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Deveria, ainda, admitir os alunos de acordo com o seu espaço físico, exigindo dos
candidatos à matrícula idade entre 10 e 13 anos, requerimento de matrícula feito pela
mãe, pai ou responsável, ausência de doenças infecto contagiosas, ou “defeitos físicos
que os inabilitassem para a aprendizagem de ofícios”. Dentre os que cumprissem esses
requisitos, o decreto orientava que fossem “preferidos os desfavorecidos da fortuna”
(DECRETO n. 7.566, 23 set. 1909, art. 6º). A comprovação de ser o candidato destituído
de recursos deveria ser feita “por atestação de pessoas idôneas, a juízo do diretor”. Este
também poderia dispensar o atestado quando conhecesse pessoalmente as condições do
candidato à matrícula (DECRETO, 7763, 23 dez, 1909, art. 6º, § 2).
Tal orientação não dava às classes pobres a exclusividade de acesso a essas escolas, mas
deixava clara a intenção de que era a esses segmentos que elas se destinavam5. O que
não chegava a ser novidade, uma vez que as poucas experiências estatais, no século
XIX, de fundar estabelecimentos para o ensino técnico, se dirigiam também aos pobres,
órfãos e abandonados, ou seja, aos “desvalidos da sorte” (FONSECA, 1961). Na
República, esse tipo de escola era almejada como condição de incorporação dos
segmentos pobres à ordem republicana pela via do trabalho. No coração desse projeto,
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Poucos meses depois, o jornal Atualidade (04 fev 1908) denunciava o aumento da
“sujeira no centro da cidade”, causado pelas crianças que para lá iam mendigar,
sugerindo que as autoridades públicas deveriam “arrumar um lugar para ficar estas
crianças e lhes ensinarem a aprender a trabalhar (...)”.
Depois de estabelecida a Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais, ela seria
saudada como lugar de constituição de “cidadãos aptos ao trabalho e a ele acostumados”
(Minas Gerais, 11 set 1912, p. 4). Duas décadas depois de instalada, a imprensa mineira
lembrava ser a Escola “uma vasta oficina de trabalho” que recrutava seus alunos entre
as crianças pobres e menos favorecidas da fortuna, ou mesmo entre “a ociosidade
corruptora e vagabunda” das ruas da capital (Estado de Minas, 26 abr 1928, p. 1).
Dessa destinação feita pelas elites políticas do país do ensino de ofícios aos meninos e
adolescentes pobres em determinado momento da nossa história, nasceu uma tendência
de se naturalizar e de tornar direta a relação ensino técnico profissional / pobreza. Mas,
quem era o aluno das referidas escolas? Em Belo Horizonte, que parcela da população
procurava a Escola de Aprendizes Artífices como lugar de formação de seus filhos ou
tutelados? Aqueles que procuravam a Escola correspondiam à destinação apontada nos
textos legais e jornalísticos do período? É possível perceber uma apropriação desse tipo
de escola por outros segmentos sociais?
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Esses limites legais estabelecidos para matrícula nem sempre foram respeitados. Em
Minas Gerais, na década de 1930, detectamos casos de alunos que se matricularam na
Escola com 27/28 anos, idade bem superior ao limite máximo de 16 anos estabelecido.
O caso mais surpreendente foi o de João Damasceno do Espírito Santo, nascido em
1897 e que, em 1938, matriculou-se na Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais
com 41 anos de idade, para aprender o ofício de marceneiro.
Faixa Etária
Idade (anos) Número de Alunos
9 1
10 61
11 116
12 101
13 74
14 54
15 36
16 17
Acima de 17 anos 12
Não identificada 16
Total 488
Além disso, foi possível observar que mais da metade dos alunos ingressavam na Escola
com a idade de até 12 anos. A hipótese mais provável para explicar a concentração de
matrículas nessa faixa etária é o fato de que a legislação, desde novembro 1932, ao
regulamentar o trabalho do menor, estabeleceu o limite de 14 anos de idade para o
trabalho fabril (RODRIGUES, 1990, p. 515). Nesse período, o tempo de duração dos
cursos era de 6 anos, dividido em 2 anos como estágio pré-vocacional, com prática de
trabalhos manuais (paralelamente ao ensino primário), 2 anos de aprendizagem de ofício
e mais 2 anos complementares (CUNHA, 2000, p. 73). Assim, entrando com 10/12 anos,
aos 14/16 esses meninos já teriam feito a aprendizagem de um ofício.
Entretanto, pouquíssimos alunos concluíam o curso, como se pode ver na tabela abaixo,
sendo que em torno de 65% da nossa amostragem permaneceu na instituição por apenas
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2) Ofício escolhido
Em relação aos ofícios, a grande maioria dos alunos da Escola de Aprendizes Artífices
escolhia a Latoaria, ofício ligado a trabalhos com metais, seguida da marcenaria.
Ofício Nº de Escolhas
Latoaria 218
Marcenaria 129
Vimeria 46
Mecânica 15
Beneficiamento Mecânico da Madeira 26
Carpintaria 6
Ourivesaria 5
Não Identificados 43
Total 488
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dentistas que, se não chegam a caracterizar uma elite, também não podem ser
caracterizados como desfavorecidos da fortuna.
Os dados encontrados até agora nos mostram um grande número de alunos da Escola de
Aprendizes Artífices que moravam na zona central da cidade, espaço menos acessível,
do ponto de vista sócio-econômico. O que nos leva a problematizar seja o que se
entende por “desvalido da fortuna”, seja o entendimento corrente a respeito da condição
de “desvalidos da fortuna” relacionado a esses alunos. Em alguns casos, o endereço em
local nobre da cidade estava relacionado ao emprego do pai ou da mãe. É o caso, por
exemplo, de Dalvo Geraldo Ferreira, matriculado na Escola em 1938, cuja mãe
trabalhava como doméstica e, certamente, morava no local de trabalho – rua Major
Lopes – tendo fornecido esse endereço ao realizar a matrícula de seu filho. Mas há
também casos como o de Ismar Geraldo Pontes Nogueira, matriculado em 1941, cujo
pai era fiscal do imposto de consumo e que residia na rua Guajajaras, na área central da
cidade. Ainda que sua condição sócio-econômica, indiciada pela profissão do pai e pelo
local de residência declarado, não fosse elevada, não nos permite também caracterizá-lo
como “desvalido da sorte”.
Os dados aqui apresentados estão apenas começando a ser trabalhados nessa pesquisa,
mas entendemos que eles são fundamentais para a construção da identidade histórica da
instituição10. Se eles ainda não nos permitem conclusões sobre as questões levantadas,
nos levam a reafirmar a importância e a necessidade de se investigar o sujeito/aluno da
Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais, e de retirá-los do lugar comum dos
“desvalidos da sorte”.
1
Essa investigação conta com a participação do professor Dr. James William Goodwin Júnior e dos
bolsistas de iniciação científica, Thaís Cota de Souza, Rafaela Felisardo e Marcus Vinícius de Sá Durso,
financiados pelo CNPq e pela FAPEMIG.
10
2
A Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais sofreu diversas modificações ao longo de sua
trajetória, tendo se transformado, em 1941, em Liceu Industrial de Minas Gerais e, no ano seguinte, em
Escola Técnica Federal de Belo Horizonte. Em 1978, ganhou o nome e a configuração atual de Centro
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG), atravessando assim quase um século de
história, marcando o cenário urbano da capital mineira e a vida de seus habitantes.
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Essa era a idade estipulada pelo decreto n. 7763 de 1909. Nos regulamentos posteriores essa idade vai
variar: 12 e 16 anos no regulamento de 1911 e 10 e 16 anos no regulamento de 1918.
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A partir de 1930, as Escolas de Aprendizes e Artífices passa a ser subordinas ao Ministério da Educação
e Saúde.
5
Orientação que se repetiu em várias outras peças legislativas e documentos oficiais. Ver, por exemplo,
Instruções para as Escolas de Aprendizes Artífices, 15 de janeiro de 1910 art. 6º e 8º; Decreto 9070 de 25
de outubro de 1911.
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Não encontramos na instituição documentação de alunos anterior à 1932.
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Não é possível com precisão a quantidade de fichas de matrícula de alunos referentes ao período da
Escola de Aprendizes Artífices, uma vez que essa documentação encontra-se arquivada, em ordem
alfabética, e não cronologicamente, estando misturada com fichas de alunos até o ano de 1978.
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No Decreto 9.070, de 25 de outubro de 1911, art. 7º a idade estabelecida para matrícula era de 12 a 16
anos.
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Atual Av. do Contorno.
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Além disso, queremos investigar também, a partir dos endereços dos alunos, o percurso provável que
estes faziam até a Escola, tentando captar a relação/apropriação desses meninos com a cidade de Belo
Horizonte.
Referências
A ATUALIDADE, Belo Horizonte, fev. 1908.
BRASIL, Decretos n. 7566, de 1909; n. 378, de 1937; n. 6029 de 1942.
CHAMON, Carla S. A Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais (1910-1941): a
produção da escola no espaço da cidade. Trabalho apresentado no VII Congresso Luso-
Brasileiro de Historia da Educação: cultura escolar, migrações e cidadania, Porto, 20-
23 de junho de 2008, mimeo.
CUNHA, Luiz Antônio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. S.P.:
UNESP, Brasília, DF: Flacso, 2000.
DIARIO de Notícias, Belo Horizonte, agosto-dezembro de 1907
ESTADO DE MINAS, Belo Horizonte, 1928.
FONSECA, Celso Suckow. História do Ensino Profissional no Brasil. Rio de Janeiro,
MEC, 1961.
GATTI JÚNIOR, Décio e PESSANHA, E. C. História da educação, instituições e
cultura escolar: conceito, categorias e materiais históricos. In: GATTI JÚNIOR e
INACIO FILHO (Ogs.) História da Educação em Perspectiva. SP., Campinas: Autores
Associados; Uberlândia, MG: EDUFU, 2005, pp. 71-90.
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