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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)

DEPARTAMENTO DE SOCIEDADE,
EDUCAÇÃO E CONHECIMENTO (SSE) - FEUFF
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Professor: Reginaldo Scheuermann Costa


Disciplina: Organização Educacional no Brasil
Aluno: Daniel Gonçalves de Oliveira Barreto
A educação, como expresso no livro de C. Brandão “O que é a educação”, é
reprodutora e reafirmadora dos valores da sociedade a qual está inserida. Dessa forma, como
o Ocidente está inserido em um sistema capitalista, o processo educacional nesse espaço
estará voltado a atender a lógica capitalista.
Com o objetivo de sustentar essa tese, podemos enxergar como o processo
educacional foi sendo moldado no tempo e no espaço. Em sociedades sem uma divisão social
do trabalho bem definidas, a educação não estava confinada em um espaço formal como a
Escola. Ela era integrada a todas as atividades que o indivíduo em formação participava sejam
elas laboriosas, religiosas, etc . Nas palavras de Brandão:

“Quando os antropólogos pouco falam em educação, eles pouco querem falar de


processos formalizados de ensino. Porque, onde os andamaneses, os maori, os
apaches ou os xavantes praticam, e os antropólogos identificam processos
sociais de aprendizagem, não existe ainda nenhuma situação propriamente
escolar de transferência do saber tribal que vai do fabrico do arco e flecha à
recitação das rezas sagradas aos deuses da tribo.” [BRANDÃO, 1997. p. 17)

Nessas sociedades, assim como na nossa, a educação possuía como objetivo a formação dos
sujeitos, porém, como essas não estavam ligadas a lógica do mercado, não possuíam como
fim atender à ela e sim aos objetivos relevantes a sua cultura.
É com o desenvolvimento da organização de uma sociedade e o surgimento da
problemática que envolve a divisão social do trabalho, ou seja, quando começa a haver a
especialização de certos indivíduos em determinadas áreas de uma sociedade, que surge a
necessidade de se pensar como transmitir o conhecimento, o que transmitir e para quem
transmiti-lo. Há, portanto, a partir desse momento, uma divisão entre os sujeitos nesses
espaços, logo, uma diferenciação na forma de se ensinar e o que ensinar para essas pessoas:

“Mesmo em algumas sociedades primitivas, quando o trabalho que produz os


bens e quando o poder que reproduz a ordem são divididos e começam a gerar
hierarquias sociais, também o saber comum da tribo se divide, começa a se
distribuir desigualmente e pode passar a servir ao uso político de reforçar a
diferença, no lugar de um saber anterior, que afirmava a comunidade.”
[BRANDÃO, 1997. p. 27]
Portanto, as desigualdades sociais presentes em uma sociedade segmentada são reproduzidas
no ambiente educacional.
. A partir do desenvolvimento do capitalismo e da divisão social do trabalho, o
ambiente de ensino é formalizado. São nesses espaços que os agora estudantes aprenderão o
necessário para poder integrar na sociedade enquanto membros ativos delas. A educação,
portanto, passa a atender a lógica de mercado. O objetivo dela se torna a formação de
indivíduos dentro de uma sociedade capitalista, dessa forma, ela se segmenta em diferentes
tipos e com diferentes objetivos, esses relativos aos sujeitos que estão sendo ensinados; a
educação que um filho de trabalhador possui será diferente da de um filho de um burguês, por
exemplo. Logo, ela estará reafirmando as diferenças existentes dentro dessa sociedade,
portanto, reafirmando os valores capitalistas em que ela está imersa.
Como a educação passa a ser afirmadora do Capitalismo e de sua lógica de mercado,
ela passará a se adaptar às diferentes transformações que essa lógica sofre no tempo. Quando
tratamos da educação para os trabalhadores, essa estará sujeita às diferentes formas de
exploração do trabalho bem como às mudanças nas relações contratuais em uma sociedade,
moldando-se e adaptando-se a elas. Sobre o caso brasileiro, nas palavras de Brandão:

“E, tal como aconteceu em outros setores da sociedade brasileira, as inovações


propostas para a educação propiciaram novos tipos de usos práticos de todo o
aparato pedagógico, adaptando·o à realidade de novos tempos e a novos modelos
de controle do exercício da cidadania e de preparação de ‘quadros’ qualificados
para o trabalho das fábricas. Indústrias que primeiro o capital brasileiro e,
depois, o internacional, começaram a semear pelo país.” [BRANDÃO, 1997. p.
88]

É importante frisar que, quando se põe em foco o Brasil na análise acerca da


educação, elementos historicamente relacionados a formação nacional entram em jogo. O
racismo, por exemplo, que no país está estabelecido de forma estrutural, leva a uma
desigualdade que se reproduz em todos os estratos da sociedade, inclusive na educação já que
o acesso e a manutenção dela é condicionada a questões materiais, sociais e financeiras. A
população negra é a mais vulnerável a violência no país, bem como a mais vulnerável
economicamente, logo, a que está mais presente nas periferias. Todas essas condições levam
a uma desigualdade muito bem definida no país, onde a camada branca da sociedade, em
geral, com a renda mais elevada, possui um nível de escolaridade maior que a população
negra. Essa desigualdade está presente no ensino básico e se estende para o superior em que,
embora haja a lei N° 12.711, que dispõe do direito à cotas para essa população, os desafios
persistem. Segundo Rosana Heringer:

“A chegada de um maior contingente destes estudantes nas universidades


públicas, tanto estaduais quanto federais, tem trazido novos desafios para as
mesmas em termos de atendimento às necessidades específicas destes
estudantes. Questões como recursos financeiros para manutenção dos mesmos na
universidade, auxílios em termos de transporte e alimentação, entre outras
demandas, tem sido alvo de preocupação crescente por parte dos gestores das
instituições públicas de ensino superior.” [​HERINGER, 2014. ​p.26]

O sistema educacional brasileiro, portanto, ao reproduzir as desigualdades presentes


em sua sociedade capitalista e desigual, também reproduz racismo.
Fica claro, portanto, como as desigualdades inerentes ao capitalismo, no caso
brasileiro (e no de outros países que vivenciaram a escravidão), se unem as questões raciais e
dificultam ainda mais o acesso a educação de qualidade para esse grupo e, como se trata de
uma educação que visa o mercado de trabalho, afetam o ingresso de negros em posições mais
elevadas no mercado de trabalho. O mesmo pode ser dito em relação a outros grupos que
estruturalmente também sofrem desigualdades como, por exemplo, as mulheres, que
historicamente foram negadas ao acesso à educação e, atualmente, também possuem
dificuldades em alcançar altos postos no mercado de trabalho e/ou obter remuneração
equivalente ao de homens. Essas desigualdades se somam e se entrelaçam muito intimamente.
Um exemplo dessa desigualdade pode ser observada no texto de Stamatto, quando trata
acerca das mulheres no trabalho docente:

“A relação entre a organização do processo escolar pelo Estado, em detrimento


da Igreja, derrubou muitos obstáculos à escolarização das meninas, mas ao
mesmo tempo, enquadrou a força trabalho docente, especialmente a feminina,
em parâmetros restritos, ainda controlados por homens. No entanto, percebemos
que a relação gênero é perpassada também por questões étnicas e sociais. Fazia
diferença se a mulher fosse branca, índia ou negra; livre, liberta ou escrava; rica,
pobre ou ‘desvalida’.” [​STAMATTO, 2002. ​p. 10]

A educação, a serviço do sistema capitalista, se moldando para adaptar-se a ele, acaba


se tornando um tipo de mercadoria. Pode-se constatar isso quando observamos a expansão do
ensino privado no Brasil, sob o domínio de grandes empresários do ramo que usam da
educação para obter lucro. Empreendimento muito rentável a eles já que exploram os
problemas estruturais que envolvem o ensino público para promover os seus sistemas de
ensino. A divisão entre ensino público e privado leva a uma desigualdade de oportunidades
entre os alunos dessas redes já que, graças a desvalorização da rede pública, os alunos dela
possuem uma desvantagem no acesso à universidade e à altos cargos no mercado de trabalho.
Essa desvalorização do ensino público não existe por acaso, já que ela está sob o controle de
um grupo muito específico, a classe empresarial, os representantes da educação privada.
Dessa forma, as políticas públicas estarão voltadas a estabelecer a educação pública
básica, exceto quando tratamos de IFs, CAPs, Cefet, etc, como a formadora de trabalhadores
de baixa qualificação. Nas palavras de Brandão:

“Pois, do ponto de vista de quem a controla, muitas vezes definir a educação e


legislar sobre ela implica justamente ocultar a parcialidade destes interesses, ou
seja, a realidade de que eles servem a grupos, a classes sociais determinadas, e
não tanto ‘a todos’, ‘à Nação’, ‘aos brasileiros’.” [BRANDÃO, 1997. p. 60]

As professoras Maria Ciavatta e Marise Ramos, em seu artigo: “Ensino Médio e


Educação Profissional no Brasil Dualidade e fragmentação” também explicitam esse choque
de classes na educação:

“Na relação entre o ensino médio e a educação profissional prevalece uma visão
dual e fragmentada, que se expressa, historicamente, desde a Colônia, pela
reprodução das relações de desigualdade entre as classes sociais, destinação do
trabalho manual aos escravos e, depois, aos trabalhadores livres, e o trabalho
intelectual para as elites.” [CIAVATTA; RAMOS, 2011. p.36]

Esse choque também é observado a partir da mais recente reforma do Ensino Médio,
realizada durante o governo do ex presidente Michel Temer, em que se flexibilizou a
educação e, dessa forma, precarizou ainda mais o ensino básico na rede pública. Essa
flexibilização, segundo A. Kuenzer, possui ainda um caráter de redução de custos:

“inicialmente porque a escolha de um itinerário leva à necessidade de menor


número de docentes e pode ser uma forma de resolver, embora de modo
equivocado, a crônica falta de docentes em algumas disciplinas, notadamente nas
áreas de ciências exatas e ciências da natureza.” [​KUENZER, 2020. ​p. 58].
“Como cada sistema de ensino pode ofertar os itinerários formativos que
considerar adequados segundo as possibilidades estruturais e de recursos das
instituições ou redes de ensino, essa oferta pode se restringir a apenas um
itinerário, dentre os menos complexos e, portanto, que consomem menos
recursos humanos, materiais e financeiros.” [Idem]

Portanto, novamente, fica claro o papel do capitalismo na educação e vice-versa. Esse


papel também pode ser notado já que ela prevê uma flexibilização do currículo, dessa forma,
ela almeja uma formação geral e pouco aprofundada com o objetivo de tornar esse estudante
flexível em suas relações trabalhistas.

“Se o trabalhador transitará, ao longo de sua trajetória laboral, por inúmeras


ocupações e oportunidades de educação no trabalho, não há razão para investir
em formação básica ou profissional especializada” [​KUENZER, 2020. ​p.61]

Essa proposta vai de acordo com as transformações ocorridas no sistema capitalista


em um contexto neoliberal onde se atacam os direitos trabalhistas, os vínculos institucionais
e, portanto, a estabilidade no emprego.
Por fim, deve-se evidenciar que, em um mundo globalizado, com uma educação a
serviço do capitalismo, essa educação também estará sujeita a lógica da Divisão Internacional
do Trabalho. Essa afirmação pode ser constatada se observarmos os ataques que as
universidades públicas e empresas estatais brasileiras vem sofrendo ao longo dos anos. Essas,
enquanto produtoras de ciência e tecnologia de ponta, concorrem com instituições
estrangeiras de países desenvolvidos e, portanto, no caso das empresas estatais, são vendidas
para conglomerados multinacionais; já as universidades públicas são desprestigiadas, cortam
suas verbas e desfalcam-nas. Dessa forma, cria-se uma dependência tecnológica e científica
de países em desenvolvimento aos desenvolvidos, atendendo assim aos interesses da camada
empresarial da sociedade.
Bibliografia

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. ​O que é educação​. São Paulo: Brasiliense, Coleção


Primeiros Passos, 28o ed., 1993.

CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. ​Ensino Médio e Educação Profissional no Brasil


Dualidade e fragmentação ​in Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 5, n. 8, p. 27-41,
jan./jun. 2011

HERINGER, Rosana. ​Um balanço de 10 anos de políticas de ação afirmativa no Brasil​.


Revista Tomo, 2014.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE


SEGURANÇA PÚBLICA (Org). ​Atlas da violência 2019​. Brasília; Rio de Janeiro; São
Paulo: IPEA; FBSP, 2019.

.​KUENZER, Acácia E. ​Sistema educacional e a formação de trabalhadores: a


desqualificação do Ensino Médio Flexível​. Ciência & Saúde Coletiva, 25(1): 57-66, 2020.

STAMATTO, Maria Inês Sucupira. Um olhar na História: a mulher na escola (Brasil


1549-1910). História e Memória da educação Brasileira, 2002.

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