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Desigualdade social e sistema educacional brasileiro: a urgência da educação

emancipadora

Social inequality and brazilian educational system: the urgency of the emancipatory
education

Raquel Souza Lobo Guzzo1; Antonio Euzébios Filho2


Pontifícia Universidade Católica de Campinas

RESUMO

A inserção em duas escolas públicas na cidade de Campinas (SP) permitiu a elaboração de algumas
questões sobre a relação entre Educação e desigualdade social. Neste sentido, a primeira parte deste
artigo discute o impacto do capitalismo na situação atual do sistema educacional. Nota-se que a Educação
se consolidou como um dos pilares da estrutura social vigente e, assim, forjou-se como um elemento de
sustentação da desigualdade social. Uma das contribuições para a mudança deste quadro, refere-se à
opção dos professores em assumir uma prática (política) pedagógica não dominante. Dessa forma, a
segunda parte deste trabalho atenta para alguns desafios da classe docente, com vista à elaboração de
estratégias coerentes com a proposta da Educação Emancipadora, que visa, em última instância,
desenvolver a autonomia e a consciência crítica das pessoas.

Palavras-chave: Desigualdade social, Educação emancipadora e Consciência crítica.

ABSTRACT

The insertion into two public schools from Campinas (SP) allowed the elaboration of some questions
related to Education and social inequality. The first part of this article discusses the social dynamic and its
relation to the current educational system. The Education system has served to maintain the capitalist
society and the social inequality. One of the conditions to change this situation is that teachers assume
one practical non dominant pedagogic (political) teaching approach. The second part highlights some
teaching challenges, in search of the elaboration of coherent strategies within an Emancipatory Education
proposal, which aims to develop the population's autonomy and their critical awareness.

Keywords: Social inequality, Emancipatory education and Critical awareness.

Introdução

A desigualdade social é elemento cada vez mais presente no cotidiano das grandes cidades brasileiras.
Este fenômeno tem se caracterizado como marca dos grandes centros urbanos, que são capazes de
congregar, em uma mesma localidade, diferentes grupos sociais com interesses econômicos, políticos e
sociais antagônicos.

Os problemas que os centros urbanos enfrentam, alcançam dimensões cada vez maiores. A Cidade de
Campinas não foge a lógica das grandes cidades e apresenta uma situação de extrema desigualdade social.
O Mapa da exclusão/ inclusão revela uma distância social 3 de 98 vezes entre os moradores de um bairro
da região Noroeste (de maior exclusão) e de outro situado na região Leste (um dos maiores índices de
inclusão), no que diz respeito ao indicador dos chefes de família com renda entre 1 e 2 salários mínimos.
Os dados do mapa revelam, ainda, uma distância social de 491 vezes, no indicador dos chefes de família
com renda superior a 20 salários mínimos entre a região Noroeste (a de maior índice de exclusão) e a
região Leste (que apresenta o maior índice de inclusão) (PMC, 2004).

A região Leste, ao mesmo tempo em que apresenta um bairro com o menor índice de exclusão da cidade
(que varia entre +1,00 - menor índice e -1,00 - o maior índice), congrega outros com índices que
representam uma situação de intensa exclusão social (-0,29 e -0,34, por exemplo) (PMC, 2004).

Este trabalho nasce, a partir de uma intervenção em duas escolas públicas, por meio do projeto Risco à
Proteção: uma intervenção preventiva na comunidade, financiado pelo CNPq e que se desenvolve na
região Leste de Campinas, em um bairro com alto índice de exclusão (-0,29) (GUZZO, 2004; PMC, 2004).

Dado o contexto de exclusão/inclusão desta região, e a importância que a Educação assume neste
processo, uma vez que a escolarização e o analfabetismo configuram-se como índices de desenvolvimento
humano, a atuação em escolas públicas instigou a refletir sobre a desigualdade social, seu impacto no
sistema educacional e sobre alguns desafios inerentes à prática pedagógica com vistas à superação deste
quadro. Primeiramente, b uscou-se compreender, em linhas gerais, o sistema educacional no bojo das
relações produzidas pelo capitalismo.

Em seguida, este artigo tratou da relação entre renda e níveis educacionais da população brasileira e do
papel que o sistema educacional exerce na manutenção da desigualdade social.

Neste sentido, o sistema educacional é considerado um elemento da crise da estrutura do capitalismo,


diante de desafios e limites que se impõem na construção da emancipação humana.

Desigualdade social e sistema educacional

O sistema educacional, fruto de um processo histórico, configura-se no bojo das relações sociais e de
produção, que dividiram e ainda dividem a sociedade em grupos econômicos distintos e, ainda mais,
estabelece uma relação entre classes sociais antagônicas.

Segundo PONCE (2005), o sistema educacional constituiu-se a partir do momento em que a sociedade se
estruturou em classes sociais antagônicas, com o fim da chamada sociedade primitiva. Os interesses e as
necessidades da classe social dominante passaram a delimitar o campo da Educação na medida em que
passou a servir para a dominação social de poucos sobre muitos. O referido autor, ao analisar a gênese
da escola, entende que esta instituição surgiu a partir do fato de que a dominação militar e política não
surtiam mais os efeitos desejados em uma sociedade, que se tornava cada vez mais complexa e
multifacetada. Sendo assim, a necessidade de se construir um aparato de dominação ideológica e
intelectual encontrou, na escola e no sistema educacional em geral, seu ponto de apoio.

A necessidade de se apropriar da atividade intelectual e das técnicas refinadas de produção passou a


compor o rol da divisão social do trabalho e, neste sentido, a classe dominante passou a compreender a
Educação como elemento fundamental para a manutenção da desigualdade social, uma vez que os
conhecimentos científicos e tecnológicos passaram a ser compreendidos como, cada vez mais necessários
para o desenvolvimento do sistema produtivo (SOARES, 2004; TONET, 2005).

Focalizando a análise no sistema capitalista, a perspectiva adotada neste trabalho parte da premissa de
que a desigualdade social, na forma como se apresenta atualmente, corresponde, primeiramente, a uma
crise estrutural que envolve, certamente, determinados valores e ideologias, mas que encontra sua matriz
nas relações de produção, quais sejam nas relações sociais estabelecidas por meio do trabalho assalariado
(OLDRINI, 2004; TONET, 2005).

Neste sentido, desigualdade social e sistema educacional são dois elementos que encontram raízes no
próprio processo produtivo e que, dessa forma, não podem ser analisadas fora do bojo da sociedade
capitalista.
O sistema educacional assume, portanto, um papel fundamental na manutenção da alienação e da divisão
social do trabalho, na medida em que as escolas têm se configurado como um espaço estratégico de
convivência social, pautada pela reprodução da dinâmica da sociedade capitalista.

Desigualdade de renda e níveis educacionais

Partindo da concepção de que a sociedade capitalista se estrutura a partir das relações de produção,
orientadas pelo capital, a relação entre os indicadores educacionais e a desigualdade de renda deve ser
prioridade em uma análise acerca da desigualdade social e os níveis educacionais da população.

No contexto da sociedade capitalista, os indicadores responsáveis pela mensuração da desigualdade


social no país4, seguem o fluxo da disparidade econômica e da concentração de renda (ABRAMOVAY,
2003; IBGE, 2000; POCHMANN, BARBOSA, CAMPOS, AMORIN E ALDRIN, 2004a; UNDP, 2003).

A desigualdade de renda pode ser observada por alguns dados obtidos por POCHMANN E COLS, (2004a)
que revelam que as cinco mil famílias mais ricas do Brasil representam o equivalente a 0,001% das famílias
brasileiras, ao mesmo tempo em que detêm 40 % do produto interno bruto. Em contra partida, das 34
milhões de pessoas entre quinze e vinte e quatro anos de idade, 40 % vivem em situação de extrema
pobreza5.

O foco desta análise refere-se à relação entre a desigualdade de renda e os indicadores educacionais,
partindo da compreensão de que o Brasil é um dos países que apresenta uma maior disparidade
econômica entre os segmentos populacionais. A análise de alguns indicadores educacionais revela a
relação existente entre as condições econômicas da população e os níveis educacionais dos diferentes
segmentos sociais.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam um alto índice de evasão escolar
no Brasil. Segundo esta instituição, considerando que a escolaridade básica é de nove anos, pessoas de
doze a quatorze anos que vivem com uma renda familiar per capita acima de dois salários míninos têm
uma média de 6,4 anos de estudo, enquanto aquelas que vivem abaixo deste rendimento apresentam
uma média inferior (3,4 anos de estudo). Isso se repete em todos os grupos de idade. Entre dezoito e vinte
e quatro anos, por exemplo, aqueles que vivem acima de dois salários mínimos, per capita, apresentam a
média de 10,6 anos de estudo e os que vivem abaixo deste rendimento, 4,6 anos (IBGE, 2000).

A desigualdade de renda também se configura como parte dos índices de defasagem idade/ série. Regiões
como o Norte e o Nordeste (duas regiões que concentram o maior número de pobres e miseráveis no
país) são as que apresentam um número maior de pessoas de quatorze anos na situação de defasagem
escolar (89,4% e 89,9 % respectivamente). Mesmo no caso daquelas regiões consideradas mais ricas,
como é o caso do Sul e Sudeste, os índices de defasagem são altos. Estas duas regiões apresentam, por
exemplo, 66,1 e 68,0 % respectivamente de alunos na idade de quatorze anos em situação de defasagem
escolar (IBGE, 2000).

A evasão escolar e a defasagem idade/ série parecem estar diretamente relacionadas à necessidade de
complementação da renda familiar. De acordo com o IBGE (2000) dos jovens de 15 anos de idade, apenas
16,53% estão na escola, enquanto 22% trabalham e estudam, 8% só estudam, 7% estudam e estão a
procura de emprego e 10% não estudam. Como não poderia deixar de ser, as duas escolas públicas em
que o projeto "Risco à Proteção" atua, refletem a totalidade dos problemas existentes no sistema
educacional brasileiro. A evasão escolar também é uma realidade neste contexto e ela está, muitas vezes,
associada às condições econômicas e sociais das famílias. A necessidade de complementação da renda
familiar é uma realidade que permeia o cotidiano das famílias mais pobres, o que interfere diretamente
no rendimento escolar dos alunos (GUZZO; LACERDA JÚNIOR; EUZÉBIOS FILHO, 2005; GUZZO; SANT´ANA;
MARIOTE; WEBER, COSTA E CAMPOS, 2005).

Esse quadro reflete uma situação generalizada de analfabetismo, o quê, em uma sociedade que exige
determinados níveis de capacitação técnica e de estudo para a inserção no mercado de trabalho, acaba
por servir à lógica dominante, pois mantém uma reserva de mercado e perpetua a divisão social do
trabalho, diferenciando o trabalho manual e intelectual. Podemos entender como ocorre um dos
mecanismos de "exclusão6" desta sociedade, na qual o sistema educacional figura como o ator principal.

Sistema educacional e o neoliberalismo

O papel que o sistema educacional exerce para a manutenção da desigualdade social pode ser analisado
com mais clareza, a partir do impacto do neoliberalismo na acentuação da tensão existente entre
Educação pública e privada.

O neoliberalismo caracteriza-se, dentre outras coisas, pela acentuação da concentração de renda de um


pequeno grupo social e pelo fortalecimento dos investimentos privados em detrimento do público. Para
YAMAMOTO (2003) esta nova etapa do capitalismo vem contribuindo para a privatização dos serviços
públicos, ao mesmo tempo em que direciona as verbas públicas para o setor privado. O avanço do
investimento privado na Educação reflete-se em todos os níveis de ensino, sendo acentuado, na medida
em que vão progredindo. Dados do IBGE (2000) revelam que das 34.012.434 matrículas em instituições
de ensino fundamental no país, 9,79% são em instituições privadas. No ensino médio, das 9.169.357
matrículas em instituições de ensino 12,12% correspondem ao setor privado.

O investimento do setor privado em Educação toma proporções ainda maiores se analisadas as


instituições de ensino superior (IES). Dados do Instituto Nacional de Pesquisa e Estudos Educacionais
(INEP) mostram que as IES privadas correspondem a 89,9% das instituições de ensino superior do país e
as instituições públicas somente a 11,1%. (INEP, 2003).

Estes dados refletem a "exclusão" progressiva efetivada pelo sistema educacional na medida em que a
maioria da população fica sem alternativas para ingressar em uma IES pública, por um motivo: o ensino
público de base, precarizado, não consegue prover o aluno de condições para que passe pela barreira
social representada pelo vestibular, ainda mais se considerar que este mesmo aluno entra em disputa
com os da escola particular, que conta com uma estrutura moderna e voltada para a inserção no mercado
de trabalho.

Os alunos de escola pública, via de regra, não freqüentam posteriormente as IES privadas, pois não têm
condições de pagar os estudos, uma vez que representam os segmentos menos abastados da população
- como resultado deste processo, apenas 11% dos jovens e adultos estão nas universidades (ABRAMOVAY,
2003; GUZZO, LACERDA JÚNIOR E EUZÉBIOS FILHO, 2006; IBGE, 2000).

A "exclusão" gerada pelo sistema superior de Educação não parece afligir a elite brasileira. O gasto com
Educação é uma realidade nas camadas alta e média da população. Dados apresentados em uma pesquisa
realizada em todo o território nacional, com o objetivo de mapear a exclusão social no país, mostram que
gastos com Educação correspondem a 4% do orçamento das famílias mais ricas do Brasil (POCHMANN E
COLS, 2004a).

O alto investimento que as camadas médias e altas da população empregam nas instituições de ensino
privado, facilitam sua abertura, representando um processo de mercantilização do sistema educacional,
que encontra sua origem na desvalorização do sistema público e na monopolização de verbas do Estado
por parte de uma elite, considerada "parceira" do governo na aplicação financeira de projetos
educacionais de caráter estritamente privatistas (ANDES - SN, 2004).

Este processo contribui para manter uma situação conveniente para a elite brasileira, que encontrou
condições para criar espaços de Educação própria, distantes dos pobres, e capazes de manter o nível de
"qualidade" exigido pelo mercado (PATTO, 1997).

O conceito de "qualidade" embutido neste processo atende às expectativas das instituições de ensino
privado, que visam o lucro com o mínimo de investimento possível. Um dado que reflete com mais clareza
esta realidade é que as instituições públicas contam com 92% dos doutores nas universidades, enquanto
o ensino particular emprega somente 8% (INEP, 2003).
A distribuição de doutores nas IES do país é uma demonstração, ainda que incipiente, de que as
universidades públicas ainda se preocupam em manter um determinado padrão de qualidade, por meio
do comprometimento com a produção científica e tecnológica do país. A tradição de pesquisa nas IES
públicas não significa, no entanto, que o investimento do Estado tem sido suficiente para garantir
melhores condições de trabalho docente e, tampouco, o conhecimento produzido nas universidades está
acessível à maioria da população. O fato de as IES públicas apresentarem uma quantidade maior de
professores titulados é um elemento positivo, mas que se encontra imerso em uma conjuntura de
desfavorecimento do sistema público de Educação.

Apesar de a lei de diretrizes e bases prever o repasse de uma considerável fração das verbas públicas para
a Educação7, esse investimento não tem sido facilmente percebido no cotidiano das instituições públicas.
Nem mesmo a política de descentralização das verbas da Educação contribuiu para comprometer o Estado
em investimentos desta natureza. A demagogia referente ao processo de descentralização das verbas
públicas para a Educação está inscrita neste contexto. Para LUZ (2000) e RODRIGUEZ (2001) o centralismo
político, na administração dos recursos financeiros do Estado, é coerente com a descentralização das
verbas para os serviços básicos, como Saúde e Educação. Para os autores, a descentralização restringe-se
a um processo formal, que não reflete a democratização da gestão destes serviços, e sim uma nova
roupagem que se estabelece para a manutenção de uma política de concentração de recursos na mão dos
poucos que administram a máquina pública.

Apesar dos grandes investimentos sociais fazerem parte do discurso dos chefes de Estado, a população
não percebe a ação do poder público que, sufocado por interesses particulares, serve a determinados
segmentos da população.

A ausência da ação do poder público fica evidente nos dados de uma pesquisa, realizada por EUZÉBIOS
FILHO E GUZZO (2005) que teve como objetivo analisar a percepção de duas pessoas de segmentos sociais
distintos, moradores da região Leste de Campinas, sobre a desigualdade social. Uma das participantes,
proveniente de um segmento social privilegiado, é professora de uma das escolas em que o projeto "Risco
à Proteção" atua. Outra participante, moradora de uma vila popular de baixa renda, tem seus filhos
estudando nas duas escolas públicas em que o mesmo projeto desenvolve trabalhos. Ao contrário da
percepção da professora, que tem seus filhos estudando em universidades particulares, a outra
participante refere-se à ação do poder público como algo distante de sua vida, especialmente quando
esta analisa a estrutura das escolas públicas mencionadas. O discurso da participante de baixa renda
evidencia a ação do poder público nas escolas dos filhos, quando se refere à falta de investimento, à falta
de estrutura da escola, à falta de cursos disponibilizados e ausência de atividades para a comunidade
(EUZÉBIOS FILHO E GUZZO, 2005).

Esta dinâmica reflete o grau de precarização das escolas públicas, freqüentadas pela maioria da população
e, neste sentido, a desigualdade social encontra no sistema educacional brasileiro uma de suas bases de
sustentação, o que nos obriga a rever o caráter atual das instituições de ensino, que atuam, passivamente,
nesta situação e, muitas vezes, são, de fato, os agentes produtores desta dinâmica social.

Tanto a lógica de mercantilização do ensino, que contribui para o fortalecimento do sistema privado,
quanto a desvalorização do ensino público, são elementos que se unem para aprofundar a desigualdade
social e instalar uma crise no sistema educacional brasileiro.

Crise no sistema educacional: busca de alternativas

A palavra crise, quando esta se refere ao contexto das políticas educacionais, não é unanimidade entre as
pessoas. Ela ganha espaço de acordo com a concepção que se adota sobre o assunto, sobre a função das
instituições educacionais e suas potencialidades. Afinal, se considerarmos que o Estado não tem
responsabilidade sobre a Educação e que, sua finalidade deve ser mercantilista e de preparação para o
mercado, não caberia aqui a utilização deste termo. Neste sentido, a compreensão do quadro atual
remete, portanto, a uma leitura referenciada por determinada opção ético - política.
Segundo FREIRE (1973), a Educação pode dirigir-se a dois caminhos: para contribuir para o processo de
emancipação humana, ou para domesticar e ensinar a ser passivo diante da realidade que está posta.
Assim, a educação deve também ter agentes que se posicionem diante da realidade, que optem pela
construção de um saber comprometido com a maioria popular, ou que fiquem alheios a essas questões e
contribuam para a manutenção das desigualdades. A opção majoritária das instituições educacionais
parece seguir claramente os padrões neoliberais e apresenta, portanto, uma dependência em relação às
demandas do mercado de trabalho, o que coaduna com um processo educativo fragmentado da
realidade, com sentido, apenas, para ser aplicado à lógica dominante, geradora da passividade e da
submissão aos valores consumistas, mas que se apresenta, por outro lado, com um discurso "humanista"
e "democrático" da escola cidadã (FREIRE, 1973; 2001; 2003; TONET, 2005).

2.1. Educação emancipadora: limites e possibilidades

Cabe, neste momento, refletir sobre a finalidade da Educação para entender quais são seus limites e quais
as possibilidades de se utilizar esta ferramenta com vistas ao processo de emancipação humana. Antes, é
necessário compreender a natureza da Educação para não cair em um super dimensionamento do papel
que ela pode exercer em um processo de transformação social.

Dito que o sistema educacional subordina-se ao processo de trabalho, não é necessário ressaltar os limites
da ação educativa, que se inscreve na ação sobre a consciência. Neste sentido, fica evidente a função
ideológica exercida pela Educação na manutenção do sistema de relações de produção capitalista.

O papel que as instituições educacionais assumem hoje corresponde ao desenvolvimento das forças
produtivas, decorrentes do advento do capitalismo. Assim, quanto mais cristalizadas as relações de
trabalho, mais complexo torna-se a transformação das instituições educacionais em espaços de
resistência, que produzem uma ideologia contra hegemônica, não individualista, desnaturalizadora e
transformadora (TONET, 2005).

Para a realização de uma Educação Emancipadora, é preciso que se considere a posição dos educadores,
funcionários, alunos e suas famílias na estrutura produtiva. Essa concepção parte de uma análise sobre a
emancipação humana que, compreendida a partir da transformação das relações de produção
capitalistas, atenta para a tarefa histórica da classe trabalhadora na construção de uma alternativa ao
sistema social vigente (TONET, 2005).

A contribuição da Educação Emacipadora, neste sentido, é de trazer um olhar crítico sobre a sociedade
capitalista, analisando-a como um sistema de classes, na busca de fomentar uma consciência acerca do
papel político e econômico que a maioria da população exerce nesta sociedade. Isso corresponde a uma
compreensão em que não se distingue teoria e prática, Educação e sociedade, e que, considera
perfeitamente factível estabelecer uma relação entre a situação objetiva dos segmentos oprimidos da
população, e a consciência sobre as necessidades e sobre as tarefas futuras da classe trabalhadora.

Podemos considerar, portanto, a proposta de Educação emancipadora como uma proposta que deve ser
incluída no contexto mais amplo da luta da classe trabalhadora, mas que pretende abrir espaços de
diálogo acerca das contradições expostas pelo capitalismo, voltados para o avanço da consciência de
professores, alunos e comunidade, em uma proposta que dê conta de refletir sobre as necessidades
inscritas na vida das camadas populares, tendo como norte, a desnaturalização da desigualdade social.

2.2 Desafios da prática pedagógica emancipadora:

A proposta de Educação emancipadora é uma proposta que respeita os limites e as possibilidades inscritas
pela realidade concreta. Dessa forma, ela assume o papel de fomentar a consciência crítica de professores
e estudantes, para que se possa intervir mais qualificadamente na realidade e nas questões sociais
voltadas, em principio, para a melhoria das condições de vida dos segmentos menos abastados da
população.
Segundo TONET (2005), o professor ocupa um papel estratégico no processo de construção de uma
Educação emancipadora. V ale ressaltar, no entanto, que os agentes educacionais, ao mesmo tempo em
que são responsáveis por uma mudança nos rumos da Educação, também são vítimas da própria dinâmica
capitalista e da precarização do ensino público (FREITAS, 2003).

Mesmo assim, a situação desgastante em que a classe docente se encontra, especialmente no caso de
professores da rede pública, não impede que a elaboração de alternativas para a prática docente seja
efetivada, com vistas a uma Educação emancipadora.

Não se trata de uma valorização excessiva do papel do professor no processo de transformação social,
trata-se de instigar algumas ações e posicionamentos para a realização de uma prática pedagógica
progressista, analisada para além da condição técnica do educador e compreendida a partir de um
posicionamento ético - político.

O fundamental a ser destacado neste momento, é que existem brechas na atividade docente que
possibilitam a construção de um processo crítico do conhecimento da realidade. Para tanto, a atuação
política e pedagógica pressupõe, portanto, a tomada de consciência dos próprios agentes educacionais
acerca do papel que eles exercem nesta sociedade e das condições atuais de trabalho docente,
especialmente aqueles que se inserem na rede pública (TONET, 2005).

Neste sentido, o trabalho progressista dos professores não encontra seus limites nas paredes de uma sala
de aula, pelo contrário, inicia-se pelas relações com os alunos e se estende pela mobilização acerca de
melhores condições de atuação profissional. Isto inclui um diálogo voltado para uma reflexão em torno
do impacto que esta dinâmica social exerce na atuação docente, da necessidade de mobilização e
organização dos docentes nas críticas às reformas neoliberais e à própria resistência às mudanças - fator
característico da nossa sociedade -, na melhoria das suas condições de trabalho e de planos de carreiras
mais consistentes e bem remunerados (FREIRE, 2001; 2003).

As reivindicações docentes podem se constituir como elemento deflagrador da consciência sobre os


caminhos que precisam ser percorridos com vistas à prática educativa emancipadora.

A Educação emancipadora, no entanto, não é tarefa apenas de professores. Ela se constitui em um


processo coletivo que assume como norte, a reflexão acerca da necessidade e da possibilidade de a
população oprimida despertar para as tarefas necessárias para a modificação da estrutura social vigente.
A proposta de Educação Emancipadora, engloba alunos, professores ou quaisquer outras pessoas que
optem pela transformação social, que entendam a sociedade sob a perspectiva das tensões expressas
pela desigualdade social.

Referências

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1
Professora titular da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas e bolsista pelo CNPq
3
Distância social medida a partir do índice de discrepância, baseado na relação entre a maior e a menor
expressão de uma mesma variável (PMC, 2004).
4
Indicadores tais como as condições de moradia e de trabalho da população, o acesso a serviços de
saúde, expectativa de vida, entre outros elementos que constituem uma noção de vida digna. Estes
indicadores estão inscritos no índice de desenvolvimento humano (IDH), elaborado pela ONU. Sobre
uma análise crítica e uma nova formulação deste índice, ver POCHMANN CAMPOS, BARBOSA, AMORIN E
SILVA (2004b).
5
A linha de pobreza e miséria segundo o padrão da ONU: a linha de pobreza é fixada em 1 salário
mínimo per capita (não deflacionado). Miseráveis são aqueles que vivem baixo desta linha. Mais
informações ver CAMPOS, POCHMANN, AMORIN E SILVA (2003).
6
O conceito de exclusão pode ser analisado criticamente compreendendo que os segmentos sociais
"excluídos" assumem um papel fundamental na engrenagem capitalista, portanto, são necessários para
o desenvolvimento desta dinâmica social - a produção da riqueza de poucos se sustenta pela exploração
do trabalho alheio de uma maioria (Para o aprofundamento deste conceito de exclusão ver MARICATO,
2003; MARTINS, 2004). Para uma análise acerca da relação dialética entre opressor e oprimido ver
FREIRE, 1989.
7
A lei de diretrizes e bases prevê a destinação de, no mínimo, 18% da receita da União para a Educação
e 5% das receitas do Estado e do Município (BRASIL, 1996).

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