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Universidade dos Açores

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas


Departamento de Sociologia
Licenciatura: Serviço Social
Disciplina: Intervenção em Famílias, Indivíduos, Grupos e Comunidades
Ano Letivo 2019/2020 - 3º ano/2º Semestre

Resenha de Livro

Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17ª ed.

Sara Pacheco Alves


30 de abril de 2020
Paulo Freire foi um célebre professor e filósofo de nacionalidade brasileira. Em Outono
de 1968, enquanto vivia em exílio na cidade de Santiago, no Chile, concluiu uma das suas
obras mais importantes: a Pedagogia do Oprimido.

Esta obra foi desenvolvida, graças ao contacto do autor com os operários, camponeses e
outros trabalhadores, do qual foi possível entender a posição destes em relação aos das
classes dominantes. Na sua reflexão crítica da pedagogia, o autor afirma que a educação
dos indivíduos deve-se basear no diálogo, na liberdade e na busca da fé, para o despertar
da consciência dos oprimidos, que são controlados pelos opressores.

A obra está divida em quatro capítulos. Antes destes capítulos surge uma breve
introdução, em que o autor salienta a presença do “medo da liberdade” como o obstáculo
à conscientização dos oprimidos. Segundo o autor, a consciência crítica permite ao sujeito
expressar-se sobre as injustiças sociais e a combater a opressão (p. 15).

No primeiro capítulo, o autor procura justificar o título do livro Pedagogia do Oprimido.


Esta pedagogia envolve a procura da humanização, com o objetivo da luta dos oprimidos
contra a exploração dos opressores. O capítulo engloba quatro subcapítulos, o primeiro
diz respeito à superação da contradição dos opressores para os oprimidos. Melhor
dizendo, refere-se à forma de poder dos opressores expressada através da “falsa
generosidade”. Para poderem manter a ordem social, os opressores asseguram ajudar os
oprimidos, tornando-os incapazes e acomodados com as arbitrariedades (p. 20).

De seguida, o autor destaca a situação concreta de opressão, dos opressores e dos


oprimidos. Ser opressor, é tratar os outros como “coisas”, em que apenas os opressores
são os sujeitos. Sendo assim, considera-se que a classe dominante tem “consciência
necrófila”, ou seja, que perderam o contacto com a verdadeira essência do ser-se humano
no mundo. Os oprimidos, como objetos, são prescritos pelos opressores, sendo que estes
controlam as suas finalidades. De acordo com o autor, o mundo místico (Deus), imposto
pelo opressor funciona como uma forma de exploração dos oprimidos para manter a
ordem (pp. 29-31).

O autor defende a ideia, de que os homens precisam de unir-se para libertarem-se como
indivíduos. Os oprimidos necessitam observar o opressor e reconhecer o seu potencial,
para a sua libertação. Este processo engloba a reflexão crítica e ação libertadora,
formando assim a práxis. Desta forma, é através da “liderança revolucionária” que a
liberdade dos oprimidos se torna possível (p.34).
No capítulo II, o autor apresenta o conceito da “concepção bancária” da educação, como
um instrumento da opressão. Com base no autor, o educador atua como um agente e “real
sujeito”, cuja sua tarefa predomina-se em depositar no educando, os conteúdos da sua
narração. Neste processo de “concepção bancária”, compete apenas ao educando receber,
decorar e repetir. Por consequência, os educandos não irão desenvolver sentido crítico e
por isso, não irão sentir necessidade de haver mudanças sociais (pp. 37-40).

No momento, em que o homem valoriza a humanidade, começa a observar a “educação


bancária”, feita pelos educadores, como uma contradição e um impedimento para a sua
libertação. O estudo de Fromm (citado por Freire, 1987) demonstra que este momento se
manifesta quando o indivíduo necrófilo, caracteristicamente robot, passa a interagir de
forma biófila, em que são valorizados os seus sentimentos e os seus pensamentos (pp. 40-
42).

Outra ideia que surge é a de que ninguém se educa a si mesmo, mas sim, os homens
educam-se entre si. É necessário passar de uma “educação problematizadora” para uma
educação de libertação, superando a contradição bancária. O processo de “educação
libertadora” tem de basear-se na relação recíproca de aprendizagem entre o educador e
educando em comunhão. É neste momento que o homem se encontra num “movimento
de busca”. A busca do ser-se humano em comunhão, será possível para combater a relação
contraditória entre os opressores e oprimidos (pp. 44-48).

No capítulo III, o autor salienta a questão da dialogicidade como a essência da educação,


para a prática da liberdade. O diálogo, como um fenómeno humano, revela-se como a
palavra que conjugada com a ação, formam a práxis. Nas palavras do autor “pronunciar
o mundo, é modificá-lo”, note-se que é através da ação e reflexão que o homem pode lutar
pelos seus direitos. Na perspetiva do Paulo Freire, o diálogo tem de vir acompanhado de
um amor profundo ao mundo humano. Este sentimento permite a atenuação da
dominação, uma vez que enfatiza no homem, os valores de compromisso, fé e humildade.
O diálogo autêntico permite aos sujeitos um pensar crítico, tendo como efeito perceber a
realidade ilusória (pp. 50 – 53).

Na investigação dos profissionais relativamente à opressão, implica ter em conta a


atuação dos homens sobre a sua realidade, especificamente, como é imposta a sua práxis.
No processo de investigação, os investigadores devem colaborar junto do povo. A
observação e o diálogo são aspetos importantes, para a perceção crítica da realidade. Cabe
ao investigador, através da relação simpática e do diálogo, analisar a temática e
descodificá-la para desafiar os oprimidos a questionarem-se acerca do seu modo de vida
(pp.66-71).

No último capítulo, Paulo Freire pretende analisar a teoria da ação antidialógica. O autor
afirma que “os homens são seres da práxis (…) e seres do puro fazer”. No entanto, na
liderança não pode haver homens que apenas detenham a prática, é essencial a reflexão
para a práxis ser autêntica. Esta “práxis revolucionária” tornará possível derrubar a práxis
das “elites dominadoras” (pp.77-78).

O diálogo entre os indivíduos de uma liderança revolucionária e as massas oprimidas


permite o início da busca de liberdade e, consequentemente, a superação da contradição
dos opressores. Porém, o autor considera importante abordar aspetos negativos acerca
daqueles que usam um diálogo dominador. No diálogo antidialógico, os opressores
utilizam ferramentas como a conquista, divisão, a manipulação e a invasão cultural.

A conquista é um meio para estabelecer relações com os homens, do qual conformam-se


com a situação de serem oprimidos, sendo-lhes impossível aceder à verdadeira práxis. No
caso da divisão, está fundamentada a ideia de enfraquecer a massa popular através da
“dominação e dirigismo”, com o intuito de centrar o poder no opressor (pp. 85-89).

A característica da teoria da ação antidialógica, a manipulação, centra-se na forma como


as elites dominadoras controlam e dominam as massas populares e os seus pensamentos.
Por fim, segundo o autor, a característica da invasão cultural é uma forma indireta de
violência que faz com que os oprimidos vejam a sua realidade a ser suprimida pela dos
opressores (pp.90-94).

O antídoto para derrubar estas características, faz parte da teoria dialógica. Para alcançar
a liderança revolucionária junto das massas, é necessário um diálogo espontâneo e
empático de ambas a partes, para que não seja contraditório. A teoria da ação dialógica é
composta pela colaboração, união para a libertação, organização e a síntese cultural
(p.101).

No processo de colaboração, há a existência de união entre os sujeitos e o compromisso


para a liberdade, do qual interessa a relação sujeito-sujeito, invés da relação de sujeito-
coisas. De acordo com Freire, a outra característica da teoria da ação dialógica,
considerada como um passo para a “desmitificação da realidade”, é a união, uma vez que
garante a liberdade (pp.103 -109).

De seguida, é necessário haver a organização das massas populares para a prática da


liberdade. O objetivo passa por travar a “coisificação das massas” que foram
manipuladas, cujo método será a conjunção do líder e do povo em aplicarem a
transformação (p.109-111).

Relativamente à última característica, a síntese cultural, é definida como o oposto da


invasão cultural feita pelos opressores. Ou então, pelas palavras do autor, como a “forma
sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social”. A síntese cultural
revolucionária permite a libertação dos homens, de tal forma que se passa do controlo
para a autonomização dos indivíduos (p.112).

Em suma, a obra do Paulo Freire é um trabalho de consciência, relativamente à forma


como o mundo está organizado. No mundo da educação é possível emancipar as pessoas,
como sendo, uma forma de garantir a liberdade de pensamento e atuação política. O
indivíduo na luta pela liberdade não basta ter consciência crítica, também é necessária a
prática para transformação da realidade. Em virtude de que, ambas as atuações teóricas e
práticas formam a práxis. Nas palavras finais, o autor apela para confiança no povo, fé
nos homens e criação dum mundo que não seja difícil de amar. Com o sentido crítico,
com uma educação de consciência e um espírito de lutador livre será possível ser
alcançada a liberdade.
Pedagogia do Oprimido e Serviço Social de caso, grupo e comunidade

Os métodos de Serviço Social de caso, grupo e comunidade formam a “tríade


metodológica” que servem como as ferramentas para a integração do homem na
sociedade (Andrade, 2008, p.280).

O Serviço Social de caso foca-se no utente e na sua personalidade. O utente é o centro da


intervenção que necessita de ser trabalhado, para cumprir um papel social aceitável em
sociedade. De seguida, o método de intervenção, Serviço Social de grupo centra-se na
educação psicossocial dado a um grupo de indivíduos, que trocam experiências entre si,
com o objetivo de ajustar “os valores e normas vigentes no contexto social” (Andrade,
2008, p.282).

Por fim, como uma necessidade de intervenção a nível macro, surge o método do Serviço
Social de Comunidade. De acordo com Maria Andrade, o Serviço Social de Comunidade
conceitua-se como um processo de “(…) desenvolvimento social dos indivíduos e a sua
orientação pela promoção das relações eficientes e úteis entre eles em busca de um
desenvolvimento equilibrado e harmonioso (…)”. Este método atua num todo, com vista
a estimular a mudança social e a participação ativa (Andrade, 2008, p.285).

Então é a partir desta estimulação dada pelo último método do Serviço Social, que
considero importante abordar a grande obra de Paulo Freire, a Pedagogia do Oprimido.
Ao longo da leitura da sua obra, apesar de complexa, foi possível entender a ideia de que
existem desigualdades na sociedade que necessitam de ser reivindicadas.

Com base, na observação do autor feita aos indivíduos das várias classes sociais da
sociedade brasileira, o autor interpreta a sociedade como oprimida, sendo que é necessária
a mudança para uma sociedade democrática, libertadora e consciente. Freire, dá
importância ao conceito de conscientização, uma vez que permite “(…) a compreensão
global do país de modo a gerar ações que promovessem o desenvolvimento nacional e
consolidassem a democracia.” (Scheffer, 2013, p. 295).

Antes dos considerados oprimidos partirem para a ação, o autor salienta a necessidade da
reflexão e instrução, de forma a realizar a práxis correta. É nesta via, que considero os
métodos de Serviço Social de caso, de grupo e de comunidade como a base para a reflexão
e subsequente, ação.
Primeiramente, as ideias de democracia, de cidadania ativa e do bem comum que Paulo
Freire defende, vão ao encontro da forma de atuação do Serviço Social. Sendo que, com
base na tríade dos três métodos de caso, grupo e comunidade, a luta da integração dos
oprimidos na sociedade será possível (Scheffer, 2013, p. 295).

Em segundo lugar, Paulo Freire refere a importância da união entre os que querem ser
libertados das opressões e daqueles que permitem que haja essa libertação. Este é um tipo
de intervenção que compete ao Assistente Social. Os profissionais têm como função, dar
ouvidos às necessidades dos seus utentes e incentivá-los a encontrar soluções, praticando
a escuta ativa.

Em terceiro lugar, A pedagogia do oprimido, de Paulo Freire é importante para o Serviço


Social, na medida em que impulsiona no Assistente Social, a importância de instruir os
indivíduos, como também “(…) conscientizá-los e ajudá-los a tornarem-se agentes de sua
própria história.” (Scheffer, 2013, p. 296).

No mundo da pegagogia, a emancipação dos oprimidos torna possível a interiorização de


valores como o emporwement e a conscientização, incentivando à liberdade de
pensamento e atuação política. A libertação destes indivíduos como um “ato social”,
permite aos mesmos obterem uma consciência crítica, alcançando assim o empowerment
individual ou comunitário, que possibilita a mudança social (Roso & Romanini, 2014,
p.83).

Nas sociedades opressoras, o Assistente Social tem o poder de despertar nos indivíduos
o desejo da transformação para uma vida justa e digna. A obra de Freire ajuda-nos a
compreender a importância de “práticas pedagógicas”, como um meio de libertação dos
oprimidos face às desigualdades sociais. A prática educativa, feita através do diálogo,
permite incentivar no indivíduo, uma atitude política. Por isso, considero relevante o
papel daqueles que trabalham junto da sociedade, uma vez que conhecem as necessidades
e as potencialidades sociais (Scheffer, 2013, p. 299).

Outra ideia da importância de Paulo Freire para o Serviço Social, é o pensamento biófilo
de Freire. O autor defende que os indivíduos são biófilos, mais especificamente, são seres
humanos que têm amor à vida, e não máquinas. É por isso que o autor aborda a
necessidade do processo de humanização, ou seja, tornar-se humano. Só desta forma será
possível a libertação do oprimido, feita através da pedagogia e da ação. Com base nesta
ideia ressalvo a visão do Serviço Social aos seus utentes, como seres humanos, e não
como números (Scheffer, 2013, p. 302).

Em último lugar, a influência deste autor contribuiu para a mudança de um Serviço Social
assistencialista para um Serviço Social crítico. Na medida em que a intervenção social,
deixa de se focar nas fragilidades do indivíduo, mas sim na valorização e estímulo das
potencialidades do mesmo, com o objetivo de promover o desenvolvimento pessoal e
social.

Podemos concluir que Paulo Freire deixa um legado no exercício da profissão de


Assistente Social. No sentido em que, a relação mútua da teoria e da prática ou práxis
freiriana da ação humana permite orientar o caminho na transformação social, com o
objetivo de haver a prática da justiça social na sociedade.
Referências Bibliográficas

ANDRADE, M. R. A. de (2008). O metodologismo e o desenvolvimentismo no Serviço


Social brasileiro - 1947 a 1961. Serviço Social & Realidade, 7 (1), 268-299.

FREIRE, P. (1987). Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

KATHLEEN, Y. (2019, agosto 19). Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire. [Ficheiro


em vídeo]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=W0gYx_FpTDs.

ROSO, A., & ROMANINI, M. (2014). Empoderamento individual, empoderamento


comunitário e conscientização: um ensaio teórico. Psicologia e Saber Social, 3 (1), 83-
95. doi: https://doi.org/10.12957/psi.saber.soc.2014.12203.

SCHEFFER, G. (2013). Pedaços do Tempo: legado de Paulo Freire no Serviço Social.


Textos e Contextos, 12 (2), 292 – 331.

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