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Maria Abádia da Silva

Célio da Cunha
(Org.)

EDUCAÇÃO BÁSICA
Políticas, avanços e pendências

Coleção Políticas Públicas de Educação

Organizadores
Célio da Cunha José
Vieira de Sousa
Maria Abádia da Silva

Campinas
AUTORES ASSOCIADOS
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Educação básica : políticas, avanços e pendências /Maria Abádia da Silva, Célio da Cunha,
Org. — Campinas, SP : Autores Associados, 2014. — (Coleção Políticas Públicas de
Educação /organizadores Célio da Cunha, José Vieira de Sousa, Maria Abádia da
Silva).

Vários autores.
Bibliografia
ISBN 978-85-7496-321-1

l. Educação - Finalidades e objetivos 2. Políticas educacionais 3. Políticas públicas 4.


Sociologia educacional I, Silva, Maria Abádia da. II. Cunha, Célio da. 111. sousa, José
Vieira de. lv. Série.

14-01261 CDD-379 Índice para catálogo sistemático:

1. Políticas Educacionais: Educação 379

Impresso no Brasil — março de 2014

Copyright@ 2014 Universidade de Brasília. Todos os direitos reservados.


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Art. 184. Violar direito autoral anos e
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SUMÁRIO

EDITORIAL
COLEÇÃO POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

APRESENTAÇÃO
Maria Abádia da Silva e
Célio da Cunha

Eixo 1
BANCO MUNDIAL.' POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS 11

Intemacionalização das políticas educacionais:


elementos para uma análise pedagógica de orientações
curriculares para o ensino frndamental e de propostas para a
escola pública 13
José Carlos Libâneo
Dimensões da política do Banco Mundial para a educação básica
pública 57
Maria Abádia da Silva
A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira:
incongruências, contrassensos e custos de uma inócua parceria
internacional 97
Marília Fonseca

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Políticas para a educação básica no Brasil e as trilhas incertas
da justiça social 121
Eliza Bartolozzi Ferreira
EIXO 2
IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PARA
EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA149

O Plano de Ações Articuladas (PAR) e a qualidade da


educação básica 151
Regina Tereza Cestari de Oliveira
Cidadania, gestão democrática e controle social:
os CACS no FUNDEF e no FUNDEB
179 Wellington Ferreira de Jesus
Três paradigmas de gestão escolar em questão:
o Distrito Federal entre 1995 e 2010 203
Carolina Soares Mendes
Gestão financeira descentralizada: a experiência da Caixa
Escolar em Natal, RN 229
António Cabral Neto e Gilmar Barbosa Guedes

EIXO 3
POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE 259

Formação de professores: do direito à educação ao direito à


aprendizagem 261 Salete Flôres
Castanheira
Profissionalidade da educação infantil:
representações de professores do segrnento 295
Ive Brasil e Afonso Galvão

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Educação rural e multisseriação: rompendo silêncios e
indicando horizontes 315
Elizeu Clementino de Souza e
Fábio Josué Souza dos Santos

SOBRE OS AUTORES347

EDITORIAL

COLEÇÃO POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

coleção Políticas Públicas de Educação é uma ação


desenvolvida pela linha de pesquisa Políticas Públicas e
Gestão da Educação do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade de Brasília (PPGE/UnB), em seu
diálogo com pesquisadores vinculados à Faculdade de
Educação dessa instituição e de outras universidades
nacionais e internacionais. Nesse sentido, ela faz parte de um
conjunto de ações que visam contribuir para o fortalecimento
das atividades realizadas no âmbito da própria linha de
pesquisa e do programa como um todo.
A finalidade precípua da coleção é estimular, discutir,
promover e disseminar a produção acadêmica e científica de
vários segmentos — mestrado, doutorado e docência - vinculada
ao PPGE/UnB, bem como à Faculdade de Educação dessa
universidade, Além disso, a coleção tem promovido o diálogo
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com pesquisadores da educação que atuam em universidades
nacionais, latino-americanas e, mais recentemente, em outros
países.
Inaugurada em 2011 com a publicação de seis Átulos pela
Editora Autores Associados, em coedição com a Faculdade de
Educação da UnB, a coleção vem ganhando projeção à medida
que a produção nela inserida vem sendo divulgada em todo o

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território nacional. Esse processo de divulgação tem sido
feito nos progrannas de pós-graduação cm educação, nas
faculdades e nos centros de educação vinculados às
instituições públicas de educação superior do país, nos
prillcipais órgãos de fomento à pesquisa e com os líderes de
grupos que investigam a tenuítica educacional, entre outros.
Paralelamente à publicação da primeira etapa da coleção, no
referido ano foi realizado em Brasília o Fórum Internacional
de Políticas de Educação na América Latina: lições aprendidas
e desafios, que contou com pafticipação de especialistas em
educação da Argentina, Chile, Colômbia e México e de outros
pesquisadores do tema vinculados a universidades de várias
regiões do Brasil. Desse evento resultou um livro com as
contribuições de um expressivo conjunto de pesquisadores.
Em 2012, na segunda etapa da coleção, foram
publicados mais doze títulos pela Editora Liber Livro,
também em parceria com a Faculdade de Educação/UnB.
Um desses livros — Universidade e educação básica:
ções
políticas e articulapossíveis — também resultou dos debates
feitos durante o Fórum Nacional de Políticas Públicas de
origem
Educação, que deu ao seu título. Destacando as interfaces
dade
entre universie educação básica, ambos focalizaram o
cenário brasileicontando com a participação de
pesquisadores de projeção nacional e outros da própria
UnB, à semelhança da primeira edição do fórum.
A terceira etapa da coleção conta com oito títulos,
publicação novamente pela Editora Autores Associados e a
total de
Faculdade de Educação/UnB, em 2013, fazendo com que o
títulos chegue a vinte e seis, resultado do trabalho
desenvolvido pelos seus organizadores e por um
considerável número de autores, em três anos consecutivos.
Nesta etapa, destaca-se a publicação da obra A política das

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políticas públicas de gestão, formação e carreira docente,
que traduz as preocupações do III Fórum Nacional de
Políticas Públicas de
Editorial I
XI Educação, realizado pela Faculdade de Educação da UnB
na perspectiva de dar continuidade às ações de fortalecimento
da pesquisa em educação desenvolvidas no âmbito do seu
PPGE nos dois anos já citados. A realização desse fórum
traduziu a preocupação dos pesquisadores do programa e
demais participantes do evento com a construção de uma
escola de qualidade, capaz de contribuir para a formação dos
indivíduos nos planos cultural, antropológico, econômico e
político.
A produção acadêmica dos vinte e seis títulos da coleção
está ancorada em alguns pressupostos. O primeiro deles
reconhece que, desde a década de 1990, sob o domínio de
governos neoconservadores e de forte hegemonia política,
realizam-se reformas estatais e para a educação de modo que
se reequilibre a área, após os insucessos decorrentes das
crises constantes, e assim venha a reinserir os países no plano
internacional de elevação de competitividade e produtividade.
Nesse cenário, torna-se indispensável refletir sobre as
políticas educacionais, visando construir uma escola
democrática e efetivamente engajada na emancipação dos
sujeitos.
Outro pressuposto refere-se ao fato de a universidade
constituir-se em espaço de criação, composição e produção
intelectual. Nessa lógica, deve zelar pela identidade e pela
memória construída pelos indivíduos no ensino, na pesquisa e
na extensão social por meio de planos, programas e projetos
diversos. Como instituição, ela abriga institutos, centros de
pesquisa e faculdades de educação como espaços
indispensáveis de formação de licenciados para o exercício

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de magistério, de formação de gestores e de pesquisadores de
alto nível. Com efeito, o envolvimento dessas faculdades com
as instâncias federais, estaduais e municipais precisa
explicitar seu compromisso com a melhoria da qualidade da
educação básica.
Um terceiro pressuposto diz respeito ao compromisso
intrínseco da própria natureza da Faculdade de Educação com o
processo de profissionalização dos professores, o qual abarca
um amplo conjunto de situações indissociáveis, como salário,
condições de trabalho, carreira e formação. Esses elementos
são requisitos objetivos para os professores construírem uma
identidade profissional em todas as dimensões que envolvem
sua atuação — intelectual, ética, política e cultural e
expressam, em última instância, o compromisso com a
educação de qualidade e o próprio projeto de sociedade.
Outro pressuposto é a gestão educacional implicar o
redimensionamento das práticas administrativas e
pedagógicas das organizações escolares, uma vez que
corresponde a um processo de qualificação do agir dos
indivíduos, tomando uma dupla referência: o pessoal e o
coletivo. Esse agir refere-se, sobretudo, ao processo político-
administrativo contextualizado, por meio do qual são
planejadas e desenvolvidas políticas e práticas em prol da
melhoria da qualidade da educação básica e superior.
Um último pressuposto orientador da produção da
coleção é o de que a definição de uma política educacional,
como de qualquer outra política pública, é uma construção
histórica, que se dá mediante a negociação de interesses e
visões de mundo expressas por diferentes grupos sociais,
econômicos e políticos.

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Com efeito, as questões norteadoras dos cinco
pressupostos apresentados requerem pesquisa e,
consequentemente, a produção científica como condições
sine qua non para a discussão dos avanços no campo das
políticas públicas de educação.

O Programa de Pós-Graduação em Educação


da Universidade de Brasília (PPGE/UnB)

O PPGE/UnB é um dos mais antigos e consolidados


programas de formação de pesquisadores em educação do
país. Criado em 19721 , o programa tem atuado na formação
de Editorial I XIII novos quadros para a educação pública
brasileira, em todos os níveis, e na formação de
pesquisadores aptos a contribuir para o avanço do campo da
educação e dos estudos sistemáticos que auxiliam na
elaboração de políticas sociais.
Tendo a pesquisa como eixo de formação e como objeto
inalienável de sua prática, o referido PPGE produziu e
produz um vasto acervo de publicações bibliográficas que
atinge a comunidade acadêmica nacional e internacional,
professores, diretores, estudantes, gestores educacionais e
parlamentares incumbidos de estabelecer políticas públicas
para a educação nacional. Sua oferta contempla cursos de
mestrado acadêmico, mestrado profissional e de doutorado.
Além disso, mantém a oferta de diversos cursos de
especialização, como o de formação de gestores, na
modalidade da educação a distância.

1 Inicialmente criado com o curso de mestrado, o PPGE/UnB instalou seu


curso de doutorado em 2004.

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O PPGE/UnB é sócio institucional da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação
(ANPEd) e conta, em seu corpo docente, com 53 professores
credenciados para orientação e docência, formados nas
melhores universidades do país e do exterior. A partir de 2011,
esses docentes-pesquisadores passaram a ser agregados numa
única área, a Educação, e em seis linhas de pesquisa: (a)
Políticas Públicas e Gestão da Educação; (b) Escola,
Aprendizagem, Ação Pedagógica e Subjetividade na
Educação; (c) Profissão Docente, Currículo e Avaliação; (d)
Educação em Ciências e Matemática; (e) Educação,
Tecnologias e Comunicação; (f) Educação Ambiental e
Educação do Campo.
A linha de pesquisa Políticas Públicas e Gestão da
Educação está organizada no Núcleo de Políticas Públicas e
Gestão da Educação (NUPEGE) e é composta por
professores que lideram grupos de pesquisas, bem como
produzem livros, estudos e publicações em periódicos
nacionais e internacionais. Sua composição decorre de uma
trajetória histórica fincada nas questões da educação
brasileira, na história e planejarnento educacional, além de
temáticas de financiamento público, gestão, avaliação
institucional e educação profissional e tecnológica, que têm
sido objctos de pesquisas, estudos, produções e publicações.
A finalidade dessa linha de pesquisa é contribuir para a
formação de gestores para atuar na educação no âmbito
federal, estadual, distrital e municipal, e de docentes para
trabalhar na educação básica e superior. Também se preocupa
em formar profissionais que saibam reconhecer modelos e
estilos de gestão, bem como propor, interpretar, analisar e
participar nos encaminhamentos e decisões de formulação,

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implementação e avaliação de políticas públicas, projetos e
programas nas diferentes instâncias governamentais.
Com o intuito de fortalecer o PPGE/UnB, a linha de
pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação busca
assumir e produzir outras interpretações das políticas públicas
propostas e desenvolvidas para a educação no país. Esses
objetivos se tornaram imperativos, tanto em face das
necessidades de desenvolvimento econômico e tecnológico do
país, quanto no que diz respeito à urgência de mais cidadania e
justiça social.
Em suma, a coleção Políticas Públicas de Educação
constitui parte do esforço dos pesquisadores do PPGE/UnB
em debater e aprofundar a reflexão, de modo que ofereça
aos professores, gestores, diretores, estudantes,
formuladores e executores de políticas, subsídios e
indicações que possam ser relevantes para tomada de
decisões e elaboração de políticas educacionais nos anos
vindouros.

Prof. Dr. Célio da Cunha


Prof. Dr. José Vieira de Sousa
Profa. Dra. Maria Abádia da Silva
Organizadores
APRESENTAÇÃO

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formação acadêmica e profissional oferecida nas
universidades e faculdades vem exigindo revisões
e reformulações que agreguem novos elementos
do conhecimento científico e tecnológico, mas também
saberes e práticas que revelem princípios, valores éticos,
morais e experiências que valorizem os direitos humanos e
sociais. Das instituições públicas formadoras exige-se
desvencilharem-se de estruturas burocráticas e assumirem a
pesquisa e o ensino como eixos estruturantes da formação em
sintonia com as questões locais, regionais e globais em curso.
Para a universidade pública formar profissionais
qualificados afirma-se como um propósito inadiável diante de
velhos e novos problemas muito mais complexos e dificeis,
pois, nesse cenário, outros atores nacionais e internacionais
entram no jogo com força e capacidade de persuasão ímpar na
defesa dos interesses externos e supranacionais.
Desse modo, a interdependência entre países e, ao
mesmo tempo, a hierarquização entre eles na definição de
objetivos econômicos e estratégias tecnológicas trouxeram
para a pesquisa científico-tecnológica e a formação
profissional outros temas e novas questões que emergiram em
decorrência dos acordos, protocolos e das relações
diplomáticas entre os

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Apresentação |2
governos. Em que pese ser de maneira diferente, o
Ministério da Educação (MEC) acompanha e às vezes
participa desses acordos e protocolos que resultam cm
decisões e proposições que reverberam nos sistemas de
ensino, nas escolas e nas universidades brasileiras.
Nesse sentido, as políticas sociais resultam de um
conjunto de ações e decisões intencionais e institucionais,
explícitas e implícitas, decorrentes dos confrontos, disputas e
negociações entre, de um lado, governos, ministérios, partidos
políticos, organismos multilaterais, empresários, igrejas e, de
outro, na sociedade civil, associações científicas, sindicatos,
entidades e movimentos sociais num embate constante de
projetos nacionais que buscam reequilibrar as tensões e
diminuir as desigualdades sociais, locais e regionais. As
políticas sociais resultam, ainda, das escolhas e prioridades do
poder público para atender demandas coletivas e setoriais.
Essas políticas chegam às escolas públicas em todo o
país materializadas em ações do Estado brasileiro em
programas, planos, projetos, legislação e avaliações que têm
a finalidade de imprimir no sistema de ensino estratégias,
objetivos, metas e indicadores a serem alcançados e
executados pelas escolas e pelos professores e estudantes,
ainda que não tenham sido decididos por eles. E, para
contribuir nesse debate, pesquisadores e estudantes da linha
de pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da
Universidade de Brasília (UnB), realizaram em dezembro de
2012 a 3 a edição do Fórum de Políticas Públicas em
Educação com o tema "A política das políticas públicas de
gestão, formação e carreira docente", com a finalidade de

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Apresentação |3
fomentar o debate, ampliar visões, bem como concepções, e
construir propostas. O movimento constante das ações
governamentais e as dificuldades de articulação destas ações
com estados e municípios colocam para os estudiosos a
necessidade de problematizar concepções de gestão, projetos
pedagógicos, formas de participação nos colegiados, definição e
utilização dos recursos financeiros, assim como as limitações e
os vínculos institucionais entre redes de ensino e as
universidades públicas na formação docente.
Desse modo, esta coletânea resulta de pesquisas e reflexões
sobre as políticas para a educação básica e sobre as formas de
atuação intelectual e financeira dos organismos multilaterais,
além das experiências de gestão no sistema de ensino e nas
escolas públicas decorrentes de decisões políticas. O
posicionamento crítico e o rigor acadêmico são marcas que
unem as análises dos autores entorno das pendências, limitações,
contradições e distorções na educação básica pública que, em
2013, contou com 42 milhões de matriculados.
Partimos da visão crítica de José Carlos Libâneo no artigo
"Internacionalização das políticas educacionais: elementos para uma
análise pedagógica de orientações curriculares para o ensino
fundamental e de propostas para a escola pública", em que propõe
uma análise pedagógica das orientações curriculares para o ensino
fundamental e das propostas para a escola, no Brasil, tendo como
referência as políticas educacionais formuladas por organismos
multilaterais para países emergentes (Banco Mundial, Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura —
UNESCO, entre outros), principalmente desde os anos de 1990,
focalizando mais diretamente as implicações pedagógico-didáticas
dessas orientações nas concepções e formas de frncionamento das
escolas. Apresenta os caminhos da internacionalização das políticas
educacionais e pergunta: como se dá a influência das políticas

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Apresentação |4
educacionais formuladas por organismos internacionais nas políticas
para a escola? Em que grau tais políticas atuam no empobrecimento
da escola e nos baixos índices de desempenh0 dos alunos? Como
afetam o funcionamento interno das
escolas e o trabalho pedagógico-didático dos professores? É
possível supor que a visão da educação restrita à solução de
problemas sociais e econômicos compromete o papel da escola
em relação a seus objetivos prioritários de ensinar conteúdos e
promover o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos
alunos? Que tipo de inclusão social vem sendo propiciada
pelos programas do governo desde a adoção das orientações
curriculares dos organismos multilaterais?
Prosseguimos, então, com reflexões sobre "Dimensões da
política do Banco Mundial para a educação básica pública", em
que Maria Abádia da Silva evidencia mudanças geopolíticas e a
interdependência entre os governos; problematiza a relação do
Banco Mundial com o Estado brasileiro, destacando sua atuação
política, intelectual e financeira nas decisões de políticas para a
educação básica entre 1996 e 2010; por último, mostra como as
políticas capitaneadas pelos diretores, consultores e técnicos do
Banco Mundial, com o consentimento do governo federal e de
parte dos governadores estaduais, são traduzidas em legislação,
projetos e programas de modo que pareçam uma necessidade
local, do sistema de ensino e da escola pública.
Nessa mesma linha de reflexão, o artigo "A cooperação
do Banco Mundial à educação brasileira: incongruências,
contrassensos e custos de uma inócua parceria internacional",
mais uma vez, Marília Fonseca analisa o significado da
cooperação técnica e financeira do Banco Mundial à
educaçã0 brasileira no período 1970-1990. Demonstra como
a cooperação se materializou nas escolas por meio do

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Apresentação |5
financiamento de sucessivos projetos e os seus efeitos sobre
o desempenho da educação básica e os custos decorrentes. O
processo de cooperação apresentou efeitos pouco
significativos para a qualidade da educação básica, ao
mesmo tempo em que os acordoS financeiros oneraram o país
com o pagamento de juros e taxas'
em contradição com os princípios humanitários do Banco,
voltados para a diminuição da pobreza.
E para evidenciar os ajustes na educação básica no texto
"Políticas para a educação básica no Brasil e as trilhas incertas da
justiça social", Eliza Bartolozzi Ferreira analisa o movimento de
democratização e modernização desenvolvido após a ditadura
militar no Brasil, identificando suas características assentadas nas
políticas de descentralização e de privatização da educação. Após
um conjunto de reformas que imprimiram novas formas de
regulação, as quais fortaleceram o poder privado, cresceu a
participação do terceiro setor e de instâncias privadas da sociedade
no planejamento e execução de políticas em favor do atendimento
ao direito à educação. As po líticas educacionais atualmente
implantadas revelam fortes antagonismos que ferem a trajetória da
escola em direção a alguns princípios basilares de justiça social: a
igualdade de acesso e de permanência a todas as crianças, jovens e
adultos na formação básica.
Prosseguimos com o artigo de Regina Tereza Cestari de
Oliveira, "O Plano de Ações Articuladas (PAR) e a qualidade
da educação básica", em que a autora busca compreender como
o conceito de qualidade se configura no Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), uma das principais
políticas de regulação para a educação básica no Governo Luiz
Inácio Lula da Silva (2007-2010), e indaga sobre a
contribuição do PAR, instrumento de planejamento estratégico

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Apresentação |6
integrante do PDE, para a melhoria da qualidade desse nível de
ensino, no contexto das relações federativas. Para tanto,
apresenta dados relativos às pesquisas desenvolvidas,
principalmente, em municípios sul-mato-grossenses.
Desse modo, o financiamento da educação básica ainda
caminha com distorções e travas. E o que revela o estudo
exploratório "Cidadania, gestão democrática e controle social:
os CACS no FUNDEF e no em que Wellington Ferreira de
Jesus exannina o papel dos conselhos gestores como
mecanisrnos efetivos que possibilitam o exercício da cidadania e
a participação do controle social na fiscalização e alocação dos
recursos públicos, destacadamente no caso dos Conselhos de
Acompanhamento e Controle Social (CACS) do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF) e do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Tendo
por referência os documentos oficiais, bem como a legislação
pertinente, o trabalho faz uma análise histórica, contextualizando
os limites e possibilidades dos Conselhos, e aponta para um
momento significativo na passagem do FUNDEF ao FUNDEB,
em que a participação da sociedade civil organizada e o conjunto
de estudos e pesquisas contribuíram decisivamente para uma
nova organização do FUNDEB e, por extensão, dos CACS.
Conclui pela necessidade de aprimoramento dessa experiência
singular no campo da educação básica pública.
Com centralidade nas políticas de gestão, Carolina
Soares Mendes, no texto "Três paradigmas de gestão escolar
em questão: o Distrito Federal entre 1995 e 2010", analisa a
materialização da gestão escolar na escolha de diretores, no
conselho escolar, no projeto político-pedagógico e na

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Apresentação |7
descentralização administrativa e financeira. A análise
aponta regulações, contradições, continuidades e
descontinuidades na alternância de paradigmas mais
democráticos e mais hierárquicos e autoritários no Distrito
Federal.
Prosseguimos com as limitações financeiras analisadas pelos
autores Antônio Cabral Neto e Gilmar Barbosa Guedes no texto
"Gestão financeira descentralizada: a experiência da Caixa Escolar
em Natal, RN", no qual trazem a organização e o funcionamento
da Caixa Escolar em escolas estaduais da

capital do Rio Grande Norte. Os mecanismos de descentralização


financeira, por meio da Caixa Escolar, estão em desenvolvimento no
cenário das escolas púbicas estaduais do município de Natal. No
entanto, os processos em andamento nas escolas são, ainda, eivados
de limitações que dificultam a concretização de uma gestão
financeira com características democráticas, porque os
procedimentos adotados tanto na constituição da Caixa Escolar
quanto na sua implementação são marcados por fragilidades que
precisam ser superadas. Assim, há ainda muito a se fazer para que se
implante nas escolas públicas uma gestão financeira democrática —
concedendo maior autonomia às escolas para que possam conceber e
executar a sua proposta orçamentária — e a destinação, pelo poder
público, de recursos suficientes para o funcionamento adequado
dessas instituições, condição indispensável para a construção de
níveis de qualidade que sejam aceitáveis no atual momento.
Em seguida focalizamos as políticas de formação de
professores. Com firmeza, Salete Flôres Castanheira problematiza a
"Fonnação de professores: do direito à educação ao direito à
aprendizagem", tendo como objeto de reflexão as questões: (i)
formação inicial de professores: a profissionalidade, cujo objetivo
é refletir sobre a formação docente para os anos iniciais do ensino
fundamental, ou seja, os cursos de licenciatura em pedagogia; (ii)

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Apresentação |8
perspectivas deformação de professores: profissionalização e
profissionalismo, que pensa criticamente sobre as perspectivas de
formação inicial e continuada de professores; (iii) políticas de
formação docente do governo federal, que reflete, à luz da Política
Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação
Básica (decreto n. 6.755, de 29 de janeiro de 2009), sobre o Plano
Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica
(PARFOR, 2009) e, em frnção deles, sobre o redimensionamento da
Rede Nacional de Formação Continuada de Profissionais da
Educação Básica (2011).
Adicionamos o texto "Profissionalidadc da educação
infantil: representações de professores do segmento", dos
autores Ive Brasil e Afonso Galvão, que investigam as
representações sociais de professores da educação infantil sobre
profissionalidade neste segmento. Dezessete participantes,
professores de escolas particulares e públicas, com experiência
profissional variando entre 2 e 20 anos, foram entrevistados em
profundidade por meio de entrevista semiestruturada. Os
resultados sugerem a educação infantil como um segmento
esquecido nos currículos de pedagogia. Vê-se esta atividade
como uma profissão menor, feminina e de baixo status social.
As representações nucleares de profissionalidade estão mais
vinculadas a noções narcisistas, como valorização,
reconhecimento, prestígio, status. Dimensões mais profundas
como conhecimentos e competências do professor, bem como a
dimensão moral da profissão, foram deixadas de lado pelos
participantes.
Então, se nas aparências a educação rural parece
desaparecer, o texto de Elizeu Clementino de Souza e Fábio
Josué Souza dos Santos, "Educação rural e multisseriação:
rompendo silêncios e indicando horizontes", discute questões
sócio-históricas sobre a educação rural no Brasil, ao destacar

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Apresentação |9
avanços e recuos sobre a educação rural/do campo, bem como ao
problematizar aspectos sobre a multisseriação, por considerar
sua expressividade tanto numérica quanto pedagógica no sistema
educacional brasileiro, tomando como referências estado da arte
sobre educação rural/do campo e pesquisas desenvolvidas nos
programas de pós-graduação sobre a temática da multisseriação.
Os autores buscam discutir questões históricas sobre a educação
rural, com ênfase na organização e no trabalho pedagógico nas
classes multisseriadas, ao destacarem alguns horizontes teórico-
metodológicos e pedagógicos para o trabalho docente em classes
multisseriadas.
O livro traz contribuições para aqueles que acreditam na
educação e buscam sustentação para seus argumentos e
propostas voltadas para a ampliação dos direitos humanos e
sociais, do direito a ter direitos. Mais ainda, congrega múltiplas
interpretações e visões, discutindo a política de gestão da
educação, a atuação intelectual e financeira do Banco Mundial,
a internacionalização da política educacional, currículos e
práticas pedagógicas, além de formação docente.
Certamente são contribuições e concepções que inspiram e
desafiam os leitores a outros estudos, afinal nosso objetivo está
em instigar novas pesquisas e estudos que apresentem
alternativas para uma educação pública de e com qualidade
social ao alcance de todos neste imenso país. Este é o nosso
convite ao leitor.

Profa. Dra. Maria Abádia da Silva


Prof. Dr. Célio da Cunha
Organizadores

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dapolítica do Banco Mundialpara a educação | 10
DIMENSÕES DA POLÍTICA DO BANco MUNDIAL PARA A
EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA

MARIA ABÁDIA DA SILVA


Universidade de Brasília

Introdução
As experiências com pesquisa em educação básica
sinalizam que parte das questões sociais e educacionais
nacionais não podem ser isoladas de outros fatores que ocorrem
para além das fronteiras do país. Com esse entendimento, assim
como outros estudiosos, sustento que as políticas educacionais,
ainda que sejam discutidas no âmbito local, regional e nacional,
cada vez mais estão impregnadas das proposituras, ações e
decisões do comércio internacional associadas a uma parcela
das oligarquias urbanas locais (BALL, 2004; VIÑAO, 2002;
FELDFEBER, 2009; LEHER, 1998; BARROSO, 2006).
Com essa compreensão, este artigo problematiza as seguintes
situações: como explicar os interesses do setor privado empresarial
pela educação brasileira? Como os empresários, bancos e
organizações multilaterais tomam a educação básica
transformando-a num espaço de atividades rentáveis e lucrativas?

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política do Banco a educação | 11
Como e quais foram as políticas do Banco Mundial que,
legitimadas pela anuência do governo federal e de parte dos
governos estaduais, entranharam-se nos sistemas de ensino e
nas escolas brasileiras? Como se apresentam as novas
combinações de financiamento, fornecimento e regulação da
educação básica pública?
Conhecendo a amplitude do tema, apresento um recorte
com três objetivos: no primeiro, busco circunstanciar algumas
mudanças geopolíticas e a interdependência entre os governos;
no segundo, problematizar a relação do Banco Mundial com o
Estado brasileiro, destacando sua atuação política, intelectual e
financeira nas decisões de políticas para a educação básica
entre 1996 e 2010; e, no terceiro, abordo como as políticas
capitaneadas pelos diretores, consultores e técnicos do Banco
Mundial, com o consentimento do governo federal e de parte
dos governadores estaduais, são traduzidas em legislação,
projetos e programas de modo que pareça uma necessidade
local, do sistema de ensino e da escola pública. Passemos,
então, de forma breve, ao movimento geopolítico internacional.

Acordos e mudanças geopolíticas confirmam a


interdependência entre os países
Marcas históricas revelam como se entrelaçam os
interesses das empresas transnacionais e banqueiros com as
decisões do setor privado nacional, de modo que propósitos
econômicos sobrepõem às questões sociais. Também os ciclos
de crise afetam todos os países de diferentes maneiras e, nesse
movimento, arrastam populações inteiras, aniquilam culturas,
valores, alteram as relações sociais, acelerados pelas
tecnologias de informação e comunicação (TIC) e pela
circulaçã0 global de pessoas. Por mais que se faça profissão de
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política do Banco a educação | 12
fé na autodeterminação dos povos, estamos entrelaçados nas
disputas internacionais, agravadas pela interdependência
mútua. De tal sorte que na dinâmica da macropolítica
internacional as relações entre o Banco Mundial e o Brasil se
entrelaçam e, em cada fase, os diretores, consultores e técnicos
executivos mudam sua atuação. Nesse sentido, para
circunstanciar o complexo movimento histórico, apresento as
fases a seguir com a finalidade de caracterizar cada uma delas e
contribuir para a reflexão.
A I a fase, de 1944 a 1968 - surgiu logo após a 2 a Guerra
Mundial, quando os acordos e tratados foram propostos para a
reconstrução das economias arrasadas dos países devastados.
Naquela ocasião, a promessa de paz e a desilusão nas negociações
entre os Estados fez surgirem outras instituições supranacionais
com proposições políticas, dentre as quais se destacam:
Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência a Cultura
(UNESCO); Banco Mundial (BM); Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID); e Organização dos Estados Americanos
(OEA). Nessa fase, as relações baseavam-se no auxílio técnico e
financeiro aos govemos com dificuldades e baixo nível de
escolarização obrigatória. A atuação ocorria por causa de
empréstimos para projetos de infraestrutura em geral. Nesse
período as formas de intervenção das instituições apresentavam-se
como cooperação e ajuda técnica e ocorriam por meio de projetos e
empréstimos financeiros e, depois de árduas negociações, exigia-se
dos países a adoção de medidas para aliviar a pobreza, combater o
analfabetismo e formar técnicos. Nesse ínterim, os baixos níveis de
educação escolar e de formação profissional apresentados foram
vistos como impedimentos para o crescimento econômico e a
competitividade entre os países. Diante disso, na Carta de Punta del
Este, os governos firmaram a intenção de elevar a educação
obrigatória dos países envolvidos e assim justificavam os
empréstimos em instituições multilaterais.
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política do Banco a educação | 13
A 20 fase, de 1968 a 1985 — emergiu com o
estabelecimento da racionalidade técnica com princípio
indutor das políticas entre os Estados e nas relações
comerciais. Foram décadas de governos civil-militares,
quando os empréstimos eram consignados a projetos
aprovados nos ciclos de negociações propostos pelos
consultores e técnicos do Banco Mundial e do Fundo
Monetário, ávidos por captar dos mutuários juros
exorbitantes em troca de modificações na política da
educação básica e superior. Margareth Tatcher, a partir de
1979, na Inglaterra; Ronald Reagan, nos Estados Unidos, a
partir de 1980; e Helmut Kohl, na Alemanha, desde 1982,
organizaram um tripé: desregulação, privatização e
liberalização comercial que, depois, foi refinado nas
propostas das organizações multilaterais e, na prática,
transformou-se no núcleo duro de formulação do
pensamento político dos governos da América Latina e das
instituições financeiras de créditos (FIORI & TAVARES,
1998). Estava em jogo um modelo desenvolvimento
capitalista fordista que travava as medidas para um
crescimento de livre mercado.
Nesse entremeio, o diagnóstico econômico evidenciava
mais um ciclo de crise: aumento de gastos públicos
governamentais, inflação, desemprego, crescimento e
expansão das políticas sociais de saúde, educação,
habitação e previdência social. Esse contexto exigia do
poder público medidas como: desregulamentação,
privatização, desnacionalização, liberalização,
competitividade na economia, estabilidade e redução do
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política do Banco a educação | 14
sistema de proteção social. E, como estratégia ordem
capitalis a para superar a crise, os governos propuseram as
reformas do Estado e da educação - esta fundada na
competitividade, nos imperativos financeiros e na equidade
que foram implementadas em ritmos diferente s e de distintas
maneiras nos países da América Latina (CARNOY' 2002).

Já 3ª fase, de 1989 a 1997 —floresceu a partir da reunião


do Consenso de Washington (1989), quando os governos
neoconservadores propugnaram um Estado capaz de propor
clonar a segurança para o mercado livre e ao mesmo tempo
capaz de, nas crises, frear os descontroles e, nos momentos
estáveis, induzir mudanças nas relações com as instituições
sociais e jurídicas dos países. Os anos de 1990 implodiram o
Estado -desenvolvimentista e desestruturaram o Estado de bem-
estar social, abrindo condlções materiais para a proeminência do
Estado -capitalista neoliberal reequacionando as relações de
poder
No Estado desenvolvimentista, as funções clássicas de
financiamento público da saúde e educação foram atacadas
pelos neoliberais, sob cuja ótica estavam ultrapassadas. Mas
exigia-se do Estado salvar os mercados, banqueiros e
investidores diante dos sucessivos ciclos de crises do capital.
Nesse entremeio sucederam debates, tensões e ações, numa
luta de concepções entre a) aqueles que defendiam um papel
minimalista para o Estado e a liberalização do mercado; b)
outros que acreditavam que o Estado se tornara mínimo para as
questões sociais, encurtando algumas de suas funções; c)
outros ainda que, depois da criação das agências reguladoras e
da ampliação das parcerias público-privadas, tinham a
sensação de enxugamento do Estado; e d) aqueles que
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política do Banco a educação | 15
acreditavam que o Estado sempre foi o Estado capitalista, de
classes (POLANYI, 2012; FRIGOTTO, 1995, 1999).
No fundo, o que estava em jogo era instaurar um tipo de
modernização do Estado brasileiro, imprimindo às políticas
públicas um grau de racionalidade, produtividade e eficiência de
modo que ocupassem os espaços da saúde e educação para
ampliação de atividades mercantis. Nesse jogo, governabilidade
significava, na educação, decisões distantes da população,
centralidade do econômico sobre o social, fortalecimento das
oligarquias empresariais, negócios lucrativos e fusão de grupos
nacionais e transnacionais. Mais ainda, acordos e protocolos
assinados pelos governos levaram ao fortalecimento da
interdependência entre os Estados membros, numa combinação e
concentração de forças financeiras, econômicas e tecnológicas
em que os países do grupo G-8 lideram as decisões.
O princípio da modernização do Estado seduzia os
governos e o setor privado. Os sinais evidenciavam
possibilidades comerciais lucrativas tanto para os investidores
do exterior quanto para os empresários brasileiros, tamanha era
a expectativa de comercializar produtos e objetos em mercados
competitivos. Tanto os governos quanto os homens de negócios
tinham um fascínio por metas e resultados a todo custo. Se não
fôssemos competidores, tínhamos que parecer competitivos!
Instabilidades trazem riscos e afugentam os investidores!
Contudo, no país não faltaram discursos de políticos e de
empresários falando do nosso atraso e, quase sempre,
apontando a baixa qualidade da educação pública em escolas e
universidades. Os empréstimos financeiros do Banco Mundial e
do Fundo Monetário, a subscrição aos acordos e protoco1os e a
condição de signatários de documentos de conferências
internacionais formaram as circunstâncias externas que,
associadas a uma longa dependência das elites (FERNANDES,
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política do Banco a educação | 16
2005), submeteram os governos a condicionalidades e a juros
exorbitantes. O impulso modernizador que vinha de fora era
considerável e juntou-se ao frenesi de empresários
conservadores que sobreviviam dos subsídios do Estado,
barganhavam moedas e, ao mesmo tempo, contrapunham-se à
expansão dos direitos sociais da Constituição Federal de 1988.
A 4a fase, de l 997 a 2010 - floresceu quando os sinais da
crise estrutural do capital puseram em alerta a economia dos
Estados Unidos e da União Europeia, empurrados pela
expansão das tecnologias e levados pelos processos de
globalização. Governos, empresários e banqueiros renderam-
se às promessas do mercado livre, mesmo tendo que recorrer
ao Estado para inibir os fracassos, riscos e crises gerados pelos
paladinos investidores e banqueiros. Os sinais de desacertos,
ascensão e queda da aposta no mercado surgiram na Coreia e
Tailândia, em 1997; na Rússia, em 1998; e no Brasil em 1999.
Nesse movimento houve um ciclo contínuo de crise
econômica. Nesse redemoinho, a política liderada pelos
Estados Unidos determinava a maneira como as economias
emergentes deveriam se organizar para recuperarem o
caminho de crescimento. Mesmo assim, tal crise arrastou os
países emergentes colocando-os em situação de
vulnerabilidade, exigindo redução de comprometimento
financeiro com as políticas sociais.
Sob muita resistência desde 2002, na reunião de governos
e ministros de Estado, em Seattle, capitaneada pela
Organização Mundial do Comércio (OMC), grupos
empresariais defenderam tornar a educação um negócio a ser
tratado pela lógica de consumo e de comercialização, portanto
um espaço de mercado competltivo. Esses senhores
propuseram tratar as escolas as de modo semelhante às
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política do Banco a educação | 17
empresas comerciais onde se realizam negócios lucrativos e
rentáveis. Desse modo, a OMC insistia para que governos
abrissem a educação para negócios comerciais, preconizando
metas, estratégias, objetivos, indicadores e resultados a serem
perseguidos pelos países, tornando-os competitivos
(SIQUEIRA, 2004).
O ciclo da crise avolumou-se nos Estados Unidos em 2008 e
nos países da União Europeia, em especial Grécia, Portugal e
Espanha, entre 2010 e 2011. Expertos, investidores e homens de
negócios das finanças dos Estados Unidos e da União Europeia
afirmavam a solidez do mercado. Mesmo assim, suas economias
desmoronaram. Isso demonstrou que "os mercados não são
neutros nem naturais; eles são social e politicamente construídos"
(BALL, 1995, p. 195). Esses senhores
haviam erguido "castelos de areia", pois empresas
transnacionais ocultaram sua realidade financeira ou fraudaram
dados contábeis (STIGLITZ, 2003; BALL, 2004) para surfar na
onda e vencer a crise. Suas práticas revelam o quanto não há
limites para o capital, nem éticos nem morais. E, para aliviar
suas crises internas, arrastaram consigo outros Estados e
populações inteiras, lançando-os ao desemprego, à perda de
direitos sociais e ao empobrecimento.
Todo esse movimento transnacional do capital contou com
o tripé desregulação, liberalização de mercados e privatização.
Isso significou a transferência de serviços como educação e
saúde para a gestão do setor privado e desestatização de alguns
setores, criando possibilidades de fusão de negócios, direção
esta priorizada durante a gestão de James Wolfensohn (1995-
2000 e 2000-2004) na presidência do BM.
Observa-se que existe um movimento orgânico, sistêmico
e insistente para se criar um mercado educacional e pari passu
uma
as empresas de DigitalizadocomCamScanner

dades, aproximando-as negócios.


política do Banco a educação | 18
redefinição da esfera pública. Se a educação de um direito
social passa a ser concebida como um lugar de comercio
modifica-se o ethos das -instituições escolares e universidades,
aproximando-as as empresas de negócios. Neste desiderato, o
que está em jogo são as novas formas e combinações de
financiamento, fornecimento e regulação da educação, pois
para os neoliberais a escola e a universidade funcionam com
dispendiosos recursos estatais, tarefa a ser corrigida. Formou-
se, então, um arco de interesses empresariais, de diretores,
consultores e técnicos das agências multilaterais e organizações
com disposição política para fazer florescer um mercad0
educacional com inúmeras possibilidades de negócios rentáveis
e lucrativos. No fundo, essas atividades emergem diante das
necessidades estruturais de reprodução do capital as quais
identificam na educação potencialidades de investiment0S'
consumo e renda. Nessa direção, a ampliação de ativida des como
educação a distância, a compra de faculdades privadas em
outros países, a abertura de subsedes em outro território, a
aplicação de recursos financeiros na bolsa de valores, a venda
de apostilas e vários serviços educacionais são alguns
exemPIOS do mercado educacional em expansão nos países
(DALE, 1995; BALL, 2004; OLIVEIRA, 2009).
A crescente utilização das TIC e acordos e protocolosl
internacionais aceleraram a reprodução do capital,
movimentando a interdependência dos Estados membros e as
relações entre povos, países e os negócios. Isso não significa
que as macropolíticas discutidas em outros ambientes tenham
sido transladadas de forma linear para os países membros.
Significa, sim, a presença e atuação de outros senhores de
negócios e forças políticas nos processos de escolha de
prioridades e decisões das instituições e dos governos. Se,
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política do Banco a educação | 19
antes, os embates e conflitos ocorriam dentro do país, com suas
forças locais, agora exige-se conhecer muito mais as estratégias
exógenas que interferem nas escolhas e prioridades políticas.
Tornou-se insuficiente conhecer as estatísticas educacionais,
por sinal, muito mais visíveis com a expansão das tecnologias.
Se, antes, os documentos, relatórios e estatísticas indlcavam o
quanto populações inteiras distantes dos direitos sociais, agora
as tecnologias e redes sociais explicitam as mazelas. Mas isso
não basta para enfrentar as estratégias dos empresários e
banqueiros ávidos por ransformar o direito a educação pública
em um espaço rentável e lucrativo E preciso também a)
conhecer as macropolíticas eleitas como prioridade pelos
senhores de negócios e discernir como elas são traduzidas nas
condições históricas, sociais e culturais dos países e dos

I Sobre os acordos e protocolos internacionais subscritos pelo governo brasileiro


ver Silva, 1999; Fonseca, 1995; Beech, 2008; Tommasi, Warde e Haddad,
1996; e Gentili, 1995.
grupos para onde foranl destinadas; e b) conhecer a disposição
dos etnpresários, provocando necessidades de consumo,
competitividade e oferta dc outros serviços na educação.
E nesse cenário de hegemonia dos Estados Unidos na
condução da política econômica e tecnológica e de supremacia
da União Europeia na tomada de decisões que se fortalece a
atuação do BIRD, da OMC e da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como
instituições a serviço da execução de um padrão universal de
políticas para a educação baseado em indicadores, resultados e
metas estipulados pelos seus expertos. Completam esse cenário
os grupos e lideranças dispostas a proteger e ampliar o capital
dentro e além de suas fronteiras, mesmo considerando a
interdependência dos Estados membros decorrente de acordos,
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política do Banco a educação | 20
tratados e protocolos assinados. Essas instituições têm estreitas
relações com os governos e agem como condutoras da política
a ser adotada em outros países, seja porque são membros e
estão sujeitos às decisões dos acordos, seja porque estão
condicionados a regras de algum empréstimo, ou ainda, por
causa da interdependência recíproca. Observe o trecho do
discurso de Jane Armitage, diretora para América Central do
Banco Mundial, em setembro de 2003, em El Salvador:

La Ilave para aumentar Ia productividad es comprender Ia


relación complementaria fundamental entre educación y
tecnología. Un mayor gasto en educación, por sí solo, no
constituye Ia respuesta, ni es tampoco Ia única solución. Lo que
importa es como se gastan 10s recursos, Es Ia calidad de Ia
educación y sus resultados Io que importa, ya que ellos
determinan su impacto, AI contribuir a Ia inversión cn el sector,
y al aumentar Ia disponibilidad de 10s recursos para
capacitación, el financiamiento del sector privado asegura una
coherencia entre esta capacitación y Ias necesidades del país. El
vinculo educación-empresa permite a 10s distintos sectores
estar atentos a 10s mercados en 10s que 10s educados
DúnensÕes básicapública encontraran 10s empleos nccesarios
para que el resultado sea una ganancia para todos. Es un circulo
virtuoso del cual todos se benefician, y que redunda en ese
crecimiento que el país requiere para su desarr01102.

O trecho carrega uma visão estreita de conexão linear enf


ter educação e trabalho e da crença de que todos se beneficiam
(no mercado de maneira Igual , escamoteando as perversas
distorções do capital que, para se reproduzir, utiliza os espaços
da cultura e educação de cada país})
Para atenuar tamanhos desequilíbrios, as políticas sociais
emergiram como instrumentos de reconhecimento da natureza
2 Disponível em: <http://www.worldbank.org/pt/country/brazil>. Acesso em:
fev. 2012,
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política do Banco a educação | 21
antissocial das políticas econômicas que estão ligadas ao
caráter privado da apropriação da riqueza e de bens pelas
elites. Sua característica antissocial realiza-se na subordinação
da produção social aos interesses do grande capital
(CORAGGIO 1996). Situadas num movimento histórico,
contraditório, plural e complexo as polítlcas educacionais
estão inseridas no cômputo as políticas sociais e resultam da
escolha de prioridades (i) de grupos que defendem interesses
internacionais, governos supranacionais, ministros de
educação e de planejamento e empresas transnacionais; (ii) de
grupos nacionais, empresários, igrejas e partidos políticos; e
(iii) da capacidade do movimento social, associações
científicas e sindicais de proporem e aprovarem suas
propostas e projetos na disputa. As políticas sociais resultam e
são traduzidas em atos, legislaÇõess, projetos; programas,
ações institucionais e intencionais;) explícitos-ou-
dissimulados;.com os quais os poderes públicos federal,
estadual e municipal — imprimem uma direção ao setor
educacional em diversos segmentos da sociedade civil.
Assim, as políticas para a educação básica pública refletem as
diferen
e par
do país') e estão sujeitas-a-interesses.múltiplos num
contraditóriojogo
de forças c religiosas
com
ossetores organizados; sempre em movimento e em
disputa.
Agora, cada vez mais, a tomada de decisões de políticas
públicas acontece em ambientes nacionais, tendo como
sujeitos governos, poder legislativo, ministérios, empresários,
sindicatos, igrejas, partidos políticos, associações científicas;
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política do Banco a educação | 22
e em ambientes internacionais tendo como sujeitos os bancos,
agências e organizações multilaterais, comitês de expertos,
cúpulas de chefes de Estado e ministros de educação. Desse
modo, as políticas públicas sociais não estão circunscritas à
ação governamental local e regional; antes, se constroem pela
escolha de prioridades dos diversos setores e forças nacionais
e internacionais (ANTUNES, 2005; BARROSO, 2006;
TEODORO, 2008) que participam na definição dessas
políticas que são, depois, traduzidas em programas, planos,
projetos e atividades entre os grupos que, de fato,
materializam a política pública.
Ainda nesse sentido, Barroso (2006) divide em três os
espaços de decisão e elenca os sujeitos envolvidos em cada
um deles: os espaços e ambientes formais, onde os grupos do
setor estatal realizam movimentos nacionais e transnacionais
entre os velhos e novos sujeitos; os espaços informais, nos
quais as instituições financeiras, comerciais e agências de
créditos, de posse de dados e indicadores estatísticos dos
Estados membros, passam a pressionar as negociações; e os
espaços da sociedade civil, em que os sujeitos e grupos
sociais locais, de forma heterogênea, participam e defendem
seus projetos durante a escolha de prioridades,
Os Estados membros cada vez mais estabelecem
relações políticas supranacionais, e estas trazem implicações
substantivas à educação. Tanto que existem diferentes formas
de se praticar a regulação, pois em cada país ou instituição os
modos como são produzidas e aplicadas as regras que
orientam a ação dos atores, institucionais e civis, e os modos
como esses atores se apropriam das disposições e as
transformam numa prática situacional, ativa, autônoma e

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política do Banco a educação | 23
produtora de valor real e simbólico transparecem na cultura
das instituições (idem; VIMO, 2002).

As propostas de educação do Banco Mundial


para o governo brasileiro

Anos de 1990 em diante...

Ainda que as propostas de livre mercado já circulassem nas


décadas de 1970 e 1980, foi dos anos de 1990 em diante que os
governos nacionais aderiram de forma sistêmica, intencional e
orgânica aos princípios neoliberais, propondo liberalização do
mercado, estímulo à competitividade de produtos e serviços,
viabilização da privatização e da desnacionalização, alterações na
relação entre o setor público e privado, descentralização e
recentralização, eficiência e produtividade dos setores sociais,
além da adesão às promessas de mercado livre. Essa posição veio
acompanhada de uma avalanche de críticas às clássicas funções do
Estado na oferta da educação pública (BRESSER PEREIRA &
SPINK, 1998) e de ataques às conquistas sociais dos trabalhadores
inscritas na Constituição Federal de 1988.
Nesse entremeio, houve um refinamento da política do
Banco Mundial para a educação a partir da Conferência Mundial
de Educação para Todos (1990), em Jomtien, Tailândia, quando
este priorizou as necessidades básicas de caprendizagens por
competências, distanciando-se dos demais participantes
(UNESCO, 1990, 1993 e 2001). O Banco Mundial passou a
direcionar as políticas para a educação básica, tecnológica e
superior num outro patamar. Naquele momento, para o BIRD,
necessidades básicas de aprendizagens significavam adquirir
atitudes e destrezas, instrumentalizar-se em competências e
habilidades e ensinar a buscar o conhecimento aos que
passassem pela escola. A aposta foi nas potencialidades e nos
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política do Banco a educação | 24
benefícios econômicos que a educação poderia gerar de duas
maneiras: (i) por sua abertura como mercadoria para o
mercado livre; e (ii) por pressões para abstrair dos Estados
membros a ampliação de espaço para crescimento dos
negócios privados na educação pública e, nesse ímpeto,
induzir processos de reestruturação institucional,
organizacional e administrativa, alterando assim o ethos das
instituições. No fundo, a lógica mercantil e a atomização do
mercado serviram para difundir outra concepção do que é
público e privado no âmbito da gestão pública, em especial na
escola e universidade públicas. A cortina transpassada pe1os
ajustes estruturais encobria a ideologia e os instrumentos
efetivos da reforma na educação, seja pela descentralização e
centralização, pela competitividade entre os sistemas de
ensino, seja pela supervisão e avaliação associadas à adoção
de metas e estratégias quanto ao fornecimento e
financiamento. A tônica era a modernização do Estado
brasileiro e a garantia da governabilidade. Nesse caso, tornou-
se comum afirmar os dispêndios elevados dos governos com a
educação pública, o que vinha acompanhado do discurso de
qualidade insuficiente para o mercado, do interesse do setor
privado em explorar comercialmente a educação pública e,
assim, modificar as esgarçadas relações entre o que é público e
privado, entre estados e governo federal nas questões de
políticas sociais.
Os arautos do neoliberalismo sustentaram os governos
neoconservadores de Margareth Thatcher, no Reino Unido, e
de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, com um projeto de
sociedade guiado pela crença política do mercado livre.
Nesta política internacional, o setor privado ocupa espaços novos
na educação (BALL, 2004), estreita as fronteiras entre o público
e o privado criando, assim, um mercado de negócios
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política do Banco a educação | 25
educacionais em que fornecimento e financiamento são tidos
como serviços não estatais. Nesse entremeio de negócios,
instituições como o Banco Mundial e a OCDE tiveram uma
atuação política, intelectual e financeira nas decisões de políticas
nacionais ao estabelecer as políticas de ajuste estrutural e planos
de estabilização amarrados aos empréstimos externos
(FONSECA, 1995; SILVA, 2002; CRUZ, 2005). No setor da
educação, no documento Educación primária (BANCO
MUNDIAL, 1992), os consultores e técnicos insistiam na
ineficiência do sistema, ausência de metas, improdutividade,
baixa qualidade, racionalização de recursos, descentralização,
excesso de centralidade e burocracia ineficiente (KUCZYNSKI
& WILLIAMSON, 2004). Em 1996, 0 documento Prioridades y
estrategias para Ia educación (BANCO MUNDIAL, 1996b)
enfatizou um diagnóstico e preconizou uma política de educação
específica para os países ao afirmar a necessidade de uma
estrutura burocrática e operacional para supervisionar e avaliar
os resultados dos empréstimos, exigindo rigoroso cumprimento
das condicionalidades, desembolso dos recursos do país e o
pagamento de juros, numa demonstração de subordinação das
políticas sociais aos objetivos econômicos voltados
prioritariamente para a expansão do consumo e da
competitividade e Além disso propunham os) (técmcos e
consultores doBanco Mundial que se adotasse flexibilidade no
fornecimento estímubà iniciativa"privada" pela provisão deste
serviço, medidas para obtereficiênciaünternae externa,
otimização deünsumos escolares e uniformizaçãode mecanismos
de avaliação de reni) dimento; resultados e desempenho das
instituições de ensino num conluio de interesses nacionais e
externos (ROBERTSON, 2012; FONSECA, 1995; CORAGGIO
& TORRES, 1997).
A aposta dos neoliberais foi no mercado livre
(WILLIAMSON, 1992) e em um Estado capitalista que
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política do Banco a educação | 26
cumprisse funções de regulação dirigidas para a
competitividade entre o setor privado e público e
viabilizasse as seguintes ações: liberalização dos mercados,
abertura do mercado aos bancos e empresas transnacionais,
remoção das restrições ao capital financeiro, eliminação das
barreiras protecionistas, livre circulação de mercadorias, de
serviços e do capital, estímulo à concorrência e
competitividade e eliminação dos monopólios estatais; um
pacote de ajuste e de estabilização negociado com os
governos que buscavam empréstimos externos decorrentes
da interdependência.
Outro documento, Education sector strategy (BANCO
MUNDIAL, 1999), utiliza os termos educação básica e
cliente para descrever as necessidades econômicas
internacionais e justificar uma aproximação direta entre
educação e mercado. Aponta "os três pilares de um bom
sistema de educação: acesso, qualidade e governança"
(idem, p. 48), além de criticar os governos que continuam a
financiar toda a educação pública, por dificultarem a
escolha das famílias e inibirem a expansão da oferta
privada.
No horizonte, as premissas neoliberais, associadas à
circulação da ideologia da globalização, edificam os
fundamentos da nova ordem capitalista, reerguida sobre a
expansão das TIC e do Estado capitalista capaz de proteger e
amparar o capital — por certo, com implicações e domínio
sobre os países e governos consubstanciados nos tratados,
acordos e protocolos assinados no calor dos anos de 1990 em
diante. De fato, a supremacia do mercado livre capitaneada
pelo Banco Mundial representa uma "estrutura material da
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política do Banco a educação | 27
ideologia da globalização com a função me iadora de organizar
e difundir a concepção de mundoAUe os senhores do mundo
querem consolidar e reproduzir, neste contexto decrise
estrutural" (LEHER, 1999, p. 17).
da Mindia/para básicapública

O Banco atuou como condutor político e intelectual nas


decisões de políticas para a educação dos países mediante
controle de crescimento demográfico, racionalização de
recursos, adoção da lógica das empresas para as escolas, com
critérios de qualidade, eficiência e eficácia transpostos para
instituições de ensino (BANCO MUNDIAL, 1980, 1992,
1996b, 1999). Nessa empreitada os governos federal, estaduais
e empresários, juntos, aceitaram e criaram estratégias de ação
local.
No entanto são muitos os fracassos da política do Banco
Mundial para a educação apontados (BARROSO, 2006;
ROBERTSON, 2012; FONSECA, 1995). Mesmo assim, o
documento Education sector strategy [Estratégia para o setor
educacional] (BANCO MUNDIAL, 1999, pp. 28-29) recolocou
as premissas para a educação: setor privado mais eficiente que
o público, possibilidades de escolhas para as famílias além do
setor público e vantagens de abertura e abastecimento do
mercado com o sistema de voucher para estudantes pobres.
Mais uma vez a tônica foi a expansão do setor privado. Não se
tratava de medidas pontuais (pagamento de matrícula, cobrança
de mensalidade e cobrança de taxas internas), agora estava em
marcha a edificação de um mercado de comercialização de
serviços educacionais. Tratava-se de fixaroutro paradigma;
cabrir e ornar a educação um setor competitivo, denegócios!
Para se reposicionar frente aos governos que ainda esta vam
presos às reivindicações sociais, o Grupo Banco Mundial se
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pronunciou por meio do documento Estratégia para o setor
educacional de forma prescritiva e imperativa. Não hou ve rodeios.
Reafirmou a estratégia de tornar a educação um espaço para
investimentos privados com fins comerciais. Retomou a crítica de
que os governos continuavam financiando toda a educação pública e
insistiu nos vouchers, na utilização das tecnologias no ensino e no
treinamento de professores. Prescreveu onde os governos devem
agir: na adoção de padrões e indicadores universais a serem
alcançados, incluindo avaliação e currículo, na gestão e
descentralização, abrangendo os resultados e desempenho, e na
diversificação das fontes de oferta e financiamento, abarcando
outros provedores e parcerias,
Note-se que outra instituição privada do Grupo Banco
Mundial, a Internacional Finance Corporation (IFC), fundada
em 1956, assumiu a tarefa de facilitar a implementação das
parcerias público-privadas nas relações entre os governos e os
empresários a fim de ampliar o comércio da educação e
potencializar estes negócios (ROBERTSON, 2012; BALL,
2004; OLIVEIRA, 2009). Nessa senda, os jornais e revistas
divulgaram e valorizaram a presença e atuação dos grupos
internacionais (ROSENBURG, 2002) que disputavam a
educação pública como um espaço de lucros, justamente num
momento de crescimento do número de matrículas na educação
básica e superior.
Observa-se que da década de 2000 em diante houve
mudanças substantivas nas funções do Estado, como (i) o fim
da exclusividade de prestação de serviços educacionais e
consequente surgimento de prestadores públicos, privados,
voluntários e parcerias; e (ii) o aparecimento do modelo de
parcerias público-privadas, tidas como alternativas rápidas para
viabilizar e expandir infraestrutura, construções de escolas,
compra de equipamentos tecnológicos e laboratoriais, aquisição
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política do Banco a educação | 29
de serviços de terceiros, enfim, práticas e ações privadas dentro
do espaço público numa quase dissolução de suas fronteiras.
Tais mudanças estavam inseridas no movimento internacional
de empresas transnacionais e do capital em busca de
consumidores permanentes e competitivos. Empresários do
setor privado de educação e do setor das TIC pressionaram para
a abertura de mercado, exigindo participação no fornecimento
de serviços que, antes, eram exclusivos do Estado.

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política do Banco Mundialpara a educação básica pública | 30
da básicapública

Então, para disputar o mercado apresentaram-se diversos


grupos: editoras, bancos privados, redes de escolas privadas —
como Cursos Oswaldo Cruz (COC), Grupo Objetivo, Positivo e
Grupo Pitágoras, Instituto Airton Senna, além dos grupos de
consultoria — como a R R. Souza consultores, do ex-ministro da
Educação; a Lobo & Associados, do ex-reitor da Universidade de
São Paulo, Roberto Leal Lobo; a CMconsultores; a Hoper
Consultoria; Anhanguera Educacional; Kroton Educacional;
Estácio de Sá; e Apollo Internacional que formam um quase
mercado no fornecimento da educação no país com fins
lucrativos (OLIVEIRA, 2009).
Observe o trecho do discurso de James Wolfensohn,
presidente do Banco Mundial, proferido na Assembleia de
Governadores em 28 de setembro de 1999:

Nosso objetivo é bem simples: juntar os aspectos social e estrutural


do desenvolvimento ao marco econômico e financeiro para
estabelecer uma estratégia mais equilibrada e eficaz. Reunir os
agentes para alavancar nossas atividades. Trabalhar com toda a
comunidade do desenvolvimento: Nações Unidas, União Europeia,
bancos de desenvolvimento bilaterais e regionais, sociedade civil e
setor privado para construir uma nova geração de parcerias
genuínas [WOLFENSOHN, 1999, p. 7].

De fato, ocorreram mudanças nas relações a) do governo


federal e parte dos estaduais com os diretores e consultores do
Grupo Banco Mundial; b) do governo federal com governadores e
prefeitos; e c) do governo federal e os empresários dos setores de
educação e da tecnologia, visto que um setor não anda sozinho,
arrasta outros setores da economia. E, para redirecionar a política, o
grupo do Banco Mundial estabeleceu a abertura de espaços nos

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 31
países para o pouso de empresários ligados à educação e reafirmou
as premissas neoliberais: abrir e tomar a educação um espaço para
negócios lucrativos e, para
tanto, qualificando a atuação política c intelectual dos seus
diretores e consultores:

nos acordos econônnicos exigindo dos governos federal e


estaduais abrir e tornar a educação pública um espaço para negócios
lucrativos; nas negociações com os países que estão amarrados na
dívida externa estabelecendo cláusulas contratuais pétreas e
sigilosas; e além disso subestimam a capacidade do interlocutor de
colocar em termos técnicos suas propostas, alinhadas com o rigor
do banco; nos acordos para empréstimos estabelecem que o país
devedor utilize os seus recursos primeiro, para depois, submeter à
fiscalização dos técnicos e consultores do Banco. Em seguida
aguardar a avaliação dos diretores para a liberação da parcela
solicitada, sujeitando-se ao calendário;
- nas reuniões para negociar com os governos as
condicionalidades, quesitos estabelecidos nos empréstimos:
pagamento de juros, prestação de contas, relatórios de dados,
divulgação e acesso aos dados estatísticos educacionais;
- na composição de grupos de consultores e técnicos na própria
estrutura do ministério da Educação ou nas autarquias estatais para
analisar e definir programas e projetos;
- nas práticas e defesas de projetos subsidiando políticos,
governadores, ministros e secretários para aderirem aos
empréstimos externos como única alternativa para reformas
estruturais e governabilidade do país.

Como a política do Banco Mundial vem sendo


traduzida na educação?

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 32
Se havia evidências do fracasso das políticas do Banco
Mundial para a educação nos países que fizeram os ajustes
estruturais, como explicar sua contínua atuação nas decisões
nacionais? Como as proposituras políticas do BM traduzidas
em programas e projetos nacionais são encobertas na estrutura dos
sistemas de ensino e escolas? Em que medida as combinações de
financiamento e fornecimelhto da educação básica têm convergência
com os interesses de empresários e do BM?
Em 1995 um ato sinalizador da aproximação dessas relações foi
a concordância do governo com as políticas internacionais. Fernando
Henrique Cardoso criou o Ministério da Administração e Reforma do
Estado (MARE) e nomeou como seu titular Luís Carlos Bresser
Pereira, com a tarefa de disciplinar, reestruturar e implementar outro
padrão de gerenciamento e estimular o setor privado a ponto de
instituir o setor de serviços não exclusivos do Estado, entre os quais a
educação pública. Já se antevia, dessa forma, desenvolver novas
políticas de governança, regulamentação, descentralização,
desnacionalização e desestatização, além de reforma na educação
com a finalidade de minimizar o investimento público e ampliar o
setor privado nacional e internacional.
Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-
1998 e 1999-2002) ocorreu um confronto direto entre dois projetos de
sociedade, de educação e de políticas sociais. As forças internacionais
— banqueiros, empresários, diretores e consultores —, governo
federal, parte dos governadores estaduais e parte das elites
empresariais nacionais assumiram 0 propósito de estreitar os
interesses sobre o mercado educacional lucrativo. Tamanha foi a
investida que, num curto espaço de tempo, reapareceram grupos
partidários defensores da liberdade de mercado e competitividade no
ensino; e outros grupos, heterogêneos e muito plurais, levantaram-se
para reafirmar a educação pública, gratuita e laica como um direito
humano e social inalienável e de financiamento do Estado. Era o
recomeço da luta!

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 33
Na presidência do país, Fernando Henrique Cardoso (1995-
1998) estreitou as relações com o Banco Mundial e adotou a
prática de governar por medidas provisórias e decretos.
Convicto da proposta de um Estado gerencial e racional com
capacidade para imprimir eficiência aos serviços e promover
eficácia nos gastos públicos (MARTINS, 2011; PINTO,
2002), fixou as bases do governo nas obras: Mãos à obra
Brasil (CARDOSO, s/d) e Avança Brasil (CARDOSO,
1998). Antes, em 1994, aprovou medida que retirou
compulsoriamente 20% dos recursos da educação —
Desvinculação de Recursos da União (DRU) — para serem
utilizados nas prioridades eleitas pelo governo federal. Essa
medida foi prorrogada pelas emendas constitucionais n.
10/1996, 17/1997 e 27/2000, de tal maneira que o governo
se desobrigava do financiamento público para educação e, ao
mesmo tempo, acenava o padrão privado como modelo. Essa
redução de recursos para educação permitia outras parcerias
e foi revogada somente mais tarde, com a aprovação da
emenda constitucional n. 59, em 2009,
Outro sinal concreto de inclinação neoliberal foi o
endurecimento político do governo federal ao vetar cinco
artigos do PNE 2001-2010, referentes ao financiamento
público. Esta posição revela a convergência com as premissas
do Banco Mundial (1996 e 1999) de manter um rigoroso
controle sobre a gestão dos créditos e empréstimos e criar
mecanismos institucionais para calcular a eficiência
educacional com vistas ao financiamento, à diversificação das
fontes de financiamento, ao estímulo ao setor privado, à

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 34
hierarquização e à reclassificação das instituições de ensino
no país.
Observa-se que houve uma convergência política de
interesses, visto que o governo criou o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério (FUNDEF) pela emenda constitucional n. 14/1996 e
regulamentado pela lei n. 9.424/1996 e pelo decreto n. 2.264 de
1997. Esse Fundo modificou o pacto federativo com os da
estados, pois alterou a estrutura de financiamento do ensino
fundamental no país, que recebia 60% do valor do FUNDEF, e
excluiu educação infantil, ensino médio e educação de jovens e
adultos (MARTINS, 2011; LEHER, 2010). Além das questões
de redistribuição de recursos financeiros, o Fundo trouxe à tona
a insuficiência dos recursos e as desigualdades regionais, pois
cada estado tem suas demandas, que se somam às dos
municípios, o que pouco ou quase nada contribui para a
formação de um Sistema Nacional Articulado de Educação.
Depois, só no segundo mandato Luís lnácio Lula da Silva (2007-
2010) foi aprovada a lei n. 11.494/2007, tratando do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magisterio FUNDEB , fruto das lutas sociais,
das pressões de associações científicas e sindicatos e que
reafirmou a função do governo federal de financiar a educação
básica no Brasil.
Com efeito, durante o processo de elaboração da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96 (LDB),
evidenciaram-se as tensões. As forças nacionais entraram em
confronto por um projeto nacional de educação. Duas propostas
se apresentaram, uma do governo, que recebeu o título de Plano
Nacional de Educação: proposta do Executivo ao Congresso

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 35
Nacional, e a outra da sociedade civil, que recebeu a
denominação de Plano Nacional de Educação: Proposta da
Sociedade Brasileira. Nesse embate de conflitos e tensões
venceram as forças alinhadas com governo Fernando Henrique.
Contudo, não satisfeitos, os setores empresariais continuaram a
enfrentar os dissensos no processo de elaboração do Plano
Nacional de Educação (PNE, 2001-2010). Esse período foi
marcado pela intensificação da atuação política e intelectual dos
consultores e técnicos externos durante discussões e disputas de
projetos e concepções de educação. Os grupos se compuseram.
De um lado, se posicionou o governo federal alinhado com a
política do BIRD e da OCDE para abrir e tornar a educação
um negócio lucrativo (sustentado no PL 4.173/1998) e, de
outro, um grupo heterogêneo e plural que defendia a
educação como um direito humano e social de todos (PL
4.155/1998), sendo que entre os dissensos estavam as
questões do financiamento público e da gestão democrática
da educação (ALBUQUERQUE, 2012).
A atuação política e intelectual se fez determinada,
orgânica e sistêmica nos debates no parlamento quando
ocorreram as discussões a propósito do princípio da gestão
democrática e do financiamento da educação na Constituição
Federal de 1988, na lei n. 9.394/96 e na lei n. 10.172/2001,
quando evidenciaram-se as divergências em torno de um
projeto de sociedade, do direito à educação e do
financiamento público (PINTO, 2002; MARTINS, 2011;
LEHER, 2010).
Nesses momentos de tensões ocorreram discussões e
debates em torno do princípio da gestão democrática no

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 36
sistema público e privado e dos percentuais de financiamento
público, o que fez com que as forças empresariais se
levantassem publicamente para defender seus interesses, um
sinal direto ao outro grupo que se articulava entorno dos
Congressos Nacionais de Educação — CONEDS e do Fórum
Nacional em Defesa da Educação Pública.
Ao fim do processo prevaleceu a subordinação dos direitos
sociais aos interesses econômicos e às demandas do mercado
livre. Tornaram-se visíveis as prioridades na educação básica
alicerçadas nos critérios neoliberais: maior competitividade,
produtividade, qualidade, eficiência, autonomia e
descentralização administrativa e financeira seguindo a lógica
de investimentos privados.
O Banco Mundial preconizava a necessidade de avaliação
do sistema educacional para equacioná-lo ao desenvolvimento
econômico, insistindo na retirada gradual do Estado , a ponto de
divulgar mecanismos para: a cobrança de matrículas e
mensalidades para o ensino médio e superior; a entrega de um
voucher para que o estudante ou a família pudessem fazer escolhas
na oferta do ensino que quisessem; e o incentivo às parcerias
público-privadas como alternativa para captação de recursos no
mercado, como identificado nos documentos de 1996 e 1999.
Durante o segundo mandato de Fernando Henrique (1999-
2002), o que estava em jogo eram as formas de fornecimento,
gestão pública e o financiamento da educação, além da
disposição do governo em adotar um sistema nacional de
avaliação a partir dos resultados e indicadores de desempenho e
de qualidade nas instituições. De forma sistêmica, os diretores e
consultores do Banco Mundial, com a anuência dos gestores
locais, criaram estratégias para atuar nas decisões e também se

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 37
fizeram presentes nas estruturas do ministério da educação e do
sistema de ensino, por meio de consultores, técnicos e
funcionários indicados pelo país para imprimir a lógica
empresarial no âmbito da educação, ainda que com muitas
resistências e contestações.
A atuação política e intelectual do Banco Mundial foi tão
naturalizada nas decisões políticas que se torna árduo demonstrar as
refinadas formas de ação e intervenção em outras bases, Há entre nós
aqueles que acreditam ser a atuação destes senhores uma miragem,
uma fantasia! Não é. As formas sutis de atuação requerem de nós
muito rigor na análise e uma capacidade de desvelar as articulações e
traduções das prioridades com aparência de necessidades nacionais.
Engrenagens e pilares foram erguidos nas alterações da
legislação infraconstitucional e segundo a conveniência de diretores,
consultores e técnicos ocupando instâncias no ministério da
educação e em secretarias estaduais, dispostos a executar alterações
e inibir opositores. Na visão do ministro
Paulo Renato de Souza (1995-2002), a melhoria da qualidade
do ensino exigia as seguintes ações:

- a avaliação do livro didático e ampliação para oito


séries do ensino fundamental; municipalização da
merenda escolar, garantido abrangên cia, continuidade e
qualidade;
- definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais para
todos os níveis e modalidades da educação básica como forma
de orientar o trabalho do professor;
- criação da TV Escola como instrumento de apoio ao
professor;

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 38
- criação do Programa Dinheiro Direto na Escola que
transferiu para as escolas recursos e estimulação de
associações de pais e mestres em todas as escolas urbanas;
- definição do programa de aceleração escolar para
promover a adequação da série à idade do aluno do ensino
fundamental; - reativação da execução dos empréstimos do
Banco Mundial para atender à melhoria da rede fisica do
sistema de ensino nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste
[SOUZA, 2005, p. 115].

Estas ações serviram de engrenagem para


operacionalizar uma política de educação básica com estreita
convergência entre as prescrições dos diretores, consultores e
os programas e projetos das secretarias estaduais, alinhando
sistemas de ensino e escolas públicas.
Ademais, a estratégia de defender a modernização, a
governabilidade e a competitividade no setor público abriu
portas para parcerias público-privadas e a gestão de resultados,
subordinando a educação tão somente aos critérios de
produtividade e competitividade. Tal desiderato político
amparado na modernização e governabilidade serviu para
consolidar um modelo gerencialista racional e eficiente na
educação básica
da

(CASTRO, 1999; CARDOSO, 1998; SOUZA, 1996, 2005). Desse


modo, competitividade, metas, resultados e ampliação de espaços
lucrativos corrompiam o frágil federalismo que logo se desnudou
como a desconcentralização e regras de financiamento que
encobriam as parcerias público-privadas de corte neoliberal na
educação básica.

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 39
Nesse entremeio, o governo brasileiro assumiu como meta
alcançar padrões de rendimentos e indicadores internacionais,
estimulando diversos instrumentos de avaliação da educação no país:
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB); Exame
Nacional de Ensino Médio (ENEM); Exame Nacional de Cursos
(ENC/Provão); Avaliação de Cursos Superiores e Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). A função do
governo federal passou a ser de coordenador e articulador da política
educacional (CASTRO, 1999; SOUZA, 2005; CARDOSO, 1998). Ao
centralizar o financiamento e adotar os sistemas de avaliação, o
governo supunha, assim, alcançar a melhoria de qualidade da
educação, tornando-a estratégica para o crescimento e a eficiência
econômica em parceria com o setor privado. Além disso, criou o
Programa Dinheiro Direto na Escola, o Programa Nacional de
Informática na Educação (PROINFO), os Parâmetros Curriculares, o
treinamento de professores a distância, o Programa Nacional do Livro
Didático e a vinculação do recebimento de recursos financeiros aos
resultados dos alunos nos exames, o que revela uma semelhança entre
as determinações externas e a política de educação básica brasileira
(SOUZA, 2005; CASTRO, 1999).

A educação básica no Governo Lula

A eleição de Luís Inácio Lula da Silva 2003-2006 trouxe


expectativas de mudanças na política de educação básica. No
início Cristovam Buarque tornou-se o ministro da educação,
entre 01/01/2003 e 27/01/2004, e, com o propósito de Uma escola
do tamanho do Brasil, supunha fazer uma revolução na educação.
Depois, no processo de acomodação das forças e disputas
partidárias, Tarso Genro foi nomeado ministro da educação, entre
27/01/2004 e 29/07/2005, com disposição para levar avante a
indigesta reforma da educação superior. Em seguida foi a vez de

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 40
Fernando Haddad ocupar a pasta da educação, entre 29/07/2005 e
24/01/2012, quando deixou o ministério para concorrer às
eleições para a prefeitura da cidade de São Paulo.
Em 2005, numa estratégia política, o Governo Lula
conseguiu agradar tanto aos empresários privados da educação
quanto atender às reivindicações dos trabalhadores de baixa renda
para acesso à educação superior, em especial no setor privado.
Tratou-se do decreto n. 5.493/2005, que instituiu o Programa
Universidade para Todos (PROUNI), subsidiando os empresários
por meio de total isenção tributária para todas as instituições de
educação superior privada que ofertam vagas no programa. Na
exposição de motivos os gestores do governo federal enfatizaram
que a ampliação das matrículas na educação superior estaria a
cargo do setor privado, considerando-o mais eficiente que o
público. Esta posição governamental reacendeu os confrontos e
discussões entorno do financiamento público, aliás, muito
presente na política educacional brasileira. Isentar os empresários
dos impostos e colocar os recursos públicos via bolsas de estudos
nas mãos dos estudantes selava a convergência de interesses com
o Banco Mundial e OCDE/OMC. Ademais, vimos os recursos
públicos sendo repartidos com as instituições privadas
comunitárias, filantrópicas, confessionais e aquelas voltadas para
fins lucrativos, com a condução do Governo Lula, que estreitou
as relações com o setor empresarial. Assim desabava uma
histórica

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Dimensões dapolítica do Banco Mundialpara a educação | 41
bandeira de lutas dos sindicatos, associações e entidades: a defesa de
recursos públicos para a educação pública!
Em1997 outra ação política foi o Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), criado para: a) avaliar competências e habilidades
dos alunos do ensino médio; b) ser ferramenta para avaliar a
qualidade do ensino médio; mas que em 2009 passou a ser utilizado
como critério para seleção de alunos aptos a receber a bolsa do
PROUNI, tanto em instituições públicas quanto nas privadas;
transformado-se, assim, num d) exame de acesso a e ucação superior
por me10 do Sistema de Seleção Unificada (SISU)/
A inclinação ainda maior estava por vir. Durante a gestão do
ministro Fernando Haddad, o governo assumiu a proposta dos
empresários ao compor o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE-2007). Agregou programas diversos e elegeu o Movimento
Todos pela Educação — que reúne grupos econômicos, corporações
do setor financeiro, Fundação Roberto Marinho, Fundação Victor
Civita, Grupo Gerdau, Itaú Social, Fundação Bradesco, Grupo Pão de
Açúcar, FEBRABAM, Fundação Educar Dpaschoal — para atuar no
setor da educação básica pública por meio de parcerias público-
privadas.
Essa aproximação de conveniências entre o público e o privado
explicitou-se a partir de 2006. De um lado, o grupo em presarial com
a alcunha de Movimento Todos pela Educação — composto por
lideranças empresariais, industriários e gestores públicos — se
apresentou com o objetivo de fazer um pacto pela educação, ajudar o
Brasil a garantir a todas as crianças e jovens o direito à educação
básica de qualidade. De outro, em 2007, na gestão de Fernando
Haddad, estabeleceu-se o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE) e, pelo decreto n. 6.094/2007, instituiu-se o Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação, desdobrado em duas ações: o
Plano de Ações Articuladas (PAR) e o Indice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB). O objetivo proposto foi articular
ações entre União, estados, municípios e Distrito Federal

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 42
para, em regime de colaboração, conjugar os esforços em prol
da melhoria da qualidade da educação básica. Entretanto com
tais ações foram alteradas as relações entre o governo federal,
os estados e municípios, pois vinculou-se o recebimento de
recursos financeiros aos resultados e notas do IDEB obtidos
por cada escola, assim reduzindo a formação escolar tão
somente a preparar os estudantes para exames e testes.
Portanto, na educação básica coexistem duas lógicas:
uma gerencialista, que vê na escola um espaço propício para
se obterem rendas, um negócio rentável e lucrativo — daí a
insistência para que os governos apoiem a abertura da
educação para o mercado educacional; e outra, que vê e
compreende a educação como um direito social e humano
para todos, um campo em que os valores éticos e morais não
são vendidos nem mensuráveis.
Numa demonstração de escolha política, o Governo Lula
alinhou-se com as propostas do BM e da OCDE, conformando
uma política de avaliação consubstanciada no sistema nacional
de avaliação na educação básica e superior. O sinal dessa
convergência foi a aplicação de instrumentos nacionais de
avaliação: provinha Brasil (40 ano); prova Brasil (90 ano) e
ENEM (no ensino médio), com a finalidade de apurar e aferir a
qualidade da educação. Antes, porém haviam sido estabelecidos
os parâmetros curriculares nacionais, as diretrizes nacionais para
os componentes curriculares e uma ampla política de livros
didáticos e paradidáticos com os quais se supunha
instrumentalizar os alunos para os testes posteriores.
Tal-atitude transferia para a escola básica a obrigação de
apresentar resultados positivos, visto que a quantidade de

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 43
recursos a serem recebidos pela escola foi condicionada aos
resultados nos exames. Pior ainda, as escolas passaram a criar
rituais de preparação e treinamento dos alunos para fazerem os
testes e obterem notas positivas, num deslocamento das reais
funções da escola como espaço pedagógico e institucionalizado de
formação escolar e de aprendizagem de conhecimentos pelos
estudantes. Preparar e treinar alunos para os testes está muito longe
dos processos de formação tão necessários nos tempos atuais. E vai
muito além de verificar resultados em português e matemática.
Outra ação de governo que demonstra a capciosa atuação dos
consultores externos nas decisões foi quando os governadores
exigiram que as escolas criassem a Caixa Escolar como pessoa
jurídica, a fim de dar autonomia aos diretores. Como resultado,
acabou-se transferindo para a escola atribuições e tarefas em nome de
uma suposta autonomia para gerir os recursos de que não dispunham.
Coube à escola reinventar formas de captar recursos: aluguel de
antena parabólica, propaganda no muro, parcerias com os
empresários ao seu redor, aluguel de máquina de bebidas. Econcreto,
houvenlm refinamento da9ráticas e dos discursos modo que os
espaços públicos pudessem coexistir com as atividades privadas. Isso
na ogrca neo i era estimu a a competição wqualidade no ensino; Tal
premissa serve para modificar sem transtornos a cultura e a
mentalidade dentro da ordem capitalista.
As parcerias entre empresas públicas e privadas, no caso da
educação básica, permitem a terceirização de funcionários e da
alimentação escolar, abrem espaços para o comércio de materiais
pedagógicos, aquários, jogos, equipamentos de salas ambientes,
televisores, apostilas, materiais didáticos, para a venda de serviços, a
cobrança de taxas e a venda de produtos, tudo dentro da escola!
Nessa direção estão os programas de educação a distância, de portas
abertas para o mercado educacional, acessíveis por meio de linhas de
crédito para compra de microcomputadores, instalações de antenas,

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 44
fios e redes, mobilizando a indústria dc equipamentos,
produtos, softu»ares, aplicativos e técnicos especializados.
As disciplinas sociologia e filosofia no ensino médio
foram abandonadas, retiradas da formação do aluno. Depois,
esses empresários comercializaram apostilas centradas nos
conteúdos de português, matemática e ciências dentro de um
padrão universal de conhecimentos, competências e
habilidades a serem adquiridas pelos estudantes. A prática de
criar e vender apostilas e textos para alunos padronizaA1ma
única usão do conteúdo a ser consumido na formação, que,
depolS, sera objeto de avaliação e exames de desempenho.
Adicionam-se, ainda, as estratégias dos governos para a
aplicação de avaliação e exames nacionais, sendo seus
resultados hierarquizados e ranqueados para, novamente,
legitimar processos de regulação consoantes com a
competitividade e o desempenho internacionais esperados.
Nessa disputa pela abertura da educação para o mercado de
negócios não faltam aqueles que acentuam as deficiências, a
improdutividade da escola pública e os resultados
inadequados, se comparados aos indicadores externos. Estes
indicadores destoam da nossa cultura, valores e história, mas
servem para sermos potenciais consumidores de produtos dos
países capitalistas centrais.

Notas e considerações

Na década de 1980, quando houve um alinhamento do


governo federal e de parte dos estaduais às decisões do
Consenso de Washington (1989), a atuação política e

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 45
intelectual do BM se fazia, mediante acordos e empréstimos
para projetos, difundindo amplamente a ideologia neoliberal,
ao propor: a) estruturação das relações sociais a partir dos
princípios econômicos; b) supressão do modelo de
planificação conduzida pelo Estado desenvolvimentista; c)
financiamento da educação submetido a resultados obtidos para
destinação de recursos; d) definição da educação pública como um
mercado promissor e potencial; e) adoção de critérios de
racionalidade, produtividade, eficiência e qualidade na educação,
integrados ao ntodus operandi da atuação política, intelectual e
financeira do Banco Mundial. O fato é que os programas nacionais
para a educação tinham estreita semelhança com os
encaminhamentos dos consultores das instituições externas.
No documento Prioridades y estrategias para Ia educación
(BANCO MUNDIAL, 1996b), afirmaram-se: a prioridade da
educação primária, pois a taxa de retomo era vantajosa; a melhoria
da qualidade e da eficiência da educação; o fortalecimento dos
sistemas de informação; a descentralização e o monitoramento do
desempenho escolar; a consolidação de instituições escolares
autônomas; a maior participação dos pais e da comunidade na
escola; a diversificação de receitas e recursos baseados no
desempenho e resultados dos alunos; o enfoque setorial e o impulso
do setor privado e de organizações não govemamentais como
agentes ativos tanto nas decisões como em sua implementação
(CORAGGIO, 1996; CORAGGIO & TORRES, 1997; ALTMANN,
2002).
De 1997 em diante, os ciclos de crise sucessivas do capital
arrastaram consigo aqueles que, já empobrecidos, sofriam ainda mais
com as incertezas decorrentes de turbulências externas. Contudo, os
arautos neoliberais, no documento Estratégia para o setor educacional
[Education sector strateo] (BANCO MUNDIAL, 1999), apostaram
no mercado como regulador das relações sociais e econômicas,

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 46
exigindo, sim, um Estado capaz de, na crise, aliviar a fúria do
mercado livre, pondo-lhe amarras, limites e controles diante do
perigo. Agora, em outro documento, Aprendizagem para todos
(BANCO MUNDIAL, 2011), 0 Grupo Banco Mundial reposiciona as
estratégias prioritárias para a educação 2020: uma, reforçar os
sistemas educacionais a partir de indicadores dc desempenho, de
resultados e de impacto (p. IO), e outra, construir uma base de
conhecimento de alta qualidade — geração e intercâmbio de
resultados sobre as reformas e intervenções na educação dos
países (pp. 8-9).
Na educação básica, o Governo Fernando Henrique Cardoso
intensificou a reforma na educação brasileira focada em
competitividade, imperativos financeiros, descentralização,
fixação de sistemas nacionais de avaliação, educação a distância
e utilização das tecnologias. Depois de 2003 a luta em defesa da
universalização da educação básica empurrou os conflitos e
resultou na emenda constitucional n. 59, tornando obrigatória e
um direito subjetivo a educação básica dos 4 aos 17 anos, além
de garantir seu financiamento público. Por outro lado, a nota do
ENEM tornou-se critério para o estudante receber bolsa do
PROUNI nas instituições públicas e privadas; consolidou-se o
sistema nacional de avaliação, transformando os resultados em
parâmetros para recebimento de recursos; e ampliou-se a
utilização das parcerias público-privadas numa sistemática
diluição entre as fronteiras do que é publico e o que é privado —
expressões das convergências entre disposições políticas do
Banco Mundial e OCDE para o governo federal e governos
estaduais no país.
Também de 2003 em diante não faltaram diretores e
consultores do BM, OMC e OCDE preconizando aos
governos federal e estaduais que abrissem a educação para a

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Di,nensÕes dapolítica do Banco Mundial para a educação básica pública | 47
exploração do mercado lucrativo. Nota-se que o Estado
brasileiro direcionou atos e ações na educação de modo que
fossem impingidos princípios de competitividade,
imperativos financeiros, descentralização, privatização e
avaliação, tornando-a consoante com as potencialidades de
um mercado educacional, Tal inclinação veio, numa
estratégia política, no Plano de Desenvolvimento da Escola
(PDE-2007), quando o governo se aproximou dos
empresários para implementar a política da educacional e
convocou os brasileiros para discutir e elaborar um plano de
educação, transformado-o em quase uma peça jurídica, não fosse
a mobilização das instituições acadêmicas e científicas, sindicais
e no interior das escolas públicas, onde existiam professores,
estudantes e trabalhadores em educação que, de fato,
desconstroem e reconstroem a política pública e lutam por
direitos humanos e sociais.
Talvez Cecília Meireles nos dê um alento: "a vida só é
possível, reinventada!"

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A COOPERAÇÃO DO BANC0 MUNDIAL À EDUCAÇÃO
BRASILEIRA
INCONGRUÊNCIAS, CONTRASSENSOS E CUSTOS DE UMA INÓCUA PARCERIA
INTERNACIONAL

MARÍLIA FONSECA
Universidade de Brasília

Introdução
Em meio à vasta literatura já publicada a respeito do papel
desempenhado pelo Banco Mundial (BM) na construção da agenda
educacional brasileira desde os anos de 1970, agrego mais estas
informações ainda não divulgadas no meio educacional. O intuito é mostrar
qual foi a real contribuição do seu financiamento para o desenvolvimento
da educação básica e, ainda, qual o foi custo dessa dita "cooperação" pelo
efeito de taxas e juros embutidos nos acordos. Para alguns, estas
informações poderiam ser consideradas como já defasadas para o atual
momento brasileiro, visto que a negociação de acordos educacionais com o
Banco foi interrompida a partir da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.

I Cabe informar que o presente artigo teve uma versão preliminar publicada no livro
Multilateralismo e reações sul-americanas, organizado por Mônica Dias Martins e IRosemary
Galli (FONSECA, 2011, pp. 227-254).
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Ao contrário, penso que a incursão ao passado pode revelar, além da
perforpnance técnica e financeira dos projetos em si, fatos políticos que geraram
sua continuidade durante mais de três décadas. Em primeiro lugar, coloco uma
questão: Por que esta cooperação durou tanto? Quem tinha maior interesse na
assinatura dos acordos: a burocracia brasileira ou o próprio Banco? Quanto
custou essa cooperação para o erário brasileiro? Segundo meu entendimento, o
Banco Mundial sempre foi o principal interessado, visto que a assinatura dos
acordos com os países membros era condição para sua sobrevivência como
instituição financeira, uma vez que a contribuição rotineira das nações
associadas só alcança financiar a estrutura e o frncionamento do Banco. O
dinheiro para ser emprestado aos países é tomado pelo Banco junto a grupos
financeiros internacionais, no chamado pool de moedas. Desse modo, o Banco
atua como intermediário, emprestando aos países tomadores dos créditos juros e
taxas adicionais, o que garante seu lucro financeiro.
Como já divulguei em artigo anterior (FONSECA, 2001), a inclusão da
educação em sua linha de créditos ocorreu por motivação política do próprio
Banco, quando decidiu financiar o setor social no final dos anos de 1960 (antes
só emprestava dinheiro para projetos de infraestrutura). A decisão decorreu dos
prognósticos internacionais sobre o crescimento acelerado da pobreza no
terceiro mundo, considerada como fator direto de conturbações sociais nos
países mais pobres, com sérias consequências para a estabilidade dos mais
desenvolvidos, Por essa razão, o Banco e outras agências internacionais de
fomento passaram a destinar créditos para o desenvolvimento d o setor social
(incluindo a educação, saúde e desenvolviment 0 rural), visando a atingir
determinados segmentos populacionais que se encontravam fora dos limites
aceitáveis de pobreza, denominados grupos emergenciais ou de risco (FRANCI S,
1988; BANCO MUNDIAL, 1980a, 1982, 1985).

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cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 99
Do lado brasileiro, a assinatura dos acordos era devida,
prioritariamente, ao interesse dos setores macroeconômicos. Os
recursos provenientes dos acordos financiamentos significavam o
ingresso de dólares para reserva de divisas e equilíbrio da balança
de pagamentos. Os decretos governamentais n. 68681/71 e 1312/74
garantiam a prioridade do Tesouro Nacional para a contrapartida
aos créditos externos, além de determinar medidas administrativas
facilitadoras para o desenvolvimento de projetos internacionais,
como a contratação de pessoal independentemente das regras da
administração pública, por exemplo, E certo que a intensidade da
influência internacional sobre os países tem a ver também com a
atitude compartilhada, submissa ou autonômica que preside as
relações entre determinados governos nacionais e as agências
internacionais de crédito,
No âmbito de estados e municípios, o aporte de divisas
internacionais significava prestígio político para os dirigentes, pelo
fato de contribuírem para o aumento de recursos para a educação
básica.
Os primeiros projetos educacionais financiados pelo Banco
nos anos de 1970 tiveram aceitação imediata por parte do
Ministério da Educação, Na sequência, o Banco sofreu resistências
da Equipe Central de Planejamento, criada na se gunda metade dos
anos de 1960 com a intenção de estruturar o processo de
planificação do MEC. A equipe contava com a participação de
quatro técnicos brasileiros e quatro norte-americanos
vinculados à Agência para o Desenvolvimento Internacional
USAID , criada pelo GovernoKennedy.A USAID (tornou-
seTeferência para a educação brasileira, uma vez que sua
assistênciatécnica e financeira colaborou para configurar a
reforma da educação superior de 1968 e também da educação
básica, quando se Institucionalizou a profissionalização o
rlgatória, no início da década de 1970 (ARAPIRACA, 1982).

Nessa mesma década, a USAID foi afastada


gradativamente de suas funções por iniciativa do próprio
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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 100
governo norte-americano, sendo substituída pelo Banco
Mundial, que passou a assumir os trabalhos de cooperação
técnica e financeiva entre os Estados Unidos e o Ministério da
Educação. Na metade da década, evidenciou-se a insistência do
Banco para forçar a assinatura dos acordos com o MEC, o que
gerou amplos debates nos seio do corpo administrativo,
estendendo-se o processo de negociação dos acordos por
períodos de até seis anos consecutivos. Essa questão ficou clara
nas informações colhidas para minha pesquisa de doutorado
(FONSECA, 1992). A longa duração desse processo significava
vantagem ao grupo do Banco, permitindo que um determinado
acordo fosse assinado na gestão ministerial subsequente,
quando as equipes negociadoras já haviam sido substituídas e a
nova equipe não detinha informações sobre o processo anterior.
A falta de informações significou uma das maiores
dificuldades para meu trabalho de doutoramento pela ausência
de memórias técnicas do Ministério sobre os acordos. Os
documentos oficiais sobre o desempenho fisico e financeiro dos
projetos educacionais, assinados nas décadas de 1970-1990,
encontravam-se dispersos em várias instâncias nacionais e
internacionais. Só foi possível resgatá-los de forma completa
mediante extenso trabalho de pesquisa na sede da UNESCO,
em Paris, na sede do Banco Mundial, em Washington, e, no
Brasil, no Ministério da Educação e da Fazenda, além do Banco
Central.

O financiamento do Banco Mundial nos anos


de 1970: a educação básica como ferramenta
para o crescimento econômico

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 101
Os primeiros créditos para a educação brasileira foram
negociados com o Ministério da Educação no final dos anos de
1960. No primeiro acordo (n. 755), o Banco privilegiou o
ensino técnico de nível médio (industrial e agrícola), considerado
como fator direto para o crescimento econômico. O acordo foi
executado, no período de 1971 a 1978, com o objetivo de expandir
a oferta de cursos e de vagas em nove escolas técnicas agrícolas e
duas industriais, além de seis centros de formação de engenheiros
operacionais em nível pós-secundário. Ao todo, o projeto
beneficiaria cinco mil estudantes, 16% do total de alunos que
frequentavam esses cursos. Previa-se:

a) construção, ampliação e reforma de instalações escolares;


b) aquisição de equipamentos e formação de professores;
c) aquisição de equipamentos de origem nacional e
estrangeira;
d) implantação de um ciclo de ensino segundo o modelo
pedagógico norte-americano na linha do "aprender
fazendo.

No que se refere aos resultados fisicos, como construção e


reforma de instalações escolares, 70% da previsão de compra e
instalação de equipamentos foram alcançados. De modo
esquemático, pode-se dizer que as metas para aumento de
matrículas alcançaram, em média, uma taxa de 56% em relação ao
previsto. A meta de conclusão de cursos, que era considerada como
núcleo central do projeto, alcançou, no ensino agrícola de nível
médio, o índice de 71% e nos cursos de engenheiros operacionais
pós-secundários, apenas 37%. Esses resultados foram considerados
fracos, levando-se em conta o alto custo do projeto e o não
cumprimento dos objetivos de impacto que o Banco prometia na
negociação do acordo de empréstimo (BRASIL, 1978).
A explicação para o fraco desempenho deveu-se, entre outros
fatores, ao próprio desenho do projeto, para o qual fora
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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 102
subcontratada a Universidade Estadual de Oklahoma/ EUA, que
formou 39 técnicos e professores. Por meio de sua
assessoria, foram inseridas ações dc plancjamcnto c
administração de ClitSOS, desenvolvimento curricular, c,
ainda, foram estabelecidos critérios de seleçào e treinamento do
corpo do. cente, que diferiam do formato até então utilizado no
ensino técnico brasileiro. As inovações inseridas pela assessoria
externa exigiram esforços adicionais das equipes escolares,
provocando atraso na execução do projeto. A esses fatores
somou-se, ainda, a inadequação das escolas, construídas elou
reformadas segundo um formato homogêneo, por exigência do
acordo, e que não atendia às condições de acesso da população
local.
Na sequência do processo de cooperação com o Banco, foi
assinado o segundo acordo entre o Ministério da Educação (n.
1.067), com início em 1974. Previa-se uma ação de impacto
para a melhoria do sistema formal de educação de nível
fundamental e médio em oito estados das regiões Norte e
Nordeste, consideradas as mais pobres do país. O projeto
definiu como metas: a) aumento de vagas, por meio de
construção, reforma e aquisição de equipamentos para escolas,
por meio de licitação internacional; b) melhoria da
administração do sistema formal de educação, mediante a
capacitação de pessoal das Secretarias Estaduais de Educação.
O objetivo era cooperar para a implantação efetiva da lei n.
5.692, de 1971, que alterou o currículo e a estrutura do ensino
básico, implantando a profissionalização obrigatória no nível
médio. Com a assessoria do Banco, foram treinados cerca de
quatro mil professores e administradores escolares (BANCO
MUNDIAL, 1974).
Em meio à execução do projeto, os conteúdos dos cursos
técnicos e, em decorrência, o processo de formação de
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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 103
professores — tornaram-se ultrapassados, devido às
modificações ocorridas no corpo da lei, no ano de 1975,
especificamente quanto à inserção de novas propostas
curriculares para o ensino técnico. Tal fato exigiu complexas
negociações com o Banco, no sentido de adequar o projeto à
nova estrutura educacional brasileira, o que trouxe dificuldades
para a execução do acordo. Outra questão impeditiva para o
alcance das metas previstas foi a exigência de licitação
internacional para realização de obras e aquisição de
equipamentos, especialmente em se tratando de secretarias e
escolas com pouca ou nenhuma experiência sobre o seu
funcionamento.
Cite-se ainda a dificuldade dos estados — os mais pobres do
país — em prover a contrapartida de 20%, conforme fora previsto.
Essas dificuldades, somadas, culminaram no cancelamento do
acordo, com as ações ainda inconclusas (BRASIL, 1983). Em que
pese o rigor das cláusulas do Banco no tocante à definição e
execução dos projetos, é preciso ter em conta que o modelo
utilizado foi o "cofinanciamento", segundo o qual o custo de um
projeto deve ser compartilhado com o país tomador. Segundo essa
regra, o Ministério da Educação arca com as despesas
correspondentes à chamada "contrapartida nacional" do crédito,
definida na fase de negociação de cada acordo, conforme revela a
Tabela 1.

Tabela 1 — Participação financeira do Brasil e do BM no


financiamento de projetos dos anos de 1970 (US$ mil)

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 104

Período
Total de
No segundo acordo, previa-se que o Banco participaria
com 40% e a União com 60%: destes últimos, caberiam 40% ao
Ministério da Educação e 20% aos estados beneficiados.
Conforme indica a Tabela 1, a contrapartida nacional foi maior
do que os créditos do Banco, contrariamente ao estabelecido no
acordo (BANCO MUNDIAL, 1974, p. 11).
Apesar das dificuldades evidenciadas nos dois primeiros
acordos, a cooperação do Banco foi incrementada nos anos de
1980. Aqui cabe questionar os motivos que levaram à decisão, por
parte dos subsequentes governos brasileiros, de firmar novos
acordos. Penso que uma das explicações para tal atitude foi o mito
que se criou sobre a capacidade técnica e financeira do Banco,
devido, sobretudo, ao desconhecimento público sobre o real alcance
do processo de cooperação externa. A pouca divulgação sobre os
resultados dos projetos limitou o fluxo de informações junto à
comunidade educacional e até mesmo no âmbito do Ministério.
Algumas avaliações sobre os primeiros acordos foram realizadas no
ano de 1983, sendo que a divulgação dos resultados ficou restrita ao
quadro técnico e dirigente do MEC e do Banco. Colaborou para

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 105
isso a exigência de sigilo que envolve as transações internacionais
(BRASIL, 1983).

O financiamento do Banco Mundial nos anos de 1980:


a educação fundamental como promotora da
produtividade e do ingresso antecipado no trabalho
Em consonância com a política estabelecida pelo Banco na
década de 1980, os recursos foram aplicados prioritariamente na
educação fundamental. Foram firmados dois acordo s com o
Ministério da Educação, destinados à melhoria e ao acesso ao
ensino fundamental — projetos EDURURAL (acordo n. 1.867),
Monhangara (acordo n. 2.412) e um projeto para 0 ensino técnico
de nível médio (EDUTEC, acordo n. 2,366).
O novo modelo de financiamento adotado pelo Banco (Policy
Based Loans ou créditos de base política), além de manter o
modelo de cofinanciamento, passou a incluir as chamadas
precondições — ou condicionalidades para a assinatura dos
acordos. Desse modo, a influência do BM não se restringia aos
projetos em si, mas atingia a própria agenda educacional, na
medida em que o Ministério incorporava em seus planos
educacionais, os objetivos e as propostas internacionais para a
educação fundamental, tais como:

a) a escolha dos municípios beneficiários segundo a política


demográfica do Banco, beneficiando localidades com altas
taxas demográficas;
b) o desenvolvimento de uma proposta de preparação para o
trabalho antecipado em periferias urbanas e zonas rurais,

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 106
mediante um ciclo de educação inicial curto, de quatro
anos3,
c) a elaboração de estudos estratégicos, com assessoria do
Banco, visando ao estabelecimento de políticas
educacionais de longo prazo (BANCO MUNDIAL, 1980b;
BRASIL, 1980).

Os dois acordos para a educação inicial (quatro primeiras


séries), firmados na década de 1980, visavam à melhoria do
desempenho escolar. O EDURURAL destinou*se a 400
municípios da região Nordeste e o Monhangara a 33 municípios
situados em dez estados das regiões Norte e Centro-Oeste. Foram
selecionados aqueles municípios cuja taxa de crescimento
populacional ultrapassasse 4% ao ano, considerada alta pelo
Banco, segundo sua política de contenção demográfica (BANco
MUNDIAL, 1932).
A execução dos projetos foi acompanhada por instituições
contratadas pelo MEC. Para o EDURURAL, foi selecionada a
Universidade Federal do Ceará e, para o Monhangara, contratou-se
a Fundação João Pinheiro/MG. Os relatórios de acompanhamento
mostraram que esses projetos não apresentaram melhor
desempenho que os seus antecedentes, o que era de se esperar em
razão da experiência vivenciada na década anterior. O projeto
EDURURAL (previsto para o período 1980-1984) logrou
completar as ações planejadas, ainda que com considerável atraso
em sua execução, visto que foi encerrado em 1987 (BRASIL, 1978;
3 Esta orientação para a educação inicial remetia-se aos programas financiados pelo
Banco Mundial para o desenvolvimento da região Nordeste, conhecidos como
Projetos de Desenvolvimento Rural Integrados (PDRI) e influenciaram a definição
do III Acordo com o Banco (EDURURAL) e, ainda, a execução de dois programas
nacionais: Programa Nacional de Ações Socioeducativas e Culturais para o Meio
Rural (PRONASEC) e o Programa Nacional de Ações Socioeducativas e Culturais
para as populações Carentes Urbanas (PRODASEC), que previam um ciclo básico
de estudos (quatro ) com vistas à inserção antecipada de jovens estudantes no
anos

mundo do trabalho (BANCO MUNDIAL, 1980a, 1985).


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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 107
BRASIL, 1987). O acompanhamento da universidade do Ceará
evidenciou que os objetivos prioritários, como a melhoria do
desempenho dos alunos em matemática e português, não mostraram
efeitos significativos, principalmente em comparação com o
desempenho das escolas não beneficiadas pela "cooperação" do
Banco. A evasão e a repetência tampouco sofreram alterações em
função dos projetos. Muitas escolas, construídas em locais
inadequados para o acesso da população rural e de periferias
urbanas, às quais se destinava o projeto, deixaram de funcionar após
a conclusão do acordo (BRASIL, 1987a, 1987b, 1990).
Os estudos de acompanhamento do projeto Monhangara
mostraram, nos anos iniciais de execução, alguns resultado s
positivos no que se refere ao modelo de microplanejament O
desenvolvido nas escolas assim como ao processo de formação
dos professores, considerados de boa qualidade pela comunidade
escolar.

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108

A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira

A parte negativa do projeto deveu-se às ações de obras (cuja


execução sofreu significativos atrasos) c a aquisição de
equipamentos, considerados em grande parte inadequados para a
maioria das escolas (BRASIL, 1989a), Ao contrário da crença
comum, de que o fraco desempenho dos projetos deveu-se
unicamente à gestão nacional do projeto, grande parte dos
atrasos foi devida à incompatibilidade entre a própria estrutura
do financiamento do Banco e as reais condições da
administração educacional brasileira. Os prazos fixados nos
acordos colidiram com as diferenciadas condições operacionais
das secretarias municipais de educação quanto ao cumprimento
de prazos para licitações de terrenos e empresas para execução
de obras; e para aquisição de equipamentos nacionais e
estrangeiros, para os quais exigia-se uma complexa modalidade
de licitação internacional. As metas para construção, reforma e
aquisição de equipamentos alcançaram a média de 70% de
realização, o que não evidenciou melhoria em comparação com
os projetos da década anterior. As metas de expansão de
matrículas, conclusões de cursos e formação de pessoal
alcançaram o índice de 65% em média, o que representa um
desempenho baixo, visto que a justificativa central para os
acordos com o Banco foi elevar o nível de eficiência operacional
da gestão educacional (idem).
Ainda durante a década de 1980, foi executado outro
projeto para o desenvolvimento do ensino agropecuário de nível
médio (EDUTEC, acordo n, 2.366). O objetivo era dar
continuidade ao primeiro projeto executado na década de 1970
(n. 755). O EDUTEC voltava-se para o desenvolvimento do
ensino agrícola de nível médio (abrangendo 33 escolas técnicas)
e o ensino industrial (envolvendo 17 escolas).
Apesar da experiência vivida no projeto anterior, o
EDUTEC não logrou um bom desempenho, tanto na execução
fisica como financeira. As causas deveram-se às dificuldades

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 109

operacionais que já se faziam presentes na execução dos


acordos anteriores, entre as quais podem ser citadas:
a) dificuldades dos órgãos executores (escolas) no sentido
de detectar a priori dificuldades operacionais e
financeiras que pudessem emperrar as ações, entre elas a
morosidade para licitar equipamentos internacionais,
conforme exigência do acordo, além da dificuldade de
importação dos bens e de treinamento de pessoal técnico
para sua utilização pelas escolas;
b) em consequência das dificuldades expressas no item a , a
execução de ações e a comprovação de despesas por
parte das escolas não ocorreu em tempo hábil para
garantir o desembolso do Banco e também a
contrapartida nacional;
c) ausência e/ou atraso de respostas do Banco (solicitadas
pela coordenação central do projeto, no Ministério) em
tempo hábil para sanar dificuldades operacionais e
acertar o ritmo dos projetos.
No que se refere à divisão de responsabilidades pelo
financiamento dos três acordos dos anos de 1980, os dados da
Tabela 2 mostram que o Brasil assumiu a maior parte dos custos
dos projetos.

Tabela 2 — Participação financeira do Brasil e do BM no


financiamento de projetos nos anos de 1980 (US$ mil)
Período Período Total de Contrapartida
previsto de efetivo de Crédito BM nacional
recursos
Projetos* execução execução gastos
Previsto Efetivo
EDURURAL
1980-1984 1980-1987 89.000 35% 36% 640/0

EDUTEC 1983-1987 1983-1990 61,425 43% 22% 78%


Monhangara 1984-1988 1984-1992 81,276 50% 34% 66%
* Os projetos EDURURAL e Monhangara destinaram-se à educação inicial (no
Brasil adota-se a nomenclatura "educação fundamental"), já o EDUTEC dedicou-
se ao ensino técnico de nível médio.
Fonte: MEC/BIRD/MEFP/C0AlJD, 1990.

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 110
Dados sistematizados e recolhidos pela autora em documentos oficiais do Ministério da Fazenda,
1989.

Analisando a Tabela 2, nota-se que os recursos nacionais


para a contrapartida foram superiores aos do financiamento do
Banco. Em que pese o fato de que a divisão de
responsabilidades financeiras seja definida no texto dos
acordos, fatores internos ao país, como dificuldades econômicas
que impedem a alocação da contrapartida no prazo, ou mesmo o
atraso na execução das ações, podem aumentar a participação
financeira do país e diminuir o desembolso do Banco. Essa
diferença foi evidenciada nos três projetos. No caso do
EDURURAL, a responsabilidade pelos custos do projeto
ocorreu como fora previsto. Quanto ao EDUTEC, o crédito
externo previsto era de 43% do total de recursos e a do Brasil
57%. Efetivamente, o crédito do Banco alcançou apenas 22%,
e, obviamente, aumentou-se consideravelmente o montante da
contrapartida brasileira. No caso do Monhangara, previa-se
participação igualitária para o Banco e o Brasil (50% cada um).
Contrariamente ao planejado, a contrapartida brasileira superou
o crédito do Banco, alcançando 66% e a do banco limitou-se a
34% (BANCO MUNDIAL, 1980b, p. 45; BRASIL, 1989b, p.
12).
O desequilíbrio entre crédito e contrapartida explica-se
pelos problemas econômicos que afligiram o Brasil na década de
1980, impedindo a alocação de recursos no prazo, por parte da
mutuária, nesse caso, a própria União. Este fato motivou o
atraso da execução dos EDUTEC e do Monhangara e
desencadeou o descumprimento das metas de construção,
reforma e aquisição de equipamentos.
Segundo avaliação conjunta do MEC e do Ministério da
Fazenda (BRASIL, 1990), a continuidade dos projetos
Monhangara e EDUTEC causaria aumento considerável dos
custos devido aos atrasos em sua execução. Por esta razão os
dois projetos foram cancelados em plena fase de execução,

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 111

tendo sofrido, cada um deles, a perda de aproximadamente


US$7 milhões.
Apesar de evitar maiores perdas futuras, o cancelamento

país totnador, primeirannente pela interrupção de obras e


ações já iniciadas. A responsabilidade financeira pela
conclusão dc obras e dernais ações ficava a cargo das
instituições executoras, entre elas secretarias estaduais e
municipais de educação e até Ilies1110 escolas, que muitas
vezes não contavam com recursos previstos para tal fim.
Uma segunda fonte de prejuízos decorre dos recursos não
desembolsados pela anulação do acordo, os quais já haviam
sido objeto de pagamentos anuais durante a execução,
referentes às chamadas "taxas de comissão ou de
compromisso". Além de constituírem prejuízos para o país,
essas taxas tornaram-se lucros adicionais para o Banco.
Os problemas na execução de acordos de
cofinanciamento com o Banco mundial foram tão
recorrentes que, segundo o testemunho dos próprios
dirigentes dos projetos no âmbito do Ministério da
Educaçã04, tomando por base o montante da contrapartida
nacional em relação ao crédito externo, as ações do projeto
poderiam ser financiadas diretamente pelo Estado brasileiro,
sem passar pelos constrangimentos gerados pelo acordo
internacional. A argumentação é coerente, especialmente ao
se levar em conta os custos dos serviços dos empréstimos
(juros e taxas), que são incorporados à dívida externa do
país.

4 Entrevistas realizadas com técnicos e dirigentes do Banco Mundial em


Washington. No Brasil, foram entrevistados os técnicos nacionais de
todos os projetos executados nos anos de 1970 e 1980, além de técnicos
do Ministério da Educação e da Fazenda e Planejamento, como base
empírica para minha tese de doutorado (FONSECA, 1992).
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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 112

O financiamento do Banco à educação brasileira:


ação cooperativa ou lucro para o próprio Banco?

De acordo com as evidências empíricas aqui


analisadas, grande parte das dificuldades financeiras,
decorrentes da execução dos projetos educacionais, deveu-se
ao custo dos serviços do Banco. Contrariamente à ideia
disseminada no senso connon de que a ajuda do Banco para o
setor social (saúde, educação, desenvolvimento agrário) se faz
por meio de "créditos a fundo perdido", trata-se, na verdade, de
empréstimos de porte comercial, sobre os quais recai o
pagamento de serviços (juros e taxas), portanto, com o mesmo
custo e o rigor operacional exigido para a área de infraestrutura.
Por essa razão, a avaliação dos projetos financiados pelo Banco
não pode deixar de considerar a relação custo benefício.

Até 1980, os juros dos empréstimos eram cobrados a uma


taxa média de 8% ao ano. A partir daí, o Banco introduziu
modificações na estrutura dos créditos, entre outras, a taxa
variável de juros, referente ao custo do dinheiro que o Banco
(como intermediário) busca no mercado internacional (pool de
moedas) para emprestar aos países. Para compensar sua
atuação como intermediário, os serviços do Banco incluíam
ainda a taxa de 0,5%, relativa ao custo médio dos empréstimos
tomados pelo Banco no mercado, assim como o pagamento de
uma taxa média (comissão ou compromisso) de 0,75% ao ano,
sobre os recursos ainda não desembolsados (BRASIL, 1989c).
Isso ocorre porque o cofinanciamento não é um empréstimo
direto, mas supõe que o país tomador deve gastar primeiro,
segundo um cronograma anual, sendo gradativamente
ressarcido pelo Banco. Caso o executor do projeto não consiga
gastar segundo o cronograma, pagará a taxa sobre o montante
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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 113

dos recursos remanescentes em conta aberta pelo Banco em


Washington.
Acrescente-se, ainda, o custo da diferença da taxa de
câmbio entre o dólar e as diferentes moedas que o Banco
toma no mercado internacional para realizar seus
empréstimos aos países. Esse custo é conhecido como
"ajuste de câmbio" e é Pago pelo país tomador. Embora
pareça óbvio, cabe esclarecer que, com a conclusão ou
cancelamento de um projeto, encerram-se apenas as
atividades previstas (obras, formação de pessoal, aquisição
de equipamentos etc.), O pagamento dos serviços é incluído
na dívida do país com o Banco e dura confotne o prazo
estipulado no acordo (que podc ser, por exemplo, de quinze ou
trinta anos). Isso explica porque os primeiros acordos
firmados na década de 1970 e 1980 encontra\ ani-se ainda em
fase de execução financeira, no ano de 1990 (Tabela 3).
Tabela 3 t— Despesas dos projetos (1971-1990) (US$ mil)
Serviços: Amortização Ajuste Dívida
juros e do cambial corrigida*
Ano dc Empréstimo Contrapafiida empréstimo em 1990
taxas
assinatura cxtcmo nacional
do acordo
Acordos
Escola
2.6 3.6 9,4
8.4 15.9 7.3
técnicas 1971
3.3 7.4 24.8
Secretarias de 20,7 42.9 17.0
Educação 1974
1980
32.0 57.0 11.6 20.0 5.6 17.6

Monhanguara 1983
27.5 53,7 7.9 10.0 3.3 20.8

EDUTLc 1984 13.5 47.9 4,5 5.8 1.9 9.7


* Dívida corrigida = empréstimo - amortização + ajuste de câmbio.
Fonte: 1989, 1990; BANCO MUNDIAL, 1990.
Dados coletados e sistematizados pela autora para a realização de tese de
doutorado (FONSECA, 1992).

A Tabela 3 exige cuidados na sua interpretação. Os


dados referentes a cada projeto elencado não podem ser
somados nem comparados um com o outro, em virtude dos
diferentes anos de execução dos projetos. E possível
perceber, no entanto, que os custos dos projetos são
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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 114

encarecidos pelos serviç0S (juros e taxas) e pelo ajuste de


câmbio que vai se somando à dívida ano a ano (referente ao
custo das moedas que o BancO tomou no mercado e que
oscila em razão da taxa de câmbio em relação ao dólar),
As despesas acima descritas não constituem a totalidade dos
custos dos projetos. A estes, somam-se as despesas indiretas,
referentes às fases de negociação e preparação dos projetos, que
exigem recorrentes missões do Banco, elaboraÇã0 de
diagnósticos de alto custo que abrangem inúmeros municípios.
Essas despesas foram debitadas na conta do Ministério da
Educação.
Com base nessas evidências, penso que os acordos de
financiamento do Banco Mundial trouxeram mais prejuízos do
que benefícios à educação brasileira. A estrutura dos créditos de
cofinanciamento, desenhados para a área de infraestrutura e sem
adaptações ao setor social, colide com a organização do campo
educacional. Em suma, o fraco desempenho dos acordos no
período 1970-1980, segundo os dados empíricos que
fundamentam minha análise, deveram-se, em grande parte, à
inadequação do modelo de cofinanciamento vis a vis as
especificidades organizacionais e operacionais do setor
educacional brasileiro. As cláusulas para execução das ações são
rígidas e devem obedecer a cronogramas previamente definidos.
Estes são passíveis de serem cumpridos nos setores de
infraestrutura (como energia, transporte, desenvolvimento
urbano), nos quais as ações são mais facilmente planejáveis no
curto prazo. Mas o modelo foi estendido para setores sociais
sem que fossem levadas em conta suas especificidades,
especialmente no tocante à gestão dos projetos na complexa rede
que inclui o Ministério da Educação e as secretarias estaduais e
municipais de educação, cada uma com capacidades
administrativas diferenciadas, além das escolas. Entre outras
dificuldades, registram-se:

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 115

a) O caráter transitório da cooperação externa: quando se


conclui ou se interrompe um acordo por desempenho
insatisfatório, as ações são interrompidas, gerando
dificuldades para a instituição escolar e perdas
financeiras para as administrações estaduais e
municipais de educação, na medida em que são levadas
a se responsabilizarem pela conclusão das obras e de
outras atividades iniciadas pelo projeto e que
ficaram inconclusas pelo cancelamento do acordo;
b) a necessidade de adaptar a administração
educacional para atender as cláusulas de execução
dos projetos. Entre estas, o Banco exigiu a criação
de órgãos especiais de gestão (unidades de gerência)
no âmbito do Ministério da Educação e da
administração estadual e municipal, o que aumentou
significativamente os custos operacionais dos
projetos. Ao serem concluídos os acordos, esses
órgãos foram extintos deixando uma carga de
dificuldades administrativas, próprias do processo de
criação e extinção de órgão públic04. A conclusão
óbvia é que as lições da experiência anterior não
foram capazes de sanar as dificuldades operacionais
dos projetos subsequentes, tanto no que se refere ao
cumprimento de metas físicas e educacionais,
quanto ao atendimento das cláusulas do
financiamento. Certamente, isso põe em causa uma
das justificativas mais utilizadas pelo Banco para
firmar novos acordos com o Brasil: promessa de
promover maior eficiência à execução do projeto,
mediante uma metodologia própria de gestão e de
planejamento, supervisionada diretamente por
técnicos do Banco por meio de frequentes missões

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 116

ao Brasil para preparação, negociação e


acompanhamento dos projetos.

4 Na década de 1970, a gestão dos acordos internacionais (firmados com a


USAID e posteriormente com o BM) ficou a cargo de órgãos especiais.
Estes foram criados por exigência dos acordos: o Programa de
Desenvolviment0 do Ensino (PREMEN) e o Programa de
Desenvolvimento do Ensino de 20 Grau (PRODEM). Na década de 1980,
também por exigência do acordo com 0 Banco, foram criadas "unidades
especiais de gerência" no âmbito do Ministério e das secretarias estaduais
de educação para a execução dos projetos Monhangara e EDUTEC
(FONSECA, 1992).
Em 1998, o governo assinou outro acordo com o Banco
para dar continuidade à sua assistência técnica e política à
educação fundamental nas regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste: o fundo de Desenvolvimento da Escola
(FUNDESCOLA). Dessa feita, o cronograma previsto de
execução seria de 10 anos (1998-2010). Sobre este acordo,
já publiquei inúmeros artigos (FONSECA', ToscH1 &
OLIVEIRA, 2004; BRASIL, 1999). Não detive informações
para analisar seu custo financeiro para o país, mas posso
mostrar que a modalidade de financiamento foi diferente dos
outros acordos, alterando a forma compartilhada dos custos
com o Brasil, Além do Ministério da Educação, os estados
partícipes passaram a arcar também com os custos do
projeto, como evidenciam os dados da Tabela 4.
Segundo a Tabela 4, os recursos provenientes do
FUNDESCOLA aglutinam uma parte proveniente do Banco
e outra do Ministério da Educação. A estes se juntam, ainda,
recursos dos estados, o que caracteriza o financiamento
FUNDESCOLA como uma ação tripartite. Conforme
cláusula do acordo, o financiamento do Banco diminuiria
ano a ano e o dos estados aumentaria progressivamente. A
partir do quinto ano de execução, as administrações
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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 117

estaduais deveriam assumir plenamente o financiamento do


projeto e incorporar a metodologia do Plano de
Desenvolvimento da Escola (PDE). Com o encerramento do
projeto, o Governo Lula (2003-2010) não assinou outros
acordos com o Banco para a educação básica5 .

5 No entanto, o modelo de planejamento desenvolvido no projeto FUNDESCOLA

(conhecido como PDE/escola) foi estendido para todos os estados brasileiros e


vem sendo desenvolvido em articulação com o Plano de Ações Articuladas
(PAR), uma das ações do PDE, lançado em 2007 pelo Govemo Lula (FONSECA &
ALBUQUERQUE, 2012).
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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 118

Tabela 4 Percentuais dc financianlcnto assumidos pelo Ft


NI)FSCOLA e pelos estados conforrnc o ano dc cxccução
(Io progranta
Paflicipaçño do
F12snrsc01,A c dos 50 ano
estados

100% 70% 50% 30% 0%


Estados 0% 30% 50% 70% 100%
Fonte: F0\SECA: TOSCHI & OLIVEIRA, 2004.

Considerações finais

Os resultados da pesquisa que empreendi com o intuito de


analisar os efeitos do processo de cooperação do Banco com
a educação básica evidenciaram o desempenho insuficiente
dos projetos para a melhoria das condições do trabalho
escolar e da qualidade do ensino público. As ações foram
limitadas à organização do fazer cotidiano das instituições,
segundo mode10s preestabelecidos de gestão e de
planejamento, atribuindo tarefas, destinando recursos para a
infraestrutura física das escolas e delimitando o tempo para
as atividades previstas, mas não lograram melhorar a
qualidade da educação fundamental para além da correção
de alguns índices, como a diminuição da repetência e da
evasão. Esse efeito, no entanto, perdurou apenas durante a
execução de cada projeto, trazendo para as escolas
beneficios como obras e equipamentos, treinamento em
serviço, além dos pagamentos adicionais para os
professores. Ao ser encerrado o acordo, a rotina escolar
voltou a ser balizada pelos limites técnicos e financeiros da
administraçã0 local, causando óbvias frustrações à equipe
escolar.

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 119

Não obstante a fraca repercussão, o processo de


financiamento externo à educação perdura por mais de
quatro décadas. A parca divulgação sobre os resultados
concretos dos projetos acalentou o mito sobre a capacidade
técnica e financeira do Banco Mundial. Ainda que o assunto
tenha sido objeto de estudos críticos no campo acadêmico, as
conclusões ficaram limitadas aos debates em fóruns específicos
da área e não alcançaram o grande público.
O atual momento é oportuno para refletir sobre a
continuidade da cooperação externa, uma vez que o modelo de
assistência fomentado pelo Banco vem sendo mundialmente
contestado. O documento Estratégia de parceria com o Brasil
(BANCO MUNDIAL, 2010, pp. 11-12) já mostrava uma
mudança no trato do Banco com o então governo brasileiro. Ao
reconhecer a emergência do Brasil como líder regional e global,
afirmava que o Banco Mundial não poderia atuar como
"governo paralelo" nem engajar-se em áreas nas quais o país
possui conhecimento e capacidade de administração própria.
Isso significa que o Banco descartava, assim, as gastas fórmulas
assistencialistas e buscava estabelecer parcerias mais
autonômicas em várias áreas nas quais o Brasil adquirra
expertise, tais como transferências condicionais de renda,
pesquisa agrícola, energia limpa e mudança climática.
No campo da educação, evidenciava-se, também, uma
mudança na prioridade do Banco. A proposta era desenvolver
grande programa de financiamento não apenas com o
governo federal, mas com os estados brasileiros. No documento
que apresenta as estratégias de parceria com o Brasil para o
período 2008-2011 (idem), indica-se que a política do Banco
será direcionada para a realização: (a) de um programa de
assistência técnica, de tamanho relativamente modesto, no nível
federal; e (b) de um grande programa de financiamento com os
estados, que atenda as suas prioridades e em conformidade com

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A cooperação do Banco Mundial à educação brasileira | 120

a Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa proposta constitui uma


mudança política, visto que, nas décadas de 1970 e 1990, os
empréstimos para o governo federal predominaram nos
financiamentos do Banco Mundial.
Com tais propostas, fica visível a intenção do sentido de
dar continuidade ao processo de assistência a educaçào
brasileira e até mesmo de incrementá-la, visto que o campo
estadual abre grandes oportunidades para novos acordos. Uma
indagação se faz presente: se os projetos dos no nível federal
sofreram com a falta de acompanhamento adequado ao longo
dos mais de trinta anos de como garanti-los no âmbito dos
estados, que lado, com autonomia decisória, mas, de outro,
ciada capacidade financeira e administrativa? E pesquisa
acadêmica tem reduzida capacidade de com as instâncias
executivas e decisórias. Não autora alimenta a expectativa de
que a análise da assistência do Banco à educação brasileira
colabore fundar a reflexão sobre o tema, de modo que futuros
de financiamento internacional sejam discutidos nacionais e
estaduais com base nos resultados das cias anteriores, sem o
concurso dos mitos e das que embasaram os projetos anteriores.

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