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ENSINO DE OFÍCIOS E MENINOS DESVALIDOS: OS ALUNOS


DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DE MINAS GERAIS
NA DÉCADA DE 1930

Carla Simone Chamon


Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG
E-mail: carlachamon@terra.com.br

Palavras-chave: Escola de Aprendizes Artífices, ensino de ofícios, alunos.

Esta comunicação apresenta os resultados parciais de uma pesquisa em andamento


sobre os alunos da Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais (1910/1941)1. Essa
escola foi instalada em Belo Horizonte, em 1910, cumprindo o decreto republicano que
criava 19 escolas dessa natureza no Brasil2. Oferecia formação profissional e primária
gratuita, com o objetivo de ensinar ofícios aos meninos pobres, impedindo a tendência à
ociosidade atribuída a essas classes e despertando nelas o amor pelo trabalho.
Em diálogo com estudos sobre instituições escolares, entendemos que a construção da
identidade histórica de uma instituição passa principalmente pelas ações dos sujeitos
que a constituem. Nesse sentido, partindo das categorias de análise que vem pautando as
investigações dos pesquisadores que se debruçam sobre o tema (Magalhães, 2005, 2004;
GATTI JR. e PESSANHA, 2005), pretendemos aqui lançar luz sobre o sujeito aluno
dessa escola. Como nos mostra Gatti Jr. e Pessanha (2005, p. 80)

A história das instituições educacionais almeja dar conta dos vários


sujeitos envolvidos no processo educativo, investigando aquilo que se
passa no interior das escolas, gerando um conhecimento mais
aprofundado desses espaços sociais destinados aos processos de
ensino e de aprendizagem (...).

Nosso objetivo é compreender quem era o aluno da Escola de Aprendizes Artífices de


Minas Gerais, chamado de forma genérica pela legislação de “desfavorecidos da
fortuna”. A documentação principal utilizada são as pastas dos alunos da referida
instituição, referentes à década de 1930, cujas informações tem nos permitido aproximar
do perfil desse aluno por meio de elementos como faixa etária, etnia, curso escolhido,
tempo de permanência na instituição, profissão dos pais, lugar onde moravam.

Meninos desvalidos e ensino profissional


As Escolas de Aprendizes e Artífices foram criadas no Brasil em 1909, por meio de um
decreto do presidente Nilo Peçanha, com o objetivo de ministrar ensino técnico
2

profissional de nível primário, gratuitamente para crianças na idade entre 10 e 13 anos3.


Primeira iniciativa nacional republicana, essa rede de escolas era assim justificada:

O aumento constante da população das cidades exige que se facilite às


classes operárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes
da luta pela existência. É necessário não só habilitar os filhos dos
desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e
profissional, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo que
os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime (DECRETO n.
7.566, 23 set. 1909).

Subordinada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio4 tais escolas eram


explicitamente destinadas aos “desfavorecidos da fortuna”, como dizia o decreto. Seu
objetivo, reafirmado pelo ministro da referida pasta, era impedir a tendência à
ociosidade que rondava os “desprovidos dos meios de vencer a luta pela existência”,
despertando neles “o amor pelo trabalho”, tornando-os úteis à sociedade (RELATÓRIO
do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1909-1910, p. 135).
Para tanto, segundo as instruções expedidas pelo ministro, as referidas escolas deveriam
oferecer o aprendizado de oficinas, “sobre as diversas artes manuais e mecânicas” o
curso primário e o de desenho.

Nas Escolas de Aprendizes Artífices, custeadas pela União, se


procurará formar operários e contra-mestres, ministrando-se o ensino
prático e os conhecimentos técnicos necessários aos menores que
pretenderem aprender um ofício, havendo, para isso, até o número de
cinco, as oficinas de trabalho manual ou mecânicos que forem mais
convenientes e necessárias ao Estado em que funcionar a escola (...)
(Instruções para as Escolas de Aprendizes Artífices, 15 de janeiro de
1910, art. 2º)

Deveria, ainda, admitir os alunos de acordo com o seu espaço físico, exigindo dos
candidatos à matrícula idade entre 10 e 13 anos, requerimento de matrícula feito pela
mãe, pai ou responsável, ausência de doenças infecto contagiosas, ou “defeitos físicos
que os inabilitassem para a aprendizagem de ofícios”. Dentre os que cumprissem esses
requisitos, o decreto orientava que fossem “preferidos os desfavorecidos da fortuna”
(DECRETO n. 7.566, 23 set. 1909, art. 6º). A comprovação de ser o candidato destituído
de recursos deveria ser feita “por atestação de pessoas idôneas, a juízo do diretor”. Este
também poderia dispensar o atestado quando conhecesse pessoalmente as condições do
candidato à matrícula (DECRETO, 7763, 23 dez, 1909, art. 6º, § 2).
Tal orientação não dava às classes pobres a exclusividade de acesso a essas escolas, mas
deixava clara a intenção de que era a esses segmentos que elas se destinavam5. O que
não chegava a ser novidade, uma vez que as poucas experiências estatais, no século
XIX, de fundar estabelecimentos para o ensino técnico, se dirigiam também aos pobres,
órfãos e abandonados, ou seja, aos “desvalidos da sorte” (FONSECA, 1961). Na
República, esse tipo de escola era almejada como condição de incorporação dos
segmentos pobres à ordem republicana pela via do trabalho. No coração desse projeto,
3

havia a intenção de alterar a atitude do homem comum frente ao trabalho mecânico,


aquele que até um passado recente havia sido executado, ainda que não exclusivamente,
pelas mãos dos escravos. Se, de um lado, havia o discurso do progresso econômico,
advindo da formação e da qualificação da força de trabalho, de outro, era presente a
argumentação de que o ensino técnico profissional seria instrumento de
disciplinarização das camadas pobres e trabalhadoras no Brasil, contribuindo para a
participação ordeira e industriosa desses segmentos no movimento da cidade. Essa
preocupação estava ligada, no caso dos ofícios mecânicos, que aqui nos interessa mais
de perto, ao crescimento das cidades e de uma população pobre vista como
“desocupada” e, por isso, potencialmente tendente ao crime e à marginalização. Por
isso, as propostas e iniciativas nesse sentido vinham, via de regra, destinadas aos
segmentos pobres da sociedade, denominados “desvalidos da sorte” ou “desfavorecidos
da fortuna”.
Tal preocupação encontrava ressonância em muitas cidades do país. Em Belo
Horizonte, a necessidade de uma escola técnica profissional que concretizasse esse
ideal, já se fazia sentir mesmo antes da criação da Escola de Aprendizes Artífices. Em
panfleto distribuído pela cidade, e publicado no jornal local, Diário de Notícias, um
grupo anunciava sua pretensão de criar um estabelecimento que solucionasse esse
problema:

Desolados pelo que vemos diariamente na Capital do Estado, onde os


nossos pequenos patricios não protegidos da fortuna vagavam pelas
ruas na indolência e maltrapilhos, sem um meio honesto de ganhar a
vida enveredados, portanto, no caminho do crime, resolvemos fundar
uma escola profissional, onde à parte da instrução primaria, o menino
aprenda um oficio ou arte que lhe garanta o pão futuro (DIARIO DE
NOTÍCIAS, 14 ago 1907)

Poucos meses depois, o jornal Atualidade (04 fev 1908) denunciava o aumento da
“sujeira no centro da cidade”, causado pelas crianças que para lá iam mendigar,
sugerindo que as autoridades públicas deveriam “arrumar um lugar para ficar estas
crianças e lhes ensinarem a aprender a trabalhar (...)”.
Depois de estabelecida a Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais, ela seria
saudada como lugar de constituição de “cidadãos aptos ao trabalho e a ele acostumados”
(Minas Gerais, 11 set 1912, p. 4). Duas décadas depois de instalada, a imprensa mineira
lembrava ser a Escola “uma vasta oficina de trabalho” que recrutava seus alunos entre
as crianças pobres e menos favorecidas da fortuna, ou mesmo entre “a ociosidade
corruptora e vagabunda” das ruas da capital (Estado de Minas, 26 abr 1928, p. 1).
Dessa destinação feita pelas elites políticas do país do ensino de ofícios aos meninos e
adolescentes pobres em determinado momento da nossa história, nasceu uma tendência
de se naturalizar e de tornar direta a relação ensino técnico profissional / pobreza. Mas,
quem era o aluno das referidas escolas? Em Belo Horizonte, que parcela da população
procurava a Escola de Aprendizes Artífices como lugar de formação de seus filhos ou
tutelados? Aqueles que procuravam a Escola correspondiam à destinação apontada nos
textos legais e jornalísticos do período? É possível perceber uma apropriação desse tipo
de escola por outros segmentos sociais?
4

Os alunos da Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais na década de 1930


Da Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais (1910/1941), a Seção de Registro
Escolar do CEFET/MG guarda, ainda hoje, as fichas de matrícula dos alunos que ali
estudaram desde a década de 19306. As fichas que nos interessam e que foram aqui
analisadas se situam entre os anos de 1932 a 1942, sendo que 1941 foi o ano da
mudança de Escola de Aprendizes Artífices, com ensino profissional primário, para
Liceu Industrial, com ensino profissional ginasial. A opção por incluir também as fichas
de 1942 se justifica por entendermos ser este um ano de transição entre a Escola de
Aprendizes e o Liceu, não havendo inclusive mudanças nas fichas dos alunos.
As fichas estão organizadas por ordem alfabética e arquivadas dentro de pacotes que
contém documentos de alunos até 1978, ultrapassando o período dessa pesquisa. Até o
momento (agosto de 2008) foram analisadas 488 fichas de matrícula de alunos, que
avaliamos representar cerca de 60% do total da documentação7. A partir dela, estamos
elaborando um banco de dados com informações tais como: nome, data de nascimento,
período matriculado, curso, residência, profissão do pai, filiação, naturalidade, sendo
que algumas possuem fotos dos alunos.
Afim de traçar o perfil dos alunos que estudaram na Escola de aprendizes Artífices de
Minas Gerais está sendo feito um registro mais detalhado, onde são enumeradas fichas
que constam informações pessoais e sobre a vida acadêmica desses alunos.

1) Idade dos alunos e tempo de permanência na instituição


Desde 1918, a legislação federal sobre as Escolas de Aprendizes Artífices, determinava
que a idade para ingresso nessas instituições deveria ser de 10 a 16 anos
(REGULAMENTO do Decreto nº 13.064 de 1918, art. 7º).

À matrícula das escolas serão admitidos os menores cujos pais, tutores


ou responsáveis o requererem dentro do prazo marcado e que
possuírem os seguintes requisitos, preferidos os desfavorecidos da
fortuna:
a) Idade de 10 anos no mínimo e 16 anos no máximo;
b) Não sofrerem de doenças infecto-contagiosas;
c) Não terem defeitos físicos que os inabilitem para o aprendizado do
ofício.

A extensão da idade da matrícula para 16 anos, no máximo, já havia sido introduzida


em 19118, sendo que um dos argumentos para a instituição dessa prática o fato de que
com o limite anteriormente estabelecido – 10 a 13 anos – os alunos sairiam muito
jovens para trabalhar nas oficinas. Lembrando que o objetivo de tais escolas não era
formar operários, mas mestres e contra-mestres. Esse era um dos argumentos do
primeiro diretor da Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais para solicitar ao
Ministério da Indústria e Comércio a extensão da idade para ingresso na instituição.
Segundo ele
5

Sendo o curso de aprendizado também de 04 anos, o aluno de 10 anos


de idade sairá com 14 no máximo, supondo que não perde ano algum;
e deve estar apto para bem desempenhar as funções de bom oficial ou
mesmo de contra-mestre. É sabido que em todas as carreiras da vida
não são só as qualidades morais e as habilitações que nos tornam
respeitados e respeitáveis; a idade que nos dá o desenvolvimento
completo da razão é fator importante, que não se deve desprezar.
Ora, com 14 anos de idade, o aluno ainda é um menino imberbe e não
inspirará respeito aos operários de uma oficina, seus subalternos, nem
poder-se-á confiar na sua administração, salvo raras exceções. (LEAL,
1911, p. 18)

Esses limites legais estabelecidos para matrícula nem sempre foram respeitados. Em
Minas Gerais, na década de 1930, detectamos casos de alunos que se matricularam na
Escola com 27/28 anos, idade bem superior ao limite máximo de 16 anos estabelecido.
O caso mais surpreendente foi o de João Damasceno do Espírito Santo, nascido em
1897 e que, em 1938, matriculou-se na Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais
com 41 anos de idade, para aprender o ofício de marceneiro.

Faixa Etária
Idade (anos) Número de Alunos
9 1
10 61
11 116
12 101
13 74
14 54
15 36
16 17
Acima de 17 anos 12
Não identificada 16
Total 488

Além disso, foi possível observar que mais da metade dos alunos ingressavam na Escola
com a idade de até 12 anos. A hipótese mais provável para explicar a concentração de
matrículas nessa faixa etária é o fato de que a legislação, desde novembro 1932, ao
regulamentar o trabalho do menor, estabeleceu o limite de 14 anos de idade para o
trabalho fabril (RODRIGUES, 1990, p. 515). Nesse período, o tempo de duração dos
cursos era de 6 anos, dividido em 2 anos como estágio pré-vocacional, com prática de
trabalhos manuais (paralelamente ao ensino primário), 2 anos de aprendizagem de ofício
e mais 2 anos complementares (CUNHA, 2000, p. 73). Assim, entrando com 10/12 anos,
aos 14/16 esses meninos já teriam feito a aprendizagem de um ofício.
Entretanto, pouquíssimos alunos concluíam o curso, como se pode ver na tabela abaixo,
sendo que em torno de 65% da nossa amostragem permaneceu na instituição por apenas
6

um ano. Se somarmos o número daqueles que se matricularam na Escola por um ou dois


anos teremos que quase 85% dos alunos permanecia na instituição por, no máximo, dois
anos.

Tempo de permanência dos alunos na Escola


Tempo Número de alunos
1 ano 318
2 anos 91
3 anos 34
4 anos 21
5 anos 8
6 anos 5
7/8 anos 2
Não informado 9
Total 488

Essa curta permanência na instituição, detectada em outras escolas congêneres (CUNHA,


2000), pode estar relacionada com um ingresso precoce no mercado de trabalho,
observado entre as crianças pobres no Brasil. As famílias retiravam as crianças da
escola tão logo elas possuíssem algum conhecimento profissional, certamente para que
pudessem trabalhar. Somada à pouca idade dos meninos que ingressavam na instituição,
é possível supor que esse ingresso no mercado de trabalho se dava antes dos 14 anos,
idade mínima estabelecida pela legislação oficial para o trabalho do menor.

2) Ofício escolhido
Em relação aos ofícios, a grande maioria dos alunos da Escola de Aprendizes Artífices
escolhia a Latoaria, ofício ligado a trabalhos com metais, seguida da marcenaria.

Ofício Nº de Escolhas
Latoaria 218
Marcenaria 129
Vimeria 46
Mecânica 15
Beneficiamento Mecânico da Madeira 26
Carpintaria 6
Ourivesaria 5
Não Identificados 43
Total 488
7

À exceção do curso de mecânica, cuja primeira ocorrência na Escola de Aprendizes


Artífices de Minas Gerais aparece no ano de 1935, todos os ofícios são mais artesanais
do que propriamente industriais, o que certamente, como aponta Cunha (2000), se
relaciona com o esforço de adaptação e ajuste dessas escolas aos mercados locais. Esse
quadro fez com que se colocasse muita ênfase no fato de que, dada a industrialização
incipiente e concentrada em poucas cidades no Brasil daquele período, o ensino
profissional teria muito mais a função de integração e disciplinarização do trabalhador
do que de qualificação de mão-de-obra para o mercado (CUNHA, 2000). Entretanto, as
famílias colocavam seus filhos nessas escolas na esperança de que a aprendizagem
profissional lhes possibilitasse uma melhor inserção no mundo do trabalho, o que
efetivamente ocorreu com alguns dos ex-alunos da Escola mineira (PEREIRA, 2008).
No caso de Belo Horizonte, havia uma necessidade constante de profissionais ligados a
esses ofícios, uma vez que a cidade, fundada em 1897, ainda nos anos de 1940 era um
verdadeiro canteiro de obras, provocado por um crescimento para além daquele
planejado na época da sua construção. Se a Escola de Aprendizes Artífices de Minas
Gerais não cumpria o objetivo almejado de formar profissionais para incentivar as
indústrias, ela se constituiu num espaço de formação de força de trabalho para a
constante construção e reconstrução da capital mineira.
Além disso, é possível ainda relacionar a aprendizagem de ofícios de caráter artesanal à
idade dos alunos, apontando para uma possível adequação entre o mercado local e o
sujeito-aluno dessa Escola. Lembrando que a grande maioria deles se matriculava com
idade entre 10 e 12 anos, certamente, haveria alguma dificuldade de adaptação destes ao
maquinário industrial. Situação que foi apontada pelo primeiro diretor da Escola
mineira:

Os meninos nas Escolas de Aprendizes Artífices têm de trabalhar


fazendo objetos de utilidade geral e não meros brinquedos. Para isso,
as várias ferramentas e as máquinas indispensáveis com que eles têm
de lidar, exigem indubitavelmente muito cuidado do mestre e deles
próprios para que não se lamentem sérios acidentes.
Ora a consciência e a compreensão do perigo a que se expõe um
aprendiz, a despeito do máximo cuidado, só pode ter os meninos de 12
anos, geralmente, ou mais. Uma criança de 10 anos é quase ingênua,
sua curiosidade a arrasta para o perigo, tudo lhe parece brinquedo.
(LEAL, 1911, p. 19)

3) Origem social dos alunos


A partir dos dados das fichas de matrículas da Escola de Aprendizes Artífices de Minas
Gerais, uma das maneiras de se aproximar da origem social de seus alunos é levantando
a profissão de seus pais. Outra é investigando a localização de suas moradias no espaço
geográfico da cidade.
Com relação ao primeiro ponto, as fichas de matrícula nos revelam uma diversidade nas
profissões exercidas pelos pais desses alunos. Nela podemos perceber que, apesar de
uma porcentagem bastante elevada de profissões de baixa renda, é possível detectar
algumas profissões de nível social mais elevado, como comerciantes, fazendeiros,
8

dentistas que, se não chegam a caracterizar uma elite, também não podem ser
caracterizados como desfavorecidos da fortuna.

Profissões dos Pais


Profissão Ocorrências Profissão Ocorrências
Doméstica 82 Eletricista 2
Operário 56 Hortelão 2
Pedreiro 35 Marmorista 2
Funcionário Público 25 Padeiro 2
Comerciante 21 Professora 2
Lavrador 19 Fiscal 1
Carpinteiro 18 Porteiro 1
Guarda Civil 14 Açougueiro 1
Choufeur 12 Agrônomo 1
Carroceiro 9 Ajudante de Fundidor 1
Funcionário da Estrada de Ferro 9 Barbeiro 1
Sapateiro 8 Chapeleiro 1
Militar 7 Curtidor 1
Funcionário da R. M. de Viação 7 Dentista 1
Alfaiate 4 Estucador 1
Cozinheira 4 Fabricante de Tijolos 1
Guarda Livros 4 Ferrador de animais 1
Marceneiro 4 Foureiro 1
Pintor 4 Inspetor de Veículos 1
Rondante 4 Jardineiro 1
Ambulante 3 Ladrilheiro 1
Bombeiro 3 Leiteiro 1
Cambista 3 Músico 1
Construtor 3 Negociante 1
Costureira 3 Polidor de Mármore 1
Fazendeiro 3 Radiotegrafista 1
Lavadeira 3 Servente de Grupo Escolar 1
Carregador 2 Tintureiro 1
Celeiro 2 Trabalhos Diversos 1
Correios 2 Eletricista 2

A questão referente à localização das residências dos alunos no espaço geográfico da


cidade ainda está em fase de elaboração. O trabalho tem sido o de localizar, no mapa de
Belo Horizonte, da década de 1930/1940, os endereços constantes nas fichas dos alunos,
buscando situá-los nos espaço social da capital mineira.
9

Segundo os pesquisadores que analisam o projeto urbanístico de Belo Horizonte, a


cidade foi projetada em três zonas concêntricas de ocupação: uma central, a chamada
zona urbana, área planejada, limpa, arejada e de traçado geométrico e regular, habitada
pelas elites e pelas classes médias; outra, periférica, a zona suburbana, lugar do
provisório, de construções precárias e ruas desalinhadas, preterida pelo planejamento e
excluída das promessas de progresso, habitada pelas camadas pobres; e, por último, a
zona rural, onde seriam alocados sítios e pequenas fazendas. Dividindo as zonas
suburbanas e rural da zona urbana estava a Av. 17 d Dezembro9. Essa geometria, que
orientou a construção da cidade, buscava “alocar em diferentes espaços as diferentes
classes sociais”, reservando o centro urbano para as elites civilizadas:

o projeto de cidadania e de cultura expresso no projeto urbano


demarcava os lugares físicos, econômicos, sociais e culturais
dos diferentes sujeitos sociais, de forma a resguardar e fazer
sobressair os espaços de civilidade como paradigma da
sociedade moderna (...) as áreas centrais deveriam ser habitadas
por indivíduos dignos e civilizados e os pobres alocados em
áreas distantes para que não comprometessem a ordem (VEIGA e
FARIA FILHO, 1999, p. 28).

Os dados encontrados até agora nos mostram um grande número de alunos da Escola de
Aprendizes Artífices que moravam na zona central da cidade, espaço menos acessível,
do ponto de vista sócio-econômico. O que nos leva a problematizar seja o que se
entende por “desvalido da fortuna”, seja o entendimento corrente a respeito da condição
de “desvalidos da fortuna” relacionado a esses alunos. Em alguns casos, o endereço em
local nobre da cidade estava relacionado ao emprego do pai ou da mãe. É o caso, por
exemplo, de Dalvo Geraldo Ferreira, matriculado na Escola em 1938, cuja mãe
trabalhava como doméstica e, certamente, morava no local de trabalho – rua Major
Lopes – tendo fornecido esse endereço ao realizar a matrícula de seu filho. Mas há
também casos como o de Ismar Geraldo Pontes Nogueira, matriculado em 1941, cujo
pai era fiscal do imposto de consumo e que residia na rua Guajajaras, na área central da
cidade. Ainda que sua condição sócio-econômica, indiciada pela profissão do pai e pelo
local de residência declarado, não fosse elevada, não nos permite também caracterizá-lo
como “desvalido da sorte”.
Os dados aqui apresentados estão apenas começando a ser trabalhados nessa pesquisa,
mas entendemos que eles são fundamentais para a construção da identidade histórica da
instituição10. Se eles ainda não nos permitem conclusões sobre as questões levantadas,
nos levam a reafirmar a importância e a necessidade de se investigar o sujeito/aluno da
Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais, e de retirá-los do lugar comum dos
“desvalidos da sorte”.

1
Essa investigação conta com a participação do professor Dr. James William Goodwin Júnior e dos
bolsistas de iniciação científica, Thaís Cota de Souza, Rafaela Felisardo e Marcus Vinícius de Sá Durso,
financiados pelo CNPq e pela FAPEMIG.
10

2
A Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais sofreu diversas modificações ao longo de sua
trajetória, tendo se transformado, em 1941, em Liceu Industrial de Minas Gerais e, no ano seguinte, em
Escola Técnica Federal de Belo Horizonte. Em 1978, ganhou o nome e a configuração atual de Centro
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG), atravessando assim quase um século de
história, marcando o cenário urbano da capital mineira e a vida de seus habitantes.
3
Essa era a idade estipulada pelo decreto n. 7763 de 1909. Nos regulamentos posteriores essa idade vai
variar: 12 e 16 anos no regulamento de 1911 e 10 e 16 anos no regulamento de 1918.
4
A partir de 1930, as Escolas de Aprendizes e Artífices passa a ser subordinas ao Ministério da Educação
e Saúde.
5
Orientação que se repetiu em várias outras peças legislativas e documentos oficiais. Ver, por exemplo,
Instruções para as Escolas de Aprendizes Artífices, 15 de janeiro de 1910 art. 6º e 8º; Decreto 9070 de 25
de outubro de 1911.
6
Não encontramos na instituição documentação de alunos anterior à 1932.
7
Não é possível com precisão a quantidade de fichas de matrícula de alunos referentes ao período da
Escola de Aprendizes Artífices, uma vez que essa documentação encontra-se arquivada, em ordem
alfabética, e não cronologicamente, estando misturada com fichas de alunos até o ano de 1978.
8
No Decreto 9.070, de 25 de outubro de 1911, art. 7º a idade estabelecida para matrícula era de 12 a 16
anos.
9
Atual Av. do Contorno.
10
Além disso, queremos investigar também, a partir dos endereços dos alunos, o percurso provável que
estes faziam até a Escola, tentando captar a relação/apropriação desses meninos com a cidade de Belo
Horizonte.

Referências
A ATUALIDADE, Belo Horizonte, fev. 1908.
BRASIL, Decretos n. 7566, de 1909; n. 378, de 1937; n. 6029 de 1942.
CHAMON, Carla S. A Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais (1910-1941): a
produção da escola no espaço da cidade. Trabalho apresentado no VII Congresso Luso-
Brasileiro de Historia da Educação: cultura escolar, migrações e cidadania, Porto, 20-
23 de junho de 2008, mimeo.
CUNHA, Luiz Antônio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. S.P.:
UNESP, Brasília, DF: Flacso, 2000.
DIARIO de Notícias, Belo Horizonte, agosto-dezembro de 1907
ESTADO DE MINAS, Belo Horizonte, 1928.
FONSECA, Celso Suckow. História do Ensino Profissional no Brasil. Rio de Janeiro,
MEC, 1961.
GATTI JÚNIOR, Décio e PESSANHA, E. C. História da educação, instituições e
cultura escolar: conceito, categorias e materiais históricos. In: GATTI JÚNIOR e
INACIO FILHO (Ogs.) História da Educação em Perspectiva. SP., Campinas: Autores
Associados; Uberlândia, MG: EDUFU, 2005, pp. 71-90.
11

LEAL, Augusto Cândido Ferreira. Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais.


Relatório apresentado ao Exmo Sr. Ministro da Agricultura Indústria e Comércio, Dr.
Pedro de Toledo, pelo diretor da Escola (1910). B.H.: Typ. Commercial, 1911.
MAGALHÃES, Justino P. A história das instituições educacionais em perspectiva. In:
GATTI JÚNIOR e INACIO FILHO (Ogs.) História da Educação em Perspectiva. SP.,
Campinas: Autores Associados; Uberlândia, MG: EDUFU, 2005, pp. 91-103.
MINAS GERAIS, Belo Horizonte, 1912.
PEREIRA, Bernadetth M. A Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais, primeira
configuração escolar do CEFET/MG, na voz de seus alunos pioneiros. Tese
(doutorado), 2008 - Faculdade de Educação da UNICAMP, 2008.
PORTARIA de 15 jan 1910, Instruções para as Escolas de Aprendizes Artífices. In:
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REGULAMENTO do Decreto nº 13.064 de 1918RELATÓRIO do Ministro da
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RODRIGUES, Leôncio Martins. Sindicalismo e Classe Operária (1930-1964). In:
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VEIGA, Cynthia Greive; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Infância no sótão. Belo
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VEIGA, Cynthia Greive; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Belo Horizonte: a escola
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Depto de História da Fafích/UFMG, n. l8, set/1997, pp. 203-222.

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