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INTRODUÇÃO

O presente estudo adentrará ao relevante tema da tutela penal


ambiental. Para tanto, faz-se necessário trazer conceitos básicos acerca do tema, com
o escopo de delinear os institutos estudados e o alcance da norma penal ambiental.
Com efeito, não há como estudar o “Direito Penal Ambiental”, sem antes conceituar a
expressão “meio ambiente”. Apesar de reduzido interesse prático, deve-se notar que
a expressão em comento não é a mais correta, já que envolve em si mesma um
pleonasmo. Trata-se de expressão largamente difundida em nosso ordenamento
jurídico, utilizada pelos Tribunais Superiores e por doutrinadores de escol. Alerta-se,
porém, para a tecnicidade na utilização apenas da expressão “ambiente”.

Conforme restará demonstrado na realização desta obra,


algumas legislações nacionais são paradigmáticas na tutela ambiental no Brasil.
Inegável a contribuição da Carta Maior, de 1988, considerada pela maioria da doutrina
como uma das Constituições mais avançadas em matéria ambiental do mundo. Note-
se que antes da entrada em vigor da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, qual
seja a lei 6.938/81, não havia definição legal de “meio ambiente”. A referida ausência
foi suprida, conforme dispõe o artigo 3º, I, in verbis:

“Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente
(grifo nosso), o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”.

Nessa esteira, existem definições legais de “meio ambiente” em


grande parte das legislações dos Estados-membros, que detêm competência para
atuar em prol do meio ambiente, conforme dispõe o artigo 24, VI da Constituição
Federal de 1988:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre: VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente
e controle da poluição”.
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Apenas para ilustrar, no Estado do Maranhão a lei estadual


4.154/1980 dispõe em seu art. 2º, parágrafo único, “a”, que “meio ambiente é o espaço
físico composto dos elementos naturais (solo, água, e ar), obedecidos os limites deste
Estado”. Já em Minas Gerais, “meio ambiente é o espaço onde se desenvolvem as
atividades humanas e a vida dos animais e vegetais” (art. 1º, parágrafo único, da lei
7.772/1980).

Por outro lado, não se desconhece a inovação trazida pela


Constituição Federal de 1988, ao inserir pela primeira vez o tema “meio ambiente” de
forma autônoma e em capítulo próprio. O artigo 225 da Carta Maior é o pilar de
sustentação de toda a legislação ambiental, que também determina as balizas para a
tutela penal ambiental. Trata-se de dispositivo imprescindível para a tutela ambiental
em todas as suas formas. Nesse momento, far-se-á a transcrição apenas da cabeça
do artigo, o qual será explorado oportunamente no estudo da tutela penal ambiental:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações”.

Com efeito, em que pese o inédito dispositivo trazido pela Carta


Maior de 1988, não foi a primeira Constituição da América Latina a dispor sobre o
meio ambiente. Machado (2013, p.145), explica:

“Não foi a primeira Constituição da América Latina a fazê-lo, tendo sido


precedida pelas Constituições do Equador e do Peru de 1979, Chile e Guiana
de 1980, Honduras de 1982, Panamá de 1983, Guatemala de 1985, Haiti e
Nicarágua de 1987. Nossos ancestrais na Europa – Portugal e Espanha –
inovaram em 1976 e 1978 – introduzindo o tema nas Constituições”.

A escolha do tema reflete a necessidade de conhecer a real


necessidade da incriminação de condutas que afetem o meio ambiente, com ênfase
na possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, tema bastante
controvertido na doutrina, que ganhou certos ares de pacificidade na jurisprudência
pátria, nos últimos meses.

Com efeito, o trabalho em tela é imprescindível para o Ensino


Superior, notadamente nas faculdades de Direito, em que o “ramo” do Direito
Ambiental tem recebido influxos de outros “ramos” do Direito, notadamente o Direito
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Constitucional e Direito Penal, sendo imperioso notar a complementariedade entre os


ramos, não sendo mais possível justificar a importância de apenas um “ramo” do
Direito. Destarte, ao traçar as principais diretrizes do Direito Penal Ambiental, não se
está exclusivamente trazendo à baila o rol de crimes ambientais esculpidos na lei.
Mais do que isso, demonstra-se a importância do pilar constitucional para a fixação
de diretrizes efetivas para a aplicação da tutela penal ambiental, sem descurar dos
princípios penais adaptados ao direito ambiental, já que este “ramo” é o único que
incrimina a pessoa jurídica no ordenamento jurídico pátrio.

Destarte, o presente trabalho foi dividido em cinco tópicos,


iniciando com a indagação acerca da necessidade da tutela penal do meio ambiente,
seguida de uma breve digressão da tutela penal ambiental em nossa história. Após, a
apresentação características do tipo penal ambiental. Em seguida um tópico
específico acerca do princípio da insignificância em matéria ambiental e de que forma
a jurisprudência pátria trata da temática. Apresenta-se, em seguida, a
responsabilidade penal da pessoa jurídica e as recentes decisões dos Tribunais
Superiores, notadamente do Supremo Tribunal Federal acerca do tema. Por
derradeiro, as considerações finais do trabalho, visando aprimorar a temática “Direito
Penal Ambiental”, confrontando a produção científica com as decisões trilhadas pelos
Tribunais Superiores. Na explanação do trabalho, optou-se pelo método indutivo,
pesquisando, identificando e analisando a problemática para chegar às conclusões,
utilizando-se para tal mister da pesquisa bibliográfica.

Com efeito, pode-se elencar dois problemas fundamentais em


relação ao Direito Penal Ambiental, quais sejam a possibilidade ou não da aplicação
do princípio da insignificância e da existência ou não da responsabilização penal da
pessoa jurídica, e em que medida. As respostas para os problemas elencados
passarão necessariamente pela demonstração da necessidade da tutela penal em
relação ao meio ambiente, sem se descurar à digressão da matéria em nosso
ordenamento. Assim, pode-se compreender que o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça nem sempre compartilhavam o mesmo posicionamento.
Ao revés, há pouco tempo não havia posicionamento claro da Suprema Corte a
respeito da responsabilização penal da pessoa jurídica, ao passo que o Superior
Tribunal de Justiça há muito tempo encampava a teoria da “Dupla Imputação”. Desta
forma, a divergência de entendimento entre eles aponta pela possibilidade tanto da
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aplicação do princípio da insignificância quanto da responsabilização penal da pessoa


jurídica em crimes ambientais.
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1. A NECESSIDADE DA TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE

Será realmente necessária a tutela penal do meio ambiente?

Trata-se de uma pergunta corriqueira no meio empresarial, que


muitas vezes não quer o “ônus”, mas apenas o “bônus” trazido pelo meio ambiente. A
resposta é afirmativa. Não resta dúvidas que no panorama ambiental que vivemos
questiona-se cada vez menos o porquê da incidência do direito penal no meio
ambiente. Isto porque o ser humano se deu conta das limitações e fragilidades e da
estreita vinculação entre a perpetuação da espécie humana e a manutenção do meio
ambiente.

Houve conscientização pelo ser humano acerca da necessidade


de preservação, não apenas para as futuras gerações, mas também para a presente.
Betiol (2010, p.16), explica:

“...desmistificou-se a imagem de que a natureza possui uma capacidade


infinita de se recompor após qualquer tipo de agressão, tomou-se consciência
de que os recursos naturais são finitos, identificou-se que o modelo vigente
de desenvolvimento é o responsável pela crise ecológica, e que os sistemas
econômico e jurídico têm que se adaptar a essa situação para garantir a
manutenção das presentes e futuras gerações humanas na Terra”.

Milaré (2014, p.844) indica:

“(...) o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua


concepção moderna, é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, o
que, por si só, justifica a imposição de sanções penais às agressões contra
ele perpetradas, como extrema ratio. Em outro modo de dizer, a ultima ratio
da tutela penal ambiental significa que esta é chamada a intervir somente nos
casos em que as agressões a valores fundamentais da sociedade alcancem
o ponto do intolerável ou sejam objeto de intensa reprovação do corpo social”.

É exatamente diante dessa conscientização que houve


aceitação, não somente no Brasil, mas no cenário internacional, acerca da
necessidade de se socorrer ao Direito Penal para proteger o meio ambiente. Note-se
que mesmo havendo a tutela penal, não há garantia de que haverá efetiva proteção
do meio ambiente. Nessa esteira, Machado (2012, p. 828), comenta a inovadora lei
9.605/98 em relação à proteção da Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica: “ [...] Não
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acreditamos que os novos crimes e o sistema penal a ser aplicado serão suficientes
e eficazes para disciplinar os grupos nacionais e estrangeiros em atividade nessas
áreas”.

As proféticas palavras do professor Paulo Affonso Leme


Machado parecem ecoar diante da tragédia sem precedentes ocorrida no dia 05-11-
2015 em Mariana, Minas Gerais, causadas pela ação de uma empresa privada da
área de mineração chamada Samarco, tendo como uma de suas acionistas a VALE
(mineradora que era estatal e foi privatizada), com a participação de 50% no capital
por meio de uma joint venture com a BHP Billiton, a maior empresa de mineração do
mundo.

Portanto, ao analisar a tutela penal ambiental, faz-se mister


verificar as diretrizes para a incidência deste “ramo” do Direito de forma geral, e
adequá-la em relação ao Direito Ambiental.

1.1. Princípios do Direito Penal

O direito penal é regido pelos princípios da fragmentariedade e


subsidiariedade. Em relação àquela, não é qualquer bem da vida que deve ser
protegido pelo direito penal, ou seja, deve haver relevância para sua tutela, v.g. um
grão de areia no deserto não deve ser tutelado pelo direito penal, por não trazer, por
si só, relevância suficiente que demonstre a necessidade de intervenção do Direito
Penal. Nessa toada, se um bem da vida merece a tutela do direito penal, ainda é
necessário perquirir se a lesão ou ameaça de lesão são merecedores de uma sanção
penal.

Já em relação ao princípio da subsidiariedade, entende-se pela


intervenção preliminar dos outros “ramos” Direito, v.g. Direito Civil, Direito
Administrativo, Direito Tributário, restando o Direito Penal legítimo a intervir apenas
quando a proteção oferecida pelos demais for insuficiente à proteção do bem jurídico.
Note o exemplo do homicídio. Em que pese o autor de um homicídio ter o dever de
indenizar, demonstrando a incidência do Direito Civil, imaginemos que o autor do
homicídio é servidor público e comete o crime no exercício de suas funções. Por óbvio
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será sancionado na seara administrativa. Porém, em que pese as diversas


incidências, o bem jurídico estaria sendo protegido insuficientemente se não houvesse
intervenção do Direito Penal, com o escopo de tutelar efetivamente o bem jurídico
“vida humana extrauterina”.

Com efeito, diante da importância dos bens ambientais para as


presentes e futuras gerações, a Constituição agiu corretamente ao determinar a tutela
penal ambiental, homenageando a proteção a um direito fundamental diretamente
relacionado à dignidade da pessoa humana.

Desta forma, é imperioso notar o comando constitucional pela


tutela penal ambiental, disposto no artigo 225, §3º da Constituição Federal:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações. § 3º As condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados”.

Utilizando-se da hermenêutica contemporânea, extrai-se de uma


análise sistêmica da Constituição Federal, quatro “espécies” de meio ambiente, senão
vejamos:

- Meio ambiente natural (art. 225 da Constituição Federal);

- Meio ambiente artificial (art. 182 e seguintes da Constituição Federal);

- Meio ambiente cultural (art. 215 e 215 da Constituição Federal);

- Meio ambiente do trabalho (art. 200 da Constituição Federal).

1.2. Proteção penal de bens supraindividuais

Deve-se atentar, nessa toada, a possibilidade da proteção penal


dos bens supraindividuais, coletivos e difusos, não devendo o Direito Penal limitar seu
campo de atuação apenas a bens jurídicos individuais. Com efeito, restou evidente
que a Constituição Federal adotou essa possibilidade, diante do mandado de
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incriminação constante no art. 225, §3º, da Carta Maior. E mais, o referido dispositivo
menciona a chamada responsabilização penal da pessoa jurídica, tema que será
abordado oportunamente. Com efeito, a tutela de bens transindividuais é o que a
doutrina denomina de Direito Penal Secundário, pois a realização do homem em
sociedade se dá em duas vertentes, quais sejam como indivíduo, obrigando o Estado
a protegê-lo diretamente (proteção em nível primário) e a realização social do homem,
enquanto membro inserido na sociedade (proteção em nível secundário).

Destarte, ante a importância dos bens ambientais, a


Constituição Federal autorizou que as condutas lesivas ao meio ambiente estariam
sujeitas a sanções penais, demonstrando a necessidade de proteção dos bens
ambientais pelo Direito Penal, incriminando condutas não só praticadas pelo indivíduo
pessoa física, mas também pela pessoa jurídica, conforme supracitado, restando
demonstrada a necessidade de intervenção do Direito Penal na seara ambiental, com
o escopo de tutelar um direito fundamental das presentes e futuras gerações.

Por mais paradoxal que possa parecer, a população em geral


não vislumbra muito valor aos bens ambientais. Falar em proteção ambiental e
repressão a crimes ambientais e responsabilização penal da pessoa jurídica soa
apenas como um discurso politicamente correto, pois a população em geral aprova, a
mídia aceita, porém é notório que o discurso não é real e efetivo, pois o ser humano
não consegue, de forma geral, se preocupar com situações em que não sofre as
consequências, v.g., quando falamos em estatísticas de morte no trânsito em
decorrência da ingestão de bebidas alcoólicas, o discurso não atinge a população em
geral até que um conhecido ou um parente próxima seja vítima de um motorista
embriagado. É a natureza do ser humano, e não é diferente em relação à necessidade
da criminalização de condutas ofensivas ao meio ambiente.

Com efeito, a tragédia ocorrida em Mariana, Minas Gerais, em


que metais pesados foram encontrados na lama, apontando índice de ferro
1.366.666% acima do tolerável, manganês, que superam 118.000%, alumínio,
presente em concentração 645.000% maior do que o tolerável para o tratamento e
distribuição aos moradores, com consequências nefastas ao rio Doce e a respectiva
biota, além das mortes, desaparecimentos e esvaziamento econômico da região,
tolhendo milhares de pessoas de seu mínimo existencial, fazem com que a
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necessidade do direito penal ambiental seja incorporado pela mídia e pela população
em geral.

Destarte, apesar de longe de um desfecho, a tragédia de


Mariana demonstra a capacidade de uma pessoa jurídica cometer inúmeros crimes
ambientais. Ao se deparar com os fatos ocorridos e cotejá-los com a lei 9.605/98, há
subsunção de inúmeros crimes praticados, em tese, pela empresa mineradora, e
outros ainda que ocorrerão, explicitando ainda mais a necessidade de tutela penal
enérgica e efetiva no campo ambiental, englobando, nesse diapasão, a necessidade
de responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica.
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2. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ACERCA DA TUTELA PENAL DO MEIO


AMBIENTE NO BRASIL

Estudiosos afirmam existir a tutela penal ambiental desde o


século XVI, evidenciada por uma legislação protecionista. Porém com a instituição do
Governo Geral do Brasil, surgiram os chamados “Regimentos”, que tinham em seu
teor normas que visavam prevenir a devastação exacerbada das florestas.

As Ordenações Filipinas, de 1603, traziam em seu texto a


tipificação de diversos crimes ambientais, notadamente restrições sobre a caça e a
pesca e poluição de águas.

O festejado Código Criminal de 1830, considerado por


doutrinadores de escol como sendo o mais técnico diploma penal existente em nosso
ordenamento, continha dispositivos que sancionavam aquele que realizasse corte
ilegal de árvores e dano ao patrimônio cultural.

A Lei 601, de 18 de setembro de 1850, que dispõe sobre as


terras devolutas do Império, em seu artigo 2º já contemplava um tipo penal ambiental,
senão vejamos:

“Art. 2º Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nellas


derribarem mattos ou lhes puzerem fogo, serão obrigados a despejo, com
perda de bemfeitorias, e de mais soffrerão a pena de dous a seis mezes do
prisão e multa de 100$, além da satisfação do damno causado. Esta pena,
porém, não terá logar nos actos possessorios entre heréos confinantes”.

Somente em 1934 surge o Código Florestal (Dec. 23.793/34),


tipificando crimes e contravenções penais ambientais. No mesmo ano surge a nova
Constituição Federal, com tímidos dispositivos acerca do direito ambiental. Ainda no
referido ano, tivemos a entrada em vigor do Código de Águas e do Código de Caça.
Com efeito, a característica brasileira em relação à proteção ambiental é a dispersão
legislativa no tempo e no espaço. Assim, em 1941 foi promulgado o Código Penal
(Dec.Lei 2.848/40), assim como a Lei de Contravenções Penais (Dec. 3.688/41), com
tímidos, senão inexistentes dispositivos de tutela penal ao meio ambiente.

Nesse diapasão, após a deficiente proteção trazida pelo Código


Penal de 1940 em sua redação original surge um diploma central, qual seja o Código
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Florestal de 1965 (lei 4.771/65) e legislações que gravitam em torno do diploma


central, quais sejam a lei 5.197/97 – Proteção à fauna, Dec.lei 221/67 – Pesca, Dec.lei
50.877/61 – Poluição das águas.

Porém somente em 1981, com a entrada em vigor da lei


6.938/81, é que o legislador exteriorizou o chamado “antropocentrismo mitigado ou
reformado”, nas palavras de Antonio Herman Benjamin.

Segundo Alvarenga (2005, p.79): “Houve a edição de esparsas


legislações ambientais, conforme já mencionado alhures. Porém a codificação
existente antes de 1998 dispensava insuficiente proteção ao meio ambiente, tutelando
apenas algumas modalidades de infração ecológica”.

Com a chegada da lei 9.605/98, houve uma sistematização


normativa em relação aos crimes ambientais, com a organização em cinco grupos que
serão delineados em momento oportuno. Destarte, o panorama contemporâneo em
relação à tutela penal ambiental é norteada pela lei 9.605/98, seguida de diversas leis
em vigor que tutelam direta ou indiretamente o meio ambiente no viés penal. Segue
rol exemplificativo de legislações que cumprem esse mister:

 Lei 12.651/2012 - Novo Código Florestal;


 Lei 6.453/77 - Responsabilidade penal em danos nucleares;
 Lei 6.766/79 - Prevê ilícitos relacionados ao parcelamento do solo para fins
urbanos;
 Lei 7.643/87 - Tutela cetáceos
 Lei 7.802/89 - Lei dos Agrotóxicos
 Lei 11.105/05 - Lei da Biossegurança

Não se desconhece, nessa esteira, diversos dispositivos do


Código Penal e da Lei de Contravenções Penais que tutelam, ainda que
indiretamente, o meio ambiente, v.g. o crime de dano do art. 163 do Código Penal,
que pode incidir em bem ambiental.
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3. DOS CRIMES AMBIENTAIS

3.1. Aspectos Gerais

Tratando-se de crime, deve-se ter em mente que a competência


para legislar é privativa da União, conforme dispõe o artigo 22, I da Constituição
Federal: “Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial,
penal (grifo nosso), processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho”. Por outro lado, pode a União autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas do direito penal ambiental, desde que seja veiculada por Lei
Complementar, conforme dispõe o parágrafo único do supracitado dispositivo: “Lei
complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das
matérias relacionadas neste artigo”.

A Constituição Federal de 1988, no art. 225, §3º trouxe um


mandado de criminalização em relação condutas lesivas ao meio ambiente, assim
como as diversas disposições do referido artigo demonstram a necessidade de
proteção aos bens ambientais, como ocorre com o inciso VII, que veda prática que
acabe por submeter os animais à crueldade.

Nosso ordenamento jurídico contém diversos diplomas


delineando crimes ambientais. Evidentemente, a lei 9.605, de 12.02.1998 é um
diploma paradigmático, mostrando-se como uma legislação avançada, utilizando
como regra geral o não-encarceramento para as pessoas físicas, além da
responsabilização penal da pessoa jurídica. Com efeito, todo ordenamento jurídico
repressivo caminha na linha das balizas trazidas em 1998 pela lei em comento, pois
a regra geral deixa de ser o cárcere e passa a ser a adoção de medidas alternativas.
Basta analisar a lei 12.403/11, que deu nova redação ao Código de Processo Penal
em relação à prisão preventiva. A regra geral, pautada no encarceramento, cede
espaço para medidas alternativas à prisão, sendo a segregação provisória uma
exceção.

Com efeito, a influência da lei dos crimes ambientais difundiu


suas balizas em todo o ordenamento jurídico, porém é possível concluir que as
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pessoas jurídicas somente podem ser responsabilizadas criminalmente, no Brasil, por


atividades lesivas ao meio ambiente, não havendo qualquer possibilidade de
incriminação em outros delitos, conforme será explanado oportunamente.

Note-se que apesar do estudo em comento tratar do Direito


Penal Ambiental e não apenas da lei 9.605/98 especificamente, cumpre traçar uma
divisão da referida lei, qual seja uma “Parte Geral” e uma “Parte Especial”. Esta,
evidentemente, trata de delitos ambientais. Aquela traça regras e cria institutos
aplicáveis apenas aos crimes ambientais, em virtude do princípio da especialidade.
Por outro lado, não somente a lei 9.605/98 trata de crimes ambientais lato sensu.
Diversos diplomas o fazem, evidentemente de forma especial, v.g., lei 6.453/1977, lei
11.105/2005, entre outras.

A Lei nº 9.605/98, em relação aos crimes em espécie, pode ser


organizada da seguinte forma:

- Crimes contra a fauna (artigo 29 a 37);

- Crimes contra a flora (artigo 38 a 53);

- Da Poluição e outros crimes ambientais (artigo 54 a 61);

- Dos Crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (artigo 62 a 65);

- Dos Crimes contra a administração ambiental (artigo 66 a 69-A);

3.2. Dos crimes contra a fauna

O principal tipo penal em relação à proteção da fauna é o do


artigo 29, que expõe as condutas de matar, perseguir, apanhar, utilizar espécimes da
fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou
autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida. Com efeito, o
legislador, de forma técnica, pretendeu tutelar condutas que de qualquer sorte
influenciam na perpetuação da espécie.

Interessante notar as especiais causas de aumento de pena trazida na lei de crimes


ambientais, quais sejam:
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I - Contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no


local da infração;

II - Em período proibido à caça (período de defeso);

III - Durante a noite;

IV - Com abuso de licença;

V - Em unidade de conservação;

VI - Com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em


massa.

VII – Se o crime decorre do exercício de caça profissional

Com relação a este último, a lei traz uma causa de aumento de


pena em até o triplo. Nos outros casos, temos uma causa de aumento de pena em
patamar fixo, qual seja o aumento na metade.

Assim, é imperioso notar que essas majorantes são especiais


em relação àquelas contidas no Código Penal Brasileiro, aplicáveis a todo e qualquer
crime, mesmo os contidos em lei especial, como no caso da lei dos crimes ambientais.
Assim, o juiz, ao condenar o réu por crime contra a fauna, na terceira fase da pena,
IMPORTANTE
antes de analisar a possibilidade de aplicar causas de aumento de pena previstas no
Código Penal, deve-se atentar às majorantes previstas na lei 9.605/98 antes de aplicar
o diploma material.

Novamente a técnica legislativa e a perspicácia do legislador, ao


prever aprioristicamente casos em que os crimes contra a fauna são mais graves e,
portanto, merecem ser apenas com maior rigor, trouxe majorantes específicas para
os crimes ambientais baseados no conhecimento acerca das técnicas utilizadas para
IMPORTANTE caça, tutelando com maestria condutas gravosas ao meio ambiente. Mas não é

possível enaltecer o brilhantismo legislativo quando a análise se refere ao preceito


secundário, ou seja, a sanção penal imposta aos crimes ambientais como um todo.
Note, por exemplo, o já mencionado crime contra a fauna disposto no artigo 29 da lei
9.605/98, que prevê a pífia reprimenda de detenção, de seis meses a um ano, além
da multa.
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No mais, o artigo 30 traz a figura da exportação de couros e


peles de anfíbios e répteis em bruto sem a devida autorização, que nada mais é que
um crime de contrabando (artigo 334-A do Código Penal) especializado. Com efeito,
dispositivo desnecessário e retrógrado, pois prevê reprimenda de um a três anos de
reclusão, ao passo que o crime de contrabando contido no Código Penal possui
reprimenda de dois a cinco anos de reclusão. Em que pese a sanção penal do crime
de contrabando ter sido aumentada com a entrada em vigor da lei nº 13.008/14, que
introduziu o crime do artigo 334-A no Código Penal, separando os delitos de
contrabando e descaminho, mantendo a reprimenda deste, qual seja de um a quatro
anos de reclusão. Ou seja, mesmo antes da mudança legislativa alteradora do Código
Penal, a reprimenda do contrabando era maior do que a do artigo 30 da Lei 9.605/98.

Não fosse o bastante, o artigo 31 trata da introdução de


espécime no país sem parecer técnico oficial e licença expedida por autoridade
competente. Trata-se, novamente, de um contrabando especial, pois nada mais é do
que uma importação proibida (não autorizada). As críticas supracitadas, acerca da
reprimenda do crime especial, se asseveram quando se nota o preceito secundário
do artigo 31, que prevê pena de detenção, de três meses a um ano, em pleno
descompasso com o contrabando do Código Penal.

Aplausos aos preceitos primários dos artigos 33 a 35, que


incriminam condutas específicas na área ambiental. Isto porque as considerações
realizadas acerca dos crimes dos artigos 30 e 31 demonstram a não só a
prescindibilidade dos dispositivos, mas a nocividade da existência, pois se fossem
simplesmente extirpados do ordenamento penal ambiental, a aplicação do crime
previsto no Código Penal protegeria com maior rigor o meio ambiente.

Por derradeiro, interessante a análise do artigo 37, que assim


dispõe:

“Art. 37. Não é crime (grifo nosso) o abate de animal, quando realizado: I -
em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família;
II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou
destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela
autoridade competente; III – (VETADO); IV - por ser nocivo o animal, desde
que assim caracterizado pelo órgão competente”.
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Trata-se de casos em que a conduta praticada pelo agente não


caracteriza crime. A hipótese trazida no inciso I já elucida que se trata de causa de
exclusão da ilicitude. É o típico caso do caçador de subsistência, que reside em área
rural e vive da caça. Para ele a conduta de caçar para alimentar a si e aos familiares
é uma rotina. Para tanto, o Poder Público concede registro e porte de arma de fogo
para tal mister, dentro de especificações regulamentas em lei.

Note o recente caso analisado pelo Tribunal Regional Federal


da 1ª Região, decidido de forma unânime pela 4ª Turma, disponível em
http://www.jf.jus.br/noticias/2015/julho/trf1-absolve-homem-flagrado-com-dois-jabutis-
para-consumo-proprio-da-pratica-de-crime-ambiental:

“TRF1 absolve homem flagrado com dois jabutis para consumo próprio da
prática de crime ambiental.

A caça e apreensão de dois jabutis para consumo próprio não justifica a


abertura de processo penal, por absoluta falta de adequação social. Essa foi
a fundamentação adotada pela 4ª Turma do TRF da 1ª Região para conceder
a ordem de habeas corpus impetrado contra ato da 2ª Vara Federal da Seção
Judiciária de Roraima, que decretou a absolvição sumária do acusado,
denunciado pela prática de crime ambiental.

Consta da denúncia que o paciente, no dia 24/2/2011, foi flagrado por uma
equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), dentro da Floresta Nacional Roraima, na posse de dois jabutis, sem
autorização ou permissão das autoridades competentes. O Juízo de primeiro
grau, ao analisar o caso, optou por condenar o acusado pelo cometimento de
crime ambiental.

O denunciado, então, recorreu ao TRF1 sustentando que o fato narrado não


constitui crime em razão de sua atipicidade material pela aplicação do
princípio da insignificância, pois os jabutis em seu poder eram para a
subsistência de sua família e que não haveria justa causa, visto que,
conforme constatado pelos fiscais, a ação não comprometeu a biota, a
qualidade ambiental ou a estabilidade do ecossistema, nem teria ocorrido
dano à Zona Intangível da Unidade de Conservação.

O relator, juiz federal convocado Marcus Vinicius Reis Bastos, deu razão à
parte impetrante. Na avaliação do magistrado, a questão permite a aplicação
do princípio da insignificância. “A conduta imputada ao denunciado nos autos
da ação penal não tem aptidão para lesionar o bem jurídico protegido. A
21

acusação não tem adequação social, afigurando-se de todo insignificante


para justificar a movimentação da máquina punitiva do Estado”, disse.

O magistrado ainda ponderou que “proteger as espécies animais da caça


indiscriminada é uma meta importante para a sobrevivência do planeta, mas,
como para tudo há uma medida, não se justifica a condenação penal de
alguém por ter caçado dois jabutis”.

A decisão foi unânime.

Processo nº 0008232-11.2015.4.01.0000/RR”.

Percebe-se nitidamente que tanto a defesa quanto o órgão


julgador cometem o equívoco de analisar a questão da insignificância, que detém
vetores balizadores de aplicação, ao passo que o caso em comento, conforme é
possível extrair do inteiro teor do acórdão de julgamento, refere-se a todo o tempo
sobre a subsistência de réu e de seus familiares. Assim, ocorre a isonomia prática na
aplicação dos institutos, ou seja, de qualquer forma não há crime, seja pela exclusão
de ilicitude, seja pela atipicidade material da conduta.

3.3. Dos crimes contra a flora

Os crimes contra a flora estão disciplinados entre os artigos 38


a 53 da Lei dos Crimes Ambientais. É perceptível que o legislador quis proteger a flora
brasileira, com maior ênfase nas Unidades de Conservação, que estão disciplinadas
na lei nº 9.985/00, punindo, para tanto, não só condutas dolosas, mas também condutas
culposas em diversos dispositivos, ampliando ainda mais a proteção ao ambiente.

A problemática em relação aos crimes contra a flora reside na


dificuldade de fiscalização, pois o Brasil tem dimensões continentais. Com efeito, a
utilização de ferramentas de georreferenciamento foi paradigmática em relação à
possibilidade de fiscalização ambiental da flora, porém, longe de alcançar plena
efetividade. Nesse diapasão, O INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial,
divulga mensalmente os polígonos de áreas desmatadas maiores que vinte e cinco
hectares. Assim, a fiscalização, de posse dessas informações, verifica indícios de
desmatamento, notadamente em Unidades de Conservação, em terras indígenas e
em terras públicas da União. No sítio eletrônico do INPE é possível investigar o
22

desmatamento da Amazônia Legal com o auxílio da ferramenta chamada ´DETER´,


que utiliza programas de computador de georreferenciamento para Detecção em
Tempo Real da Amazônia Legal. É possível acessar a ferramenta diretamente no
endereço www.obt.inpe.br/detér, tudo isso para demonstrar o avanço tecnológico com
o escopo de efetivamente punir aqueles que cometem crimes contra a flora.

A efetiva criminalização de condutas que atentem contra a flora


é necessária, pois organizações criminosas atuam na extração, transporte e comércio
ilegal de produtos florestais, causando prejuízos de milhões de reais, sem contar as
pessoas que se prejudicaram com as condutas ilegais. A notícia a seguir demonstra
o prejuízo estimado por uma organização criminosa voltada ao cometimento de crimes
contra a flora, disponível https: //www.notícias.terra.com.br:

“Polícia Federal cumpre, nesta sexta-feira, mais de 180 mandados de busca


e apreensão e prisão preventiva em diversas cidades dos Estados do Mato
Grosso, São Paulo, Paraná, Rio Grande Sul e Espírito Santo. A ação faz parte
da Operação Jurupari que investiga a extração, transporte e comércio ilegal
de produtos florestais na Amazônia mato-grossense, que teriam causados
danos de aproximadamente R$ 900 milhões ao meio ambiente. A quadrilha é
acusada, entre outros crimes, de corrupção ativa e passiva, furto, grilagem
de terras, falsidade ideológica e inserção de dados falsos em sistema de
informática. As investigações que culminaram na realização da operação
duraram cerca de dois anos. Segundo a polícia foram encontradas
irregularidades praticadas por servidores, engenheiros e proprietários em
pelo menos 68 empreendimentos e propriedades rurais. Entre os
investigados estão madeireiros, proprietários rurais, engenheiros florestais e
servidores públicos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), que
eram responsáveis por produzir e aprovar licenciamentos e Planos de Manejo
Florestal fraudulentos, necessários à legalização e comércio de madeiras
extraídas no interior dessas áreas públicas. A Justiça Federal em Mato
Grosso decretou o sequestro e indisponibilidade dos bens de todos os
envolvidos, bem como o afastamento preventivo de todos os servidores
indiciados.”

Nessa toada, é imprescindível a criminalização de condutas


atentatórias à flora. Por óbvio restam críticas às brandas sanções penais impostas
pela legislação. O reflexo da insuficiente proteção trazida pela lei dos Crimes
Ambientais repercute na atuação das organizações criminosas, conforme restou
demonstrado acima. Trata-se de evolução natural das organizações criminosas, que
23

num primeiro momento optam por crimes como o tráfico de drogas, mas percebem na
exploração da flora um lucro maior e mais fácil, com menor reprimenda e menor
fiscalização. Explica Mendroni (2009, p.07):

“A evolução natural da humanidade, decorrente da modernização dos meios


de comunicação, equipamentos tecnológicos de toda natureza, dos meios de
transporte e de processamento de dados, trouxe também a reboque o
incontrolável incremento da criminalidade, mas, em especial, da
criminalidade organizada”.

Desta forma, pode-se afirmar que a reprimenda trazida na lei de


Crimes Ambientais em relação à flora é insuficiente. Com efeito, as florestas são
indispensáveis para o bem-estar e a sustentabilidade do planeta, mas todos os anos
elas encolhem em média treze milhões de hectares, conforme relatório mais recente
da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), lançado
em 2010.

3.4. Da poluição e outros crimes ambientais

Os artigos 54 a 61 tratam basicamente da poluição, seja em sua


forma direta (artigo 54), seja na utilização de substância tóxica na industrialização,
transporte e comércio (artigo 56), ou mesmo poluir sem o conhecimento do órgão
fiscalizador, ou seja, sem qualquer controle, sem qualquer licença ou autorização para
o funcionamento de obras, serviços e estabelecimentos.

Com o escopo de compreender o bem jurídico tutelado pela


norma, cumpre trazer o conceito de “poluição”, constante do artigo 3º, III da lei
6.938/81:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: III - poluição, a
degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou
sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo
com os padrões ambientais estabelecidos;
24

Com efeito, é notório o propósito do caput do artigo 54 da lei dos


Crimes Ambientais em dar efetividade ao direito constitucional à sadia qualidade de
vida trazida no artigo 225, caput, da Constituição Federal. Assim, o legislador, no
artigo 54, espelhou sua atuação no mandamento constitucional e para tanto apenou
com reclusão de um a quatro anos o delito do caput, prevendo também o delito
culposo, e ainda formas qualificadas, em seu §2º.

Conturbada é a análise do §3º do artigo 54, que tipifica a conduta


omissiva de deixar de adotar, quando assim exigir a autoridade competente, medidas
de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

Machado (2012, p. 853), faz uma revisão de seu posicionamento


acerca do referido dispositivo. Explana o festejado autor:

“O princípio da precaução merece tranquilamente ser aplicado no campo do


direito civil e administrativo ambiental, em que há responsabilidade sem culpa
ou responsabilidade objetiva. No direito penal ambiental, a responsabilidade
costumeiramente aceita é a responsabilidade subjetiva, em que fica a cargo
da acusação provar a ocorrência do dolo, da imprudência, da negligência ou
da imperícia.

Antiga é a aceitação dos crimes de perigo, em muitas legislações. Não vejo,


contudo, consenso para aceitação de crimes tipificados exclusivamente pelo
descumprimento do princípio da precaução. Torna-se temerário poder impor-
se a pena de limitação da liberdade individual diante de um fato incerto, ainda
que com aparência de verossimilhança”.

Fiorillo (2012, p.138) simplesmente anota que os §§ 2º e 3º são


formas qualificadas das condutas descritas no caput, observando o fato de que o §3º
traz modalidade qualificada de crime omissivo próprio.

Desta forma, em que pese a relevância do pensamento


esposado por Paulo Affonso Leme Machado, a tragédia ocorrida na cidade de
Mariana-MG demonstra a possível e necessária aplicação do referido dispositivo no
caso em comento. Isto porque no Direito Penal não é estranha a figura do crime
omissivo próprio. Assim, o legislador, balizado pelo princípio da precaução, imputou
como criminosa a omissão de quem deixar de adotar, quando assim exigir a
autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental
grave ou irreversível.
25

Assim, no caso de Mariana-MG, a adoção das medidas exigidas


pelas autoridades competentes evitar o dano ambiental causado, pois caso o risco de
rompimento das barragens fosse evidente ao Poder Público, evidentemente não seria
a empresa autorizada a operar. Isto posto, data venia, é possível a aplicação do §3º
do artigo 54 da lei de Crimes Ambientais, por ser medida efetiva de precaução do meio
ambiente, sem ferir quaisquer garantias do indivíduo ou da pessoa jurídica, isto porque
as medidas que deveriam ser adotadas são precisamente estipuladas pelas
autoridades competentes, cada uma em sua atribuição.

3.5. Dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural

O artigo 62 abre a Seção IV do Capítulo V – Dos Crimes contra


o Meio Ambiente), com três núcleos fundamentais, quais sejam destruir, inutilizar ou
deteriorar. Por óbvio, a proteção ao patrimônio cultural está disposto na Constituição
Federal, notadamente no artigo 216, senão vejamos:

“Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza


material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II
– os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.

Portanto, a preocupação do legislador nesta Seção é com a


qualidade de vida e o patrimônio cultural da população. Nesse viés de proteção
cultural em sentido amplo, o que engloba o ordenamento urbano, a previsão esculpida
no artigo 65 da Lei dos Crimes Ambientais, de pichar ou por outro meio conspurcar
edificação ou monumento urbano, detém a singela reprimenda de detenção, de três
meses a um ano. Evidentemente, ao mesmo tempo que se protege o bem jurídico não
se traz qualquer efetividade na proteção, pois com penas tão singelas, a repressão
desse tipo de delito é inócua, já que dificilmente o autor do crime cumprirá pena
privativa de liberdade.
26

Com efeito, os dispositivos encontrados na Seção em comento


têm o objetivo de tutelar com eficácia o patrimônio cultural em seu sentido amplo,
dando concretude ao que dispõe o artigo 216 da Constituição Federal. Na prática as
brandas penas impostas dificultam a prevenção geral e específica almejada pela
pena.

3.6. Dos crimes contra a administração ambiental

São crimes que envolvem, de alguma forma, o procedimento


administrativo ambiental, na maioria das vezes incidindo sobre a conduta do agente
público. A maioria das disposições tratam de modalidades especiais do crime de falso
do Código Penal.

Novamente faz-se necessário criticar o descompasso do


legislador, ao criar modalidade especial de falso, aplicável em procedimentos
ambientais, e apenar com maior benevolência do que faz o diploma penal de forma
genérica. Para isso deveria simplesmente não legislar a respeito do tema, fazendo
incidir o crime de falso do Código Penal, e não a legislação especial.

Ao revés, deve-se aplaudir a introdução realizada pela lei


11.284/2006, inserindo na Lei de Crimes Ambientais o artigo 69-A, de imperiosa
transcrição do caput e a respectiva pena:

“Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou


qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório
ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”.

Destarte, o legislador previu uma modalidade de falso especial,


aplicável apenas nos procedimentos ambientais em sentido amplo, apenando com o
rigor necessário para a efetiva proteção da administração ambiental.
27

3.7. Considerações

Diante desse panorama, a paradigmática lei 9.605/98 trouxe


uma forte preocupação com a reparação dos danos causados ao meio ambiente.
Note-se o disposto no art. 27, ao tratar dos crimes ambientais de menor potencial
ofensivo, o legislador previu a necessidade de prévia composição do dano ambiental
para a aplicação da chamada "transação penal". Com efeito, o que se pode delinear
é o viés reparador, e não somente o tradicional caráter preventivo e repressivo do
direito penal.

Mas não é só. Existem casos em que direitos fundamentais


entram em rota de colisão, sendo imperiosa a ponderação entre eles. Com efeito, a
Constituição Federal garante a livre manifestação cultural, na mesma medida da
preservação do meio ambiente. Como compatibilizar os dois direitos fundamentais
quando se está diante da chamada “farra do boi” ou da “rinha de galo”?

O Supremo Tribunal Federal, em ambos os casos, enalteceu a


preservação do meio ambiente em detrimento à livre manifestação cultural, conforme
se extrai da leitura do informativo 628 do STF, senão vejamos:

"Por entender caracterizada ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF, que veda
práticas que submetam os animais a crueldade, o Plenário julgou procedente
pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da
República para declarar a inconstitucionalidade da Lei fluminense 2.895/98.
A norma impugnada autoriza a criação e a realização de exposições e
competições entre aves das raças combatentes (fauna não silvestre).
Rejeitaram-se as preliminares de inépcia da petição inicial e de necessidade
de se refutar, artigo por artigo, o diploma legislativo invocado. Aduziu-se que
o requerente questionara a validade constitucional da integridade da norma
adversada, citara o parâmetro por ela alegadamente transgredido,
estabelecera a situação de antagonismo entre a lei e a Constituição, bem
como expusera as razões que fundamentariam sua pretensão. Ademais,
destacou-se que a impugnação dirigir-se-ia a todo o complexo normativo com
que disciplinadas as "rinhas de galo" naquela unidade federativa,
qualificando-as como competições. Assim, despicienda a indicação de cada
um dos seus vários artigos. No mérito, enfatizou-se que o constituinte
objetivara assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da
integridade do meio ambiente, que traduziria conceito amplo e abrangente
28

das noções de meio ambiente natural, cultural, artificial (espaço urbano) e


laboral. Salientou-se, de um lado, a íntima conexão entre o dever ético-
jurídico de preservação da fauna e o de não-incidência em práticas de
crueldade e, de outro, a subsistência do gênero humano em um meio
ambiente ecologicamente equilibrado (direito de terceira geração). Assinalou-
se que a proteção conferida aos animais pela parte final do art. 225, § 1º, VII,
da CF teria, na Lei 9.605/98 (art. 32), o seu preceito incriminador, o qual pune,
a título de crime ambiental, a inflição de maus-tratos contra animais. Frisou-
se que tanto os animais silvestres, quanto os domésticos ou domesticados -
aqui incluídos os galos utilizados em rinhas - estariam ao abrigo
constitucional. Por fim, rejeitou-se o argumento de que a "briga de galos"
qualificar-se-ia como atividade desportiva, prática cultural ou expressão
folclórica, em tentativa de fraude à aplicação da regra constitucional de
proteção à fauna. Os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli assentaram
apenas a inconstitucionalidade formal da norma. Precedentes citados: RE
153531/SC (DJU de 13.3.98); ADI 2514/SC (DJU de 3.8.2005); ADI 3776/RN
(DJe de 29.6.2007). ADI 1856/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 26.5.2011. (ADI-
1856)"
29

4. CARACTERÍSTICAS DO TIPO PENAL AMBIENTAL

Segundo Freitas; Freitas (2001, p. 36/38) destacam três


características ínsitas aos tipos ambientais, quais sejam: a) tipos penais em branco;
b) tipos penais abertos; e c) elementos normativos do tipo. Além destas, pode-se
acrescentar mais duas, consistentes na predominância dos tipos de perigo e dos tipos
mistos.

As especificidades que existem em relação à tutela ambiental


fazem com que os crimes ambientais necessitem de um complemento em sua
tipificação. É o que se denomina “norma penal em branco”. No caso em comento, é
notória a importância das Resoluções do CONAMA acerca da proteção ambiental em
sentido amplo, servindo muitas vezes para dar concretude ao tipo penal ambiental.
Nesse diapasão, estamos a tratar da norma penal em branco em sentido estrito, cuja
complementação é originária de outra instância legislativa.

Bitencourt (2012, p. 223) determina os lindes de aplicação da


complementação:

“No entanto, a fonte legislativa (Poder Legislativo, Poder Executivo etc.) que
complementa a norma penal em branco deve, necessariamente, respeitar os
limites que esta impõe, para não violar uma possível proibição de delegação
de competência na lei penal material, definidora do tipo penal, em razão do
princípio constitucional de legalidade (art. 5º, II e XXXIX, da CF/88), do
mandato de reserva legal (art. 22, I) e do princípio da tipicidade estrita (art. 1º
do CP). Em outros termos, é indispensável que essa integração ocorra nos
parâmetros estabelecidos pelo preceito da norma penal em branco. É
inadmissível, por exemplo, uma remissão total do legislador penal a um ato
administrativo, sem que o núcleo essencial da conduta punível esteja descrito
no preceito primário da norma incriminadora, sob pena de violar o princípio
da reserva legal de crimes e respectivas sanções (art. 1º do CP)”.

Já em relação à utilização dos chamados “elementos normativos


do tipo”, trata-se de técnica legislativa que propiciar maior elasticidade às previsões
legais, que, conforme leciona Zaffaroni (2003, p. 447), são aqueles “elementos para
cuja compreensão se faz necessário socorrer a uma valoração ética ou jurídica”.
30

Com efeito, constata-se o elemento normativo do tipo nas


expressões ‘sem licença’, ‘sem autorização’, dentre outras, conforme constam em
vários dispositivos da Lei de Crimes Ambientais, v.g. artigos 29, 30, 44, 45, 46,
parágrafo único, dente outros.

Sirvinkas (2002, p.41), leciona:

“Na defesa do meio ambiente, há necessidade de complementação da lei


penal em branco mediante ato administrativo. [...] A lei é estática; e o meio
ambiente é dinâmico. Se se pretende proteger o meio ambiente, é necessário
adotar medidas eficazes e rápidas para se evitar o dano irreversível. Não
seria possível esperar a tramitação de uma lei até sua promulgação para se
proteger uma espécie silvestre ameaçada de extinção, por exemplo. Há
espécies em estado avançado de extinção a curto prazo e consideradas
ameaçadas de extinção a médio prazo (espécies nacionais, regionais e
locais). E por ato administrativo emanado de órgãos ambientais integrantes
do SISNAMA é que melhor se protegerá a espécie silvestre ameaçada”.

As lições trazidas pelo autor supracitado são elucidativas para


explicar o porquê da utilização de normas penais em branco e da utilização de
elementos normativos de tipo em crimes ambientais.

Isto posto, cumpre lembrar que há repartição de competências


legislativas em matéria ambiental, notadamente com a edição da Lei Complementar
140, de 8 de dezembro de 2011, restando indene de dúvidas que o Estado-Membro
detém o poder-dever de editar normas ambientais para a realização do mister
constitucional de proteção do meio ambiente, exercendo polícia ambiental, com o fito
de combater a poluição e preservar as florestas e a biota. Assim, é evidente e
imperiosa a necessidade de complementação por outra instância legislativa.
31

5. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM MATÉRIA AMBIENTAL

O Direito Penal, conforme restou evidenciado alhures ao tratar


da tutela penal ambiental, pauta-se nos pilares da fragmentariedade e
subsidiariedade. Assim, não se ocupa de toda e qualquer violação a bens jurídicos,
mas somente os que necessitem de uma tutela mais intensa, v.g., vida, liberdade,
honra e o meio ambiente. Nesse diapasão, constituinte originário, ao considerar a
possibilidade de sancionar penalmente pessoas físicas e jurídicas pela prática de atos
lesivos ao meio ambiente, bem jurídico transindividual de titularidade indeterminada,
atribuindo o status de direito fundamental, bem de uso comum do povo, e, em
consonância com o disposto no art. 5º, XLI da Constituição, que preceitua: “a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, atribuiu ao
meio ambiente um capítulo próprio na Carta Constitucional, denotando a importância
da temática, com a necessária tutela penal específica que ocorreu com o advento da
lei 9.605/98.

Destarte, demonstrada a importância do meio ambiente como


direito fundamental, pode-se afirmar que a jurisprudência tanto do Superior Tribunal
de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal sempre se inclinou para a
inaplicabilidade do princípio da insignificância.

Porém, antes mesmo de adentrar aos debates jurisprudenciais,


cabe esclarecer o que seria o princípio da insignificância. Sem embargos, em que
pese considerações doutrinárias divergentes, quando se trata da composição analítica
de crime, a corrente doutrinária ainda majoritária no globo entende que se trata de fato
típico, ilícito e culpável. Com efeito, em relação ao fato típico existe a divisão da
tipicidade em material e formal. Esta é a subsunção do fato à norma. Mutatis mutandis
é o complexo chave e fechadura da enzima e substrato trazido pela Biologia. Como
exemplo quando um homem dispara vários projéteis de arma de fogo na direção de
outro homem, e diante dos ferimentos ocorridos este vem a óbito, há a subsunção
deste fato ao disposto no artigo 121 do Código Penal, ou seja, há o que se denomina
tipicidade formal. Porém tal vertente da tipicidade não tem o condão, por si só, de
tornar o fato típico, pois ainda se deve analisar o viés material da tipicidade. Assim, a
conduta praticada deve lesionar o bem jurídico de tal sorte que a tutela penal deva
32

incidir. É nesse ponto que entra o princípio da insignificância, ou seja, o bem jurídico
é atingido de forma tão tênue que a tutela penal não deve incidir.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, nas palavras do Min.


Celso de Melo, traçou vetores para a aplicação do princípio da insignificância, também
denominada de “crime de bagatela”, quais sejam:

- Ausência de periculosidade social da ação;

- Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

- Mínima ofensividade da conduta do agente;

- Inexpressividade da lesão jurídica provocada;

Retomando acerca da inicial inaplicabilidade do referido


princípio pela jurisprudência pátria, cumpre ressaltar que a regra geral é a
impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o bem
jurídico tutelado e os princípios da prevenção e precaução, reunidos muitas vezes
pela jurisprudência pátria como princípio da cautela. Note a decisão proferida pelo
Tribunal Regional Federal da 1ª Região no ano de 2006, época em que imperava a
pura e simples inaplicabilidade da bagatela aos crimes ambientais:

“TRF-3 - APELAÇÃO CRIMINAL 22955 ACR 1436 SP 2002.61.25.001436-0


(TRF-3)

Data de publicação: 23/06/2006

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME


AMBIENTAL. ART. 34 , LEI 9.605 /98. AUTORIA E MATERIALIDADE.
ATIPICIDADE DO ATO PRATICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE AOS CRIMES AMBIENTAIS. SENTENÇA
ABSOLUTÓRIA MANTIDA POR FUNDAMENTO DIVERSO. 1. A autoria está
demonstrada pelas declarações do próprio acusado, pela apreensão de 300
gramas de peixe e pelos depoimentos prestados pelos policiais florestais. 2.
A materialidade está comprovada pelo Boletim de Ocorrência e pelo Auto de
Infração Ambiental lavrado que demonstram que o acusado estava
praticando atos de pesca na margem do Rio Paranapanema. 3. O ato
praticado pelo acusado é atípico, tendo em vista que o período defeso para
pesca na bacia do Rio Paraná encerrara em 16 de março de 2001, conforme
demonstra a Portaria nº 07/2001, do IBAMA e os fatos foram praticado em 1º
de março de 2002. 4. A aplicação do princípio da insignificância não é
33

pertinente aos crimes ambientais, tendo em vista o bem jurídico tutelado e os


princípios da prevenção e precaução que regem o direito ambiental. Ademais,
seu emprego está vinculado à possibilidade de mensuração do bem jurídico
tutelado, o que não ocorre quando se trata de meio ambiente. 5. Recurso
improvido.”

Por outro lado, hoje o Supremo Tribunal Federal tem posição


firme no sentido da possibilidade de aplicação do referido princípio, diga-se de
passagem, cum grano salis, conforme segue na ementa do HC 112563 a seguir:

“AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze camarões e


rede de pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34,
parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de valor insignificante.
Periculosidade não considerável do agente. Crime de bagatela.
Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade
reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto
vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso,
à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser
absolvido por atipicidade do comportamento (grifo nosso)

Decisão

A Turma, por maioria, concedeu a ordem para absolver o paciente, nos


termos do art. 386, III, do Código Penal, vencido o Relator, que a denegava.
Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Cezar Peluso. Ausentes,
justificadamente, os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa.
2ª Turma, 21.08.2012.”

A atipicidade a que se refere o Supremo Tribunal Federal é o


viés material da tipicidade, ou seja, há a subsunção do fato à norma, porém a conduta
é juridicamente insignificante, não estando apta a aperfeiçoar a tipicidade material do
crime, conforme já explanação já realizada.

O Superior Tribunal de Justiça também tem diversos


precedentes na aplicação da bagatela em crimes ambientais, notadamente em crimes
contra a fauna, citando um caso que chamou atenção da mídia, em que a Terceira
Seção decidiu, por unanimidade, trancar a ação penal aplicando a bagatela a um
grupo de pescadores que foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais por
capturarem minhocas para fazer iscas de pescas.
34

Note o julgado a seguir, em sede de Recurso Ordinário em


Habeas Corpus denegado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
inviabilizando o trancamento da ação penal pelo não acolhimento do princípio da
insignificância no cometimento de crime ambiental de pesca em período de defeso,
que o E. Superior Tribunal de Justiça conheceu do recurso e lhe deu provimento para
determinar o trancamento da ação penal, pela imperiosa aplicação do princípio da
insignificância no caso, senão vejamos:

“Processo: RHC 47533 RS 2014/0107323-8

Relator(a): Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

Publicação: DJ 08/06/2015

Decisão: RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 47.533 - RS (2014/0107323-


8) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR RECORRENTE : LUIS
ISAAC MOLINA SALLES ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DECISÃO Trata-se de
recurso ordinário interposto por Luis Isaac Molina Salles contra o acórdão do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que denegou o Habeas Corpus n.
5002247-26.2014.404.0000 (fl. 184): HABEAS CORPUS. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL.
INVIABILIDADE. PESCA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NÃO
ACOLHIDO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO COMPROVADA.
PERÍODO DE DEFESO. 1. Segundo entendimento consolidado na
jurisprudência pátria, a utilização do habeas corpus com o fim de obter
exclusivamente o trancamento de ação penal, somente é admissível quando
o fato narrado na denúncia não configura, nem mesmo em tese, conduta
delitiva, ou seja, o comportamento do réu é atípico ou não há certeza sobre a
materialidade do crime; quando resta evidenciada a ilegitimidade ativa ou
passiva das partes (podendo ser representada pela própria inocência do
acusado) e, finalmente, se incidir qualquer causa extintiva da punibilidade do
agente. 2. No caso, trata-se de crime formal e de perigo abstrato, no qual o
risco de lesão ao equilíbrio e à harmonia do meio ambiente, em especial à
fauna aquática, presume-se pela própria conduta descrita no tipo penal.
Portanto, mesmo em face da ausência de pescado, não há se falar em
aplicação do preceito da bagatela. 3. As alegações da defesa de que o
paciente pescava sozinho, recreativamente, sem que tenha ocorrido captura
de qualquer espécie da fauna aquática não constituem causa suficiente para
afastar a tipicidade objetiva, uma vez que se está diante de crime de caráter
formal, que dispensa o resultado da conduta elegida como criminosa.
35

Verifica-se dos autos que o recorrente foi denunciado como incurso no art.
34, caput, da Lei n. 9.605/1998, porque, no município de Uruguaiana/RS, teria
pescado em período proibido. Afirma o recorrente que pescava
recreativamente, sem qualquer intuito de lucro, não houve a captura de
nenhum pescado e, no âmbito administrativo, recebeu apenas advertência,
estando configurada a mínima reprovabilidade da conduta, mormente porque
não houve nenhum dano ao meio ambiente. Requer, em liminar, a suspensão
da Ação Penal n. 50043310220124047103 e, no mérito, o trancamento da
ação. Deferi a liminar para suspender a Ação Penal no Juízo da Vara Federal
Criminal de Uruguaiana/Seção Judiciária do Rio Grande do Sul (fls. 229/231).
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso ordinário e
pelo trancamento da ação penal (fls. 252/254): RECURSO ORDINÁRIO -
HABEAS CORPUS - CRIME DE PESCA COM PETRECHO NÃO
PERMITIDO - ART. 34 DA LEI N. 9.605/98 - PRETENSÃO AO
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA
CONDUTA PELA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -
PROCEDÊNCIA - NECESSÁRIA ANÁLISE DO CASO - AUSÊNCIA DE
DANO EFETIVO AO MEIO AMBIENTE (RECORRENTE PRIMÁRIO, DE
CONDIÇÃO HUMILDE E BAIXA ESCOLARIDADE, QUE TEVE
APREENDIDO EM SEU PODER APENAS UMA REDE DE PESCA E
NENHUM PESCADO) - PRECEDENTES DO STJ E DO STF PARECER
PELO PROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. É o relatório. Pelo que se
extrai dos autos, o recorrente pescava sozinho, recreativamente,
desconhecendo que vigorava há apenas dezesseis dias a Instrução
Normativa n. 193/2008 do Ibama, que estabeleceu normas de pesca para o
período de defeso na área de abrangência da bacia hidrográfica do Rio
Uruguai (fl. 150). Com o denunciado foi apreendida apenas uma tarrafa de
Nylon, mas nenhum pescado. Nesse contexto, entendo, assim como também
se manifestou o Ministério Público Federal, que está evidenciada a mínima
ofensividade da conduta. Anotem-se os julgados desta Corte: RECURSO
ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. PESCA
VEDADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE DANO
EFETIVO AO MEIO AMBIENTE. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Os denunciados são pescadores de
origem simples, amadorista, sendo apreendida apenas uma rede de nylon e
nenhum pescado, o que demonstra a mínima ofensividade da conduta.
Ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora
(art. 34, caput, da Lei n. 9.605/1998), verificando-se a atipicidade da conduta
imputada ao paciente. 2. Recurso ordinário provido para conceder a ordem e
determinar o trancamento da Ação Penal n. 5011231-69.2010.404.7200
36

(Vara Federal Ambiental e Agrária da Subseção Judiciária de


Florianópolis/SC), com extensão ao corréu Claudemir Cláudio. (RHC n.
33.941/RS, Sexta Turma, de minha relatoria, DJe 17/9/2013 grifo nosso)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL.
USO DE APETRECHO DE PESCA PROIBIDO. CONDUTA QUE NÃO
PRESSUPÔS MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA
CONDUTA. 1. É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de uso
de apetrecho de pesca proibido se resta evidente a completa ausência de
ofensividade, ao menos em tese, ao bem jurídico tutelado pela norma penal,
qual seja, a fauna aquática. 2. Ordem concedida para trancar a ação penal
por falta de justa causa. (HC n. 93.859/SP, Ministra Maria Thereza de Assis
Moura, Sexta Turma, DJe 31/8/2009 grifo nosso) Ante o exposto, conheço do
recurso e dou-lhe provimento para determinar o trancamento da Ação Penal
n. 50043310220124047103 - Juízo da Vara Federal Criminal de
Uruguaiana/Seção Judiciária do Rio Grande do Sul. Publique-se. Brasília, 02
de junho de 2015. Ministro Sebastião Reis Júnior Relator.”
37

6. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Trata-se de um dos temas mais complexos e polêmicos da


atualidade, notadamente pelo deslinde realizado pelo Supremo Tribunal Federal, o
qual oportunamente discorreremos. Com efeito, a Constituição Federal introduziu no
Brasil a responsabilidade penal da pessoa jurídica, disposta no art. 225, §3º, in verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações. § 3º As condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados”.

Por sua vez, a Lei 9.605/98, que trata dos Crimes Ambientais,
acolheu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, em consonância com o
dispositivo supracitado, demonstrando a necessidade de se tutelar efetivamente o
meio ambiente diante da enorme degradação do meio ambiente causada por grandes
empresas na consecução de seus fins.

Note-se, porém, que a sanção por crime ambiental e a sanção


por infrações administrativas em relação às pessoas jurídicas guardam forte
semelhança. Restaria o questionamento do porquê então de se considerar como
crime, se a esfera administrativa já seria suficiente, com esteio na ideia de ultima ratio
do Direito Penal.

Com efeito, quando se trata de crime, cabe ao Poder Judiciário


aplicar a sanção penal. Já nas infrações administrativas, cabe à Administração Pública
tal mister. Acolhendo o entendimento do professor Paulo Affonso Leme Machado, no
sentido de que garantia da aplicação de uma sanção é o móvel do legislador para
incluir na seara penal condutas que restariam teoricamente sancionadas na via
administrativa. Explica Machado (2012, p. 832):

“A experiência brasileira mostra uma omissão enorme da Administração


Pública na imposição de sanções administrativas diante das agressões
ambientais. A possibilidade de serem responsabilizadas penalmente as
pessoas jurídicas não irá desencadear uma frenética persecução penal
38

contra as empresas criminosas. Tentar-se-á, contudo, impor um mínimo de


corretivo, para que a nossa descendência possa encontrar um planeta
habitável”.

Diante da possibilidade do cometimento de crime ambiental pela


pessoa jurídica, alguns doutrinadores teceram críticas a respeito de possível colisão
entre o disposto no art. 225, §3º e o art. 5º, XLV, ambos da Constituição Federal, este
último que diz: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a
obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos
da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido”. Com efeito, não há qualquer colisão, pois o que o Constituinte
Originário veda é a condenação de familiares do condenado por conta da imposição
de sanção penal a ele. Tal fato é inadmissível. De outro lado, a sanção penal poderá,
e normalmente terá, reflexos extraindividuais legítimos. A repercussão econômica da
sanção penal imposta à pessoa jurídica é um reflexo legítimo da imposição do poder
estatal.

O artigo 3º da Lei dos Crimes Ambientais dispõe:

“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e


penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu
órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das


pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”

As infrações penais pelas quais a pessoa jurídica se


responsabiliza devem ser cometidas por seu representante legal ou contratual, ou
ainda por seu órgão colegiado, sendo o representante legal normalmente designado
no estatuto da empresa ou associação. Com efeito, necessário saber se a designação
formal ocorre efetivamente, pois não é incomum empresas utilizarem de engodo para
encobrir a identidade do real representante legal de uma empresa ou associação, com
a aposição do chamado “laranja” como representante legal da empresa. Já o
representante contratual pode ser o diretor, o administrador, o gerente, o preposto ou
mandatária da pessoa jurídica.

Nessa esteira, a infração deve ser cometida no interesse ou


benefício da entidade. Segundo Machado (2012, p.835), “são termos assemelhados,
39

mas não idênticos. Não teria sentido que a lei, tão precisa em sua terminologia, tivesse
empregado sinônimos ao definir um novo conceito jurídico”.

O ilustre professor, ao diferenciar as expressões em comento,


explana que “interesse” não diz respeito apenas às vantagens trazidas para a
entidade, mas tudo aquilo que importa para ela. E expõe com precisão:

“Não é, portanto, somente a ideia de vantagem ou lucro que existe no termo


“interesse”. Assim, age criminosamente a entidade em que seu representante
ou seu órgão colegiado deixa de tomar medidas de prevenção do dano
ambiental, por exemplo, usando tecnologia ultrapassada ou imprópria à
qualidade do ambiente. O fato de não investir em programas de manutenção
ou de melhoria já revela a assunção do risco de produzir resultado danoso ao
meio ambiente. O interesse da entidade não necessita estar expresso no
lucro direto, consignado no balanço contábil, mas pode se manifestar no dolo
eventual e no comportamento culposo da omissão”.

6.1. Da impossibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica

Vários autores de escol, dentre eles Prado (1993, p.15),


entendem pela impossibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, diante
da incompatibilidade com o ordenamento vigente. Essa corrente doutrinária
fundamenta-se na teoria da ficção, defendida por Savigny, explicando, de forma
técnica, que a leitura da Constituição Federal não deixaria dúvidas acerca da
impossibilidade de se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, senão vejamos:

“§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente


sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados”.

Nessa toada, a interpretação do art. 225, §3º supra seria de que


as condutas estão ligadas às pessoas físicas e acarretam sanções penais. As
atividades ligadas às pessoas jurídicas e acarretam sanções administrativas. Trata-se
de interessante compreensão, explanando que o Constituinte, em momento algum
pretendeu excepcionar a regra por ele próprio já esculpido no art. 5º, XLV. Nesse
40

diapasão, a pessoa jurídica não teria vontade, não praticaria conduta, e, portanto,
inviável atribuir dolo ou culpa, pois não haveria conduta a se valorar.

Por fim, analisando sistematicamente a Constituição Federal e a


legislação infraconstitucional, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não teria
embasamento, ante a necessidade da observância dos princípios da culpabilidade, da
intervenção mínima e da pessoalidade.

6.3. Da possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica

A maior parte da doutrina, encampada por Machado (2012, p.


846) e Freitas; Freitas (2001, p.14), entendem pela possibilidade da responsabilização
penal da pessoa jurídica, com fulcro na teoria da realidade, de Otto Gierke, com os
seguintes fundamentos:

 A pessoa jurídica possui capacidade de atuação (societas delinquere potest);


 A Constituição utilizou no art. 225, §3º o conectivo "e" entre as palavras "penais
e administrativas", desejando penalizar as pessoas jurídicas das duas formas;
 Deve-se olhar para a responsabilidade da pessoa jurídica com as lentes da
responsabilidade social, afastando-se dos dogmas da responsabilidade
individual.

6.4. Direito Comparado

Colacionando as lições de Machado (2012, p. 840), cita o


festejado autor o XIII Congresso da Associação Internacional de Direito Penal,
realizado no Egito, em 1984, onde restou evidenciado o crescimento da tutela penal
da pessoa jurídica, ante a necessidade de controlar o crescente número de crimes
econômicos e negociais. Nessa esteira deve-se notar que os crimes ambientais
acarretam prejuízos incomensuráveis, por vezes organizações criminosas utilizam a
empresa como "fachada" para o cometimento de crimes ambientais que visam lucro.
De outro lado, as grandes empresas trabalham com o binômio " custo x investimento".
41

Adequar toda a atividade empresarial às normas ambientais, incluindo todos os custos


ambientais, por vezes não é a opção mais desejada pelos administradores para se
colocar à frente no mercado, repercutindo, portanto, na livre concorrência.

Nessa esteira, a Noruega (Lei de 13/03/1981, emendada pela


Lei de 15/04/1983, art. 80), adotou expressamente a responsabilidade penal das
pessoas jurídicas. Portugal (Decreto-lei 28, de 20/01/1984), também adotou a
responsabilidade penal das pessoas coletivas, sociedades e associações de fato. A
França também adotou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, em 1992. Em
relação a esta, nota-se que o legislador francês criou uma distinção das penas
impostas às pessoas jurídicas, que visam somente à prevenção e à dissuasão, ao
passo que as penas para as pessoas físicas visam, em parte, a ressocialização, o que
é inviável na pessoa jurídica.

Na América do Sul, percebe-se que a Venezuela adotou a


responsabilidade penal da pessoa jurídica em 1992, com sanções que variam de
multa ao fechamento do estabelecimento, além de obrigações de fazer no sentido de
custear a publicação da sentença, obrigação de destruir substâncias, materiais,
instrumentos ou objetos fabricados que possam ocasionar danos ao meio ambiente
e/ou saúde das pessoas, além da proibição de contratar com a Administração Pública
por um período de três anos.

6.5. Brasil – A tragédia em Mariana – MG

A temática da responsabilidade penal ambiental da pessoa


jurídica ganha maior relevo ante os recentes acontecimentos na cidade de Mariana,
em Minas Gerais. A tragédia ocorrida no dia 05-11-2015, na cidade de Mariana, em
Minas Gerais, em que barreiras de uma mineradora se romperam, levando à
inundação de pelo menos 128 (cento e vinte e oito) residências, que foram atingidas
por lama e dejetos. Segundo especialistas, a lama que desceu pelo rio Doce atingiu
uma área de cerca de dez mil quilômetros quadrados no literal capixaba, área
equivalente a mais de seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
42

Destarte, a tragédia ambiental sem precedentes confirma a


importância do estudo em tela, qual seja, da necessidade da tutela penal em matéria
ambiental e, por conseguinte, de se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica por
crimes ambientais.

Note-se que o dano ambiental transborda a esfera econômica,


já que a mortandade de espécies da fauna aquática e as consequências advindas
desse fato impactam a região de forma sistêmica. Em 16 de novembro de 2015, a
empresa responsável fez um termo de ajustamento de conduta e concordou em pagar
R$ 1 bilhão para começar a compensar os danos materiais e ambientais causados.

Com efeito, não se sabe quanto tempo levará para o rio Doce
voltar ao seu estado anterior, ou mesmo se tal fato efetivamente ocorrerá. Certo é que
multas e termos de ajustamento de conduta não conseguem tutelar o ambiente
devastado por atos praticados pela empresa mineradora, que no afã de explorar
recursos naturais, colocou em risco a fauna, flora, e mais, a vida de milhares de seres
humanos atingidos direta ou indiretamente pela tragédia. O que se pretende
demonstrar é que as medidas administrativas e cíveis não têm o condão de repelir a
atividade nociva praticada. Para os gestores de uma empresa do porte da mineradora
envolvida, “vale a pena correr o risco” pelo lucro auferido, sabedores que o Direito
Penal Ambiental ainda é muito incipiente e não tem a força necessária para prevenir
condutas dessa magnitude.

A discussão acerca da necessidade da dupla imputação para a


responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica é tema em voga no âmbito do
Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, conforme será demonstrado
no momento oportuno. Assim, apesar da Constituição Federal ser datada de 1988 e a
lei de crimes ambientais de 1998, somente nos anos de 2015-2016 é que se poderá
afirmar com precisão acerca da necessidade ou não da dupla imputação para a
responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica.
43

6.6. Teoria ou Sistema da Dupla Imputação nos Crimes Ambientais

Conforme já mencionado alhures, uma das grandes inovações


do texto constitucional foi a previsão de responsabilidade penal para as pessoas
jurídicas, pelo cometimento de crimes ambientais. Com efeito, existia uma forte
divergência entre Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal acerca da
necessidade ou não de se figurar, ao lado da pessoa jurídica, a pessoa física. É o que
a doutrina denomina “dupla imputação”.

O Superior Tribunal de Justiça detinha firme posicionamento no


sentido de ser necessário denunciar em coautoria a pessoa física e pessoa jurídica,
aquela agindo com elemento subjetivo próprio, senão vejamos:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME


CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA
OFERECIDA SOMENTE CONTRA PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE.
RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS.

1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o


cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados
tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla
imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não
pode ser desassociada da pessoa física - quem pratica a conduta com
elemento subjetivo próprio.

2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta pressuposto


para que o processo-crime desenvolva-se corretamente.

3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar,


consequentemente, o processo-crime instaurado contra a Empresa
Recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida.
Pedidos alternativos prejudicados.

(RMS 37.293/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em


02/05/2013, DJe 09/05/2013)

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE


SEGURANÇA. CRIME AMBIENTAL. ART. 54, § 2º, V, DA LEI 9.605/98.
DUPLA IMPUTAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. DENÚNCIA INEPTA.
RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
44

1. Nos crimes ambientais, é necessária a dupla imputação, pois não se


admite a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa
física, que age com elemento subjetivo próprio.

2. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se dá provimento.

(RMS 27.593/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,


SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 02/10/2012)”.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao


interpretar o art. 225, §3º da Constituição Federal, menciona que não há qualquer
condição imposta pela Carta Maior para a responsabilização da pessoa jurídica.
Tratar-se-ia de uma restrição indevida da norma constitucional. A Corte Suprema
consolidou seu entendimento no julgamento do RE 548.181, afastando a necessidade
da chamada “dupla imputação” nos crimes ambientais:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL.


RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA.
CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À
PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO
ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a


responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à
simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito
da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla
imputação.

2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam


pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades,
sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a
uma pessoa concreta.

3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta


imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma
constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de
ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade
pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização
dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do
bem jurídico ambiental.
45

4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes


da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso
concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram
ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade,
e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da
entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar
determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com
subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização
conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras
oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou
parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de
responsabilidade penal individual.

5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida,


provido.

(RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em


06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014
PUBLIC 30-10-2014)”.

Diante da jurisprudência firmada na Primeira Turma do Supremo


Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça modificou seu entendimento para
alinhar-se à Corte Suprema, conforme noticiado no Informativo 566:

“DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESNECESSIDADE DE


DUPLA IMPUTAÇÃO EM CRIMES AMBIENTAIS. É possível a
responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais
independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que
agia em seu nome. Conforme orientação da Primeira Turma do STF, "O art.
225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal
da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da
pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma
constitucional não impõe a necessária dupla imputação" (RE 548.181,
Primeira Turma, DJe 29/10/2014). Diante dessa interpretação, o STJ
modificou sua anterior orientação, de modo a entender que é possível a
responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais
independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que
agia em seu nome. Precedentes citados: RHC 53.208-SP, Sexta Turma, DJe
1º/6/2015; HC 248.073-MT, Quinta Turma, DJe 10/4/2014; e RHC 40.317-SP,
Quinta Turma, DJe 29/10/2013. RMS 39.173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, julgado em 6/8/2015, DJe 13/8/2015”.
46

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maior tragédia ambiental ocorrida no Brasil reacendeu a


chama da necessidade da tutela penal ambiental, legitimada na Constituição Federal
de 1988. Assim, a pesquisa em tela resolveu os problemas elencados, notadamente
em desvendar a possibilidade da adoção do princípio da insignificância aos crimes
ambientais, notadamente os de pequena monta, atendendo aos vetores axiológicos
cunhados pelo Supremo Tribunal Federal. Nessa mesma toada, restou elucidado o
problema em relação à responsabilização penal da pessoa jurídica e a possível
aplicação da teoria da “Dupla Imputação”, uma vez que o Supremo Tribunal Federal
entendeu recentemente ser desnecessária para a incriminação da pessoa jurídica,
fazendo com que o Superior Tribunal de Justiça revesse sua remansosa
jurisprudência, que entendia ser necessário aplicar a teoria da “Dupla Imputação” para
a incriminação da pessoa jurídica, abandonando tal entendimento e alinhando-se ao
entendimento da Suprema Corte, o que confirma a hipótese do trabalho em tela, já
que a tragédia ambiental em Mariana, Minas Gerais, demonstrou a necessidade de
se abandonar a teoria da “Dupla Imputação” com o escopo de poder incriminar a
pessoa jurídica sem a necessidade da presença da pessoa física na peça inicial
acusatória do Ministério Público, facilitando a proteção ao meio ambiente, o que
possibilitará a incriminação da empresa responsável pelo desastre ambiental, com o
escopo principal de recuperar o meio ambiente destruído.

Desta forma, a metodologia empregada foi suficiente para o


deslinde exitoso do trabalho em questão, assim como a bibliografia utilizada foi
suficiente para embasar com propriedade o estudo do Direito Penal Ambiental, pois
na maioria das vezes a postura doutrinária coaduna-se com a obtida na jurisprudência
pátria, mas a dissonância doutrinária é fundamental para a análise da problemática
com lentes diversas, o que foi realizado neste trabalho, nada obstante a posição crítica
adotada teve como parâmetro as recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal.
47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES CONSULTADAS

ALVARENGA, Paulo. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. 1ª ed., São Paulo: Lemos e Cruz,
2005.
BETIOL, Luciana Stocco. Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. São
Paulo: Saraiva, 2010.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 17. Ed. São
Paulo: Saraiva, 2012.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, e CONTE, Christiany Pegorari. Crimes
Ambientais. São Paulo: Saraiva, 2012.
FREITAS, Vladimir Passos de, e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a
natureza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros,
2013.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos gerais e mecanismos
legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
SIRVINKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente, 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
Terra Notícias. 21.05.2010. Disponível em <http://www.notícias.terra.com.br> Acesso
em 21.05.2010.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral, 5ª ed.
São Paulo: RT, 2003.

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