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METODOLOGIA CONTÁBIL APLICADA

AOS EXAMES DE LOCAL DE DANO AMBIENTAL

Bruno Rebouças Dalston*

RESUMO

A perícia criminal opera em prol da justiça, que, por sua vez, é orientada pelo Direito
Positivo. O surgimento do Direito Ambiental Positivo em sua modalidade penal
necessariamente fez com que surgisse o exame criminalístico dos danos ambientais,
constituindo, assim, o corpo do delito. A importância dada pela sociedade à questão
ambiental ampliou a casuística de crimes relacionados à degradação ambiental e,
conseqüentemente, as demandas por perícias neste campo tiveram incremento
considerável.

À criminalística cabe identificar e caracterizar o dano ambiental, o que tem-se mostrado


difícil uma vez que o dano ocorre com a interação do ser humano com o meio-ambiente.
Neste contexto, recai a dúvida prática entre as definições empíricas de dano ambiental e
desenvolvimento sustentável. Questiona-se se toda relação desenvolvimentista do
homem com a natureza implica desequilíbrio ecológico.

Dessa forma são enunciados determinados princípios a serem seguidos pela


criminalística, e utiliza-se uma das mais bem desenvolvidas ciências de organização
metodológica – a Ciência Contábil – para a aplicação de tais princípios, de forma que a
análise da criminalística não permita dúvidas sobre a real magnitude do suposto dano
ambiental, chegando ao que se atribui o título de “laudo consistente” de exame em
local de dano ambiental.

1. INTRODUÇÃO

A ciência aliada ao capital promoveu uma verdadeira revolução nas formas


de produção e acumulação de riquezas no decorrer dos séculos XVII, XIX e XX. O
desenvolvimento nos processos industriais e agrícolas, os movimentos migratórios, a

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*
Perito Criminal Federal em Exercício na SR/DPF/MA, Bacharel em Ciências Contábeis / UFRJ.
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utilização de maquinaria para a exploração dos recursos naturais e outros fatores


relacionados com o “progresso” da espécie humana resultaram na destruição de
ecossistemas e conseqüente extinção de diversas espécies.

Nos anos 60, o surgimento dos movimentos ambientalistas, a princípio com


grupos radicais (tal qual o Green Peace) e, posteriormente, com Organizações Não
Governamentais (ONGs), resultaram na mobilização da comunidade internacional no
sentido de que os recursos naturais passassem a ser explorados de forma coesa e
pautados em determinados princípios definidos nas Declarações de Estocolmo/72, Rio
de Janeiro/92 e Paris/92.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 contemplou à União, Estados,


Municípios e Distrito Federal a competência concorrente para legislar (art. 24) e comum
para promover ações de proteção ao meio ambiente e combate à poluição em quaisquer
de suas formas (art. 23). Diversas normas infraconstitucionais determinam limites à
utilização de agentes poluentes e exploração de recursos naturais, sendo a lei 9.605/98
aquela que dispõe sobre os crimes contra o meio ambiente, infrações administrativas
ambientais e sobre o processo penal e a cooperação internacional para a preservação do
meio ambiente.

Neste contexto a criminalística está incumbida de analisar os níveis e


repercussões do suposto dano ambiental, constatando a natureza do dano, identificando
sua causa, demonstrando a adequabilidade da utilização de soluções temporárias ou
permanentes e, principalmente, avaliando a possibilidade de restauração do ecossistema
devastado.

O perito criminal é o técnico apto a determinar a existência de efetivo dano


ambiental para os fins que a lei determina. Todavia, juridicamente o termo “dano
ambiental” é deveras amplo. A perícia de análise de impacto ao ambiental não é parte de
uma ciência exata, binária, afinal não há projeto técnico, não há necessariamente início,
fim, ou cronograma. Trata-se da interação do ser humano com o meio ambiente,
devendo o criminalista utilizar metodologia e conhecimento técnico-científico para
qualificar as conseqüências de uma conduta eminentemente humana.

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2. ECOLOGIA X PERÍCIA

Um douto em ecossistemas pode utilizar-se de uma área predeterminada


para estudar o comportamento e evolução dos fatores bióticos e abióticos. Tais trabalhos
requerem conhecimento técnico, mas além disso, requerem a seleção de um nicho
ecológico típico, privado, e tempo disponível para a sustentação prática dos estudos.
Espera-se que o trabalho do ecólogo atinja seu objetivo dentro de seu escopo, estando o
estudioso apto a dissertar sobre o assunto, a seu tempo.

Por outro lado, a perícia de dano ambiental deve atender a requisitos


estabelecidos na legislação de forma a esclarecer à autoridade requisitante, da maneira
mais abrangente possível, os fatos e repercussões relacionados ao suposto evento.

Assim sendo, o escopo do trabalho do ecologista é a ampliação do


conhecimento humano sobre determinado ecossistema ao passo que ao perito cabe
atender à demanda da justiça sob o ponto de vista da criminalística, trata-se de uma
informação técnica revestida de metodologia científica, voltada para o esclarecimento
de questionamento de cunho legal.

2. POSTULADO E PRINCÍPIOS DA PERÍCIA AMBIENTAL

A implantação de parâmetros balizadores é de fundamental


importância quando se propõe a adoção de um sistema metodológico. O postulado
fundamental enunciado a seguir tem por objetivo conceber um universo, um espaço
amplo, de onde se encontram, em um sistema, os princípios. Por sua vez, os princípios
são os limitadores da atuação do perito em relação ao seu campo, são as especificidades
da regra e fazem parte do postulado universal.

2.1. POSTULADO UNIVERSAL

Irrecuperabilidade: “Para qualificação de um dano ambiental é necessário que o


desequilíbrio ecológico seja permanente, irrecuperável, eterno. Os ecossistemas

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afetados em um dano ambiental após sua suposta recuperação não retomarão os


mesmos níveis de equilíbrio nas cadeias tróficas anteriormente existentes.”

Comentário: Independentemente da tempestividade de atuação da perícia, caso haja um


dano ao meio-ambiente este poderá ser identificado. Caso haja regeneração em uma
área, onde os vizinhos não afetados apresentam indicadores de ecossistema idênticos ao
da área periciada, então é possível afirmar que não houve dano ambiental, ou tendo
havido, os responsáveis promoveram ações reparadoras suficientes e adequadas (o que
efetivamente seria a penalidade imposta ao degradador, segundo o pressuposto desejado
pela legislação).

2.2. PRINCÍPIOS

I) Princípio da Objetividade: “Para procedimentos de perícia em suposto local de dano


ambiental utilizar-se-ão exclusivamente métodos que puderem ser comprovados por
critérios objetivos (indicadores);”

Comentário: trata-se do axioma que sustenta a idéia de criminalística, evidentemente,


aplicável a esta modalidade de exame. O princípio da objetividade aplicado à perícia em
local de dano ambiental diverge daquele aplicável ao campo das ciências financeiras
uma vez que, no segundo caso, admite-se a utilização de convenções pacíficas e
opiniões de grupos de técnicos de notória especialização na área para a tomada de
decisão ou manifestação de parecer, o que seria contra-senso dentro do universo da
criminalística e seus preceitos.

II) Princípio das Externalidades: “O perito deverá, em todas as situações, avaliar a


influência do dano ambiental constatado, levando em consideração os aspectos
inerentes ao nível de atuação humana existente nas redondezas do local em análise”.

Comentário: o princípio das externalidades traz à tona a discussão acerca do fator


humano que envolve a criminalística. A ciência criminal, trata de situações resultantes
da ação humana no sentido de, através de metodologia científica, identificar os fatores
que resultaram nas observações identificadas. No caso de perícia em local de dano
ambiental, é intrinsecamente fundamental que o técnico observe os níveis de interação

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humana em relação à área afetada, de forma a manifestar um juízo coeso em relação ao


suposto dano ambiental. Não há projeto técnico, valores financeiros ou cronograma de
execução em áreas degradadas e, em inúmeras ocasiões, observa-se que o denunciado
não é o grande responsável pelo dano ambiental, havendo devastação por parte de
outrem (o que nem sempre estará claro no inquérito policial).

Imaginemos que o dono de cinco hectares de mata virgem procedeu uma


queimada controlada para lotear e vender de terrenos, tendo sido denunciado ao
Ministério Público por vizinhos posseiros (a quem a terra lhes fora cedida pelo acusado)
mais pelo fato de lotear a terra do que pela queimada de mata “virgem”. Seria fácil
constituir uma peça onde a área queimada é objeto de efetivo dano ambiental,
entretanto, o perito tem que observar as circunstâncias a que estão sujeitas a área
desmatada: possivelmente um conglomerado sub-urbano cresce na área, sendo
impossível evitar que, dentro de alguns anos habitações e mesmo ruas asfaltadas sejam a
paisagem do local.

Numa segunda situação, determinada comunidade de pessoas humildes


passa a jogar lixo em um rio, uma vez que a coleta de lixo é distante do local de suas
residências. Na situação de derramamento de lixo no rio, questiona-se a quem recai a
culpa pela poluição, além do que, provavelmente o dano resultante nessa hipótese é de
maior intensidade do que uma queimada controlada e de pequenas proporções, como na
primeira situação. Haveria impunidade para um grupo de grandes poluidores – que
afetam não apenas a área que habitam, mas todo o curso de um leito d´água – e o dono
das terras que lhes é de direito, além de arcar com o processo penal, perderia
oportunamente a posse das terras para invasores.

O perito em todas as situações deve observar não apenas a área diretamente


afetada, mas a totalidade dos aspectos que circundam e se relacionam com o fato
principal denunciado. Cabe lembrar que aspectos técnico-subjetivos tais quais os
citados, não são da alçada de outros agentes públicos que fazem parte da investigação
criminal, restando ao perito criminal a palavra final a respeito da existência ou não do
dano ambiental, de forma que a observação das externalidades cabe ao perito e constitui
fator preponderante na elaboração do laudo pericial.

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III) Princípio da Materialidade: “as dimensões da área examinada para o ecossistema


devem ser tratadas de forma a contemplar com a devida relevância o evento que
efetivamente causa dano ao ecossistema independente do tamanho da área afetada”.

Comentários: deve ser observada a relevância do suposto dano ambiental para o


ecossistema de uma área. Sempre que houver ação humana em uma área intocada
haverá um dano, mesmo que mínimo. O perito criminal deve verificar o quão material é
a devastação ocorrida, considerando não apenas o observado, mas analisando se o
evento trará conseqüências de magnitude relevante ao ecossistema ou se trata apenas de
um fato simples (mesmo que permanente) que não traz riscos e viabiliza a garantia da
preservação do ecossistema ao redor.

O caso clássico é de um indivíduo que construiu uma casa de campo com


piscina, campo de futebol e um pequeno pomar, em área isolada de floresta atlântica
virgem. É inegável que houve devastação ambiental para a consecução de tais obras,
mas o bom observador perceberá que (normalmente) a área no entorno do assentamento
estará sujeita a fiscalização e preservação por parte do dono. Neste caso houve, até certo
ponto, degradação ambiental, mas de baixíssima relevância.

IV) Princípio da Consistência: “A perícia em local de dano ambiental deve ser


realizada de forma que os usuários do laudo técnico possam, sem dificuldades:
a) identificar a área periciada;
b) dispor de informações sobre os tipos de ecossistemas encontrados no local;
c) dispor de evidencias que justifiquem a conclusão do perito acerca das dimensões do
dano ambiental.”

Comentários: todo laudo pericial pode ser questionado por um assistente técnico bem
preparado, implicando dúvida à autoridade judicial, seja no intuito de por a prova sob
suspeição ou apenas para que o advogado consiga extensão de prazos legais. O laudo
pericial de exame em local de dano ambiental deve ter consistência, deve ser uma peça
que detalhe com magnitude o trabalho realizado, que se sirva de alicerces suficientes
para que, quando estiver sob apreciação na justiça, atenda à sua finalidade, sem que abra
espaço para proporcionar maiores delongas aos trâmites judiciais.

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3. A UTILIZAÇÃO DA CONTABILIDADE COMO METODOLOGIA

Sem nos prendermos à doutrina contábil, pode-se definir a contabilidade


como “uma série de procedimentos lógicos organizados com o intuito de demonstrar
sintética ou analiticamente, à quem couber, o estado físico-financeiro (bens, direitos e
obrigações), em determinado momento, de uma entidade ou unidade.” Sabe-se que
entidades são pessoas jurídicas de qualquer natureza que exercem determinada
atividade; unidades são entes particionados de uma entidade ou de uma esfera de
governo.

Observa-se, dessa forma, que o objeto da contabilidade é deveras complexo


e que envolve quantidades grandes de dados e operações das mais diversas
modalidades. Assim sendo, em uma abordagem ambiciosa, mas não menos verdadeira,
podemos afirmar que a utilização de metodologias contábeis na execução de tarefas não
uniformes complexas contribui na organização e conseqüentemente na unificação da
forma de se abordar e interpretar o tais tarefas e o seu resultado.

Assim sendo, propõe-se através deste trabalho uma abordagem contábil


(através da metodologia de auditoria) para a uniformização e melhor evidenciação dos
exames de local de dano ambiental.

4. DISTINÇÃO ENTRE AUDITORIA E PERICIA AMBIENTAL

A proposta em questão é evidenciar para a autoridade solicitante a natureza


e relevância dos eventuais danos, de forma consistente e que permita ao perito chegar a
uma conclusão baseada em diversos indicadores. Isso pode ser obtido através da
utilização de metodologia de auditoria adaptada aos ecossistemas.

A metodologia aqui empregada para a elaboração de laudos de avaliação


danos ao ecossistema segue padrões similares aos de auditorias, entretanto, cabe
observar as diferenças entre a auditoria (contábil, operacional, etc.) e a perícia de
constatação de dano ambiental.

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A auditoria é a emissão de opinião acerca do funcionamento ou da


consistência das demonstrações financeiras de entidades ou unidades produtivas de uma
corporação, baseando-se na realização de exames de aderência dos mecanismos de
controles internos e aplicação de testes substantivos.

Quando se fala que uma entidade / unidade obteve o certificado ISO 14000,
significa que a mesma, após ser ter sido avaliada com metodologia de auditoria em
aspectos relacionados ao risco e nível de degradação ambiental realizado por sua linha
normal de atividade, segue padrões de produção que – em tese – minimizam em quase
zero os possíveis danos ao meio ambiente.

A metodologia aqui proposta segue determinadas técnicas de auditoria,


como a utilização de testes substantivos sobre indicadores e análise do risco das
fragilidades resultantes da ação humana que possam vir a causar dano ambiental. É
tecnicamente incorreto afirmar que se trata de uma auditoria ambiental uma vez que os
ecossistemas não são entidades, nem lidam com capitais ou investimentos. Por outro
lado são entes produtivos e complexos e, dentro do escopo da perícia criminal, devem
ser utilizadas amostras para aferição do todo.

5. IDENTIFICAÇÃO DE FRAGILIDADES E RISCO

Além dos indicadores da consistência do dano ambiental já ocorrido, o


perito deverá observar os níveis de risco e o potencial de dano que as fragilidades
observadas na área examinada podem vir a trazer ao ecossistema do local.

Uma “fragilidade” é um ponto ativo ou inativo de resultante do usufruto


humano que, sob condições eventuais pode vir a resultar em dano ao ecossistema.
Podem-se listar exemplos de fragilidades: tanques de produtos químicos em condições
ruins de conservação, podendo causar dano ao subsolo; rede elétrica cortando copas de
árvores; identificação de aceiros impróprios para queimada controladas; barreiras de
contenção de petróleo insuficientes ou inadequadas para o caso de derramamento; locais
impróprios para armazenamento de produtos químicos ou radioativos. Em todos os
exemplos não houve o dano ambiental, mas existe o potencial de dano.

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O risco de incidência de sinistro sobre ponto de fragilidade deve ser


considerado no laudo pericial, bem como o nível de degradação que os possíveis danos
podem vir a trazer ao ecossistema (relevância). Cabe esclarecer que ao perito não é
afeto fazer recomendações acerca da minimização dos riscos identificados, já isso que
constituiria um trabalho de consultoria e poderia vir a responsabilizar o perito em caso
de sinistro ocorrido sobre a má gestão da solução indicada. Conforme a gravidade da
situação, sugere-se que o perito relate o risco existente à autoridade competente mesmo
antes da emissão do laudo.

5. TRILHAS DE INDICADORES

O dano ambiental, em geral possui aparência palpável, aberrante e de fácil


identificação. Entretanto no caso de matas em regeneração – que compõem a maior
parte da demanda por perícia do gênero ambiental – é menos simples detectar o dano ao
ecossistema, mas ainda sim é necessário reportar e evidenciar o fato. A premissa que
atribui consistência ao laudo é a análise da devastação incorrida em suas minúcias e as
suas conseqüências, da forma mais abrangente possível, sendo a organização dessas
constatações de forma coesa o objetivo perquirido neste trabalho.

Até hoje não há jurisprudência no sentido de estabelecer quantidade de


indicadores mínimos para que um laudo seja definitivo, o que abre espaço para que
poluidores com boa assessoria técnico-jurídica passem a questionar laudos de local de
dano ambiental que, porventura, vierem a demonstrar pouca evidenciação dos fatos.
Assim sendo, para prevenção de tais eventualidades, maior ênfase técnica deve ser
incorporada ao laudo. Sugere-se a utilização de indicadores e sua análise
individualizada.

Para implantação da metodologia de utilização dos indicadores, devem ser


usados testes. Os testes são, em primeira instância, binários, todavia sua interpretação
requer um grau de conhecimento técnico inerente à complexidade do evento e do
ecossistema examinado. O perito, ao interpretar o indicador, deve ser capaz de
esclarecer no laudo os pontos relevantes levantados e as repercussões do fato sobre o

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ecossistema. Assim é posta em prática sua capacidade técnica específica acerca do


assunto.

Na aplicação dos testes são utilizadas uma série de ferramentas organizadas


chamadas trilhas. Observe que as trilhas (testes) são utilizáveis sempre em conjunto, de
forma que o resultado do suposto impacto ao ecossistema seja abrangente e concisa. As
trilhas devem ser escolhidas pelo perito de acordo com a natureza do exame e tipo de
ecossistema encontrado.Vale lembrar que em trabalhos de natureza peculiar, novas
trilhas poderão ser adicionadas pelo expert. A seguir estão um grupo de trilhas que, de
maneira geral, atendem à casuística da grande maioria dos exames em locais de dano
ambiental.

A. SOLO / SUBSOLO: São trilhas voltadas para a investigação do estado do solo,


húmus, ecossistema do solo e rochas.

A.1. Lixiviação: Verificar o a presença de esgotamento do solo resultante da ação da


chuva sobre áreas onde houve retirada de vegetação (voçorocas).

A.2. Retirada de Solo: Observar se houve retirada de solo por ação humana, se
possível determinando os instrumentos utilizados para tanto, relacionando o dano
ambiental ao contexto geral da situação (principalmente garimpos, pedreiras, corte de
dunas, retirada de húmus). Pode ocorrer concomitantemente com A.1.

A.3. Dano ao Solo – Lixo: Verificar a presença de derramamento de lixo (orgânico e


inorgânico) em fase inicial ou intermediária, que implica dano ao húmus e às camadas
superiores do solo.

A.4. Dano ao Subsolo – Lixo: Observar o derramamento de lixo em quantidade que


possa vir a trazer contaminação do subsolo com resíduos orgânicos e inorgânicos.
Identificar a presença de gás metano e outros resultantes da decomposição de material
orgânico no subsolo. (Coleta de amostras).

A.5. Dano ao Subsolo – Químicos: costumeiramente identificado no caso de


contaminação por material químico, óleo, etc. Analisar o envenenamento da vegetação,

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o estado de conservação dos recipientes que supostamente deixaram escapar o material


poluente. (Vazamentos de tanques de postos de gasolina).

A.6. Dano ao Subsolo – Lençóis Freáticos: Verificar a contaminação de lençóis


freáticos através da coleta de água de poços artesianos em residências e
estabelecimentos comerciais porventura existentes no local.

A.7. Salinidade Anormal: avaliar os níveis de salinidade do solo do local analisado.


Alterações na salinidade costumam ser resultantes do derramamento de produtos
reagentes ou desvio de cursos naturais de água.

B. FLORA: Vegetação em geral. Aplicável à maior parte dos exames de perícia em


locais de dano ambiental. O perito pode utilizar as mesmas trilhas para aplicação dos
testes em diferentes tipos de vegetação, uma vez que os testes são genéricos, cabendo
adaptação quanto a casos não abordados. Antes de iniciar os exames, cabe lembrar:

 Vegetação Natural: "Floresta ou outra formação florística com espécies


predominantemente autóctones, em clímax ou em processo de sucessão ecológica
natural." (Resolução nº 04, de 18.09.85, do CONAMA).

 Vegetação secundária, em regeneração ou capoeira: "É aquela resultante dos


processos naturais de sucessão, após supressão total ou parcial da vegetação
primária por ações antrópicas ou causas naturais, podendo ocorrer árvores da
vegetação primária." (definição constante de várias resoluções do CONAMA
baixadas em 1994, com a finalidade de orientar o licenciamento de atividades
florestais em diversos estados brasileiros).

B.1. Flagrantes de Flora: Observações da atuação humana imediata durante a visita


“in situ”.

B.1.1. Extração de Madeira: áreas onde houve extração de madeiras (nobres ou não).
Identificar troncos serrados ou cortados com ferramentas especiais.

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B.1.2. Resíduos de Queimadas: Observar a existência de indicadores de incêndio


florestal (troncos e rochas chamuscadas), normalmente associados à presença de
vegetação secundária.

B.1.3. Culturas: verificar se na área questionada há plantio de culturas, seja para


subsistência ou para fins lucrativos.

B.2. Inexistência de Árvores de Grande-porte Típicas: Observar a presença de


resíduos antigos de árvores grandes, resultante da atuação humana indireta (mortandade
de árvores resultante de envenenemento do solo, lixiviação, etc.) ou resultante da
desertificação de áreas vizinhas a locais onde houve desmatamento. Aplicável para
casos de mata em regeneração.

B.3. Existência de árvores de grande-porte típicas e inexistência de árvores de


médio-porte / arbustos: a existência de árvores de grande porte em uma área, com
troncos largos e raízes profundas deve indicar que a vegetação de grande porte é
primária, demonstrando que, se houve desmatamento, não afetou diretamente os
ecossistemas das copas das árvores, sendo uma área sujeita a recuperação mais rápida.

ATENÇÃO: em casos de contaminação do solo por envenenamento, os vegetais de


menor porte sucumbirão antes, mas os de grande porte estarão contaminados, neste caso
recolher amostras de folhas e de líquido do xilema / floema para análise laboratorial.

B.4. Pragas Vegetais: observar a presença de ervas-daninhas, capim ou outros vegetais


típicos, em quantidades atípicas na região examinada – pode representar desequilíbrio
ecológico.

B.5. Vegetação Secundária: observar a inexistência de árvores de grande e médio porte


(sejam Gimnospermas ou Angiospermas), de forma que arbustos e capinzais típicos
crescem em grande abundância, seja com grande ou pequena variabilidade de espécies.
A regeneração completa de uma área possui tempo variável de acordo com as condições
climáticas e característica da vegetação. Outros indicadores podem contribuir para
identificação de mata secundária (resíduos de queimadas, desequilíbrio de fauna, etc).

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B.6. Vegetais Atípicos: Presença de vegetal de qualquer porte o qual seja possível
identificar como resultante de ação humana. Normalmente são árvores frutíferas ou
raízes não nativas da região, que podem vir a causar desequilíbrio ecológico.

C. FAUNA TERRESTRE.

C.1. Flagrantes de Fauna: Observação da ação humana direta.

C.1.1. Cativeiros / Armadilhas – Animais Silvestres: Observar se na área examinada


há jaulas, fossos ou armadilhas de fabricação artesanal ou não, que registrem haver ou
ter havido a captura de animais silvestres vivos para fins diversos.

C.1.2. Cativeiros para Peleja: Observar a existência de arenas ou rinhas passíveis de


utilização para confronto de animais silvestres ou domésticos (insetos, símios, cães,
galos, etc.).

C.1.3. Criação Extensiva: Observar a existência de pastagens e gado onde costumava


ser terra de mata. Observar indicadores de flora.

C.2. Artrópodes em Excesso: Verificar se, na área periciada, há excessiva quantidade


de artrópodes (insetos, aracnídeos, crustáceos, etc.). Normalmente em caso de áreas de
vegetação secundária, observa-se uma única espécie de artrópode dominando grandes
áreas. Os excessos de artrópodes são resultantes de desequilíbrio ecológico, pela
eliminação de predadores maiores (sapos, cobras, aves, morcegos ou mesmo outros
artrópodes, tal qual as aranhas).

É fundamental que o perito compreenda a natureza e origem do


desequilíbrio: artrópodes que vivem em colônias, como marimbondos, cupins ou
formigas têm residências fixas, portanto a origem do desequilíbrio costuma ser dentro
do local onde se identificou o excesso; insetos de reprodução livre, como gafanhotos,
besouros ou lagartas, são migratórios, podendo ou não ter sua origem na área periciada;
outros, podem ou não ser resultantes de migrações, como escorpiões, lacraias e aranhas.
Em todos os casos, vale anotar o indicador em laudo.

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C.3. Presença de Animais Atípicos: resultante da ação humana direta. Ocorre quando
determinada espécie de origem estrangeira é trazida para o país para criação, exibição
ou outros motivos, mas que, por alguma razão, libertou-se e encontrou em nosso
ecossistema condições ideais para sobrevivência. É o caso de abelhas africanas trazidas
por apicultores, crocodilos trazidos do Nilo para a Amazônia para criação e abate, ou
gatos selvagens (que são atípicos à fauna brasileira). A existência de animais atípicos no
ecossistema não necessariamente implica que tenham tido origem na área examinada.
Informações obtidas junto a agrônomos e veterinários locais podem contribuir no
reconhecimento do histórico da fauna da região.

C.4. Fauna Apresentando Mutações: Caso de locais onde animais apresentam


quantidade irregular de membros e olhos. Observar principalmente anfíbios, que são
mais susceptíveis a mutações durante sua metamorfose.

C.5. Mortandade de Vertebrados: Organismos mais evoluídos, porém mais frágeis


que os invertebrados. Suscetíveis a envenenamentos dos mais diversos tipos (ar, água,
alimentos, radiação), a graves mudanças climáticas, em seu habitat, ou desaparecimento
do principal componente de sua cadeia alimentar.

C.6. Mortandade de Invertebrados: ALERTA! Lembre-se que Artrópodes, minhocas


e outros invertebrados normalmente apresentam boa resistência e adaptabilidade a
produtos químicos, doenças ou mesmo radioatividade. A mortandade de invertebrados
pode representar grande dano ambiental.

D. RECURSOS HÍDRICOS: Aplicável em casos de questionamento acerca de danos


às correntes e lagos de água doce, sem considerar a fauna e flora lá existentes.

D.1. Assoreamento de Nascentes: verificar a o assoreamento de nascentes resultante


da ação humana direta ou indireta, principalmente no caso de garimpo, culturas ou
retirada de matas ciliares. Avaliar o dano ao ecossistema considerando o leito da
nascente destruída. Observar que o assoreamento de nascentes resulta em maior impacto
ambiental que o assoreamento de cursos d’água definidos.

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D.2. Assoreamento de Cursos D’água de Maior Porte: o perito deve observar a


presença de matas ciliares e, também, ponderar junto à comunidade local a existência de
épocas de cheia ou seca, quando praias de rio são formadas, não confundindo-as com
assoreamento. O assoreamento em grandes cursos costumam trazer menor impacto
ambiental que aquele observado em nascentes.

D.3. Exploração Indevida de Nascentes: observar se a exploração de nascentes por


parte de moradores ou empresas localizadas em suas proximidades interferiu com
relevância no volume de água corrente em riacho/igarapé resultante.

D.4. Contaminação de Nascentes – Resíduos Químicos: observar se atividades


impróprias/poluidoras são exercidas nas proximidades de nascentes, sejam atividades
industriais, de exploração, culturas ou criações. A contaminação de nascentes, pode
gerar impacto de pequena ou grande magnitude, de acordo com a relevância daquele
leito aos seus afluentes.

D.5. Contaminação de Nascentes – Lixo / Esgoto: observar se atividades


impróprias/poluidoras são exercidas nas proximidades de nascentes, sejam elas
atividades industriais, de exploração, culturas ou criações. A contaminação de nascentes
por lixo / esgoto, em geral é de menor magnitude que aquela resultante de resíduos
químicos.

D.6. Obras de Engenharia – Cisternas/Desvios de Cursos: a presença de cisternas ou


o desvio dos cursos de água pode representar tanto a utilização sustentável dos recursos
hídricos como fator de esgotamento do solo ou leitos, o que resulta em impacto
ambiental.

E. ECOSSISTEMA AQUÁTICO: Fauna e flora fluvial, lacustre e marítima;

E.1. Água Doce.

E.1.1. Eutrofização: mortandade de peixes resultante da diminuição de oxigênio no


meio. Tal fenômeo ocorre em razão do derramamento de material orgânico em

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quantidades que fazem crescer o tamanho de populações de microorganismos


decompositores, consumidores de oxigênio.

E.1.2. Excesso de Aguapés: Aguapé é a denominação popular de diversas espécies de


vegetais que se apresentam como flutuadores nas margens de lagos e rios de curso
tranqüilo. O excesso de aguapés é resultante do derramamento de material orgânico
excessivo em meio aquoso. Com o tempo, e se não retirados, os aguapés acarretam
assoreamento das margens e conseqüente desequilíbrio ecológico.

E.2. Ecossistema Marinho.

E.2.1. Maré Vermelha: fina camada de algas na parte superior da superfície marinha,
que impede a passagem de luz e conseqüentemente da fotossíntese das algas produtoras
de oxigênio. A maré vermelha é resultante do derramamento de excessivos nutrientes
(material orgânico) nas águas marinhas, implica mortandade de vertebrados e
invertebrados marinhos.

E.3. Flagrantes Água Doce / Salgada.

E.3.1. Pesca Predatória: verificar indícios de pesca predatória através da utilização de


redes de grande porte, dinamite, explosivos, barcos de pesca e portos com respectivos
indícios, ou ainda, a utilização de métodos legais em épocas nas quais vigoram
proibições.

E.3.2. Caça Predatória: indícios que levem os peritos à concluir pela existência de
caça predatória de animais típicos. (No caso de ecossistema fluvial/lacustre, são
tartarugas, jacarés e anfíbios).

E.3. Agentes Poluentes – Água Doce / Salgada.

E.3.1. Resíduos de Material Poluente Não-Biodegradável Flutuante – Produtos


Químicos em Geral: observar a formação de espuma e manchas atípicas de produtos
químicos. O perito deve coletar amostras, analisá-las e manter contraprovas.

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E.3.2. Resíduos de Material Poluente Não-Biodegradável nas Margens / Costa –


Produtos Químicos: observar a presença de detritos inorgânicos presentes nas margens
/ costa, que possam estar relacionados com o derramamento de substância química.
Dano de grande repercussão para o ecossistema. O perito deve coletar amostras, analisá-
las e manter contraprovas.

E.3.3. Resíduos de Material Poluente Não-Biodegradável Flutuante – Petróleo e


Derivados: mesmo considerando o dano causado ao ecossistema, caso não atinja a
costa / margem ou o fundo tem menor repercussão. O perito deve coletar amostras,
analisá-las e manter contraprovas.

E.3.4. Resíduos de Material Poluente Não-Biodegradável nas Margens / Costa –


Petróleo e Derivados: observar a presença de petróleo e derivados presentes nas
margens / costa, que possam estar relacionados com o derramamento de substância
química. Dano de grande repercussão para o ecossistema. O perito deve coletar
amostras, analisá-las e manter contraprovas.

E.3.5. Resíduos de Material Poluente Não-Biodegradável Depositado no Fundo –


Petróleo / Derivados: dano de grande magnitude. O perito deve coletar amostras,
analisá-las e manter contraprovas.

E.3.6. Resíduos de Material Poluente Não-Biodegradável Depositado no Fundo –


Metais Comuns: verificar as quantidades existentes e a relevância de tais quantidades
para o ecossistema aquático local.

E.3.7. Resíduos de Material Poluente Não-Biodegradável Depositado no Fundo –


Metais Pesados: dano relevante, o perito deve comunicar às autoridades competentes a
respeito do fato mesmo antes da emissão do laudo pericial para a tomada de
providências junto à população. O perito deve coletar amostras, analisá-las e manter
contraprovas.

F) PROGRESSO: trata-se da interação direta do homem com o meio-ambiente sob a


forma de progresso que pode ser tanto predatório como sustentável. (Princípio da
materialidade).

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F.1. Obras de Engenharia Civil – Construções em Geral (Qualquer Ecossistema): o


perito deve reportar a existência da obra de engenharia civil, analisando se a mesma é
fator preponderante no dano ambiental sob exame ou se trata apenas de progresso sob a
forma de desenvolvimento sustentável (princípios da externalidade e materialidade).

F.2. Rede Elétrica: a eletrificação rural, principalmente a implantadas sem o apoio de


companhias especializadas pode vir a representar grande risco para o ecossistema. O
perito deve informar à autoridade requisitante deste risco e suas possíveis repercussões.

G. Poluição do Ar, Radioatividade, e casos específicos: exceto em oportunidades de


poluição acintosa do ar, (Cubatão/SP nos anos 80), recomenda-se a utilização de
aparelhos especiais para medição de tais formas de poluição. Quanto à radioatividade,
sugere-se busca de apoio junto à equipe de radioproteção da Comissão Nacional de
Energia Nuclear – CNEN.

6. CONCLUSÃO
O enunciado do postulado universal e dos princípios aplicáveis aos exames
de local de dano ambiental têm por meta consolidar uma lacuna doutrinária existente no
campo, de forma a produzir parâmetros para respaldo nos casos de dúvidas relacionadas
à convivência do homem com o meio ambiente.

A utilização das Ciências Contábeis como metodologia de organização, e


consistência é pouco explorada no Brasil fora do meio financeiro, o que abre espaço
para que os doutos nesta ciência possam contribuir nos mais diversos campos do
conhecimento. Talvez se pessoas ligadas a áreas específicas buscassem amparo
metodológico nas Ciências Contábeis, sistemas complexos de informação poderiam vir
a ter soluções mais tempestivas e concisas.

Uma vez exposto o conceito, esperam-se alterações na forma tradicional de


abordagem e na maneira de interpretação dos danos ambientais, além de maior
eficiência na emissão de laudos periciais. É importante que haja unificação na
metodologia de perícia de impacto ambiental, mesmo porque haverá maior consenso na
esfera judicial, o que tornará homogênea a aplicação da lei no Brasil.

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IUDÍCIBUS. S.; MARTINS. E.; GELBCKE. E. R. Manual de Contabilidade Das


Sociedades por Ações. São Paulo. Atlas, 4ª Ed. 1994.

LINHARES, S. GEWANDSZNAJDER, F. Biologia – Vol. 2. São Paulo. Ática, 2ª Ed.


1993.

______________. Biologia – Vol. 3. São Paulo. Ática, 2ª Ed. 1993.

MACHADO. P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo. Maleiros.10ª Ed.


2002.

SOUZA, P. P. Terminologia Florestal. Rio de Janeiro, Guanabara, 1973. 304 p.

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