas redes
sociais. Há duas “Pérolas Leblancs” cadastradas e ela é a única que
não é fake e tem um bebê com a idade certa.
​— Cara... — soltei um ofego incrédulo. Havia uma força
descomunal sendo aplicada na minha cabeça. Toda vez que o
menininho aparecia nas fotos, o meu coração dava um solavanco. —
Não é possível.
​— O nome dele é Matteo Leblanc. Chique, não é? Essa Pérola é
realmente muito rica — Ricardo abriu uma foto dele vestido com
uma roupinha de marinheiro. Eu me derreti da cabeça aos pés. Era o
bebê mais lindo do mundo e parecia um pouco comigo,
principalmente os olhos, em um tom de terra e meio puxados. — Ele
tem seis meses. Fiz os cálculos e faz todo sentido, foi fecundado no
dia estabelecido pela clínica.
​— Meu Deus... — comecei a balançar a cabeça em negativa e a
marejar. Sentia uma emoção tão forte no peito que não estava
conseguindo lidar com ela. — Meu Deus.
​— Eu tenho uma ideia.
​— Qual? — perguntei logo, aflito e ansioso. Eu não fui capaz de
pensar em nada diante daquela notícia. — Que ideia?
​ Pérola Leblanc é uma solteirona convicta. Pesquisei sobre a

vida dela. Nunca se casou e decidiu pela inseminação por causa da
idade. Seu império é milionário. Mora numa mansão no bairro mais
nobre da cidade.
​— Porra...
​— É uma pessoa poderosa, mas você não é tão feio assim.
Com as condições certas, e muito jeitinho, pode conquistá-la.
​— O que? Você quer que eu conquiste essa mulher perfeita?
Rica, linda e parece bem decidida. O que alguém como ela ia querer
com um manco e impotente feito eu?
​— Não exagere, você não é impotente.
​— Quase isso. — Esperei que Rick fizesse alguma piada sobre o
meu mono-ovo, mas não aconteceu. Ele estava sério.
​— Pensa comigo, Diego! — deu uma tapa no topo da minha
cabeça. — Para de falar merda e raciocina! É a sua chance de ter
seu filho sem precisar quebrar os contratos da clínica. Você não
pode procurar esse bebê e essa mãe, vai contra todas as regras e,
se ela descobrir, vai arrancar tudo o que te sobrou sem pensar duas
vezes.
​Voltei a balançar a cabeça.
​— Eu não posso fazer isso. Não tenho cara de tentar nada com
alguém, menos ainda com uma milionária poderosa. Ela não olharia
para mim nem se eu estivesse na ponta de seu nariz!
Ricardo começou a rebater o que falei, algo a ver com o fato
de eu ser alto e presença, que devia voltar para a academia, cortar o
cabelo e fazer a barba, assim seria fácil conquistar a suposta mãe do
meu filho. A voz do meu amigo foi ficando distante enquanto eu
observava a foto do bebê na tela do computador. Uma dor
lancinante começou a crescer em meu peito e me senti entrando em
desespero.
Olhei-o com raiva, de repente.
— Por que fez isso? — resmunguei, irritadíssimo. — Invadiu a
minha vida sem me perguntar se eu queria isso e ainda está
colocando na minha cara uma criança que pode ser minha, mas que
jamais será de verdade. É golpe baixo até pra você, Ricardo! Você
passou dos limites.
Tentei me levantar, mas a perna atrapalhou e deu tempo de
Ricardo segurar o meu braço, mantendo-me sentado. Sua expressão
continuava muito séria.
— Você precisa reagir, Diego. Foi por isso que fui longe nessa
história. Você perdeu o propósito, o gosto pela vida, fica se
lamentando pelos cantos e já deu essa batalha como perdida. — A
minha expressão se fechou e apertei a mão boa em punho. —
Eduardo falou que o que está te impedindo de melhorar é a sua
cabeça fodida. — Eduardo era o meu amigo fisioterapeuta, que
vinha duas vezes na semana para as sessões na minha perna e na
mão. Com o tempo, Ricardo passou a ser amigo dele também. — É
você que está atrapalhando a si mesmo, cara. Tem dias que não
toma nem banho. Essa barba aí tá uma meleca. Você costumava ser
uma pessoa confiante, pegava as gatas e se achava o maioral. Porra,
não aguento mais te ver desse jeito!
Os meus olhos já estavam marejados antes mesmo de
Ricardo terminar de se explicar. Prendi os lábios e virei o rosto para
o chão, mortificado. Em seguida, percebi que foi uma má ideia e
olhei para o teto, a fim de conter as lágrimas.
— Não é fácil, Ricardo — murmurei.
— Eu sei, mano, mas você precisa querer ficar bom. Eduardo
me contou que na fisioterapia você parece desanimado, nem tenta
fazer os movimentos direito. Isso está te atrasando. Um ano, porra!
Não era nem pra você mancar.
— A gente não sabe disso. Nem os médicos sabem.
— Eu só sei que você desistiu e não vou deixar que acabe
com a própria vida. Essa criança existe, é sua, e a mãe é solteira e
gata. Você quer ficar sem fazer nada até ela arranjar outro homem
para seu filho chamar de pai?
— Não posso obrigar ninguém a ficar comigo. Olha pra ela —
apontei uma foto em que Pérola Leblanc usava um biquíni. Devia ser
antes da gestação, pois o corpo estava completamente malhado.
Suspirei. — Vamos ser realistas. Se não der certo, vou sofrer por
muito tempo, talvez para sempre. É melhor nem tentar. Já estou feliz
por saber que meu filho terá tudo do bom e do melhor.
— Olha, eu não posso fazer isso por você. A minha parte está
feita. Achei a mulher e... — ele abriu uma gaveta e me entregou um
pedaço de papel avermelhado. — Consegui esse ingresso para a
festa de uma revista, que vai acontecer essa semana e Pérola
Leblanc é uma das homenageadas como a empresária mais influente
do ano passado. É seu. Você vai se quiser, mas te digo uma coisa:
será muito estúpido se não for.
— Claro que não vou, nem tenho roupa pra ir — levantei-me
daquela cama imunda e comecei a caminhar devagar até a saída.
Antes de partir, no entanto, eu me virei para o meu amigo: — Faz
um favor, Ricardo, não se meta mais nisso. Não quero arranjar
problemas. Esqueça essa história, porque vou tentar esquecer
também.
— De nada, disponha sempre — ele murmurou com ironia e
voltou a mexer em seu computador, como sempre fazia. Estava meio
puto comigo, mas eu não podia fazer nada, por isso fechei a porta
de seu quarto e fui até o meu.
Deitei-me na cama e fiquei um bom tempo olhando para o
teto, pensando na descoberta de Ricardo. Ainda era inacreditável
pensar na existência de Matteo Leblanc.
Um filho... Eu tenho um filho. Parece saudável e feliz, muito
bem arrumado, lindo... Vai ser um homem e tanto.
Sorri para o nada e, ao mesmo tempo, algumas lágrimas
começaram a rolar em meu rosto. Eu estava muito quebrado por
dentro. Ricardo tinha razão: havia desistido da vida. Parei de me
importar com tudo, não sentia prazer em absolutamente nada. Eu
não podia trabalhar, namorar, nem fazer o que sempre curti direito,
logo, parei de me cuidar, de me alimentar e de tentar.
Eu me tornara apenas uma sombra do que era antes do
acidente.
​ u sabia que tinha dito ao Ricardo que esqueceria tudo o que
E
envolvesse a sua descoberta, mas não pude me conter de
curiosidade para saber mais. Ainda naquela noite, na privacidade e
solidão do meu quarto, acionei as redes sociais de Pérola Leblanc e
me perdi em suas fotos e nas de Matteo. Não eram tantas quanto eu
gostaria, percebi que a CEO não curtia se exibir, mas fizera o
suficiente para me deixar enfeitiçado.
​Ainda assim, achava a ideia do meu amigo absurda. Por mais
gata que Pérola fosse, eu não a amava e apostava que era uma
chata metida, nada a ver comigo. Tentar ficar com ela por causa de
Matteo soava muito mal, indecente até. Sem contar que realmente
tinha certeza de que alguém como ela jamais iria querer algo
comigo.
​Era loucura, mas nada me impediu de ficar o tempo todo
acompanhando se ela postava alguma coisa nova. Infelizmente, a
mulher não era assídua. Apenas dois dias depois da minha
descoberta, ela resolveu postar stories com o Matteo aprendendo a
engatinhar sobre o tapete luxuoso de uma sala esplêndida. O
formato da fralda ficava engraçado no seu bumbum. Não consegui
conter a emoção que me atingiu ao poder acompanhar um pequeno
gesto do meu filho.
​Ele era risonho, foi o que pude constatar em outros stories.
Naquela noite, Pérola estava inspirada, pois postou bastante coisa
dele e concluiu com uma foto sua dando de mamar. Ela vestia uma
camisola branca e tinha o rosto pacífico, sem maquiagens, os
cabelos meio bagunçados, um seio parcialmente exposto e o olhar
penetrante. O meu corpo inteiro entrou em parafuso. Ela parecia um
anjo, e passei a admirá-la pelo simples fato de amar o Matteo e o
alimentar daquele modo tão genuíno.
​Mal consegui dormir. Ficava repassando várias vezes as
imagens do meu filho na cabeça. Quando, enfim, entreguei-me ao
sono, sonhei com ele. Sentia-me ansioso, como se algo fosse
acontecer, uma coisa boa. Foi por isso que, logo pela manhã, tomei
um banho como nunca antes e fui a uma barbearia. Antes do meio-
dia já me encontrava barbeado e com o cabelo cortado. Estava
animado, mas não sabia exatamente o motivo.
​ uando Eduardo chegou para a fisioterapia, fiz o possível para
Q
realizar os movimentos da melhor forma. Empolgado, tivemos
avanços importantes, coisa que não tínhamos havia meses. Ele
estranhou o meu comportamento, claro, porém não me fez muitas
perguntas, apenas manteve o semblante animado, visivelmente feliz
com os resultados de um trabalho árduo.
​Mais tarde, eu estava jantando na mesa da sala quando
Ricardo entrou no apartamento.
​— Não acredito, estou vendo uma miragem! — soltou uma
risada e veio assanhar meus cabelos. — Olha! — deu várias
fungadas perto de mim. — Até tomou banho. Finalmente, hein? Eu
não estava aguentando mais o seu fedor.
​— Brother, quem tem um quarto como o seu não deve sentir
nenhum cheiro ruim. Se enxerga!
​— Diego Castro finalmente está de volta? Gostei de ver —
avaliou-me de cima a baixo. — Resolveu ir à festa da revista mais
tarde?
​A maldita festa.
​Pérola Leblanc postara mais cedo uma foto sobre a
homenagem que receberia – seu rosto seria capa da revista em
questão. Meia hora atrás havia colocado um storie de suas unhas
feitas, curtas por causa do manejo com Matteo, mas ainda assim
bonitas.
​— Não sei. Acho que não. O meu único terno deve estar
enorme em mim — murmurei, lembrando que tinha emagrecido
quase dez quilos no último ano e perdido uma penca de roupas. —
Sem contar que não quero passar vergonha. Quando fico nervoso,
manco mais.
​— Pare de colocar empecilhos. Vá logo para a festa e chame a
atenção daquela deusa!
​Dei de ombros e nada falei, apenas continuei a jantar.
​Depois que terminei, tranquei-me em meu quarto. Deitei na
cama e abri o Instagram pelo celular, logo sendo agraciado por um
storie novo de Pérola. Daquela vez, sua imagem estava refletida
num espelho enorme, em alguma parte de sua casa. Ela usava um
vestido longo dourado, com um decote discreto. Elegante,
charmosa, inteligente, bonita, influente e mãe do meu filho. Tinha
alguma coisa naquela mulher que estava me deixando louco, mas eu
não podia confiar nos meus sentimentos diante da situação.
​Fiquei meia hora refletindo, olhando para aquela foto. A inércia
ainda fazia parte do meu sistema. Foi difícil demais deixá-la de lado,
mas em algum momento eu me levantei e abri o guarda-roupa,
disposto a ao menos verificar se o meu terno ainda cabia.
​Cinco minutos depois, assustei-me ao perceber que, na
verdade, a peça coube perfeitamente, e então me recordei de que
aquele terno antigo estava bastante apertado em mim antes do
acidente; eu o havia comprado quando me formei em Enfermagem.
Como quase nunca o utilizava, nada fizera a respeito.
​A minha imagem diante do espelho não estava nada mal,
porém foi só dar o primeiro passo e a pequena autoestima recém-
recuperada escapou entre os meus dedos. Pérola nunca me daria
bola estando manco daquele jeito. Nervoso, sentei-me na cama todo
vestido, olhando para o chão e quebrando a cabeça de tanto pensar.
​Eu não sabia o que fazer.
​Após alguns minutos de pensamentos autodestrutivos, ergui o
rosto na direção do espelho e senti pena do cara triste que me
olhava de volta. Prendi os lábios e, decidido, levantei-me para
procurar os sapatos especiais, que me ajudavam no caminhar.
Se eu me concentrasse o suficiente, talvez Pérola Leblanc não
percebesse a falha.
Capítulo 5
Pérola
​Era a primeira vez que eu me ausentava de casa para ir a uma
festa à noite desde que Matteo nasceu. Confesso que estava
nervosa, fazendo milhões de recomendações para Telma, a babá. Ela
era meio enrolada e, apesar de a casa toda estar rodeada de
câmeras de segurança, ainda não confiava totalmente, sobretudo
para deixar o meu filho em suas mãos durante uma noite inteira,
sem a presença de Jacinta ou Taciana.
​A maternidade havia me transformado numa maluca medrosa.
Matteo não dava tanto trabalho quanto o esperado, mas tinha dias
que eram cansativos porque eu precisava me dedicar à empresa
também, e fazer isso com um bebê a tiracolo era ainda mais corrido.
Às vezes me achava uma mãe péssima. Em outras, considerava-me
alguém que estava tentando, fazendo o seu melhor. Mas quase
sempre eu me enchia de caraminholas e não conseguia raciocinar
direito.
​Matteo era o meu tesouro mais precioso, e só de pensar em
cometer qualquer falha, eu já ficava à beira do surto.
​— O leite do peito está na geladeira! — avisei a Telma,
tentando encontrar minha bolsa dourada em alguma parte da sala,
onde eu achava que a tinha deixado.
A babá assentiu. Eu tinha ciência de que já havia dado aquela
informação umas cinco vezes.
— Por favor, me ligue diante de qualquer dificuldade —
aquela também era uma recomendação repetida.
— Pode deixar, senhora. Não se preocupe. Divirta-se!
Encarei-a, fazendo uma expressão irônica. Era pouco provável
que me divertisse durante uma enfadonha festa de revista. Um
bando de gente famosa, mesquinha e interesseira em poucos metros
quadrados, conversando sobre posses e demais baboseiras que
pouco me importavam. Porém, eu não podia faltar, pois seria a
homenageada da noite e fariam a revelação da capa da edição do
mês, onde meu rosto estava estampado.
Sentia orgulho por aquela conquista, apesar de tudo.
Infelizmente, o meu pai estava fora do país e a minha mãe
retornara para suas viagens no mês passado, depois de ter ficado
comigo durante quase a licença maternidade inteira. Foram tempos
difíceis, mas por incrível que pudesse parecer, ela me ajudou muito
com dicas e foi um diferencial para que eu me acalmasse em
momentos que certamente surtaria. Matteo passou por um período
em que teve muitas cólicas e eu chorava copiosamente toda vez que
percebia que ele estava sofrendo. Foi Miranda que me encheu de
tranquilidade e deu conta do recado.
O meu motorista me levou para o enorme e luxuoso salão de
festas, dentro de um museu belíssimo, onde aconteceria a tal festa,
com direito a tapete vermelho e centenas de fotógrafos na frente.
Os meus seguranças me acompanharam durante o caminho até a
entrada do salão. Fiz algumas pausas para fotos, como o cerimonial
solicitava, abrindo um sorriso ensaiado e me achando um tanto
esquisita por causa da aglomeração ao meu redor.
Não estava acostumada com aquilo. Preferia ficar rodeada de
empresários em reuniões infindáveis, não de fotógrafos loucos para
saberem quem assinava o meu vestido, cabelo e maquiagem. Aquele
mundo não me pertencia, mas, pelo visto, teria que lidar com ele.
Meu trabalho e influência estavam alcançando níveis maiores.
Adentrei a imensa estrutura dourada do museu. Era tudo
muito lindo e brilhoso, com acabamentos magníficos. Logo fui
recebida pelos diretores da revista e o pessoal do gerenciamento.
Foi um turbilhão de fotos, congratulações e demais conversas
superficiais, feitas com sorridos falsos muito abertos e uma
educação exagerada. Naquele instante, prometi a mim mesma que
ficaria ali o mínimo de tempo possível, o suficiente para não ser
considerada indelicada, depois arranjaria uma desculpa qualquer e
cairia fora.
Peguei uma taça de champanhe com um garçom e bebi um
gole generoso. Como havia tirado leite do peito para armazenar pela
primeira vez, pude, enfim, beber alguma coisa alcóolica. Fazia muito
tempo que não me dava esse prazer. O líquido entrou como mil
estrelas explodindo no céu da minha boca. Estava delicioso.
— À meia-noite faremos as apresentações no palco — uma
das diretoras falou, sorrindo elegantemente para mim. Continuei
animada por fora, mas por dentro estava entediada. Ainda não eram
onze horas da noite. — Enquanto isso, aproveite a festa, Pérola.
Bem que tentei aproveitar, mas, além de estar preocupada
com Matteo, conferindo a cada minuto o meu celular, não conhecia
muita gente, apenas um empresário ou outro, gente esnobe que eu
não fazia questão de aprofundar qualquer conversa. Foi por isso que
me senti sozinha e resolvi explorar o museu, percebendo que muitas
pessoas estavam fazendo isso.
Andei entre as esculturas, pinturas e materiais protegidos por
caixas de vidro de aparência pesada. Havia joias antigas, cartas,
objetos e muita coisa preciosa, com um valor histórico imensurável.
Por ali alguns garçons passavam de vez em quando, portanto
consegui trocar a taça e senti que não precisava de nada mais para
me divertir.
Fui andando até alcançar uma grande escadaria. Não sabia o
que havia lá em cima, mas percebi que algumas pessoas tinham
subido e conversavam aos cochichos, sinal de que só podia haver
algo muito interessante. Curiosa, subi os degraus, mas quando
estava perto de chegar, a barra do vestido se enroscou com o salto
fino da sandália dourada e o resultado foi o meu total desequilíbrio.
Apesar de estar com a mão sobre o corrimão dourado, não o
estava segurando de fato, então não consegui evitar a queda. Meu
corpo se projetou para trás e, enquanto lutava para me recuperar,
desci um, dois e três degraus, até não conseguir mais apoio algum e
simplesmente despencar. Contudo, antes que me estatelasse no
chão e começasse a rolar feito uma bola desgovernada, uma mão
grande me amparou na cintura e percebi que havia um cara atrás de
mim.
Com o choque, despencamos mais alguns degraus para trás,
até que finalmente ele conseguiu usar a outra mão para segurar o
corrimão e nós dois paramos antes que um acidente maior nos
acontecesse. De uma forma difícil de entender, o conteúdo da minha
taça foi parar bem na cara dele.
— Ai, meu Deus! — berrei. — Meu Deus, me perdoe! Eu me
desequilibrei!
Eu não sabia ao certo o que fazer. Enquanto tentava arranjar
um jeito de limpar o seu rosto, mas sem tocar num desconhecido, o
que era impossível, o homem olhava para a mão que havia nos
salvado e começou a mexê-la diante de seu rosto. Percebi que os
dedos abriam totalmente, mas só fechavam até a metade.
— Machucou? Mil perdões, moço.
Finalmente ele saiu do estado momentâneo de confusão.
— Não, não... Tudo bem, não foi nada.
Ele ainda olhou para baixo, creio que conferindo se estava
intacto mesmo. Depois, ergueu o rosto e passou um tempão me
encarando. Era como se nenhum dos dois soubesse o que dizer ou
como agir.
— Desculpe pelo seu rosto — encolhi a mão que segurava a
taça. Por sorte, ela não tinha se espatifado no chão e feito uma
meleca na escadaria. Aquele meu mico poderia ter sido pior.
— Ao menos o seu continua perfeito — murmurou e sorriu.
Fingi que não escutei aquele pequeno flerte. — Você é Pérola
Leblanc, não é? A homenageada da noite?
Assenti.
— Pois é. A pagadora de mico da noite.
O rapaz riu e eu ri junto com ele.
— Não se preocupe, uma queda na escadaria não apagaria o
seu brilho — fiz uma careta e ele pareceu desconcertado, tanto que
o rosto avermelhou um pouquinho. — Essa foi péssima, não é? Me
perdoe, não é todo dia que sou atropelado por um avião.
A nova cantada foi tão barata que voltei a rir.
— Nossa, essa foi pior ainda. Sabe, eu acho melhor você lavar
o rosto. Está começando a manchar o terno — apontei para ele.
— É verdade, só estou aqui ainda porque não sei se subo ou
desço a escadaria. Não sei onde fica o banheiro.
— Tenho a impressão de ter visto um lá embaixo. Vamos, levo
você, pois também preciso ir.
Eu sabia que não deveria dar muita bola para aquele
desconhecido, mas estava sozinha na festa e não tinha nada melhor
para fazer senão acompanhá-lo educadamente até os sanitários. Era
o mínimo que deveria fazer depois de quase ter nos causado um
acidente que poderia ser grave.
Descemos as escadas bem devagar. Na verdade, mais
devagar do que era necessário, porém o rapaz foi lento, talvez
porque estivesse com medo de se desequilibrar de novo. Aproveitei
e tomei bastante cuidado com a barra do meu vestido.
Quando alcançamos o chão, o homem continuou se
movimentando devagar, o que estranhei um pouco, mas o
acompanhei mesmo assim. Talvez tivesse machucado o pé e não
quisesse dizer para não me deixar mais envergonhada.
O nosso silêncio estava ficando perturbador.
— Você é algum jornalista? — perguntei só para não ficar
mais tempo naquele constrangimento todo.
— Na verdade, não. Sou só um cara qualquer que conseguiu
um ingresso para uma festa com gente importante.
Eu ri do seu jeito sincero. Ele abriu um sorriso para mim. Não
deixei de notar o quanto ele era bonitinho: alto, com a barba bem
aparada no mesmo tom castanho-claro dos cabelos. Os olhos eram
meio puxados e marrons, com cílios escuros e compridos. Naquele
instante estavam brilhantes, acho que refletindo as luzes do museu.
— Depende do que você considera importante — falei,
entrando no assunto. Achei legal ele não ser ninguém do meio
jornalístico ou que tivesse a ver com a revista. Era só um cara
comum, provavelmente um leitor ou fã de alguém. — Tem gente
aqui que não importa nadinha.
— Mesmo? Bem que notei isso. Achei a maioria esnobe.
— E são mesmo.
Um garçom passou por nós e deixei a minha taça sobre a sua
bandeja.
— Você parece entediada. São poucos os que abandonam
uma festa para admirar o museu.
— Estou mesmo entediada. Não conheço ninguém por aqui,
apesar de a festa ser em minha homenagem.
— Bom, agora você me conhece.
— Na verdade, não. Nem sei o seu nome — sorri.
Ele soltou uma risadinha.
— É verdade, mas podemos resolver isso — esticou a mão na
minha direção. — Diego, muito prazer.
Pensei em hesitar, mas o cara parecia realmente gente boa.
Juntei nossas mãos em um cumprimento engraçado.
— Pérola Leblanc, CEO do Grupo Leblanc. — Ele fez uma
careta que misturava desconcerto e divertimento. — O que foi?
— Você sempre se apresenta com nome, sobrenome e
profissão?
Soltei uma risada meio sem graça.
— Você tem razão, soa absolutamente esnobe. É o costume.
Vamos de novo — ergui a mão novamente e ele a pegou sem pensar
duas vezes. — Pérola.
— Muito prazer, Pérola. Sou Diego Castro, um mero
enfermeiro.
Nós dois começamos a rir.
— Sério? Enfermeiro? Que legal!
— Pois é... — não soube dizer por que, mas seu sorriso
apagou um pouco.
— Bom, agora estou mais tranquila. Em caso de outro
acidente, você vai poder me socorrer.
— Lembre-se de que sou enfermeiro, não Deus. Acho melhor
ficar longe de escadarias por um tempo.
Nós rimos juntos mais uma vez.
— Olha, o banheiro é ali — apontei para alguns metros
adiante e seguimos.
Diego entrou no banheiro masculino e eu, no feminino.
Enquanto fazia xixi e, ao mesmo tempo, conferia a câmera de
segurança do quarto de Matteo através do celular, tentei não pensar
se o rapaz que acabara de conhecer me esperaria na saída ou se
havíamos nos separado de vez. Não combinamos nada, mas
também não nos despedimos.
Na dúvida, retoquei o meu batom, borrifei perfume nos pulsos
e ajeitei os cabelos. Matteo ainda dormia calmamente, a noite era
uma criança e parecia que eu havia arranjado uma companhia
agradável. Não pretendia me envolver com ninguém, mas precisava
ser sincera comigo mesma: estava subindo pelas paredes. Fazia
tanto tempo que não transava que era capaz de dar para aquele
homem sem pensar muito.
Seria só sexo mesmo, então qualquer pau serviria. Minha
sorte era ele ser bonito e simpático.
Assim que saí do banheiro, visualizei Diego me esperando
com um sorriso aberto e duas taças de champanhe em uma só mão,
apoiadas entre seus dedos. Tão logo me aproximei, ele me ofereceu
uma delas. Demos um gole enquanto não desviamos nossos olhares
sobre o outro, naquele clima de meio flerte que era uma delícia.
— Achei que tivesse ido embora — comentei enquanto
voltávamos a andar. O homem continuou vagaroso, como se não
tivesse a menor pressa, então acabei entrando em sua velocidade.
— Sem você? Jamais. Também estou entediado nessa festa.
— E o que te faz achar que vou te tirar do tédio? Posso ser
tão entediante quanto todo mundo.
— Ah, duvido muito.
— Por quê? — questionei, jogando charme. Se até o fim da
noite Diego mantivesse o respeito e a boa conversa, eu o levaria
para a minha cama.
— Uma mulher linda e inteligente não tem como ser
entediante.
Sorri para ele depois de dar mais um gole. Não negaria minha
beleza e nem a inteligência. Embora não me envaidecesse tanto por
aquele tipo de cantada, gostava quando enxergavam além das
aparências. Se Diego tivesse mencionado apenas o fato de eu ser
linda, com certeza meu sentimento seria diferente.
— Como conseguiu o ingresso? — perguntei, mudando de
assunto. — Achei que conheceria pelo menos alguém por aqui.
— Foi um amigo meu que me deu aleatoriamente.
— E esse amigo não veio?
— Não, ele é totalmente nerd. Gosta mais de jogar
videogame do que de frequentar festas.
Nós dois rimos levemente.
— E o que te fez vir sozinho?
Diego ergueu a taça.
— Boca livre.
Soltei uma risada, pois não esperava aquela resposta sem
filtro.
— É um bom argumento.
— Nada melhor do que beber e comer de graça.
— Verdade. Pena que estou numa dieta chata depois de... —
parei. Não devia mencionar que tive um bebê recentemente, certo?
Não dava para assustá-lo se quisesse aquela transa. Por outro lado,
talvez fosse uma chance de Diego mostrar o tipo de homem que era.
— Depois da gravidez.
Ele não pareceu assustado, apenas assentiu e comentou:
— Entendo, mas não se cobre tanto assim. Você está muito
bem. Digo, seu corpo. Se me permite comentar, claro — fez uma
expressão envergonhada.
Eu estranhei completamente aquela atitude.
— Ouviu o que falei? Tive um bebê há seis meses.
Ele assentiu.
— Sim. Qual é o problema?
— Eu não sou casada.
— Que bom — ofereceu-me um olhar malicioso. — Mas não
estou entendendo seu ponto.
— Você é casado? — perguntei, curiosa e com a mente meio
confusa.
— Não.
— Tem certeza? — ergui uma sobrancelha.
Talvez ele não se importasse com aquilo porque era só mais
um homem casado que queria um pouco de diversão. Tudo bem que
eu também queria, mas não com alguém comprometido.
— Da última vez que chequei, eu não era — Diego riu. — Mas
você podia mudar isso. Quem sabe? Seria uma bela história.
Podemos contar aos netos que nos conhecemos durante um
desastre na escadaria de um museu.
— Não mesmo! — soltei uma risada diante de suas ideias
mirabolantes. Pelo seu rosto, notei que estava brincando, por isso
não levei a sério. — Não sou do tipo que se casa.
Ele fez uma careta.
— E de que tipo você é?
— Do tipo trabalhadora e mãe solteira, que não liga para
homens.
— Hum... — pareceu refletir antes de dizer: — Eu gosto.
— Ah, para, só está dizendo isso para agradar. Ninguém gosta
de mulheres independentes.
— Pois eu gosto. Na verdade, prefiro.
— Sei. Só quem gosta são aqueles caras que não fazem nada
da vida e vivem às custas delas.
Ele deixou o sorriso morrer.
— Garanto que não. Existe homem legal no mundo, sabia,
Pérola?
— Desconheço — ri com desdém, mas mudei de foco, antes
que ele se irritasse de verdade: — E qual é o seu tipo?
— Sou do tipo que se casa — piscou um olho para mim.
Não pude conter uma risada. Minha cabeça até pendeu para
trás.
Eu estava relaxada devido ao álcool e ao clima descontraído.
— Então suponho que você não é do tipo que dorme com
mulheres desconhecidas que encontra aleatoriamente numa festa
elegante, certo?
Ele abriu bem os olhos, parecendo surpreso e realmente
chocado. Às vezes eu causava esse efeito nos homens, pois sempre
fui muito prática e direta. Quando queria sexo, a pessoa que eu
escolhia ficava sabendo com bastante rapidez. Odiava rodeios e
joguinhos.
— E-Eu... — gaguejou, mas não pude ouvir a sua resposta,
porque uma mulher do cerimonial se aproximou da gente e falou:
— Senhorita Leblanc, com licença. As homenagens no palco
vão começar em alguns minutos. Poderia me acompanhar, por favor?
— Claro, só um instante — virei-me na direção do Diego
enquanto a mulher se afastava um pouco, apenas para nos dar
privacidade. — Quero te encontrar após os meus compromissos.
Pode ser?
Ele assentiu, mas foi como se não acreditasse muito nisso. Eu
poderia entendê-lo. Os caras costumavam agir como se eu fosse o
maior troféu do século. Ganhá-lo sem esforço algum deveria ser um
acontecimento e tanto.
Como se quisesse confirmar minhas intenções, aproximei-me
de seu rosto e deixei um beijo demorado no canto de sua boca.
Diego era bem cheiroso, o que era um ótimo sinal. Estava sorrindo
maliciosamente quando me afastei.
— Não brinca comigo, Pérola Leblanc.
Sorri de volta.
— Achei que essa fosse a intenção, Diego Castro — pisquei
um olho e acompanhei a mulher rumo às enfadonhas cordialidades
da noite.
Pude até sentir um olhar provocante queimando as minhas
costas.
Capítulo 6
Diego
​ ustava a acreditar nos rumos que a noite maluca tomou.
C
Quando localizei Pérola Leblanc no meio daquela festa chata e decidi
segui-la pelo museu, a fim de acompanhar seus passos na
esperança de ter uma oportunidade para entrar em algum assunto
ameno, não imaginei que entraríamos em uma situação que poderia
ter acabado em desastre.
​Se não fosse pela minha mão ruim, a mesma que não fechava,
poderíamos estar no hospital naquele momento. Mal pude acreditar
que, diante do choque, meus dedos resolveram funcionar e
escapamos ilesos. Não conseguia nem imaginar o que seria de mim
se me envolvesse em outro acidente.
E se ela se machucasse seriamente? Como ficaria o Matteo?
​Quase não subi aquela escadaria enorme atrás dela – cheguei
perto de desistir e esperar o seu retorno. Sabia que seria um risco
grande e que eu levaria muito tempo para conseguir, mas até que
mantive um ritmo bom, ficando alguns degraus abaixo. Percebi que
lá em cima tinha uma espécie de varanda e seria uma chance para,
sei lá, tentar uma aproximação aparentemente despretensiosa.
​Não esperava que as coisas fossem dar certo naquele nível.
Pérola estava visivelmente interessada em mim, sobretudo depois
que saiu do banheiro. Parecia ter se decidido lá dentro. Jogou seu
charme, ofereceu-me olhares carregados de malícia e, por fim, foi
direta ao perguntar se eu era do tipo que dormia com desconhecidas
em festas como aquela.
​ inceramente, não soube o que responder. Claro que eu
S
transaria com ela, a mulher era uma beldade e me causava fascínio.
Vê-la pessoalmente era ainda melhor do que através das fotografias.
Era ainda mais linda observada ao vivo. Possuía um porte elegante,
sabia conversar, não parecia metida – como eu imaginava – e
tomava sua bebida de um jeito muito sexy.
​No entanto, eu ainda estava inseguro com relação ao sexo.
Como dormir com alguém como ela depois de passar tanto tempo
sem ter ninguém? Eu não sabia de que maneira meu pau ia se
comportar. Meus movimentos estavam reduzidos. Havia a ausência
de um saco, meu corpo não estava nada atlético e claro que ela
notaria meus tantos defeitos. Se eu fosse péssimo na cama, com
certeza perderia todas as minhas chances com Pérola Leblanc.
​Estava desesperado.
​Sem saber o que fazer, saquei o meu celular do bolso e liguei
para o Ricardo. Ele era doido, mas eu estava perdido e precisava de
alguma luz no fim do túnel.
Mal meu amigo atendeu e fui logo falando:
​— Ela quer transar comigo, brother.
​— Hã? Quem?
​— Pérola Leblanc. Ainda estou tentando entender como isso foi
acontecer, mas começamos a conversar e ela está me dando bola.
Quer que a gente se encontre depois das coisas que ela tem pra
fazer aqui na festa. O que eu faço?
​Ricardo soltou uma risada.
​— Ué, como assim, “o que eu faço”? Quer que eu te ensine a
comer mulher? Mano, você tá sem um ovo ou sem juízo? Abre as
pernas dela e enfia a pica, porra!
​Revirei os olhos, já arrependido de ter feito aquela ligação.
Claro que Ricardo só iria me zoar e falar daquele jeito sujo.
​— Se eu não der conta do recado, estarei fodido — ainda tentei
explicar o meu ponto. — Eu nem sei mais como se transa, caralho.
Acho que vou inventar uma desculpa para ganhar tempo. Trocar
telefones e tal... Fazer tudo com mais calma.
​— Tempo? Acha que vai ter outra chance com a gostosa? A
mina é ocupada, se deixar ela pensar melhor, capaz de você nunca
mais vê-la de novo. Não perca essa oportunidade, Diego, está me
entendendo?
​— Mano, eu...
​— Qualquer coisa, passa numa farmácia e toma a azulzinha.
Ou mete a língua nela. Mulher gosta de oral bem dado. Porra,
aproveita!
​— Tá bom, eu vou pensar. Falou!
​Desliguei antes que ele falasse mais besteiras. Eu sabia que
Ricardo tinha razão, eu não devia perder aquela chance única, mas
estava nervoso e, toda vez que pensava a respeito, minhas pernas
ficavam bambas.
Foi mancando para cacete que retornei ao salão e me
posicionei para ver o que estava acontecendo no palco.
​Eu me enchi de orgulho e admiração quando a dona da revista,
após falar sobre a nova edição demoradamente, fez uma breve
apresentação da homenageada da noite e todos a aplaudiram com
euforia. Pérola caminhou pelo palco como se flutuasse. Estava toda
brilhante por causa das luzes dos holofotes sobre o seu vestido
dourado.
Linda demais. Uma deusa perfeita.
​O seu discurso foi acalorado e com foco nas mulheres do
mundo corporativo. Ela tinha uma retórica impecável. Nem parecia a
mesma mulher despreocupada de minutos atrás. Pérola falou sobre
empoderamento feminino, mulheres empreendedoras e diversos
conteúdos importantes e muito atuais, que no final lhe renderam
uma demorada salva de palmas. Ela foi ovacionada em toda a sua
glória quando a capa, enfim, foi revelada em um imenso telão atrás
de si.
​Depois, ela saiu do palco e as apresentações e homenagens
duraram por bastante tempo. Achei que era o meu momento de
procurá-la. Andei por toda parte, mas como estava em uma
velocidade ridícula, demorei muito tempo para dar uma volta no
salão e constatar que Pérola não estava em parte alguma.
​Comecei a ficar ainda mais nervoso. Será que ela estava
mesmo brincando comigo? Tinha reais intenções de um reencontro?
Eu não sabia, mas estava disposto a não ir embora até que ficasse
claro. Peguei outra taça de champanhe e tomei rápido, em poucos
goles. Talvez me ajudasse a relaxar e andar mais rápido à sua
procura.
​Uma hora de martírio depois, um homem uniformizado se
colocou na minha frente.
​— Diego Castro?
​— Sim? — franzi o cenho, confuso. Como aquele cara sabia o
meu nome?
​— A senhorita Leblanc o aguarda no estacionamento dos
fundos. Pode me acompanhar?
​Abri bem os olhos, em pleno choque. Então era daquela forma
que gente rica marcava encontro? Eu não fazia ideia, mas estava
admirado, tanto que mal consegui falar.
​— C-Claro.
​O homem começou a andar muito rápido e foi difícil
acompanhá-lo sem esbarrar nas pessoas que circulavam pelo salão.
Atravessamos a área da festa e passamos por uma porta reservada
para funcionários, que dava para um corredor amplo. Havia pessoas
da produção do evento andando por toda parte.
​Viramos no corredor à esquerda, depois à direita e descemos
algumas escadarias. Após outra porta, alcançamos um enorme
estacionamento subterrâneo. Havia uma Lamborghini SUV prateada
estacionada do outro lado. O cara caminhou e abriu a porta daquele
carro impressionante para mim. Não pensei duas vezes antes de
adentrar e dar de cara com Pérola Leblanc.
Ela sorria de orelha a orelha.
​— Acha correto entrar em um carro desconhecido, Diego? E se
fosse sequestro?
​Sorri.
​— É uma Lamborghini, Pérola. O dinheiro do meu resgate não
cobriria nem o valor do carro.
​Ela riu com a cabeça levemente para trás.
​A porta foi fechada ao meu lado e o motorista deu partida sem
pedir opinião a ninguém.
​— Olha o que capturei pra gente — ela ergueu as duas mãos,
mostrando uma garrafa de champanhe e duas taças.
​ Não foi bem uma captura, foi? — fiz uma expressão

engraçada.
​— Na verdade, foi uma espécie de roubo educado. Peguei da
bandeja de um garçom e ele nada comentou — ela me entregou
uma taça e a serviu até a borda.
​— Posso entendê-lo. Não dá para raciocinar muito com você
por perto.
​— Ah, é? Eu te deixo sem raciocínio?
​Ela se serviu também e apoiou a garrafa num aparato chique
ligado aos bancos.
​— Com toda certeza — juntamos nossas taças.
​Eu parecia tranquilo e relaxado, mas a verdade era que o meu
coração batia tão rápido dentro da caixa torácica que eu mal podia
respirar. Estava prestes a entrar em parafuso, por isso dei um gole
enorme na bebida. Passei despercebido porque Pérola também foi
generosa na quantidade ingerida.
​— Para onde vamos? — questionei, escondendo o nervosismo.
Era óbvio que a gente ia transar e eu não precisei tomar
qualquer decisão a respeito disso. Pérola me encontrou, me
“capturou” e pronto, assunto encerrado.
​— A um lugar com privacidade.
​— Hum... Você sempre sequestra as pessoas assim?
​— Serei julgada por isso? — fez uma expressão esquisita.
​— Claro que não, fique tranquila. Acho que tenho Síndrome de
Estocolmo, de qualquer forma.
​Ela soltou uma gargalhada. Pelo menos eu a estava fazendo rir.
Só me restava arranjar um jeito de fazê-la gozar a ponto de querer
repetir a dose. Estava ciente de que eu não deveria ser uma transa
mais ou menos na vida dela. Precisava ser uma baita noite de sexo.
Aquilo estava me enlouquecendo.
​— Espero que não seja um problema para você passar um
tempo em minha companhia — ela disse.
​— Claro que não. Eu que espero ser uma companhia à sua
altura.
​Pérola me olhou com malícia.
​ Por sinal, adorei o seu discurso — continuei, enquanto ela

apenas me olhava. Em ocasiões normais talvez eu já tivesse tomado
a iniciativa para beijá-la, mas não pude. Eu não estava conseguindo
avançar. — Foi perfeito. Você tem um jeito único de lidar com o
público. Nunca me senti tão envolvido num discurso antes, até
desejei ser uma mulher empreendedora.
​Nós dois rimos.
​— Ah... Obrigada — ela abanou com uma mão.
​— É sério. Achei incrível. Você é incrível, aliás.
​Pérola não agradeceu novamente, apenas ficou me olhando e
mais uma vez contive o ímpeto de avançar o sinal. Estava louco para
beijá-la e cheio de tesão acumulado, mas o medo me paralisava
mais do que eu gostaria.
Tomei outro gole generoso do champanhe.
​De repente, Pérola segurou a minha mão ruim, que estava
livre, e começou a passar seus dedos entre os meus. Tentei
acompanhar o gesto, apenas a observando enquanto o clima
claramente se fechava ao nosso redor. Ela queria que eu fosse
adiante, mas se partisse para cima acabaria morrendo de ataque
fulminante no miocárdio.
Para disfarçar, tomei mais um gole.
​Mal acreditava no quanto ela estava na minha. Sinceramente,
achei que passaria despercebido. Ela me considerou uma pessoa
apta para ocupar a sua cama com uma rapidez impressionante. E ela
sabia bem o que queria: estava estampado em sua testa, escrito em
seu olhar hipnotizante.
​— Pérola, Pérola... — murmurei.
​— O que eu fiz dessa vez? — sorriu.
​Falei baixo:
​— Algo me diz que não vou sobreviver a esta noite.
​— Não se preocupe, não vai doer — ela murmurou perto do
meu ouvido. Senti um arrepio delicioso me atravessar da cabeça aos
pés. Em poucos segundos, o meu pau deu sinal de vida.
​Menos mal. Provavelmente eu não brocharia.
​— O que vai fazer comigo?
​ Nada que você não queira, Diego Castro — sussurrou em

resposta, provocando-me mais um arrepio.
​Eu estava chocado com o quanto ela era decidida. Pérola tinha
uma força, um mistério e, ao mesmo tempo, uma transparência
assustadora. Estava sendo uma agradável surpresa. Nunca poderia
imaginar que possuísse aquela personalidade que muito me atraía.
​Passamos alguns minutos naquele jogo de sedução guiado por
frases de duplo sentido, sussurradas de ouvido para ouvido. Estava
quase cedendo aos seus encantos quando o carro parou de vez. Já
estávamos dentro de outro estacionamento. Eu não fazia ideia de
como havíamos parado ali, menos ainda de qual era o bairro.
​— Vamos? — Pérola soltou o convite.
​O motorista saiu do veículo e abriu a porta de trás para que
nós pudéssemos descer. Deixamos as taças vazias para trás.
Eu não estava acostumado com aquele tratamento, mas
Pérola parecia bastante familiarizada. Caminhamos pelo
estacionamento até a área onde ficavam os elevadores. Dava para
perceber que estávamos em um prédio luxuoso, a tirar pela beleza
da estrutura e pelos carros caríssimos enfileirados.
​Pérola apertou o botão do elevador e esperamos em silêncio.
Ele chegou depressa, creio que pela hora avançada. Entramos lado a
lado, ainda muito quietos.
​Foi só as portas se fecharem que começamos a nos olhar como
se quiséssemos comer um ao outro. Eu não consegui me segurar e
seria um louco se me controlasse mais. Sendo assim, apenas a
empurrei na direção da face espelhada e tomei os seus lábios sem
receio, deixando que, finalmente, todo aquele desejo explodisse.
​Fazia tanto tempo que eu não beijava ninguém que até me
espantei. Havia me esquecido do quanto era bom.
Com o corpo colado ao seu, segurei sua cintura com a mão
boa e, com a ruim, apoiei seu rosto contra o meu. O beijo não foi
nada lento; havia uma constância agitada que misturava nossas
línguas em posições deliciosas.
​O meu pau ficou tão duro que queria escapar dentro da calça.
Esfreguei-o no ventre de Pérola, que começou a se contorcer e
ofegar na minha boca. Suas mãos tomaram os meus cabelos recém-
cortados, puxando-me mais para si. Que mulher! Ela era um pedaço
de tesão em forma de gente.
​Só precisamos parar com o beijo quando o elevador apitou e as
portas abriram. Ofegantes, ela me puxou pela mão até o hall e
digitou um código na porta eletrônica, que se abriu logo em seguida.
Não consegui ver o apartamento dela direito. Pérola se jogou em
meus braços de qualquer jeito e retomou aquele beijo gostoso e
quente.
​Não pensei em nada enquanto ela me arrastava para trás.
Saímos carimbando as paredes em um amasso surreal, com direito a
gemidos, ofegos e um desejo que prometia nos levar às nuvens. Ela
me jogou contra uma parede e retirou o meu terno, por isso comecei
a ficar nervoso. Seus dedos longos passaram a desabotoar a camisa
por baixo e a gravata foi alargada.
​Ela tomou a iniciativa de percorrer os lábios pelo meu peitoral
exposto. Fiquei meio envergonhado por me exibir tão magro. Senti
que ela desceria mais, porém não deixei. Apesar de muito excitado,
não sabia como seria sua reação diante do meu, como dizia Ricardo,
mono-ovo. Foi por isso que a ergui em meus braços e caminhei por
um corredor até ela apontar para uma porta adiante, que já estava
aberta.
​Entramos em um quarto que parecia pertencer a uma loja de
móveis, mas não me atentei a qualquer detalhe. Não conseguiria
sequer distinguir a cor da decoração. Eu simplesmente a joguei
sobre a cama e coloquei meu corpo por cima, tendo-a por inteira em
meus domínios. Porra! Como eu estava com saudade de uma boa
trepada.
​Pérola abaixou a mão para massagear o meu pau e soltei um
gemido.
​— Hum... Vejo que estou com sorte — comentou entre um riso
safado e outro.
​Modéstia à parte, meu pau não era pequeno.
​— O sortudo aqui sou eu — falei em seguida, em um tom baixo
e rouco.
​Eu me sentia meio perdido diante dela, mas a luz apagada
facilitou. Daria para disfarçar minhas deficiências e cicatrizes.
Estávamos numa penumbra aconchegante, apenas as luzes que
vinham da janela e do corredor surgiam parcamente dentro do
quarto.
​Disposto a lhe dar tudo o que tanto queria, virei-a com a
barriga para o colchão e comecei a esfregar a ereção na sua bunda,
enquanto puxava seu cabelo com a mão boa e distribuía beijos e
mordidas em seu pescoço e orelha, descendo pelos ombros. Pérola
começou a gemer mais alto e tomei a liberdade de erguer o seu
vestido.
​Quase desfaleci quando enxerguei uma calcinha pequena,
composta de um único fio atravessando seu rabo farto, delicioso.
Dei-lhe um tapa com força calculada e ela soltou outro gemido sobre
os lençóis. Aproveitei aquela posição e me ergui um pouco para
tentar abrir o vestido. A minha mão ruim naturalmente não
conseguiu, por isso me apoiei no cotovelo para usar a boa.
Felizmente, consegui abaixar o zíper do tecido dourado até o fim de
sua coluna.
​Pérola era linda por trás tanto quanto era pela frente.
​Eu estava louco por aqueles cabelos longos espalhados por
toda parte, pela bunda empinada e a pele extremamente macia e
cheirosa. Guiei meus dedos, junto com meus lábios, ao longo de sua
retaguarda, até dar uma mordida naqueles glúteos perfeitos. Pérola
gritou e, então, eu a virei de frente. Queria olhar em seus olhos
enquanto explorasse a parte anterior.
​Desci as alças de seu vestido e um par de seios enormes
surgiu. Pérola estava usando uma espécie de sutiã que colava nos
mamilos, um modelo diferente e engraçado. Ela retirou o que
parecia ser um plástico e, com cuidado, colocou ao lado dois
pedacinhos de tecido redondos que protegiam seus bicos.
​— Cuidado. Ainda estou amamentando.
​— Pois hoje o bezerro serei eu — resmunguei, sorrindo, e ela
riu em resposta. Parou para gemer quando meus lábios tomaram um
bico intumescido. Por mais que tivesse brincado, evitei sugá-los, pois
seria como tirar o alimento do meu próprio filho.
​Lembrar-me dele me fez enrijecer e parar de lambê-la.
​ Não precisa, Diego — Pérola murmurou, afastando-me de

seu seio. — Deve ser estranho. Pode deixá-los quietos.
​— Não está estranho para mim — sussurrei, olhando-a nos
olhos. — Mas se não se sentir à vontade, eu paro.
​— Prefiro que desça mais... — ela levou uma mão para a
própria boceta, atiçando-a por cima da calcinha fina. — Que desça
logo.
​— Não precisa pedir duas vezes — avisei e, diante de seu
sorriso, esgueirei-me para lhe oferecer o que tanto queria.
​Ricardo tinha razão naquele ponto, eu precisava fazer um bom
oral em Pérola. Se todo o resto fosse mais ou menos, ao menos a
minha língua precisava funcionar.
​Foi com muita sede ao pote que meti a cara entre as suas
pernas e comecei a atiçá-la. Primeiro foi por cima da calcinha,
depois a afastei para o lado e cheirei profundamente seu odor
característico. Pérola começou a se contorcer, ansiosa. Usei a mão
ruim, já que a outra me apoiava, para resvalar meus dedos em sua
fenda umedecida e ela gemeu o meu nome.
​Fiquei tão louco com aquilo que simplesmente caí de boca, sem
mais delongas. Pérola estava tão molhada que foi difícil respirar, mas
não parei por nada. Eu precisava ser bom. Antes do acidente, havia
chupado um monte de vaginas e nunca recebi reclamações, mas era
como se eu estivesse vivendo outra vida naquele momento.
Pouca coisa do velho Diego tinha permanecido.
​— Ah... Isso! — Pérola passou a gritar de verdade. — Assim!
​Ergui o meu olhar para vê-la se contorcer toda e fazer caretas
que só me deixaram mais louco. Queria que ela gozasse. Na
verdade, precisava fazê-la gozar.
​Enfiei um dedo para me ajudar no processo. Pérola berrou,
mas me acolheu com ânsia, passando a se agitar mais abaixo de
mim. Usei o meu peso para deixar suas pernas bem abertas e a
chupei com tanta constância e vontade, enquanto tentava ritmar
com o movimento do dedo intrometido, que ela, enfim, começou a
gozar ruidosamente.
​A mulher gritou tanto que temi que Matteo acordasse.
​ pensamento fez com que eu me desse conta de que
O
poderíamos não estar sozinhos. Ou melhor, que eu poderia estar
mais perto do meu filho do que esperava. Eu não sabia se estava
pronto para lidar com aquele encontro. Conhecer Pérola era uma
coisa, mas conhecer Matteo Leblanc seria uma emoção sem
tamanho.
​Antes que eu pudesse raciocinar, aquela mulher decidida me
puxou pelos cabelos e precisei me colocar sobre ela de novo.
​— Agora quero que você me coma com gosto — arquejou, toda
safada e ofegante pelo recém-orgasmo. Sua mão atravessou o cós
da minha calça e alcançou por cima da cueca. Ela remexeu meu
membro duro feito pedra como se soubesse perfeitamente o que
estava fazendo. — Enfie esse pauzão inteirinho em mim.
​A mulher era uma máquina.
​— Com prazer, gostosa — falei, porque era a única resposta
possível. Os meus hormônios não aceitariam qualquer outra. — Vou
te comer todinha.
​Eu estava prestes a arrancar a calça quando um celular
começou a tocar. Pelo toque, constatei que não era o meu.
​— Ai, minha nossa. Matteo! — Pérola praticamente me jogou
de lado e foi correndo para a sala, onde deixou sua bolsa em
qualquer canto.
​Eu me virei de barriga para cima sobre o colchão macio, fechei
os olhos e suspirei. O meu filho certamente não estava naquele
apartamento. Devia ser apenas o reduto amoroso de Pérola Leblanc.
Por um instante, senti-me uma presa fácil nas mãos da CEO.
​— A essa hora, Telma? — ouvi Pérola falando lá da sala. — Não
acredito que vai me deixar na mão — uma pausa. — Eu sei, mas...
— suspirou. — Tudo bem. Estou indo para casa. Chego em alguns
minutos.
​Soltei mais um suspiro. Ela com certeza se despediria de mim e
a nossa foda ficaria para a próxima. Toquei o meu próprio pau e
desanimei. Droga.
​Pérola acendeu a luz, dando-me o vislumbre de seu vestido
todo amassado, pois não cheguei a retirá-lo totalmente, aberto na
parte de trás. Ela tinha também os cabelos assanhados e a
maquiagem um pouco borrada.
​Eu estava sem camisa, mas ainda me encontrava seguro com a
calça.
​— Me desculpe, Diego, eu preciso ir. A babá teve um imprevisto
e vai ter que se ausentar. Não posso deixar meu bebê sozinho.
​— Tudo bem, não se preocupe. Er... — eu me levantei e me
aproximei com cuidado. — Quer que te acompanhe? Sou bom com
nenéns.
​Ela me olhou por alguns instantes, desconfiada. Chegou a
refletir um pouco a respeito daquilo, mas logo balançou a cabeça em
negativa.
​— Não, não precisa. Mas obrigada pela gentileza.
​— Tudo bem. Tudo bem — repeti mais para mim mesmo do
que para ela.
​— Meu motorista vai me deixar em casa e tem outro vindo te
buscar. Pode ser?
​Eu não sabia que precisaríamos nos separar tão cedo. Havia
algum problema em irmos no mesmo carro? Cheguei à conclusão de
que talvez ela não quisesse expor a sua residência para mim e nem
mesmo esperar para me deixarem na minha.
​— Sim, sem problemas...
​Tomei a liberdade de puxá-la para mim e lhe dar um beijo mais
calmo. Peguei o meu celular, que ainda estava no bolso da calça,
acendi a tela e o entreguei a ela.
​— Desde que me deixe seu telefone — completei.
​Pérola sorriu e ficou me olhando por alguns instantes antes de
pegar o aparelho e digitar seu número. Ponto para mim. Ao menos
poderíamos nos encontrar depois, quando eu estivesse mais
preparado, e assim terminaríamos o que havíamos começado.
​Dei mais um beijo em seus lábios depois que ela me devolveu
o celular.
​— Obrigada pelo orgasmo fantástico. Estava precisando disso.
​— O prazer foi todo meu.
​Depois daquilo, ela passou a se comportar de uma forma
estranha. Estava séria e compenetrada, muito reflexiva, e achei que
fosse preocupação com Matteo. Eu a ajudei a deixar o vestido no
lugar, em seguida nós descemos o elevador juntos, porém nada mais
aconteceu. Pérola Leblanc sequer me beijou na despedida, apenas
me abraçou, agradeceu mais uma vez e pediu desculpas pela noite
inacabada.
​Fiquei plantado no estacionamento, esperando o outro carro e
sem saber como agir dali em diante. Ainda nem acreditava que tive
Pérola seminua em uma cama de revista. Não podia crer que sua
boceta molhada esteve em minha língua minutos atrás. O gosto e o
cheiro dela ainda estavam pairando ao meu redor. O meu pau
começou a latejar diante da lembrança, pedindo socorro.
​A minha única bola certamente ficaria roxa.
Capítulo 7
Pérola
​Diego Castro foi uma grande surpresa que precisei deixar para
trás.
​ epois que o tesão amenizou por causa do orgasmo, percebi o
D
quanto havia sido imprudente. Não conhecia o cara direito, ele não
era amigo ou conhecido de ninguém ao meu entorno, e eu não sabia
absolutamente nada sobre ele além da curta conversa que tivemos.
Tudo bem que foi um papo legal e descontraído, mas mesmo assim
fui com muita sede ao pote.
​Não que tivesse me arrependido totalmente.
​Eu poderia ter uma grande decepção, mas não foi o que
aconteceu. O nosso beijo encaixou perfeitamente, como se já
estivéssemos acostumados com os lábios um do outro. Ainda assim,
foi um risco. Se ele beijasse mal eu estaria ferrada.
Contudo, Diego não apenas beijava bem como tinha uma
pegada deliciosa, e eu sabia que teríamos uma boa transa se não
fosse o imprevisto com a babá. Foi sacanagem termos nos afastado
apenas com uma chupada – e que chupada! –, pois eu queria muito
mais.
Quando cheguei à mansão, Telma já me esperava com sua
mochila nas costas e parecia aflita.
— Desculpe, dona Pérola, o meu menino mais novo está com
febre e...
— Tudo bem, Telma, pode ir — eu a cortei imediatamente.
Estava zangada por não poder contar com ela na primeira vez
que pretendia passar a noite fora. O pior era que Telma tinha marido
e dois filhos adolescentes, que podiam perfeitamente dar conta de
uma maldita febre sem que a coitada precisasse deixar o serviço
durante a madrugada.
— Boa noite, senhora.
— Boa noite.
A babá assentiu e desapareceu pela porta dos fundos, que
ficava após a despensa, por trás da ampla e moderna cozinha.
Retirei as sandálias de salto e andei de fininho até o quarto de
Matteo. Ele ainda estava dormindo dentro do berço em tons azuis e
cinza. Aquele pedacinho de amor costumava dormir a noite inteira,
geralmente só acordava uma vez para mamar e logo voltava ao
soninho.
Peguei a babá eletrônica e fui para o meu quarto, disposta a
dormir também.
Entretanto, eu havia me esquecido de que possuía um
enorme motivo para não sair de casa à noite: embora Matteo
dormisse bem, acordava cedo demais. Às quatro e meia da manhã
eu já estava feito um zumbi com ele nos braços. A criança tinha feito
o número dois e sujado absolutamente tudo que existia em seu
caminho. Eu não sabia como ele teve aquela capacidade.
​Dei um banho morno, troquei suas roupas e o levei para sala;
deitei-me no sofá com ele por cima e confesso que tirei um cochilo
enquanto Matteo mamava. Precisava me organizar para ir ao
trabalho em breve, mas estava morta com farofa. Eram naqueles
momentos que me questionava como pude ter a ideia de ser mãe
solteira sem pesar os fatos direito. Mesmo que eu tivesse bastante
ajuda da babá, ainda assim era trabalhoso.
​Acordei no susto, com a chegada de Jacinta às seis horas.
Matteo, por um milagre, tinha dormido de novo sobre o meu corpo.
Deixei-o aos cuidados dela enquanto me organizava para ir à
empresa. Era o tempo que normalmente Telma chegava também,
porém deu oito da manhã e nada de a babá aparecer.
​Nós não havíamos combinado nada sobre ela vir no dia
seguinte, então achei que só ia medicar o filho e pronto, tudo certo.
Mas não foi a notícia que recebi quando telefonei.
​— Dona Pérola, eu não vou poder comparecer hoje.
​ Seu menino ainda está com febre?

​— Não, da febre já melhorou, mas estou achando que ele está
com catarro e vou levar a um médico agora pela manhã.
​— Ah... Tudo bem — sequer questionei o porquê de ela não
trabalhar à tarde.
​Na verdade, não estava tudo bem mesmo. Naquele dia Taciana
não viria e Jacinta não daria conta de ficar o tempo todo com
Matteo. Porém, ela me garantiu que não teria problema e, como eu
já estava atrasada, deixei o moleque do jeito que estava e saí na
correria rumo à primeira reunião do dia com os acionistas.
​Obviamente, tive um dia de merda.
​Fiquei feito uma barata tonta, porque me esqueci de deixar
leite do peito e precisei atender à fome de Matteo, sem deixar de
estar presente em todas as reuniões marcadas. Levá-lo para a
empresa estava fora de cogitação e dar para o meu bebê qualquer
leite industrializado, também. No fim da tarde eu já estava exausta,
morrendo de sono e toda dolorida. Nem café tomei, porque estava
evitando devido à amamentação, então nada fiz para ao menos
tentar ficar com os olhos abertos.
​O serviço de Telma era diário e ela precisava dormir no
trabalho, ou seja, na minha casa, pois me ajudava à noite e nas
primeiras horas da manhã, mas a babá não me ligou ao longo do dia
e nem eu retornei, de tão irritada que me encontrava. Quando a
contratei, deixei claro que precisava de uma pessoa com muita
disponibilidade, mas pelo visto não adiantou nada.
Em poucos momentos me senti tão perdida, desde que
descobri sobre a gravidez, do que no instante em que Jacinta
precisou ir embora e fiquei sozinha com Matteo. Ele já estava
alimentado, vestido e limpo, mas não parava de chorar e eu não
sabia o motivo. Estava cansada em um nível absurdo, com olheiras
escondidas sob a maquiagem que fizera pela manhã. Não tive tempo
para tomar um banho e nem para me alimentar direito, e vê-lo
desesperado me encheu de angústia.
Senti-me impotente. Incapaz de criar meu filho sozinha.
Tentei dar de mamar, mas ele não quis, então culpei meu leite
misturado com o álcool ingerido na noite passada. Inventei mil
brincadeiras e nada. Liguei a televisão no canal de Youtube feito
para nenéns, o que ele adorava e ria horrores, mas não funcionou.
Eu estava apavorada. Não sabia o que estava acontecendo e logo
achei que estivesse doente. Conferi sua temperatura usando um
termômetro, mas estava normal. Comecei a fazer massagens para
ver se Matteo acalmava, caso estivesse com cólica. Em vão.
Desesperada, e sem saber o que fazer, sentei-me com ele no
sofá e simplesmente desabei. Foi até engraçado nós dois chorando
de maneira ruidosa, um olhando para o outro como se ambos
estivessem em dúvida sobre como agir. Minhas lágrimas começaram
a molhar a blusa e se juntaram com as de Matteo numa tragédia
grega pessoal.
Pensei em ligar para Miranda, mas ela estava muito longe dali
e eu não queria perturbá-la, principalmente porque já havia me
ajudado demais e ficado por bastante tempo comigo após o parto.
Era a minha vez de dar conta do meu filho, sem a ajuda de
terceiros.
Agoniada, andei pela casa com Matteo nos braços, aos
berros, procurando por alguma luz no fim do túnel. Entrei na suíte
com as lágrimas ainda rolando em meu rosto, furiosas e
descontentes, e quando avistei a banheira, resolvi enchê-la com
água morna. Voltei para o quarto e coloquei Matteo sobre a cama
para que eu pudesse tirar suas roupas e as minhas também. Mamãe
e bebê entraram juntos na água deliciosa que jorrava aos montes.
Só assim Matteo parou de chorar.
Ele ficou tão entretido com a água que pude inventar umas
brincadeiras usando as embalagens dos sais de banho, e então o
meu filho riu daquele jeito que eu amava. Matteo era muito risonho,
ao menos quando estávamos juntos. Pensar naquilo me fez perceber
o quanto o nosso tempo estava reduzido. Eu saía cedo de casa,
voltava na hora do almoço para amamentar, depois retornava para o
trabalho e às vezes chegava tarde. Basicamente, só dava de mamar
uma vez e ele caía no sono.
Aos fins de semana nós tínhamos mais tempo, porém apenas
no domingo Telma ganhava seu dia de folga e geralmente eu ia para
casa do meu pai, muitas vezes sem ele sequer estar na cidade, onde
as suas funcionárias me ajudavam com Matteo.
Mais uma vez, fui acometida por pensamentos nada
agradáveis. Todos os dias eu ficava refletindo sobre o meu filho não
ter um pai, e sobre aquela família em que o meti: uma viciada em
trabalho que não tinha tempo para ele, um avô com negócios no
mundo inteiro e uma avó aventureira. Será que Matteo Leblanc seria
feliz?
Quais traumas guardaria ao longo de sua vida?
Será que me culparia por essa escolha? Eu podia, se fechasse
os olhos, vê-lo me xingando, adolescente, e apontando um dedo na
minha cara.
Eu já estava me sentindo culpada. Ao mesmo tempo, sentia-
me feliz toda vez que ele soltava aquela risada gostosa, que me
fazia rir junto. Às vezes tudo fazia sentido e parecia certo; eram
momentos que ajudavam a equilibrar minhas emoções a respeito de
tudo. Eu o amava tanto que queria apenas o seu melhor, só que, na
maioria das vezes, uma mãe não faz ideia do que é melhor nem para
si mesma.
Depois de um tempo recheado de brincadeiras na banheira,
em que me sentia parcialmente aliviada, escutei o meu celular tocar
dentro do quarto, porém ignorei o toque. Não resolveria nada que
tivesse a ver com trabalho àquela hora da noite.
— Vamos, Matt? — falei baixinho para o bebê que nem
parecia ter chorado as pitangas minutos atrás. — Você precisa se
acalmar e dormir. Está bem? Promete que não vai me deixar louca?
Ele respondeu apenas com barulhinhos fofos de neném que
ainda não sabia falar, mas que ao menos tentava.
Eu nos enrolei em uma toalha grande e fui nos enxugando
aos poucos. Estava tão cansada que me deitei ao lado dele na cama,
e Matteo, superesperto, engatinhou até encontrar o meu peito.
Começou a mamar assim, do nada. Abri um sorriso e o aconcheguei
em meus braços, aproveitando para deitar de forma mais confortável
também.
O meu celular voltou a tocar sobre a cabeceira e temi que
desconcentrasse Matteo, por isso o peguei e atendi sem ver de
quem se tratava.
— Alô? — falei baixo, de forma quase sussurrada.
— Pérola Leblanc, a CEO? — Eu conhecia aquela voz.
— Diego Castro?
Abri um sorriso meio idiota.
— Achei que não fosse me atender. Já estava aqui pensando
besteira.
— Que tipo de besteira? — questionei, soltando um risinho.
Matteo estava com os olhos fechados e parecia que dormiria,
enfim.
— Sei lá, que talvez tivesse algo errado com a minha língua
— ele disse, daquele jeito sincero, direto e, ao mesmo tempo,
engraçado.
Soltei uma risada sacana.
— Ah, mas há, sim, algo errado com a sua língua — prendi os
lábios e fiz uma careta safada antes de concluir: — Minha boceta
não está nela.
— Nossa! — ouvi um arquejo do outro lado da linha. Acho
que Diego não estava acostumado com uma abordagem tão clara. —
A gente pode resolver isso rapidinho. Tem algum compromisso essa
noite?
Diego parecia bastante ansioso. De repente, eu também
estava, porém apenas uma curta olhada para Matteo me fez apagar
o fogo que ameaçava se espalhar pelo meu corpo até se tornar uma
necessidade ser apagado por aquele homem semidesconhecido.
— Na verdade, sim. Desculpe. Ainda estou sem babá.
— Hum... Entendo.
— Pois é.
Ficamos alguns segundos em silêncio, o que começou a me
incomodar. Acredito que ele também ficou desconcertado, porque
logo o quebrou:
— Se você quiser, posso ficar aí contigo. A gente vigia o
neném enquanto... Er...
Eu ri um pouco do seu desconcerto.
Diego se calou, e quase pude visualizar seu rosto
envergonhado.
— Bom, eu... — olhei novamente para Matteo. Por um raio de
segundo, quase permiti que Diego viesse. Eu estava precisando
urgentemente de sexo bem feito. Embora cansada, a companhia de
alguém seria bem-vinda, sobretudo porque há pouco tempo eu tinha
passado por um sentimento muito forte de solidão. — Sabe, Diego,
ficar com você foi divertido, mas... Eu acho que não vai rolar.
— Tudo bem, outro dia marcamos algum rolê.
— Não, desculpe, deixe que eu me explique melhor. Acho que
não devemos nos encontrar de novo — defini, usando o mesmo
timbre sério que utilizava nas reuniões difíceis. Era um tom formal,
impessoal e taxativo. — Sei que nos divertimos, foi bom e fiquei te
devendo um orgasmo, mas a minha vida está de cabeça para baixo.
Mal estou tendo tempo para o meu filho, então creio que seja
melhor esquecermos o que aconteceu.
Diego ficou em silêncio.
— Foi mal — prossegui. — Realmente gostei de você. Mas
não dá, eu tenho um serzinho que depende de mim.
— E quem cuida de você, Pérola? — ele perguntou em um
tom normal. Não parecia chateado ou triste, apenas cuidadoso e
sincero.
— Ultimamente, nem eu mesma — retribuí a sinceridade.
— Por que não dar uma chance? Não quero atrapalhar,
apenas somar.
Soltei um suspiro.
— Já falei. Tenho uma criança pequena, de colo, que
necessita de cuidados o tempo todo — murmurei, percebendo que
Matteo já dormia. A sucção havia cessado e ele só estava com a
boquinha aberta ao redor do bico. — A gente podia sair algumas
vezes para transar, mas, sei lá, eu acho melhor não me preocupar
com mais nada além das coisas que já tenho que lidar. Também não
quero te usar.
Ele ficou calado por mais um tempo.
— Certo... Não se preocupe, eu a entendo — Diego continuou
soando tranquilo, o que muito me agradou. Se fosse qualquer idiota
teria falado um monte de merda. —Podemos ser amigos, então?
Soltei um riso que fez Matteo se mexer, mas logo me calei e
esperei um pouquinho para ver se acordava. Depois, murmurei:
— Não sei se é uma boa ideia. E não sei também o que
pretende com essa amizade. Já falei que não vou poder sair para
transar, menos ainda para tagarelar por aí.
— Não precisa sair para canto algum. Já estamos
tagarelando, não?
Novamente, eu ri.
— A sua intenção não era essa ao me ligar.
— Como sabe? Eu só queria ouvir a sua voz — e a dele soou
meio rouca, tão marcante que não contive um arrepio.
— Tudo bem, então. Quer falar à toa? Vou te contar como foi
o meu terrível dia e você me conta sobre o seu.
— Mas é claro! E aí a gente decide qual dia foi o pior.
Ele riu e eu acabei rindo também.
Naquela noite fui dormir quase às duas horas da manhã,
porque Diego era um falador de carteirinha, mas não um de
qualquer tipo. Ele era engraçado, irônico, inteligente e sabia ouvir.
Deu-me conselhos sobre Matteo, palavras amigas para que eu me
sentisse melhor a respeito das minhas falhas e ainda me fez rir para
caramba contando das trapalhadas dele e de seu amigo nerd.
Logo eu, que mal tinha ouvidos para ninguém, por pura
impaciência e falta de interesse, passei horas colada na conversa de
um homem que até a noite anterior não fazia ideia de que existia.
Capítulo 8
Diego
Eu estava agindo feito um adolescente bobão e não tinha a
menor pretensão de mudar o meu mais novo comportamento. Nas
duas últimas semanas falava com Pérola esporadicamente, fosse por
mensagens ou telefonemas, e aquela perspectiva me fez sair da
inércia em que me encontrava. Passei a me empenhar nas sessões
de fisioterapia e até voltei a treinar com uns alteres que tinha em
casa. A alimentação melhorou bastante, assim como minha
esperança com relação ao futuro.
Ricardo me zoava constantemente, dizendo que eu estava
apaixonado pela mãe do meu filho. Não era verdade. Ele não
entendia que minha situação ia muito mais além do que agradar
uma CEO.
Éramos apenas amigos, e isso me bastava – quer dizer, na
medida do possível, porque a mulher me dava um tesão impensável.
No entanto, ser amigo de Pérola era simples, descomplicado e me
faria ter acesso à sua casa e sua vida, se eu soubesse fazer direito,
para sempre. Se nossa relação se aprofundasse e eu me
transformasse em seu ficante, namorado, enfim, algo mais íntimo
sexualmente falando, seria mais tenso e eu poderia colocar tudo a
perder, sobretudo porque se tratava de uma mulher firme e dura na
queda quando o assunto era envolvimento.
O meu objetivo primordial era conhecer Matteo Leblanc.
Queria segurá-lo em meus braços, sentir seu cheirinho de neném e
ouvir seu riso ao vivo. Fazer parte de sua vida, de sua história e
educação, mesmo que fosse como “tio Diego” ou algo da espécie. Eu
me daria por satisfeito se o vir crescer, se tornar um homem, se
pudesse lhe dar conselhos e ajudá-lo no que precisasse. O restante
seria apenas ego.
Naquela noite, eu estava levantando peso no meu quarto,
enquanto ouvia um rock nacional show de bola, quando ouvi batidas
na porta. Sentia-me contente porque Pérola tinha me chamado para
tomar um café na manhã seguinte, o que seria um avanço e tanto
em nossa amizade, ainda que fôssemos nos encontrar em um local
público, não na sua casa, como eu tanto queria.
— Entra! — berrei, então Ricardo abriu a porta e entrou feito
um furacão.
— É a sua chance!
Ele atirou um pedaço de jornal na minha cara. Fiquei sem
entender, mas se tratava dos classificados. Coloquei os alteres no
chão e vasculhei as letras miúdas por algum tempo, até que meu
amigo revirou os olhos e apontou para um anúncio.

PROCURA-SE BABÁ
Empresária contrata funcionária discreta, com disponibilidade
de dormir no serviço de segunda a sexta. Benefícios: auxílio
moradia, plano de saúde integral, auxílio alimentação e bonificações
extras.
Salário a negociar.
Uma folga na semana.
Obrigatória experiência com bebês.
Enviar currículo para: plbaba@gmail.com

Depois de ler, franzi o cenho e, sem nada entender, encarei


Ricardo.
— Não sabia que você pretendia mudar de área — falei,
rindo.
— Não, bocó! — ele bateu na minha cabeça com o jornal. —
Esse anúncio é de Pérola Leblanc.
Abri bem os olhos e conferi novamente a folha.
— Tem certeza? Não especifica nada aqui.
— Claro que não, a mulher é um poço de discrição. Mas é
dela, sim.
Olhei para ele com certo receio.
— Como você sabe dessas coisas, Rick?
Às vezes eu tinha medo do Ricardo.
— Meu caro amigo, consigo saber tudo sobre qualquer pessoa
com poucos cliques. Estou dizendo que esse anúncio é da Pérola e
essa é a sua chance.
— Chance de quê? Ela já me falou que precisava de uma
babá. A outra a deixou na mão, nunca mais apareceu.
Ricardo se sentou na beirada da minha cama e me encarou
com malícia.
— Já que você deu pra trás e desistiu de pegar a gostosa, é a
sua chance de transformar essa amizade em uma coisa mais certa —
revirou os olhos mais uma vez, enquanto eu o olhava com a cara
feia. Ricardo já estava sabendo de todos os meus planos. — Você
está sem trabalhar, tem tempo de sobra e está doido para conhecer
Matteo.
Sentei-me ao lado dele, inerte diante daquela estratégia.
— Eu? Babá?
— E por que não? Pérola não é toda feminista? Pois quem
disse que só mulher pode ser babá? — Ricardo estava sendo irônico.
Conhecia poucos homens mais machistas do que ele, embora eu
sempre puxasse sua orelha quando exagerava.
— Que ideia de jerico! — soltei, junto com uma risada. — Eu
não tenho experiência com bebês e Pérola não confiaria em mim a
ponto de deixar seu único filho nas mãos de um homem.
Mas Ricardo já tinha seu argumento muito bem planejado:
— Você trabalhou na área pediátrica de um hospital público
por dois anos, cara, não é possível que não dê conta de um bebê
saudável e com todo suporte de gente rica. E ela botou um anúncio
no jornal, sinal de que está desesperada. Melhor que seja você do
que qualquer maluca por aí.
Balancei a cabeça em negativa,
— Isso é loucura, Ricardo. Sem chance!
— Por que não? Vocês não têm um encontro “amigável”
amanhã? — ele gesticulou as aspas, fazendo uma careta
inconformada. Ricardo ainda achava que eu deveria tentar um
romance. — Fale com ela.
— Ela não sabe sobre o acidente. Eu não contei que estou
sem trabalhar. Pérola acha que tenho plantões alguns dias na
semana.
— Pois conte, oras. Que besteira!
Dei de ombros.
— Não quero que ela ache que eu sou um desocupado.
— Porra, cara, dá um jeito de dizer sua situação. Isso é o de
menos. Ela está te curtindo, pelo que me disse, vai te entender.
— Não sei. Pérola não é do tipo que curte mentiras.
— Não foi mentira, você só omitiu um fato que te deixa
desconfortável. Isso é bobagem!
Levantei-me da cama devagar, de repente sentindo minha
perna vacilar e regredir de imediato o que tinha melhorado nas
últimas semanas.
— Não sei se sou capaz de cuidar de um bebê, cara — andei
até a janela aberta e observei a rua do alto do quinto andar. — E
não é qualquer bebê, é o meu filho. Se der merda, não sei o que...
— Para de pensar negativo, cacete! — Ricardo se levantou e
parou diante da porta aberta. — Toda vez você se autoflagela antes
de tomar uma atitude. Porra, pega uns livros de maternidade e
manda ver. Se ela não te contratar, beleza, ao menos vão continuar
sendo amigos e vida que segue!
Ele saiu do meu quarto, como sempre, deixando a porta
aberta, coisa que me irritava toda vez. Revirei os olhos e bufei.
Ricardo era um saco às vezes, mas pelo menos não havia
dúvidas de que estava tentando me ajudar.

A ideia de marcar um encontro foi depois que descobrimos, em uma


de nossas longas conversas, uma grande coincidência: no passado,
nós dois frequentávamos o mesmo local pela manhã, sem fazer ideia
da existência um do outro. Aquele café ficava perto de uma clínica
em que já trabalhei por um tempo, e também do prédio empresarial
de Pérola Leblanc. Nós tínhamos mais um fato em comum, saíamos
de casa sempre muito atrasados e sem fome, só fazíamos o
desjejum após algumas horas de serviço.
​Quando cheguei, ela já estava sentada a uma mesa, localizada
na varanda arborizada do estabelecimento, empunhando uma xícara
de café em uma das mãos e um tablet na outra. Estava vestida
como a verdadeira CEO importante que era: terno preto por cima da
blusa branca, os cabelos em um coque alto e uns óculos de grau
com armação transparente.
Pérola sorriu quando percebeu a minha aproximação,
levantando-se prontamente para me saudar. Tentei não mancar, mas
acabei dando uma leve vacilada antes de seu cheiro me invadir e
seus braços serem dispostos ao meu redor.
— Olá! — ela murmurou, animada, em seguida me deu um
beijo no canto da boca. — Como está?
Meu Deus. Nós havíamos combinado que nossa relação seria
apenas amizade, mas aquele beijo tímido, e ao mesmo tempo
provocante, queria dizer algo mais, certo? Ou eu estava
completamente desajuizado? O fato era que eu não sabia se deveria
misturar as coisas. Precisava manter o foco.
— Estou bem e você?
Nós nos separamos e ela me olhou de perto, ainda sorrindo.
— Cansada, mas bem. Vamos? — apontou para a mesa e nos
sentamos. Escolhi a cadeira de frente para ela, assim nos
manteríamos confortavelmente distantes e eu poderia conversar
analisando os seus olhos brilhantes, já que ela tirou os óculos. —
Ainda sem babá. Matteo dá mais trabalho do que imaginei e estou a
ponto de enlouquecer! — foi logo falando, parecendo realmente
exausta. Pérola guardou o tablet na bolsa e voltou sua atenção para
mim. — E você, novidades?
— Tudo igual — dei de ombros. Precisava arranjar uma forma
de tocar no assunto sem parecer invasivo ou desesperado. Pérola
não podia desconfiar de minhas intenções.
Naquele momento um garçom veio receber nossos pedidos.
Agradeci mentalmente pela valiosa pausa. Percebi que nenhuma
mesa ao nosso redor estava ocupada e estranhei, pois o café
costumava lotar pela manhã. Em uma curta avaliada, notei que
havia dois seguranças enormes vigiando, parados feito estátua, e me
perguntei se aquela mulher teria fechado a varanda só para a gente
ou era apenas uma impressão.
Quando o garçom se foi, nós nos olhando por um tempo.
Pérola, de modo claro, estava a fim de sacanagem. Podia ver como
se estivesse escrito em sua testa.
— Não faz isso, amiga — murmurei, rindo, e ela riu também.
— O que eu fiz? — fingiu estar ofendida.
— Não me olha assim. Fica difícil manter a amizade.
— Está bem, parei — e, na verdade, continuou me avaliando
com malícia. — É que você fica especialmente bonito pela manhã.
Seus olhos são claros.
Sorri, confuso e envergonhado.
— Dependendo da luz, sim.
— Lembra os de Matteo. Ele também fica com os olhos bem
amarelos no sol.
O meu rosto inteiro deve ter ficado vermelho, porque senti
que esquentou consideravelmente. Abri um sorrisão imenso, não
consegui conter a emoção e menos ainda o desconcerto. Pérola
deveria ter me achado um imbecil, mas não comentou nada, só ficou
me avaliando e sorrindo de maneira suave.
— Ele é realmente lindo, como a mãe — murmurei.
Pérola não estranhou o fato de eu já ter visto seu bebê
porque passamos a nos seguir no Instagram. Ela segurou minha
mão por cima do tampo da mesa e prendeu os lábios. Droga. Não
dava para suportar, eu queria sua boca na minha.
— Está difícil encontrar outra babá? — desconversei.
Retirei a mão suavemente, para que não se ofendesse, e
peguei uma torrada da cesta que jazia diante de nós. A mudança de
assunto foi estratégica.
— Muito. Não há ninguém de confiança. Recebi algumas
recomendações de gente confiável, mas são raras as babás com
disponibilidade de dormir no serviço.
— Entendo.
— Ainda que eu dê muitas bonificações e pague bem, elas
não querem. Eu compreendo, sabe? A pessoa meio que fica sem
vida. Pago muito bem justamente por isso.
— Realmente é complicado. A maioria tem suas famílias para
dar conta também. Você já pensou em reduzir esse horário? Talvez
permitir que a pessoa volte para casa à noite?
Pérola assentiu, mas logo em seguida soprou o ar dos
pulmões com força.
— Eu não sei o que acontece, mas ficar sozinha com Matteo
me dá nos nervos. É difícil te dizer isso... — vi quando seus olhos
marejaram. — Mas é a verdade. Toda vez me sinto uma completa
inútil.
Sem querer, acabei eu mesmo voltando a segurar sua mão
sobre a mesa. Pérola conteve as lágrimas com maestria, retornando
ao seu estado sério.
— Ei, não é assim — falei baixinho, alisando seus dedos entre
os meus. — É normal se sentir dessa forma, você é mãe de primeira
viagem.
Ela confirmou com a cabeça.
— Eu me sinto despreparada. E fico pior ainda quando
percebo essa minha incapacidade. Dou conta de inúmeras empresas
do grupo e não consigo lidar com um bebê que, na maior parte do
tempo, é bonzinho!
Não falei nada, apenas continuei a olhando com ternura. Ela
começou a trocar a atenção entre o meu rosto e a nossa pele se
encostando.
— Mas preciso me distrair. Fale sobre o seu trabalho, seu apê,
como está seu amigo?
— Ricardo está bem, doido como sempre. O apê nunca
esteve tão bagunçado, a diarista faltou essa semana e nós dois
estamos cercados como porcos.
Pérola soltou uma risada longa.
— Imagino. Dois homens morando juntos, Deus me livre —
fez o sinal da cruz de brincadeira e rimos de seu exagero. — Você
não preferia morar sozinho, não?
Dei de ombros.
— Já me acostumei. A ideia era ficarmos juntos até nos
organizarmos financeiramente, mas aí os dois ficaram até hoje,
mesmo podendo arranjar coisa melhor. Mas uma hora pretendo ter
um apartamento próprio.
Pérola assentiu. Aquele tipo de drama deveria ser um
acontecimento para ela, que tinha milhões em imóveis, pelo que
Ricardo já havia me dito.
— E o trampo? Muito cansativo? Seus plantões são em
alguma especialidade? — Prendi os lábios. Aquela era a deixa para
finalizar, de uma vez por todas, as mentiras e omissões. Bom, ao
menos uma parte delas. Refleti por algum tempo, que acabou sendo
demais, de forma que Pérola fez uma careta e questionou: — Algum
problema?
— Não, é que... Preciso te contar uma coisa delicada.
— Hum... — ela tirou a mão da minha e se colocou numa
posição defensiva. — Pode dizer — estava desconfiada em um nível
alto, fazendo meus alertas piscarem. Eu precisava escolher as
palavras certas.
— Há um ano, sofri um acidente grave — murmurei,
desviando o rosto. Odiava falar qualquer coisa sobre a tragédia que
me acometeu. Ainda me tocava muito conversar a respeito, mais do
que deveria.
— Mesmo? Como foi isso?
Não a olhei, mas pude sentir seu rosto espantado.
— Acidente de carro, bati de frente em uma árvore.
— Caraca!
— Pois é... Passei mais de um mês no hospital, por isso... Er...
— passei as mãos pela cabeça. — Meio que estraçalhei a tíbia e
ainda me recupero até hoje.
— Nossa, Diego, que merda. — Finalmente eu a olhei. Pérola
estava surpresa. — É por isso que você anda tão devagar?
Droga. Ela notou. Claro que sim, por que raios não notaria?
— Mais do que isso — voltei a desviar o rosto. — Preciso usar
sapatos especiais para não mancar tanto. Só ando devagar perto de
você para... Enfim, não queria que me visse como um deficiente.
— Ah, para, Diego! — ela me deu um tapinha na mão e
percebi que sorria. — Que besteira! Foi um acidente, poxa, com o
tempo você vai se recuperar. E eu não sou preconceituosa dessa
forma, viu?
Dei de ombros.
— Minha mão esquerda também não fecha direito — mostrei
a Pérola e ela abriu a boca um pouquinho.
— Essa foi a mão que nos salvou? — Assenti. — Por isso
naquela noite você parecia chocado! Agora entendi o motivo!
— Sim, a minha mão ruim fechou na hora certa — sorri um
pouco, porém por dentro me sentia um merda. Pior do que um
pedacinho de lixo.
Ainda pensei em contar sobre o meu saco, mas não vi
necessidade. Pérola não precisaria saber de nada. Até porque nós só
éramos amigos, ela jamais me veria nu.
— Sou grata a ela! — a mulher simplesmente a pegou entre
seus dedos e a beijou com carinho, de forma que o meu coração
errou algumas batidas. Fiquei a analisando, surpreso. — Obrigada,
mão.
Soltei uma risada desconcertada.
— Não a agradeça, ela é um dos motivos por eu estar parado
há um ano.
Pérola me olhou, daquela vez com descrença.
— Parado? Está sem trabalhar?
Balancei a cabeça, afirmando.
— Estou de licença. Com as dores e os meus movimentos
comprometidos, não dou conta de trabalhar no hospital.
— Que barra, Diego. Nossa, você está precisando de ajuda?
Conheço umas pessoas que...
— Não, tudo bem, não se preocupe comigo — eu a interrompi
antes que ficasse ainda mais envergonhado por ter confessado algo
que me deixava possesso e triste.
Naquele instante, o garçom, salvador oficial do encontro, se
aproximou, servindo-nos um café da manhã farto. Os próximos
minutos foram mais leves, para amenizar o clima. Falamos do sabor
delicioso da comida, dos tipos de café que gostávamos e entramos
em um papo agradável muito simples. Era fácil demais conversar
com Pérola Leblanc.
Quando eu já pensava que ela tinha esquecido os assuntos
difíceis, falou:
— Diego, eu quero te ajudar de alguma forma. Tem algo que
possa fazer por você?
— Não, linda, não precisa, eu...
— Você deve estar passando dificuldades. Olha, sei que a
gente se conhece há pouco tempo, mas você já deve ter percebido
que tenho dinheiro. Não seria problema algum te ajudar, somos
amigos, não somos?
— Sim, somos, mas estou bem. Recebo o valor da licença
todo mês.
— Mas tem gastos extras com medicações, exames,
fisioterapia e...
— Pérola, por favor.
Eu estava muito desconcertado. Sentia que aquele era um
momento ótimo para fazer a proposta sobre ser a babá, ou melhor, o
babá de Matteo, mas, quando sugeriu a ideia, Ricardo não contava
com a raiva que eu sentia toda vez que era visto como um incapaz.
— Desculpe — murmurou.
— Só não me veja de outra forma — resmunguei. — Não sou
um inútil.
— Não falei isso, Diego — ela realmente soou ofendida. A voz
endureceu muito. — Não te acho incapaz de nada.
Soltei um longo suspiro depois de vê-la meio irritada. Eu não
queria que se sentisse assim ao meu respeito, mas eu sequer estava
conseguindo conter minha própria irritação. Dei de ombros e
balancei a cabeça em negativa.
— Vejo que esse assunto te deixa desconfortável, então acho
melhor falarmos de outra coisa — ela disse, enfim.
— Tudo bem.
Mas o assunto não foi trocado. Em vez disso, voltamos a
comer em silêncio. O telefone de Pérola tocou e ela perdeu alguns
minutos mexendo nele, o que acabou fazendo com que eu mexesse
no meu. Havia uma mensagem de Ricardo, em caixa alta: E AÍ,
MANO, JÁ FEZ A PROPOSTA? VAI DAR CERTO, PORRA, PARA DE
ENROLAR E PENSE NO MATTEO!
Parecia que ele sabia o que estava acontecendo no encontro.
Diante de sua curiosidade e habilidade com o computador, eu não
ousaria duvidar.
Pérola largou o celular ao lado do prato e me olhou. Foi então
que puxei bastante ar para os pulmões e soltei:
— Na verdade, você pode me ajudar, sim.
Ela abriu um sorriso.
— Por favor, me diga como, será um prazer.
Refleti por alguns instantes. Eu estava nervoso, por isso
escondi as mãos trêmulas embaixo da mesa, para que ela não
percebesse.
— Estou sem trabalhar há um ano e não aguento mais ficar
em casa. Com a licença, não consigo nada oficial. Eu... Trabalhei na
área pediátrica de um hospital por dois anos, tenho... Er...
Experiência. Eu... Eu... Você sabe, eu podia, não que quisesse, mas
você imagina que eu tenho que...
— Calma, Diego. Não estou entendendo nada! — ela
começou a rir.
Pudera, comecei a falar sem pausas, vírgulas ou sentido.
— Estou interessado em ser o babá — falei, por fim.
Pérola deixou seus olhos abertos feito duas jabuticabas
maduras.
— O que?
— Sou enfermeiro, tenho experiência e muito tempo de
sobra. Eu me interessei pelo cargo — menti, forçando-me a encará-
la sem piscar.
Ela negou com a cabeça.
— Mas, Diego, eu... Não... Imaginei que... Esse cargo é
feminino.
— Qual é, Pérola, não foi você mesma que fez um discurso
sobre gêneros e empregabilidade? Não vejo problema em ser um
babá. Muitos acham que a Enfermagem é uma ocupação feminina,
pelos anos históricos que nos fizeram crer que as mulheres são
responsáveis pelo cuidado com o outro — aquela minha fala já
estava decorada. Era o meu fundamental argumento contra um
possível machismo de sua parte. — Acho isso uma grande balela,
amo o meu trabalho e, ao contrário do que muitos pensam, não sou
um possível médico frustrado que não conseguiu passar em
Medicina.
Ela piscou os olhos várias vezes.
— Eu... Não sei, Diego.
— Qual é a sua dúvida? Podemos conversar. Prometo que não
afetará a nossa amizade.
— O problema é justamente esse! Você me viu nua, é um
cara com quem saí... Não acho correto.
— Combinamos que seríamos amigos. Não precisamos
misturar as coisas.
— Como não misturar as coisas se te olho e tenho vontade de
abrir as pernas? — ela disse em total sinceridade, o que me deixou
tão constrangido quanto feliz. Caralho! — Você é sexy, Diego, ter
você em minha casa o dia todo não é uma ideia boa.
— Obrigado pela parte que me toca — sorri e ela riu, porém
estava muito espantada para sentir graça de verdade. — Mas você
precisa decidir o que quer de mim, Pérola. Se quer que a gente
fique, vamos ficar para valer. Porém, se quer apenas minha amizade,
é isso que terá.
Ela assentiu, mas parecia muito confusa.
— Sim, você tem razão, mas não achei que fosse uma coisa
tão inflexível assim.
— Foi por isso que quase me beijou quando cheguei?
Ela soprou.
— Não achei que precisasse me segurar. Eu me sinto tranquila
contigo, mas vou rever a situação.
— Ei... — segurei sua mão mais uma vez. — Não fique brava.
Você não precisa se segurar, nem antes e nem agora. Se quer me
beijar, me beije, você sabe que eu quero. Eu só preciso de um
trabalho e gostaria de te ajudar.
— Você não pode ser o babá do meu filho e o cara que beijo,
Diego.
— Por isso falei para se decidir.
— E se eu não quiser nenhum dos dois? — questionou
seriamente.
— É uma escolha sua, linda — murmurei com sinceridade,
sem desviar meu rosto de sua expressão encabulada. — Só não
quero perder sua amizade.
Pérola assentiu.
— Não perderá. Você é do bem, sinto isso aqui dentro.
Sorri para ela, contente com a nossa conexão. Também sentia
que Pérola era gentil, admirável e uma pessoa que eu podia contar
sempre. Incrível como poucos dias foram capazes de nos deixar
daquela forma. Estávamos envolvidos de alguma maneira, seja ela
qual for.
Nós nos encaramos por um bom tempo.
— Vou pensar, certo? — ela, enfim, sussurrou: — Vou pensar.
— Tudo bem.
— Não sei se hoje ou amanhã, mas vou pensar. A respeito do
trabalho e a respeito do beijo.
— Não se preocupe, uma coisa que tenho é tempo e outra
que aprendo a ter é paciência.
Pérola riu.
— Meu Deus, eu não tenho nenhum dos dois! Imagina que...
— e começou a me falar sobre as infindáveis reuniões que tinha
ainda para aquela semana.
Pérola se empolgou na conversa sobre seus negócios e achei
o máximo me aprofundar no mundo corporativo, uma área que eu
não sabia de absolutamente nada. Só que, com ela, era capaz de
falar a respeito de tudo e ainda considerar o melhor assunto de
todos os tempos.
Capítulo 9
Pérola
​ iego estava a uns bons vinte minutos tentando me convencer
D
de que deveria pagar a conta, pois o convite veio dele – o que não
era verdade, já que tivemos a ideia ao mesmo tempo. Usei todos os
argumentos possíveis, mas o homem era bem teimoso e repetia sem
parar que ainda podia pagar um café para uma amiga, ainda que ela
fosse rica. O fato de ele se sustentar na amizade me deixava mais
irritada ainda, era como se alguma coisa não encaixasse.
​— Se somos amigos, então temos que dividir a conta — cruzei
os braços na frente do peito e o encarei em desafio. — Amigos
fazem isso. E você está me enrolando, eu deveria estar no trabalho
— conferi o relógio no pulso — uma hora atrás.
​— Fui descoberto! — ele, enfim, riu, mas quando o garçom
chegou com a conta, foi o primeiro a roubá-la e entregar seu cartão
antes que eu pudesse fazer qualquer coisa. — Toda essa discussão
era para te deixar mais tempo comigo.
​Revirei os olhos e falei quando o funcionário se afastou:
​— Está se sentindo mais homem agora, Diego Castro?
​Ele me deu a língua e eu comecei a rir. Não esperava aquele
comportamento infantil e engraçado.
​— Besta! — xinguei.
​— Na verdade, tudo isso foi para que na próxima você me
convide e pague pela refeição — Diego falou rindo, mas depois ficou
sério e percebi que estava sendo sincero. — Pode ser um jantar.
Quem sabe?
​Fiz uma careta cheia de malícia.
​ Está marcando um jantar comigo?

​— Eu? Não! Só deixo aqui a sugestão — piscou um olho.
​Eu o observei por instantes prolongados, enquanto ele me
olhava de volta. Dava para sentir o clima se formando ao nosso
redor mais uma vez. Era muito óbvio que a gente se queria, porém
havia tanto a se pensar que acabei quebrando nosso contato visual
para conferir meu relógio mais uma vez.
​— Preciso ir de verdade — e fui me levantando.
​Diego também se levantou e percebi quando os meus
seguranças se prepararam para me guiar até o carro que me
esperava no estacionamento em frente ao café. No entanto, não
estava preparada para receber dedos macios entre os meus. Fizemos
o percurso até a saída, lado a lado e de mãos dadas, como se
fôssemos amantes.
​Ele se virou para mim quando alcançamos a calçada do
estabelecimento.
​— Você sabia que não precisava ter me acompanhado, não é?
— sorri para Diego, que ainda me olhava com encantamento.
​— Eu sei, tem uns trezentos homens armados a nossa volta,
nunca me senti tão vigiado.
​— Desculpe por isso. Em algum momento acostuma.
​— Eles são mesmo necessários? — ele franziu o cenho,
olhando de um lado para o outro a fim de conferir a movimentação
dos seguranças.
​— São — soltei um suspiro. — E devem estar loucos por eu
ficar aqui no meio da rua conversando à toa.
​— Neste caso, é melhor você ir.
​— Quer uma carona? — perguntei por educação e também
porque fiquei preocupada. Eu não sabia se Diego tinha um meio de
transporte confortável, que o deixasse em casa em segurança.
​— Não precisa, vou resolver umas coisas no Centro.
​Assenti e ele sequer se mexeu. Eu também não. Observei uma
árvore ao nosso lado e depois voltei a olhá-lo. Diego me encarava
fixamente.
​— Foi bom te encontrar — comentei em um tom baixo. — Eu...
Vou pensar no que conversamos.
​ Sem pressa.

​Abri um sorriso e gesticulei um “tchau” meio sem jeito. Foi ele
quem ignorou minha despedida patética e me puxou para um abraço
bem apertado. Fazia tanto tempo que ninguém me abraçava daquele
jeito que deixei meu corpo se aconchegar ao encontro do seu.
Fechei os olhos calmamente, aproveitando o momento que, para o
meu lamento, durou pouco.
​Diego segurou meu rosto quando nos afastamos devagar.
​— Se cuida — murmurou e, por um segundo, achei que fosse
me beijar, mas apenas plantou os lábios sobre a minha testa e saiu
andando na direção oposta da calçada.
​Percebi que mancou no começo, depois tentou se recompor e
manteve um caminhar mais equilibrado, porém lento.
​Soltei um suspiro meio frustrado e, logo em seguida, meus
seguranças me guiaram para o carro. Eu não queria ter ido embora
sem um beijo, mas precisei me contentar.
​Cheguei à empresa já ditando ordens e dando respostas
rápidas para secretários e demais funcionários que me viam passar e
soltavam suas perguntas a respeito de assuntos totalmente
diferentes. Havia muito a ser feito naquele dia, como em todos os
outros, porém a minha cabeça se mantinha aérea, pensando em
Diego.
​Eu me sentia muito bem perto dele, entretanto, meu alarme
interno apitou depois que demonstrou interesse no trabalho como
babá. Não fazia muito sentido. Por mais que tivesse me explicado,
não conseguia entender seu ponto. Talvez porque eu estivesse muito
interessada nele e nem um pouco disposta a aniquilar de vez a
possibilidade de irmos para cama. Por outro lado, não dava para
encaixar mais ninguém na minha vida.
Eu me via diante de uma terrível encruzilhada.
​Depois de subir alguns andares pelo elevador, confirmei a
próxima reunião com a secretária e entrei na minha sala já com o
celular na mão, discando o número de Hermes Rocha, o meu chefe
de segurança. Ele era o meu braço direito, responsável por me
manter sempre segura, em todos os sentidos possíveis.
​ Hermes, bom dia. Por favor, quero um relatório completo

sobre Diego Castro até o fim do dia — fui logo falando, mal deixando
tempo para que me saudasse em retorno. — Descubra tudo o que
puder sobre ele. Locais onde trabalhou... Antecedentes criminais,
enfim, tudo.
​— Bom dia, senhorita. Para ser sincero, já estava preparando
um dossiê há dias. Vou enviar por e-mail agora mesmo.
​— Obrigada pela rapidez, até mais.
​— Até mais, senhorita Pérola.
​Hermes era muito proativo e eficiente. Provavelmente, já
estava estudando Diego Castro desde a festa da revista. Como não
havia segredo entre nós no que se dizia respeito às pessoas com
quem me relacionava, deixei claro para ele que mantínhamos
conversas diárias, e fui aconselhada a manter prudência com relação
aos encontros e também às visitas dele em minha casa. Mas eu
nunca tinha pedido para que se aprofundasse na vida de Diego, não
até aquele momento.
​Abri a minha caixa de entrada e as informações reunidas por
Hermes já estavam organizadas em um único arquivo. Tive acesso
aos principais documentos de Diego: certidão de nascimento,
identidade, diploma, carteira de trabalho etc. Fiquei por dentro de
seus passos profissionais, soube os locais onde já tinha morado, seu
parentesco e uma infinidade de informações.
Fiquei aliviada por ele parecer um cara normal, sem nenhum
mistério. Diego não tinha antecedentes, sua ficha era limpinha. Tudo
o que havia me dito constava como verdade, inclusive o seu
acidente de carro há um ano. De novidade, apenas fiquei sabendo
que fez uma cirurgia tanto na perna quanto nos testículos, coisa que
ele não me contou e que imaginei o motivo. Era meio
desconcertante.
​Liguei novamente para Hermes.
​— Isso é tudo?
​— É tudo, senhorita. Mas me manterei em busca de mais
informações.
​— O que achou?
​Hermes soltou uma pequena risada.
​ A senhorita sabe que não confio em absolutamente

ninguém, mas o homem parece estar acima de qualquer suspeita. —
Soltei um suspiro aliviado. — Aparentemente, apenas um cara que
teve a sorte de conhecê-la.
​— Entendo.
​— Mas a gente sabe que as aparências enganam.
​— Você vai me deixar louca, Hermes — fechei os olhos e apoiei
as costas na minha poltrona, massageando as têmporas. — Será
possível que um homem bacana não pode ter cruzado meu caminho
sem intenções ocultas?
​— O meu dever é desconfiar, senhorita. Perdoe-me. Se isso a
deixa feliz, concordo com novos encontros e algumas visitas.
​— Não vou colocá-lo na minha casa sem definir o que quero
dele, Hermes. Diego está interessado no cargo de babá.
​O meu chefe de segurança, daquela vez, soltou uma
gargalhada. Eu fiquei quieta, imóvel, então depois de um tempo ele
percebeu meu silêncio e voltou à seriedade.
​— Achei que a relação de vocês tendia à intimidade e não ao
profissionalismo.
​— Não tenho tempo para me envolver. Preciso mesmo é de
uma babá, não de um amante, e pelo que estou vendo aqui — olhei
para o currículo aberto de Diego na tela do meu computador —, ele
pode dar conta.
​— Mas ele é um cara.
​— Pois é.
​Eu sabia que o comentário de Hermes tinha sido machista, mas
eu não podia deixar de levar em consideração que Diego era um
homem. E não qualquer um. Era um cara bonito, que me dava tesão
e sorria de um jeito maravilhoso. Tê-lo perto de mim seria muito
louco. Ao mesmo tempo em que eu queria ajudá-lo, não sabia o que
fazer com o desejo que sentia por ele.
​Eu me despedi de Hermes e voltei para o silêncio do meu
escritório.
​A minha confiança em homens era bem perto de zero. Matteo
era o meu tesouro mais precioso, como deixá-lo nas mãos de Diego?
Tudo bem, havia as câmeras de segurança em toda parte, porém eu
não estava encontrando formas de achar aquela ideia aceitável.
​— Droga! — resmunguei para mim mesma, passando as mãos
na cabeça e soltando o meu coque. Chacoalhei os cabelos e suspirei
de novo.
​Voltei a minha atenção para o computador e, daquela vez, fiz
uma busca no e-mail cadastrado para as possíveis babás enviarem
seus currículos. O anúncio mal havia saído no jornal e tinha mais de
quinhentos e-mails esperando resposta. Ainda bem que eu tinha
acionado a minha equipe do R.H. para fazer o processo de seleção.
​Digitei o nome dele só para ver o que acontecia e, para a
minha surpresa, Diego tinha enviado o currículo naquela manhã,
antes do nosso encontro. Os meus instintos geralmente me guiavam
para os locais certos.
​Fiz uma careta, encaminhei a mensagem e a respondi usando o
meu e-mail profissional:

____________________________________________________qua.
, 31 mar., 10:45

​Como encontrou este anúncio?

Pérola Leblanc
Chefe Executiva
CEO – Grupo Leblanc
_______________________________________________________
_____________

​ assei o restante da manhã esperando um retorno, mas não


P
obtive. Pensei em ligar para o número pessoal de Diego, mas
considerei uma atitude muito exagerada. Em vez disso, apenas
aguardei. Trabalhei como pude, participei de uma reunião rápida e
fui para casa na hora do almoço.
Foi enquanto estava dando de mamar que o meu celular
apitou com uma nova mensagem:
____________________________________________________qua.
, 31 mar., 13:40

​ u não encontrei, Ricardo que encontrou não me pergunte


E
como.
​A ideia de me candidatar veio dele...

Diego Castro
_______________________________________________________
_____________
​ Eu não soube o que fazer com aquela informação. Fiquei
confusa, sentindo-me esquisita e desconfiada. Olhava para Matteo,
que mamava com bastante afinco, coitado, e tentava raciocinar.
Então, outra mensagem surgiu:
____________________________________________________qua.
, 31 mar., 13:45

​Isso significa que fui selecionado?

Diego Castro
_______________________________________________________
_____________
​Respondi de prontidão:

____________________________________________________qua.
, 31 mar., 13:46

Não, apenas significa que eu não sei o que fazer contigo.


Você sabia que esse anúncio era meu?

Pérola Leblanc
Chefe Executiva
CEO – Grupo Leblanc
_______________________________________________________
_____________
____________________________________________________qua.
, 31 mar., 13:47

​ icardo me falou que era.


R
​Pérola, não se preocupe, por favor.
​Esqueça essa história. Acho que não foi uma boa ideia me
candidatar.

Diego Castro
_______________________________________________________
_____________

​ u queria tanto confiar em Diego. Mais do que isso, queria vê-


E
lo outra vez para, quem sabe, olhando em seus olhos, pudesse
tomar uma decisão. Já estava quase certa de que não o contrataria
como babá de Matteo. Só me restava definir se ocuparia algum
espaço na minha vida, além da amizade sobre a qual teimava em
comentar.
​Foi por isso que digitei:
____________________________________________________qua.
, 31 mar., 13:49

Sexta, 20h
Jantar
Eu te pego em casa

Pérola Leblanc
Chefe Executiva
CEO – Grupo Leblanc
_______________________________________________________
_____________

____________________________________________________qua.
, 31 mar., 13:51

Isso significa que fui selecionado para o outro cargo? ��


Diego Castro
_______________________________________________________
_____________

​Eu ri sozinha, feito uma adolescente boba.

____________________________________________________qua.
, 31 mar., 13:54

Isso significa que dessa vez quem paga sou eu.

Pérola Leblanc
Chefe Executiva
CEO – Grupo Leblanc
_______________________________________________________
_____________
Capítulo 10
Diego

​ grande problema de viver no ócio forçado era ter que dar


O
conta dos pensamentos que sempre me acometiam; a maioria,
pessimistas e autodestrutivos. Eu me questionava constantemente o
que estava fazendo da minha vida, para onde iria e o que pretendia,
e quanto mais pensava, mais paralisado me sentia. Esses
sentimentos somatizavam em meu corpo e me deixavam realmente
estagnado.
​A ansiedade e a depressão me afundaram nos dois dias após o
encontro com Pérola Leblanc no café. Era como se vivesse apenas
esperando o nosso jantar na sexta-feira, e qualquer coisa que não
fosse isso deixou de importar. As consequências dessas emoções tão
distintas e profundas foram extremosas. Ao mesmo tempo em que
queria me cuidar para vê-la de novo, afundava-me em lamentações
e medo.
​Eu não sabia o que faria se aquela história desse errado, era
um fato.
​Era a única chance que eu tinha de ficar perto do meu filho.
Depois que Pérola desconfiou de mim ao enviar o e-mail
questionando sobre o meu currículo, comecei a mensurar a
seriedade de tudo. Não era uma brincadeira ou um jogo em que eu
pudesse apenas jogar as cartas e torcer para dar certo. A situação
era muito mais complexa do que flertes, do que conversas nas
madrugadas e insinuações.
Passava horas olhando as fotos de Matteo nas redes sociais
da CEO. Analisava as dela também, porque nutria verdadeiro apreço
por Pérola, no entanto, precisava me manter centrado no objetivo: o
meu filho. E durante aqueles dias percebi que ser o babá dele, ou
um simples amigo, era a opção mais inteligente, ainda que o meu
corpo reclamasse da decisão.
Era noite de sexta e, enfim, decidi tomar um banho, fazer a
barba e me manter minimamente asseado, motivo de comemoração
por parte de Ricardo. Ele estava muito mais otimista do que eu com
relação ao encontro. Por dentro, sentia-me partido em milhões de
cacos e sem ideia do que fazer para juntá-los de maneira coerente.
Abri o meu guarda-roupa e me frustrei com o que tinha nele:
peças antigas, largas, de gosto duvidoso, que não chegavam à altura
de um jantar com uma empresária influente. Com a toalha enrolada
no corpo, sentei-me na cama e olhei o reflexo do cara que
ultimamente só me trazia arrependimento, amargura e comiseração.
Já estava pensando se deveria perguntar a ela o que vestir,
ou talvez mandar uma mensagem cancelando o momento que
esperei impacientemente pelas últimas 48 horas, quando o meu
celular mostrou uma mensagem:

Pérola: Matteo vomitou. Desculpa, terei que cancelar! ☹

​ meu coração começou a bater forte diante das emoções


O
loucas; preocupação com meu filho, tristeza por não vê-la naquela
noite e alívio por não ter que lidar com nada que me trouxesse
incertezas e agonia.

Diego: Ele está bem? O que houve?


Pérola: Aparentemente, bem. Mas como vomitou, não tenho
coragem de deixá-lo sozinho com Jacinta.

Ela tinha me dito, na noite anterior, que conseguiu fazer a


funcionária do lar dormir em sua casa a fim de ficar com Matteo
enquanto jantávamos. Segundo Pérola, foi um arranjo meio
complicado, porque Jacinta trabalhava de segunda a sexta, com
horários bem definidos, e ainda tinha uma família esperando em
casa todas as noites. A doméstica só aceitou o acordo porque
gostava muito do moleque e também da patroa.

Diego: Compreendo. Tudo bem, não se preocupe.


Pérola: Estava louca para tomar um vinho. ☹ A semana foi um
saco, estou tão cansada!
Diego: Deixa para a próxima.
Pérola: Você está bem? Ficou chateado, né?
Diego: De modo algum, essas coisas acontecem.
Pérola: Você está esquisito, Diego. O que houve?

​ oltei um suspiro e balancei a cabeça em negativa. Tentei me


S
animar e tirei uma foto do jeito que estava: sem camisa, com a
toalha, os cabelos pingando e dando língua em uma careta divertida.
Não queria que ela desanimasse por causa do imprevisto. Enviei a
foto e ela visualizou, mas demorou a responder.
​Achei por bem explicar, antes que soasse indelicado:

Diego: Não foi nada, eu estava aqui decidindo o que vestir e fiquei
triste porque não tenho nada para usar com uma CEO.

​ la não respondeu. Novamente, visualizou e ficou muda. Eu já


E
estava começando a ficar nervoso quando recebi, enfim, sua
resposta:

Pérola: Como você quer me mandar uma foto dessas e não me


deixar louca para me transformar em uma toalha?

​ oltei uma risada genuína. Desde que eu a tinha visto no café,


S
não ria daquele jeito despretensioso. Porém, um dos meus tantos
pensamentos adversos retornou e percebi que aquele não era um
bom caminho para prosseguir com a nossa conversa.

Diego: Relaxa. Vou colocar um pijama e já era. Se cuide e melhoras


para Matteo.
​ ovamente, Pérola não respondeu. Coloquei uma bermuda
N
qualquer e fui para a cozinha pegar água, mas esbarrei com Ricardo,
que milagrosamente lavava os pratos que sujamos ao longo do dia.
​— Ainda não está pronto? Esse jantar é mais tarde?
​— Não vai rolar mais jantar, ela desmarcou. Matteo vomitou,
mas já está bem.
​— Que merda. Vai ser foda sair com a gostosa sem uma babá.
​Dei de ombros, peguei a minha garrafa e voltei para o quarto
sem mais nada comentar. Somente quando retornei foi que vi que
Pérola tinha me respondido.

Pérola: Quer vir pra cá? Sei que não é o ideal, mas eu realmente
preciso conversar e beber um vinho.

​ meu coração errou várias batidas. Fiquei tão empolgado que


O
tive dificuldade de respirar, portanto foi com pressa e atropelando as
palavras que avisei que, sim, gostaria de encontrá-la e que me
aprontaria em pouco tempo.
Pérola avisou que enviaria um motorista para me pegar, e
embora eu achasse aquilo um exagero, aceitei a carona. Eu estava
sem carro desde o acidente e não pretendia ter outro nem tão cedo.
Na verdade, desenvolvi verdadeiro pavor apenas com a ideia de
sentar na frente de um volante.
​Meia hora depois, o porteiro do prédio interfonou dizendo que
uma pessoa aguardava por mim. Eu me vesti de um jeito simples:
jeans, camisa de banda de rock e tênis. Era como me vestia
normalmente e, já que Pérola estava em casa, torcia para que
estivesse à vontade também. Tentei não pensar que veria o meu
filho, ao vivo e em cores, em breve. Estava nervoso dos pés à
cabeça, trêmulo e quase inventando uma desculpa para não ir.
Entretanto, adentrei a Lamborghini e não teve mais como
voltar atrás.
Pérola Leblanc morava no bairro mais nobre da cidade, em
uma mansão que por fora não era chamativa, talvez devido aos
muros longos e brancos, mas tão logo os portões se abriram e
adentramos uma garagem luxuosa, repleta dos veículos mais fodas
reunidos em um só lugar, percebi que a mulher era tão ostentadora
quanto qualquer milionário seria.
Ela me aguardava na descida de umas escadarias que
levavam, provavelmente, ao interior da casa. Para o meu alívio,
trajava apenas shorts jeans e uma blusa preta bem simples, que,
combinada com seus cabelos soltos, deixavam-na naturalmente
linda. Não percebi se usava maquiagem, mas caso afirmativo, não
dava para reparar.
Estava mais cheirosa do que nunca quando me aproximei e
fez questão de me oferecer um abraço apertado.
— Obrigada por ter vindo — sussurrou perto do meu ouvido.
— Pérola Leblanc, você tem uma Ferrari vermelha — respondi
com divertimento, afastando-me para olhá-la. — Sua filha de uma
mãe.
Ela riu junto comigo. Eu não queria soar interesseiro ou
bisbilhoteiro, mas foi impossível ignorar aquele carro tão próximo da
gente. De qualquer forma, não estava interessado no dinheiro de
Pérola ou de sua família, e achava que ela estava ciente deste fato,
porque nunca demonstrei nada além de espontaneidade.
— É do meu pai, eu meio que guardo para ele. Um dia damos
uma volta, já dirigiu uma? — apontou para a máquina bem ao nosso
lado. Era maravilhosa e reluzia. Enquanto observávamos o carro,
percebi a movimentação de dois seguranças.
Eles me incomodavam, embora o motorista, um tal de Gilmar,
fosse simpático.
— O último carro que dirigi virou lata de sardinha. Melhor
não. Mas adoraria te ver pilotando essa danada aqui — dei uma
batidinha no capô impecável.
Pérola não respondeu, ficou apenas me olhando.
— Você ainda tem trauma de dirigir?
Assenti, já arrependido de ter falado demais. Senti vergonha
e aquela velha sensação de impotência que me irritava. Talvez
percebendo meu constrangimento, Pérola segurou a minha mão e
disse, divertida:
— Vem, não vamos ficar aqui na garagem para sempre, não
é?
Só que a garagem não era nem de longe o lugar mais luxuoso
da casa de Pérola Leblanc. A mansão era de deixar qualquer queixo
caído. Moderna, com paredes brancas e outras todas envidraçadas.
A sala de estar, a de jantar e a cozinha integravam um só ambiente
amplo, com pé direito alto e muitas saídas para um jardim bem
cuidado, que circulava a casa. Em todas as direções só conseguia
ver luzes, beleza e requinte.
Pérola me guiou para além da sala de estar e de seus móveis
brancos e extremamente limpos, até sairmos na parte onde ficava a
piscina com borda infinita. Abaixo dela, o jardim continuava até
perder de vista. Nós nos sentamos lado a lado em espreguiçadeiras
acolchoadas, sob o céu pouco estrelado, porém sem nuvens. As
luzes ali eram muito interessantes, faziam parte fundamental da
decoração e dava ao ambiente um aspecto charmoso.
Um balde de gelo com um vinho fincado nos aguardava já
aberto. Pérola serviu as duas taças, que pareciam maiores que o seu
rosto, e me ofereceu uma delas. Nós fizemos um brinde silencioso e
sorrimos. Por mais nervoso que estivesse, estranhamente também
me sentia à vontade. Talvez por não haver sinal dos seguranças ou,
sei lá, pela bela companhia à minha frente.
— Linda a sua casa — comentei depois do primeiro gole. O
vinho era realmente muito bom, provavelmente custava uma nota.
— Obrigada. Moro aqui há uns três anos apenas, mas é o
cantinho que chamo de lar. Um bom lugar para Matteo crescer.
— Sem dúvida alguma. Tem bastante espaço para
brincadeiras.
— Sim. A cerca ao redor da piscina é recente, tive que colocar
por causa dele. Daqui a pouco vai estar andando e me
enlouquecendo!
Nós dois rimos, emocionados, talvez, na mesma medida. Ela o
amava muito e eu podia dizer que já compartilhava deste sentimento
mesmo sem conhecê-lo. Imaginava-o fazendo suas traquinagens
naquela bela casa, sujando o que estava impecável. O pensamento
me tranquilizava e divertia.
— Como ele está? — perguntei, ansioso. Não sabia em que
momento seríamos apresentados. Ou mesmo se chegaria a vê-lo.
Pérola tinha jeito de que o protegia como uma mamãe leoa:
selvagemente.
— Dormindo, graças a Deus. Liguei a babá eletrônica no
sistema de som da casa, vamos ouvir caso acordar.
— Ele costuma acordar?
— Não, é uma criança muito calma. Dorme quase a noite
toda, mas acorda bem cedo. Acho que não durmo direito faz um
século — ela riu, mas percebi o cansaço em sua expressão e em sua
voz melodiosa.
Assenti com a cabeça.
— Estou feliz em rever você — comentei de um jeito simples,
entre um gole e outro do vinho. Percebi que Pérola tomava a sua
bebida mais velozmente.
— Eu também — disse baixinho, encarando-me. Ficamos
tanto tempo conectados naquela troca de olhares que sequer me dei
conta do que havia ao nosso redor. Foi Pérola quem virou o rosto. —
Não sou boa na cozinha, desculpe. Como não me preparei e liberei
Jacinta cedo, tomei a liberdade de pedir comida. Deve estar
chegando.
— Amo — murmurei, meio aéreo. Ainda estava embasbacado
com a sua beleza. Era a primeira vez que via aquela mulher em seu
habitat natural, e tudo fazia sentido daquela forma, as coisas se
encaixavam perfeitamente.
Pérola não era somente a executiva feroz e nem a dama
refinada que habitava as colunas sociais; ela ia muito além e eu
sentia que estava mais perto do seu verdadeiro eu. Se havia
máscaras entre nós, desconhecia ou não identificava.
Bom, talvez eu estivesse me deslumbrando com facilidade.
Começamos a conversar sobre nossos pratos favoritos, depois
falamos sobre as massas especificamente, chegando à Itália e
emendando com o assunto “viagens”. Pérola me contou sobre os
países onde já esteve e devolvi a empolgação narrando os passeios
que fiz – comparados com os dela, não foram muitos. Quando
percebemos, havíamos falado sobre tantas coisas que já não sabia
mais o começo ou o fim de cada tema.
A comida chegou e voltamos para a sala de jantar. Eu a ajudei
a separar e organizar os pratos e talheres refinados; juntos,
montamos uma mesa convidativa. Pérola fez questão de acender
uma vela bem cheirosa no meio, ao lado de um arranjo com flores
pequenas e lilases. Sorri quando dei a primeira mordida. Estava tudo
tão fantástico que parecia um sonho. Nunca imaginei que poderia
vivenciar um momento como aquele ao lado de uma mulher como
ela.
Voltamos a conversar, daquela vez, sobre decorações.
Falamos a respeito de velas, incensos, cheiros, perfumes, roupas,
ocasiões, festas, baladas, gostos musicais, gostos cinematográficos
etc. Uma coisa foi levando a outra de maneira gradual e espontânea.
Não nos sobrou um segundo sequer de silêncio. Ao terminarmos o
jantar, estávamos levemente embriagados, sorridentes e mais
íntimos do que nunca.
Pérola terminou de encher as nossas taças com o restante do
segundo vinho que abrimos e voltou a segurar a minha mão, só que
não foi na direção da piscina, mas das escadas que levavam ao
segundo andar. Comecei a ficar nervoso e cheio de expectativas.
Pela sua expressão sacana, eu sabia bem aonde queria chegar.
Não consegui agir diferente, apenas fui, pois uma grande
parte de mim desejava aquilo tanto quanto ela. Após as escadas, a
mansão parecia ainda mais impressionante. Havia um hall
aconchegante, com sofás, uma enorme TV e um bar adiante, cheio
de bebidas. Era tudo tão espaçoso que parecia uma segunda casa
em cima da primeira.
Pérola me levou na direção de um corredor tão bem decorado
quanto todo o resto, e abriu uma porta revelando uma senhora suíte
máster. Era do tamanho do apartamento que eu dividia com Ricardo,
sem exageros.
Mal pensei a respeito e ela já estava com a boca grudada à
minha, arrancando-me um beijo safado, excitante, cheio de línguas e
profundidade. Pérola me empurrou contra uma parede e parou para
me olhar.
— Eu não quero pensar agora — confessou, enlouquecendo-
me com o sussurro rouco e provocante. — Só me fode, Diego,
preciso disso. Quero bem selvagem.
Nem se eu fosse o cara mais controlado do mundo resistiria a
um pedido daqueles. Eu me julgaria um grande mané se não a
tivesse puxado pela cintura e a beijado com todo o fervor que reuni,
todo aquele desejo acumulado que sentia desde que a vi pela
primeira vez.
Depositamos nossas taças sobre uma cômoda, meio
apressados e sem jeito, depois voltamos a nos agarrar com mais
precisão. Eu apertei suas carnes volumosas com vontade, gemendo
contra sua pele enquanto ouvia seus arquejos me deixarem ainda
mais sem juízo. Praticamente rasguei sua blusa para fora e ergui seu
sutiã sem hesitar, afundando o rosto em seus seios e os sugando
como prometido na noite da festa.
Eu estava tão louco que nos melamos com um pouco de seu
leite materno, a fonte de alimento e vida de uma adorável mãe, e
continuei a mordendo, beijando e sugando em toda parte,
devorando-a como merecia e como havia implorado.
Pérola arrancou a minha camisa com urgência, enquanto eu
tentava desabotoar o seu short jeans. Usamos alguns minutos para
nos despirmos, em meio a beijos, amassos e suspiros. A meia luz do
quarto de Pérola me ajudou a relaxar e não me sentir tão vulnerável
quando ela empurrou a minha cueca ao chão, e terminei de tirar
tudo, incluindo as meias e os sapatos.
Segurei-a nos braços e ela, já toda nua depois que retirei sua
calcinha de renda, abriu as pernas ao meu redor. Nossos sexos se
encostaram e estremeci diante da sensação pele com pele. Joguei-a
sobre a cama, ainda mais macia e confortável do que a que
havíamos conhecido anteriormente, e coloquei meu corpo por cima.
Tomei seus lábios com tanta gana que tive dificuldade de
respirar.
Pérola abriu bem as pernas naquela posição exposta e ainda
perguntei baixinho, o meu lado profissional da saúde sempre
preocupado e dando as caras:
— Está seguro?
— Sim, me fode, Diego...
Eu a penetrei de uma vez, arregaçando sua umidade apertada
e a sentindo profundamente. Joguei a cabeça para trás e soltei um
gemido, deliciado com aquela boceta. Pérola também gemeu forte,
intensificando depois que retrocedi e arremeti novamente, com
ainda mais força.
— Fode! — resmungou com bravura, ofegante, começando a
rebolar os quadris em busca de mais velocidade.
Fazia muito tempo que eu não transava e não estava muito
bem fisicamente. Já tinha até esquecido da sensação, mas sexo era
como andar de bicicleta, não havia como desaprender. A minha
perna doía naquela posição, sobretudo na região do joelho, mas
ainda assim a penetrei do jeito selvagem que Pérola queria.
Arranjei um modo de ignorar todas as limitações para ser
para aquela mulher o que ela precisava.
Depois de um tempo, quando já estávamos suados e ainda
sedentos, puxei-a para a beirada da cama e me pus de pé, dando
alívio para a minha perna ruim. Virei-a de costas e a coloquei de
quatro. Pérola gemeu quando me esgueirei para enfiar minha cara
em seu centro. Beijei tudo por ali, de cima a baixo, atiçando-a,
fazendo-a rebolar no meu rosto e gritar o meu nome.
Em seguida, voltei a invadi-la. A posição me deixou ainda
mais brutal, tanto que os choques das nossas peles fizeram barulho,
mesclados aos seus gritos e aos meus ofegos. Pérola gozou no meu
pau, deliciosamente. Eu estava tão enfurecido e compenetrado que
continuei veloz, aproveitando o meu problema para adiar o orgasmo.
Quando percebi que ela estava quase gozando de novo, voltei
a me esgueirar e a empurrei sobre o colchão, invadindo a minha
língua em sua boceta de novo. Daquela vez, concentrei-me no
clitóris e só parei momentos depois que Pérola findou os gemidos
ensandecidos, indicando um novo clímax.
Virei-a de frente para mim de novo.
— É pau que você quer, safada? — perguntei, rouco,
desajuizado, e voltei a penetrá-la olhando em seus olhos excitados.
— Toma, gostosa! — meti bem fundo e retrocedi. — Toma! — enfiei-
me nela mais uma vez.
Pérola gritava, revirando os olhos e se contorcendo, quando
não aguentei mais e a preenchi com o meu sêmen. Soltei espasmos
e rosnados guturais, agarrando-a com força para que nada sobrasse
para fora de sua boceta. Queria tudo lá dentro.
Só então minha cabeça foi esfriando, as ideias foram voltando
para o lugar, e percebi que estava morto, detonado fisicamente. A
minha perna doía para caralho, porém só prendi os lábios e me
joguei ao seu lado no colchão, puxando-a para mim. Nós nos
beijamos com mais calma.
— Onde você estava escondendo essa máquina de sexo? —
Pérola riu entre os meus lábios. Eu ri também, satisfeito por ela
pensar assim. Só Deus sabia o quanto havia me esforçado. Estava
todo suado e fodido.
Não soube o que responder, por isso fiquei calado. Começava
a achar que tinha cometido um grande erro. O melhor possível, mas
mesmo assim, um erro irreparável.
Pérola não demonstrou qualquer arrependimento, apenas se
enroscou em mim e, em poucos minutos, simplesmente dormiu em
meus braços.

Eu não tive qualquer dificuldade para cair no sono


sentindo o cheiro bom que emanava dos cabelos de Pérola. Poderia
ter dormido a noite inteira se não fosse o barulho que comecei a
escutar. Abri os olhos em um pulo, com a CEO ainda inerte, e linda
demais, ao meu lado. Alguns segundos foram necessários para eu
perceber que o ruído vinha do sistema de som da casa: Matteo tinha
acordado.
Embora não estivesse chorando, fiquei preocupado e comecei
a fazer uma trilha de beijos no rosto de Pérola, a fim de acordá-la.
Ela se mexeu um pouco, resmungou e voltou a dormir. Fiquei a
observando, pensativo, sem saber o que fazer. Será que se
aborreceria se eu fosse sozinho dar uma olhada no moleque? Eu não
tinha respostas para isso, mas a minha vontade de conhecê-lo
acabou ganhando o embate interno.
Nas pontas dos pés, deixei a suíte máster para trás e segui na
direção de onde vinha os barulhinhos de bebê. Havia uma porta
entreaberta e me aproximei, só percebendo que minhas mãos
tremiam quando ergui uma delas na direção da maçaneta. Coloquei
o meu rosto para dentro e meu corpo inteiro se arrepiou ao
visualizar um quarto de bebê bem-decorado, iluminado apenas por
uma luminária em formato de nuvem sorridente.
— Matteo... — sussurrei para mim mesmo, guiando os olhos
pelo ambiente até paralisá-lo no berço adiante. Dali eu não
conseguia vê-lo, mas estava tão perto...
Não resisti e terminei de abrir a porta de vez. Entrei devagar,
para não assustá-lo, e quando cheguei próximo o suficiente para
observá-lo sentado no bercinho, com um brinquedo de morder em
mãos, o meu coração pareceu congelar.
O mundo inteiro perdeu e ganhou sentido, ao mesmo tempo.
Tudo se resumiu àquele pedaço de gente, o meu universo em um
único ser que tanto se parecia comigo fisicamente. Mal reparei
quando uma lágrima escorreu pelo meu rosto. O garoto, enfim,
percebeu a minha presença e me olhou, abrindo um sorriso. Soltou
uma risada engraçada e se apoiou na beirada do berço para ficar de
pé.
Meu Deus, como estava desenvolvido!
Mais lágrimas incontidas escorreram e eu passei vários
segundos sem reação, apenas olhando para a pessoa que mais
amava na vida – mesmo que tivesse acabado de conhecer. Matteo
soltou uma espécie de grito animado, como se me chamasse para
brincar, e tentei sair do transe, mas foi apenas o suficiente para
pegá-lo em meu colo.
Eu tinha colocado de volta a cueca e os jeans, mas estava
sem camisa, de modo que o contato de sua pele fina de neném em
meu peitoral me provocou um choque que não consegui explicar.
Abracei Matteo em meio às lágrimas, sentindo um misto de
emoções: alegria, medo, êxtase, angústia. Comecei a niná-lo em
meus braços, balançando-o um pouquinho, e Matteo parou de rir
para me olhar, creio que percebendo que eu era um desconhecido.
Ele ficou analisando meu rosto com certo receio.
— Sou eu, filho — murmurei, tão baixo que ele mal devia ter
escutado. — Sou eu, seu papai... — prendi os lábios para conter a
emoção e a voz extremamente embargada.
— Pa! — ele falou de forma abrupta, o que me deixou
surpreso. Claro que devia ter sido apenas uma coincidência, pois
Matteo era muito novo para falar. Quem sabe daqui a uns meses?
Porém, a emoção prosseguiu e fiquei maravilhado.
Voltei a abraçá-lo com força, prometendo a mim mesmo que
ninguém me separaria dele. Eu o protegeria com a minha vida e o
amaria para todo o sempre.
Capítulo 11
Pérola
​ enti uma movimentação esquisita em meus seios e, quando
S
abri os olhos, demorei a assimilar o Matteo na minha cama,
mamando com bastante empolgação, enquanto Diego nos
observava. Consegui vê-lo nitidamente porque já estava
amanhecendo e havia me esquecido de fechar as cortinas.
​Eu me sobressaltei no mesmo instante, tentando me erguer,
porém Diego tocou o meu ombro de maneira suave, fazendo-me
ficar onde estava.
​— Eu tenho que... — tentei explicar, mas ele fez “shhh...” bem
baixinho.
​Olhei para Matteo. Não pude deixar de reparar que não usava o
pijama de ursinhos que eu havia colocado mais cedo. Em vez disso,
apenas uma fralda descartável e uma blusinha branca, nada mais. O
meu coração sofreu um solavanco de pavor, porém o meu filho
parecia tão sereno enquanto mamava que não cheguei a me
desesperar.
​— O que houve com a roupa dele? — perguntei em um tom
controlado.
​— Ele fez cocô, mas não se preocupe, já o troquei. Está
limpinho.
​Franzi o cenho diante daquele homem. Ele apenas sorria,
parecia encantado e eu não fazia ideia do motivo. Aquilo me
angustiou. O seu comportamento estava esquisito. Será que Diego
gostava tanto assim de criança, como mencionara?
​ Você limpou cocô? — a pergunta saiu incrédula. Meu rosto

não me deixava negar a surpresa e a confusão que sentia.
​— Minha linda, já limpei coisas piores. Sou enfermeiro, lembra?
— sua resposta soou divertida e mansa. — Sem contar que jamais
me inscreveria na vaga de babá sem saber sequer trocar uma fralda.
​Eu não soube muito o que dizer, por isso soltei, no impulso:
​— Me dê um exemplo de coisa pior do que cocô.
​Diego soltou uma pequena risada e o acompanhei. Com ele,
tudo era muito mais divertido. Aquele homem me fazia bem demais.
Sua companhia era extremamente agradável, prova disso foi termos
conversado e bebido na noite anterior até me dar uma vontade
absurda de transar com ele sem medir qualquer consequência.
​— Um belo dia um paciente chegou ao hospital todo
constrangido, sem dizer direito o que tinha... Enrolou, enrolou e
depois alegou que tinha um problema em seu ânus. Foi a cena mais
grotesca que já vi na vida. O cu dele estava cheio de vermes, tipo
daquelas minhoquinhas pequenas que dão em comida estragada,
sabe?
​— Meu Deus do céu, eca! — De fato, aquilo era pior do que
cocô. — Ele não lavava, não?
​— Acho que não, viu? Foi terrível. Tivemos que colocar água
oxigenada para os bichos saírem, e eu fiquei responsável de limpá-
lo. O cu do homem estava corroído, infeccionado, horrendo. Ele
precisou de cirurgia.
​— Nossa, Diego, você venceu, isso foi bem pior! Agora só me
resta tentar desver a cena que imaginei na minha cabeça!
​— Eu quero desver essa cena até hoje, mas ainda tenho
pesadelos com o cu alheio!
​Voltamos a rir em uníssono.
​Em seguida, paramos e ficamos nos olhando. Diego passou a
alisar o meu braço com muito carinho. Depois, esgueirou-se para me
dar um beijo na testa, e em seguida deu um beijo na cabeça do
Matteo. Achei aquele gesto bonito e estranho ao mesmo tempo. Ele
gostava mesmo de criança!
​— Vocês são lindos, sabia? Estou aqui admirando mamãe e
bebê — falou, em um tom doce que muito me emocionou.
​ Obrigada.

​— Pelo quê, exatamente?
​Foi a vez dele de ficar meio confuso.
​— Por ser gentil e prestativo desse jeito. Por ser a melhor
companhia de todas. Nunca imaginei encontrar alguém assim.
​— Alguém normal? — Diego riu.
​— As pessoas não são normais, nem eu, nem você e nem
ninguém. Mas a sua loucura combina com a minha.
​Ele voltou rir.
​— Lembrei uma música da Clarice Falcão.
​— A referência foi essa! — confessei. Adorava a cantora e me
surpreendi por Diego a conhecer.
​Voltamos a rir juntos. Era habitual para nós.
​— De todos os loucos do mundo eu quis você porque a sua
loucura parece um pouco com a minha... — ele começou a
cantarolar e continuei a rir.
​Nós ainda conversamos um pouco sobre músicas, porém
depois de um tempo fiquei morrendo de sono. Matteo havia voltado
a dormir e ali mesmo simplesmente apaguei, ao som melodioso da
voz de Diego.
​Quando acordei novamente, Matteo ainda dormia ao meu lado
e os raios solares entravam com força pela janela da suíte. Não
havia o menor sinal de Diego, por isso me sobressaltei e levantei da
cama. Coloquei alguns travesseiros ao redor do meu filho, eu que
não o acordaria se tinha decidido dormir até mais tarde.
​Era manhã de sábado e, sem uma babá para me ajudar,
pretendia ficar em casa com ele o dia inteiro. Não me refugiaria na
casa do meu pai, fugindo de uma responsabilidade que era toda
minha.
​Vesti um robe branco de seda e andei pelo corredor à procura
do homem que havia me levado à loucura na noite passada. Ouvi
alguns barulhos no andar de baixo e desci as escadas, certa de que
a babá eletrônica me avisaria caso Matteo acordasse. Encontrei
Diego na cozinha, mexendo nas panelas e com algumas coisas já
prontas na ilha de mármore branco.
​ u o abracei por trás. De tão distraído, não viu minha
E
aproximação, mas sorriu ao me perceber tão próxima.
​— Bom dia, linda.
​Tomei a iniciativa de subir nas pontas dos pés e lhe dar um
selinho. Diego sorriu, porém ficou um pouco esquisito com minha
atitude. Estranhei, mas não fiz perguntas e fui olhando para o que
ele estava preparando: pareciam crepiocas de queijo. Havia também
uma jarra de suco e frutas já cortadinhas.
​— Tomei a liberdade de preparar o café da manhã. Espero que
não se importe — ele tirou a frigideira do fogão e jogou mais uma
crepioca sobre um prato quadrado e largo.
​— Não tem problema. Já falei que sou péssima na cozinha, não
é?
​— Sim! — ele riu. — Não se preocupe, enquanto estiver
comigo, seu estômago estará cheio!
​— Olha só! Senti firmeza!
​Rimos e voltei a abraçá-lo diante de sua aproximação. Como eu
tinha me sentado em uma cadeira de perna alta que sempre ficava à
ilha, foi muito fácil envolver meus braços ao redor de seu pescoço e
aspirar aquele cheiro de homem gostoso.
​Senti que Diego retesou um pouco.
​— O que houve? Vamos, fale logo! — exigi, afastando-me para
olhá-lo. Ele estava nitidamente constrangido e prendeu os lábios,
virando o rosto. Puxei seu queixo na minha direção. — Diego, por
favor, fale.
​— Eu gosto de você — disse, e sorri em resposta. Meu Deus,
será que ele já se declararia?
​Não sabia qual seria a minha reação ou resposta, pois ainda
não tinha raciocinado sobre o assunto, mas meu coração estava
acelerado. No entanto, ele parou de falar e se limitou a me analisar
fixamente.
​— E... — instiguei.
​A demora estava acabando comigo.
​— Tem algum problema se formos somente amigos?
​Fiquei um tempão o olhando. Não consegui acreditar no que
tinha acabado de dizer. Nós havíamos tido uma noite maravilhosa,
não? Combinávamos em muitos quesitos. Por que estava me
dispensando? Por quê?
​Não entendi nada, e por isso resolvi me afastar, desvencilhando
meus braços de seu corpo quente. Devia ter feito uma careta
horrível, mas Diego apenas esperou que eu me acalmasse e
raciocinasse.
​— Fiz algo errado? — questionei em um murmúrio, perplexa. —
Achei que estávamos nos dando bem... Eu...
​— Ei, não pense nisso — segurou minhas mãos. — Você não
fez nada de errado, muito pelo contrário.
​— E então o quê? Por que está sugerindo apenas amizade?
Seja claro, Diego, odeio esses joguinhos. Sou muito direta com as
pessoas.
​Ele soltou um suspiro cansado e se sentou em uma cadeira ao
meu lado. Continuou segurando as minhas mãos, por mais que eu
quisesse sair fora. Estava chateada. Não imaginava ser dispensada
daquela forma, tão rapidamente, depois de uma noite que considerei
incrível. Afinal, nunca tinha sido rejeitada por nenhum outro homem.
Eu que costumava rejeitá-los.
​— Pérola, sinceramente, prefiro ser seu amigo e não perder
sua amizade. Quero te ter por perto sempre, porque gosto de você.
​— Não faz sentido — balancei a cabeça em negativa, confusa
demais. — Eu achei que... — soltei um ofego ruidoso. — É por causa
do Matteo, né? Tudo bem, sei que é difícil namorar uma mãe solo
e...
​— Não — ele disse bruscamente, interrompendo-me. — Pare
de repetir esse discurso. Sei que isso mexe contigo, mas ser mãe
solo não te dá menos direito de ser mulher.
​Assenti diante de suas palavras, metade aliviada por ele ser tão
consciente e a outra metade por ter que ser amiga de um cara que
eu claramente estava admirando, mais do que o comum.
​— Por favor, seja sincero. Pare de me enrolar.
​Ele soltou o ar dos pulmões.
​— Pérola, eu sou complicado. Faz um tempo que não entro em
relacionamentos e jamais continuaria com você sem saber que é
algo certo. Não quero que a gente corra riscos de um
distanciamento. Amei você, amei o Matteo e quero fazer parte disso
tudo, mas como amigo. Acho mais seguro.
​Balançava a cabeça, negando, conforme ele falava.
​— Por que isso? Não entendo. Por que faz tanta questão?
​— Já falei, linda — ele colocou uma mexa do meu cabelo por
trás da orelha. — Não há nenhum motivo a mais, além desse.
​— É uma besteira! Não percebe? Eu também gostei de você,
estava pensando em... em... Argh, deixa pra lá! — levantei-me da
cadeira e dei a volta na ilha. — Vou ver como está o Matteo.
​— Não fique chateada comigo.
​Dei de ombros e voltei para as escadas sem nada mais falar.
Antes de ver o meu filho, tranquei-me no banheiro social e lavei o
meu rosto, fazendo pausas para me olhar no espelho. Conferi o meu
corpo e, intimamente, tive dúvidas. Os meus seios estavam muito
grandes e caídos, havia estrias em minha barriga e nas coxas, além
das tenebrosas celulites. Será que Diego tinha desistido por causa
disso?
​Arquejei.
​Que babaca ele seria se seu tesão fosse medido pela perfeição
física de um corpo!
​— Merda... — balbuciei para mim mesma e, depois de me
acalmar um pouco, fui para a suíte. Matteo ainda dormia com
tranquilidade.
​Fiquei alguns minutos com ele, pensando no que Diego havia
dito, depois percebi que estava agindo como uma imbecil. Eu mesma
tinha nos colocado milhões de empecilhos antes daquela noite, de
modo que claro que ele ficou com medo de uma relação mais
profunda comigo. Não poderia julgá-lo.
​Diego preferia ser meu amigo, então tudo bem. Não daria uma
de chata neurótica, apenas aceitaria a sua vontade e o respeitaria
até o fim. Difícil seria conter a vontade de um repeteco, mas eu
sobreviveria.
​Curiosa, procurei as imagens das câmeras de segurança do
quarto de Matteo no meu celular, a fim de conferir o que havia
acontecido durante a madrugada. Rezei internamente para que ele
não tivesse feito nada de errado. No fundo, ainda não confiava cem
por cento nele. Porém, o que vi foi apenas um homem que sabia
bem o que estava fazendo. Abraçou e ninou o bebê por um tempo,
até que o levou para a mesinha de apoio. Não consegui ver seu
rosto direito porque a câmera estava em modo noturno, mas mesmo
com uma mão sem fechar direito, Diego conseguiu limpar e trocar o
Matteo com perfeição.
​Eu me vi sorrindo sozinha diante da tela.
​Tentando me animar, deixei o celular de lado e vesti um biquíni
e um short de banho na cor azul. O dia estava ensolarado e pedia
um bom banho de piscina. Antes de descer, devolvi Matteo para o
berço e ele ficou numa boa. Eram quase sete da manhã, ele não
demoraria muito a acordar.
​Desci as escadas e encontrei Diego observando o jardim, com
uma caneca de café fumegante em mãos. Era a visão do paraíso. Ele
usava apenas os seus jeans de péssima qualidade, mas me parecia
tão familiar que me senti em casa mais do que nunca.
​— E aí? Piscininha? — perguntei, aproximando-me da mesa já
posta e roubando uma uva. Preenchi, também, um copo com o suco
de laranja.
​Diego se virou e sorriu para mim.
​— Só não trouxe uma sunga.
​— Não faz mal, vai de cueca mesmo. Não precisamos ficar de
frescura, não é, amigo? — dei ênfase à palavra. Ele prendeu os
lábios e veio em minha direção, sentando-se para tomarmos o
desjejum.
​— Sim, amiga!
​Droga. Eu precisava me acostumar com aquele novo e
inesperado desfecho.
​— Nem umazinha antes de a gente virar amigo de verdade? —
falei enquanto mastigava a crepioca que, por sinal, estava divina.
Diego sabia mesmo cozinhar.
Ofereci a ele um olhar cheio de tesão, e recebi em retorno
uma análise de cima a baixo.
​— O problema é não conseguirmos parar.
​Fiz um muxoxo.
​— Custa nada uma só. A despedida.
​ le pareceu refletir um pouco, mas depois negou com a
E
cabeça.
​— Vamos nos manter assim, é melhor.
​Fiquei tão desanimada com sua negativa que mal consegui
comer direito. Antes de Matteo acordar, ainda demos alguns
mergulhos, mas não durou muito. Precisei amamentar e organizar o
meu menino, e Diego alegou ter alguma coisa para fazer ainda
naquele dia.
​Nós nos despedimos antes do almoço.
​Ele me fez prometer que continuaríamos nos falando com
assiduidade, que levaríamos a sério aquela amizade, e já deixou
marcado um jantar para a semana que vem, assim eu não teria
desculpas de me afastar de vez.
​Apesar de não estar nada satisfeita, concordei com tudo.
Entretanto, a minha autoestima foi para o buraco. Fiquei me
sentindo feia e indesejável, pensando se valeria a pena fazer
algumas cirurgias reparadoras. Eu não queria me sentir daquela
forma, pois para mim era novidade e não sabia lidar com isso.
​E como se não bastasse ter levado um baita fora, de fato,
passei a semana inteirinha pensando naquele homem.
Capítulo 12
Diego
Precisei inventar uma desculpa para não passar um dia inteiro
na companhia de Pérola. Sabia que, se me demorasse, cairia em
tentação e colocaria tudo a perder. Ela era linda, doce, incrível, e
quando usava um biquíni, ficava um espetáculo. Fiquei louco com
cada gesto seu, com o cheiro, o jeito, tudo o que tinha a ver com ela
mexia demais comigo. Claro que não daria certo manter uma
amizade estando tão afetado.
​Eu ainda estava em êxtase quando cheguei ao apartamento, e
essa sensação não modificou ao longo da semana. Não havia mais
nada interessante para fazer além de pensar nela e no meu filho. Foi
por isso que fiz questão de continuar trocando nossas mensagens
casuais, daquela vez com uma intimidade muito maior, apesar de
Pérola ter ficado mais séria e sem suas frases de duplo sentido.
​Conhecer Matteo mudou a minha forma de enxergar o mundo.
Eu me percebi mais otimista e menos deprimido, tanto que me
empenhei na atividade física, na alimentação e nas sessões de
fisioterapia. Precisaria estar inteiro e disposto se quisesse fazer
diferença na vida dele. Também continuei as pesquisas sobre todo o
universo dos bebês. Tinha muita coisa que eu não sabia, uma
infinidade de detalhes que deixaria qualquer um ensandecido.
​— Eu ainda não acredito que você dispensou a gostosa —
Ricardo passou a semana inteira enchendo o meu saco, depois de eu
ter contado sobre a minha decisão. Naquela noite de quarta, então,
ele estava particularmente afiado. — Só você mesmo, Di. Tem
certeza de que a falta de ovo não te transformou num gay?
​Olhei-o feio.
​— Claro que não, imbecil. — Ele se sentou no sofá ao meu lado
e ficou me olhando com desconfiança e divertimento. — O que foi?
​— Se eu fosse você, aproveitava a chance. Lembre-se de que
Pérola Leblanc é uma solteira visada. Essa semana ela fechou
contrato com Rodolfo Porto, um engomadinho solteirão e cheio da
grana. — Rick me mostrou uma foto do homem estampada na tela
de seu celular. O doido escolheu logo uma em que ele usava apenas
sunga, acho que só para me humilhar.
​— Como que você descobre essas coisas, hein? — balbuciei,
engolindo em seco diante da imagem. Era do tipo que as mulheres
iam atrás: alto, barbudo, olhos claros e corpo bombadão.
​Pérola chegou a comentar sobre uma parceria comercial muito
importante, mas não entrou em detalhes. No geral, não
conversávamos sobre trabalho, já que ela usava os nossos papos
para justamente relaxar e se distanciar de sua rotina.
​— Eu leio notícias sobre o mundo corporativo desde que
descobri que você tem um filho que é herdeiro de bilhões.
​Dei de ombros e assoprei com força.
​— E daí que ela fechou um contrato com esse cara? Não
significa que vão...
​O meu amigo soltou uma bufada misturada com um riso.
​— Fala sério, meu chapa. Quanto tempo acha que essa mulher
vai te esperar? Tem uma fila enorme na frente dela e só tô te vendo
perder a vez.
​— Não é assim. Fazia um tempo que ela não saía com
ninguém.
​— Por causa da gestação e dos primeiros meses após o parto.
Matteo já está crescendo, ela vai seguir em frente logo, logo.
​— Eu não me importo que ela saia com outro cara! —
resmunguei, mentindo na cara dura. Claro que me importava. Ainda.
Mas pretendia superar essa situação depressa e me desapegar de
Pérola, ao menos como amante. — Se me importasse, não teria
proposto apenas amizade.
​— Ela vai ser sua amiga até arranjar um namorado, Diego,
deixa de ser besta! Qual homem vai querer a mulher de papinho
com amigo que já pegou?
​Foi a minha vez de bufar. Ricardo tinha razão, talvez por isso eu
tenha ficado muito chateado, a ponto de sair da sala batendo os pés
e me trancar no quarto.
​Dei um soco no guarda-roupa com a mão ruim e soltei um grito
de dor logo em seguida. Atirei-me na cama e fiquei um bom tempo
inerte, olhando para o teto e tentando me recuperar da merda que
tinha feito, tanto em relação à mão quanto à Pérola. Não saber o
que fazer me deixou tão nervoso que senti meus olhos marejarem.
Só não queria perder o Matteo, o restante eu dava conta.
​Será que era pedir demais?
​Como se adivinhasse os meus pensamentos, o meu celular
apitou e uma mensagem da Pérola apareceu na tela:

Pérola: Tudo certo? Acabei de chegar em casa e estou morta.


Dispensei a babá nova.

​ la tinha fechado acordo com uma mulher, selecionada pela


E
sua equipe de recursos humanos, ainda naquela manhã, por isso
estranhei sua decisão repentina. Ricardo ainda nem sabia daquilo,
do contrário me atormentaria mais. Afinal, talvez eu tivesse mais
chance sendo babá do Matteo do que amigo de Pérola.

Diego: Ué, por quê? Ela já fez besteira? Matteo está bem?
Pérola: Acabo de chegar e quando vou pegar Matteo, está todo
cheio de cocô. Parece que tem mais de um ali. Verifiquei todas as
câmeras da casa e, realmente, em nenhum momento do dia a filha
de uma mãe teve coragem de trocar o bebê. O bichinho ficou todo
assado! Estou puta!
Diego: Mas por que ela não trocou?
Pérola: Começou a me enrolar, dizendo que tinha trocado, que o
cocô era recente, mas caralho, não é!
Diego: Pqp!
Pérola: Porra, estou tão putaaaaa que já chorei horrores. Só
estresse hoje nesse cacete!
Diego: Poxa... Queria poder te ajudar.
Pérola: Jacinta já foi embora e agora estou sozinha com uma
criança que claramente está sentindo desconforto. Nem sei o que
fazer!
Diego: Já colocou pomada?
Pérola: Já!
Diego: Então vai ficar tudo bem, linda. Não se preocupe, ele vai se
acalmar, mamar e dormir.
Pérola: Eu espero, porque porra, do jeito que estou estressada, é
capaz de só sair leite em pó do meu peito.
Diego: KKKKKKKKKKKKK desculpa, rindo com respeito!
Pérola: KKKKKKKKK lembrei do filme “As Branquelas”.
Diego: “Sua mãe é tão velha que sai leite em pó das tetas dela.
Você mamava assim...” *soprando pó na cara*
Pérola: ISSO!! Kkkkkkkkkkkkkk

​ omecei a digitar alguma besteira qualquer, mas parei. Pensei


C
um pouco, apaguei o que havia escrito e mandei a pergunta:

Diego: Quer que eu fique com você hoje?

​ érola demorou a responder. Não visualizou, tampouco. Fiquei


P
esperando uma resposta, já desistindo da possibilidade de um
reencontro, considerando que era loucura insistir. Mas eu não
desistiria do meu filho.
​Depois de quase meia hora, ela finalmente enviou:

Pérola: Como amigo?


Diego: Claro. Podemos rever “As Branquelas”, assim você relaxa.

​Ela demorou uns minutos para responder:

Pérola: Hm... Ok. Precisa de carona?


Diego: Não, tudo bem. Vou me arrumar e chego já.
​ ntrei no banheiro feito um furacão e tomei banho na
E
velocidade da luz. Quando terminei de me arrumar e desci pelo
elevador do prédio, a reconhecível Lamborghini estava me
esperando do outro lado da rua. Revirei os olhos, compreendendo
que as coisas seriam sempre do jeito de Pérola. Adentrei o veículo e
pedi ao Gilmar, o motorista, para passarmos em um supermercado
antes.
​Quase quarenta minutos depois avistei Pérola vestida
confortavelmente, à minha espera em sua garagem, segurando
Matteo. Desci do carro com algumas sacolas na mão boa e a abracei
envolvendo o meu braço livre em sua cintura. Aspirei o seu cheiro
divino e contive a vontade de beijá-la. Alguns dias sem vê-la não
tinham feito muita diferença: ainda a desejava ardentemente.
​Deixei um beijo terno sobre a cabeça do meu filho e sorri para
ele. Ver aqueles dois me fazia muito bem.
​— O que foi que você trouxe? — Pérola questionou, divertida.
​— Vou te mostrar, vem!
​Nós subimos as escadas e fomos até a cozinha, onde fui
retirando as embalagens dos produtos comprados e depositando na
ilha. Havia salgadinhos, amendoins, pipoca, refrigerante, chocolate,
paçoca e uma infinidade de besteiras. Pérola arregalou os olhos.
​— Você vai mesmo sabotar a minha dieta assim? Ainda é
quarta.
​— Hoje você merece tudo. Vem cá, me dá o Matteo e se deite
no sofá. — Abri os braços na direção do moleque e Pérola me olhou
com o queixo caído.
​Demorou-se um pouco, talvez decidindo se faria aquilo ou não,
porém, enfim, entregou-me o bebê e quase surtei de felicidade. Ela
precisava confiar em mim com urgência. Apesar de meio aborrecido,
Matteo estava calmo e sonolento. Era questão de tempo até que
dormisse.
​Pérola soltou um gemido quando finalmente se deitou,
largando as chinelas no chão para colocar os pés apoiados na
braçadeira do sofá. Levei um chocolate até ela, que o pegou e me
observou de baixo.
​ Obrigada. Você é maravilhoso, Diego. Como sabia que eu

estou na TPM?
​— Pelo seu jeito de conversar.
​— Jeito? Que jeito?
​— Sei que seu dia foi difícil, mas nesse tempo em que estamos
conversando, mesmo cansada, você nunca soltou tantos palavrões!
​Ela riu um pouquinho, passando uma mão pela testa.
​— Foi mal!
​— Não se desculpe. Você é uma fofa falando palavrão, ou
melhor, digitando.
​Sua risada aumentou de volume.
​Comecei a ninar Matteo enquanto ela comia o chocolate e
parecia se deliciar de verdade, feito uma criança apressada. Sujava
os dedos e as bochechas sem se importar com as aparências. Eu
adorava aquilo na Pérola. Em casa, parecia outra pessoa.
O moleque encostou a cabeça no meu ombro e senti que
dormiria mais depressa do que pensei. Pérola não deixou de
perceber esse fato.
​— Você é tipo um encantador de nenéns? — sussurrou, para
que ele não se sobressaltasse.
​— Devo ser — murmurei de volta, dando de ombros.
​A verdade era que eu estava com sorte. Ou, talvez, Matteo
soubesse que ali com ele era seu pai, que estava bem e seguro
comigo. Bom, provavelmente o bebê não fazia ideia, mas eu queria
sonhar com isso.
​— E é tão calmo lidando com Matteo...
​— Eu sou calmo. Minha profissão me exigiu muita paciência,
até que me acostumei.
​— Verdade. Você tem muito jeito, Diego.
​— Que bom que acha isso.
​Ela ficou me olhando de uma maneira tão intensa, e por tanto
tempo, que fiquei um pouco constrangido e acabei virando o rosto.
Vi meu reflexo através da parede envidraçada da sala. Gostei do que
vi: a minha versão cuidado do meu filho era mil vezes melhor do que
a do homem que se martirizava pela esterilidade e deficiência.
​Eu ainda podia ser útil.
​ Pérola... — virei-me para ela em um rompante, porém a

mulher já estava em pé e se aproximava de nós.
​— Diego, eu...
​Nós paramos de falar e sorrimos.
​— Pode dizer — murmurei.
​— Não, diga você.
​— Não, eu...
​Pérola soltou um resmungo, mas ainda sorria de leve.
​— Ok, eu falo. Posso me arrepender depois e tudo pode dar
muito errado, mas... — ela bateu as mãos nas laterais do corpo. —
Já que seremos amigos e... Bom — parou, arquejou e prosseguiu: —
Vamos fazer um teste com o Matteo? Aceita o cargo de babá?
​Eu olhava para ela enquanto piscava inúmeras vezes.
​— Era tudo o que eu queria, Pérola, que me desse uma
chance. Eu ia falar justamente sobre esse assunto.
​A mulher assentiu e ficou me analisando.
​— Eu não sei se vai dar certo.
​— Claro que vai. Garanto que darei o meu melhor, você vai ver
— falei aquilo mais para mim mesmo do que para ela. A verdade era
que estava muito nervoso. Em um nível impensável. As minhas mãos
tremiam, mas as escondia bem no corpinho miúdo de Matteo.
​Pérola prendeu os lábios.
​— Quando vai poder começar? — perguntou em um tom fraco.
​Olhei para um lado e para o outro, sorrindo.
​— Agora, se quiser.
​— Preciso te mostrar os termos e o contrato. Você nem sabe
quanto vai ganhar. É uma mudança e tanto, Diego, literalmente. Vai
precisar se mudar para cá durante a semana.
​— Eu sei — engoli em seco.
​Ainda precisava conversar com Ricardo, mas ele entenderia e
minhas coisas continuariam no apartamento, claro. Eu o manteria
como sempre, só não dormiria lá em dias de semana. Era bronca
boba para resolver.
​— Ter você aqui todos os dias... Nós... Vamos precisar
estabelecer limites — Pérola prosseguiu, parecendo tão nervosa
quanto eu.
​ Eu sei — minha voz saiu ainda mais fraca.

​— Eu te queria na minha vida de outra forma e não sei se
estou pronta para desistir disso.
​Pérola me deixou arrasado com aquela frase. Não esperava que
estivesse envolvida dessa maneira. Limitei-me a olhá-la fixamente,
sem saber o que responder. Se eu a queria de outra forma?
Evidentemente. No entanto, feito um covarde, desviei a atenção
para Matteo e tentei dizer a mim mesmo que tudo aquilo era por
ele.
​— Não quero machucar seu coração — voltei a falar, tão baixo
que meu filho continuou bem quietinho. — Jamais me perdoaria. E
nem quero ser machucado. — Ergui meus olhos para ela.
​Pérola aquiesceu.
​— Não posso te prometer nada, então acho melhor deixar
como está.
​— Sim.
​— Mas não precisa ser tão formal. Podemos ser amigos ainda.
Ver filmes, bater um papo, tomar um vinho... — ela deu de ombros.
— Nada nos impede.
​— Como quiser.
​— Só não me processe se em um dia de carência eu tentar
alguma coisa — ela falou rindo, mostrando que era brincadeira, mas
senti o cunho de verdade por trás de sua frase aparentemente
despretensiosa.
​Eu ri junto com ela para não formarmos nenhum clima ruim.
​Depois de um tempo, ficamos sérios e calados. Não adiantou
evitar.
​Balancei a cabeça em negativa.
​— Siga em frente, linda. Por favor, não tente nada.
​Ela fez uma careta muito feia.
​— Sei muito bem manter o respeito, eu estava brincando. —
Pérola mudou da água para o vinho até em sua postura. Manteve-se
altiva, com o nariz erguido e a voz extremamente comedida.
​Não gostava quando ficava assim, mas apenas assenti.
​— Eu sei. Só não quero que se prenda, que espere ou, sei lá...
Estou sendo bem franco, para não haver dúvidas. Não pretendo te
machucar. Quero te ver bem e feliz.
​— Não há a menor dúvida — resmungou e caminhou na
direção das escadas. — Acompanhe-me até o escritório, vou te
mostrar o contrato.
​— Claro.
​No caminho, deixamos Matteo no berço e ligamos a babá
eletrônica no sistema da casa. Pérola foi me dizendo de maneira
geral como funcionava esse sistema e alguns detalhes do meu mais
novo serviço.
​Entramos em um escritório que ficava após o hall, no segundo
andar. Era amplo e bem estruturado, com um verdadeiro arsenal de
livros, computadores e uma mesa grande de reuniões. Pérola se
sentou à sua cadeira executiva e me mostrou a poltrona da frente,
onde me sentei e a observei em sua postura profissional.
​Ela procurou um arquivo no seu Macbook e o imprimiu,
entregando-me as folhas em seguida. Comecei a ler. Eram cláusulas
e mais cláusulas, além de uma descrição completa do cargo e das
remunerações.
​— Presumo que não vá querer perder seus benefícios da
licença, então podemos não assinar a sua carteira de trabalho por
agora, porém preciso desse contrato assinado, certo?
​— Sim, está ótimo. — Voltei a me dirigir para os papéis: — Está
de brincadeira... Isso tudo? — apontei para o salário. Era mais do
que eu ganhava com os plantões, sem contar com os bônus que
Pérola oferecia. — Sério? E a mulher não trocou nem uma fralda de
cocô?
​Pérola parecia bem insatisfeita:
​— Pelo que entendi, ela tinha nojo. Achei um vídeo, durante a
tarde, que ela até tenta, mas quase vomita. Não sei por que se
inscreveu e aceitou, pelo visto foi só para me fazer perder tempo
mesmo.
​— Cada doido nesse mundo. Por esse salário, eu limpo quantos
cocôs você quiser.
​Ela finalmente soltou uma risada, ainda que comedida.
Continuei a ler o contrato com bastante atenção. Eram tantos
detalhes que fiquei meio desnorteado, sem saber se daria conta,
mas jamais desistiria. Poderia ter escrito qualquer coisa ali, a
resposta seria a mesma, porém aquela mulher séria diante de mim
não podia desconfiar das minhas intenções.
​Por fim, depositei as folhas sobre a mesa com tampo preto.
​— E então, aceita?
​— Eu seria muito louco se não aceitasse, Pérola. Queria te
dizer que esse emprego vai me trazer propósito, além de me ajudar
a construir um futuro que perdi por causa do acidente — abri o meu
coração, pois achava que seria importante para que me entendesse.
— Estava deprimido em casa, sentindo-me incapaz, e te ajudar a
cuidar de Matteo será uma honra. Já gosto muito dele, é uma
criança e tanto. Tenha certeza de que farei de tudo para termos uma
relação favorável.
​Ela assentia, gostando do que estava ouvindo e sorrindo meio
de lado, como se estivesse alegre e triste, tudo ao mesmo tempo.
​— Obrigada — murmurou depois que me calei. — Matteo é o
meu tesouro mais precioso, Diego. Por favor, não vacile conosco.
Estou te dando um voto de confiança, mas tudo aqui é monitorado.
Eu saberei se vacilar.
​Segurei a sua mão por cima da mesa. Apertei forte os seus
dedos entre os meus e a olhei profundamente.
​— Não vacilarei. E, se acontecer, não será com intenção, de
forma alguma.
​— Vacilos sempre acontecem, cuidar de criança é muito
complexo, é tentativa e erro, mas acho que você entendeu do que
estou falando. Eu me refiro a coisas sérias.
​— Eu sei. Não se preocupe, sou do bem.
​Pérola assentiu de novo e me ofereceu a mão para um
cumprimento. Eu a apertei sem qualquer hesitação e traçamos um
acordo silencioso, com olhares que iam muito além do que
empregado e patroa. E, para ser sincero, além de amizade.
​Um dia, talvez, nós conseguíssemos nos olhar sem segundas
intenções. Mas esse dia não era aquele.
Capítulo 13
Pérola
Aquela não era a melhor resolução e o meu corpo estava
ciente deste fato. Mal conseguia olhar para Diego sem o desejar em
minha cama, gemendo no meu ouvido e me fodendo de forma
brutal, como fez no fim de semana. Seu sabor ainda circulava em
meus sentidos, bem como o cheiro e a sensação do toque. Estava
muito recente para esquecer assim, sem mais nem menos.
Demoraria um pouco para que eu me acostumasse com a ideia de
não tê-lo outra vez.
Mas ele estava decidido, havia deixado bastante claro, em
manter uma relação profissional e, no máximo, fraternal. Claro que
eu estava desconfiada e me sentindo péssima, afinal, jamais
acontecera nada parecido comigo. Ainda não entendia bem os
motivos que Diego possuía para me dispensar, para sequer
tentarmos um aprofundamento. Eu gostava de sua amizade, claro, e
não queria perder o que tínhamos, mas não a ponto de abrir mão
dos meus desejos.
Esperei, em silêncio, que relesse o contrato, então Diego
pegou uma das canetas dentro de um porta-lápis preto e
simplesmente assinou. Achei que fosse demorar mais um pouco, ou
me perguntar alguma coisa, porém estava convicto, ciente e parecia
muito decidido. Eu poderia entender, a grana era boa. Jamais
pagaria mal uma pessoa que precisaria abrir mão de boa parte de
seu tempo para se dedicar ao meu filho. Funcionário mal pago é um
funcionário ruim, eu já tinha aprendido essa máxima tocando as
empresas Leblanc.
No entanto, será que ele tinha ciência de que poderia ter
muito mais estando comigo?
Balancei a cabeça em negativa, chocada com meus próprios
pensamentos. Dinheiro não deveria ser um fator para alguém me
querer, e por isso rejeitei todos os homens que passaram pela minha
vida. Não consegui me separar da ideia de que eu, por mim mesma,
não valia tanta coisa assim, já que Diego, uma pessoa que
aparentemente não ligava para a minha fortuna, não me queria, e
todo o restante só desejava a grana. Será que um dia receberia
amor despretensioso?
​Eu duvidava. Era a minha sina por ter nascido em berço de
ouro.
​Diego me entregou o contrato e, sem hesitar, assinei na última
linha. Não havia o que ser discutido, aquele homem era jeitoso com
Matteo, uma boa pessoa e ainda possuía experiência na área de
saúde, de forma que o meu filho estaria sempre protegido, com um
profissional que saberia o que fazer caso desse merda. Alguém
melhor do que a própria mãe, com certeza.
​Prendi os lábios e, quando ergui a cabeça para olhá-lo, Diego
estava sorrindo para mim. O meu coração desgraçado não deixou de
errar algumas batidas, mesmo que eu implorasse internamente para
que não fizesse isso comigo.
​— Acho que vou precisar buscar minhas coisas... Para amanhã
cedo já estar com tudo pronto — ele disse em um tom manso. Ainda
assim, sua perna chacoalhava embaixo da mesa, sinal de que estava
nervoso, e não calmo, como aparentava.
​— Sim. Vem comigo, vou te mostrar onde você vai ficar.
​Eu me levantei e Diego me seguiu para o andar de baixo.
Entramos em um corredor e depois em outro, até a área dos fundos,
onde ficava a dependência de funcionários, perto da arejada área de
serviço. Aquela parte era a mais escondida da casa. Jacinta possuía
um quarto de apoio e havia um extra, que naquele momento
passaria a pertencer a Diego.
​Abri a porta e entramos.
​— Nossa... — Diego assobiou. — É maior que o meu quarto —
soltou um riso suave.
​ le percorreu o ambiente devagar, prestando atenção nos
E
detalhes. Não tinha tanta coisa assim, ele estava exagerando na
admiração. Apenas uma cama de casal de tamanho comum, duas
mesas de cabeceira em cada lado, uma delas com um abajur branco,
e um guarda-roupa branco embutido. Havia também uma mesa que
apoiava a TV de 40 polegadas. Numa parede, duas prateleiras vazias
e um único vaso com uma planta que merecia ser regada.
​— Aqui é o banheiro? — ele apontou para uma porta fechada.
​— Sim, é uma suíte. Assim, você ficará mais confortável e com
sua privacidade intacta. — Diego assobiou. — Compreendeu bem
seus horários de descanso?
​— Sim, está ótimo.
​— Aproveite-os. Matteo é bem cansativo, você vai ver.
​— Tenho certeza de que será tranquilo... — murmurou
enquanto se sentava sobre o colchão e chacoalhava um pouco,
testando as molas. Era uma boa cama, com lençóis caros e
cheirosos. Eu não oferecia qualquer desconforto a nenhum
subordinado, tanto que também havia um ar-condicionado disponível
para os dias mais quentes.
​— Dois dias na semana a Taciana vem limpar a casa. Em um
deles, ela também limpa os quartos dos funcionários, mas peço para
que mantenha tudo em ordem, assim fica mais fácil.
​— Sim, sim, pode deixar. — Diego se levantou e parou na
minha frente.
​— Pode trazer suas coisas e decorar da forma que achar
melhor — apontei para as prateleiras. — Vou imprimir a grade de
horários do Matteo e é bom que você a pendure em algum lugar,
para consulta. Ele já é acostumado com essa rotina.
​— Tudo bem.
​Diego, de repente, tinha ficado muito sério. Podia ver o
nervosismo em seus olhos meio esbugalhados, e por um lado isso
me deixou aliviada. Eu estaria com muito mais angústia se ele
estivesse totalmente tranquilo, porque seria um sinal de que algo
estaria errado. Não dava para ficar calmo diante de um emprego
com aquele nível de comprometimento.
— Amanhã cedo eu te mostro onde ficam as coisas de
Matteo. Está meio tarde, é melhor você ir pegar seus pertences de
uma vez. Tem certeza de que quer começar já? Pode vir só amanhã
ou depois, eu dou um jeito de...
— Está tudo bem, Pérola. Não tenho tantas coisas assim. Vou
pegar o que é essencial para ficar até o sábado e voltar a tempo de
assistirmos ao filme.
Ele abriu um sorriso e não pude evitar sorrir também. Achei
que o nosso filme tinha sido cancelado. Considerei até a ideia de que
nossa amizade não seria a mesma, mas pelo visto Diego queria
tentar de verdade manter a nossa relação mais estreita.
O homem deu um passo na minha frente e segurou meus
ombros.
— Enquanto isso, manda ver nos chocolates e fica tranquila.
Vai dar tudo certo e você não está mais sozinha.
Assenti, de repente sentindo vontade de chorar. Era muito
difícil que eu chorasse, geralmente me segurava bem e sabia lidar
com as situações com bastante frieza. Mas estava meio fragilizada
naquela noite, de forma que meus olhos realmente marejaram
enquanto o observava.
— Obrigada — sussurrei.
Diego me deu um beijo terno na testa e, enfim, voltamos
para a cozinha enquanto conversávamos sobre as tantas
dependências da casa, e que Diego ainda não conhecia.
Depois, pedi para que o motorista o levasse e fiquei o
esperando enquanto saboreava as guloseimas. Fazia muito tempo
que eu não sentava no sofá de forma verdadeiramente relaxada
para assistir a qualquer coisa, menos ainda com tanta besteira para
comer sem preocupações.
Acabei ligando para o meu chefe de segurança e contando a
novidade. Todo cuidado era pouco. Eu ainda não estava acostumada
com a ideia de ter um homem como babá, precisava me sentir
segura e, apesar de confiar em Diego, não seria estúpida a ponto de
vendar meus olhos.
— Não se preocupe, senhorita, vamos ficar atentos aos
passos de Diego Castro dentro de sua residência — Hermes avisou
de uma maneira muito profissional. — Diante de qualquer alteração,
será imediatamente informada.
— Obrigada, Hermes. Quero segurança redobrada nos
primeiros meses, mas por favor, sejam discretos. Não é legal que
Diego se sinta vigiado.
— Sem problemas. Faremos um trabalho discreto.
— Obrigada, até mais! — desliguei e fiquei um tempo olhando
para o teto, pensando no futuro e em como seria ter aquele homem
sensual o dia inteiro perambulando na minha casa.
Diego voltou pouco mais de uma hora depois, com uma mala
de tamanho médio e uma mochila às suas costas. Achei que traria
muito mais coisas, porém, pensando melhor, ele teria tempo de
trazer seus pertences maiores aos poucos. Ao menos parecia
disposto, tanto que sorria e mantinha o semblante iluminado,
enchendo-me de uma sensação gostosa.
Deixamos suas bagagens na dependência e voltamos para a
sala, prontos para assistirmos à comédia que adorávamos. Passamos
uma noite muito agradável. Nem parecia que Diego era o meu mais
novo empregado, agiu como um amigo comum e até massageou os
meus pés durante o filme, sem nenhum constrangimento.
Algo dentro de mim alertava que tê-lo por perto seria melhor
do que os meus medos poderiam supor.

Pela manhã, a minha vida sempre virava de cabeça para baixo


e eu vivenciava um pequeno inferno, umas duas horas de puro caos.
Deixar o Matteo pronto enquanto me arrumava era um desafio diário
que eu vinha levando como podia. Porém, naquele dia, quando abri
os olhos, nada estava acontecendo. O meu filho não chorava com
fome. Não havia solicitações de qualquer tipo em meu celular.
Parecia que estava no paraíso.
Vesti o meu robe por cima da camisola e encontrei um
cenário incomum na cozinha de casa. Jacinta conversava com Diego
como se já fossem velhos conhecidos, e Matteo estava sentado à
sua cadeirinha de alimentação, mastigando uma gosma amarelada
que me deu arrepios. Ele estava calmo e brincava com um chocalho.
— Mas o que está acontecendo aqui? — perguntei, confusa.
Aproximei-me de Matteo com os olhos esbugalhados. — O que ele
está comendo?
— Fiz uma papinha com algumas verduras cozidas, sem sal
ou temperos. Ele está adorando! — Diego disse, oferecendo a
Matteo mais uma colherada pequena.
O neném comeu com muita empolgação, melando a boca
toda, que foi limpa imediatamente com um paninho. O homem
estava sentado à cadeira de perna alta, empunhando um prato de
plástico e a colherinha especial para bebês. O pano estava apoiado
em seu ombro.
— Mas ele... Ele ainda não come. De vez em quando dou uma
fruta amassada e... — balbuciei, atônita. Ver Matteo comendo
salgado me deixou sem palavras. Uma vez tentei dar uma papinha,
daquelas prontas, e ele odiou.
— Já está na hora de integrar comida de verdade na dieta
dele, Pérola, já tem sete meses. Está um rapaz. Quer dizer, se não
quiser, tudo bem, só fiz um teste e...
— Não, não... A pediatra já tinha me alertado, eu que passei
muito tempo sem babá e fiquei fazendo o que era mais básico, mais
rápido.
— Essa alimentação salgada é perfeita para a hora do almoço,
mas como não achei frutas, fiz o que estava ao meu alcance. Jacinta
que as trouxe quando chegou agora a pouco — ele apontou para a
cesta repleta de frutas frescas recém-compradas.
— Matteo já está trocado?
— Sim, já tomou banho de sol cedinho e depois de água
morna. Coloquei a pomada e a assadura está melhorando — Diego
sorria, animado. — Está trocado e cheiroso, não é, bebê? — Brincou
com o nariz da criança, que fez um barulho engraçado.
— Bom dia, Pérola! — Jacinta apareceu por trás da ilha e me
deu um beijo na testa. — O que quer para o almoço?
— Eu... Bom, resolva com Diego. Acho que vocês já se
apresentaram, não é?
— Sim, sim. Confesso que me assustei ao vê-lo na cozinha
tão cedo, mas já fizemos as apresentações. — Jacinta estava
animada e corada. Algo me dizia que Diego tinha tudo a ver com seu
humor.
— E agora? Amamento? — perguntei, toda perdida, olhando
para o novo babá, que aparentemente sabia das coisas muito mais
do que eu.
— Você amamentou de madrugada, não faz tanto tempo, e
esse alimento salgado é mais forte, apesar de eu ter feito mais
ralinho para não prejudicar. Acho que ele aguenta bem até o almoço,
está comendo o prato todinho. Qualquer coisa, amasso uma fruta
antes.
— Certo...
— Amanhã a gente se planeja melhor para não ficar com as
alimentações trocadas. Mas se você quiser, posso levá-lo até você
hoje, em vez de deixar seu trabalho para vir em casa amamentar.
Jacinta falou que você não gosta de refrigerar seu leite materno.
— Hum... — pisquei os olhos muitas vezes em sua direção. —
Nunca tinha deslocado Matteo em vez de me deslocar. É tão
complicado levar um neném para qualquer lugar que...
— Não se preocupe, cuido de tudo. Que horas chego?
— Onze e meia. Vou deixar o motorista ciente. Precisa fazer
uma mala com água, fraldas e...
— Ótimo, não esquente, sei o que fazer.
— T-Tudo bem... E-Eu... V-Vou tomar um banho para ir.
— Não vá sem comer nada! — Jacinta alertou de frente para
o fogão, atravessando a nossa conversa.
— Eu te espero para o café da manhã — Diego piscou um
olho e, novamente, fiquei sem reação.
Nós íamos fazer as refeições juntos? Aparentemente, sim.
Constatei definitivamente essa informação quando, já vestida
para trabalhar, desci as escadas e o encontrei sentado à mesa, com
Matteo sentadinho também e tudo pronto para o desjejum. Parecia
um sonho que eu não precisasse me preocupar com nada. Nenhuma
babá tinha sido tão eficiente assim, sobretudo no primeiro dia de
serviço. Elas costumavam ser enroladas e inseguras.
Diego veio atropelando tudo, porém de forma positiva.
Deixei a maleta preta sobre um móvel e me sentei à mesa.
— Você está linda — Diego comentou de um jeito divertido,
creio que para que eu não me confundisse e pensasse que estivesse
me cantando. — Esse seu visual de executiva é muito poderoso.
Sorri para ele, que vestia apenas jeans e camisa branca. Eu
não possuía um uniforme masculino, por isso não ofereci nada a ele.
Precisava mandar fazer um apropriado.
— Obrigada.
— Dormiu bem?
— Sim, apesar de termos deitado tarde.
— Verdade — piscou um olho na minha direção enquanto se
servia com o café fumegante preparado por Jacinta.
Eu estava me sentindo estranhamente bem e calma. Fazia
muito tempo que não tinha uma manhã tão agradável em um dia de
semana.
Entramos em um papo bacana, sem alarmes, apesar de eu
ter deixado várias recomendações sobre Matteo e demais detalhes
para aquele dia. Diego parecia tranquilo e me tranquilizou muito, por
isso, antes de ir embora, quando dei a última olhada em todos,
enfim percebi que podia trabalhar em paz, coisa que sequer ousei
sonhar em fazer nos últimos meses.
Capítulo 14
Diego
Assim que Pérola saiu de casa rumo ao trabalho, enfim, soltei
todo o ar dos pulmões e me dei o direito de surtar. As coisas não
estavam tão no controle quanto fiz parecer, mas pelo menos ela não
notou que, na verdade, eu não passava de uma grande fraude. Por
mais que tivesse lido a respeito, lidar com um bebê não era simples
e precisei ter muito jogo de cintura nas primeiras horas no meu novo
serviço.
​Eu não possuía a experiência necessária, era tudo muito novo e
esquisito. Uma enfermaria infantil funcionava de forma bem
diferente do que aquilo. Sem contar que percebi que Matteo não era
o único precisando de uma babá: Pérola necessitava de cuidados
que não fornecia a si mesma e não havia ninguém por perto
preocupado com isso a não ser Jacinta, que focava mais na questão
alimentar da patroa.
​Achar as roupas certas e todos os itens de higiene de Matteo
foi um saco. Tudo estava muito organizado, claro, mas em locais
nada práticos para quem estava mais preocupado com o bebê do
que com a estética de seu quarto repleto de objetos decorativos
caros. Dar banho nele foi outra novela: quase morri de medo de
deixá-lo escorregar e se afogar por causa da minha mão ruim, que
pela manhã ficava sempre pior.
A parte mais “fácil” foi preparar aquela sopinha de legumes,
pois eu já gostava de cozinhar, contudo, mesmo assim precisei rever
várias receitas para não colocar nada que prejudicasse o pequeno
estômago do meu filho. No fim, deu tudo certo, mas poderia não ter
dado e eu ainda sentia meu coração acelerado de pavor.
A única certeza que eu tinha era a de que tentaria até o meu
limite.
​Sem saber o que fazer com aquela criança durante toda a
manhã, embora estivesse feliz e realizado por poder ter sua
companhia o tempo todo, conferi a lista de sua rotina e descobri que
havia uma brinquedoteca adaptada em um dos quartos no andar de
cima. Fui até lá e, ao abrir a porta, fiquei maravilhado. Era um
quarto inteiro dedicado às brincadeiras, mais especificamente para
bebês.
O piso era todo revestido por um emborrachado colorido e
havia estantes pequenas onde jogos de montar e os mais variados
brinquedos estavam dispostos. Percebi que nas prateleiras maiores
jaziam itens para crianças mais velhas, que provavelmente seriam
usados apenas quando Matteo crescesse.
Era um paraíso para qualquer criança, e também foi para a
minha interior.
Passei um bom tempo admirando o riso que Matteo soltava
toda vez que conseguia tocar algum brinquedo que fazia barulho.
Ele engatinhou pelo quarto inteiro atrás das coisas mais
interessantes e brilhosas, parecia se divertir horrores. Era um
ambiente legal porque ele podia ficar livre. Com tudo adaptado, não
havia qualquer perigo, embora, claro, nenhum bebê poderia ficar
sem assistência, por isso o acompanhei o tempo todo.
Nós só paramos quando Jacinta trouxe o lanche: sanduíche e
suco para mim e maçã amassada para Matteo. Comemos ali mesmo,
juntos, com o bebê no meu colo enquanto balançava um chocalho e
mastigava. Entendi que, se todos os dias fossem daquela forma,
seria agradável e fácil demais manter o emprego. No entanto, o
pensamento veio cedo demais, porque Matteo começou a chorar
copiosamente e fiquei sem entender nada. A fralda estava com xixi,
por isso deixamos a brinquedoteca e o troquei de forma meio
enrolada, já que seu choro não cessou.
Achei que fosse pela assadura, mas estava cicatrizando bem
por conta do poder mágico da pomada. Tomei-o em meus braços e
comecei a niná-lo enquanto, desesperado, procurava a lista da rotina
em meus bolsos. Decidi ficar com ela por perto para consulta, porém
quase me desequilibrei porque minha perna deu uma vacilada.
Sentei-me com ele na cadeira de balanço que havia dentro de seu
quarto e tentei respirar. Eu não podia me desesperar, do contrário
não conseguiria fazer nada direito.
Aspirei fundo enquanto Matteo ainda chorava, enroscando-se
em mim.
— O que foi, meu filho? — sussurrei, tentando fazer com que
ele permanecesse em uma posição confortável, já que se mantinha
inquieto. — Por que você está assim? Será que é alguma dor?
Não sabia mais o que pensar quando Jacinta adentrou o
quarto.
— Oh, está na hora do passeio dele.
— Passeio? — questionei, confuso. Droga. Eu deveria ter
decorado a lista.
— Sim, no jardim — Jacinta abriu um sorriso delicado. Ainda
bem que ela era agradável e uma mãezona. — Ele fica inquieto
quando não tem passeio. É só colocar ele no carrinho e procurar
uma sombra. O bichinho dorme assim.
— Ah... — soltei um suspiro.
Fiz tudo como Jacinta recomendou: desci ao térreo, preparei
o carrinho de bebê e tomei todo cuidado do mundo para deixar
Matteo bem preso. Foi só depositá-lo lá que o neném parou de
chorar. Suspirei de alívio quando aconteceu.
Caminhei com ele pelo jardim, percebendo que havia partes
que eu ainda não conhecia, pois precisava descer uma rampa para
chegar. Sabia que o terreno era extenso, mas só tive noção quando
segui uma trilha cimentada ladeada por arbustos, árvores e plantas
das mais variadas espécies. Claro que Pérola tinha contratado um
bom serviço de jardinagem, constatei quando encontrei um homem
cuidando de alguns vasos, trajado de um uniforme com o emblema
de uma empresa terceirizada. Acenamos um para o outro e nos
saudamos educadamente, enquanto eu prosseguia com o meu
caminho.
Alcancei uma pequena área circular onde havia alguns bancos
adornados e um chafariz moderno no centro, com uma escultura de
Buda jorrando água pelas mãos elevadas em posição de meditação.
Era tipo um átrio bem legal, silencioso e com uma energia incrível.
Gostei tanto do lugar que me sentei em um banco enquanto Matteo
já estava com os olhos semicerrados, quase dormindo. Sorri para ele
e inspirei o ar puro proporcionado pela vegetação.
Meu Deus, eu me sentia no paraíso. Nunca pensei que fosse
ficar tão bem comigo mesmo desde o acidente.
Aproveitei o momento de paz para, enfim, encontrar a lista no
bolso e fazer algumas notas mentais. Nada poderia passar
despercebido. Sabia que com o tempo tantos detalhes fariam mais
sentido e eu tiraria de letra, mas a primeira vista era muita coisa
para decorar. Matteo tinha até aula de natação para bebês duas
vezes na semana – em que eu deveria acompanhá-lo juntamente
com uma professora – e uma sessão de reiki nas tardes de terça.
Havia o momento musical, os estímulos sensoriais para fazê-lo andar
depressa e a visita de uma fonoaudióloga semanalmente.
Se aquele bebê não fosse um prodígio quando crescesse, eu
não saberia quem mais poderia ser.
Fiquei cerca de meia hora pensando na vida, até que percebi
que estava atrasado para encontrar Pérola na hora do almoço,
quando Matteo deveria mamar. Ainda dormindo, levei-o para dentro
de casa e deixei-o com Jacinta por alguns minutos, enquanto
preparava a bolsa de passeio. Havia uma especificação bem
detalhada para isso na interminável lista, portanto foi mais fácil
saber o que levar e o que deixar.
O motorista já estava a postos quando desci na garagem com
o neném ainda sonolento em uma cadeirinha própria para o carro.
Talvez aquele não fosse o melhor horário para tirá-lo de casa, mas
no dia seguinte poderíamos mudar a logística, de modo a deixar
Matteo mais confortável.
Em menos de meia hora entramos na garagem de um prédio
espelhado imenso, pertencente ao Grupo Leblanc. Tudo era tão
sofisticado que tremi nas bases. Eu deveria ter me vestido melhor,
mas, na correria, continuei com meus velhos jeans e a camisa
branca sem graça. Não me lembrava sequer de ter penteado o
cabelo ou recolocado o desodorante. O motorista me deu um cartão
de acesso que eu deveria usar no elevador, guiando-me para o
andar dezoito, onde Pérola dirigia os negócios da família.
Eu me enrosquei completamente entre segurar Matteo, ainda
na cadeira, e usar o cartão, até que alguns caras entraram no
elevador e um deles disse:
— Permita-me?
Olhei para ele com um sorriso forçado. Odiava me sentir
incapaz, porém não pude negar a ajuda. Assenti meio sem jeito,
então o homem, que usava terno e um perfume marcante, que
certamente era caro, passou o leitor do cartão e o número dezoito
acendeu. Ele me devolveu e sorriu, depois olhou para o Matteo e
franziu o cenho.
​Um homem enorme, que o acompanhava, usou outro cartão
para acender o número vinte e as portas, enfim, fecharam. O
primeiro cara continuou olhando o neném com certa desconfiança, o
que me deixou em alerta.
​— Este é o meu neto? — perguntou, apontando. — Matteo? O
que você faz com ele? — enfim, encarou-me, e não parecia nada
satisfeito. — Quem é você?
​Meu corpo inteiro paralisou. Então aquele era o famoso Jacob
Leblanc? Nunca o tinha visto pessoalmente, e confesso que não o
reconheci, talvez pela vergonha e desespero de não conseguir usar a
porra de um cartão sozinho. Mas seu semblante charmoso estava
estampado em diversos locais da cidade e sua influência era maciça
no mundo corporativo.
​— Me perdoe, senhor, não o reconheci — falei, erguendo a
mão ruim porque a boa segurava Matteo. — Sou Diego Castro, novo
babá do Matteo. Vim encontrar a senhorita Pérola Leblanc para que
ele possa mamar.
​Ainda desconfiado, Jacob ergueu a mão e me cumprimentou
com bastante força.
​— Babá? — fez uma careta.
​— Sim, senhor.
​ segundo homem, provavelmente segurança do senhor
O
Leblanc, soltou um risinho, e seu chefe o acompanhou. O elevador
subia lentamente, o que estava me deixando sem paciência e
agoniado. A presença do pai de Pérola era angustiante.
​— Não sabia que existia babá homem.
​Dei de ombros.
​— Bom, existe eu. Sou enfermeiro com experiência na área
infantil — acrescentei com certo cuidado, pois era uma meia
mentira. — Hoje é o meu primeiro dia de serviço.
​— E nenhum segurança está acompanhando o meu neto por
qual motivo?
​Novamente, dei de ombros.
​— Sinceramente, eu não sei, senhor. Eu vim com o motorista,
mas ele ficou na garagem. Só estou fazendo o que dona Pérola
solicitou — usei um termo bem formal para me referir a ela, para
que Jacob não desconfiasse que éramos amigos.
​— Leandro — ele acenou para o segurança em um tom sério e
até meio irritado. — Solicite alguém para acompanhar Matteo. Pérola
sabe que não pode deixar meu neto sem supervisão apropriada —
resmungou.
​— Sim, senhor — o segurança sacou um celular de dentro do
bolso e começou a falar com alguém.
​Tentei não me sentir ofendido. Aquela gente rica vivia com
profissionais a tiracolo. Eu, de fato, não saberia o que fazer diante
de um sequestro ou algo do tipo. Mas de uma coisa tinha certeza:
nunca deixaria que machucassem o meu filho, nem que eu tivesse
que pagar com a minha própria vida.
​— Não saia do prédio sem acompanhamento — Jacob Leblanc
se referiu a mim, e assenti prontamente. — Vou mandar alguém
para a sala de Pérola.
​— Sim, senhor — respondi.
​O elevador, finalmente, parou no andar da direção. Saudei os
dois homens, que ficaram imóveis, e saí antes que o avô de Matteo
falasse mais alguma coisa que me constrangesse. Tentei andar de
maneira correta enquanto as portas não se fechavam, mas foi tarefa
quase impossível. Sentia olhares avaliativos queimando as minhas
costas e, infelizmente, saí mancando mais do que meu ego
suportava.
​Encontrei uma espécie de recepção ampla logo adiante e me
apresentei à funcionária, que logo me guiou para a sala de Pérola.
​Ela estava completamente altiva sentada à sua mesa, com um
Macbook repousado lateralmente e uma pilha de papéis que me deu
certa pena. Usava os óculos de armação transparente, e a considerei
tão sensual que precisei conter um arrepio de excitação. Pérola
sorriu, deixou os óculos sobre a mesa e se levantou assim que nos
viu, adiantando-se para verificar o Matteo dentro da cadeirinha.
​— Como foi essa manhã? Complicada? — perguntou,
erguendo-se para me analisar.
A sua recepcionista nos deixou a sós prontamente, fechando
a porta atrás de nós.
​— Hum... — pensei bem antes de responder. — É desafiante.
Mas foi agradável, de modo geral.
​Pérola assentiu.
​Depositei a cadeirinha sobre o sofá de couro preto, muito
elegante, e a ajudei a retirar Matteo. Pérola o apoiou em seu colo e
se aconchegou antes de simplesmente colocar o peito para fora e
começar a dar de mamar. Desviei o rosto no susto, enquanto Matteo
sugava o bico escurecido animadamente.
​— Ora, Diego, não é nada que você já não tivesse visto — ela
riu do meu constrangimento. Meu rosto ficou quente de vergonha.
— Sente-se, vai demorar um pouco.
​Eu me acomodei e ficamos meio distantes, separados pelo
assento do meio do sofá. Ela ficou me olhando e eu tentava me
distrair com as estantes e objetos de decoração de sua sala
perfeitamente organizada. O cheiro dela estava impregnado em toda
parte, misturado com algum aroma que certamente saía de um
difusor sobre a mesa de centro. Era um odor leve e, ao mesmo
tempo, refinado.
​— Me conta mais sobre o dia. Como está a assadura?
​— Cicatrizando bem. Brincamos, lanchamos e depois ele
dormiu no jardim. Aliás, adorei o lugar.
​— É um cantinho de relaxamento e meditação.
​ Percebi. Tem uma energia ótima.

​Pérola ficou sorrindo para mim, mas permaneceu muda. Voltei
a admirar o seu escritório, notando as janelas largas, que davam
vista para parte da cidade.
​— Você já almoçou? — enfim, Pérola quebrou o silêncio.
​— Ainda não. Farei quando voltar para casa.
​— Não se esqueça de seus descansos. Depois de mamar,
Matteo vai dormir por umas duas horas.
​Assenti em concordância.
​— E você, almoçou?
​— Não. Tenho um almoço com o meu pai e um novo investidor
daqui a pouco.
​Não pude deixar de me lembrar do empresário que Ricardo
mencionara, alertando-me de que talvez Pérola se encantasse por
ele. Foi inevitável sentir uma ardência angustiante em meu peito.
​— Por falar em seu pai, eu o encontrei no elevador. Não
pareceu muito feliz comigo, nem com o fato de não ter nenhum
segurança com a gente.
​Pérola revirou os olhos e suspirou de modo audível.
​— Deixa que eu lido com ele. Meu pai implica com tudo.
​— Espero que ele não implique comigo a ponto de te
convencer a me tirar desse emprego — falei com sinceridade,
olhando-a de soslaio. Pérola estava me encarando na maior cara de
pau e eu não queria nenhum problema entre a gente.
​— Sou adulta, Diego, ninguém me convence de nada que eu
não queira. Quem decide sobre mim e o Matteo sou eu. Logo meu
pai vai se acostumar contigo, não se preocupe. Podemos até marcar
um jantar.
​Dei de ombros.
​— Não sei se ele vai gostar de descobrir que nossa relação vai
além do profissionalismo...
​ — Ué, você é meu amigo e meu funcionário, não tem nada
demais nisso.
​Eu parei para olhá-la. Pérola logo desceu o olhar indiscreto
para os meus lábios, e não pude deixar de fazer o mesmo. Um alerta
interno ressoou em meu cérebro. Será que sobreviveríamos a tanta
atração? Parecia maluquice evitar o ímã que nos deixava loucos para
avançar os sinais, mas eu estava disposto a tentar.
​— Pérola — murmurei.
​— O que? Que foi?
​— Não me olha assim.
​Ela ergueu a mão livre em rendição e soltou um risinho.
​— Não fiz nada! Só estou curiosa sobre você.
​— Sobre mim? Que tipo de curiosidade? — fiz uma careta meio
engraçada, tanto que Pérola sorriu.
​— Ainda tento entender como foi que levei um fora. Eu não
faço seu tipo? Pode dizer, só estou realmente curiosa. Eu transo
mal? Passei muito tempo sem... Você sabe, estou meio enferrujada.
​Fiquei olhando para ela sem acreditar em como conseguia ser
tão direta.
​— A gente já falou sobre isso, não tem nada a ver com você. E
eu não transava desde o acidente.
​— Você é gay?
​— Quê? Não, claro que não.
​Achei que ela soubesse daquilo perfeitamente.
​— Desculpe, eu não quis... — ela suspirou. — É ridículo alguém
achar que um cara é gay só porque dispensou uma mulher.
Desculpa! Sei que não tem nada a ver comigo, mas queria entender.
A gente podia fazer tantas coisas juntos.
​Continuei a olhando. Pérola havia retirado seu semblante sério
de executiva e dava lugar, gradativamente, à mulher sincera e aberta
ao diálogo, sem reservas. Eu não sabia mais qual justificativa dar.
Até eu não entendia como pude dispensá-la.
​— São alguns fatores... que me levaram a tomar essa decisão,
Pérola.
​— Mas quais? Você não quer estragar a amizade, ok, eu
compreendo, mas poxa... A gente se deu tão bem.
​Matteo se remexeu em seu colo e ganhei alguns segundos para
pensar. Eu não esperava ser colocado contra a parede daquela
forma, mas olhar para o meu filho fez com que minhas energias se
renovassem e eu pensasse em alguma coisa.
Era tudo por ele.
​ Eu ainda não... Não possuo muitas expectativas... Somos

mais diferentes do que imagina e de mundos opostos. Você vai
perceber isso em algum momento e vai me tirar de sua vida. Bom,
eu não quero sair dela — olhei-a. A mulher estava prestes a rebater,
porém continuei, interrompendo-a: — Não me sinto pronto para me
relacionar saudavelmente. Estou quebrado por dentro, Pérola. Vou
me machucar e te machucar, seria inevitável.
​Ela, enfim, assentiu.
​— Também não me sinto a pessoa mais preparada para iniciar
qualquer coisa com alguém, mas... — suspirou. — Deixa para lá,
Diego, me perdoa por insistir. Eu te entendo agora. Não vou mais
questionar essa sua escolha. É só porque te desejo, você sabe disso.
​— Eu também te desejo — fui sincero, porque Pérola merecia,
já que também estava sendo verdadeira comigo. — Muito.
​Nós nos entreolhamos por alguns instantes. Fomos
interrompidos por batidas na porta, seguidas pela presença colossal
de Jacob Leblanc em pessoa. Prendi a respiração e permaneci
estático, principalmente quando ele viu a filha amamentando e eu
acompanhando o processo com simplicidade.
​— E o nosso almoço? — ele foi perguntando, evitando me olhar
de novo.
​— Daqui a pouco Matteo será liberado e poderemos ir — Pérola
continuou impassível.
​— Ok, eu te espero lá fora. O segurança já está aguardando —
falou, virando-se para mim brevemente e apontando. Eu apenas
assenti e ele saiu de repente, da mesma maneira como entrou.
​— Pelo menos ele bateu a porta. Quase nunca faz isso.
​Sorri por educação, mas por dentro eu estava tremendo nas
bases. Jacob Leblanc me causava pavor e algo me dizia que lidar
com ele não seria nada fácil.
​Imagina só se fôssemos apresentados de outra forma, a que
Pérola queria? Com certeza o homem teria um troço quando notasse
que eu não passava de um Zé Ninguém.
Capítulo 15
Pérola
​ ão sabia bem o que fazer com a vontade louca que eu tinha
N
de agarrar Diego toda vez que o via na minha frente. Os meus
hormônios estavam em polvorosa, conseguia sentir o meu corpo
esquentando muito depressa e as minhas partes íntimas
umedecendo sem qualquer esforço.
Ele me deixava louca, sobretudo porque havia lembranças da
nossa noite para recordar, e elas sempre vinham nos piores
momentos. Estava sendo um martírio me controlar, mas, por outro
lado, fiquei envergonhada por ter agido com tanta insistência,
impulsionada pelo tesão.
​Eu poderia entender aquele homem se eu não estivesse tão
desesperada.
​Nunca fui de agir dessa forma com ninguém, geralmente eram
os caras que entravam no desespero para conseguir um segundo da
minha atenção. Claro que sabia que em algum momento isso
mudaria na minha vida, esperava que eu finalmente me apaixonasse
ou ficasse tão balançada que faria questão de ter essa pessoa
comigo, porém não estava preparada para nutrir qualquer
sentimento por Diego e sabia que não era a melhor fase para me
preocupar com homens.
​O único homem com quem eu deveria me preocupar era um
molequinho lindo, do sorriso doce e dos olhos expressivos. Meu
menino.
​Quando o liberei, já adormecido, Diego o levou de volta para a
casa e precisei me recompor para o almoço de negócios com meu
pai e o empresário Rodolfo Porto, nosso novo parceiro. Ele era dono
de uma das indústrias alimentícias mais conceituadas do país e seria
fundamental tê-lo como aliado em uma das nossas empresas, a que
era especializada em embalagens de todos os tipos.
​Encontrei o meu pai na recepção, já impaciente.
​— Quando você iria me dizer que contratou um cara para
cuidar do meu neto? E por que raios não tem nenhum segurança
acompanhando esse sujeito?
​Continuei andando na direção do elevador, com ele a tiracolo e
os nossos seguranças atentos atrás de nós.
​— Pai, o meu carro é monitorado. O elevador tem câmeras,
assim como todo este andar. Não vi a menor necessidade. Até
porque Hermes está sempre de olho nele.
​Papai bufou. Entramos no elevador e ele permaneceu calado,
depois embarcamos na sua Land Rover e seu motorista nos deixou
em frente a um restaurante francês que era o nosso favorito.
Permanecemos calados durante todo o percurso, porém, ao nos
sentarmos e pedirmos as nossas bebidas, ele prosseguiu com o
sermão:
​— Sua mãe sabe disso? Se ela souber, vai ficar louca — ele
nem me deu chance de responder. — Imagina só? Um cara
passando o dia todo com o Matteo. Esse homem é mesmo de
confiança?
​— Claro que é, eu não colocaria qualquer um para cuidar do
meu filho.
​— É muita coragem sua. Se esse sujeito for um molestador? —
passou as mãos nos cabelos grisalhos. — Meu Deus, não consigo
nem pensar nisso.
​— Ele não é um molestador — resmunguei, sentindo os meus
braços tremerem de repente. Eu também não conseguia pensar
naquele assunto, de tão assustador que era. — A sociedade tem que
parar de achar que um homem não pode ocupar um cargo de
cuidados. Gente ruim tem de todos os sexos e todos os gêneros.
​Meu pai balançou a cabeça em negativa e analisou seu celular
rapidamente.
​— Rodolfo chegará dentro de cinco minutos.
​ Certo.

​— Mas você contou para a sua mãe? — insistiu.
​Revirei os olhos.
​— Ainda não. Diego está em período de experiência, este é o
primeiro dia. É tudo muito recente, pode ser que não fique no
serviço.
​O garçom reapareceu com a minha água e com o uísque do
meu pai. Ele não ligava se estava trabalhando, costumava beber
sempre que tinha oportunidade, porém mantinha a moderação.
Quase nunca ficava bêbado, nem mesmo em festas. Ele era bem
rígido com essa coisa de dietas e exercícios. Eu bem que tentava
acompanhá-lo, mas amava comer uma besteira e morria de preguiça
de malhar.
​— Tome cuidado, Pérola. Ele não estava conseguindo pegar o
elevador, parece que tem um problema na mão. Sem falar que é
manco. Não sei se está apto a cuidar de uma criança.
​Foi a minha vez de balançar a cabeça em negativa.
​— Não fale assim, pai, ele sofreu um acidente há um ano e
está recomeçando. Faz fisioterapia duas vezes na semana, logo vai
melhorar — dei de ombros. — E ele consegue dar conta do Matteo
melhor do que eu. É enfermeiro formado e com vasta experiência.
​Aquelas informações me fizeram lembrar de que Diego
precisava de cuidados especiais. Eu pretendia fazer uma avaliação
com o fisioterapeuta da família, o doutor Borges, pois era muito
esquisito que o babá ainda sofresse tanto com aquelas limitações.
Com certeza, com um profissional renomado, seu tratamento
avançaria e bons resultados viriam. Não pretendia poupar despesas
para deixá-lo confortável.
​— Ele chegou — meu pai foi se levantando e já abrindo o
sorriso cordial ensaiado que sempre oferecia aos parceiros.
​Rodolfo Porto era um homem que, definitivamente, roubava a
cena. Era alto, largo – deixando a imaginação de qualquer mulher
flutuar a respeito do que havia por baixo do terno –, com um sorriso
cativante, cabelos castanhos com o penteado da moda e olhos azuis
hipnotizantes. Conversar com ele me deixava intrigada. Era
inteligente, astuto, bem-sucedido e solteiro. O prato cheio para o
meu alerta interno gritar.
​Ele cumprimentou o meu pai com um aperto de mão e repetiu
o gesto comigo, porém a puxando no fim para deixar um beijo entre
os nódulos dos meus dedos. Era um galanteador de carteirinha. Do
tipo que devia estar acostumado a flertar vinte e quatro horas por
dia. Eu ainda não sabia o que achar disso, não tive tempo para
pensar, já que havíamos acabado de fechar o contrato.
​Rodolfo sentou e começou a falar amenidades com o papai,
girando em torno da qualidade do uísque e do Foie Gras – um prato
típico francês, feito com fígado de pato –, que eles pretendiam pedir
como entrada.
​— E a senhorita, como vai? — enfim, dirigiu-se a mim e piscou
um olho.
Eu não era a pessoa mais atenta do mundo com relação a
flertes, e talvez ele agisse assim sem perceber, mas foi meio louco
receber a atenção de um homem como ele, logo quando eu estava
subindo pelas paredes.
​— Vou muito bem, obrigada. E o senhor? — abri um sorriso
gentil.
​— Melhor agora. — Quase revirei os olhos. — Mas pode me
chamar de Rodolfo, não precisa de tantas formalidades. Somos uma
espécie de família agora.
​— É verdade. E o que a sua equipe achou da nova embalagem
que criamos? — fui direto ao assunto. Era um questionamento a ser
feito quando ele tivesse ingerido mais álcool, porém eu estava
ansiosa e queria que a nossa conversa se mantivesse respeitosa.
​— Nós adoramos! — ele virou o rosto para o meu pai e
começaram a deliberar sobre a qualidade da embalagem que a
minha equipe desenvolveu, que eu aprovei, que eu estava
trabalhando arduamente para distribui-la, junto com o pessoal da
logística.
​Sinceramente, já estava acostumada com aquele tipo de
abordagem. Apesar de meu pai ser o dono e presidente do nosso
grupo, eu possuía carta branca para realizar boa parte de seu
serviço. Ele estava se preparando para uma futura aposentadoria, só
não havia concretizado ainda porque fiquei grávida e precisei de
apoio. Mesmo assim, aquele povo idiota insistia em levar em conta o
que ele falava, acima de minhas ideias. Em muitos casos, como
aquele, por exemplo, quem batia o martelo era eu. Jacob Leblanc só
tinha vindo pela comida.
​Como previsto, depois de beber e comer, meu pai inventou
uma reunião que certamente era falsa e se mandou, deixando a
batata quente para eu assar. A minha pretensão era finalizar o
almoço, que havia se estendido até quase três da tarde, mas
Rodolfo começou a discorrer sobre as suas viagens pelo mundo e
como aprendera muita coisa que utilizava na administração de sua
empresa.
​Tentei ficar interessada, mas a conversa estava enfadonha, a
ponto de eu não conseguir evitar soltar um bocejo.
​— Estou te entediando, não? — ele disse, rindo suavemente.
Até a sua voz parecia uma melodia.
Será que era bom de cama? Fiz o possível para dispersar o
pensamento.
​— Não, não... É que fico sonolenta depois da sobremesa.
Desculpe.
​— Tudo bem. Quer um cafezinho? Vou pedir um.
​— Não, obrigada. Ainda estou amamentando.
​Ele fez uma careta engraçada para mim, parecendo surpreso.
​— Achei que a senhorita fosse solteira.
​— Bom, eu sou — não entrei em detalhes. Rodolfo não
precisava saber de absolutamente nada da minha vida pessoal. —
Até o fim da semana que vem consigo te entregar cem mil
embalagens — mudei de assunto prontamente. — E até o fim do
mês, consigo as quinhentas mil que necessita para o lançamento do
novo produto.
​— Ótimo. Perfeito. Vai ser sucesso. — Rodolfo chamou o
garçom e pediu o seu café. Voltou a me olhar quando ficamos a sós
novamente. — Criação independente?
​— Hã?
​— Seu bebê. Foi criação independente?
​ Ah... Sim — e então desconversei: — Nossa equipe

desenvolveu um sistema magnífico, que deixa o produto refrigerado
por mais tempo. Quando um consumidor comprar no supermercado,
poderá passar cerca de vinte horas com o produto fora da geladeira
sem qualquer dano.
​— Ótimo! Acho que a gente deveria marcar um jantar.
​— O que? Por quê? — pisquei os olhos, atônita. Depois, percebi
que fui indelicada. — Quero dizer, com qual objetivo? Podemos
marcar uma reunião e...
​— Um jantar, Pérola — ele segurou o dorso da minha mão e
começou a me alisar.
​Eu fiquei o encarando. Prendi os lábios com força, sem saber o
que fazer.
​— O que acha? — insistiu, voltando a piscar aquele maldito
olho hipnótico.
​— Hum... Certo. Não... Não tem problema.
​— Ótimo. Que tal na próxima sexta? Eu te busco no prédio do
Grupo Leblanc após o expediente. 19h está bom?
​— Ah, eu... Eu... — Por um instante, o rosto de Diego
preencheu meus sentidos e eu me senti completamente dividida. No
entanto, ele tinha deixado claro que não queria nada comigo e que
deveria seguir em frente. Então, por que me prender? Rodolfo era
um babacão, mas eu tinha as minhas necessidades. — Fechado,
então.
​— Muito bem — sorriu um sorriso cheio de dentes recém-
clareados.

Eu estava exausta quando cheguei a minha casa naquela noite.


Eram quase oito horas e Diego precisava de seu descanso merecido,
mas realmente não consegui chegar mais cedo. Já estava com as
desculpas decoradas quando o encontrei à mesa de jantar, ao lado
de Matteo em sua cadeirinha especial. O homem jantava enquanto
dava alguma coisa gosmenta para o neném.
​Olhei para um lado e para o outro, sem entender direito.
Geralmente as babás me esperavam com aflição, loucas para me
darem o Matteo e poderem deixar o serviço do dia. Mas Diego não
parecia apressado, tanto que demorou alguns minutos para me
encontrar plantada e chocada no meio da sala.
​ — Mamãe chegou! — fez uma vozinha engraçada e ergueu a
mão de Matteo. — Yes!
​Soltei um riso e me aproximei.
​— Desculpa a demora, fiz o possível para chegar às sete,
mas...
​— Não tem problema. Nós nos divertimos muito, não foi,
Matteo?
​— O que é isso? — sentei-me na cadeira da ponta da mesa,
onde jazia meu prato e talheres ainda emborcados, do jeito como eu
solicitava para Jacinta deixar. Apontei para a comida do meu filho.
​— Inhame batido com um pouquinho de carne. Ele está
amando!
​Matteo parecia realmente empolgado com a refeição.
​— Obrigada por cuidar dessa parte, Diego. Aliás, obrigada por
hoje. Você foi ótimo.
​— Que bom que aprovou o meu serviço — ele piscou um olho
e acabei lembrando o Rodolfo. No entanto, a maneira como Diego
fez aquilo foi mais tranquila, agradável, e não me deixou com
nenhum resquício de desconforto.
​— Deixa que eu termino de dar papá a ele, vá descansar.
​— Não, imagina, Pérola. Estamos jantando — apontou para o
seu próprio prato, que estava pela metade ainda. — Venha jantar
conosco!
​Sorri e me levantei para me servir com a comida que ficava
sempre no fogão, pois nem eu e nem Jacinta sabíamos o horário
exato de minha chegada. Voltei a me sentar e me servi do suco.
​— Como foi o seu dia? — ele perguntou.
Olhei-o, meio paralisada. Fazia um tempo que ninguém
perguntava aquilo após um dia exaustivo de trabalho. Descobri que,
sim, eu sentia falta de ter alguém, ainda que fosse uma pessoa
imbecil.
​Eu estava com problemas, só podia ser.
​— Cansativo. E o seu?
​Ele olhou para Matteo.
​— No mínimo, diferente — riu. — Planos para essa noite?
​— Hum... — pensei enquanto mastigava um pedaço da carne.
— Colocar Matteo para dormir... Tomar um banho... e dormir, eu
acho. — Diego assentiu. — E você?
​— Com certeza tomar um banho.
​Rimos juntos.
​E fizemos o que foi dito. Não juntos, claro, bem que eu queria
um banho delicioso de banheira com Diego, mas isso seria pedir
demais. Matteo dormiu depressa, tranquilamente, e fiquei chocada
com a facilidade.
Enrolada em meu robe de seda, desci ao térreo e encontrei o
mais novo babá apoiado na cerca da piscina. Estava sério e
pensativo, vestido com uma bermuda simples e uma camiseta preta.
​Eu me aproximei devagar.
​— Sem sono?
​— Ah... — ele deu um pequeno pulo de susto. — Aproveitando
um pouco a noite antes de me recolher. A lua está bonita.
​Olhei para cima. De fato, estava interessante, apenas um arco
fino e muito brilhante no horizonte do céu escuro e sem nuvens.
Soltei um suspiro e me apoiei ao lado dele.
​— E Matteo? — perguntou.
​— Caiu no sono. Ele parecia bem cansado. O que fez?
​— Brincamos a tarde toda. — Soltei uma risada suave. —
Aquela brinquedoteca aflora a criança interior de qualquer pessoa.
​Assenti, mas meio envergonhada. Se passei alguns minutos
com o meu filho ali dentro, foi muito. Eu não tinha tempo útil com
ele. Era sempre para cuidar, quase nunca para me divertir. Acabei
dizendo aquilo para Diego.
​— Por que não brinca com ele aos fins de semana?
​Arquejei, balançando a cabeça.
​ Porque sou uma péssima mãe. Só penso em descansar ou

adiantar algum serviço.
​— Você não é uma péssima mãe, só precisa organizar melhor
seu tempo com ele.
​Concordei com um chacoalhar de cabeça.
​— Sempre soube disso, mas era tudo tão... É tudo tão novo,
diferente e desesperador. Ainda não sei se... Acho que não tenho
espírito maternal.
​Diego não me julgou, apenas demonstrou compreensão.
​— Você se arrepende? — sua pergunta soou muito séria.
​— Não, jamais. Nunca. — Ficar sem Matteo na minha vida
estava fora de cogitação. Apesar de todos os perrengues, eu o
amava muito e sentia orgulho de mim por tê-lo gerado. Ele era a
minha maior realização. — Só me sinto perdida a maior parte do
tempo.
​— Deve ser normal. Confesso que me senti perdido o dia todo.
​— Está brincando!? Você tirou de letra!
​Ele riu, porém a emoção não chegou aos olhos.
​— Foi mais difícil do que imaginei. Mas também não me
arrependo.
​— E nem pode, não faça isso comigo! — ri, brincando,
empurrando-o de leve com o ombro. Diego riu também. — Preciso
de você conosco.
​Ele me encarou. Por uns instantes, foi como se o tempo
paralisasse. O meu coração começou a bater forte, retumbando de
modo descontrolado. Diego ergueu uma mão e colocou uma mecha
do meu cabelo atrás da orelha.
​— Tão linda, meu Deus... — murmurou, sorrindo.
​Sorri de volta.
​Pensei em insistir, sei lá, em agarrá-lo e tentar um beijo, mas o
medo da rejeição me dominou e nada fiz. Seria vergonhoso e
constrangedor receber mais uma de suas negativas. Continuei
paralisada, olhando-o de volta e tentando conter todas as reações
corporais.
​— Bom, vou me recolher — ele, enfim, saiu do transe, e me
deu um beijo no meio da testa. — Boa noite. Não deixe de me
chamar se houver alguma emergência.
​Antes de ir, percebi que Diego apertou o meu braço como se
estivesse deixando claro que também tentava se controlar, pelo
nosso bem.
​Só fui capaz de respirar de novo quando ele deixou a área
externa. Virei meu olhar para a lua minguante e pedi discernimento
para não cair em tentação.
​Estava cada vez mais difícil.
Capítulo 16
Diego
​ primeira semana cuidando do Matteo foi perturbadora, ao
A
mesmo tempo em que foi capaz de preencher o vazio que habitava o
meu peito desde o acidente. Comecei a me acostumar com a rotina
na mansão, embora ainda não tivesse decorado tudo, e sentia que
me dava bem cuidando do meu menino. Ao menos não recebi
qualquer reclamação e tudo deu milagrosamente certo.
Pérola se manteve meio esquisita comigo desde a nossa
conversa na beira da piscina, evitando a minha companhia e
parecendo agir no automático. Naquela manhã de quinta-feira não
foi diferente. Ela chegou à sala e me encontrou dando comida ao
Matteo, como em todos os dias desde que comecei o serviço. Falou
um “bom dia” fraco, comeu pouco e partiu sem fazer nenhuma
recomendação, tanto que fiquei em dúvida se deveria ir ao seu
escritório no horário de almoço.
Acabei enviando uma mensagem meia hora depois, a qual ela
respondeu com um simples “sim”, nada mais. Não sabia se eu tinha
feito algo de errado, e essa dúvida era a pior parte de receber
aquela indiferença.
​Talvez eu estivesse muito mal-acostumado. Talvez Pérola só
estivesse tentando separar as coisas, já que eu não estava
conseguindo.
​De qualquer maneira, quando a encontrei perto do meio-dia,
ela mal me dirigiu a palavra, aliás, quase não olhou para mim. Fiquei
me sentindo muito mal, e estava prestes a dizer alguma coisa
quando ela soltou:
​ Diego, amanhã à noite você pode ficar com Matteo até mais

tarde?
​Assenti, olhando-a de modo confuso.
​— Sim, claro.
​— Vou pagar as horas extras, não se preocupe. Não sei o
horário da minha chegada, então se puder colocar o Matteo para
dormir...
​Prendi os lábios, estranhando a forma como falava. Parecia
carregada de desconcerto.
​— Não tem problema. Fique tranquila.
​— Obrigada.
​O silêncio nos atingiu em cheio. Enquanto o neném mamava
com veemência, fiquei me perguntando para onde Pérola iria.
Ao entrar no carro para voltar à mansão, com o bebê já
alimentado e sonolento, mandei uma mensagem para Ricardo, a fim
de descobrir o paradeiro da CEO na noite de sexta. Ela não me deu
mais qualquer informação e aquilo estava me matando.
​Uma hora depois, no meio do meu intervalo para o almoço,
Ricardo me ligou afirmando que não encontrou nada em parte
alguma. Não havia uma festa, um evento ou mesmo uma reunião a
trabalho. Ele não poderia ter qualquer constatação, mas ainda assim
fez questão de me tirar do sério:
​— É claro que ela tem um encontro.
​— Você não sabe disso — bufei, prendendo os punhos para
conter a raiva. Eu sabia que não possuía o direito de nutrir qualquer
sentimento a respeito das saídas de Pérola, mas ainda assim o meu
coração formigava e eu me via à beira do descontrole.
​— Não seja idiota, Diego, é claro que ela tem um encontro. E a
culpa é sua, que a deixou livre para estar nos braços de...
​Desliguei imediatamente, antes de gritar com o meu amigo.
Removi todo o ar dos pulmões e passei um bom tempo prendendo a
minha mandíbula, descansando em uma espreguiçadeira à beira da
piscina. Pérola me deixara livre para usufruir da casa nos meus
horários livres, mas eu não queria me aproveitar. Só decidi ficar ali
para poder efetuar a ligação em paz.
​Alguns minutos depois, Ricardo enviou uma mensagem:
Rick: FDP, desligou na minha cara só porque não aguentou a
realidade.

​ uspirei de novo e devolvi o meu celular ao bolso da calça


S
jeans. Não pretendia respondê-lo, afinal, ele estava certo. Eu não
estava pronto para suportar o fato de que Pérola seguia em frente,
como eu mesmo tinha sugerido. Algum lado meu, sabe-se lá por
qual motivo, acreditava que ela ainda insistiria, que não se
envolveria com outro alguém tão cedo. Claro que eu me enganei, e
a culpa não era de ninguém além de mim.
​Fiquei pensando naquela boca beijando outra, em uma mão
desconhecida apalpando o corpo no qual me fartei não fazia tanto
tempo. Passei até a suar frio. O pior de tudo era que minhas mãos
estavam atadas, eu nada podia – e nem devia! – fazer para que o
pesadelo que se repetia em minha mente não acontecesse. Ela era
livre para estar com quem desejasse.
​Ainda bem que Matteo acordou poucos minutos depois. Sentia-
me deprimido quando ouvi o som do meu filho despertando e
chamando por cuidados. O sorriso preencheu meus lábios e, de
repente, todas as coisas fizeram sentido. Não havia mais dúvidas
quando o peguei do berço e o chacoalhei em meus braços,
brincando e ouvindo a risada fácil que ele soltava diante de minhas
bobagens.
​Depois de uma tarde de traquinagens, música e atividades na
piscina com a professora Catarina, uma profissional da educação
física com especialização em natação para bebês, a noite surgiu e eu
ainda estava tão elétrico que mal percebi que já era tarde. Jacinta,
antes de deixar o serviço, fez a bondade de preparar uma sopa para
Matteo e eu o estava alimentando. Pérola chegou do trabalho,
depositou uma pasta preta sobre uma cômoda na sala e veio saudar
seu filho.
​Apenas acenou com a cabeça para mim.
​— Você está bem? — perguntei, notando certo mau-humor em
seus modos.
​— Bem cansada. Vou tomar um banho e depois fico com ele,
certo?
​ Sem problemas — dei de ombros.

​Notei que, novamente, ela não me olhou direito. Quando
retornou, Matteo já havia terminado de comer e seria questão de
tempo até que pegasse no sono. Pérola o segurou para si e sumiu
com ele para o primeiro andar. Ainda a esperei um pouco, a fim de
jantarmos juntos, mas nada aconteceu depois de uma hora. Sendo
assim, comi depressa, lavei o meu prato e o do Matteo e me
direcionei ao meu quarto.
​Levei um susto ao perceber que Taciana, a moça responsável
pela limpeza, ainda varria a ala dos funcionários. Ela estava
dançando no meio do corredor, ao som que provavelmente saía de
seus fones de ouvido. Era uma mulher muito bonita; com cabelos
cacheados bem armados e um corpo avantajado cheio de curvas.
​Ela levou uma mão ao peito quando me viu.
​— Oh! — retirou um lado do fone. — Boa noite, Diego.
Terminei seu quarto não faz muito tempo, veja se está ao seu gosto.
Hoje me atrasei muito!
​— Tenho certeza de que está ótimo. Muito obrigado, Taciana.
​— Pode me chamar de Taci! — ela riu, e percebi que me olhou
de cima a baixo. Fiquei um pouco constrangido, por isso cocei a
nuca e soltei uma risada metida a besta.
​— Boa noite — falei baixo e entrei no meu quarto antes que
ficasse mais envergonhado.
​Eu a havia conhecido alguns dias antes e não tivemos muito
tempo de interagir. Jacinta me falou que Taciana era uma vizinha
sua, de muita confiança, e que fazia uma faxina bem feita. Bom,
realmente era verdade, a tirar pelo estado da suíte que eu ocupava;
tudo estava limpo e cheiroso. Até minha toalha estava dobrada
sobre a cama, como em um hotel.
​Já que eu estava muito cansado, tomei um banho e tratei de
dormir sem pensar muito nas estranhezas de Pérola. No entanto,
para o meu infortúnio, na manhã da sexta ela não estava diferente.
Ainda mais séria, saudou-me enquanto eu dava comida para Matteo
e questionou:
​— Não tem problema mesmo ficar com Matteo hoje à noite?
​ u a olhei por alguns instantes, mas logo virei o rosto. Não
E
queria acompanhar tanta indiferença.
​— Nenhum, fique tranquila.
​— Eu não sei a que horas vou retornar — Pérola fez uma pausa
longa e concluiu: — Talvez eu não durma em casa. Vou deixar leite
do peito na geladeira.
​Prendi os lábios como reação involuntária e agarrei a colher de
plástico com muita força. Naquele instante concluí o que já sabia, e
o que Ricardo me alertara: Pérola tinha um encontro e estava
disposta a ir até o fim com quem quer que fosse. Eu apostava
muitas fichas de que se tratava do empresário bonitão.
​— Sem problemas — falei, mas não saiu mais do que um
resmungo. Não consegui conter o sentimento adverso que invadiu o
meu peito e me impedia até de respirar normalmente.
​Pérola nada mais falou a respeito, só deu alguns
direcionamentos a mim e a Jacinta, depois pegou a pasta preta e foi
embora, não antes de deixar um beijo no topo da cabeça de Matteo.
​— Oh, querido, você gosta dela — Jacinta se aproximou e me
encarou com uma expressão de pena. Segurou o meu ombro
carinhosamente, e eu a olhei de volta, sem entender.
​— Hã?
​— De Pérola. Você gosta dela, percebi como ficou chateado ao
saber que ela pode dormir fora e tenho certeza de que não foi por
causa da hora extra... Nunca vi alguém cuidando do Matteo com
tanto empenho e boa vontade.
​— Não, é que... Eu tinha planos, mas resolvi desmarcar. Ela
está precisando sair mais do que eu — dei de ombros, mentindo na
cara dura. Não havia nenhum plano para aquela noite ou qualquer
outra. Na verdade, pensava em jantar com Pérola e ter a chance de
perguntar se algo estava errado entre nós.
​Jacinta abriu um sorriso simpático e me apertou um pouco
mais antes de dar as costas e voltar para o seu serviço na cozinha.
​O dia inteiro foi martirizante. Não soube definir se era eu que
estava distraindo o Matteo ou o contrário. Ele foi minha única
salvação, sem dúvidas, pois sem ele eu entraria em parafuso de vez
e não saberia lidar com as emoções fervendo dentro de mim. Sentia-
me tão triste, mas não do jeito depressivo que me encontrava antes
de conhecê-la. Era diferente, uma espécie de amargura, de angústia
sem fim. Era como querer gritar bem alto e ter alguma coisa forte
tampando a minha boca.
​Jantar sozinho com o neném foi esquisito. Havíamos brincado
tanto que Matteo logo pegou no sono e eu fiquei sem saber o que
fazer para me distrair. Liguei a babá eletrônica no sistema da casa e
me sentei no sofá, observando a casa silenciosa e gélida. As paredes
de vidro começaram a me sufocar.
​Tanto falei para Pérola seguir em frente, mas eu estava
disposto a fazer isso também? Sinceramente, não sentia a mínima
vontade. Estava bem cuidando do Matteo e sobrevivendo apenas
para dar a ele um desenvolvimento tranquilo. Era o meu único
objetivo de vida, o que fazia com que eu acordasse e tivesse
vontade de respirar. O restante não valia muito a pena.
​Minha vida social estava péssima desde o acidente e eu não
queria mudar isso. Ficar sozinho e em silêncio se tornou confortável
demais para mim. Não me via mais indo à baladas, frequentando
barzinhos ou eventos barulhentos, como eu tanto gostava de fazer.
Não queria uma namorada ou ficante, nem ninguém para aquecer os
meus lençóis. Quer dizer, exceto uma pessoa, logo a que eu deveria
manter distância neste sentido.
A vida familiar ia de mal a pior. De tanto querer provar
independência aos meus pais após o acidente, acabei me afastando
um pouco e só mantínhamos contato por telefone de tempos em
tempos. A questão profissional só ficou menos insuportável depois
que me tornei babá. Antes disso, estava parado e à mercê de uma
melhora que nunca chegava. Portanto, não era de se admirar que eu
estivesse tão focado em cuidar do Matteo.
​Devo ter adormecido em algum momento no sofá, tomado pelo
cansaço físico e mental, mas acordei quando ouvi um barulho vindo
da garagem, como se um carro tivesse chegado. Eu me esgueirei
devagar, para conferir se era Pérola retornando do encontro. Olhei
no relógio da cozinha; já era meia-noite. Matteo certamente ainda
dormia, caso contrário eu teria ouvido e acordado, pois meu sono
era muito leve.
​ lcancei a passagem que dava para a escada da garagem e
A
ouvi algumas vozes, por isso paralisei e fiquei espreitando. Pérola
não estava sozinha. Deixei passar alguns segundos e nada
aconteceu, então desci dois degraus e dei de cara com ela sendo
amassada contra o veículo.
O homem alto e forte a beijava e a tocava sem nenhum
pudor. Quase resmunguei, mas fiz o possível para me controlar e
voltei para o topo da escada. Pensei em me afastar, mas a
curiosidade, ou um instinto masoquista adormecido, me fez ficar
para conferir até onde iriam.
​Apoiei o braço bom na parede e, sufocado pela emoção
desoladora, meus olhos marejaram. Enxuguei-os antes que me
sentisse ainda mais patético.
​— Vamos entrar? — ouvi uma voz masculina grave falar.
Tudo estava tão silencioso que conseguia ouvir claramente,
mesmo eles estando a uma distância considerável, já que a garagem
era enorme, ocupava quase todo o espaço subterrâneo da mansão.
​— Hm... Melhor não — Pérola respondeu. A voz saiu mansa,
confortável, tanto que meu estômago espremeu mais uma vez.
​As lágrimas ameaçaram retornar, mas me segurei como pude.
​— Por que não, princesa? — o cara insistiu. — Vamos lá, está
muito delicioso ficar aqui contigo...
​Ouvi sons de beijos mais veementes serem trocados. Era um
martírio. Eu não sabia como ou por que estava me esforçando tanto
para continuar à espreita. A vida deles não deveria me interessar,
menos ainda as escolhas de Pérola.
​— Tenho que cuidar do meu filho e liberar a pessoa que ficou
responsável por ele — Pérola respondeu, e não pude deixar de notar
que evitou falar que o babá era um homem. — Quem sabe outro
dia?
​— Tudo bem... Eu vou cobrar, certo?
​— Pode cobrar.
​Depois de uma despedida breve, as portas da garagem foram
abertas e um veículo saiu. Ouvi o ruído dos passos de Pérola se
aproximando da escadaria e, enfim, consegui sair do transe em que
me enfiei. Voltei para a cozinha e dei algumas voltas ao redor do
meu próprio corpo, sem saber para onde ir. Se fosse para a minha
suíte, Pérola poderia achar que eu tinha deixado Matteo sozinho. E
não dava tempo de subir para o primeiro andar sem fazer barulho.
Foi por isso que, no último instante, peguei um copo e abri a
geladeira, fingindo que estava à procura de água.
​Segurei a garrafa a tempo de vê-la despontando na sala. Seu
olhar me encontrou sem demora e abri um sorriso amarelo,
completamente sem jeito, enquanto minhas mãos tremiam e sentia
certa dificuldade de colocar o líquido transparente dentro do copo.
Pérola não sorriu de volta, apenas se aproximou, pegou outro copo e
se sentou à ilha, em uma das cadeiras de perna alta.
​— Matteo está dormindo? Está tudo bem?
​— Sim, tudo bem.
​— Pode ir descansar agora, Diego. Está liberado. E muito
obrigada pela força.
​— Tudo bem — repeti, mas a verdade era que nada estava
bem dentro de mim.
​Tremi mais do que o normal enquanto segurava o copo. Pérola
se serviu da água também e ficou me olhando.
​— Fui a um encontro — ela murmurou. Assenti, apenas. Não
consegui tecer qualquer comentário. — Não vai perguntar como foi?
​— Prefiro não saber de sua vida pessoal — resmunguei, meio
bruto, e terminei a minha água só para deixar meus lábios
ocupados. Não era a minha intenção falar daquela forma tão dura,
mas escapuliu.
​O descontrole estava muito próximo.
​— Nossa. Tudo bem... Não está mais aqui quem falou — Pérola
se sentiu claramente ofendida.
​ — Desculpe — murmurei, evitando olhá-la. Devolvi a garrafa
para a geladeira e depois fiquei sem saber como me ocupar. — Em
algum momento talvez eu consiga ser um bom ouvinte, mas não
agora. Boa noite, vou me recolher.
​Passei por ela da forma mais indiferente que consegui, no
entanto, sua mão envolveu a minha e fui paralisado no meio do
caminho. Eu me virei para encará-la, percebendo seus olhos fixos
em meu rosto.
​ Vai ser assim? — ela perguntou de um jeito triste. — Achei

que não quisesse perder minha amizade.
​— Não quero — sussurrei de volta. — Só me dê um tempo.
​Entrelacei nossos dedos com cuidado, já que Pérola ainda me
segurava. Ela ficou olhando para o movimento que fazíamos, e me
puxou um pouco para si. Eu fui, mesmo sabendo que não devia me
aproximar tanto.
​— Seu sofrimento é infundado — ela disse, por fim, parecendo
convicta.
​Balancei a cabeça em negativa.
​— Não estou sofrendo — menti. — Só preciso de um tempo,
poxa, a gente transou semana passada, você acha que é fácil te tirar
do meu corpo? Ainda estou me acostumando com a situação. E você
me tratou com indiferença a semana inteira, agora quer que de
repente eu seja seu melhor amigo?
​— Olha, Diego, eu não vou insistir mais. Estou cansada de ser
rejeitada por você. E sei muito bem que não é fácil te tirar de mim,
prova disso foi eu não ter aceitado transar hoje, mesmo tendo
recebido o convite e estando louca de tesão — fez uma curta pausa,
sem deixar de me olhar com certa ferocidade. — Ah, e não te tratei
com indiferença, apenas estive ocupada, exausta, e não sabia como
agir contigo.
​As suas sentenças me fizeram estremecer.
​— Foi você que impôs essa distância — voltou a falar, daquela
vez, resmungando, contrariada. — Então não fique putinho só
porque estou fazendo o que você mesmo falou: seguindo em frente.
​— Não estou te exigindo nada — rebati de maneira dura.
​— Então não me olhe como se eu estivesse errada!
​Balancei a cabeça, negando.
​— Não falei isso em nenhum momento e sei que não está.
Você tem todo direito de sair com quem quiser.
​— Eu só queria sair com você, cacete! — ela falou mais alto,
levantando-se ao mesmo tempo em que soltava a minha mão. Parou
muito próxima, olhando no fundo dos meus olhos. — Só queria te
beijar e transar contigo a noite t...
​ ão fui capaz de esperar que concluísse a frase. Ainda que
N
soubesse que era loucura, puxei-a pela cintura e juntei nossos lábios
com todo o fervor, toda a saudade acumulada. Liberei a raiva, a
tristeza e também a alegria de tê-la em meus braços de novo. Senti
resquícios do cheiro e do gosto de outra pessoa, mas não recuei.
Queria arrancar aquele homem do corpo dela. Desejava que
nunca mais se lembrasse dele.
Capítulo 17
Pérola
Eu não podia imaginar que estaria nos braços de Diego
naquela noite. Os meus planos eram outros, embora a realidade
fosse muito melhor, e por esse motivo não ousei desgrudar dele.
Queria tê-lo em mim antes que decidisse me rejeitar outra vez, que
se arrependesse de ter me puxado para si com tanta gana.
O jantar com Rodolfo não foi desagradável, mas me
incomodou em certos momentos. Primeiro porque não consegui me
livrar da sensação de estar traindo. Segundo porque ele era meio
mala, de fato. Muito galanteador, com conversinhas prontas e
sempre fazia questão de deixar claro que tinha dinheiro. Como se eu
estivesse preocupada com isso. O empresário tinha apenas uma
coisa que me interessava, e ficava bem no meio de suas pernas.
Eu só era uma mulher que queria transar.
Não estava exatamente feliz com a escolha, e por isso havia
ficado bem ranzinza nos últimos dias, mas o homem era bonito e
bem cheiroso, e pela sua vasta experiência com mulheres,
provavelmente sabia o que fazer entre quatro paredes. Sendo assim,
mantive-me aberta, tentei me divertir e entrei no seu jogo de flertes
sem pensar muito.
Rodolfo me trouxe em casa por pura pressão, meio
contrariado por terminarmos a noite cedo. Quando veio me beijar na
despedida, não neguei, afinal, estava sedenta e carente. Permiti que
me tocasse e despertasse o meu desejo, o que aconteceu até certo
ponto, mas a chama não foi alta o suficiente para me fazer levá-lo
para dentro da minha casa. Embora beijasse bem, era como se
faltasse alguma coisa, algo importante que eu não conseguia definir.
Encontrei facilmente o que tanto me deixava vazia. O que me
faltava estava bebendo água na cozinha, lindo como sempre ficava,
ainda que estivesse meio despenteado e com a expressão
descontente. Diego mexia comigo apenas com um mísero olhar.
Aquela noite sequer deveria ter existido se ele não fosse tão cabeça
dura, portanto me irritei com seu ciúme visível. Se não me queria,
então por que ficar chateado? Será que pensava que eu fosse
esperar para sempre? Que insistisse depois de tantas rejeições?
Eu já tinha ultrapassado a minha cota de humilhação. Nada
que me fizesse recusá-lo, claro. Prova disso era estar ofegando entre
os seus lábios naquele exato momento, mesmo tendo acabado de
beijar outra pessoa.
Fui empurrada para perto das cadeiras e fiz um movimento
rápido, pendurando-me em seu pescoço e colocando as pernas ao
redor de sua cintura. Diego me depositou sobre a ilha e continuou
me beijando daquele jeito insano que me fazia pirar. Com ele, tudo
parecia certo. Não havia vazios ou objeções, e ainda que
considerasse errado, para mim, era simplesmente natural. Nós
éramos muito bons juntos, nossa química era explosiva e deliciosa.
Permiti que suas mãos viajassem pelo meu corpo de maneira
ousada e nem um pouco gentil. Eu estava com tanta pressa que
puxei a barra de sua camisa para cima e sorri quando o tecido foi
parar longe. Diego voltou a me beijar deliciosamente, usando língua
e lábios que faziam com que meu centro umedecesse e
esquentasse.
Sua pele quente ao encontro da minha me fez arrepiar. Em
poucos minutos, já estava totalmente despida sobre o tampo frio,
roçando em seu corpo como se procurasse alguma salvação. Diego
parou de me beijar apenas para abocanhar meus seios, um a um, e
gemi alto quando o prazer se tornou insuportável.
A sua boca era incrível. Aquele cheiro só dele, a saliva em
minha pele, os ofegos que soltava... Eu só podia me sentir
completamente desajuizada diante dos estímulos daquele homem.
— Me come, Diego... — gemi, ensandecida. — Por favor, me
come depressa.
Ele apertou as palmas nas minhas costas, como se buscasse
apoio em mim. Ergueu o olhar excitado na direção do meu rosto e
não havia dúvidas de que faria exatamente o que fora solicitado. A
conexão de nossos olhares cruzados me deixou tão emocionada que
segurei o seu rosto e o acarinhei, encostando nossas testas com
ternura. Ele soltou um longo suspiro e, no instante seguinte, puxou-
me para o seu colo.
Fui levada para o sofá e depositada com as pernas abertas.
Seu corpo não demorou a ser despido totalmente. Diego se deixou
exposto na minha frente e reparei, pela primeira vez, na cicatriz que
descia por dentro de suas coxas. Fazia uma pausa e depois outra
enorme começava a atravessar uma de suas pernas.
Ele percebeu o meu olhar e recuou um pouco.
— Ei... — segurei a sua mão e me sentei sobre o sofá. Diego
me olhava de cima, meio desnorteado e visivelmente constrangido.
— Você é lindo demais — murmurei.
Seus dedos deslizaram pela lateral do meu rosto.
— Não precisa fazer isso, Pérola.
Balancei a cabeça em negativa.
— Você que não precisa sentir vergonha de si mesmo — ergui
as mãos para tocar a cicatriz entre as coxas e, num pequeno
movimento, percebi que ela saía da parte inferior de seu pênis, que
naquele instante tinha amolecido um pouco.
Tentei desenhar o caminho que ela fazia e acabei segurando
suas bolas. Ou melhor, só encontrei uma. Disfarcei a estranheza e
não fiz perguntas. Em vez disso, apenas o abocanhei com vontade.
— Porra... — Diego ofegou, segurando meus cabelos.
Eu ainda não o tinha chupado e estava disposta a corrigir
esse grande erro. Concentrei-me em sua glande, que inchava cada
segundo mais, até o pau endurecer por completo. Diego gemia,
murmurava obscenidades e me deixava ainda mais louca para
continuar.
Não hesitei em chupar a única bola que encontrei. Ele
estremeceu e ficou um pouco calado quando trabalhei nela, mas não
murchou. Continuou segurando meus cabelos como apoio, mas sem
forçar nenhuma movimentação. Fiquei livre para sugá-lo ao meu bel
prazer, sentindo o seu gosto e amando tê-lo tão intimamente.
Depois de alguns minutos, ele me segurou e se afastou.
— Não quero gozar sem te comer muito antes... — murmurou
de um jeito tão sério que abri um sorriso.
Diego se sentou ao meu lado e me puxou para cima dele.
Estava ciente de que precisava buscar um preservativo, mas não o
fiz, sem saber direito o motivo de ser tão relapsa. Sempre me
protegi muito e morria de medo de pegar alguma IST ou de
engravidar. Ainda assim, nada fiz a respeito.
Juntei nossos sexos devagar. Aquele pau delicioso foi
entrando centímetro a centímetro, de maneira tão gostosa que
passei a rebolar e me contorcer, insistindo para que entrasse sempre
mais.
— Gostosa... — ele gemia diante de minhas reboladas.
— Você que é uma delícia... Pau gostoso... Que saudade! —
murmurei em seu ouvido, percebendo os arrepios percorrendo a sua
pele quente.
Comecei a me movimentar com mais constância e em um
ritmo acelerado. Eu estava úmida o suficiente para recebê-lo de um
jeito perfeito. Depois de um tempo, a fricção de nossos corpos me
fizeram suar, mas a excitação era tanta que o cansaço mal foi
percebido. Minhas pernas latejavam e o fôlego quase me fugia,
porém não ousei parar e me mantive focada em gozar gostoso com
ele dentro de mim.
Quando aconteceu, enfim, afundei-me sobre Diego e só gemi,
em alto e bom tom.
Ele ficou alisando o meu cabelo, enquanto nossos corações
batiam forte. Ouvir sua respiração pesada e nosso suor misturado
me deixou tranquila e com uma sensação gostosa de felicidade. Seu
pau ainda estava duro dentro de mim, provavelmente Diego não
tinha gozado, porém esperou que eu descansasse.
Ergui a cabeça para olhá-lo e ele sorriu. Sorri de volta. Em
seguida, seu sorriso foi diminuindo e percebi que as consequências
de nossos atos passavam a pesar em sua mente. Diego começava a
se arrepender. Antes que se afastasse, eu nos desconectei e fiquei
de quatro no sofá, olhando-o com malícia.
— Quero mais — balbuciei, lambendo os lábios.
Sua expressão voltou a exprimir o mais puro tesão e me dei
por satisfeita quando ele veio por trás, penetrando-me sem rodeios
e atingindo um ritmo louco. Meu corpo começou a chacoalhar,
nossos sexos se chocavam ruidosamente e minha vontade de gozar
retornava a cada estocada bruta.
Diego agarrou os meus cabelos e puxou minha cabeça para
trás, obrigando-me a empinar e recebê-lo profundamente. Eu me
senti vulnerável e, ao mesmo tempo, realizada. Era aquilo que
passei a semana inteira desejando. Ser fodida com selvageria e
brutalidade, mas também com ternura e sincronia. Aquele homem
me fazia tão bem que ele mal podia imaginar.
— Ah! Vou gozar nessa boceta! — urrou, e então fiz um
movimento rápido para não perder a chance de beber seu gozo. Eu
me esgueirei depressa, a tempo de receber o primeiro jato de sêmen
no rosto, depois enfiei a cabeça latejante entre meus lábios e o bebi
até o fim.
Diego soltou palavrões, agarrando-me com força,
enlouquecido. Vê-lo daquele jeito insano era maravilhoso.
Quando terminou, afastou-se e ficou me olhando de maneira
divertida. Eu estava com o rosto todo melado.
— Vem cá — sussurrou e me ergueu do sofá, ajudando-me a
chegar até a cozinha.
Diego pegou uma folha de papel toalha e passou pelo meu
rosto delicadamente. Deixei que fizesse o trabalho com afinco e
muito carinho, sentindo-me amada, ainda que amor fosse uma
palavra forte demais para ser usada em um momento como aquele.
— Pronto — sorriu e me deu um selinho. — Agora vamos,
pois você não gozou de novo.
— Como sabe? — fiz careta, fingindo que ele tinha errado.
— Eu te conheço, linda. Sei quando goza.
Diego tinha razão. E além de saber quando eu gozava, sabia
perfeitamente o que fazer para que atingisse o clímax o mais
depressa possível. Ele me depositou de volta à ilha e me fez deitar
sobre ela, com as pernas abertas e apoiadas em seus ombros.
Depois de me tocar e beijar com cuidado, afundou-se em meu
centro e só saiu de lá depois de me arrancar mais dois orgasmos,
ambos intensos.
Fiquei tão molenga que ele precisou me erguer e me tirar
dali, caso contrário dificilmente eu sairia. Permaneci apoiada em seu
corpo.
— Quer mais? — perguntou em um tom baixo.
— Mais? Ficou louco? Estou morta!
Rimos juntos.
— Tudo bem, então. Eu vou me lavar — disse e foi se
afastando.
Diego não falou nada, apenas me olhou com seriedade, virou
as costas e se perdeu na direção dos quartos dos funcionários.
Fiquei sem saber se retornaria, mas meia hora se passou e não
houve qualquer sinal de sua presença.
As emoções que se aproximaram foram as mais diversas.
Primeiro foi a ansiedade pelo seu retorno, depois a tristeza em saber
que não aconteceria e, por fim, só consegui nutrir decepção e a
sensação de ter sido usada. Ele poderia ter sido mais gentil na
despedida, ainda que avisasse que nosso sexo não tivesse passado
de casualidade.
Não tive outra opção além de deixar a cozinha. Conferi se
Matteo estava bem, e de fato dormia calmamente, depois entrei em
meu quarto escuro. Olhei os móveis caros e a decoração perfeita.
Por um instante, entendi que tudo aquilo era apenas uma fachada
de falsa felicidade comprada pelo dinheiro. Continuava sozinha como
sempre estive.
Diego já tinha se arrependido e eu não estava disposta a
ouvir suas desculpas. Embora a nossa conexão, para mim, fosse
única e inexplicável, para ele não era a mesma coisa, do contrário
deixaria de frescura e assumiria logo um compromisso.
Debaixo do chuveiro, enquanto retirava o cheiro e o gosto
dele de meus sentidos, prometi a mim mesma que não cairia mais
naquele tipo de armadilha. Eu estava me envolvendo de verdade e
cultivando esperanças onde não devia. Aquela história precisava
acabar. Meu dever era apenas seguir em frente e esquecer Diego de
uma vez por todas.
Capítulo 18
Diego
Eu não sabia o que pensar a respeito daquela noite; dentre
tantas objeções, culpa e certo arrependimento, estava a dor física
por ter me esforçado demais, sobretudo porque minhas articulações
sempre pioravam quando ficava nervoso.
Fechei a porta do meu quarto atrás de mim e só então tive a
sensação de voltar a respirar. Com Pérola na minha frente, era um
trabalho complicado e muitas vezes me via suspendendo o fôlego
para suportar a carga emocional que era ficar perto dela.
Retirei as minhas roupas amassadas, vestidas de qualquer
jeito, e me joguei na cama para tentar compreender que parte do
corpo doía. Quando cheguei à conclusão de que eu não ia nada
bem, tanto por dentro quanto por fora, tomei o analgésico mais
forte que possuía. O cansaço me abateu, mas depois de alguns
minutos observando o teto branco, sem conseguir formular um só
pensamento coerente, levantei-me com muita dificuldade, tomei um
banho rápido e voltei a me deitar.
Só então percebi que não tinha me despedido direito de
Pérola. Será que me esperava na sala? Avisei que só me lavaria, mas
as dores tiraram a minha concentração.
Com o remédio já fazendo certo efeito, vesti uma bermuda e
uma camiseta e retornei. No entanto, Pérola não estava mais na
sala. Ainda subi as escadas para conferir se estava tudo certo com
Matteo e com ela, mas o menino dormia calmamente e a porta do
quarto da CEO permanecia fechada. Cheguei a esticar a mão para
bater na madeira revestida de branco, mas após um suspiro pesado,
desisti.
Pérola merecia descanso e eu tinha a sensação de que a
nossa conversa pós-sexo não seria agradável, sobretudo porque a
minha opinião não havia modificado em nada: eu não podia tê-la
para mim de verdade. Sendo assim, não valia a pena acordá-la só
para cultivar constrangimentos em ambas as partes.
Na manhã seguinte era sábado, portanto eu estava de folga,
mas nada me impediu de ir atrás de Matteo para saber se precisava
de algo antes de eu ir. Encontrei Pérola quase dormindo sobre a
cadeira de balanço, no quarto do bebê, com ele mamando em seus
braços. O meu coração esquentou de imediato e não deu para evitar
a sensação de pertencimento. Abri um leve sorriso, tentando conter
a emoção.
Pérola soltou um ofego exausto e, enfim, abriu os olhos,
encontrando-me à porta.
— Bom dia — soltou, quase sem forças.
— Bom dia. Precisa de alguma coisa?
— Não... É seu dia de folga, aproveite.
— Tem certeza? Não tenho nada melhor para fazer em casa
— murmurei para que o neném não acordasse. Aliás, a conversa
toda estava sendo feita em um modo sussurrado.
— Uma hora terei que ficar sozinha com meu filho — Pérola
fez uma expressão de lamento. Suas olheiras estavam profundas, e
o cabelo, assanhado em um rabo de cavalo disforme. Trajava uma
camisola longa de seda branca, mantendo um seio exposto para
Matteo se fartar. — Fim de semana passado fui para a casa do meu
pai, mas neste pretendo ficar aqui.
Assenti e me aproximei devagar. Sentei-me à sua frente, em
um banco estofado que servia para apoiar os pés. Olhei-a com
cuidado enquanto ela me observava de volta, sem tecer qualquer
comentário. Percebi receio em seu semblante, além de certa
decepção. Pérola não estava feliz com a conjuntura. Tudo bem, eu
também não estava, mas não podia fazer nada além de tentar
permanecer na vida do meu filho.
Não soube o que dizer. Pensei em entrar no assunto difícil
sobre a noite anterior, mas não pude, por isso o silêncio que fizemos
acabou sendo constrangedor.
— Temos que marcar o jantar para que o meu pai te conheça.
— Verdade... — aquiesci, meio sem graça.
Eu não sabia se jantar com Jacob Leblanc seria uma boa ideia
ou se só pioraria a situação, mas em algum momento ele precisava
confiar em mim e eu me esforçaria para agradá-lo.
— Verei algum dia na semana que vem.
— Certo.
Mais um minuto completo de silêncio. Pérola não desviava os
olhos dos meus, e embora envergonhado, não ousei desfazer aquela
conexão.
— Não precisa me dar desculpas, Diego — foi ela quem se
adiantou, como sempre direta e decidida. — Apenas vá curtir a sua
folga. Nada mudou entre nós.
O que mais eu tinha para falar? Nada.
Foi por isso que apenas me levantei, plantei um beijo em sua
testa, depois na do meu filho, e voltei para o meu quarto a fim de
me organizar para voltar para casa. Tudo o que eu mais queria era
poder ficar com eles no maior estilo família feliz. Nós nos
divertiríamos muito, com certeza. Mas a realidade me chamava,
gritava em meus ouvidos no máximo volume. Simplesmente não
podia ignorar.
Ricardo estava varrendo a sala quando cheguei ao
apartamento.
— E aí, brother, firmeza?! — mas a sua animação foi embora
quando me viu. — Que cara é essa? Ah, já sei, descobriu que era
mesmo um encontro. E surpreende o total de zero pessoas.
Dei de ombros e me atirei no sofá, jogando a mochila com
algumas roupas sujas de lado.
— Ela foi a um encontro, ficou com o cara, mas não quis
transar com ele, aí nos encontramos na cozinha e ela percebeu que
fiquei com ciúmes, depois disse na minha cara que, na verdade,
queria transar comigo e então transamos.
Ricardo soltou uma risada.
— Mano, que confusão! Quando você vai deixar de donzelice
e ficar com ela de uma vez? O que está fazendo aqui, aliás? Deveria
estar lá com a gostosa.
— Eu tenho cara de que estou pronto para um
relacionamento duradouro? Olha para mim, mal consegui andar até
a porra do elevador.
O meu amigo se sentou em uma das cadeiras ao redor da
mesa de jantar.
— Olha, Diego, eu te entendo até certo ponto, mas Pérola
Leblanc está apaixonada por você.
— Não está, só estamos naquela fase boa em que tudo é
novidade e paixão. Quando isso passar e os problemas surgirem,
serei rapidamente colocado de lado.
— Mas pode virar amor, vocês podem casar, ter mais filhos
e...
— Eu sou estéril — respondi entredentes.
— Ah, é — foi a vez de Ricardo dar de ombros. — Mas vocês
já têm um filho, só falta o casamento e pronto. Felizes para sempre.
— E ela nunca vai saber que sou o pai legítimo? — encarei-o
com seriedade. — Porque se eu contar, meu chapa, Pérola não vai
querer nem me ver pintado de ouro.
— Está aí, acho que você deve contar logo! — apontou para
mim e sorriu como se aquela ideia fosse maravilhosa.
Não era. Só me faria voar em um foguete para bem longe da
vida dos dois.
— Tem noção do quanto ela é desconfiada e neurótica com
segurança? Nunca vai acreditar que me aproximei com intenções
boas, ainda levarei um baita de um processo e até você pode ir
preso com essa história. Ou esqueceu que essa merda toda é culpa
sua? — apontei, irritado.
Ricardo, enfim, deve ter compreendido a seriedade da
situação, porque perdeu qualquer argumento e apenas soltou um
suspiro resignado. Ficamos calados por uns instantes, até que ele
soltou com certa grosseria:
— Então, se você está decidido a ser somente um babá idiota,
tira essa cara de cu e segue em frente, porra! Hoje é sábado,
combinei com a galera de ir a um pub. Vamos?
— Não estou afim.
— Está vendo? Como quer ter uma vida normal se não se
permitir? Cansei de você se colocando pra baixo — Ricardo se
levantou e apontou a vassoura na minha direção. — Você vai, sim, e
pronto. Custa nada tomar umas com os parças — e saiu da sala para
varrer a cozinha.

Dormi praticamente o sábado inteiro. Só acordei uma vez para


comer alguma coisa e ir ao banheiro, mas no restante do dia
permaneci atirado em minha cama, tentando me recuperar do
cansaço da semana. Cuidar de Matteo em si era tranquilo, mas se
tornava exaustivo por causa da rotina carregada do moleque, além
de que, confesso, não estava muito obediente aos horários
estipulados para o descanso.
​Foi perto das nove da noite que Ricardo sequer bateu na minha
porta, foi logo entrando, acendendo a luz e gritando:
​— Sai dessa cama e vai se arrumar, o encontro com a turma é
daqui a uma hora!
​E então foi embora sem apagar a luz e, claro, sem fechar a
porra da porta.
​Resmunguei e me contorci no colchão, mas não fiz objeções
porque não adiantaria: o cara encheria o meu saco até o fim. Para
não ser perturbado, simplesmente me enfiei embaixo do chuveiro e
me vesti todo de preto, pois não estava com paciência para escolher
roupas.
​Fazia um tempo que eu não saía para lugares como aquele. A
casa estava lotada de gente que queria azarar e beber até
amanhecer o dia. Apesar de não estar no clima, foi bom rever os
nossos amigos depois de um ano enclausurado, além de tomar uma
cerveja despreocupadamente, fingindo que a minha vida estava
ótima.
​— Eu soube que você está trabalhando como babá, é verdade?
— Alison, um dos nossos amigos em comum, falou alto, tentando se
fazer ouvir apesar do som eletrônico que agitava a pista.
​ Ele está fazendo cosplay da supernanny agora! — Ricardo

atravessou a conversa e soltou uma risada grave, depois deu um
gole generoso em sua long neck.
​Olhei-o com cara feia, pensando em lembrá-lo de que a ideia
tinha sido toda dele, mas eu não quis prolongar o assunto e apenas
respondi que sim. No mesmo instante, uma mulher esbarrou em
mim sem querer, derrubando um pouco de cerveja na minha camisa.
​— Oh, desculpa, eu... — e então, quando a olhei, reconheci-a
de imediato. — Diego?
​— Oi, Taciana, tudo bem?
​Era a faxineira da mansão. Estava bem diferente, trajando um
vestido vermelho muito sensual, deixando as curvas evidentes. Os
cabelos estavam soltos, cacheados e bem armados, e a maquiagem
deixou seu rosto mais expressivo ainda. Ela era realmente muito
bonita.
​— Tudo bem, não sabia que costumava frequentar pubs! —
deu uma risada alta e percebi que estava um pouco embriagada.
​— Não costumo mesmo.
​— Legal! — riu outra vez, olhando-me de cima a baixo. Fez
uma expressão maliciosa e se aproximou até seus lábios
praticamente se encostarem ao meu ouvido: — Quer ir a um local
menos barulhento?
​Quase engasguei com a saliva. Por um instante, não soube o
que responder, então olhei para Ricardo e ele fez um sinal positivo
com a mão, como se tivesse aprovado a mulher que dava em cima
na maior cara de pau. Talvez, se Taciana fosse uma desconhecida...
Bom, eu não podia me envolver com ninguém do trabalho, de
modo algum.
​— Na verdade, estou aqui com uns amigos — apontei para
Ricardo e Alison, já que Gabriel e João, outros amigos nossos que
vieram, estavam se esfregando com mulheres no centro da balada.
​Depois de apresentações meio esquisitas, Taciana se virou na
minha direção, voltando a aproximar os nossos rostos.
​— Vamos lá, Diego, ninguém precisa saber. Fica entre a gente.
— Ela se aproximou mais, como se quisesse avançar os sinais logo,
e precisei segurar a sua cintura com firmeza.
Por um segundo me perguntei o que Pérola acharia disso.
Certamente ficaria emputecida. Embora eu não devesse qualquer
fidelidade a ela, não me sentia confortável para ficar com ninguém,
menos ainda com Taciana.
​— Você é linda e incrível, mas não posso. Se quer uma dica,
meu amigo Ricardo ali está carente — apontei. Ela o olhou e sorriu
para ele, mas quando virou o rosto para mim de novo, estava séria.
​— Tudo bem, gatinho, a gente se vê no trampo — deu-me um
selinho demorado, antes que eu pudesse evitar, e saiu rebolando os
quadris fartos e curvilíneos.
​— Esse bicho virou gay! — Ricardo gritou em meio a
gargalhadas.
​— Maior gostosa, porra — Alison gargalhava junto com Rick. —
Eu não dispensava. Comia aquela bunda fácil.
​— Ela trabalha comigo na casa de Pérola Leblanc, sem chance
ficar com alguém do trabalho — eu me expliquei para ver se eles
paravam de me encher o saco de uma vez por todas.
​— Ah, tô ligado — Alison deu batidinhas nas minhas costas,
como se me consolasse.
​Ricardo só ficou calado, com um sorriso aberto e balançando a
cabeça em negativa.
​ — Vou ao banheiro — avisei, pois precisava limpar a minha
camisa, mas antes de me afastar de vez, ainda ouvi Ricardo
soltando:
​— Seeeei, banheiro! Vai pegar a mina na surdina!
​Não dei bola e fui me contorcendo entre as pessoas até achar a
área dos sanitários. Não foi nada fácil, visto que naquela noite eu
estava mancando além do normal e ainda sentia dores. O banheiro
feminino tinha até fila para entrar, mas o masculino estava bem de
boa.
​Lavei o meu rosto e passei água na parte da camisa que estava
com cerveja, depois saquei o meu celular só para contabilizar
quantas horas faltavam para eu poder ir embora sem que meus
amigos falassem merda. No entanto, levei um susto ao perceber que
havia nove chamadas não atendidas de Pérola.
​ eu coração passou a bater forte, sobretudo ao ler as
M
mensagens que deixou:

Pérola: Diego, está aí?


Pérola: Preciso falar contigo urgentemente.
Pérola: Diego?
Pérola: Diego, Matteo está com febre e não sei o que fazer...
Pérola: Já dei remédio, mas continua. Dei um banho também.
Pérola: Diego, também aconteceu uma coisa que você precisa
saber.
Pérola: Meu Deus, Diego, onde você está?
Pérola: ??????? ​
Não tive dúvidas e liguei para ela. Pérola atendeu no primeiro
toque.
— O que houve? — fui logo falando. Tentei abafar o som que
alcançava o banheiro, mas Pérola deve ter percebido que eu não
estava em casa.
— Ai, me desculpa atrapalhar o seu descanso, mas... Diego,
preciso que venha aqui agora, não posso falar por telefone.
— Aconteceu alguma coisa com Matteo? — meu coração
apertou tanto que achei que fosse parar.
— Ainda está com um pouco de febre, mas já está medicado
e dormiu. Não sei o que fazer e... — Pérola, então, começou a
chorar. — Por favor, vem aqui. Por favor.
— Calma, linda, eu já estou indo. Se acalme. Chego
rapidinho.
— Obrigada... — resfolegou, em prantos.
— Até já.
Desliguei e saí desesperado do banheiro. Encontrei Ricardo e
informei apressadamente:
— Pérola precisa de mim, vou lá. Matteo está com febre.
— Pérola? Mas você está de folga! — a sua careta
descontente ficou visível.
— Ela precisa de mim.
— Cara, você... Vai correndo atrás dela desse jeito? Não é
possível que a mulher não dá conta de uma febre.
— Não estou atrás dela, estou preocupado com o meu filho —
menti em parte. Alison ouviu aquela conversa e fez uma expressão
confusa. Dei de ombros e falei mais baixo: — É assim que um pai
age, cara, você não entenderia. Falou.
Cumprimentei-os rapidamente, sob a careta irritada de Rick, e
peguei um Uber, sem pensar duas vezes, rumo à casa da mãe do
meu filho.
Capítulo 19
Pérola
​ meu sábado com o Matteo estava sendo maravilhoso.
O
Fizemos piquenique no jardim, tomamos banho de piscina e
cochilamos juntinhos. Consegui passar uma hora com ele dentro da
brinquedoteca, fazendo brincadeiras, ouvindo músicas infantis e nos
divertindo. O meu filho estava relaxado e risonho, de um jeito lindo
que me deu orgulho. Consegui dar de mamar nas horas certas e
estava me sentindo uma exímia mãe.
​No entanto, à noite, uma ligação de Hermes me tirou
completamente dos eixos.
​— Boa noite, Pérola, preciso conversar pessoalmente com a
senhorita. Estou na garagem reunido com o pessoal da segurança.
​Meu corpo inteiro pareceu congelar. A última vez que Hermes
tinha me ligado com aquela voz de urgência foi quando tentaram
invadir a mansão.
​— Aconteceu alguma coisa?
​— Infelizmente, sim. Posso subir? Eu a encontro na sala.
​— Claro, claro, pode subir.
​Juntei bastante ar nos pulmões e soltei de uma só vez. Eu
deveria estar mais acostumada com aqueles alardes, já que minha
casa, meu carro e a minha vida eram muitos visados, mas ainda
assim não consegui manter a calma.
Foi trêmula que desci as escadas, e o meu chefe de
segurança já me aguardava com as duas mãos no bolso da calça
social. Ele me olhava de um jeito afetado, parecendo realmente
assustado, o que só piorou a minha situação.
​ ermes era um quarentão muito bonito e forte, com os cabelos
H
castanhos raspados na máquina um e uma barba que considerei
grande demais. Já serviu na marinha e trabalhou como segurança
particular durante anos, até se especializar e abrir uma empresa no
ramo. Eu o contratei para resolver todas essas questões para mim,
de modo a me envolver o mínimo possível, e pedi sua participação
especial em todos os processos referentes àquela casa e à minha
vida. Claro que ofereci uma grana preta para isso, e ele topou
arregaçar as mangas.
​— O que aconteceu, Hermes? Que cara é essa? — eu me
aproximei e, mesmo nervosa, trocamos os beijinhos em
cumprimento.
​— Sente-se, senhorita, por favor.
​— Meu Deus, foi alguma coisa com os meus pais? — depositei
uma mão sobre o coração enquanto me sentava no sofá e ele me
acompanhava. Jacob e Miranda também utilizavam os serviços
especializados de sua empresa de segurança.
​— Não, estão todos bem. Mas... — ele fez uma pequena pausa
que me deixou louca. — Senhorita Pérola, lembra-se de que te dei
acesso ao sistema de câmeras da casa, de modo que a senhorita
poderia desabilitar alguma delas quando necessário, para garantir a
sua privacidade?
​Ele olhou para cima, exatamente para a câmera que ficava
entre a sala e a cozinha, e acabei olhando junto. Não entendi aonde
ele queria chegar, por isso a minha expressão quando voltei a
encará-lo foi de pura confusão.
​— Acontece que essa câmera permaneceu ligada ontem à noite
e... — ele raspou a garganta. — Dois seguranças tiveram acesso
imediato ao conteúdo gravado. Eu já o excluí de todos os nossos
arquivos, de maneira que não dá para recuperar, mas...
​Pisquei os olhos, atônita. As informações, quando se
assentaram em meu cérebro, fizeram-me congelar de imediato. Eu
havia me esquecido completamente de que estava sendo
monitorada o tempo inteiro, e que isso significava que os seguranças
assistiram ao meu sexo com Diego como se fosse um filme pornô.
​Meu rosto se aqueceu de tremenda vergonha.
​ Meu Deus... — arfei, engolindo em seco. Estava me sentindo

tão invadida que mal consegui ponderar as emoções. — Já
conversou com os seguranças? Você assistiu ao vídeo? — arregalei
os olhos.
​Hermes deu de ombros.
​— Bom, eu precisei assistir. Precisava saber o que...
​— Ai, meu Deus! — bufei, levantando-me do sofá e andando
de um lado para o outro. — Puta merda, eu não acredito nisso!
​— Senhorita Pérola, não foi só isso. Temos uma emergência
maior para resolver, mas a minha equipe está trabalhando
arduamente para...
​— Diga logo, o senhor está me enervando! — falei meio
rispidamente, bastante chateada com a situação toda. Voltei a me
sentar no sofá e o encarei, furiosa.
​— O vídeo vazou — Hermes disse, enfim.
​Passei um minuto completo o encarando, sem acreditar. Não
consegui reagir. Simplesmente acompanhei enquanto o chefe da
segurança explicava sobre haver algum funcionário muito estúpido
na sua empresa, capaz de vazar o vídeo em sites pornográficos e na
mídia. A cena de mim e do Diego já corria nas redes sociais, grupos
de Whatsapp, enfim, na internet.
Eu tinha passado o dia inteiro longe do celular, então claro
que não vi nada. Ele já havia acionado o pessoal que tomava conta
das minhas redes e da minha imagem, que estavam a caminho,
naquele instante, para uma reunião comigo.
​Depois que ele concluiu sua fala angustiante, continuei calada,
quase sem piscar.
​— Compreendeu tudo, senhorita Pérola? Faremos uma reunião
mais elaborada de emergência.
​Eu me ergui.
​— O senhor está demitido.
​— Senhorita Pérola, eu... — Hermes segurou minha mão antes
que eu me afastasse, mas me desvencilhei e gritei:
​— Como posso confiar na sua empresa depois dessa merda? —
arregalei bem os olhos, nervosa até o último fio. — No primeiro
vacilo tenho um vídeo sexual vazado? Porra, Hermes!
​ Senhorita, eu já demiti os dois seguranças de plantão. Estou

investigando qual deles foi e como fez isso, e podemos abrir um
boletim de ocorrência oficial.
​Balancei a cabeça em negativa.
​— Aguardo a equipe no meu escritório — resmunguei e subi as
escadas sem olhar para trás.
​No caminho, fui conferir se Matteo ainda dormia, e apesar de
ele se manter calmo e inerte, percebi que estava muito quente.
Apalpei-o inteiro, de forma trêmula, e peguei o termômetro só para
constatar o que já sabia: trinta e sete graus. Febril.
​— Meu Deus do céu... Meu Deus... — não pude me controlar.
Se nada estivesse acontecendo, só pegaria o antitérmico infantil e
pronto, mas me coloquei num turbilhão de nervosismo e não estava
conseguindo sair dele.
​Dei um banho rápido e meio frio no neném, que reclamou por
ter sido acordado e começou a chorar muito por causa da
temperatura da água. Eu fiquei em prantos durante todo o processo.
Quando o vesti e dei o remédio de gotinhas, mandei as primeiras
mensagens para Diego. Queria que ele soubesse o que estava
acontecendo antes que descobrisse nas redes sociais.
​Alguns minutos se passaram e Matteo não parou de chorar.
Nem eu.
​A febre ardia, meu coração apertava, ele pranteava e eu me
desesperava. Só consegui acalmá-lo quando o devolvi para o berço,
já que negou o peito e tudo o que ofereci. O bichinho pegou um
brinquedo e, sozinho, foi se aquietando para voltar a dormir. A
minha agonia foi tanta que mandei mais mensagens para Diego.
​Vesti uma roupa mais formal para receber a minha equipe de
marketing: vestido tubinho bege e Scarpins pretos. Enxuguei as
lágrimas, lavei o rosto e soltei os cabelos. Coloquei um pouco de
gloss labial só para deixar claro que não era a porcaria de um vídeo
que iria me derrubar.
​A minha sala já estava movimentada quando retornei. Chamei
todos para o escritório, que era grande o suficiente para suportar
uma reunião daquelas. Nós nos sentamos ao redor da maior mesa e
todos pareciam nervosos.
​ Entramos em contato com vários sites solicitando que

retirassem o conteúdo. Já derrubamos alguns extraoficialmente —
Malena, uma das funcionárias que cuidava das minhas redes
pessoalmente, explicou. — Não há mais nada seu em sites
pornográficos, mas agora a nossa preocupação é com o Whatsapp e
os veículos de fofoca. O vídeo acabou vazando para pessoas
comuns, não ficou apenas entre os consumidores de pornografia.
​— A senhorita pode, ou não, fazer algum comentário nas redes
— outro funcionário continuou. — Recomendamos o Twitter, caso
deseje. Acredito que deva ser tratado com naturalidade, talvez até
assumindo um compromisso com o rapaz.
​Balancei a cabeça em negativa.
​— E se eu não quiser falar nada? — sussurrei, sem acreditar
ainda naquela merda toda. Hermes olhava para mim e para o
pessoal com o rabo entre as pernas. Sabia que a culpa era dele.
​— Vamos tomar todas as medidas cabíveis, de qualquer forma
— Mathias, o meu advogado, complementou, inclusive olhou para o
Hermes depois. Ele estava sério como sempre, e como sempre veio
com a sua pasta preta cheia de documentos, já com as solicitações
para que eu assinasse. Ele era muito ligeiro e prestativo. — Quem
fez isso vai pagar muito caro.
​— Eu me coloco em total disposição para encontrarmos o
funcionário que causou este constrangimento — meu chefe de
segurança foi logo se defendendo. — E repito, os dois seguranças de
plantão já foram afastados.
​— Olha... — fechei os olhos com força e ergui uma mão.
Depois, simplesmente me levantei. Minha mente em plena
tempestade não suportaria mais nenhum segundo daquela reunião.
— Conversem entre si e tomem as decisões mais inteligentes. E-
Eu... Eu vou cuidar do meu filho, porque é o melhor que eu faço.
​— Mas senhorita Pérola... — Malena começou, mas a
interrompi com um gesto brusco.
​— Vocês vão saber o que fazer. Ou será que pago uma fortuna
a cada um de vocês a troco de nada? É hora de trabalhar e mostrar
para o que vieram. Do contrário, estão todos demitidos — gesticulei
na direção do escritório inteiro e me retirei.
​ nquanto descia para a cozinha, a fim de pegar um copo de
E
água com açúcar, mandei mais mensagens desesperadas para Diego
e tentei ligar para ele, porém não obtive sucesso.
​Enxuguei mais lágrimas e me sentei sobre a cadeira de perna
alta. Perdi as forças para caminhar até a geladeira. Foi então que o
meu pai despontou na sala, vindo da garagem. O seu olhar estava
enviesado.
​— Que porra foi essa, Pérola? Recebi um vídeo pornô seu com
aquele... Argh! — berrou alto, aproximando-se. As lágrimas
começaram a escapar e escorrer pelo meu rosto de maneira
desordenada. Quando viu o meu pavor, papai parou e me abraçou
com força. — Ah, minha filha. Não fica assim. Odeio te ver
chorando.
​Nem parecia mais o mesmo homem irritado que tinha
adentrado o recinto sem pedir licença. A minha resposta foi apenas
um pranto ruidoso e dolorido.
​— Já falei com o meu advogado e vim pessoalmente conversar
com a sua equipe. Hermes me telefonou e disse que estavam todos
aqui — ele falou de um jeito manso.
​Suspirei fundo.
​— Estão lá em cima, no escritório. Por favor, acompanhe-os —
pedi.
​— E você?
​Balancei a cabeça em negativa para ele.
​— Não posso — choraminguei. — Não posso.
​— Shhh, tudo bem, filha. Vai dar tudo certo, está bem?
​O meu pai era muito legal comigo. Sempre foi assim. Ele me
protegia acima de tudo e de todos, e nunca chegou a reclamar
comigo de verdade. Uma cara de choro minha e ele se derretia feito
manteiga.
​— Tá bem — minha voz quase não saiu.
​— E aquele sujeito, onde está? — ele resmungou, mudando o
porte mais calmo para um mais agressivo.
​— Está de folga — dei de ombros. — Não sei.
​— Entre em contato com ele. Não duvido nada que tenha feito
parte disso e...
​ Pai, já chega! — endureci a voz e a expressão. Coloquei-me

em defensiva imediatamente. — Diego não tem nada a ver com essa
merda. Por favor, acompanhe a reunião. Vou cuidar do Matteo, ele
está meio febril. Depois falo com o senhor.
​— Eu sabia que essa coisa de babá homem não daria certo. A
sua mãe vai te matar e me matar junto.
​Arquejei, balançando a cabeça. Miranda era a última das
minhas preocupações.
​Sem nada responder, subi as escadas e voltei para o quarto de
Matteo. Ele voltara a dormir, de fato, mas ainda estava quentinho
demais para o meu gosto.
De repente, o meu celular começou a tocar: era o Diego, que
pelo jeito não estava sabendo de nada ainda. Bem que tentei
manter a calma para falar com ele, mas foi impossível. Comecei a
prantear de novo enquanto tentava convencê-lo a vir.
​Percebi que ele estava em um lugar barulhento e
movimentado, a tirar pelas conversas de pessoas que consegui ouvir.
Não tive chance de pensar a respeito disso, embora um bolo de
amargura e ciúmes tivesse se instalado em minha garganta depois
que desliguei.
​Só me restava aguardar a sua presença para lhe dar a fatídica
notícia.

Depois de vinte minutos, um dos seguranças interfonou


avisando que Diego aguardava na guarita, e liberei a sua entrada
imediatamente. Em poucos instantes ele despontou na sala e a
minha primeira reação foi correr para abraçá-lo. Foi um aperto
demorado e meio desesperador, tanto que comecei a chorar em seu
peito, com os braços ao redor de sua cintura.
Diego me apertava e alisava o meu cabelo, mas se manteve
tenso o tempo todo, creio que nervoso por ainda não saber o que
aconteceu.
— Pérola... Matteo está bem? Por favor, preciso saber para
poder ficar tranquilo.
Eu me afastei e o olhei de perto. Não sabia que Diego se
preocupava tanto assim com o meu filho. Quero dizer, sabia que
gostava dele, que o protegia e cuidava como ninguém, porém jamais
imaginei que fosse naquele nível.
— Ele está bem, não se preocupe — choraminguei. — Está lá
em cima, dormindo.
O babá assentiu devagar, ainda me analisando com atenção.
Estava tão sério que não pude deixar de perceber o quanto ficava
sexy quando se preocupava. Se eu não estivesse tão arrasada,
certamente não responderia por mim.
— Vai me dizer o que houve? — sussurrou, alisando as pontas
de parte do meu cabelo.
Apontei para o teto da sala de estar. Diego guiou seu olhar na
direção do meu dedo.
— Esqueci de desligar as câmeras ontem à noite — falei de
um jeito embargado. — O sistema gravou tudo o que fizemos e
algum palhaço da empresa de segurança que contratei vazou o
vídeo. Tem imagens da gente transando rodando a internet neste
exato momento.
Diego ficou com os olhos esbugalhados e o corpo inteiro
retesado. Não falou nada, apenas olhou de mim para a câmera e o
contrário também. Por fim, soltou um longo suspiro e se sentou na
cadeira de perna alta. Continuei esperando a sua reação,
envergonhada e destruída por dentro.
— O meu pai, a equipe de marketing, meu advogado e o
chefe de segurança estão em reunião no escritório lá em cima —
prossegui, explicando em um tom baixo, porém claro e ponderado.
— Vão decidir o que iremos fazer para controlar os danos.
— Eu... — Diego bufou, negando com a cabeça e evitando me
olhar. — Não vi nada diferente nas minhas redes sociais a caminho
daqui.
— Deve ser porque ainda não te acharam, e também seu
perfil é privado, mas isso é questão de tempo. Não vi o vídeo, mas
essas câmeras são novas e com ótima resolução — soltei um
pequeno praguejo em seguida, quase inaudível. — Estou recebendo
notificações, mas não conferi nenhuma. Tenho medo do que posso
encontrar.
Diego assentiu e, enfim, me observou com seus olhos
castanhos, naquele momento escuros, brilhantes.
— O que faremos?
Dei de ombros.
— Eu não sei.
— Serei demitido? — soltou de uma vez, como se
perguntasse tão logo o pensamento surgiu em sua mente.
Bufei, de repente irritada com aquela possibilidade.
— Não importa o que eles estão decidindo lá em cima, você
não vai se livrar de mim assim tão fácil — abri um sorriso leve, para
acalmá-lo e me acalmar também, mas Diego só continuou me
analisando com a expressão séria.
No entanto, ele segurou a minha mão com certa força.
— O que for melhor para você, linda — falou, com o timbre
meio embargado.
Eu não soube o que dizer. Na verdade, queria beijá-lo, me
aninhar em seus braços e dizer que resolveríamos aquilo juntos. Mas
Diego não queria esse tipo de aproximação e eu não podia obrigá-lo
a nada.
Alguns minutos depois, quando resolvi abrir um vinho e tomar
junto com Diego, numa espécie de comemoração fúnebre e
silenciosa, o pessoal desceu as escadas ao mesmo tempo e a
muvuca demorou a se dissipar. Outra reunião tinha sido marcada
para o primeiro horário da segunda e precisaria da minha presença e
da do Diego.
Hermes e Mathias tratariam das partes legais do caso, e o
chefe de segurança se responsabilizaria pela parte tecnológica da
questão, junto com o pessoal do marketing. A ideia era remover a
informação de todas as vias de fofoca e abafar o caso o máximo
possível. Quanto a mim, foi dito para que não postasse
absolutamente nada a respeito. Seria como se nenhum vídeo meu
tivesse sido vazado.
Malena informou que, por eu não ser nenhuma digital
influencer ou chamar muita atenção na internet, seria mais fácil,
pois só quem me conhecia eram pessoas interessadas no mundo
empresarial e financeiro, o que era um nicho relativamente menor
do que se eu fosse, por exemplo, uma artista.
A poeira baixaria aos poucos e em algum momento ninguém
lembraria mais o que houve.
Por fim, todos foram embora, menos o meu pai. Acompanhou
a movimentação em silêncio, encarando Diego como se fosse capaz
de matá-lo. Algo me dizia que tentar marcar um jantar com os dois
estava fora de cogitação, a maneira com que aqueles dois se
conhecerem foi desastrosa.
Jacob pegou uma taça na cristaleira e a encheu com o vinho
que abri, sentando-se à ilha e nos analisando em completo silêncio.
Eu não falei nada, apenas ficamos naquele clima constrangedor.
Diego tremia, dava para perceber. A presença de Jacob Leblanc era
sufocante às vezes, eu não podia julgá-lo por estar com medo do
meu pai.
— Que merda vocês fizeram, hein? — enfim, papai comentou,
depois deu mais um gole no vinho. — Parabéns.
Revirei os olhos. Diego apenas se encolheu.
— Na verdade foi bem bom, o senhor não viu? — rebati,
implicante.
Ele fez uma careta para mim.
— Não é momento para gracinhas e é lógico que não vi esse
vídeo — limpou os lábios com as costas das mãos e depois passou a
palma pelos cabelos grisalhos. — Na segunda-feira nos reuniremos
com o conselho para conversarmos sobre seu afastamento
temporário.
— Afastamento? — foi a minha vez de abrir a maior careta. —
Não me afastarei do trabalho por causa disso.
— As nossas ações do Grupo estão caindo — resmungou. —
Os acionistas estão começando a se desesperar, não param de
mandar e-mails e mensagens. Ou você se afasta para conter danos,
ou a coisa vai ficar preta para o seu lado, Pérola. E para o meu
também.
Bufei, soltando resmungos e palavrões em um tom inaudível.
Consegui identificar a culpa no olhar acuado de Diego. O meu
pai estava com uma expressão dura, mas amansou quando precisei
enxugar algumas lágrimas. O trabalho era a minha vida. Nem
quando estava grávida ou tive o Matteo cheguei a me distanciar de
verdade.
— Você precisa definir as coisas com ele — Jacob Leblanc
gesticulou com a cabeça, voltando a encarar Diego e prender a
mandíbula. É, o tal jantar não ocorreria mesmo. — Não podem ter
uma relação profissional e pessoal ao mesmo tempo. Sabe disso,
não sabe, Pérola?
Assenti. O meu pai nunca se relacionava com ninguém do
trabalho por puro medo de ser acusado de assédio.
— Senhor Leblanc, eu... — Diego começou, mas meu pai o
fuzilou com o olhar.
— Se eu fosse você ficava quieto e calado. Só não acabo com
a sua raça agora porque quem tem que fazer isso é a minha filha.
Cabe a ela arrancar da própria vida gente insignificante — ele se
levantou e terminou de esvaziar a taça. Levei uma mão ao peito,
assustada até o último nível com as palavras dele. Meu pai nunca
agiu com tanta agressividade. — Mas saiba que reunirei todas as
forças para descobrir qual é a sua — apontou um dedo em riste. —
E quando eu souber, vai se arrepender amargamente de ter
encostado um só dedo na minha menina — e foi embora sem olhar
para trás.
Ele nem se despediu.
Diego ficou com os olhos mais abertos do que o natural.
Pudera, também me apavorei, mas como conhecia a bondade de
papai, tratei de me acalmar.
— Ele está chateado, mas vai passar — dei de ombros. —
Não leve a sério, Jacob é do bem.
Mas Diego continuou atônito, até que vi o instante exato em
que lágrimas se formaram em seus olhos e começaram a escorrer.
Eu me levantei e o abracei, mas aquele homem lindo segurou os
meus ombros pouco tempo depois, afastando-me.
— Eu não tenho nada a ver com esse vídeo — falou, ainda
chorando, porém controladamente, olhando-me com intensidade. —
Nunca quis te prejudicar. Nunca, Pérola.
— Ei... — passei a alisar seus cabelos. — Eu sei. Não se
preocupe. Confio em você.
Diego prendeu os lábios com força.
— Não sei o que fazer... — murmurou, afastando-se de vez.
Andou até a parede envidraçada que dava para o jardim, passando
as mãos pelos cabelos e todo agitado. — Eu não sei o que fazer.
— Do que está falando? Não precisa fazer nada. Já falei que
seu emprego está intacto.
— Não é isso, eu... — ele parou e pareceu me enxergar pela
primeira vez desde que chegou. — O seu pai nunca vai me aceitar
aqui.
— Ele não tem que aceitar nada, Diego. Isso tudo é
desconfiança, ele vai superar quando perceber que você é...
— Preciso ir — disse, interrompendo-me. Aproximou-se e me
deu um beijo na testa com urgência. — Matteo está bem mesmo?
— Vou subir e ver a temperatura de novo, mas...
— Me ligue se a febre não cessar — apontou e foi logo se
afastando, perdendo-se na escadaria da garagem assim, de repente.
Eu não sabia o que tanto Diego tinha para fazer, e um lado
ciumento meu recordou da festa onde ele estava, talvez com
alguém, então um arrepio atravessou o meu corpo. Balancei a
cabeça e fui cuidar do meu filho. Havia tantos problemas para
pensar, não perderia um só segundo do meu tempo pensando na
possibilidade de Diego ter encontrado outra pessoa.
Capítulo 20
Diego
Quando saí da casa de Pérola, liguei para o Ricardo em tom
de urgência, dizendo que precisava dele em casa o mais rápido
possível. Meu amigo deve ter percebido que não adiantaria
pestanejar, por isso apenas falou que estava se despedindo da
galera e que chegaria em alguns minutos. Por sorte, não fez mais
perguntas.
Peguei um Uber rumo ao apartamento e esperei
impacientemente. As primeiras mensagens começavam a chegar.
Alguns amigos receberam o vídeo e me identificaram, mas o auge da
noite foi ter recebido um recado da minha mãe perguntando o que
estava acontecendo comigo e se andava metido em coisa obscena.
Eu não pretendia assistir a nada, mas quando um primo me
enviou o vídeo no privado, perguntando se era eu, não resisti e
decidi que seria melhor ver o quê exatamente as pessoas estavam
vendo. Assim, quem sabe, eu pudesse me defender melhor, ou
mesmo negar diante de parentes.
Ao perceber que Pérola tinha razão, a imagem era, de fato,
muito boa, desisti de oferecer qualquer resposta a qualquer um que
viesse questionar. Dava para ver tudo, inclusive nossas partes
íntimas – ao menos não dava para perceber meu mono-ovo, o que
já podia ser considerado algo bom.
Só que, no fim das contas, eu não devia nada a ninguém.
Eu me atirei no sofá e fiquei acompanhando o andar da
carruagem. O grupo da família começou a me marcar em
notificações que fingi não ver. Estavam todos em dúvida se era eu
mesmo no vídeo, mas concordavam que o tal cara se parecia muito
comigo.
Dentro de quinze minutos, Ricardo girou a maçaneta da porta
e fui logo me levantando.
— Porra, vazou um vídeo seu e da Pérola trepando — ele
disse sem hesitação, mostrando-me seu smartphone. Estava
fedendo a álcool e tinha a gola da camisa amassada. Com certeza
tinha ficado com alguma mulher no pub. — Está sabendo disso?
— Claro, por isso Pérola me chamou para a casa dela. E por
isso te chamei aqui.
— Não se preocupe, vou começar a acionar um pessoal para
retirar o conteúdo do...
— A equipe de Pérola já está fazendo isso, a minha
preocupação é outra — falei seriamente, olhando-o com vontade de
matá-lo, ao mesmo tempo em que também queria protegê-lo de
toda aquela merda.
— O que foi que rolou? — balbuciou a pergunta, sentando-se
no sofá.
Eu não aguentava me sentar, por isso permaneci de pé,
andando pela sala feito um doido.
— Jacob Leblanc — murmurei e parei para olhá-lo
firmemente.
— O que tem o coroa ricão? Deve estar puto de ver a filhinha
dando, né? Por falar nisso, cara, você até que mandou bem, a
mulher estava louca.
Revirei os olhos e bufei, irritado.
— O homem disse na minha cara que não descansaria
enquanto não soubesse qual é a minha. E que, quando soubesse,
acabaria comigo. O pai de Pérola pensa que eu tenho a ver com o
vazamento desse vídeo, mas foi só um imbecil da equipe de
segurança. Ele é totalmente contra eu ser o babá de Matteo.
Ricardo arregalou os olhos e assobiou.
— O homem não está pra brincadeira.
​ Eu não sei o que porra você fez para descobrir que sou o pai

do Matteo, mas precisa resolver isso — alertei, colocando um dedo
em riste. — Do mesmo modo que você descobriu, Jacob, com todo o
seu dinheiro e influência, também pode. E é claro que não vai
acreditar se eu disser que não sabia de nada. Será o meu fim. Vou
perder o Matteo para sempre — assim que concluí aquela frase, o
meu coração pareceu se partir em mil pedaços. Apenas imaginar
como eu ficaria sem o meu filho me causava uma dor insuportável.
​Ricardo assentiu, percebendo, pela primeira vez, a seriedade
da situação.
​— E suponho que perder o Matteo, para você, seria pior que
perder um ovo... — Ricardo começou a refletir em um tom baixo,
coçando a barba por fazer.
​— Eu perderia mil ovos por aquele moleque.
​E então o meu amigo se levantou em um salto.
​— Vou ver o que posso fazer para proteger as suas
informações. Talvez alterar o nome vinculado à inseminação de
Pérola no sistema da clínica... Enfim, vou pensar no que dá pra fazer.
​— Faça isso agora, e depressa. Porque se essa bomba estourar,
Ricardo, você sabe que vai explodir junto. Afinal, eu não obtive essa
informação através de um pombo-correio.
​Ele assentiu devagar e se retirou da sala, trancando-se no
quarto com seus equipamentos de última geração que, naquele
instante, precisavam me salvar da cilada onde me enfiei. Depois de
uma ameaça tão velada, eu precisava estar protegido do ataque de
Jacob Leblanc.
Algo me dizia que ele viria com tudo para cima de mim. Claro
que não me importava com o que pudesse me arrancar, exceto o
Matteo. Ficar sem o meu filho estava fora de cogitação.

​Ricardo permaneceu no quarto durante todo o domingo, o que


me deixou mais nervoso ainda, pois não me trouxe nenhuma
resposta referente ao que havíamos conversado. Segundo ele,
“estava resolvendo”, mas não chegou a dizer que a situação estava
resolvida. Havia uma diferença muito grande entre uma coisa e
outra.
​Na segunda de manhã, bem cedo, fiz minha mochila com
roupas limpas e segui para a casa de Pérola. Matteo não estava em
seu quarto, então supus que tinha amamentado e adormecido no
quarto da mãe, cuja porta estava fechada e, obviamente, não os
incomodei.
​Deixei as coisas no meu quarto e fui para a cozinha verificar o
que daria para Matteo quando acordasse. Foi no mesmo instante em
que Jacinta chegou na companhia de Taciana. A faxineira me saudou
normalmente, fingindo que nada tinha acontecido no pub, porém
percebi que me olhou de um jeito fixo e com certo ar de malícia.
Não sei se Jacinta percebeu, mas se sim, disfarçou bem.
​Pérola surgiu quarenta minutos depois, com Matteo nos braços
e trajando seu inconfundível robe de seda. Saudou a todos e me
entregou o bebê.
​— Ele precisa ser trocado.
​— Certo.
​— Por favor, arrume-o e depois o deixe com Jacinta. Hoje você
vai me acompanhar para a reunião na empresa.
​— Tudo bem — embora parecesse tranquilo, fiquei nervoso de
imediato. Eu não sabia o que vestir. Só havia trazido roupas simples,
nada sofisticado, o que me colocaria em piores condições diante do
pessoal de Pérola, inclusive o seu pai.
​No entanto, depois que dei um banho, troquei o meu neném
risonho e voltei para os meus aposentos, após deixar Matteo sob os
cuidados de Jacinta, percebi que havia roupas dobradas na minha
cama: era uma calça e uma camisa sociais, além de uma gravata.
Soltei um longo suspiro e me sentei ao colchão.
​Pérola pensava em tudo, era impressionante. Ela sabia que eu
não era sofisticado a ponto de trazer roupas sociais para o serviço
como babá, até porque nem faria sentido.
​Fiquei meio surpreso ao verificar que as roupas davam em mim
perfeitamente, como se tivessem sido feitas sob medida. Dentro de
alguns minutos nos encontramos na sala, ela já com um conjunto de
saia social preta e blusa vermelha, com um blazer ao lado da pasta
preta de executiva.
​— Venha fazer o desjejum e então iremos — Pérola disse. Não
pude deixar de notar o quanto estava séria e meio robótica, evitando
me olhar.
Jacinta paparicou a patroa mais do que o costume, sendo
exageradamente cuidadosa e atenciosa, prova de que já estava
sabendo do maldito vídeo. Até chegou a me olhar de um jeito
divertido, como se dissesse “eu já sabia que vocês estavam juntos”,
mas não chegou a comentar nada.
​Por fim, entrei na Lamborghini ao lado da CEO poderosa, que
se manteve atarefada fazendo ligações e respondendo e-mails,
quase sem desviar o rosto de seu celular. Percebi que fazia aquilo
apenas para não ter que conversar comigo. Sinceramente, fiquei
desanimado. Eu não queria que a nossa relação ficasse tão
esquisita, mas era inevitável.
​Fui deixado em uma sala à parte quando Pérola seguiu para a
primeira reunião do dia. Só fui chamado quase uma hora depois, e
basicamente para me fazerem entender que eu não deveria falar a
respeito do que aconteceu. Até me fizeram assinar uma papelada
alegando que eu nunca daria entrevistas, comentaria ou postaria
algo a respeito do vídeo vazado.
​Explicaram que já tinham localizado qual dos seguranças de
plantão fez aquela cagada e que a justiça já havia sido acionada.
Deixaram claro que o meu depoimento seria necessário em algum
momento do processo e me fizeram jurar que ajudaria com o que
fosse preciso. O cara pagaria caro por tudo aquilo, e fiquei me
perguntando o que um simples funcionário teria para oferecer a
alguém como Pérola. Mesmo assim, não neguei nada. Assinei todos
os papéis e falei que estava à disposição.
​O que me restava fazer além disso?
​Quando a reunião foi dada por encerrada pela própria Pérola, a
equipe começou a se levantar, inclusive eu, mas ela permaneceu
sentada e apontou para mim.
​— Você fica.
​ s pessoas ao nosso redor se entreolharam, mas não
A
questionaram a decisão da CEO. Eu voltei a me sentar onde estava,
ou seja, do outro lado da mesa, de frente para ela, porém longe o
bastante para os meus nervos suportarem.
​Nós fomos deixados a sós em poucos segundos, que levei
apenas a observando, enquanto recebia seu olhar mais sério de
volta. Ao menos ela estava olhando para mim, coisa que não fez
durante toda a manhã.
​— Precisamos definir algumas coisas, Diego — começou,
escorando-se na poltrona e mexendo com uma caneta de aparência
cara. — Para que isso dê certo.
​Aquiesci, apenas. Pérola me encarou por mais alguns
segundos, em total silêncio, depois prendeu os lábios e se aprumou.
​Ela me disse sem dó e nem piedade:
​— Eu não quero ser a sua amiga.
​O silêncio que se fez foi constrangedor e absoluto, tanto que
tive a sensação de ouvir os cacos do meu coração se partindo em
pedaços ainda menores.
​Precisei soltar um resfolego. Mais uma vez, Pérola tinha me
feito prender o fôlego.
​— A partir de agora, a nossa relação será estritamente
profissional. Do contrário, infelizmente teremos que desfazer o
contrato e você pode ir embora... Seguir com a sua vida como bem
entender — percebi que Pérola engoliu em seco e só então um
pensamento aliviou a minha alma: o de que ela, no fundo, estava
sofrendo com a decisão.
​— Há outro modo de resolvermos isso — falei, na verdade
pensando alto, sentindo o desespero apossar o meu corpo e
transformar aquelas palavras em realidade.
​— Não vejo outro modo.
​— Seja minha — balbuciei. — De verdade.
​Ela me analisou, assustada. Por aquela Pérola não esperava.
Seu porte de durona amansou por algum tempo, mas logo em
seguida sua mente tirou alguma conclusão fora de tom. Uma que a
deixou quase ofendida.
​ Não obrigarei ninguém a estar comigo — resmungou. —

Antes desta merda toda acontecer, você não queria nada, e no fundo
continua não querendo, só está espantado com o que aconteceu e
com o que o meu pai falou.
​— Não diga que não quero nada com você, pois não é verdade.
Eu...
​Ela continuou balançando a cabeça.
​— Diego, agora sou eu que não quero nada com você. — Eu
me calei imediatamente e me mantive meio paralisado na cadeira.
As palavras de Jacob Leblanc me atingiram em cheio. Ele havia dito
que cabia a Pérola me dispensar. Quanto daquela decisão vinha
dele? — Nós dois sabemos que é o melhor a ser feito. Seja o babá
do meu filho e só. Depois de tudo, não basta para você?
​Fiquei a observando com atenção. Por fim, concordei.
​— Sim. Basta — prendi a mandíbula com toda a força.
​Eu precisava ter coragem para deixar Pérola ir de uma vez.
Porque, sinceramente, até aquele momento, não a havia tirado dos
meus pensamentos e menos ainda dos meus planos, por mais que
fingisse que eu estava bem e que não tínhamos nada sério.
​Percebi que ela também endureceu as expressões.
​— Ótimo. Gilmar o espera na garagem do edifício. Matteo
precisa de você lá em casa.
​Eu me levantei.
​— Você será afastada?
​Pérola abriu um sorriso meio debochado.
​— Só se passarem por cima do meu cadáver. Imagina se vou
permitir que um bando de velho machista e babaca me tire do
caminho! Jamais.
​Sorri para ela, acenei em um cumprimento fraco e me retirei da
sala de reuniões assim que percebi que Pérola estava dispensando a
minha presença.
​Ao entrar no elevador, deixei todo o ar sair dos meus pulmões.
Era uma droga que eu estivesse tão envolvido por aquela mulher.
Era uma merda ter esperado chegarmos àquele ponto. Eu me odiava
por não ter tomado uma decisão antes, quando ela me queria e
deixara tão claro. Detestava-me por não ter pensado nem um pouco
nos meus próprios sentimentos.
​Porque, sem dúvida nenhuma, eu estava completamente
apaixonado.
Capítulo 21
Pérola
Eu tinha milhões de motivos para desejar não sair da cama
naquela manhã. Não queria resolver o que precisava porque estava
envergonhada e desanimada, sabia que não seria um dia fácil. Só
que eu não chegara até ali para me acovardar. Pérola Leblanc
encarava seus compromissos com a cabeça erguida, vestes da
Armani e salto agulha, sem nem manchar o rímel.
Foi bem maquiada e vestida que atravessei os corredores do
Grupo Leblanc como se nada tivesse acontecido. Os funcionários me
olhavam, e embora alguns tentassem disfarçar a curiosidade, era
ainda pior entender que todas aquelas pessoas não apenas haviam
me visto nua, mas dando na maior safadeza para o meu babá, que
caminhava logo atrás de mim.
Tentei não pensar em nada daquilo. Precisava manter o foco
em minhas decisões.
A primeira reunião do dia foi uma verdadeira meleca, mas ao
menos a equipe se mostrou preparada para a redução de danos. O
responsável pelo vazamento do vídeo foi localizado e estava sendo
investigado pela polícia. Infelizmente, não o detiveram,
provavelmente responderia em liberdade, foi o que anunciou o meu
advogado, o que só me deu ainda mais raiva.
O pessoal do marketing já tinha conseguido retirar a notícia
dos principais veículos de fofoca, e cada vez menos se falava sobre o
maldito acontecimento nas redes sociais. Eu continuaria sem falar
nada a respeito, só me restava ficar na minha e pronto, assunto
encerrado.
Hermes também veio para a reunião e, talvez para me
acalmar, remanejou todos os seguranças, trocando a grade de
funcionários que me serviriam dali em diante. Pensei em manter
minha decisão de demiti-lo, porém acabei achando melhor não fazer
isso. Apesar de tudo, ele era um bom profissional e eu confiava em
seus serviços. Qualquer outro teria abafado a tragédia e tirado o seu
da reta.
Depois da primeira reunião, houve um segundo momento na
presença de Diego. Sinceramente, tive pena dele; parecia um garoto
assustado, sem rumo algum. As pessoas falavam e falavam e ele
apenas assentia, mostrando-se muito solícito por pura falta de
escolha. Por um momento percebi que eu estava fazendo tudo
aquilo ser algo sobre mim, mas a verdade era que Diego também
passava por um momento difícil e muito constrangedor.
Ainda assim, não fui capaz de amolecer. Já havia passado da
hora de tomar uma decisão definitiva, consciente, e o fiz quando
ficamos a sós. Fui rápida e direta, como um corte que logo
cicatrizaria. O que eu não esperava era receber uma espécie
desesperada de pedido de namoro. A vaidade me deixou surpresa e
apta a aceitar por alguns segundos, porém precisei ser mais esperta
do que aquilo.
Diego nunca me quis, por que agora?
Não era correto aceitar a proposta, não daquele jeito, em tais
situações, assim como não era certo continuarmos a nos relacionar
de outra forma que não fosse profissional. Óbvio que não daria em
nada além de mais sofrimento e estresse para ambas as partes.
Uma vez eu li que, quando um homem quer algo sério, a mulher
sabe, porque ele deixa claro desde o início e a trata de acordo com
seu desejo. Do contrário, não adianta insistir ou permanecer na
dúvida, quando o cara não quer é que começam os conflitos e
inseguranças.
E apesar de gostar muito dele, insegurança era a principal
coisa que Diego me trazia. Eu não me sentia suficiente, ficava me
achando feia, desinteressante, alguém que não valia a pena se
relacionar. E eu sabia que não era verdade, então cabia a mim me
livrar de quem quer que estivesse me fazendo mal.
Ele deixou o meu escritório, mas não pude deixá-lo em
pensamentos. Parecia que eu tinha retirado a casca de uma ferida
que voltou a sangrar. Doía, embora eu soubesse que cicatrizaria
novamente, em algum momento. Só precisava ter paciência.
A próxima reunião foi com o pessoal do financeiro.
Contabilizamos todas as perdas que tivemos com o vídeo vazado e
fizemos um apurado completo da situação da empresa, para que
desta forma analisássemos de que jeito poderíamos nos recuperar.
Para o meu completo alívio, os prejuízos não foram tão drásticos
como imaginei. Os acionistas foram dramáticos e o meu pai,
exagerado.
Tratava-se de uma queda comum, que poderia ter acontecido
em qualquer dia da semana, por algum motivo idiota,
completamente recuperável. A equipe financeira concordou comigo;
nós tiraríamos de letra em menos de um mês, sem contar que a
minha ausência da empresa geraria muito mais danos.
Reorganizei toda a papelada, pedi para Gisela fazer cópias e
usei o horário do almoço para trabalhar os meus argumentos com
todos os gráficos e estratégia. No período da tarde, quando fui
convocada para a reunião com o meu pai e os conselheiros, já
estava afiada. Entrei na sala de queixo erguido e liguei o meu
notebook no sistema. Os velhotes estavam silenciosos e o meu pai,
nada feliz com tudo aquilo.
— Boa tarde — falei, sentando-me na outra ponta da mesa,
com o meu pai à minha frente, do outro lado, enquanto o grupo dos
conselheiros nos separava. — Vamos direto ao ponto — acionei
Gisela para que distribuísse a papelada com as definições do
financeiro. — Eu poderia passar horas gastando argumentos com os
senhores, e o farei caso houver algum manifesto adverso, mas os
gráficos são claros. A queda sofrida pelo Grupo Leblanc no último
sábado foi medíocre. Não há sinais de que foi causada pelo vídeo
vazado, poderia ter sido por qualquer outro motivo, e os consultores
deixaram as informações detalhadas no texto. A minha ausência do
Grupo, sim, poderia causar prejuízos maiores — não contive um
sorriso enviesado. — E os senhores não me teriam aqui para
resolvê-los.
Modéstia à parte, eu era muito boa no que fazia e eles
sabiam disso. Não possuía aquele cargo à toa. Aumentei os
rendimentos do Grupo Leblanc em poucos meses; assim como
ampliamos os serviços e o nosso alcance.
O meu pai jogou a papelada diante de si, sobre o tampo da
mesa de mogno.
— A questão não é essa, Pérola — falou, imperativo, meio
desconcertado ao mesmo tempo em que tentava disfarçar e fingir
que não estava puto comigo. — Há meses temos assuntos em
outros estados e países para tratar, e no momento estou atendendo
pessoalmente a essas solicitações.
Eu me calei. Sabia o que meu pai diria. Desde o Matteo que
eu não viajava, e não poder me deslocar estava afetando, sim, o
meu trabalho. Antes, eu quase não parava em casa. Apesar de me
manter presente de forma remota, não era a mesma coisa. O meu
cargo era mais complexo e exigia a minha presença.
Respirei fundo e questionei de uma vez:
— Vai me demitir?
O meu pai ficou calado e olhou para os rostos inexpressivos
dos velhotes.
— Não, o conselho não deseja a sua demissão.
— Mas o senhor deseja — acrescentei.
— O meu desejo vem de um pai preocupado, não de um
presidente do Grupo. É claro que desejo que a minha filha tenha
mais tempo para si e para o meu neto, e com tudo o que aconteceu,
seria ponderado afastá-la para que se recuperasse. Como
presidente, não acho certo que eu deva me deslocar sem
necessidade e fazer o seu trabalho para sempre.
— Esta conversa deveria ser feita em particular — falei com
seriedade. Odiava quando o meu pai me tratava como alguém da
família na frente das pessoas que não tinham nada a ver com o
nosso parentesco. Era muito antiprofissional. — Não vejo nada que
me faça precisar de uma recuperação. Inclusive, posso voltar a
realizar as viagens, o senhor não precisa fazer o meu trabalho.
Embora eu fizesse o dele constantemente. Mas não ousei
comentar essa informação na frente daquelas pessoas.
— E o Matteo? — Jacob quis saber.
Prendi os meus lábios. Aquilo não deveria estar sendo dito
numa mesa de reuniões.
— Creio que agora todos sabem que tenho um babá.
Ouvi um pequeno resmungo, como se alguém segurasse o
riso, mas não ousei virar o rosto para conferir quem foi. O meu pai
quase explodiu; o seu rosto inteiro ficou vermelho e a expressão se
manteve irritada.
Como ele nada falou, continuei:
— Há mais alguma objeção a respeito do meu trabalho ou
presença no Grupo Leblanc?
Todos ficaram em silêncio. Um dos conselheiros deu de
ombros.
— Então creio que o senhor Leblanc deva encerrar a reunião
— falei, apontando para o meu pai com uma caneta.
— A reunião está encerrada — ele resmungou e, antes de
todo mundo, levantou-se de sua poltrona e se retirou da sala sem
nem olhar para a minha cara.
Eu não sabia de que forma daria conta de realizar as viagens
que precisava fazer, mas daria um jeito.

Enquanto caminhava de volta para a minha sala no andar da


direção, pensava nas possibilidades de levar Matteo e Diego comigo.
Nunca deixaria o meu filho largado por vários dias com outra
pessoa, até porque ele ainda estava amamentando, mas poderia
levá-lo e, com a ajuda do babá, tiraríamos de letra.
Quando abri a porta do meu escritório, congelei dos pés à
cabeça. Miranda estava sentada no meu sofá, mas se levantou de
prontidão e me ofereceu um olhar assassino. Sério, parecia que
voaria em meu pescoço e acabaria com a minha vida.
— Um vídeo de sexo, Pérola? — praticamente gritou.
Suspirei profundamente e fechei a porta atrás de mim. Gisela
com certeza deve ter escutado a voz da minha mãe, bem como todo
o pessoal que estava no andar.
— Mãe, eu não tenho tempo para...
— Ah, mas você vai me ouvir. Tem um vídeo seu transando
circulando por toda a alta sociedade — colocou um dedo em riste e
veio andando em minha direção. Permaneci quieta. Não duvidava
nada que minha mãe fosse capaz de me esbofetear. — Todas as
minhas amigas assistiram, e os maridos delas, e os filhos delas, e os
motoristas delas! Que vergonha! Que vergonha!
Prendi os lábios. Não adiantaria me defender, ou atiçá-la com
piadas e comentários. Só o fato de ela estar na cidade já era motivo
de preocupação.
— Depois descobri, por outra amiga, claro, porque você não
me diz nada, que aquele cara não era um empresário ou alguém
importante, mas o babá do Matteo! — as lágrimas começaram a
escorrer pelo seu rosto. Fechei os punhos para conter a raiva.
Miranda acreditava mesmo que havia pessoas importantes e outras
completamente medíocres, e a diferença entre elas era o saldo
bancário. — O meu neto tem um babá homem! E você está
dormindo com ele! Meu Deus... Que escândalo! Estou tão
envergonhada, decepcionada e... — fez uma pausa, colocando a
mão no coração e forçando uma respiração pesada. — Um dia você
vai me matar de desgosto!
Continuei sem dizer nada. Apenas caminhei para a minha
mesa e me sentei para começar os trabalhos do dia, visto que as
inúmeras reuniões atrapalhou o andamento dos processos.
— Não vai nem se explicar? — mamãe continuou. Curvou-se
sobre a mesa, exigindo a minha participação na conversa. — Você
tem um filho, Pérola, um menino que vai crescer e achar esse vídeo,
talvez porque algum amiguinho vai mostrar. Não tem vergonha na
cara, não?
Olhei-a, de fato, pela primeira vez desde que entrei na sala.
Eu não havia pensando nisso. Não raciocinei sobre aquele vídeo ir
parar nas mãos do meu filho quando estivesse maior. Meu Deus, ele
me odiaria, se decepcionaria e...
Prendi os lábios para conter o soluço. Não choraria na frente
da minha mãe.
— Até lá eu vejo o que fazer — falei com certa rispidez. —
Hoje, preciso que a senhora se retire e me deixe trabalhar.
— Não sei por que o seu descaso ainda me surpreende. Eu
sabia... Sabia que te deixar com o seu pai ia te transformar nessa
pessoa imatura, sem escrúpulos e sem coração.
Balancei a cabeça em negativa. Miranda estava mesmo
disposta a me tirar do sério, de uma forma ou de outra. Eu conhecia
bem as suas ofensas, por isso também sabia que dar margem a elas
só traria mais e mais. Não pararíamos até nos magoarmos
profundamente e passaríamos mais alguns meses sem nos falar.
— Você está precisando é de uma correção.
— Vai me bater? — perguntei em um tom elevado. — Então
me bata e vá embora, tenho mais o que fazer da minha vida do que
ficar escutando os seus absurdos.
— Absurdos? Você foi gravada transando com um
subordinado, Pérola. Não acha que a absurda aqui é você? Nunca
pensei que fosse agir feito uma vadia!
— Saia! — gritei, erguendo-me da cadeira. — Apenas saia!
— Eu espero que o meu neto seja alguém mais educado e
com bons modos. Que seja um homem valoroso e apropriado. Mas o
que posso esperar? — ela deu de ombros, afastando-se
calmamente. Pegou sua bolsa sobre o sofá e se virou para mim de
novo: — Quando quiser ser mãe de verdade, me procure. Ainda dá
para salvá-lo.
E então Miranda saiu do escritório, deixando-me inerte,
paralisada.
Eu não sabia como ainda me chocava com as palavras podres
da minha mãe. Foram anos convivendo com elas. Achei que tivesse
mudado depois do Matteo, visto que passou uns meses comigo e
nos relacionamos tranquilamente, e olha que a chegada de um bebê
era estressante e podíamos ter brigado por milhões de motivos.
Mas pelo visto Miranda era a mesma de sempre: narcisista,
metida e hipócrita. Por mais que eu quisesse não me machucar com
o que foi dito, tornou-se tarefa impossível. A sensação de impotência
me dominou e, sim, eu me questionei se era apropriada para criar
um homem bom.
Na verdade, questionei-me sobre tudo, inclusive a respeito de
mim mesma como pessoa. Eu não devia acreditar na minha mãe,
em hipótese alguma, mas a fragilidade diante dos acontecimentos
me atingiu e me permiti chorar de forma incansável durante quase
todo o restante do expediente.
Capítulo 22
Diego
O distanciamento de Pérola, como prometido e combinado,
foi efetuado ao longo de três semanas. Dias e dias se passaram sem
que pudesse me aproximar demais, sem que eu a encontrasse na
sala para um filme, sem que tomássemos um vinho enquanto
conversávamos bobagens. As mensagens casuais também tiveram
fim. Sobrou-me apenas um bom-dia e um boa-noite fracos,
recomendações sobre o Matteo e avisos dados de forma pragmática.
Cuidar do Matteo precisava me bastar, portanto o meu foco se
afunilou na direção daquele garoto dos olhos terrosos. Eu me
empenhei ainda mais nas brincadeiras, na alimentação, nos cuidados
em geral, nas infindáveis sessões pelas quais ele passava
semanalmente. Criamos uma rotina que, para mim, estava
agradável, e a tirar pela sua boa disposição e comportamento,
Matteo também adorava.
Ignorei todas as vezes em que Pérola chegou cansada e
estressada. Ignorei quando a vi triste em algumas manhãs. Nada
comentei quando se recusou a comer, alegando que tomaria um café
mais tarde. Passei a fazer minhas refeições na cozinha, onde
também comiam Jacinta e os demais funcionários da mansão.
E quando encontrei um uniforme sobre a minha cama, feito
sob medida para mim, percebi que tudo aquilo era sério. Eu havia
me transformado, enfim, em apenas um funcionário. Engolir a
informação foi difícil demais. Toda vez que a olhava, imaginava como
teria sido se eu tivesse sido mais corajoso. Se eu a tivesse escolhido
e lutado por ela.
Não houve um só dia que eu não a olhasse sem querer beijá-
la e abraçá-la. Sem sentir saudade de seu cheiro e da sua pele na
minha. Até de nossas conversas eu sentia falta. Na verdade, era o
que mais me deixava saudoso; assistir ao seu riso quando eu falava
bobagens e conferir de perto o quanto ela era inteligente e
admirável.
Fazer parte da vida de Pérola, ainda que por pouco tempo, foi
um acontecimento na minha existência.
— Bom dia — naquela manhã não foi diferente: Pérola desceu
as escadas, já toda vestida para trabalhar, e nos saudou com
seriedade. Eu estava dando comida para o Matteo. — Diego,
podemos conversar antes de eu ir?
— Sim, claro.
Às vezes ela deixava alguma recomendação, por isso imaginei
que seria só mais uma. No entanto, Pérola acrescentou:
— Eu o encontro no escritório quando terminar aí?
— T-Tudo bem.
Ela se retirou e olhei para trás, onde Taciana limpava um
móvel. A faxineira abriu um sorriso malicioso para mim, porém não
fez comentários. Eu sorri meio de lado, só para ser agradável.
Certamente Pérola não tinha nenhuma intenção obscura por trás de
uma reunião em seu escritório.
Talvez ela tivesse resolvido me demitir.
A ideia me fez quase paralisar. De repente, fiquei morrendo
de medo daquela conversa. Dei comida ao Matteo devagar, tentando
processar se eu havia feito algo de errado, qualquer ponto fora da
curva que me fizesse ser mandado embora.
Ou será que Pérola descobriu que eu era o pai do Matteo?
Meu Deus do céu. A dúvida me corroeu tanto que, quando
terminei com o meu filho e subi para o escritório, estava todo
trêmulo de nervosismo.
Encontrei Pérola sentava à mesa, imponente como sempre e
bastante séria. Apontou para uma poltrona, onde me sentei e
esperei a represália. Eu não me sentia nada pronto para ser
descoberto ou demitido, mas não tinha como fugir.
— Jacob Leblanc passou na minha cara que estava viajando
no meu lugar desde que tive o Matteo — começou, sendo bem
direta. Eu gostava daquilo nela. Pérola odiava rodeios. — Segundo
suas próprias palavras, ele está fazendo o meu trabalho.
Ela parou de falar e eu não soube o que responder. Fiquei
apenas a olhando.
— Retomei a minha agenda de viagens e vou precisar me
ausentar esporadicamente. — Apenas assenti. Ela piscou os olhos na
minha direção e continuou: — Nessas semanas consegui me desviar
de algumas, mas se tornou impossível adiar por mais tempo. Diego,
preciso que me acompanhe nessas viagens. Eu não vou ficar sem o
meu filho um dia sequer.
— Entendo — murmurei.
Para mim, não havia problema algum acompanhar Pérola nas
viagens, inclusive eu preferia fazer isso a ficar em casa esperando o
seu retorno e imaginando o que ela estaria fazendo. Se estaria bem.
— Preciso de você para cuidar dele durante as reuniões
presenciais. O problema é que muitas delas tomam fins de semana e
eu não sei como ficariam as suas folgas.
— Tudo bem, Pérola. Depois pensamos nessas coisas. Posso
acompanhá-la nas viagens, não tenho nada mais importante para
fazer além de cuidar do Matteo — soltei um riso, porém Pérola não
me acompanhou. Em vez disso, fez uma expressão de pena e ficou
me analisando por mais tempo que o recomendável.
— Preciso do seu passaporte e vamos providenciar alguns
vistos, pois essas viagens às vezes são internacionais.
Abri bem os olhos. Nunca tinha saído do país antes. Seria
uma boa oportunidade para trocar de ares e conhecer outros
lugares, outras culturas. Eu amava viajar. Tudo bem que seria a
trabalho, mas nada me impediria de passear com o meu filho.
— Certo.
— Claro que a sua remuneração terá um reajuste.
— Não precisa — eu me adiantei. — Vou viajar de graça, na
companhia de duas pessoas ótimas, não preciso ganhar a mais por
isso. De verdade, Pérola, será um prazer te acompanhar.
Depois do vídeo vazado, aquela foi a conversa mais longa que
tivemos e a primeira oportunidade que tive de elogiá-la. Como
prometido, ninguém falava mais nele, o caso simplesmente foi
abafado e eu devia isso à equipe de profissionais responsáveis pelo
serviço. A minha família parou de questionar depois que eu disse
que o cara no vídeo não era eu – embora a minha mãe ainda ligasse
fazendo perguntas chatas de responder.
Ricardo também teve o seu dedo nisso. Fez o possível para
arrancar o vídeo da internet e também deu um jeito de modificar os
formulários de Pérola na clínica de fertilização. Não teve como retirar
o meu nome como doador, mas conseguiu ao menos nos desvincular
dentro dos registros. Ninguém saberia que Matteo era meu bebê,
portanto Jacob Leblanc nunca cumpriria suas ameaças.
Eu estava seguro. Nós estávamos seguros.
— Bom, nossa próxima viagem será sexta-feira. — Era terça e
teríamos tempo para nos preparar, por isso apenas aquiesci. — Não
será para fora, mas se trata de uma cidade do outro lado do país.
Vamos passar cinco dias lá. Pedirei para Gisela reservar as
passagens e as acomodações. Certo?
— Sem problemas.
— Obrigada. Pode se retirar.
Mas eu continuei sentado. Pérola começou a mexer em uns
papéis, porém estacionou quando viu que não me mexi. Seu olhar
recaiu sobre mim e pude enxergar um pouco da mulher por quem
me apaixonei, e por quem fui idiota demais para lutar.
— O que foi?
Soltei um suspiro.
— Você está bem?
Seus lábios enfeitados com batom se afinaram em uma
expressão endurecida.
— Sim, claro. E você? Algum problema?
— Não, eu... Estou bem.
Continuamos nos olhando em silêncio.
— Mais alguma dúvida? — questionou, por fim.
Pensei em dizer que sentia a sua falta. Pensei em implorar
para que voltássemos ao menos a nos falar. Que retornássemos a
amizade, sei lá, que transássemos mais uma vez e que ficássemos
juntos. Mas eu não podia. Seria muita sacanagem da minha parte.
— Nenhuma. Obrigado. Tenha um bom dia.
— Bom dia — ela murmurou e precisei me retirar sem olhar
para trás.
Que Deus me ajudasse a sobreviver àquelas viagens sem
fazer nenhuma besteira. Sabia que passaríamos mais tempo juntos,
que uma conversa seria inevitável, que uma hora eu poderia me
desesperar e dizer o que estava entalado na garganta. Quem sabe,
em um instante de carência, caíssemos novamente em nossas
armadilhas, e no fim terminaríamos perdidos como sempre.
Bom, eu estava com medo. Ainda assim, sentia-me pronto
para arriscar.

Eu não sabia que um bebê de quase nove meses precisava de


tantas coisas para passar apenas cinco dias em um lugar. Parecia
que Matteo passaria o restante do ano, de tantas roupas, objetos de
higiene, fraldas e brinquedos que Pérola enfiou dentro de duas
malas imensas. Só consegui pensar que ela pagaria uma fortuna
pelo excesso de bagagem, por isso não eu quis dar trabalho e
resumi o que levaria em uma única mochila.
— Só isso? — ela apontou quando desci para a garagem.
Gilmar nos levaria ao aeroporto naquela manhã de sexta e o bebê já
estava acomodado na sua cadeirinha apropriada. — Uma mochila
que nem está tão cheia?
— São só cinco dias, não uma eternidade — abri um pequeno
sorriso, gesticulando com a cabeça para o porta-malas aberto e
carregado. Se Matteo ocupou duas bagagens gigantes, Pérola havia
ocupado ainda mais.
— Nunca se sabe do que vamos precisar, né? — riu.
Pérola estava estranhamente bem-humorada. Fazia um tempo
que não conversávamos com expressões leves, divertidas, ainda que
fosse só para tecer algum comentário bobo. Talvez aquela viagem
nos ajudasse em uma reaproximação.
Eu torcia muito por isso.
O voo comercial de três horas e meia foi cansativo, sobretudo
para o Matteo, que chorou mais do que os outros passageiros
gostariam e só caiu no sono nos últimos quarenta minutos de
viagem. Pérola e eu sentamos lado a lado, o que achei ótimo, apesar
de sua proximidade sempre me afetar de maneira impensável.
Quando ela não estava resolvendo alguma coisa em seu tablet, até
que chegamos a conversar. Ainda que tivesse sido apenas sobre
banalidades, já era um bom sinal.
Foram necessários três carrinhos para reunir todas as
bagagens. Se um dos seguranças de Pérola não tivesse vindo
conosco, com certeza eu não daria conta de carregar tudo sozinho.
Ao sairmos da sala de desembarque, fui acometido por uma
infeliz surpresa: o empresário engomadinho, o mesmo que ficou com
Pérola e que tive o desprazer de presenciar, nos recepcionou logo de
cara.
Eu não sabia como andava a relação deles, mas não teve
nenhuma outra noite em que Pérola tivesse me solicitado para ficar
com Matteo. Se houve encontros entre os dois, não foi no período
noturno. Tentei ficar calmo ao visualizar a CEO e o bonitão trocando
saudações, mas por dentro estava gritando e com uma vontade
absurda de socar o homem bem no meio da cara.
— Diego, este é Rodolfo Porto. Uma das filiais da empresa de
Rodolfo é aqui na cidade e foi por este motivo que vim pessoalmente
— Pérola explicou, talvez por ter percebido a minha cara de bocó.
Ela parecia envergonhada, mas acredito que tivesse a ver com o
vídeo vazado, e que o homem devia ter assistido ou ao menos estar
ciente de sua existência. — Este é Diego, meu babá.
Apertei a mão dele com mais força que o necessário. Rodolfo
apenas sorriu amarelo, prova de que me reconheceu, e se afastou
depressa, cumprimentando, também, o segurança, que se chamava
Valdo.
Achei que fôssemos pegar um Uber, mas o empresário estava
ali justamente para nos guiar até o hotel, como forma de gentileza.
Assim que nos estabelecêssemos, ele partiria com Pérola para a
primeira vistoria na empresa.
E assim foi feito.
Fiquei o restante da tarde e boa parte da noite trancafiado
com Matteo nos aposentos de Pérola – pedi o serviço de quarto
tanto para o almoço quanto para o jantar, como ela recomentou
antes de partir. Era tudo muito amplo e luxuoso, com certeza o hotel
era o melhor da cidade, mas não pude deixar de me sentir
deprimido. Imaginar que Pérola ficaria com Rodolfo durante todos
aqueles dias me fez desanimar drasticamente.
A minha ideia de ser sincero com ela, mais uma vez, foi por
água abaixo. Sendo assim, decidi ficar na minha, apenas fazendo o
meu trabalho e sem criar muitas expectativas.
Foi perto das nove da noite que recebi uma mensagem:

Pérola: Como está por aí? Tudo bem com Matteo?

Olhei para o garoto. Ele estava mais calmo, hipnotizado pelo


desenho animado que coloquei na TV da suíte.

Diego: Está tudo bem.

E enviei uma foto do neném olhando para a telinha.

Pérola: Desculpe a demora, a vistoria e a reunião duraram mais


tempo do que eu previa. A empresa é imensa. Estou indo jantar
agora. Já comeu?
Diego: Já.
Pérola: Ótimo. Devo chegar dentro de uma hora. Ok?
Diego: Ok.

Eu não pretendia soar monossilábico, mas depois de


entender que Pérola estava indo jantar com Rodolfo, foi impossível
ser simpático. Era difícil me entender. Ao mesmo tempo em que a
queria, que pensava em reconquistá-la, também tinha medo de tê-la
para mim. E depois do que houve, ainda havia o receio de ser
rejeitado ou agir de forma muito invasiva. No meio de tudo,
precisava levar em conta o Matteo.
As dúvidas e o desespero me dominaram, tanto que resolvi
ligar para o Ricardo. Eu sabia que ele nunca ajudava muito com
relação a essas questões, mas precisava de uma pessoa que me
fizesse ter outra perspectiva, ainda que fosse uma escrota e imatura.
— E aí, brother, tudo bem com a viagem? — ele atendeu já
falando.
— Tudo bem. Quer dizer... — soltei um suspiro. — Acho que
Pérola foi jantar com o Rodolfo.
— O bonitão?
— Ele mesmo. A viagem foi para visitar a empresa dele.
Ricardo soltou um assobio.
— E daí?
— E daí que... — pausei. Estava soando como um idiota até
para mim. — Eu não sei.
— Cara, vocês não têm mais nada faz um tempo. Achei que
tivesse se decidido.
— Eu sei.
— Se você quer a gostosa, precisa fazer mais do que suspirar
pelos cantos e deixar o tempo passar, não acha? Larga a mão de ser
otário e faz alguma coisa, antes que esse Rodolfo faça e você
termine chupando o dedo em vez de xota!
Revirei os olhos.
— Não sei se...
— Sabe qual é o seu problema, Diego? — ele nem me
esperou responder, foi emendando depressa: — Você pensa demais,
e pior, num futuro que nem existe. Desde o começo eu te disse que
dava para ficar com a Pérola e o Matteo, mas você ficou de mi-mi-mi
e quase perdeu os dois. Quando vai tomar uma decisão de verdade,
caralho?
Fiquei em silêncio por alguns segundos.
— Você tem razão.
— Claro que tenho. Eu sempre estou coberto de razão —
soltou uma gargalhada doida que me fez rir junto, ainda que o
assunto mexesse comigo. — E aí, vai parar de fazer cu doce?
Olhei para o meu filho.
— Vou — defini com uma convicção que achei que jamais
teria.
— É isso aí, meu irmão! Me liga depois pra dizer como foi.
— Tá certo, vou lá, cara... Valeu. Boa noite.
— Boa noite, filho de uma égua.
Assim que desligamos, ouvi um barulho na porta. Deixei o
Matteo sentadinho no tapete da sala e a abri de prontidão, achando
se tratar do serviço de quarto. No entanto, Pérola quase caiu para
trás e Rodolfo veio junto no solavanco. Para mim ficou bastante
claro: eles estavam se beijando na porta da suíte, um beijo de
despedida, talvez. Comprovei quando olhei para ela e notei seu
batom um pouco manchado.
— Er... — Pérola se aprumou rapidamente. — Tchau, Rodolfo,
até amanhã.
— Tchau, querida — ele acenou e depois assentiu na minha
direção. — Diego.
— Rodolfo — murmurei.
O homem foi embora e eu tratei de fechar a porta. Virei-me
para olhá-la, sem saber o que fazer, mas ciente de que a raiva fazia
o meu rosto esquentar e, provavelmente, ficar vermelho. Pérola
continuou me olhando por alguns segundos.
— Sério? Querida? — questionei, tentando soar divertido, mas
acabei parecendo meio grosseiro.
— Ele é péssimo com cantadas e apelidos.
— Estou vendo.
Caminhei até o meu filho e o segurei, mas ele soltou um
choro manhoso e acabei o devolvendo ao tapete. Estava realmente
muito entretido com o desenho, que tinha muita música infantil e
bichinhos coloridos dançando.
— Deixe-o aí. Vou tomar um banho rápido e venho já... Você
está liberado, vá descansar — Pérola foi passando por mim, mas um
lapso de coragem me fez segurar a sua mão.
Ela me olhou, confusa, dividindo-se entre mim e o nosso
toque. Enfim, achei que estava agindo feito doido e recuei um
passo.
— Vocês estão namorando?
Pérola soltou um riso debochado.
— O que? Não. Já te falei que não sou mulher para casar e
ultimamente nem para namorar ou qualquer outra coisa.
— O que foi aquilo, então? — apontei para a porta. Medi o
meu timbre para sair calmo, suave. Não queria que ela pensasse que
eu estava no meio de uma crise de ciúmes, embora realmente
estivesse.
— Foi só um beijo, e que ele roubou. Aliás, Rodolfo não para
de me procurar desde o vídeo, acha que vou fazer com ele o que fiz
contigo e está muito animado para isso — como sempre, Pérola
sendo um poço de sinceridade.
Meu corpo retesou só de imaginar os dois transando no sofá
da sala.
— E você pretende fazer com ele? — questionei.
Ela fez uma careta.
— Esse assunto não te diz respeito.
— Pérola, nós precisamos conversar — eu me adiantei antes
que me cortasse de vez. — Por favor, preciso falar contigo.
Ela abriu os braços e os bateu nas laterais do corpo.
— Estou aqui. Pode dizer.
— Não assim, desse jeito. Você está cansada e eu também.
Tem um tempo para mim amanhã?
Pérola ficou me olhando, refletindo se me daria aquela
chance. Continuei a encarando fixamente.
— O que você quer, Diego? — murmurou a pergunta de um
jeito sofrido. — Só permita que eu te esqueça, pelo amor de Deus.
Balancei a cabeça em negativa.
— Não quero — sussurrei com toda a sinceridade do mundo.
— Não quero que me esqueça. — Foi a vez dela de negar, por isso
concluí: — Por favor, amanhã.
Pérola soltou um longo e ruidoso suspiro.
— Amanhã é sábado, mas tenho reunião logo cedo. Pode ser
um almoço?
Assenti.
— Perfeito. Obrigado.
— Não sei se vai mudar alguma coisa. Sinceramente falando.
Abri um pequeno sorriso e beijei a sua testa com ternura. Vi
que ela tinha fechado os olhos, pois os reabriu quando me afastei e
a encarei de perto.
— Dessa vez eu vou lutar por você. Prometo. Só me deixe
tentar.
Pérola arquejou e, como não falou mais nada, achei que era a
minha deixa para ir embora. A minha suíte ficava bem ao lado,
possuía o mesmo teor de luxo e sofisticação. Entrei, retirei minhas
roupas e me coloquei imediatamente debaixo do chuveiro de água
quente.
Prometi a mim mesmo que nunca mais deixaria o medo me
paralisar.
Capítulo 23
Pérola
Eu estava tão cansada que não tive tempo de raciocinar sobre
Diego e o nosso inusitado encontro para almoçar e conversar. Fazia
alguma ideia do que ele diria, mas parecia algo irreal e impensável,
como se fizesse parte de um sonho – ou de um pesadelo, se levar
em conta o tanto que penei com a sua ausência nas últimas
semanas.
A minha decisão de nos manter afastados não era totalmente
inflexível, principalmente porque o tempo passou e foi capaz de
amenizar as dores com relação ao vídeo, de forma que eu já não me
importava mais. Ainda que precisasse suportar as consequências
dele, como por exemplo, não estar mais falando com os meus pais –
sim, decidi me afastar um pouco do meu pai também – e os olhares
do pessoal da empresa, além de um monte de cantadas de clientes,
investidores e homens sem noção, a minha mente havia se
fortalecido para encarar de cabeça erguida.
Por outro lado, sabia o quanto estava sofrendo pelo Diego e
não queria dar corda para me machucar mais. Foi por isso que
prometi a mim mesma que seria ponderada, racional e tranquila,
nada de agir pela emoção ou por impulsos controlados pela
saudade. Eu precisava me impor na medida certa.
No fim da reunião daquela manhã de sábado, Rodolfo
esperou os funcionários de sua empresa se retirarem da sala para se
aproximar. Circulou as mãos na minha cintura sem pedir licença e
falou em meu ouvido:
— Você está muito sexy com esses óculos — e mordiscou o
lóbulo, arrancando-me um arrepio involuntário.
— Rodolfo... — eu me desvencilhei com suavidade. — Aqui,
não — juntei a papelada sobre a mesa e as coloquei na minha pasta
só para ter o que fazer. Não estava afim de dar bola para as suas
investidas, que estavam cada vez mais efusivas.
O que me irritava era o fato de ele ter ficado mais
desesperado depois do vídeo. Nunca chegamos a conversar a
respeito, mas sentia que me tratava com menos respeito e mais
ousadia, como se eu fosse uma pervertida completa só por ter
transado na vida. Claro que eu me impunha, dava cortadas e exigia
bom senso, o que só o deixava mais comprometido em me levar
para a cama.
Eu poderia ter ido, se quisesse, mas o problema era
justamente esse: eu não queria. Não sentia a mínima vontade de
transar. Os últimos acontecimentos haviam me brochado de um jeito
que nem sozinha busquei alívio.
— Aonde, então? Se me disser, a gente vai agora — Rodolfo
abriu um sorriso galante e tocou o meu queixo, obrigando-me a
observá-lo. — Você sabe que estou louco por você, não é?
— Sei — respondi sem qualquer emoção. — Mas não vai rolar
— enfim, a decisão saiu pela minha boca e se tornou realidade. —
Não tenho cabeça para essas coisas, ainda mais com um parceiro do
Grupo Leblanc.
— Ah, então você preferia que eu fosse um babá.
Olhei-o sem acreditar no que tinha escutado. Rodolfo estava
com uma expressão esquisita, misturando deboche e raiva. Não era
de se admirar que ele não passava de mais um idiota que não
suportava ser rejeitado por uma mulher. Não tive a menor dúvida
diante de tamanho desrespeito: ergui a mão e lhe dei uma bofetada
na cara. Não ousei me arrepender.
O empresário levou a mão ao rosto e, quando voltou a me
olhar, sua careta estava ainda mais grotesca.
— Pode dar adeus ao nosso contrato, Pérola — resmungou.
Ele exalava ódio, tanto que passou a respirar alto. A sensação que
tive foi a de que, se pudesse, Rodolfo revidaria sem hesitar.
Pisquei os olhos, ainda sem acreditar naquele cara. Que
completo imbecil!
— Ótimo — peguei a minha pasta e me endireitei na sua
frente. — É uma pena que a minha empresa seja a única no mundo
a fabricar as embalagens com as exatas especificações que o seu
produto precisa. Boa sorte com os lotes que estão para sair. Seria
uma pena ter um prejuízo de milhões só por ser um babacão.
Ele nada falou, porém a respiração se intensificou e parecia
que explodiria. Caminhei tranquilamente até a porta e abri. Mas
antes de ir, ainda emendei:
— E boa sorte com as multas por quebra de contrato.
Enfim, saí daquele lugar e voltei para o hotel. Não havia mais
nada para fazer naquela cidade. A minha vontade era partir
imediatamente, mas eu tinha pelo menos uma coisa para fazer antes
de voltar para casa: almoçar com Diego.
E eu esperava que fosse uma experiência mais positiva do
que aquilo.

Quando abri a porta da minha suíte, encontrei Diego vestido


com roupas esportivas e despojadas: uma calça jeans escura,
camisa azul-marinho por dentro de um blazer preto e sapatos
também pretos, da moda. Nunca o tinha visto usando trajes tão
legais, ele fazia do tipo simples e prático. Estava bem penteado,
barbeado e perfumado.
— Nossa! — não conseguir controlar a reação. — Alguém se
esforçou na produção do look.
— Matteo e eu demos uma passeada no shopping aqui
pertinho. Foi ele que escolheu as peças — Diego soltou um riso,
mostrando-me o meu filho, que já estava arrumado também, com
um conjuntinho fofo branco e azul. — Gostou?
Olhei o babá de cima a baixo.
— Gostei.
— Vou ao meu quarto com o Matteo para te dar privacidade
enquanto se arruma. Certo?
— Tudo bem.
Diego passou por mim esbanjando toda a sua gostosura. Por
um lapso de segundo, pensei na possibilidade de esquecermos a
conversa e o almoço: apenas tive vontade de arrancar as suas
roupas novas e puxá-lo para a cama. O tesão, há algum tempo
adormecido, retornou como uma onda que me deixou desnorteada.
— Você está bem, linda? — ele perguntou, e ouvir aquele
apelido carinhoso novamente me encheu de um sentimento
gostosinho no peito.
Abri um leve sorriso e soltei o ar dos pulmões. Diego me fazia
respirar melhor.
— Depois eu te conto — sussurrei.
— Podemos desmarcar, se quiser — usou um timbre baixo e
se aproximou mais. A ideia de levá-lo para a cama se tornou
bastante atraente. — Você deve estar exausta.
— Não, não... Está tudo bem. Não se preocupe.
— Certo.
Diego deixou um beijo na minha testa, atitude que sempre
tomava e que me deixava mais mole que gelatina, depois se retirou
levando o Matteo consigo.
Eu me arrumei devagar e com mais empenho do que
pretendia. Refiz a maquiagem, exagerei no hidratante e escolhi um
vestido rosa-claro mais romântico, com sandálias nude combinando.
Quando nos reencontramos no corredor, Diego fez questão de me
elogiar daquele jeito educado que eu achava divertido.
Ele fez reservas em um restaurante que pesquisou, o que
achei o máximo, pediu um Uber – com o meu segurança particular
sempre presente entre nós – e parecia saber exatamente o que
estava fazendo. Há muito tempo que eu comandava tudo ao meu
redor, por isso ser cuidada daquela forma era um alívio bem-vindo.
Adentramos em um ambiente cheio de plantas e flores por
toda parte. Não era luxuoso, como os restaurantes que eu
costumava frequentar, mas muito atrativo e organizado, de forma
que suspirei enquanto olhava o ambiente como um todo. Nós nos
sentamos a uma mesa na parte externa, onde um jardim colorido se
mostrava. A tranquilidade me invadiu e senti que tudo daria certo
naquele encontro.
Matteo não gostou muito da cadeirinha especial para bebês,
preferindo ficar no carrinho mesmo. Graças a Deus, ele estava
quieto e parecia que adormeceria a qualquer instante, sobretudo
porque Diego já havia lhe dado o almoço.
Se eu estava nervosa? Muito. Não sabia o que aconteceria,
quais seriam nossas reações e quais palavras eu precisaria escutar
ou dizer. Havia medo por todo o meu corpo. Eu tinha pavor de que
não conseguíssemos nos entender, mas também havia muito receio
de nos aprofundarmos e seguirmos juntos.
Uma garçonete bem-humorada veio nos atender e foi muito
solícita em explicar como eram os pratos, já que possuíam nomes
esquisitos. Diego pediu um vinho branco e decidi acompanhá-lo,
talvez assim nós dois relaxássemos. Ele também parecia muito
nervoso, talvez mais do que eu. A sua mão ruim quase não fechava
de tanto que tremia.
Começamos conversando sobre a beleza do lugar. Trocamos
tantas banalidades sobre plantas, jardins, restaurantes e comida que
acabamos levando muito tempo apenas nisso. De certa forma, foi
fundamental para que recuperássemos o fôlego e matássemos a
saudade de uma boa e despretensiosa conversa.
Eu tinha me sentido muito sozinha nos últimos dias.
— Você vai me dizer o que tem para falar comigo ou vamos
pedir outro vinho? — perguntei quando percebi que a garrafa estava
quase acabando. Nossas comidas ainda não tinham chegado, mas
não foi porque demorava, mas sim porque bebemos muito rápido,
na empolgação.
— Bom, podemos fazer os dois — sorriu, galante, e sorri de
volta.
— Sou toda ouvidos.
Diego deixou o sorriso morrer gradativamente, conforme me
olhava e percebia que precisava agir com seriedade. Ele raspou a
garganta, tomou um gole de vinho, enroscou os dedos no
guardanapo e depois voltou a me olhar. Soltou um riso nervoso, que
acompanhei, depois raspou a garganta de novo.
— Senti a sua falta — soltou junto com um ofego. — Não, na
verdade isso é muito pouco. Eu quase morri de saudade de você.
Senti o meu rosto esquentando. Saber daquilo com todas as
letras me deixou aliviada. Achei que tinha sido a única. Não falei
nada, no entanto. Achei que, se falasse, acabaria caindo aos
prantos. Os últimos dias foram muito difíceis e a situação daquela
manhã foi a gota d’água para a minha exaustão.
— Descobri que não me desculpei pelos últimos
acontecimentos e quero dizer que... Eu sinto muito, Pérola — Diego
segurou a minha mão por sobre o tampo da mesa de madeira clara.
— Eu sinto por tudo o que fiz, tudo o que falei e que te magoou.
Sinto demais por aquele vídeo, por ter te deixado tão exposta
quando a minha vontade era... — fez uma pausa.
Aquele homem maravilhoso na minha frente nada mais falou
por longos segundos. Eu continuei muda.
— Achei que fosse passar — e então ele prosseguiu, quando
se sentiu mais controlado. Dava para perceber a sinceridade e a
emoção em seus olhos. — Achei que era uma coisa passageira, que
eu seguiria em frente numa boa e sentiria real felicidade por apenas
te ver vivendo em paz. Mas não foi o que aconteceu.
— E o que aconteceu? — soprei a pergunta, quase sem voz.
— Primeiro percebi que você não teve paz — murmurou. — E
muito menos eu. Depois a saudade começou a doer como uma faca
atravessando o meu estômago — ele riu e eu também, embora o
pequeno esforço tivesse me feito derrubar uma lágrima, que
enxuguei prontamente. — Em seguida, ainda que eu ame o Matteo
de todo o meu coração, e que adore cuidar dele e acompanhar o seu
amadurecimento... Isso não me bastou. Apenas cuidar do Matteo
não é o suficiente para mim.
Balancei a cabeça, assentindo. Claro que viver em prol de um
bebê não seria o bastante para ninguém, nem para mim, que era a
mãe dele. O ser humano é cheio de desejos, precisa de inúmeras
realizações e possui aspectos complexos que necessitam de atenção.
O que Diego falou fez todo o sentido para mim, e fiquei feliz por
admitir isso em voz alta. Ele sempre me pareceu um homem
deprimido, constantemente triste, sem propósito. Naquele instante,
se mostrou um ser humano disposto a viver com expectativas mais
amplas, o que era um grande avanço.
— Por fim, descobri que estou completamente apaixonado por
você, Pérola — Diego olhava no fundo dos meus olhos, enquanto
minha boca ia se abrindo devagar. Por aquela eu não esperava. — E
é um tipo de paixão que não se esquece. Fica marcada para sempre,
como uma tatuagem.
Ele continuou me observando de um jeito fixo, com os olhos
tão marejados quanto os meus. Sua mão segurava a minha com
força. Para mim, não houve qualquer dúvida a respeito do que falou,
por mais que a minha baixa autoestima quisesse questionar. Mas ela
foi abafada pelo meu instinto apurado, que me fez levantar da
cadeira e seguir na direção dele. Diego também levantou e nos
abraçamos fortemente.
Poucas vezes eu tinha me sentido tão em casa.
O abraço se transformou em beijo com naturalidade. Quando
encostamos nossos lábios, meu corpo acendeu por completo. A
solidão deu espaço à alegria e tudo fez sentido dentro de mim.
Diego me tomou sem reservas, mesmo que estivéssemos em um
restaurante, ainda que em um espaço mais privado. Valdo nos
observava à distância.
Diego sorriu quando nos separamos e acabei voltando para a
minha cadeira. Ele também retornou, sorridente e visivelmente
emocionado.
Respirei bem fundo.
— Eu quero ir devagar desta vez — murmurei a decisão que
tomei enquanto o beijava. — Primeiro quero que a gente volte a se
falar como antes. Depois, com calma, quero me aprofundar... E
passar por todas as etapas quando se conhece alguém.
Ele concordou comigo.
— Acho uma ideia perfeita.
— Não quero ter pressa, nem nomear ou... Quero que seja
leve para os dois.
Diego sorriu de orelha a orelha. Eu tinha certeza de que
falaria mais alguma coisa, porém o nosso almoço chegou e
acabamos nos desconcentrando. Começamos a comer e é claro que
entramos em mais conversas triviais. Nós sempre tínhamos alguma
coisa para falar ao outro.
O nosso tempo juntos seguiu com tranquilidade, porém não
deixou de parecer um respiro profundo depois de um mergulho
longo e complicado.
Foi durante a sobremesa que achei por bem anunciar:
— Mudança de planos. Vamos voltar para casa amanhã.
— Amanhã? Mas não íamos passar cinco dias? Achei que
tivesse mais reuniões durante a semana.
Prendi os lábios, pensando em omitir o que houve, mas eu
pretendia ter uma relação aberta e cheia de diálogos com Diego.
Nada de mentiras ou omissões. Ele saberia exatamente o que se
passava na minha vida. Somente desta forma eu daria adeus a toda
solidão que me assombrava havia anos.
— Eu dei um tapa na cara do Rodolfo, ele ficou putinho e
ameaçou fazer um destrato. Não sei se vai cumprir a promessa, mas
não quero ficar aqui para conferir.
Diego não conteve uma careta de irritação.
— O que ele fez? — resmungou, já todo enciumado. Eu não
queria admitir a mim mesma, mas gostava do jeito como seu rosto
ficava quando sentia ciúmes.
— Flertou comigo e eu disse um não definitivo. Claro que ele
não aceitou — revirei os olhos. — E falou uma merda que me fez
reagir depressa. Não me arrependo, sinceramente.
— Eu gostaria muito que você não ficasse mais com esse
homem — deu para perceber que o coitado mediu bem as palavras,
para não soar mandão demais. Gostei disso. Diego me respeitava e
sabia que não adiantaria me controlar.
— Não vou ficar com ninguém, Diego, muito menos com ele.
Não quero vê-lo nem pintado de ouro. Meu objetivo agora é
construir algo bacana contigo, então não cabe nenhum outro na
minha vida, só você.
Ele abriu um sorriso feliz e começou a alisar os meus dedos. A
alegria alcançava os seus olhos. Acho que nunca vi Diego tão leve.
— Não está com medo? — perguntei, curiosa.
Ele resfolegou.
— Apavorado.
— Eu tive uma ideia. Que tal a gente ir para o hotel agora? —
fiz uma expressão cheia de malícia. — Sei bem o que fazer com os
seus medos.
Ele corou, o que só me fez rir. Adorava quando ficava
desconcertado com o fato de eu ser direta.
— Vamos ver o que você sabe fazer, Pérola Leblanc.
Antes que Diego começasse a se questionar como seria dali
em diante – afinal, ele era o babá do Matteo e eu não pretendia,
nem podia, ficar sem sua presença ocupando o cargo –, pedimos a
conta, que ele fez questão de pagar, e retornamos com o Matteo já
adormecido. Era o horário perfeito para aproveitarmos e fazermos o
que tanto queríamos.
Eu não via a hora de matar a saudade de ter aquele homem
dentro de mim.
Capítulo 24
Diego
Adentramos a suíte de Pérola e a nossa primeira preocupação
foi depositar o Matteo dentro do berço que o hotel disponibilizava.
Fizemos o maior silêncio possível e quase não respiramos durante o
processo, receosos de ele acordar e acabar com as promessas que
fizemos quando resolvemos voltar. Eu estava ansioso e nervoso, mas
com uma vontade absurda de matar a saudade. Só descansaria
quando a tivesse em meus braços, nua em pelo, recuperando-se de
um orgasmo profundo.
Nós nos distanciamos do berço devagar, sem movimentos
bruscos, e só então suspiramos de alívio por Matteo não ter
acordado com a mudança.
— Vou ao banheiro — Pérola murmurou e saiu calmamente.
Fiquei sem saber o que fazer. Andei de um lado para o outro,
pensando se retirava a camisa, mas no fim acabei me livrando
apenas do blazer, dos sapatos e das meias. Gastei uma pequena
fortuna com aquelas peças, só para ficar à altura de Pérola.
Caminhei até a cama imensa e muito confortável, fiquei olhando
para ela como se pedisse ajuda para que tudo desse certo.
Então Pérola clareou a garganta e olhei para o lado, nem um
pouco preparado para o que veria: aquela mulher gostosa usando
uma lingerie rendada preta e um robe de seda da mesma cor,
totalmente aberto na frente. Desfilou na minha direção como uma
gata, sorrindo com malícia e despudor, enquanto eu esquentava,
corava, me excitava e lambia os lábios em desespero.
— Assim você me mata do coração — murmurei quando
estacionou a poucos centímetros de mim, com um sorriso
maravilhoso.
Não hesitei e a ataquei prontamente, envolvendo as minhas
mãos na sua cintura e as descendo quando o beijo se tornou
quente. Por fim, apertei as suas nádegas com força, separando-as e
a colocando presa em meu centro já ereto, pronto para tê-la.
Pérola ergueu a barra da minha camisa e a retirou sem muita
pressa, com movimentos calculados e sedutores. Manteve o olhar
escuro e brilhante apontado para o meu rosto, de forma que me vi
hipnotizado e vulnerável, como um bichinho preso numa teia. Seus
efeitos sobre mim eram inquestionáveis.
Ela foi descendo os lábios fartos lentamente, atingindo meu
pescoço e explorando mais, passando-os pelo meu peito e fazendo
uma pausa para chupar um bico intumescido. Depois, trabalhou com
cuidado no outro, atiçando-me de um jeito impensável. Sua lentidão
estava me matando, mas era um tipo de morte deliciosa.
Enquanto descia a boca pelo meu abdômen, Pérola foi
desabotoando o cinto e a calça que eu vestia. Não a ajudei no
processo, ela controlou tudo e fez da maneira que quis, embora a
vagareza estivesse acabando comigo. Prendi os lábios quando ela
afundou a mão por dentro da cueca e me agarrou com vontade.
— Eu estava com tanta saudade desse pau... — confessou
entre um riso e um arquejo, encarando-me de baixo com toda
malícia que possuía.
— Nossa, ele estava com uma saudade absurda de você.
Nós dois rimos suavemente, juntos.
Eu não me retesei quando Pérola começou a atiçar a minha
única bola. Pela primeira vez, não tive vergonha ou receio daquela
deficiência. Sentia-me em paz e à vontade na presença dela, o que
meses atrás parecia algo impossível de acontecer.
Gemi fraco em seu ouvido quando passou a movimentar as
mãos com mais veemência, expondo minha ereção. Ela ergueu o
rosto para me beijar enquanto me tocava, e prendi meus dedos nos
cabelos longos e soltos. Aspirei seu cheiro e resfoleguei entre
aqueles lábios perfeitos. Parecia que eu estava dentro de um sonho.
De repente, Pérola me empurrou para a cama e caí sentado,
rindo do movimento brusco. Ela sorriu e ficou me olhando com a
maior cara de safada que já vi. Passou as mãos pelo próprio corpo,
como se fizesse um afago a si mesma, e retirou o robe
devagarzinho, tão lentamente que fiquei louco. Apoiei-me nos
cotovelos e a assisti se movimentar sensualmente.
Pérola brincou com o tecido de suas peças íntimas, parecendo
envolvida e excitada. Prendeu os dedos nos bicos dos seios, por
cima do sutiã, depois tocou a boceta gostosa com as mãos leves, de
forma gentil. Lambi os meus lábios e os prendi enquanto sentia o
meu pau latejar violentamente, em busca de qualquer alívio.
Achei que ela fosse tirar as peças, mas não aconteceu. Pérola
se ajoelhou diante de mim após a sua pequena dança erótica, e se
desfez do restante das minhas roupas em pouco tempo. Suspirei e
gemi, ciente do que ela queria ao prender os lábios e me encarar
com um sorriso debochado.
Balancei a cabeça em negativa e soltei um riso bobo.
— E muita saudade desses lábios — acrescentei, com a voz
grave e meio rouca.
Pérola respondeu com uma deliciosa chupada na glande.
Quase pirei de uma vez. Fiz muita força para não me contorcer e
nem forçar nada, para deixar que mantivesse o controle. Ela chupou
novamente, daquela vez com mais intensidade e menos velocidade,
então precisei gemer e apertar os punhos. Então ela me invadiu
profundamente, até não conseguir engolir mais. Olhei para o teto da
suíte e jurei ter visto milhões de estrelas bailando ao nosso redor.
Aquela mulher impressionante se demorou muito enquanto
explorava cada pedacinho de mim, usando diversos ritmos,
frequências e modos. Trabalhou com a língua e os lábios com
desenvoltura, bem como as mãos, que pareciam saber exatamente o
que fazer para me deixar sem juízo. Pensei que eu hesitaria quando
abocanhou o meu saco, mas achei tão natural que me esqueci de
nutrir qualquer receio. Estava delicioso tê-la ali, entre as minhas
pernas, provocando-me de forma sem igual.
Teve um momento em que ela parou de explorar e se
concentrou em arrancar de mim a maior quantidade de gemidos e
contorcidas possível. A boca trabalhou junto com as mãos e muita
saliva, por isso precisei recuar para não gozar antes da hora. Segurei
seus cabelos com força e a puxei para cima; seu corpo quente veio
de prontidão.
— Quase que eu gozo... — murmurei, explicando-me.
Pérola sorriu e prendeu as pernas ao redor da minha cintura.
Empurrou-me pelos ombros e se inclinou toda para me beijar,
compartilhando o meu gosto entre a gente. Aproveitei aquela
posição para alisar as suas costas e, como quem não queria nada,
abri o seu sutiã provocante. Ela voltou a endireitar o tronco, e foi me
encarando que deixou a peça escorrer, depois a jogou para longe.
Segurei aquele belo par de seios.
— Você me deixa louco, sabia? — falei entredentes, quase
sem fôlego de tão excitado.
— Você me deixa louca.
E então ela afastou as minhas mãos e rastejou sobre mim,
atiçando-me com seu centro úmido, percebi porque a calcinha
estava molhada, até depositá-lo sobre o meu rosto sem nenhum
pudor. Abri a boca e a prendi contra mim, sem nem me preocupar se
conseguiria respirar ou não. Por cima da calcinha, eu a aticei com a
língua e os lábios.
— Oh... — Pérola soltou um gemido mais alto e começou a
rebolar na minha cara.
Aquele tecido ordinário estava nos separando, por isso usei a
mão boa para afastá-lo para o lado. Em seguida, voltei a abocanhar,
envolvendo todo o clitóris e região em uma chupada dada com toda
a vontade do mundo. Ela voltou a gemer.
A mão ruim puxou seus cabelos por trás, mantendo-a com a
cabeça erguida, enquanto a outra apoiava suas coxas grossas ao
meu redor. Eu tinha um único objetivo e fiz o possível para
concretizá-lo; lambi, chupei, suguei e trabalhei duro no centro de
seu prazer, até que o clitóris foi ficando cada vez mais endurecido, e
Pérola, mais enlouquecida sobre mim.
Quando um grito escapou, exalando toda a explosão que a
acometeu, afundei sua boceta na minha cara e ergui o braço bom
para fechar a sua boca. Não podíamos fazer muito barulho, do
contrário Matteo acordaria e ainda havia muito a ser feito.
Pérola entendeu o recado e passou a apenas ofegar com mais
força, controlando-se como podia. Ela se deixou amolecer após o
orgasmo, então aproveitei e nos girei sobre a cama, permanecendo
por cima, pronto para invadi-la.
— Acho melhor usar camisinha — ela balbuciou, ainda
entorpecida pelo clímax. — Sei que estamos limpos, mas não posso
ficar tomando a pílula do dia seguinte banalmente...
Prendi os lábios diante daquela conclusão. Eu não sabia o que
Pérola usava para se cuidar, pois nunca me falou e eu, feito um tolo,
não perguntei. Mas a sua preocupação era infundada e talvez ela
precisasse saber disso. Nós estávamos seguros de uma forma ou de
outra, não necessitávamos de pílulas ou preservativos.
— Eu sou estéril — sussurrei enquanto a olhava, mas fiquei
com raiva de mim mesmo e acabei desviando o rosto. — Não tem
chance de... Você sabe.
— Sério? — Pérola fez uma expressão interessada. — É sério,
Di?
— Sim — engoli em seco, ainda sem encará-la. — O acidente,
eu... Você já deve ter percebido que tenho uma cicatriz e que me
falta um testículo. — Assim que falei, percebi que tinha cometido um
erro. Pérola poderia chegar a algumas conclusões e fazer perguntas
que eu não sabia como responderia.
No entanto, ela apenas assentiu. O meu pau murchou um
pouco, mas não o suficiente para sair de cima dela e muito menos
para desistir daquela foda.
— Desculpa estragar o clima. Ainda te quero... Se você quiser,
claro.
Pérola segurou o meu rosto, de modo que precisei encará-la.
— É claro que quero — murmurou e não esperou nem um
segundo para me oferecer um beijo intenso.
Foi muito fácil voltar ao clima sensual de antes. Enquanto
passava a mão pelo seu corpo, cheirava-a e a beijava, pensava em
como aquela mulher me fazia feliz e realizado, e não precisávamos
de sua fortuna e nem de nada para sermos daquele jeito. Quando
nos beijávamos, não havia classe social ou qualquer outra coisa que
nos separasse.
Eu me ergui para terminar de retirar a sua calcinha. Logo em
seguida, voltei a me colocar por cima, encaixando-me naquela
boceta gostosa. Gememos quando enfiei tudo, e passei a meter
devagar, em busca de todas as emoções que estar dentro dela me
causava.
Eu me esqueci das dores e das limitações físicas.
Simplesmente não me dei conta de nada. O meu pensamento era
unicamente ela, com todos os seus gemidos, suspiros e carícias.
Meu foco era o seu olhar no meu, sua pele estremecendo sob meu
toque, seu prazer chegando, tomando forma aos poucos.
Se eu fosse inteligente e corajoso, nunca mais me permitiria
ficar longe dela.
Capítulo 25
Pérola
Eu já considerava Diego um homem gentil e carinhoso, mas
não imaginava que ele podia ser tão doce. Passamos um domingo
divertido juntos, pois o voo de volta mais rápido que existia só sairia
à noite, e a ideia de aproveitarmos o tempo que nos restava foi
totalmente dele. Havia uma dedicação tremenda em seu olhar terno,
tanto para lidar comigo quanto com o Matteo. Ficou visível, para
mim, que Diego fazia tudo com imenso prazer, nada parecia forçado
ou feito por obrigação.
Nós estávamos na beira da piscina, relaxando enquanto
Matteo, já cansado pelas brincadeiras, mamava com tranquilidade,
preparando-se para tirar um cochilo. Olhei para Diego, que usava
óculos de sol e uma bermuda de banho, deitado na espreguiçadeira
ao lado. Estava calmo e despreocupado, de um jeito que poucas
vezes o tinha visto.
— É por isso que você cuida tão bem do Matteo, como se
fosse um filho — falei, tomando coragem para entrar num assunto
que eu tinha certeza de que era delicado para Diego, mas que havia
ficado na minha cabeça. Ele virou o rosto, meio assustado, e fez
uma careta. — Porque você não pode ter filhos — acrescentei em
tom de explicação.
— Ah... — resfolegou. Diego ficou me analisando por longos
instantes, como se refletisse sobre a escolha de palavras, até que,
enfim, confessou: — Sim, eu sinto uma energia diferente quando
estou com ele. Sei que é assustador, mas o trato como um filho
mesmo. Amo demais esse moleque.
Abri um sorriso. Tudo bem, era meio assustador que Diego o
amasse tanto, mas ao mesmo tempo eu não podia me apavorar
diante de alguém que confessava amar o meu filho, a pessoinha
mais maravilhosa que eu conhecia e o meu tesouro precioso. Todos
que gostavam do Matteo tinham o meu apreço.
— Vocês até que são meio parecidos. Principalmente os
olhos... — comentei, rindo, mas Diego não me acompanhou.
Apenas soltou, fraco:
— Pois é.
Achei por bem me justificar:
— Desculpa, eu não quero que você faça o papel do pai do
meu filho, foi somente um comentário bobo. Não estou esperando
nada de você e...
Ele segurou a minha mão solta, que estava repousada na
espreguiçadeira. O outro braço apoiava Matteo.
— Não se preocupe, Pérola, sei disso.
Assenti, balançando a cabeça de leve.
— Vamos deixar o tempo passar.
— Isso, deixa acontecer.
Aquela sua frase me fez sorrir, porque significava que Diego
também fazia planos no sentido de ficarmos juntos. E se ficássemos
para valer, numa relação duradoura a ponto de firmarmos todos os
compromissos, o meu filho teria uma espécie de pai e eu teria uma
família completa.
Por alguns minutos, pensei a respeito de um cenário digno de
comercial de margarina. Depois, a razão me atingiu e achei por bem
parar de criar expectativas. Era perigoso. Qualquer coisa poderia
acontecer, inclusive nada, e eu sofreria menos se parasse de
fantasiar como uma menina que sonhava com contos de fadas.
Ao longo da minha vida, nunca me permiti cultivar tais
ilusões. A minha mãe era doida e o meu pai, muito racional. Troquei
as bonecas pelos games muito cedo. Preferia ser cientista a dona de
casa. Meus brinquedos, minha educação, minha vida; tudo foi
planejado para que eu fosse uma herdeira rígida, comprometida com
a realidade, metódica e controladora. Jacob fez um bom trabalho
comigo, mas às vezes me perguntava se não tinha exagerado.
Mantive o meu coração fechado por um bom tempo. Não
sabia se tinha sido a maternidade ou a solidão, mas sentia que isso
estava mudando. Aos poucos, deixava brechas para Diego entrar.
Pela primeira vez me permiti lutar por alguém, gostar de verdade,
sentir saudades e desejar profundamente estar com uma pessoa.
Era tudo muito novo para mim, eu diria até assustador, porém era
uma delícia e talvez os benefícios suprissem os malefícios.
Eu queria arriscar, porque sentia que Diego valia a pena.
Por outro lado, tive pavor de conversarmos a respeito da
nossa situação. Ele continuaria sendo babá? Seria apenas um
ficante? Namorado? Como nos resolveríamos? Quais limites nós
teríamos? Nada disso estava definido na minha cabeça e, como uma
pessoa controladora, a agonia circularia pelo meu corpo até que
conversássemos. Porém, eu precisava parar um pouco para pensar
no meu lado da história: o que realmente queria? Como ficaria
melhor para mim?
Diego também não tocou no assunto.
Mais tarde, voltamos para casa num voo calmo. Diego fez
uma macarronada de última hora para comermos, enquanto eu
colocava Matteo para dormir, depois o chamei para ir ao meu quarto.
Assistimos a um filme, quer dizer, eu não me lembro de nada, pois
fizemos um sexo bem delicioso e apaguei logo em seguida.
Quando acordei, ele não estava mais na minha cama. Desci
as escadas e o encontrei usando o uniforme de babá, já alimentando
o meu filho como em todos os dias. Manteve-se todo respeitoso,
saudando-me de longe e conversando normalmente. Foi naquele
instante que percebi que, não importava o que eu queria, Diego
precisava daquele emprego e amava cuidar do Matteo. Jamais tiraria
isso dele.
Não era uma má ideia que mantivéssemos as coisas como
estavam. Só que eu sabia que em algum momento ele iria querer
mais, assim como eu, só que nós precisávamos deixar acontecer,
segundo as suas próprias palavras.
Aquela segunda-feira foi entediante no trabalho. Ninguém me
esperava de volta tão cedo, por isso não tive reuniões, mas me
mantive ocupada estudando várias formas de conter danos caso o
idiota do Rodolfo decidisse romper o contrato. Por mais que ele
fosse o principal prejudicado no cenário de um destrato, e que as
embalagens prontas já estivessem pagas, precisava dar um jeito de
continuar produzindo em grande quantidade.
​Liguei para empresários do ramo alimentício e o retorno foi
melhor do que esperava. Marquei reuniões com vários deles para
aquela mesma semana; se tudo desse certo, minhas análises
previam que a nossa produção dobraria nos próximos meses.
​Foi no período da tarde que o meu pai entrou na sala sem
bater a porta, como de costume.
— Você não devia estar viajando? — questionou em tom
irritado, sem nem mesmo me saudar. Fazia umas semanas que eu o
estava evitando. Participamos de algumas reuniões juntos, mas
quase não trocamos ideias.
Nós dois estávamos decepcionados um com o outro. Nunca
tinha passado tanto tempo sem conversar com Jacob Leblanc, mas a
sua tentativa de me afastar do trabalho, combinada com as
péssimas reações quanto ao vídeo, me fez tomar essa decisão.
— Boa tarde para o senhor também — meu timbre saiu seco,
sem emoção.
Sem ser convidado, ele se sentou na poltrona do outro lado
da minha mesa e continuou:
— Rodolfo Porto telefonou dizendo que só permanecerá
dentro do acordo se outra pessoa tomar a frente nas negociações. O
que você fez, hein? Dar uma bola fora desses na sua primeira
viagem depois do Matteo? Como posso continuar confiando em
você, Pérola? — papai mal deu pausas para respirar. Estava agitado
e muito nervoso, o que estranhei, já que quando o assunto era o
Grupo ele sempre se mantinha sério e controlado emocionalmente.
— Acho melhor mesmo outra pessoa tomar a frente nas
negociações.
— E por quê? Não é possível que você não seja capaz de
assumir um compromisso simples!
Quase explodi de tanta raiva. Eu me esgueirei para frente de
prontidão, olhando-o no fundo dos olhos.
— Sempre fui perfeitamente capaz de assumir os meus
compromissos. Fico aqui me perguntando como uma porra de um
vídeo fez o senhor de repente me tomar como alguém totalmente
diferente do que sou. — Ele engoliu em seco. Percebi que se
arrependeu das palavras que usou comigo, tanto que deu de
ombros. Não esperei para ouvir as suas desculpas. — Só não quero
ser vítima de assédio de novo. Para mim, já deu.
— Assédio? — Jacob fez uma careta. — Como assim?
— Desde o vídeo, Rodolfo vem me tratando sem respeito.
Tentou me agarrar depois de uma reunião e eu neguei, então me
falou um absurdo e tomou um tapa. Seu ego está ferido, foi isso o
que aconteceu. Mas o senhor saberia se tivesse me perguntando
com calma, antes de armar esse circo.
Ele ficou me olhando com mais raiva ainda.
— Aquele ordinário ousou tocar em você? — resmungou,
descontente. — Filho de uma puta. Quem vai romper esse contrato
sou eu!
— Não, o senhor não fará isso. Não vale a pena. Solicitarei
alguém para cuidar das negociações e assunto resolvido. Quero a
nossa produção triplicada até o fim do ano.
Jacob, enfim, apoiou a coluna no encosto da cadeira e soltou
um longo suspiro. Ficou me analisando com atenção, enquanto eu
fingia estar ocupada com uma papelada.
— Desculpa, minha filha. — Parei o que estava fazendo para
olhá-lo. Papai estava sereno, mas não deixei de notar que alguma
coisa o angustiava. — Ando muito duro contigo. Não quero que a
gente se afaste.
— Eu também não, mas depois que o senhor duvidou da
minha competência, ficou difícil para mim.
— Sim, eu sei, me desculpe. Não acontecerá de novo.
Prometo.
Ficamos em silêncio alguns instantes. Sabia que o meu pai
queria me dizer algo importante, mas eu estava com medo de
perguntar. Não queria mais estresses em cima dos meus ombros. Ele
clareou a garganta e começou a chacoalhar a perna. Estranhei muito
seu comportamento.
— Pai, o senhor vai falar logo o que tem pra dizer? Está me
enervando.
— A sua mãe ligou.
— Ah... — soltei um suspiro cansado. Aquilo explicava o
nervosismo de Jacob Leblanc. Ele sabia lidar com tudo, menos com
Miranda. — Pra quê?
— Você não está respondendo às mensagens dela. Veio me
pedir para falar com você. Olha, acho melhor não dar gelo nela,
sabe que a situação pode piorar.
— Eu sei, só estou sem saco. Ela me humilhou da última vez
em que esteve aqui.
— Mesmo? O que ela disse?
Contei ao meu pai as terríveis palavras que troquei com a
minha mãe e ele ficou tão chateado quanto eu. Pediu-me muitas
desculpas depois que entendeu o quanto foi difícil para mim não
receber qualquer apoio da família com o vazamento do vídeo.
Acabamos marcando um jantar no meio da semana e, enfim, parecia
que voltaríamos a nos relacionar como antes.
Assim que papai deixou a minha sala, abri o aplicativo para
ler o que a minha mãe tanto tinha enviado. Ela basicamente ignorou
todas as farpas trocadas e começou a falar comigo sobre o
aniversário de um ano do Matteo. Ficou falando sozinha durante
vários dias e, como não obteve respostas, começou a planejar a
festa.
Miranda já tinha o bolo ideal, a decoração perfeita, a lista de
convidados, as comidas a serem servidas, um apurado de todos os
fornecedores e prestadores de serviços, além de anotações com os
valores de cada coisa e o montante total de quanto a comemoração
me custaria. Ainda bem que não chegou a fechar nenhum contrato,
sinal de que me respeitou, apesar de tudo.
Na real, enquanto olhava para todas as fotos e informações
que passou, perguntava-me se de fato eu era uma boa mãe, porque
além de não fazer aquelas comemorações bestas de mesaniversário,
ainda não tinha pensado no primeiro aninho do meu filho. Tudo bem
que faltavam uns três meses, mas acho que as mães
providenciavam isso logo, não?
A minha mãe podia ter todos os defeitos do mundo, mas uma
coisa que ela sabia era organizar festas e eventos dos mais variados
tipos. Foi por isso que mandei a seguinte mensagem:

Pérola: Ótimo, gostei de tudo. Pode fechar os contratos e me


mande as faturas. A festa pode ser na minha casa mesmo, como
sugeriu. Pode fazer do jeito que a senhora quiser, é mais jeitosa do
que eu para detalhes. Só não exagere.

Miranda já estava online e respondeu de prontidão:

Mãe: Não vai nem escolher as cores?

Eu me senti uma mãe desinteressada, e o fato de não nos


saudarmos ou tocarmos nos assuntos difíceis também me deixou
com uma sensação estranha. A completa culpa me fez soltar:

Pérola: Gostei do arranjo verde com prateado que a senhora


mandou. Pode ser tudo nessas cores.
Mãe: Perfeito. Vou fazer uns telefonemas e te mantenho informada.
Pérola: Obrigada.

E foi isso.
Miranda com certeza ainda estava chateada comigo, embora
eu que fosse a pessoa mais afetada naquela história, mas ela era a
rainha de se fazer de vítima. Como não estava a fim de arranjar
problemas, deixei quieto e tratei de voltar ao trabalho. Ela
provavelmente havia adorado ter recebido carta branca para fazer
um aniversário dentro de seus padrões.
Só esperava, realmente, que ela não exagerasse.
Quando cheguei à mansão, Diego me aguardava com Matteo
já jantado. Eu não soube direito como agir, sobretudo porque ele
ainda vestia o uniforme de babá, então o dispensei do serviço e
disse para que descansasse. Diego não se aproximou muito, nem
mesmo me deu um beijo, apenas se retirou da sala na direção dos
aposentos dos funcionários.
Fiquei meio incomodada, porém tratei de esquecer antes que
colocasse tudo a perder. Precisava me lembrar constantemente de
que estávamos indo com calma. Levei Matteo para o andar de cima
e dei de mamar até vê-lo adormecer. Deixei-o no berço e só então
fui tomar um banho. Quando me deitei, de camisola, o meu celular
apitou e o nome de Diego apareceu na tela.
Feito uma boba, abri um sorriso.

Diego: Te encontro na sala para um filme?


Pérola: Não, você me encontra aqui no meu quarto para um vuco-
vuco bem gostosinho. Depois, quem sabe, filme.
Diego: Vuco-vuco? Kkkkkk Quero.
Pérola: kkkkkkkkk *emogi de diabinho*

Aquele homem lindo despontou na porta poucos minutos


depois. Engatinhou no colchão até me alcançar e me ofereceu um
beijo delicioso, quente e excitante.
— Como foi o seu dia? — murmurou em meus lábios.
— Meio chato. E o seu?
— Foi tranquilo. Matteo não deu trabalho algum.
— Ótimo...
Ele começou a distribuir beijos pelo meu pescoço. Desceu
uma alça da camisola fina e espalhou mais afagos no meu ombro,
causando-me arrepios.
Sem falar mais nada, Diego ergueu minhas pernas e caiu de
boca em meu centro, estimulando o clitóris com perfeição. Eu estava
sem calcinha porque sempre dormia sem mesmo, o que facilitou, e
muito, para ele.
Eu podia me acostumar fácil com aquele arranjo. Ter um babá
maravilhoso para o meu filho e um amante espetacular para me
arrancar da solidão. Sendo assim, as dúvidas e incertezas foram
embora, junto com o orgasmo profundo que aquele homem
arrancou de mim.
Capítulo 26
Diego
A minha vida seguia dentro dos trilhos. Era um caminho
totalmente diferente do que eu imaginei para mim, mas estava
sendo incrível e eu queria aproveitar cada segundo da companhia de
Matteo e de Pérola. Ainda que não tivéssemos conversado a
respeito, mantive o meu porte profissional nos horários de serviço,
porém quando não estava mais trabalhando, fiz papel de amigo,
amante e confidente da CEO. Fui para ela o que quis ser desde que
a conheci.
Nas primeiras semanas, esse cenário me agradou e não tive
pressa ou qualquer necessidade de nomear o que tínhamos, mas
depois de dois meses a acompanhando em viagens somente como
babá e assistindo aos seus compromissos sem poder comparecer –
por exemplo, Pérola foi para exatos oito eventos e quatro jantares –,
confesso que senti falta de estar com ela em datas importantes, de
ser apresentado, nomeado e assumido. Queria que o mundo inteiro
soubesse que estávamos juntos.
Em contrapartida, sabia que era uma questão delicada para
ela. A coitada ainda sofria consequências do vídeo vazado, sendo
assim, aparecer ao meu lado publicamente não parecia uma boa
ideia. Chamaria uma atenção que Pérola não queria, e nem eu;
talvez nós fôssemos obrigados a dar alguma satisfação e o povo da
imprensa cairia em cima. Foi por isso que me mantive recuado
quanto a darmos mais um passo naquele relacionamento.
Talvez, quando a poeira abaixasse mais...
Eu me contentava com a forma com que Pérola cuidava de
mim. Marcou um monte de médicos e exigiu que o meu amigo
fisioterapeuta viesse para as sessões em sua casa, de forma que
meus movimentos melhoraram muito. Quando o médico da família
alegou que a maior parte dos meus problemas era psicológica, coisa
que eu já imaginava, ela fez questão de contratar um psicólogo para
que eu me consultasse uma vez por semana. Até que estava
gostando. Consegui elaborar muitas dores e traumas provenientes
do acidente, e pela primeira vez sentia que respirava melhor.
Ela me comprava presentes, proporcionava jantares e
encontros como se precisasse se esforçar para me conquistar, o que
eu achava fofo ao mesmo tempo em que não enxergava
necessidade. Falei mil vezes que não precisava de tanto esforço, que
eu não queria ganhar nada, que nossos momentos juntos eram o
suficiente para me fazer completamente feliz, mas Pérola não queria
saber disso.
Naquela noite de sexta-feira, achei que teríamos um jantar
calmo e romântico, por isso estava animado. Nos fins de semana
ficávamos bastante tempo juntos, mais do que durante a semana,
pois eu fazia o possível para lhe dar privacidade e momentos
fundamentais sozinha. Eu a respeitava no mesmo nível em que ela
me respeitava de volta. Contudo, os sábados e domingos eram
nossos, tanto que fazia um bom tempo que eu não voltava para o
apartamento que dividia com Ricardo.
O meu amigo não estava nem um pouco preocupado, muito
pelo contrário, incentivava-me a cuidar do relacionamento para
manter um compromisso duradouro e definitivo com Pérola.
Foi no fim da tarde que ela avisou, por mensagem:

Pérola: Meu pai vai jantar comigo aí em casa. Deixa o Matteo


pronto, mas é melhor que Jacob não te veja por perto. Tudo bem?

Eu não estava tão bem assim. Fiquei me perguntando até


quando nós nos esconderíamos do mundo. Aliás, estávamos nos
escondendo até mesmo dos familiares. Claro que respeitava a
decisão dela, até porque Jacob me dava arrepios e Miranda, a mãe
de Pérola, era uma pessoa complicada de lidar, usando as suas
próprias palavras quando conversamos sobre família.
Eu queria apresentar meus pais a ela. Com certeza eles a
adorariam. Mas eu não quis dar aquele passo sozinho, achei por
bem não forçar a barra e continuarmos do jeito que sabíamos que
dava certo.

Diego: Tudo bem, sem problemas.

Como combinado, aprontei Matteo e o deixei com Pérola tão


logo ela chegou do serviço. O pai ainda estava estacionando o carro
e não me viu, o que a deixou aliviada, deu para notar em seu olhar.
Confesso que fiquei um pouco triste.
Segui para os meus aposentos, tomei um banho e fiquei
assistindo a TV, mas de olho no meu celular para o caso de Pérola
precisar de mim ou me chamar quando o pai fosse embora.
Em algum momento da noite senti muita sede. Havia me
esquecido de encher a garrafa de água e me levantei para ir à
cozinha, na esperança de que o tal jantar já tivesse acabado. Não
pretendia aparecer de supetão, só quis conferir se a barra estava
limpa, por isso não me preparei para a conversa que ouvi:
—... Acho muito estranho um cara te conhecer num dia e se
candidatar a uma vaga de babá assim. Parece que esse encontro no
museu foi ensaiado. Não acha? — A voz de Jacob me fez tremer, e
logo entendi que estava falando de mim. Seu timbre soava
desconfiado e até mesmo irritado.
— Não acho que foi ensaiado, pai. Eu me desequilibrei na
escada e ele estava atrás, não tinha como prever um acidente.
Prendi a respiração diante da voz de Pérola. Estavam
analisando se minhas intenções eram boas ou não, até usavam um
volume meio baixo, mas o silêncio na mansão era tão grande que fui
capaz de escutar do corredor que dava para a cozinha.
— Eu não sei, Pérola. A minha equipe não conseguiu achar
nada a respeito dele, mas ainda desconfio. Aquela coisa do vídeo...
— Ele não teve nada a ver, pai.
Ainda bem que ao menos Pérola estava me defendendo. E
fiquei aliviado por Jacob não ter encontrado pistas sobre a clínica de
fertilização. Do contrário, eu estaria frito. Pérola nunca me
perdoaria, por mais que estivéssemos muito mais íntimos e
envolvidos do que antes.
— Tem certeza de que é uma boa ideia se relacionar com
esse cara? Ele é o babá do Matteo.
Abri bem os olhos. Pérola tinha contado ao pai sobre o nosso
relacionamento? Eu mal podia acreditar naquilo. Achei que Jacob
Leblanc seria o último a saber, caso evoluíssemos. Por outro lado,
senti um misto de alegria e angústia. Ao mesmo tempo em que eu
queria fazer parte da vida dela, havia o medo de ser descoberto ou
não ser bem aceito, trazendo problemas desnecessários para ela.
— Eu sei que é estranho, mas ele cuida do Matteo como
nunca vi ninguém cuidar. É um ótimo profissional e não pretendo
abrir mão dele no dia a dia do meu filho. Também sei que ele gosta
de mim, pois tem todo cuidado, toda a atenção... — Ouvi Pérola
soltar um ofego. — Pai, é a primeira vez que me apaixono por
alguém de verdade. Isso precisa significar alguma coisa, não? O
senhor sabe quantos caras cruzou a minha vida, nenhum deles
deixou marcas. Diego não precisou de tanto tempo para deixar seu
registro dentro de mim.
Houve alguns instantes de silêncio.
O meu coração batia acelerado diante da declaração de
Pérola. Ela nunca tinha me dito nada daquilo. Não falou que estava
apaixonada, menos ainda que me amava, embora não precisasse de
palavras para saber que eu possuía seu apreço especial. Mas ouvir
era bom demais. E melhor, ouvi-la dizendo para o próprio pai
mostrava a sinceridade da coisa toda.
— Então você está apaixonada por ele? — Jacob questionou,
enfim.
— Muito, de um jeito que não imaginei que podia ficar. —
Precisei suspender a respiração novamente. — Sei que ele também
está apaixonado, pelos seus gestos, pelas atitudes... E também por
ter me falado com todas as letras.
— Claro que está, quem não se apaixonaria por alguém como
você?
— Pai, é diferente. Eu juro que é. Não vejo nada em Diego
que demonstre interesse pelo meu dinheiro. O senhor saberia se o
conhecesse melhor.
Mais um tempo do mais puro silêncio. Tive a sensação de
ouvir os meus próprios batimentos cardíacos, de tão rápidos que
estavam.
— Então chame esse cara aqui. Quero conhecer e ver com
meus próprios olhos se isso tudo é sério mesmo.
Não pude ver o rosto de Pérola, mas creio que sorriu daquele
jeito lindo que me deixava hipnotizado.
— Vou chamá-lo agora mesmo!
Escutei ruídos da cadeira arrastando para trás e andei
rapidamente até o fim do corredor. Esperei escutar os passos de
Pérola se aproximando e só então dei meia volta, fingindo que
estava indo para a cozinha.
— Ah, eu estava indo te chamar — ela disse quando me viu,
abrindo um sorriso de orelha a orelha. — Falei com meu pai sobre a
gente e ele quer te conhecer melhor.
— Sério? — fingi surpresa. — Tem certeza?
Pérola se aproximou, envolveu os braços no meu pescoço e
subiu na ponta dos pés para me dar um selinho. Sentir o seu cheiro
era sempre uma emoção diferenciada. Aquela mulher me deixava
sem juízo. E, sim, estava apaixonado, talvez até mais do que isso.
Ainda era cedo para o amor? Eu não sabia.
— Tenho, lindo. Vem comigo, não fique com medo. Estou
contigo.
Sorri para ela.
Pérola puxou a minha mão ruim e andamos de volta para a
cozinha. Jacob se levantou da mesa de jantar e me cumprimentou
educadamente, porém sem deixar a seriedade de lado. Percebi que
estava desconfiado, embora mais aberto a novas possibilidades.
Eu me sentei à mesa com eles e, depressa, uma taça de
vinho foi posta na minha frente. Já tinha jantado mais cedo com
Matteo, por isso dispensei a comida e me concentrei em ser uma
companhia agradável. Meu objetivo era fazer Jacob Leblanc me
aceitar. Sabia que seria muito difícil ficar com Pérola sem as bênçãos
de seu pai, uma das pessoas que ela mais amava no mundo.
— Bom, quer dizer que você e a minha filha estão juntos... —
ele foi dizendo. Jacob tinha um porte meio assustador. Ele conseguia
ser requintado mesmo vestindo roupas confortáveis e à vontade.
Havia uma energia ao redor dele que inspirava riqueza e
sofisticação.
Para uma pessoa humilde, isso era um prato cheio para se
sentir fora do tom.
— Sim, senhor, estamos juntos — abri um sorriso gentil. — E
posso dizer que Pérola é uma pessoa incrível. Estou muito feliz.
— Claro, claro — ele pigarreou, enquanto Pérola me encarava
com um sorriso escancarado. — Acho que preciso fazer aquele
interrogatório chato que todo pai faz quando conhece o namorado
da filha.
— Pai... — Pérola ralhou.
— Com certeza, o senhor pode perguntar o que quiser — falei
por cima, deixando claro que não havia o menor problema.
Jacob me olhou com uma sobrancelha erguida. Gostou do
que respondi, mas ainda mantinha a desconfiança que lhe parecia
uma característica inerente. Bom, eu também tomaria cuidado com
as pessoas ao meu redor se eu fosse um bilionário.
— Pérola disse que você é enfermeiro...
— Sim, sou formado e pós-graduado. Trabalhei na área por
quase dez anos, mas precisei me ausentar do serviço por causa de
um acidente de carro no ano passado.
Eu não curtia conversar sobre o meu acidente, mas queria
tanto que aquela noite desse certo que não medi esforços para ser o
mais claro e direto possível com Jacob Leblanc. Falei sobre as
minhas experiências profissionais, e algumas pessoais, contei das
limitações – as sessões de terapia estavam fazendo efeito quanto a
isso – e deixei bastante claro que minhas intenções dentro daquela
casa eram as melhores possíveis.
Tomamos o restante do vinho em um clima ameno. Jacob,
aos poucos, foi saindo do porte duro e ficando mais flexível.
Conversamos sobre o Matteo, sobre os meus pais e o Ricardo, sobre
a nova fase da vida de Pérola e Jacob até contou de seu novo
relacionamento com uma modelo, coisa que nem a filha sabia.
Foi um restante de noite muito agradável.
Quando Jacob precisou ir embora, estava tranquilo e falante,
até me abraçou antes de partir. Pérola ficou tão feliz que dava para
perceber em seu olhar brilhante. Assim que ficamos a sós na sala,
ela se voltou para mim e somente me beijou. Pura e simplesmente.
O beijo traduziu todo o seu alívio, toda a vontade, tudo aquilo
que não me falou por medo, mas que eu já sabia porque sentia
profundamente.
Juntamos a nossa testa em um gesto de cumplicidade.
— Obrigada por hoje. Eu me sinto melhor com meu pai
sabendo.
— Eu que agradeço por você estar abrindo espaço para mim
na sua vida.
Ela se afastou um pouco, fazendo careta.
— Di, não é por mal, eu....
— Shhh, eu sei... — alisei o seu queixo. — Não se preocupe.
Vamos com calma, pois está dando certo.
Pérola assentiu.
— Fazer amor? — perguntou, modificando a expressão por
uma bem safada.
Aquela semana havia sido tão corrida que não transamos em
nenhuma noite. Eu sentia uma falta absurda de estar em seus
braços aconchegantes.
— Fazer amor bem delicioso, do jeito que só você faz —
completei.
— Hmmm... É mesmo? — ela se aninhou em meus braços
como uma gata manhosa.
— Uhum. Só você, linda.
Pérola me puxou para o primeiro andar. Caminhamos sem
pressa até o seu quarto imenso, onde nos despimos e nos
conectamos como nunca. O nosso sexo estava cada vez mais
intenso, conforme reconhecíamos nossos corpos e nos
acostumávamos com cada gesto, com os cheiros e tudo o mais.
Era uma delícia estar com ela, sentir seu orgasmo e gozar
intensamente dentro daquele corpo que aprendi a manejar.
Assim que terminamos, exaustos e com a respiração
ofegante, Pérola soltou:
— Di... Sabe que gosto muito de você, não é?
Ri do seu jeito controlado. Pérola era um poço de
racionalidade.
— Eu sei, linda.
— Estou apaixonada por você. Acho que ainda não falei isso.
Peguei seu rosto e a olhei fixamente.
— E eu, por você.
— Estou tentando não criar muitas expectativas, mas está
sendo difícil. Eu te quero tanto... Quero você na minha vida.
Abri um sorriso bobo. Meu coração emendou as emoções e
passou a bater mais rápido ainda.
— Eu também quero você na minha — beijei sua testa
gentilmente.
Pérola resmungou, toda dengosa, e me envolveu com seus
braços. Achei que conversaríamos sobre aquilo, talvez na
possibilidade de darmos outro passo, mas ela caiu no sono e eu
acabei dormindo também.
Não havia pressa. Nós possuíamos o mais importante.
Capítulo 27
Pérola
— Eu posso fazer isso de novo — falei alto demais, após a
conclusão de um pensamento que vinha me tirando o juízo fazia
algum tempo.
Diego não sabia o quanto o fato de ele não poder ser pai me
afetava. Embora eu tivesse decidido não engravidar novamente, em
algum momento poderíamos tentar.
Ele estava relaxado sobre a toalha que depositamos em uma
parte gramada do jardim. Os arbustos e árvores faziam uma sombra
gostosa e o dia estava fresco na medida certa, por isso a decisão de
fazermos um piquenique ao ar livre naquela tarde de domingo.
Matteo estava entretido tocando na grama.
— Fazer o quê? Piquenique? Também estou adorando —
Diego sorriu, colocando uma uva na boca.
— Não... Estou falando de ser mãe. De sermos pais.
Ele virou o rosto para mim com os olhos bem arregalados. Eu
ri, nervosa, diante de seu assombro. Era muito, muito cedo para
conversar sobre aquilo. Nós estávamos juntos havia uns três meses
apenas, e sequer éramos namorados oficialmente, embora eu já o
considerasse assim.
Diego engoliu em seco e soltou alguns gaguejos. Ficou sem
saber o que falar, coitado.
— Desculpa, sei que é cedo... Só estou dizendo que há essa
possibilidade no futuro — tentei me explicar, mas já me sentia muito
envergonhada por ter tocado no assunto. — Podemos avaliar se dá
para fazer uma fecundação in vitro ou algo assim. Se não der,
podemos arranjar um doador.
Ele continuou me encarando como se não acreditasse. Percebi
suas mãos começando a tremer. Diego era muito nervoso, às vezes.
— A-Achei que... Q-Que não quisesse ser m-mãe novamente.
Dei de ombros.
— Eu me preocupo com a minha idade, pois os riscos são
maiores. E também passei por um período terrível de solidão
durante a gravidez e quando Matteo nasceu. Fazer isso sozinha é
muito difícil. Quase pirei, na verdade.
— Imagino...
— Então não queria passar por tudo de novo, mas a culpa
dos meus traumas não foi pela maternidade em si, sabe?
Ele balançou a cabeça, assentindo. Ainda estava muito
assustado. Ficamos um tempo em silêncio, olhando um para o outro,
sem saber o que dizer e com medo de estragar tudo.
— Você sabe que não precisa fazer isso, se não quiser —
Diego disse com seriedade. Achei o seu assombro meio exagerado,
sei lá. Afinal, ele nunca pensou na possibilidade? Será que era só eu
que estava ansiosa pelo futuro? — Não precisa ser mãe de novo só
para me dar um filho. Estou bem desse jeito.
— Tem certeza?
— Claro.
Novamente, dei de ombros. Fiquei me culpando por ter dado
aquela bola fora. Diego talvez não tivesse instinto paternal. Mas uma
olhada nele e no Matteo foi suficiente para arrancar essa ideia da
minha cabeça. Claro que ele possuía instintos paternos; tratava o
meu bebê como se fosse seu.
Quem sabe a presença do Matteo fosse suficiente para ele?
De qualquer forma, fiquei meio triste. Talvez eu quisesse me
sentir mais conectada ao Diego, como uma garantia de que ele não
me deixasse. Claro que era uma ideia idiota querer ter um filho por
causa disso. Ninguém e nada poderia garantir que ficássemos
juntos, de fato. Era um medo com que eu precisava lidar e não
estava me saindo bem, porque nunca senti tanto apego por um
homem.
Antes que eu pudesse me desculpar, o celular de Diego tocou
e ele pediu licença para atender. Achei que se afastaria, mas
permaneceu onde estava. Trocou algumas palavras com o que achei
ser o seu amigo Ricardo, e fiquei desanimada quando ele disse que
chegaria lá em alguns minutos. O nosso domingo foi tão legal,
sinceramente queria tê-lo conosco por mais tempo.
— Preciso ir lá em casa, linda — Diego avisou assim que
desligou. Tentei controlar a careta de insatisfação. — Os meus pais
apareceram de surpresa e Ricardo ligou. Vou ver o que querem, faz
um tempo que não os vejo.
— Quer que eu vá contigo? — perguntei, ansiosa para
conhecer os pais de Diego. Pelo que me falou dele, eram pessoas
bem agradáveis.
— Não precisa — Diego me deu um beijo na testa e, mais
uma vez, precisei conter o desânimo. — Mais tarde estou de volta,
prometo.
Ele também beijou o topo da cabeça de Matteo e se levantou
de prontidão.
Acabei saindo do gramado depois de alguns minutos com
meu filho. Ele estava tão apegado a Diego que começou a chorar e
foi difícil conter, então dei um banho nele e coloquei para mamar
mais cedo do que pretendia.

Eu estava no sofá da sala, com o neném em meus braços, quando o


interfone tocou e o segurança alertou que a minha mãe aguardava
lá fora. Não estava a fim de visitas, menos ainda dela, porque sabia
que me encheria o saco por causa do aniversário de Matteo, que já
estava chegando. Achei que eu pudesse evitá-la por mais tempo,
mas me enganei.
Miranda apareceu como se tivesse acabado de chegar das
férias. Macacão de oncinha com um cinto dourado enorme, óculos
de sol e chapéu de palha imenso. Um dos meus seguranças surgiu
logo atrás, carregando três bagagens recheadas e, com certeza,
pesadas. Olhei para aquela cena e não acreditei.
A minha mãe pretendia ficar.
— Ah, filha, que saudade! — veio me beijar como se nada
tivesse acontecido. Não houve pedido de desculpas ou qualquer
outra coisa sobre os absurdos que me falou no nosso último
encontro. — Meu netinho lindo! Está tão grande! Meu Deus, um
rapazinho! — ela pegou o Matteo no colo. — Vovó vai fazer uma
festa bem bonita, não vai? Vai, sim!
Depois de meia hora de uma cena de avó coruja e neto
interagindo de um jeito esquisito, finalmente ela se cansou e me
devolveu o bebê.
— A senhora vai ficar aqui? — perguntei logo, encafifada com
a quantidade de malas empilhadas na minha sala. — Não sabia que
viria.
— Se respondesse às minhas mensagens, saberia — Miranda
andou até a cozinha, abriu a geladeira sem pedir licença e, como
não achou nada, seguiu para a cristaleira. Pegou uma garrafa do
vinho mais caro e foi atrás de um balde de gelo. — Faltam três
semanas para o aniversário de Matteo e preciso estar aqui para
terminar de organizar tudo e receber os fornecedores.
Soltei um suspiro. Não adiantaria dizer para que ficasse em
um hotel ou alugasse um Airbnb. Ao menos só eram três semanas,
mas havia um grande problema: minha mãe não sabia sobre o Diego
e eu queria que continuasse sem saber. Para ser sincera, acho que
ela pensava que o demiti depois do vídeo vazado.
Acabei mandando uma mensagem pra ele:

Pérola: Minha mãe está aqui. Vai passar três semanas por causa do
niver do Matteo. Não quero dizer nada a ela. Venha só amanhã, tá?
Diego: Ok.
Pérola: Como está aí com seus pais?
Diego: Bem agradável. Estamos matando as saudades.
Pérola: Ótimo, lindo. Vejo você amanhã.
Diego: Até amanhã, linda.
Aquele “ok” raso deixou bastante claro o que Diego achava
daquilo. Parecia idiotice da minha parte, mas eu conhecia Miranda e
tudo o que menos queria era ter que lidar com seus pitis. Merecia
paz até o aniversário do meu filho, depois ela iria embora e pronto,
assunto encerrado.

Só que não tive tanta paz assim. Miranda reclamou do melhor


quarto de hóspedes, da comida de Jacinta, da faxina de Taciana e,
obviamente, do trabalho de Diego. Eu quis enfiar a cara dentro da
terra de tanta vergonha que tive quando eles se “conheceram”, se é
que posso falar essa palavra.
​Minha mãe olhou para Diego e foi logo dizendo, com ar de
desdém:
​— Achei que já tivesse se livrado dele.
​Ainda tentei explicar que o seu serviço era ótimo, que eu não
tinha motivos para dispensá-lo, porém foi em vão. Miranda tirava
Matteo dos braços de Diego sempre que tinha oportunidade. Ficava
soltando comentários terríveis, muitos que ele não me contava, mas
que depois Jacinta me confidencializava.
​ Eu me vi de mãos atadas. Falei mil vezes para que o tratasse
bem, mas ela estava comprometida a fazer a vida de Diego um
inferno. É meio feio admitir, contudo, o meu trabalho me salvava de
passar mais tempo com minha mãe. Só tinha pena do meu homem,
embora ele alegasse que não tinha problema, que uma hora Miranda
aprenderia a confiar nele.
Bom, eu não apostava nisso.
​A pior parte, sem dúvida, foi não encostar em Diego naquele
período. Não nos abraçávamos ou beijávamos quando minha mãe
estava presente, ou seja, na maior parte do tempo. Apenas ficamos
nos olhares e isso estava me matando. Certa noite, de madrugada,
invadi o quarto dele e fizemos um amor apressado, meio
desajeitado.
​Sabia que não era nada bom que ficássemos daquela forma,
porém os dias se passaram mais rápido do que imaginei e logo
Miranda partiria para mais uma de suas viagens.
​No dia da festa de Matteo, quase não consegui sair da cama de
tão enjoada que estava. Minha cabeça girava e acabei vomitando
tudo o que tinha no estômago. Demorei séculos para tomar banho e
vestir qualquer roupa. Sabia que não poderia ficar doente logo
naquele dia, uma data tão especial para o meu filho, o que só me
deixou nervosa e mais enjoada.
Desci as escadas e encontrei Diego na cozinha. Era sábado,
ele estava de folga, porém era um convidado da festa e resolveu
ficar para ajudar com os preparativos.
— Onde está mamãe?
— Acho que dormindo ainda.
— Ótimo! — eu me aproximei e o beijei depressa. A saudade
era tanta que o meu coração doía. — Esse martírio finalmente terá
fim.
​Diego sorriu amarelo.
​— Você está bem? Seu rosto está pálido... — depositou a mão
grande na minha testa. — Não tem febre.
​— Estou enjoadíssima, até vomitei.
​— Foi alguma coisa que comeu?
​— Eu não sei, mas preciso estar bem hoje.
​Diego não ficou nada satisfeito.
​— Minha linda, é melhor ir a uma emergência e fazer uns
exames, assim saberemos o que é — começou a alisar meus cabelos
soltos. — Não vou te recomendar nada, estou preocupado, pode ser
muitas coisas e não é bom se automedicar. Tem mais sintomas além
do enjoo?
— Uma moleza terrível no corpo. Minhas pernas quase não
funcionam.
— Ficou sem se alimentar, não foi?
— Não, até que estou comendo bem — defendi-me.
— É melhor você ir agora a um hospital, posso te
acompanhar.
— Não, por favor, fique. Matteo precisa de cuidados — dei
mais um selinho em sua boca perfeita. — Só vou porque você está
dizendo. Por mim, tomava um Dramin e esperava passar.
— De jeito nenhum! — ele balançou a cabeça em negativa. —
Mande mensagem se precisar de alguma coisa.
— Está bem.
Como eu havia colocado uma roupa mais arrumada, pois
passaríamos o dia inteiro recebendo visitas dos fornecedores,
apenas peguei a minha bolsa e fui para o hospital que possuía
convênio com o meu plano de saúde. Sinceramente, achava aquilo
um grande exagero, porém se Diego estava preocupado, eu que não
rebateria. Não queria dar uma de teimosa e realmente precisava
ficar bem.
Fui muito bem atendida e me fizeram um monte de
perguntas, as quais respondi sem muita paciência. Por fim, realizei
alguns exames e fiquei deitada em uma maca enquanto aguardava
respostas.

Diego: Está tudo bem aí?


Pérola: Sim, aguardando o resultado dos exames. Mas acho que
não é nada, já estou um pouco melhor só com o soro que me
deram. Eu estava meio desidratada por causa do vômito.
Diego: Se cuide e me avise do resultado.

Esperei quase quarenta minutos sem fazer nada. Miranda já


mandava milhões de mensagens dizendo que precisava de mim. Não
falei nada sobre o hospital, só avisei que estava comprando um
vestido novo para usar mais tarde. Apenas assim ela parou de me
encher a cabeça com os seus exageros – afinal, contratamos
profissionais para tomar conta de tudo.
O médico de plantão se aproximou, sorrindo.
— E então, mocinha? Como estamos?
Sorri também.
— Estou bem melhor. O enjoo passou.
Ele assentiu.
— Ótimo. O resultado dos seus exames acabou de sair —
chacoalhou um papel na sua frente. — As taxas estão todas
perfeitas, mas achamos o motivo de seu enjoo matinal.
— Mesmo? O que é, então?
— A senhorita está grávida! — ele soltou um riso animado,
como se aquela fosse a notícia da minha vida.
Bom, de certa forma era.
Mas...
Mas...
Como podia?
Diego era estéril, certo? Como eu poderia estar grávida?
A não ser que...
Ele tenha mentido para mim.
Mas com que objetivo?
Talvez, com o intuito de me engravidar e, definitivamente, ter
acesso ao meu dinheiro. Era o que todos os homens que cruzaram o
meu caminho queriam de mim. Um deles até chegou a tirar a
camisinha no meio da transa, um tipo de abuso sujo, ordinário e
doentio.
A voz da desconfiança bailava no meu cérebro, com mil
piruetas.
Meus olhos marejaram e fiquei completamente sem reação.
Por algum motivo, a única coisa que permeava a minha mente era o
fato de eu ter sido traída.
Capítulo 28
Diego
A mãe de Pérola era insuportável. Naquele dia, em especial,
eu estava quase pirando com seus comandos. Meu trabalho era
apenas cuidar do Matteo, mas precisei dar conta de um monte de
detalhes que envolvia a festa, tudo porque a megera não conseguia
me ver parado, achava falta de tempo e que eu estava enrolando.
Era o meu dia de folga e Miranda sabia disso, porém ignorou.
Pérola estava demorando muito no hospital. Mandei mais três
mensagens e não obtive qualquer resposta. Comecei a ficar
preocupado, mas sabia que avisar a mãe dela tornaria as coisas
piores. Ainda assim, estava quase contando o que houve e dizendo
que iria pessoalmente ao hospital quando, enfim, a CEO apareceu.
A sua expressão não estava das melhores.
Com a quantidade de gente circulando na mansão, e sob os
olhos atentos de Miranda, não conseguimos nos falar direito, até que
ela pegou Matteo, avisou que daria um banho nele e se perdeu no
primeiro andar. Fiquei sem entender o que estava acontecendo, era
óbvio que Pérola não estava bem, por isso a minha agonia se
intensificou.
Precisava saber o que ela tinha. Será que era uma doença
grave?
O desespero me acometeu e consegui, depois de uma hora
completa, sair das asas de Miranda. Com receio de ser descoberto,
subi as escadas rapidamente e encontrei o quarto de Matteo vazio.
Dei algumas batidas na porta da suíte de Pérola. Como não obtive
resposta, tomei a liberdade de entrar.
Eu a vi aninhada na cama em posição fetal, com o bebê no
meio, mamando feito um bezerro em seus braços. A cena me
assustou muito, então fechei a porta atrás de mim e me aproximei
devagar.
— Linda? O que houve? — toquei os seus cabelos
assanhados, mas Pérola se desvencilhou como se o meu toque a
queimasse. — O que aconteceu, por favor, me diz... — insisti,
tentando uma reaproximação. Não adiantou; Pérola se afastou com
Matteo em seus braços.
Demorei alguns segundos a encarando, sem saber o que
fazer. Não sabia se a raiva era de mim ou do resultado do exame. De
qualquer forma, perguntei-me se ela tinha descoberto sobre Matteo
ser meu filho e comecei a sentir o meu corpo esfriar, como se
congelasse em questão de milésimos de segundo.
— Fala comigo — pedi, já com o timbre diferenciado.
— Eu estou grávida — Pérola resmungou. Soltou as palavras
de forma tão esquisita que precisei perguntar de novo. Não era
possível que eu tinha escutado aquilo. Não fazia sentido.
— Hã?
— Estou grávida! — ela rosnou entredentes, de um jeito
feroz.
Encarou-me como se quisesse me assassinar. Seus olhos
sempre brilhantes estavam opacos, e havia chorado tanto que a
parte branca ficou vermelha.
O meu cérebro deu um nó. Foi como se a minha vida parasse,
pois tudo sumiu: os sons do jardim, o cheiro dela, a imagem do meu
filho amamentando. Não existia nada além de uma tela escura, que
nada significava.
Entrei em um parafuso completo.
— Satisfeito? Conseguiu o que queria — Pérola continuou
resmungando. — Chegou de mansinho, insistiu, insistiu... E eu,
idiota, caí nesse papinho de que você me queria de verdade. Que
nunca teve interesse algum.
Meus olhos piscaram devagar, pareciam em câmera lenta.
Não era possível. Não podia ser. Não podia!
— Pérola... — murmurei, e logo em seguida engoli em seco.
Evitei olhá-la porque minha cabeça não queria de modo algum tirar
aquela conclusão. Só havia uma: o bebê não era meu. — Como isso
pode ser possível?
— Eu que me pergunto! — ela quase gritou, exalando uma
agressividade que nunca tinha visto, mas quando Matteo
choramingou, foi obrigada a se acalmar.
Balancei a cabeça em negativa. As lágrimas caíam sem que
eu fizesse esforço.
— Você... — prendi os lábios. — Você... — puxei o ar dos
pulmões. — Dormiu com outra pessoa?
Pérola me encarou como se eu fosse um pedaço de lixo.
— Ficou maluco? — ralhou de forma sussurrada, mas na
verdade queria gritar. — Você enlouqueceu? Quando vai parar com
esse jogo, Diego? Quando?
— Do que você está falando? Que jogo?
— ARGH! Saia daqui. Agora. Saia da minha casa.
— Pérola, eu não... O que... — fiquei perdido, mas me
levantei da cama e me afastei para que ela não se desesperasse
mais. Ao mesmo tempo em que estava com a cabeça fervilhando,
precisava manter a calma para entender por que ela estava daquele
jeito. — O que deu em você?
— O que deu em mim? Você — apontou para mim, acusativa
— disse que era estéril para que eu engravidasse!
— E por que eu faria isso? — rosnei, irritado com aquela sua
conclusão. — Que história é essa, Pérola? Eu sou estéril! Quer que
te mande todos os exames? Fiz vários e tenho todos para te provar!
— sem querer, elevei a voz, mas amansei depois que Matteo
reclamou novamente. — Você acha que eu fiz de propósito, só para
te engravidar?
Ela ficou calada. Bom, quem cala, consente.
— Está enganada. Agora eu quero saber, Pérola, como você
está grávida se eu sou estéril?
— EU NÃO SEI!
Matteo levou um susto com o grito e começou a chorar.
Pérola ficou chacoalhando o neném, parecia desesperada. As
lágrimas molhavam o seu rosto numa velocidade impressionante.
Foi então que me lembrei de uma coisa que o médico de
Pérola disse: a maior parte dos meus problemas era psicológica.
Sendo que, ultimamente, eu estava bem mais calmo, relaxado,
melhorando. Meus movimentos tiveram um avanço imenso. A mão já
conseguia fechar e meu mancar ficou menos evidente. Será que isso
tudo mexeu com os espermas também? Seria possível que eu fosse
capaz de ter um filho?
— Você acredita que tive outro homem... Ou está blefando
comigo. Que seja, Diego, eu não quero olhar para você. E não vou
te dar o gostinho de ter um filho comigo!
Quase gritei que nós já tínhamos um, mas me segurei no
último instante.
— O que vai fazer? — questionei, atônito. Ela não disse nada,
apenas deixou seus lábios ficarem trêmulos. — O que vai fazer,
Pérola?
Balançou a cabeça em negativa.
— Eu acreditei em você — murmurou. — Acreditei de
verdade. Achei que era diferente, que fosse para valer. Deixei que
entrasse na minha vida, no meu coração... Isso não se faz. Não se
faz...
— Pérola... — eu me aproximei devagar, sentando-me na
cama. — Eu não sei de onde você tirou que fiz de propósito. Já disse
que tenho como provar que nenhum exame que fiz até então
sugeriu que eu fosse fértil.
Ela engoliu o choro e ficou me olhando.
— Acredito em você — acrescentei, com a voz mansa. — Eu
acredito, está bem? Sei que não dormiu com outra pessoa — acabei
soltando um soluço sem querer. — Estive aqui nessa cama várias
vezes. Eu estava aqui te amando mais do que nunca. Talvez o meu
amor tenha se traduzido numa semente escondida... Improvável.
Não vou descartar essa possibilidade.
Pérola parecia que estava sem respirar há algum tempo. Ficou
me encarando com os olhos grandes, assustados.
— Diego, olhe nos meus olhos e me diga que não fez de
propósito. Por favor, seja sincero. Por favor.
Eu me aproximei, esgueirando-me na cama e me colocando
na sua frente.
— Não fiz de propósito. Acredita em mim?
Ela piscou algumas vezes.
— Então você me ama mesmo? — sussurrou a pergunta, com
a voz tão fraca que deu dó.
— Amo — respondi, aproximando-me mais. Abracei mamãe e
bebê, colocando-me muito perto. — Eu te amo demais. Nunca faria
isso com você. Lembra que conversamos sobre ter filhos?
— S-Sim...
— Eu me sentia bem, estava feliz e completo na ocasião.
Mas... Meu Deus, Pérola, vamos ter outro filho.
Ela fez uma expressão esquisita.
— Outro?
Ops. Escapuliu.
Olhei para o Matteo e pensei em alguma saída para o deslize.
— Esse moleque aqui já é como um filho para mim — alisei a
cabecinha dele e rezei para que Pérola não questionasse.
Ela, então, abriu um sorriso de orelha a orelha. Depois,
deixou-o morrer.
— Mas não está muito cedo para... — pausou, sem concluir
seu pensamento.
— Aconteceu — dei de ombros. — Tem coisas que a gente
não controla. E eu quero tanto essa sementinha — mais lágrimas
surgiram e chorei sem muita dignidade. Ainda não estava
acreditando naquilo tudo, parecia pertencer a uma vida que não era
a minha, mas me permiti sentir felicidade e só tinha a agradecer
pela benção. — Eu quero você, o Matteo e a semente... Porque amo
os três mais do que tudo no mundo.
Pérola depositou a mão terna no meu rosto.
— Nossa família — sussurrou.
Assenti.
— Nossa família.
Nós trocamos um beijo longo, intenso, meio desesperado.
Havia medo, e muito, mas também existia pura vontade circulando
pelas nossas veias. Eu não podia estar mais feliz. Embora meio
confuso, confiava em Pérola e estava contente por ter ganhado de
volta a sua confiança.
Tentei fingir que a merecia.
Tentei acreditar que o segredo que eu escondia seria
indiferente, porque já tínhamos a nossa família e em algum
momento mais seguro eu poderia arranjar um jeito de contar a
verdade.
Entretanto, talvez eu só estivesse sendo otimista demais.
Capítulo 29
Pérola
​ u estava tão radiante que sentia uma energia maravilhosa
E
enquanto caminhava pelas mesas lotadas, dispostas no jardim da
mansão. A festa estava incrível; Miranda havia feito um trabalho e
tanto. Não existia nada que qualquer pessoa pudesse colocar
defeito. A comida era muito bem servida, em quantidade farta, e
pude notar que todos estavam com bebidas nas mãos.
​Matteo estava lindo com um conjuntinho de terno infantil sob
medida, preparado com um tecido apropriado para a sua idade.
Parecia um homenzinho. Sendo o grande anfitrião, arrancava risadas
e suspiros dos convidados. Eu tinha um orgulho tremendo do meu
menino, ele estava crescendo depressa e de forma saudável.
​E muito disso eu devia à dedicação de Diego.
​Não consegui evitar trocar alguns olhares com ele. Ninguém da
festa sabia que estávamos juntos, exceto o meu pai, o que de certa
forma me incomodava. Só que, sinceramente, era melhor daquele
jeito.
​Havia um painel todo florido onde as pessoas podiam tirar
fotos elegantes e profissionais, e era lá que Diego, também usando
terno, estava com o Matteo. Eu os admirava com um sorriso
tremendo, segurando-me para não ir até lá fazer cena de família
feliz. As pessoas falariam horrores, até porque elas ainda se
lembravam do vídeo – e não me deixavam esquecer.
​ inda assim, toquei o meu próprio ventre pela primeira vez
A
desde que soube da notícia da gravidez. Entre uma foto e outra,
Diego olhou para mim e sorriu. Ainda não havíamos tido tempo o
suficiente para refletir sobre o que faríamos, e por isso combinamos
de não contar a ninguém, mas o instinto maternal surgiu como uma
onda e quase chorei de emoção.
​A minha mãe, de repente, parou ao meu lado. Fazia uma
careta enojada.
​— O que? — perguntei, já prevendo alguma besteira saindo de
sua boca.
​— Você ainda anda de rolo com esse sujeito? — Fiquei muda,
sem saber o que responder. Não ousei negar. Uma hora ela
precisaria saber e, principalmente, aceitar. Diante do meu silêncio,
Miranda bufou. — Você é inacreditável, Pérola. As pessoas estão
notando, que vergonha! Ele nem deveria estar aqui.
​— Fodam-se as pessoas — resmunguei. — Ninguém tem nada
a ver com a minha vida.
​Ela balançou a cabeça em negativa, olhando-me como se eu
estivesse cometendo um crime. Imagina quando soubesse que eu
estava esperando um filho dele? Miranda surtaria, sem dúvida
alguma.
​— Tudo isso é desespero para encontrar um pai para o Matteo?
​Foi a minha vez de olhá-la de um jeito feio.
​— Quem disse que estou atrás de um pai para o Matteo? —
falei um pouco mais alto, sem me importar com os convidados ao
redor. Miranda olhou para um lado e para o outro, envergonhada
com meu rompante. — A senhora não sabe nada sobre mim, mas
vive me julgando, me colocando para baixo. Sabe de uma coisa?
Não quero ouvir suas opiniões baseadas na sua vida frustrada.
​Quem fala o que não deve, ouve o que não quer.
​Eu me retirei depressa, deixando-a sozinha, sem reação
alguma diante da plateia que nos ouviu. Pouco me importei. Estava
cansada de ter a minha mãe sempre me sabotando. Eu estava muito
feliz e não seria ela que destruiria isso. Se fosse preciso me afastar
de vez, ótimo, eu não insistiria mais.
​ eguei uma taça com água e tomei calmamente, desejando
P
que fosse champanhe. Queria relaxar e curtir o aniversário do meu
filho em paz. Diego se aproximou com ele no colo; apesar de estar
ali como convidado, continuou fazendo questão de me ajudar com o
Matteo.
​— O que houve? — ele perguntou, notando que algo estava
errado.
​Diego me conhecia bem, mesmo que estivéssemos juntos há
pouco tempo.
​— Mamãe falando merda. Ela sabe que estamos juntos agora.
​— Você contou?
​— Ela desconfiou e eu não neguei. Mas não quero falar disso
agora — forcei um sorriso. — Como está a festa?
​Diego riu um pouquinho.
​— Olha, confesso que esperava balões coloridos, cenário de
desenho animado, brincadeiras, bolo, guaraná e algum CD da Xuxa
tocando. — Eu ri junto com ele. As festas que a minha mãe
organizava nunca eram assim. — Estou estranhando não ter
crianças... Quero dizer, música de orquestra e canapés? Cadê o
palhaço ou o mágico?
​Dei de ombros, parando de rir.
​— A nossa família é pequena e não tem crianças. Bom, a
família da minha mãe é grande e tem muitas, mas eles não querem
contato com ela faz anos.
​Diego assobiou.
​— Posso entender os motivos.
​— Pois é. Mas você tem razão, não está parecendo um
aniversário de criança. Ano que vem prometo fazer melhor do que
isso.
​— Faremos melhor do que isso — ele sorriu para mim e percebi
que se controlou para não me tocar. Coitado. Sentia-me culpada por
estar fazendo aquilo com Diego. — Vai ter tanta criança neste jardim
que vamos ficar loucos. Minha família é enorme e se reproduzem
como coelhos.
​Soltei uma risada alta, porém meio nervosa. Diego já estava
contando com o melhor cenário possível: juntarmos a nossa família
de vez.
​— Maria Clara já terá nascido — falou mais baixo.
​— Maria Clara? — fiz uma careta. Não sabia quem era aquela.
​— A sementinha — Diego olhou para a minha barriga. — Nossa
menina.
​Senti um calor invadir o meu corpo inteiro. Eu queria colocar
aquele homem dentro de um potinho.
​— Como você sabe que é uma menina? E onde eu estava
durante esse tempo que você escolheu um nome?
​Diego emanava tanta felicidade que me contagiava. Seus olhos
estavam brilhantes de um jeito incrível.
​— Eu não sei, só sinto que seja. E Maria Clara é um bom nome.
​Pensei um pouco.
​— É um bom nome — murmurei.
​Enquanto Diego me olhava como se fosse me comer, olhei para
frente e vi meu pai nos encarando do outro lado do jardim. Estava
sério, sei lá... Meio confuso. Percebi que olhava para onde Diego
estava, mas me encarou quando o olhei.
​Jacob acenou para que eu fosse até ele.
​Não sabia o que tinha acontecido, provavelmente a minha mãe
começou a encher o seu saco também, por isso pedi licença a Diego
e me afastei sem pressa. Meu pai empunhou o celular e começou a
caminhar na direção de casa. Eu o segui, meio em dúvida, sem
saber o que significava.
​Algo sério tinha acontecido na empresa?
​Ele já havia se arrependido de vir à festa do Matteo por causa
de Miranda e estava indo embora? A trégua entre os avós acabou?
​O meu pai não parou na sala, continuou andando até subir as
escadas para o primeiro andar. Péssimo sinal. Ele queria conversar
comigo no escritório. Talvez fosse uma bronca com o Grupo Leblanc,
afinal. Mas, poxa, logo naquela noite? Não poderíamos resolver na
manhã seguinte?
​Jacob adentrou o escritório e fui atrás, já ensaiando uma
justificativa para nos desligarmos do trabalho. Papai desligou o
celular, colocou-o no bolso e se sentou no sofá. Eu o acompanhei,
com ar interrogativo.
​ Algum problema?

​— Sim... — assentiu, chacoalhando a cabeça. Jacob encarou
algum ponto do horizonte da sala. — Vamos esperar.
​— Esperar? O quê?
​— Minha equipe está buscando uma informação que acabei de
solicitar. Eles são ligeiros, não deve demorar muito.
​— Que informação? O senhor está estranho. Pode me dizer o
que está acontecendo?
​Meu pai prendeu os lábios e passou as duas mãos pela cabeça.
Soltou um suspiro e, finalmente, me olhou com seriedade.
​— Eu ouvi o que você falou para a sua mãe e fui tentar
apaziguar os ânimos. Mas parei quando... Quando eu os vi.
​Ele fez uma pausa e a minha confusão só aumentou. Será que
Jacob Leblanc estava ficando doido?
​— Você viu quem?
​— Diego e Matteo tirando fotos no painel. No princípio ignorei,
mas depois... Sua mãe fez um de seus comentários asquerosos e...
— pausou.
​— O que ela disse? — perguntei, já enojada.
​— Que não vai demorar muito para que “esse qualquer”,
palavras dela, faça papel de pai do Matteo.
​Dei de ombros.
​— Não é assim, pai. Diego é meu namorado e ama o Matteo,
só...
​— Pérola, eu acho que Diego é realmente o pai do Matteo.
​Fiquei o encarando sem entender nada. Mesmo assim, acho
que meu pré-consciente elaborou algo, porque meu coração passou
a se agitar e minhas pernas deram uma tremida perigosa. Se eu não
estivesse sentada, talvez caísse no chão.
​— Como é?
​— Eu os vi e... Porra, como não tinha percebido antes? O
moleque era pequeno, com cara de joelho como qualquer bebê, mas
foi tomando forma. Está um rapazinho — ele se virou
completamente na minha direção. — Pérola, eles são iguaizinhos. Os
mesmos olhos, o formato da boca... A cor dos cabelos.
​Balancei a cabeça em negativa.
​ Pai, que loucura, eu fiz inseminação artificial — soltei um

riso nervoso. — Eu não conhecia o Diego antes de...
​— Não. Mas já pensou na possibilidade de ele ser o doador?
​Minha careta foi tão estranha que senti meu rosto doer.
​— Claro que não. Essas informações não são passadas pela
clínica, são extremamente sigilosas. Não faço ideia de...
​O celular do meu pai apitou. Ele o retirou do bolso novamente
e, alguns minutos depois, mostrou-me um documento na tela.
​— Diego Castro Gonçalves de Oliveira, seu doador — aquela
sentença me fez paralisar.
​Fiquei um tempo olhando para o documento. Estava tudo
muito confuso, era a foto de uma impressão de péssima qualidade,
mas em algum lugar pude ver o emblema da clínica e, abaixo, o meu
nome e o de Diego.
​— C-Co... Como?
​— Aqui no e-mail meu pessoal diz que esses dados foram
alterados há alguns meses, seu nome foi desvinculado ao de Diego
no sistema que acabamos de invadir, mas as informações de
alteração ficaram gravadas. Ele tentou apagar os próprios rastros...
Filho de uma puta!
​Eu estava atônita, piscando os olhos mais do que o normal.
​— P-Pai... — gaguejei de um jeito sofrido.
​— Não achamos nada antes porque não procuramos por algo
do tipo. Mas, quando os vi juntos, pensei nisso e liguei para que... —
Jacob parou a sentença e segurou minhas mãos. As suas estavam
pegando fogo, ou então as minhas congelaram sem que eu notasse.
— Você está bem?
​— E-Eu... — as primeiras lágrimas começaram a cair. — Eu fui
enganada?
​Jacob prendeu a mandíbula.
​— Esse cara é um grande mentiroso, um aproveitador. Se
aproximou de você porque sabia que era o pai do Matteo. Será que
fez algum acordo com a clínica? Claro, ele é enfermeiro... — meu pai
estava divagando. — Deve ter descoberto que você tem dinheiro e...
​Eu me levantei do sofá. Jacob veio junto, tentando me
amparar, porém me desvencilhava sempre que podia.
​ Eu fui enganada... Fui enganada...

​— Filha, vou mandar que os seguranças retirem este homem
da festa imediatamente, de forma discreta. Você nunca mais vai
precisar olhar para esse sujeito.
​— Ele mentiu para mim... mentiu... Ele olhou nos meus olhos...
e mentiu... — continuei a sussurrar sem pausas, sentindo-me cada
segundo mais louca.
​Foi como se a minha mente desse um apagão.
​— Vamos arrancar tudo desse imbecil na justiça. Prometo.
​— Eu fui enganada? — perguntei, por fim, buscando uma
resposta.
​— Sinto muito, Pérola — meu pai me abraçou e permiti seu
colo.
​Desabei de uma vez, sem qualquer compostura ou dignidade.
O choro foi tão longo e tão sofrido que em algum momento apaguei
de fato, completamente sem forças.
Capítulo 30
Diego
Jacinta estava presente na festa com o seu marido e os filhos.
Taciana também veio com o novo namorado, e talvez por isso não
ficou me encarando como fazia de vez em quando. Achei bom
estarem ali porque, além delas, só conhecia os pais de Pérola. E
ambos não ficavam tão felizes quando eu me aproximava.
Estava sentado ao lado de Jacinta, segurando o Matteo, que
com certeza não duraria acordado até os “parabéns”, quando um
homem engravatado se aproximou.
— Senhor Diego? Queira me acompanhar.
— Eu? — pisquei os olhos. Percebi que Jacinta também
estranhou.
Era um dos seguranças de Pérola, mas eu não sabia o seu
nome. Não fazia ideia do que tinha acontecido, porém não
questionei e me levantei de prontidão.
— Pode deixar o menino com Jacinta. Ordens da dona Pérola.
Dei de ombros.
— Ok... — entreguei o Matteo nas mãos da doméstica.
Ela me olhou com ar de confusão, mas apenas dei de ombros.
O cara era alto e forte, parecia um armário ambulante. No
entanto, a minha preocupação estava direcionada a Pérola. Será que
aconteceu alguma coisa?
Estranhei ainda mais quando descemos pela garagem e mais
dois seguranças se juntaram ao primeiro. Ao nosso redor, tudo
estava escuro, já que as pessoas estavam utilizando a entrada
principal da mansão, não o subterrâneo. Verifiquei se Pérola estava
por perto, mas não havia ninguém.
O portão eletrônico começou a abrir devagar, e tudo o que
pude visualizar foi a rua escura àquela hora da noite.
— O que houve? — perguntei. — Onde Pérola está?
— O senhor está sendo convidado a se retirar da festa —
outro segurança falou. Aquele estava empunhando uma espécie de
walkie-talkie e havia um fone com fio cacheado encaixado na sua
orelha. — Queira se retirar, por favor.
— Como assim? — balancei a cabeça e dei um passo para
trás, porém um dos armários me segurou com certa força. Tentei me
desvencilhar, em vão. O cara era um monstro de tão forte. — O que
está havendo? Preciso falar com a Pérola!
— Senhor, são ordens da senhorita Pérola e do senhor Jacob
Leblanc. Acho melhor o senhor não causar problemas e sair
imediatamente.
Continuei balançando a cabeça.
Depois, um insight me atingiu e percebi que eles só podiam
ter descoberto sobre mim e o Matteo. Não havia outra explicação.
Deve ser por isso que Jacob estava me olhando de um jeito
esquisito, e por este motivo que chamou Pérola para uma conversa
particular dentro da mansão.
Eu fui descoberto.
Meus olhos marejaram instantaneamente. Não consegui
evitar. A sensação de impotência me atingiu em cheio. Pérola nem
se deu o trabalho de me xingar, de gritar e me jogar milhões de
acusações. Apenas ordenou que me expulsassem de sua casa como
uma persona non grata e pronto. Nem pude me despedir do Matteo.
Matteo...
— E-Eu... P-Preciso ver o Matteo Leblanc. Por favor.
O segurança deu de ombros. Afastou-se um pouco e virou as
costas, falando com alguém através de sua aparelhagem. Um
minuto depois ele voltou e disse:
— Sinto muito, senhor, mas não será possível. Por favor, se
retire agora mesmo, ou precisaremos usar a força.
— Mas... — uma lágrima escorreu, e então várias a
acompanharam.
Não havia o que ser feito. Pérola não queria me ver nem
pintado de ouro e provavelmente nunca mais eu colocaria os olhos
no meu filho. O desespero foi crescendo dentro de mim. A dor se
tornou insuportável.
Eu sabia que aquela gente não me permitiria ir longe, mas
ainda assim tentei correr para dentro da mansão. Os seguranças
praticamente se jogaram sobre mim e eu caí. Um deles me chutou
bem na boca do estômago e soltei um grito de dor.
— Matteo... — gemi. Outro me deu um chute na coluna e eu
retesei, gemendo novamente. — NÃO! — gritei e não parei: —
MATTEO! MATTEO!
Um dos caras me ergueu do chão e soltou:
— Basta, as pessoas da festa vão escutar. Vamos jogar esse
idiota na rua.
Continuei me debatendo e chamando pelo meu filho, mas
nada pude fazer diante de tantos homens preparados. Fui jogado no
meio da calçada como um cachorro velho e pulguento, sem qualquer
dignidade. A pancada foi tão forte que meus joelhos estalaram, bem
como minha coluna.
Gritei de dor, aos prantos.
O portão foi fechado logo em seguida e um dos seguranças
permaneceu do lado de fora, vigiando com os braços cruzados.
Tentei me levantar, mas minha perna ruim estalou e gemi.
Droga. Eu tinha acabado de me foder de verdade. Mas pensar no
Matteo e na Pérola me fez berrar e fiz o maior esforço do mundo
para me erguer de novo. A força de vontade foi tanta que me
coloquei de pé, ignorando as dores.
De repente, tive uma ideia. Saquei o meu celular e tentei ligar
para Pérola. Ela, claro, não atendeu, apenas rejeitou a ligação.
Tentei ligar novamente e deu desligado.
— Porra, Pérola... — gemi aos murmúrios. — Porra, não faz
isso comigo.
Decidi mandar algumas mensagens:
Diego: Por favor, me escute. Por favor.
Diego: Precisamos conversar seriamente. Nada do que fiz foi com
más intenções, eu só queria ficar perto do meu filho.
Diego: Por favor, Pérola, eu imploro!

Porém, a mensagem não chegou a ser encaminhada. Pérola


havia me bloqueado.
— PÉROLA! — gritei. — PÉROLAAA!
— Cara, se eu fosse você ia embora — o segurança que
estava me vigiando bradou. — Quer apanhar mais?
Soltei um soluço profundo, que traduziu todo o desespero que
eu sentia. A agonia ameaçava me derrubar, sem forças, ao chão.
Mas em vez de me deixar ser vencido, caminhei aos trancos e
barrancos e me apoiei em um carro estacionado.
Quase não consegui ligar para o Ricardo, de tanto que estava
chorando e tremendo.
— E aí, cara? — ele atendeu rápido.
— Rick... A casa caiu — solucei alto.
— Como assim?
— Descobriram tudo e me expulsaram da festa feito um
bicho.
— Puta que me pariu! Onde você está?
— Na rua... — olhei ao meu redor. Estava tudo esquisito
porque já era bem tarde. Aquele bairro era cheio de mansões, mas a
calmaria toda às vezes arrepiava. — Eu perdi o meu filho, Rick —
choraminguei feito um bebezão. — Perdi meu filho e a mulher da
minha vida.
— Calma, brother... Estou indo aí te buscar.
— Não... Não quero. Não quero nem viver, Rick. Eu devia ter
morrido naquele acidente — confessei, aos prantos. — Acabou.
Nunca vou ver meus filhos.
— Mas só tem um. Cara, você está delirando, vou aí te pegar.
— Ela está grávida... Está esperando um filho meu! Perdi a
minha família! — não sei como Ricardo conseguiu me entender,
porque tudo foi falado aos balbucios e muito chororô. — Ela nunca
vai me perdoar! Nunca! Perdi tudo!
— Diego, não saia de onde está. Estou descendo para pegar o
carro.
— Ela não vai acreditar em mim...
— Segura firme, chego já! Não faça besteira, está me
ouvindo?
Desliguei o telefone e o enfiei no bolso da minha calça. O
meu pranto foi ruidoso e achei que morreria de tanto sofrimento. Saí
andando pela rua, ou melhor, mancando sem direção, tentando
conter a vontade de me atirar na frente de algum carro que
passasse.
Para mim, a vida tinha acabado. Nada mais importava.

​ aguei por uma rua deserta. Manco, morrendo de dor, com os


V
ossos estalando a cada passo e ciente de que precisava de um
hospital com urgência. Mas o descontrole emocional tinha me
atingido e nada ao meu redor fazia sentido. Não conseguia enxergar
um palmo à frente por causa das lágrimas que não cessavam, por
mais força que eu fizesse.
​A conversa com Ricardo não passava de um borrão na minha
mente. Eu só queria deixar de existir. A sensação de perda absoluta
não me largava, era como se tivesse morrido, mas de alguma forma
ainda respirava e precisava lidar com isso. Não era uma tarefa fácil.
​Entrei em outra rua daquele bairro requintado e estranhei a
presença de um homem de terno segurando um bebê. Seus passos
eram longos e ligeiros, como se estivesse fugindo de alguém, porém
não chegava a correr. Adiante, um carro preto aguardava com o
porta-malas aberto.
​Não sei o que me deu, entretanto, reuni coragem e ignorei a
dor para apertar o passo também. Aquele homem com o bebê
estava muito esquisito, suspeito. Não sei exatamente por que, mas
senti um aperto diferenciado no peito. E quando passaram
exatamente por debaixo de um poste, a pouca visão que me restava
identificou a criança: era o Matteo.
Um desconhecido estava levando o meu filho!
​Sinceramente, não queria saber se era alguma ordem de Pérola
ou coisa assim, não me pareceu direito que Matteo estivesse nas
mãos daquele homem. Um caroço enorme cresceu na minha
garganta e quase não senti as pernas ao simplesmente começar a
correr na direção do meu filho. Não soube como consegui aquela
proeza, já que não corria desde o acidente. Não sabia que era
capaz.
​Meu menino só podia ter me dado forças naquele momento.
​— Ei! — gritei quando o cara ficou a poucos metros do carro
preto. — Ei, ei!
​Ele parou e, assustado, olhou para mim. Não achei que fosse
possível, porém corri ainda mais rápido. O homem jogou o neném
no porta-malas de qualquer jeito, e soltei um berro desesperado
pela comprovação de que algo muito errado acontecia. Meu último
passo na direção do desconhecido foi um pulo capaz de
desequilibrá-lo para trás.
​Por um instante me senti um ninja no meio de um filme
qualquer do Jackie Chan. Mesmo fodido, desvencilhei-me do cara e
me atirei no porta-malas aberto a tempo de o carro engatar a
marcha.
Havia alguém ao volante, uma segunda pessoa!
Peguei o Matteo no colo, que chorava pelo susto, e me joguei
de costas na direção do asfalto, tudo para protegê-lo da queda. O
estralo que a minha coluna deu me fez berrar. Matteo intensificou o
choro.
​Agarrei-o em meus braços com a maior força. O homem que
empurrei havia se recuperado e tentou puxar a criança, mas não o
larguei. Minha mão ruim fez seu serviço e o apertou com tanta
intensidade quanto a boa, mantendo o neném comigo.
​— SOLTA! — berrei mais alto ainda. — SOLTA MEU FILHO!
​— LARGA! — o cara gritou de volta.
​ sei mais força para não perder o Matteo e o cara soltou
U
rápido, fazendo minha cabeça se chocar contra o asfalto. Fiquei
tonto imediatamente, só que nada me fez largar o meu filho.
​— Solta... — balbuciei, sem noção alguma do que estava
acontecendo. — Solta...
​Senti um soco na minha cara, seguido de outro, e mais um
solavanco na criança. Gritei e prendi os dentes para fazer meus
braços funcionarem, por mais que meu cérebro estivesse quase
ausente. Nem aquele homem, e nem ninguém, tomaria meu Matteo
de mim. Ainda senti uma dor lancinante nas costelas antes de ouvir
um ruído de vozes e uma movimentação na rua.
​O homem saiu correndo e ouvi um barulho de carro cantando
pneus antes de apagar com meu filho nos braços.
Capítulo 31
Pérola
​ cordei alguns minutos depois, com o meu pai me olhando e o
A
ar preocupado estampado em seu rosto distorcido. Eu estava em
minha cama, sinal de que ele havia me trazido, então só fiz puxar o
edredom e me cobrir. A dor me acompanhava. Tudo dentro de mim
latejava, mas a lágrimas pareciam secado. Transformei-me em um
pedacinho de gente inerte e sem raciocínio.
​— Você está bem? — Jacob perguntou, após beijar a minha
testa com ternura. O gesto me fez lembrar do Diego e acabei
iniciando novo choro.
​Sequer respondi à pergunta do meu pai. Caí em um pranto
copioso e escondi o meu rosto no travesseiro. Soltei um grito
abafado, desesperado, na tentativa de fazer parar de doer. Não teve
jeito. Nunca estive tão internamente machucada na minha vida.
Diego acabou comigo da pior maneira possível.
​— Vai passar... — meu pai murmurou. — Eu prometo, filha.
​Seu afago no meu cabelo foi bem-vindo. Por um instante,
senti-me um pouco melhor, por isso voltei a encará-lo.
​— Pai... — minha voz quase não saiu.
​— Sim, meu bem?
​— Eu estou grávida — concluí, e novamente deixei as lágrimas
me afundarem no colchão.
​Não acompanhei a reação do meu pai, porém senti suas mãos
paralisarem sobre mim. Foi uma grande surpresa para ele. Devia ter
ficado mais puto ainda com a situação. O meu problema era bem
maior do que imaginava.
​— Não se preocupe, depois pensamos nisso — avisou com
seriedade forçada. — Vou chamar a sua mãe.
​Resmunguei.
​— É melhor que ela saiba o que está acontecendo, filha. Assim
poderá lidar com os convidados.
​Soltei outro resmungo, mas não teve jeito, meu pai acabou se
afastando. Ainda consegui escutar sua voz no corredor, parecia falar
ao telefone:
​— De jeito nenhum que ele vai ver meu neto de novo. Tira
esse cara daqui, Hermes.
​Prendi os lábios com tanta força que acabei me machucando. A
sensação de estar com um buraco se abrindo cada vez mais dentro
do meu peito me tirava o fôlego. Prendi as mãos entre os lençóis e
soltei novo grito abafado pelo travesseiro. A agonia me dominava e
eu nada podia fazer além de esperar aquilo passar.
​Quem sabe, assim, pudesse voltar a ser eu mesma.
​ Esperava a visita de Miranda no meu quarto, por isso não
estranhei ao escutar passos no corredor. Contudo, não se tratava
dela, mas sim de Jacinta. Suspirei de alívio. O colo dela, naquele
momento, seria muito mais bem-vindo do que o da minha mãe.
​— Pérola? O que está acontecendo, menina?
​— Ah, Jacinta... — estendi os braços, chamando-a para mim.
​A secretária do lar se aproximou com cautela, sentando-se na
cama e se curvando para me dar um abraço.
​— Mas o que foi? Brigou com Diego?
​Estremeci diante do nome dele. Doía muito. Jacinta era uma
das poucas pessoas que sabia que estávamos juntos pra valer.
​— Descobrimos que ele é um mentiroso... — arfei, e Jacinta se
afastou para me encarar com olhos curiosos. Parecia bastante
assustada. — Diego é o doador do Matteo. Ele sabia disso e por este
motivo surgiu na minha vida, fez questão de ficar nessa casa...
​Ela abriu um leve sorriso. Eu fiquei sem entender nada. Sua
mão acolhedora alisou o meu rosto com carinho.
​ Minha menina, eu já desconfiava. Eles são muito parecidos,

e o modo como Diego cuida do Matteo... — riu mais um pouco. —
Uma vez ele me disse que não podia ter filhos. Alguma coisa sempre
martelava no meu juízo, sabe?
​Balancei a cabeça em negativa.
​— E por que a senhora não me disse?
​— Porque parecia loucura da minha cabeça.
​— O que ele fez não tem perdão, Jacinta — falei, e meu timbre
soou tão duro que estremeci novamente. — Foi um golpe muito
baixo.
​— Menina, o que eu sei é que Diego te ama e ama o Matteo de
todo coração. — Eu me desvencilhei dela e deitei novamente, sem
querer ouvir nada daquilo. Contudo, Jacinta insistiu: — Não tem
como existir fingimento agindo como ele agiu... Ninguém seria tão
dedicado e amoroso. Máscaras caem depressa, meu amor, não
duram tanto. Ele tem muita verdade quando olha pra vocês.
​— Era tudo mentira.
​Jacinta soltou um suspiro.
​— Talvez Diego tenha cometido um erro e omitido fatos
importantes, mas será que não houve um grande motivo para isso?
​Dei de ombros.
​— Não quero pensar nele agora. O que me resta é ficar bem e
cuidar do meu... — tornei a me sentar. — Onde está o Matteo?
​— Oh, na verdade achei que estivesse contigo. Um dos
seguranças o pegou dizendo que o traria aqui, por ordens suas.
Como não o encontrei, achei que seus pais ficaram com ele para te
dar espaço.
​ — Eu não ordenei nada, Jacinta! — quase berrei, levantando-
me imediatamente.
​Se existia alguém capaz de me arrancar daquela cama e me
fazer esquecer qualquer sofrimento, esse alguém era o meu bebê.
Eu estava com a maquiagem borrada e o cabelo assanhado, mas
tratei de enxugar as lágrimas e ajustar os fios no caminho para o
jardim.
​Avistei o meu pai conversando com Miranda em um canto.
Quer dizer, não estavam conversando, parecia mais que brigavam,
porém faziam isso aos murmúrios, sem chamar qualquer atenção
dos convidados. O fato de Matteo não estar com eles me fez
congelar.
​Corri para encontrá-los.
​— Uma maravilha para a sua cara, hein, Pérola? — minha mãe
foi dizendo. — Grávida de novo de um impostor?
​— Não tenho tempo para isso — fui logo avisando. — Onde
está o meu filho?
​— Com Jacinta — mamãe fez uma careta de nojo.
​— Não está. Ela disse que um dos seguranças pegou o Matteo
pra trazer pra mim, mas...
​Jacob Leblanc esbugalhou os olhos.
​— Onde está o meu filho? — rosnei a pergunta, sentindo uma
força descomunal me encher de uma coragem que achei que jamais
sentiria na vida.
​— Calma, vamos achá-los, vou ligar pra Hermes.
​— Vou procurar. Ele deve estar com algum convidado, não se
preocupe — Miranda ficou mais mansa, talvez entendendo a
seriedade da situação. Retirou-se sem falar mais nenhum de seus
absurdos.
​Eu estava com um pressentimento péssimo. Uma intuição
maluca me dizia que o meu neném não estava na festa. Passei o
olho nos convidados, que conversavam e bebiam, descontraídos, e
nenhum sinal do Matteo. Havia algo errado. Alguém tinha pegado o
meu filho.
​— Será que Diego foi capaz de... — murmurei para mim
mesma.
​Imediatamente, sai correndo para dentro da mansão, sem me
preocupar com os convidados. Desci pela escadaria da garagem e
dei de cara com uns quatro seguranças.
​— Meu filho sumiu! Alguém levou o meu filho! — gritei,
desesperada. — Confiram as câmeras, procurem nos arredores!
Vamos, façam alguma coisa!
​Um deles subiu para a guarita e os outros três passaram pelo
portão e se perderam na rua. O nervosismo me fez retirar os saltos e
sair correndo para fora. Todos os seguranças estavam ocupados e
nenhum deles objetou, por isso ganhei a liberdade de ser guiada
para onde meu coração mandava.
​— Matteo! — berrei no meio da rua esquisita.
​Comecei a chorar enquanto corria, atrás de sei lá o quê, não
sei onde. Nenhum de meus pensamentos era racional. No entanto,
paralisei quando ouvi um grito a plenos pulmões:
​— SOLTA! SOLTA!
​Corri ainda mais rápido e vi os seguranças correndo também,
na direção de onde veio o berro. Não consegui reconhecer a voz de
imediato, depois tive dúvidas se era o Diego mesmo.
Ou meus ouvidos estavam me traindo?
​A cena que se desenrolava quando virei uma esquina me fez
entrar em choque. Um homem entrou em um veículo preto e saiu
cantando pneus, enquanto Diego permaneceu estirado no chão.
Corri o mais rápido que pude e me ajoelhei de imediato. Dois
seguranças tentaram seguir o carro, mas um deles ficou para me
proteger.
​— Diego? — berrei. Tomei o meu filho de seus braços, o
coitado chorava muito e tinha os bracinhos vermelhos, como se
tivessem tentado segurá-lo com força. Olhei para o homem
estendido no asfalto. — DIEGO?
​O segurança colocou o dedo em seu pescoço.
​— Está apenas desacordado. Vou chamar uma ambulância.
​O rosto de Diego estava ensanguentado e muito feio. O modo
como desfaleceu foi uma cena difícil de esquecer. Parecia morto. E
por mais que eu não quisesse vê-lo na minha frente, não queria que
morresse. Eu não sabia o que tinha acontecido, mas algo me dizia
que aquele homem havia salvado a vida do meu filho.
​Do nosso filho.
​Mais um segurança veio correndo na companhia do meu pai.
​— O que aconteceu aqui? — perguntei aos gritos. — O QUE
ACONTECEU?
​Jacob empunhou o celular e me mostrou o vídeo da câmera de
segurança do bairro. O pessoal das mansões vizinhas haviam se
juntado para implantá-las e tínhamos acesso imediato do que estava
acontecendo nos arredores. Uma forma de nos manter sempre
seguros.
​— Hermes me passou acesso às câmeras.
​Vi o modo como Diego impediu um cara de terno de levar o
meu neném no porta-malas de um carro. As imagens eram
chocantes e me fizeram chorar copiosamente.
​— Cadê a ambulância? — berrei, ao mesmo tempo em que
tentava ninar o Matteo, que estava muito assustado. Papai,
percebendo o meu descontrole, tirou-o dos meus braços.
​Voltei para o chão, sentindo meus joelhos arderem por dentro
do vestido de festa.
​— Diego? — chacoalhei-o um pouco.
​— Ele caiu com a cabeça no chão, filha, não mexa nele —
papai alertou. — Vamos aguardar a ambulância.
​Um carro estacionou no meio da rua, bem ao nosso lado, e o
segurança se colocou em alerta. Um cara gordinho saiu de dentro e
quase pulou sobre o Diego no chão.
​— Caralho, mano, que merda você fez? — foi dizendo,
desesperado. — Falei pra me esperar, porra.
​— Quem é você? — questionei.
​— Ah... — ele abriu bem os olhos na minha direção. — Sou
amigo dele.
​— Ricardo? — fiz uma careta.
Ele riu.
​— É isso aí! O que foi que esse cabeção aprontou, hein?
Alguém deu uma baita surra nele...
​— Ele acabou de impedir que o Matteo fosse sequestrado.
​Ricardo começou a soltar vários palavrões e se curvou para
levantar Diego do chão.
​— Não mexa nele, pode... — comecei, porém fui interrompida.
​— Vou levá-lo para o hospital, Pérola. Se você quiser, pode vir
comigo, mas não vou deixar o Diego aqui com o mesmo pessoal que
o enxotou de casa agora a pouco — seu rosto exalava um pouco de
raiva, além da urgência em socorrer o amigo.
​— Me dá o meu filho — pedi para o meu pai.
​— Pérola...
​ pesar de hesitante, Matteo veio para o meu braço. Estava um
A
pouco mais calmo, mas ainda choramingava baixinho.
​— Eu vou ao hospital. Pai, tire os convidados da minha casa. E
vocês — apontei para os seguranças, que começavam a se agrupar
ao meu redor, inclusive o Hermes entre eles. — Estão todos
demitidos. Seu bando de incompetentes!
​Quando me virei, Ricardo já tinha depositado Diego no banco
de trás de seu carro popular. Dei a volta e me coloquei do outro
lado, perto do homem doido que impediu sequestradores de levar
meu neném de mim.
Meu Deus, ele podia ter levado um tiro!
​Ricardo começou a dirigir sem falar mais nada. Permaneci em
silêncio, pois não sabia o que dizer e menos ainda o que pensar. A
mente confusa tentava, primeiramente, se acalmar, para só depois
elaborar algum raciocínio coerente.
​Abracei o meu filho, que se esgueirou para mamar.
Discretamente, pus um seio para fora e comecei a alimentá-lo.
Suspirei fundo.
​ — Olha, Pérola, sei que você não me conhece, mas se quiser
um culpado por essa merda toda, melhor dispensar sua raiva apenas
em mim.
​Analisei o rosto do amigo de Diego através do retrovisor. Ele
estava atento ao trânsito.
​— Como assim?
​— Diego é gente boa. Depois do acidente, ficou muito tempo
dentro de casa, sem fazer nada, nem tomar banho esse imbecil
tomava. Estava frustrado por não poder ter filhos e por ter perdido
os movimentos. — Engoli em seco. Diego já tinha me contado essa
história, porém de um modo mais leve. — Não saía, não queria
saber de mulher, não queria nada com a vida. Era um fantasma
dentro de casa. Não consegui ver meu amigo assim — Ricardo fez
uma curta pausa, enquanto dirigia em uma curva mais fechada, e
depois completou: — Fui eu quem invadiu o sistema da clínica de
fertilização. Diego tinha doado o sêmen havia um tempo e fui atrás
de saber informações. Foi assim que te achei e mostrei o Matteo
para ele.
​ O que fez foi muito errado, Ricardo — resmunguei. — Aliás,

você cometeu um crime e posso te colocar na justiça agora mesmo.
Estou no meu direito.
​— Eu sei — ele bufou. Não pareceu assustado ou covarde. —
Foi vacilo, mas não me arrependo. Arranjei ingresso para a festa no
museu e praticamente o obriguei a ir. Ele nem queria te conhecer.
​Ficamos em silêncio por algum tempo. Pensei na primeira vez
em que o vi e na conversa agradável que tivemos. De fato, naquela
noite Diego estava envergonhado, hesitante, mas achei que fosse
apenas timidez.
​— O cara é tão gente boa que nem queria misturar as coisas.
Ele só estava disposto a conhecer o filho, nada mais. Queria ver o
Matteo crescer.
​— Ele não podia ter omitido isso de mim.
​— E o que você pensaria se ele tivesse contado? — Ricardo
chacoalhou os ombros. — Ora, vamos lá, Pérola, gente importante
feito você não quer saber a verdade, só quer achar que todo mundo
é do mal. E dito e feito. Quando descobriu, mesmo vocês estando
juntos, desconfiou do cara sem nem uma conversa e o enxotou feito
um lixo.
​Estava começando a me sentir culpada, mas tive muita
motivação para fazer o que fiz. Bom, na verdade, quem fez foi o
meu pai. Eu tinha me colocado em transe.
​— O que você faria no meu lugar, Ricardo? — exaltei-me um
pouco, mas continuei falando baixo para não desagradar o neném.
— Não sou melhor e nem pior do que ninguém, sou humana. Não
sei se você sabe, mas estou grávida de alguém que me jurou que é
estéril, depois descubro que...
​— Mas ele é estéril, Pérola! Eu estava lá quando esse cara
recebeu cada exame. Vi o rosto triste dele em cada resultado. Pelo
amor de Deus, essa sua gravidez foi pura sorte.
​ Fiquei em silêncio.
​— Ele não queria nada contigo por puro medo de perder o filho
caso você não o quisesse mais — Ricardo prosseguiu, daquela vez
de forma mais mansa. — Estava se contentando em ver o menino
crescer, só isso. Inclusive, a ideia de ser babá foi toda minha. Mas
Diego se apaixonou por você. Foi inevitável se deixar levar. Ninguém
pode julgá-lo por isso.
​Olhei para o homem desacordado. Ainda respirava, graças a
Deus.
​— Não sei o que você vai fazer, mas o meu amigo só quer uma
família. — Assenti diante das palavras de Ricardo, sem deixar de
olhar para o Diego. Toquei seu rosto, alisando a face machucada.
Meu coração se encheu de esperança. — E, sinceramente, você seria
muito tola se perdesse um cara como ele. Esse mané é do jeito que
você conheceu, Pérola, sem tirar e nem pôr. É esse mesmo doido
que dá a vida pra salvar o filho.
​Novamente, aquiesci.
​— Obrigada, Ricardo — murmurei depois de refletir um pouco.
Ele ficou em silêncio. — Se não fosse você, jamais o conheceria.
​— Não tem de quê, moça, só dê valor ao que tem. Um neném
lindo, um cara firmeza e outra criança chegando. Vocês têm tudo
para serem felizes.
​— Pode deixar, eu darei — defini, e tomar aquela decisão foi
um alívio imenso. A dor que me afundava na amargura se foi. —
Mas agora acho melhor correr, porque ainda quero ter a chance de
dizer ao Diego tudo o que preciso.
​Ricardo soltou uma gargalhada sonora, que me fez rir, e
acelerou. Nós dois escondemos a cruel preocupação com maestria.
​E se ele não acordasse?

Diego fraturou uma costela, torceu a perna que já era ruim e


bateu a cabeça com força, além dos socos que recebeu no rosto e
os arranhões em diversas partes do corpo. A culpa que me atingiu
foi intensa, e estava tentando me perdoar porque no momento em
que soube da notícia, paralisei e só consegui ouvir a voz de Miranda
na minha cabeça, chamando-me de tudo quanto era xingamento.
Eu devia ter conversado com Diego. Saber a sua versão dos
fatos. Porém, ao longo da minha vida, o que mais fiz foi desconfiar
das pessoas, e aquela parte eu devia ao meu pai, que sempre foi um
cara que vivia em alerta para onde quer que fosse. Ele já tinha
sofrido muito com isso, podia entendê-lo, mas sim, às vezes era
exagero. E às vezes nós tirávamos pessoas boas da nossa vida.
A conversa com Ricardo, somada com o que Jacinta falara
mais cedo, abriu a minha mente para o perdão. Não tinha como não
perdoar Diego pela confusão em que nos metemos. E, depois que o
perdoei, percebi o quanto era grata por tudo. Eu queria tanto que
Matteo tivesse um pai decente, confiável e dedicado. Meu filho não
precisaria sofrer as consequências da ausência constante de uma
figura paterna.
Ainda havia o bebê que estava esperando. Não tive tempo de
pensar como seria minha vida dali em diante, com a chegada de um
segundo filho, ou filha, mas meu coração permanecia aquecido. Dois
filhos com Diego. Dois. Uma família. A vida tinha me presenteado
com uma família linda sem eu sequer notar.
Eram motivos suficientes para apenas agradecer.
Ricardo e eu aguardamos na sala de espera, enquanto Diego
passava por uma bateria de exames. Ainda não havia acordado e
isso era preocupante, mas o médico nos informou que estava fora
de perigo, o que foi um grande alívio. Eu não podia perdê-lo quando
tínhamos a vida inteira para ficarmos juntos, cuidando das nossas
crias e sendo felizes.
Matteo ficou meio inquieto no meu colo. Eu estava
descabelada, sem sapatos e vestida para uma festa no meio de um
hospital, mas não me incomodei com nada. Sentia que estava
exatamente onde devia estar.
— Pérola, acho melhor você voltar pra casa — Ricardo
murmurou perto de mim, depois de me oferecer um copinho com
água, que peguei prontamente. — Me dá seu telefone, eu ligo
quando ele acordar e dou notícias quando o médico aparecer.
Olhei para o Matteo. Minha criança precisava de descanso,
apesar de eu não querer sair dali. Graças a Deus, meu menino
também foi atendido e as marcas avermelhadas nos bracinhos não
eram graves. Passou uma pomada para aliviar dores e pronto.
— Você tem razão, Matteo precisa se aquietar pra dormir. Por
favor, me dê as notícias mesmo.
— Pode deixar, fique tranquila.
Ricardo nos acompanhou até a saída do hospital e peguei um
táxi. Ainda bem que meu vestido tinha um bolso embutido, onde
levei cartão de crédito e documentos, porém estava sem o meu
celular.
Assim que cheguei à mansão pela garagem e subi os degraus
para a sala, percebi que os convidados ainda estavam circulando
pelo jardim como se nada tivesse acontecido. Ouvi um barulho na
cozinha, mas não havia ninguém. Os ruídos permaneceram e
adentrei na área da despensa, onde, inacreditavelmente, Jacob e
Miranda estavam aos beijos.
— Mas que porra é essa? — acendi a luz e os encarei.
Na verdade, eles não estavam apenas se beijando. Miranda
tinha o vestido acima da cintura e o meu pai, com ela no colo,
estava com as calças abaixadas. Ainda bem que a cueca me impediu
de ver a sua bunda. O trauma seria muito maior.
— Ai, meu Deus! — minha mãe se exaltou e pulou para o
chão, abaixando a barra do vestido.
O meu pai virou de costas para que eu não visse mais do que
devia e levantou as calças tão rápido quanto pôde.
— O meu mundo desabando e vocês se pegando?
Enlouqueceram? Depois de tantos anos de ódio, vocês...? Ah, pelo
amor de Deus, os dois se merecem! — saí da despensa, atravessei a
cozinha e subi para o andar de cima.
— Espera, filha... Espera! — a minha mãe me seguiu e me
intercedeu na escada.
— O que? — resmunguei. — Vou colocar Matteo para dormir.
— Eu não tive cara de mandar essas pessoas embora.
Ninguém percebeu nada errado, acham que você foi trocar o Matteo.
— Meu filho quase foi sequestrado nessa festa! Por que a
polícia não está aqui?
— Porque já sabemos quem foi — papai se aproximou, todo
suado e descabelado. Tive vontade de gritar com aquele sujeito.
Como se deixou levar pela minha mãe daquela forma? Eu estava
decepcionada com ambos.
— Quem?
— Conferimos todas as câmeras de segurança e o cara que
levou o Matteo se infiltrou na festa como convidado a mando de
Rodolfo Porto. — Fiz uma careta do tamanho do mundo. Aquele
ordinário? Puta merda! — O veículo preto está no nome dele, a
polícia conseguiu localizar e prender os dois sujeitos. O delegado
acabou de ir embora, tivemos uma reunião discreta. Rodolfo
receberá uma visitinha essa noite, para prestar esclarecimentos.
Hermes está cuidando de tudo.
— Não quero ver o Hermes na minha frente — aleguei,
chateada.
Ainda estava pensando no quanto Rodolfo Porto era um
babaca. Aliás, mais do que isso, o sujeito era muito burro! Como se
sequestra um bebê usando um carro que está no seu nome? Até eu
que não era bandida faria melhor.
— Filha, sei que foi outro vacilo enorme, mas ele continuou
eficiente. Não pude dispensar a equipe de segurança depois de um
sequestro e com uma festa acontecendo.
Dei de ombros.
— E por que raios essa festa ainda está acontecendo? — olhei
para Miranda como se quisesse fuzilá-la.
— Querida, vamos cantar os parabéns agora, rapidinho. As
pessoas sempre vão embora após os parabéns. Depois você coloca
Matteo para dormir e descansa. Eu cuido do restante.
Olhei para o jardim lotado e soltei um longo suspiro.
— Deixa só eu pegar o meu celular.
Terminei de subir as escadas percebendo que aqueles dois
não tiveram a decência de perguntar pelo Diego, a pessoa que tinha
salvado o neto deles. Não sabia a opinião de ambos, mas com
certeza não gostariam de saber a minha decisão a respeito de tudo,
porém eu não estava preocupada com isso e, no fim das contas, não
faria a menor diferença.
Peguei o meu celular, coloquei uma roupa mais confortável no
Matteo – aquele terninho já estava o deixando irritadiço – e desci.
Tentei mostrar alguma animação durante os parabéns, em respeito
ao meu filho, mas por dentro permaneci angustiada ao mesmo
tempo em que estava grata por não terem o levado.
Eu não sabia o que seria de mim sem meu neném lindo.
Capítulo 32
Diego
O primeiro rosto que apareceu na minha frente foi o de
Ricardo com ar de deboche. Não era o que esperava ver, mas, de
certa forma, senti-me aliviado. Eu não estava sentindo dor alguma,
sinal de que me deram alguma coisa muito forte.
— Finalmente, seu puto! Achei que não fosse acordar!
— Não me diga que perdi o outro ovo — falei, e só então
notei como eu estava fraco. A voz não passou de uma lufada rouca.
— Dessa vez foi sua linguiça. Arrancaram fora! — ele soltou
uma gargalhada e eu ri junto, mas meu tronco doeu com o esforço.
Ricardo parou de rir, de repente: — E aí, como se sente?
— Um lixo — então, me dei conta de um detalhe. — Matteo?
Cadê o meu filho? — tentei me erguer, mas Ricardo impediu.
— Espera aí, bonitão, você não pode sair daí. Não se
preocupe, Matteo está bem.
— Onde ele está?
— Em casa. Você deu uma de herói, salvou a noite e agora só
falta beijar a princesa.
Fechei os olhos.
— Isso não vai acontecer.
— Por que não? — ouvi uma voz do outro lado do quarto e
senti meu corpo congelar. Pérola estava ali. Quase não acreditei. —
Eu estava ansiosa pelo beijo.
Seu sorriso me fez sorrir também.
Ela pegou a minha mão e entrelaçamos os dedos. Apenas o
fato de estar presente foi muito significativo para mim. Pérola tinha
me perdoado. Matteo estava bem. Teríamos outro neném. Seríamos
felizes.
As peças estavam se encaixando no melhor formato possível.
— Vou deixar os pombinhos a sós! — Ricardo falou em um
tom mais elevado e saiu rindo às nossas custas.
Pérola estava sorrindo de um jeito tão maravilhoso que senti
como se me apaixonasse novamente. Ela levou uma mão ao meu
rosto e acariciou, aproximando-se lentamente. Seu cheiro foi um
alívio para todos os meus sentidos.
— Não sei por onde começar... — murmurou.
— Nem eu. Só não se afaste — minha resposta fez com que
ela arranjasse um espaço na cama hospitalar. Pérola se aninhou com
cuidado, sem colocar seu peso em mim, e ficou me encarando com
atenção.
— Quem mandou sequestrar o Matteo foi o idiota do Rodolfo
Porto — ela comentou, fazendo careta.
— O mauricinho babaca? Filho de um... — tentei me segurar.
A raiva cresceu dentro de mim, mas ao menos já tinham descoberto
e o infeliz com certeza pagaria pelo que fez.
— Ele mesmo. Mas já prenderam os caras e ele vai ter que
explicar por que o carro usado está no nome dele.
A história toda só ficava mais impressionante. Como alguém
poderia ser tão burro a ponto de sequestrar uma criança com o
próprio carro? Ele era mais imbecil do que pude supor.
— Puta que pariu... Nunca imaginaria uma coisa dessas.
— Pois é. Infelizmente, ele tem dinheiro, vai acabar
respondendo em liberdade. Mas não vou desistir de acabar com esse
mané na justiça.
— Ele não pode ficar impune.
— Sim. — Ficamos em silêncio por um tempo. A expressão de
Pérola começou a amansar. — Obrigada por ter salvado o nosso filho
— seus olhos marejaram assim que concluiu a frase.
O meu coração se encheu de alegria. Pérola tinha aceitado o
fato de Matteo ser meu filho legítimo. Eu não precisaria perder
nenhum dos dois. Melhor ainda, não precisaria mentir para as
pessoas que mais amava.
— Eu daria tudo pela minha família — sussurrei perto de seus
lábios.
— Eu sei. Agora eu sei. Por isso peço perdão por não ter te
dado a chance de se explicar. Eu... fiquei inerte. Não consegui lidar
com a notícia. — Pérola voltou a alisar o meu rosto cuidadosamente.
— Sabe, tem uma voz idiota na minha cabeça que sempre diz que as
pessoas estão me usando. Quero me livrar dela o mais rápido
possível.
— O que fiz foi errado. Deveria ter te contado.
— Ricardo me disse uma coisa e ele tem toda razão, Di. Eu
nunca reagiria bem. De uma forma ou de outra, eu teria sido uma
imbecil.
— Ele te chamou de imbecil? Aquele filho de uma...
Ela me calou com um dedo.
— Não, ele não me desrespeitou, só me falou verdades.
Coisas que eu não tinha pensado.
— O que ele te disse, então?
— Que a culpa de tudo era dele.
— E é mesmo. Aquele doido me enfiou nessa enrascada, mas,
sinceramente, não me arrependo de ter te conhecido.
— Eu o agradeci por isso.
Sorri para ela.
— E o que mais ele disse? — perguntei.
— Que você só queria uma família.
Assenti, começando a marejar também. Os olhos de Pérola
estavam brilhantes e seria questão de tempo para que começasse a
chorar. O cheiro de seus cabelos era sempre delicioso. Eu amava
tudo naquela mulher. Tudo. Cada pedacinho da mãe dos meus filhos.
— Isso é verdade — minha voz saiu muito baixa.
— Não vou perder um segundo do meu tempo questionando
o que aconteceu conosco. Aconteceu, e foi incrível, Diego. Quer
dizer, quais eram as chances?
— Essas coisas só acontecem em livros e filmes.
— Sim... — ela soltou uma risada e me arrepiei de tanta
paixão.
Pérola me deixava hipnotizado, às vezes. A sensação era
indescritível.
— Como está minha sementinha? — questionei em um
murmúrio. Minha mão ruim se mexeu até se colocar por cima do
ventre de Pérola.
— Tudo certo. E também deixei Matteo em casa com meus
pais. Aliás, aqueles dois estão transando.
— Seus pais? — soltei um rompante incrédulo. Pérola
assentiu, fazendo uma careta enojada. — Quer dizer que o ódio todo
era amor?
— Sei lá, não quero pensar neles. Só quero pensar em nós
agora.
Pérola se remexeu um pouco e aproveitei para beijar a sua
testa. Ela se aquietou imediatamente e, com a alegria constante
crescendo em meu peito, fiz questão de me demorar mais no gesto.
Ouvi o seu suspiro aliviado.
— Eu te amo — ela falou, enfim.
Fechei os olhos e sorri. Não pude evitar.
Eu quis tanto ouvir aquelas palavras saindo de sua boca... A
emoção foi tamanha que uma lágrima escorreu. Pérola estava
deixando seus medos ruírem para dar espaço a um novo começo.
— Eu também te amo, minha linda.
— Pronto para ter a sua tão sonhada família? — Pérola voltou
a me encarar. Também chorava de emoção.
— Mais do que pronto... Bom, não agora, neste exato
momento, pois acho que estou com a costela fodida, embora esteja
boiando em remédios.
— Assim que sair daí, então — ela riu.
— Combinado.
E eu também ri diante das expectativas que cresceram dentro
de mim. Faria o possível para melhorar e voltar para a casa. Para a
minha linda família.
Epílogo
Pérola

- 3 anos e 6 meses depois -


​ ra um dia especial para todos nós. E não era só porque o meu
E
marido estava dirigindo a Lamborghini depois de anos sem tocar em
um volante, mas também porque era a primeira vez que saíamos, os
quatro, pela manhã, cada um com a sua atividade, como uma
verdadeira família que éramos.
​— Pai, a Sabrina vai na aula?
​Diego me olhou, rindo, e respondeu:
​— Eu acho que sim, filho. A mãe dela disse que não vai mudar
a Sabrina de escola.
​Nosso garoto tinha apenas quatro anos, mas já era
apaixonadinho por uma colega de sala. Estava um verdadeiro rapaz.
Nós estávamos fazendo um ótimo trabalho com aquele menino
esperto, falante e todo educado. As pessoas ao nosso redor se
surpreendiam com o quanto que o nosso Matteo era desenvolvido.
​— E Clarinha também?
​— Eu não! — Maria Clara reclamou, manhosa. Estava meio
chateada porque era o seu primeiro dia de aula.
​— Vocês vão para a mesma escola, mas a sala é diferente —
Diego explicou. — Cuide bem da sua irmãzinha na hora do recreio,
tá certo?
​— Por quê? — Matteo resmungou. — No recreio eu brinco com
meus amiguinhos, pai.
​— Mas não custa ficar de olho na Clarinha.
​— Eu não quero ir pra escola — a menina choramingou.
​Olhei para trás, na direção das duas crianças maravilhosas
sentadas em suas cadeirinhas apropriadas.
​— Maria Clara, já conversamos sobre isso. Você vai ficar com a
sua professora e seus coleguinhas, vai desenhar, brincar, comer seu
lanchinho gostoso... Será legal, prometo!
​— Mas na escola não tem mamãe e nem papai.
​— Nós vamos te buscar rapidinho, filha — Diego disse, e eu
sabia que estava com dor no coração. Ele queria adiar o momento
por mais um ano, mas Clara já estava na idade certa para iniciar as
atividades escolares. Seria bobagem deixá-la mais tempo dentro de
casa.
​ Aquela menina era a minha cara; olhos, cabelos, trejeitos.
Sinceramente, achei justo, já que o Matteo se tornava cada vez mais
o Diego, até na personalidade. Maria Clara dava trabalho em dobro,
devo admitir. Tudo foi mais complicado com ela, a gravidez, o parto,
os primeiros cuidados... Precisei de muita força para passar por
aquelas etapas, e com certeza só consegui porque tinha Diego ao
meu lado.
​Além de ser um homem espetacular, era um marido incrível,
um pai dedicado e o amor da minha vida. Claro que nem tudo eram
flores, nós tínhamos nossos problemas, assim como todo casal, mas,
em resumo, não podia ser mais perfeito. Eu amava a nossa rotina,
embora estivéssemos criando outra naquele dia.
​Paramos no estacionamento da escola e Matteo mal se
despediu de nós: saiu correndo na direção da área do pré-escolar
pertencente à melhor escola da região. Custava uma pequena
fortuna, mas nos atendia com maestria. O meu menino estava cada
mês mais inteligente, curioso e crítico.
Era a vez de Clarinha começar o seu processo.
​Ela andou comigo e Diego, quase sem largar minhas pernas,
até a porta de sua sala. A professora se aproximou com cuidado e se
acocorou na frente dela:
​— Bom dia, Maria Clara! Tudo bem?
​Elas já tinham se conhecido nas primeiras entrevistas, portanto
a menina sorriu e, enfim, largou minha calça de alfaiataria.
​— Bom dia... Eu não quero escola.
​— Mas por quê? — a professora perguntou, fingindo
preocupação.
​— Porque não — ela olhou para cima, encarando-me com a
testinha enrugada.
​— Vai ser bem legal. Ali estão seus coleguinhas — a
profissional apontou para as crianças em círculo, brincando com
objetos coloridos. — Vamos plantar uma árvore daqui a pouco, você
sabe como faz?
​— Não.
​— É muito interessante! Dê tchau aos seus pais e vem ver!
​— Tá bom. Tchau, mãe. Tchau, pai — a garota simplesmente
saiu andando com a professora, sem nem olhar para trás.
​O silêncio se fez por uns instantes.
​— Foi melhor do que pensei — Diego falou quando começamos
a nos afastar. Seus olhos estavam marejados.
​— Você está chorando? — soltei uma risada sonora.
​— Ah, nem vem, a minha menina está crescendo — passou os
dedos pelo rosto.
​Andamos de mãos dadas na direção do estacionamento.
​— Ansioso para o primeiro dia? — perguntei.
​Diego voltaria a trabalhar no hospital, finalmente. A perna ruim
estava muito melhor, ele quase não mancava mais, e a mão havia
curado por completo. Ele já podia voltar ao seu serviço, e só não fez
isso antes porque decidimos que ficaria em casa com a Clara até ela
ter idade escolar. Por mim, ele já teria voltado, mas fez questão de
se dedicar às crianças.
​— Confesso que sim. Será bom voltar a trabalhar, estou com
saudades.
​— Tenho certeza. Já te agradeci por segurar a barra lá em
casa? — virei-me para ele quando alcançamos o carro. Envolvi meus
braços em seu pescoço.
​ iego sorria amplamente.
D
​— Não fiz mais do que minha obrigação como pai, linda —
beijou-me ternamente.
​Roubei a chave do carro que estava em seu bolso.
​— Eu dirijo agora!
​— Ufa! Graças a Deus! — suspirou aliviado.
​— Pensa que eu não percebi que você estava suando feito um
porco e dirigindo que nem uma tartaruga? — ri da cara dele e dei a
volta no carro.
​Sentei-me no banco do motorista enquanto ele ocupava o do
carona.
​— Em minha defesa, é a primeira vez que dirijo desde o
acidente. E logo o quê? Uma Lamborghini. Enfim, uma hora vou
acostumar.
​— Vai, sim, meu amor. Aos poucos... Sem pressa.
​Comecei a dirigir e Diego pegou o seu celular para dar uma
olhada.
​— Seus pais estão na Holanda, você sabia?
​Dei de ombros.
​Aqueles dois simplesmente assumiram um romance, largaram
seus devidos namorados e foram viajar pelo mundo. Papai se
aposentou e me deixou na presidência do Grupo Leblanc, enquanto
mamãe continuou vivendo sua vida de madame e fazendo seus
comentários ridículos.
​Eu não sabia no que aquilo daria, mas até então parecia
funcionar.
​Foi meio difícil, no início, fazer com que aceitassem Diego, mas
depois do nosso casamento – realizado no nosso jardim mesmo,
uma cerimônia íntima e agradável, com Ricardo de padrinho – eles
amansaram, viram que não teria mais jeito. Tanto é que passaram a
se seguir nas redes sociais e, durante as visitas aos netos, agiam de
forma educada e agradável.
​— Aquele ali não é o Rodolfo? — apontei para frente,
especificamente para o carrão que parou do lado oposto ao nosso
no sinal vermelho de um cruzamento. O empresário estava ao
volante.
​ iego se esgueirou para olhar.
D
​— Porra, é mesmo. Imbecil. Manda um dedo do meio pra ele!
​Nem pensei duas vezes, abri a janela do meu carro e fiz o
gesto obsceno. Não consegui ver a reação do otário, porque o sinal
abriu e cada um seguiu o seu caminho.
​— Esse cara devia estar preso — Diego resmungou.
​— Aquela história de que assaltaram o carro dele não colou,
mas foi você que decidiu desistir do processo... Lembra?
​— Pelo menos tivemos paz, linda. Clarinha estava a caminho,
eu só queria vocês duas bem. A gestação foi tão tensa!
​— Tem razão, Di. Relaxa. Uma hora esse imbecil quebra a cara.
Justiça divina não falha. Já soube que a empresa dele está indo de
mal a pior.
​— Com aquele carrão? Duvido.
​— Aparências, meu bem.
​Mudamos de assunto porque não queríamos estragar um dia
tão importante para nós. Deixei Diego na frente do hospital e nos
despedimos com um beijo longo.
​— Eu te amo — murmurei.
​— Eu amo mais!
​Esperei que entrasse e, só então, fiz o caminho até a empresa.
​Claro que, mais tarde, a diretora ligou e precisei pegar a
Clarinha mais cedo, pois em algum momento ficou desesperada sem
a presença dos pais. No dia seguinte, tentamos de novo e no outro
de novo, até que se acostumou e tudo ficou mais fácil.
​Olhando para o passado, nunca imaginei que na minha vida
viveria momentos como aqueles. Eu tinha um marido, dois filhos,
sucesso na carreira e muito para viver, sempre compartilhando com
as pessoas que amava.
Às vezes as coisas acontecem sem qualquer planejamento e,
quer saber? São as melhores. Eu não trocava o que possuía por
nada neste mundo.
FIM
Agradecimentos:
Agradeço profundamente a todas as leitoras e leitores que
tornam, a cada dia, os meus sonhos realidade. Toda a minha
gratidão às queridas e queridos que acompanharam no Wattpad, e
que sempre conferem os meus lançamentos, dando-me todo o
suporte para a continuação do meu trabalho. Vocês são dez!
Em especial, agradeço à querida Ana Lúcia por ter me dado a
ideia desta história – foi só você comentar e pronto, Diego e Pérola
começaram a sussurrar no meu ouvido! Obrigada, sua maravilhosa!
Espero que tenha alcançado suas expectativas!
​Agradeço às minhas queridas leitoras be(S)tas por estarem
sempre comigo!
​E, claro, agradeço a Deus e ao vasto Universo pela força,
coragem, determinação, persistência e inspiração. Sou imensamente
grata pelo dom da escrita. Que ela seja sempre utilizada para o bem
e para o amor. Amém!

​Beijos,
Mila Wander
Sobre a Autora:

Mila Wander nasceu e mora no Recife, onde se dedica


integralmente ao mundo dos livros. Pedagoga e estudante de
Psicologia, é apaixonada por criar romances diferentes, mesclando-
os a outros gêneros. Dentre mais de trinta títulos publicados, Mila é
autora da duologia de sucesso O Safado do 105 e O Canalha do 610,
além da trilogia Despedida de Solteira, Dominados, Meu Maior
Presente e Ninguém Aguenta mais CEO.
Instagram: @milawander
Lojinha Virtual: www.milawanderstore.com.br
E-mail: autoramilawander@gmail.com
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