Você está na página 1de 171

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO AGROAMBIENTAL

CARLOS FERNANDO DA CUNHA COSTA

O CONFLITO ENTRE OS PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL E DE DIREITO


PENAL NA TUTELA PENAL DO AMBIENTE: UMA PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO

CUIABÁ - MT
SETEMBRO - 2012
2

CARLOS FERNANDO DA CUNHA COSTA

O CONFLITO ENTRE OS PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL E DE DIREITO


PENAL NA TUTELA PENAL DO AMBIENTE: UMA PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO

Dissertação apresentada ao programa de mestrado em Direito


Agroambiental, oferecido pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Estado de Mato Grosso, como
requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Direito
Agroambiental.

Orientador: Prof. Dr. Patryck de Araújo Ayala.

CUIABÁ - MT
SETEMBRO – 2012
3

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

C972c Cunha Costa, Carlos Fernando da.


O conflito entre os princípios de Direito Ambiental e de Direito
Penal na tutela penal do ambiente : uma proposta de conciliação /
Carlos Fernando da Cunha Costa. -- 2012
171 f. ; 30 cm.

Orientador: Patryck de Araújo Ayala.


Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,
Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito
Agroambiental, Cuiabá, 2012.
Inclui bibliografia.

1. Direito agroambiental. 2. Princípios e garantias. 3. Sociedade


de risco. 4. Simbolismo. 5. Eficácia. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.


4

TERMO DE APROVAÇÃO
5

A Deus, antes de tudo, mas também


àquele que intervém a nosso favor,
quando as causas se tornam
impossíveis.
6

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Patrick de


Araújo Ayala, pela orientação zelosa e pelas
sugestões valiosas.
Aos Ilustres Professores Valerio de
Oliveira Mazzuoli, Fernando Antonio de
Carvalho Dantas, Marcos Prado de
Albuquerque, Carlos Teodoro Hugueney
Irigaray e Marluce A. Souza e Silva, pelas
aulas fascinantes ao longo do curso.
Aos grandes amigos da primeira turma
do curso de mestrado em Direito
Agroambiental, oferecido pela Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Estado de
Mato Grosso, com os quais compartilhei
experiências, angústias e expectativas, quero
expressar a alegria de tê-los tido ao meu lado.
Finalmente, à Arlete, companheira
inseparável, e aos meus filhos, Fernando e
Cibele, uma família preciosa, cuja presença e
cumplicidade foram decisivas para que meu
sonho prosperasse.
7

É melhor tentar e falhar, que se preocupar e


ver a vida passar; é melhor tentar,
ainda que em vão, que se sentar
fazendo nada até o final.
Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias
tristes em casa me esconder.
Prefiro ser feliz, embora louco, que em
conformidade viver.
Martim Luther King
(Trecho discurso: I have a dream)
8

RESUMO

Na presente dissertação buscou-se, através de uma análise da crise na qual a tutela penal do
ambiente encontra-se imersa, identificar os pontos em que as posições filosóficas, quer sejam
favoráveis quer contrárias à referida tutela, embora igualmente coerentes, entram em
contradição. Para tanto, principia-se pela identificação dos problemas ambientais, que já
colocam em risco a própria subsistência da vida no planeta. A sociedade agora é de risco, e esse
fator impulsiona a emergência de princípios no âmbito internacional, os quais influenciaram a
transformação do Estado em um Estado de cunho ambiental. No Brasil, essa transição de um
modelo constitucional estritamente liberal para um modelo socioambiental gerou a necessidade
da implementação de novos meios para a promoção dessa mudança social, entre os quais se
destacaram os instrumentos de Direito Penal previstos na lei n.º 9.605/98. A utilização de
modernas técnicas legislativas na construção de seus modelos de tipificação, colocou esse
diploma legal no ápice de um antigo debate, onde, no passado, assim como nos dias atuais,
autores como Carrara e Hassemer, em certo contexto, supervalorizaram de igual forma o
indivíduo, enquanto autores como Ferri e Schünemann revelaram à sociedade os princípios,
trazendo para a tutela penal do ambiente essa velha contenda de defesa ou repúdio a direitos, a
qual reflete-se sobre essa atual estrutura normativa infraconstitucional. Na busca por soluções
possíveis, pautando sempre pela procura por uma resposta transigente, através da qual se possa
oferecer uma tutela penal adequada à preservação do meio ambiente, sem que se desrespeitem os
direitos do indivíduo, a pesquisa revelará o pensamento de Dias e de Sanches. Objetiva-se,
assim, partindo-se da necessidade de se construir um Estado Socioambiental de Direito, capaz de
reduzir as incompatibilidades existentes entre o direito de liberdade do cidadão, a tutela
ambiental, o desenvolvimento econômico sustentável e o direito a uma vida digna com
qualidade, delinear um prognóstico normativo que permita compatibilizar as divergências
existentes, oferecendo-se uma justa medida para a resposta sancionatória, para que não seja
excessiva a carga coativa aos direitos fundamentais, quando cotejada com a lesão decorrente da
infração.

Palavras-chave: Direito agroambiental; princípios e garantias de direito; sociedade de risco;


simbolismo; eficácia.
9

ABSTRACT

This dissertation has searched, though an analysis of crisis which environmental protection
through criminal law has been immersed, identify the points where the philosophical positions,
favorable or contrary to such protection, although equally consistent, contradict itself. For this
purpose, it begins with the identification of environmental concerns that risks the subsistence of
life in our planet. The society is, nowadays, a risk society and this factor propels the emergence
of principles at the international level, which influence the transformation of State into a
Environmental State. In Brazil, this transition of a strictly liberal constitutional model to a social
and environmental model has created the need of implementation of new instruments to promote
this social change, among which figure the Criminal Law instruments described in Law 9605/98.
The use of modern legislative techniques in building its models of crimes’s definition, placed
this law at the apex of an old debate, which in the past, as today, authors such as Carrara and
Hassemer, in a certain context, overestimate the individual, while authors such as Ferri and
Shünemann revealed us the society, bringing to the criminal protection of the environment this
old contention of defense or repudiation of rights, which reflect on the current infra-
constitutional regulatory framework. Finding possible solutions, always looking for a
condescending answer, through which can be offered an applicability of criminal law convenient
to the preservation of the environment, without disrespecting individual rights, the research will
reveal the thought of Dias and Sanches. Therefore, starting with the need to construct a Socio-
Environmental State capable to reduce the incompatibility existent between citizens’ rights to
freedom, environmental liability, sustainable development and the right to a decent human life
with quality, delineate a normative prognosis that permits to match the existent divergences,
offering an appropriate trade-off to a sanctioning answer, so that it doesn´t be excessive the
coactive cargo to the fundamental rights, when compared with the law infraction.

Keywords: Agroenvironmental law; principles and guarantees of law; risk society; symbolism;
effectivenness.
10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1. DOS PROBLEMAS ECOLÓGICOS À TUTELA AMBIENTAL

1.1. OS PROBLEMAS ECOLÓGICOS....................................................................................................................................16


1.1.1. A Primeira e a Segunda Geração de Problemas Ecológicos...................................................................18
1.2. O ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITO.................................................................................................24
1.2.1. Do Estado Liberal ao Estado Socioambiental de Direito ..........................................................................26
1.2.2. Um dever de colaboração com a humanidade...................................................................................................30
1.2.3. O Estado Socioambiental de Direito: uma ordem jurídica aberta ......................................................32

CAPÍTULO 2. MEIO AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO JURÍDICO-PENAL

2.1. A TUTELA PENAL AMBIENTAL NO BRASIL................................................................................................ 36


2.1.1. A Fundamentação Constitucional............................................................................................................................... 38
2.1.2. O tratamento infraconstitucional.................................................................................................................................40
2.2. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À TUTELA PENAL AMBIENTAL ...............................................42
2.2.1. Os Novos Parâmetros de definição do risco, segundo Ulrich Bech..................................................44
2.2.2. Características de um Direito Penal do risco ...................................................................................................... 47
2.3. PRINCÍPIOS QUE ORIENTAM A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ......................................53
2.3.1. Princípio da Equidade Intergeracional.................................................................................................................... 55
2.3.2. Princípio do Desenvolvimento Sustentável.........................................................................................................58
2.3.3. Princípios da Precaução e da Prevenção ................................................................................................................ 60
2.3.4. Princípio da Proibição do Retrocesso...................................................................................................................... 62
2.4. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À TUTELA PENAL AMBIENTAL ..............................................65
2.4.1. O Direito Penal mínimo e suas formulações...................................................................................................... 65
2.4.2. A Escola Garantista................................................................................................................................................................67
2.4.3. A Escola de Frankfurt ...........................................................................................................................................................70
11

2.5. OS PRINCÍPIOS QUE ORIENTAM O DIREITO PENAL TRADICIONAL .................................76


2.5.1. Principio da Dignidade da Pessoa Humana......................................................................................................... 81
2.5.2. Princípio da Legalidade......................................................................................................................................................87
2.5.3. Princípio da Culpabilidade...............................................................................................................................................92
2.5.4. Princípios da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos e da Lesividade .............................................95
2.5.5. Princípios da Intervenção Mínima e da Fragmentariedade.....................................................................97
2.6. O DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO NECESSÁRIO PARA A PROTEÇÃO
DO BEM JURÍDICO AMBIENTAL..........................................................................................................................99

CAPÍTULO 3. A COORDENAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NA TUTELA PENAL AMBIENTAL

3.1. A TUTELA PENAL AMBIENTAL SOB CONFIGURAÇÃO DUALISTA. ...............................106


3.1.1. A expansão do Direito Penal de Jesus-Maria Silva Sanches...............................................................108
3.1.2. Discurso de resistência à modernização do Direito Penal.....................................................................111
3.1.3. O Direito Penal e suas velocidades......................................................................................................................... 113
3.1.4. O Simbolismo Penal...........................................................................................................................................................116
3.2. O DIREITO PENAL SECUNDÁRIO E A REFORMA DO DIREITO PENAL........................120
3.2.1. A Origem do Direito Penal Secundário ...............................................................................................................122
3.2.2. O Objeto de um Direito Penal Secundário ........................................................................................................ 125
3.2.3. O Tipo Penal no Direito Penal Secundário ....................................................................................................... 127
3.2.4. Acessoriedade administrativa e Direito Penal ambiental.......................................................................130
3.3. A CRISE DE SISTEMATIZAÇÃO E A FALTA DE EFICÁCIA.........................................................135
3.3.1. O Direito Penal enquanto sistema............................................................................................................................ 138
3.3.2. A demanda por elementos conformadores de um microssistema ....................................................141
3.3.3. Um prognóstico normativo adequado à tutela penal do ambiente ..................................................149

CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................................................................154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................................................................159
12

INTRODUÇÃO

A preocupação com a preservação ambiental não é coisa recente. Há tempo os cientistas


vêm alertando a população para os malefícios de uma ocupação desordenada do solo, o
esgotamento dos recursos naturais e a necessidade de se atrelar o desenvolvimento a uma
política conservacionista.
As sociedades contemporâneas já buscam assegurar o apoio necessário a um
desenvolvimento ecológico adequado, tentando, em sua relação com a natureza, oferecer a ele o
máximo de proteção. Entretanto, de forma diametralmente oposta, observa-se a existência de um
conflito, pois, sob o aspecto econômico, o anseio humano de produzir o máximo possível
também tem levado o homem a cometer, reiteradamente, excessos em face do meio ambiente,
uma vez que não deixa sua busca pela evolução quantitativa e tecnológica, a qual procura obter a
qualquer custo.
É no reconhecimento deste conflito entre o homem e a natureza que se dá o primeiro
passo em direção às políticas adequadas à proteção ambiental. A humanidade já reconhece a
transcendência e importância do meio ambiente e, por essa razão, é ele aclamado como o mais
importante bem jurídico, pois, sem ele, não seria possível a manutenção e a própria existência do
ser humano.
Assim, caminha-se para uma nova estrutura ideológica, que alguns designam de
sociedade pós-industrial, outros, de sociedade tecnológica, que busca reorganizar os critérios
produtivos e a geração de riquezas e que necessita de novos instrumentos para que possa
promover essa mudança social. Sob esse enfoque, questiona-se o surgimento de um Direito
Penal do risco, caracterizado pela utilização de modernas técnicas legislativas mais arrojadas na
elaboração de suas construções típicas, como os tipos penais de perigo abstrato, as normas
penais em branco, os tipos penais abertos e a possibilidade de responsabilização criminal da
pessoa jurídica.
Na tutela penal ambiental serão encontradas as manifestações mais importantes desse
fenômeno, pois, a partir dessa reengenharia legislativa, passou a orientar seus institutos à
prevenção, à inibição da atividade no momento que antecede a afetação do bem jurídico
protegido, gerando um alargamento na esfera de proteção, com o fim de evitar que o dano
efetivamente se produza, uma vez que, para se proteger o meio ambiente com eficácia, não se
pode esperar pela consumação do resultado danoso, e, sob esse aspecto, afrontou o modelo
tradicional de Direito Penal, cujos elementos formadores e pressupostos foram delineados para
coibir o resultado lesivo ou um ataque efetivo que represente um perigo concreto de dano ao
13

bem jurídico tutelado.


Para a abordagem e o tratamento do tema, o trabalho foi precedido de uma pesquisa
bibliográfica exploratória, que se realizou com o fito de revelar o pensamento daqueles que já se
debruçaram sobre o objeto desse estudo e permitiu a identificação de duas correntes
argumentativas, que foram divididas entre os que são favoráveis à tutela penal ambiental e os
que se opõem à aludida proteção.
Por essa razão, o método dialético foi eleito para a análise de seu conteúdo, uma vez que
o objeto apresenta aspectos contraditórios e que se encontram num estado constante de luta entre
si, e o enfrentamento dessa discussão exige a análise dialógica de seu conteúdo. Assim se busca
interpretar os dados obtidos e contribuir para o desenvolvimento dessa realidade.
Dessa forma, procura-se atingir o objetivo deste trabalho de pesquisa, que é avaliar a
necessidade de se instituir um novo aporte dogmático para o Direito Penal ambiental, que
permita harmonizar os princípios que norteiam o Direito Penal tradicional com os instrumentos
oferecidos por esse Direito Penal do risco, para que a tutela penal ambiental, nessa sociedade
onde perigos ecológicos, que já são iminentes, adquira a eficácia pretendida.
Para desenvolver esse objetivo, o plano de trabalho foi organizado ao longo de três
capítulos.
No primeiro se buscou identificar quais são os problemas ecológicos que não apenas
causam danos irreparáveis à biodiversidade como já colocam em questão os próprios
fundamentos naturais da vida e a forma como esse contexto desafia a sociedade e impulsiona
suas transformações. Para que se compreenda a dinâmica em que ocorreram as mudanças da
qualidade dos problemas, eles serão analisados por meio de um critério, que os distinguirá em
duas grandes ordens: a primeira e a segunda geração de problemas ecológicos.
Como esse cenário apresenta problemas diferenciados, ver-se-á que ele também exige
respostas diferenciadas, as quais, só serão obtidas com uma evolução do conceito de Estado, que,
visando responder às novas necessidades da sociedade, está-se transformando em um Estado de
cunho ambiental.
Com isso, o direito a viver em um meio ambiente equilibrado ganhou relevância
constitucional e, juntamente com o reconhecimento de uma série de direitos de natureza não
individual, quebra a harmonia axiológica liberal e individualista dos textos constitucionais
anteriores, e isso gerou um conflito hermenêutico de grande interesse para o trabalho ora
desenvolvido. A tutela penal do meio ambiente se encontra exatamente numa intersecção entre o
sistema de garantias da liberdade do homem enquanto indivíduo com a necessidade de o Estado
contemporâneo remodelar-se, no sentido de adequar-se ao enfrentamento dessas novas ameaças
14

e riscos ecológicos que fragilizam a existência de todo o gênero humano, considerado inclusive
em sua perspectiva futura, por meio da proteção dos interesses das futuras gerações.
Para o enfrentamento desse conflito é necessária a compreensão dessa apregoada
evolução no conceito de Estado, a qual também nos leva a um sistema constitucional aberto e
pronto a receber novos dados, oriundos de outras experiências jurídicas e com eles interagir.
Essa nova ordem jurídica, exposta à aprendizagem, não se atrela mais a valores pré-definidos;
ela se reconstrói permanentemente pelo aprendizado com as experiências de outras ordens
jurídicas interessadas concomitantemente na solução dos mesmos problemas, e isso possibilita a
evolução do sistema.
Com a aceitação da concorrência de várias ordens jurídicas sem que nenhuma delas
possa arrogar-se no direito de se impor sobre as demais, o Estado de cunho ambiental possibilita
a convivência não destrutiva de diversos projetos e perspectivas, dentro de um espírito de
pluralidade e aceitação que caracteriza a sociedade contemporânea, viabilizando um diálogo
entre a ordem jurídica nacional, internacional e os sistemas de proteção aos direitos humanos
fundamentais.
No segundo capítulo, será apresentada a atual estrutura normativa infraconstitucional,
que, no Brasil, foi consolidada pela lei n.º 9.605/98, oferecendo um tratamento penal mais
adequado à proteção do meio ambiente que aquele oferecido pelas legislações antecessoras.
Entretanto ela também deflagrou o debate, uma vez que o Direito Penal é norteado por princípios
que consagram garantias individuais, as quais não se compatibilizam com as exigências dos
princípios internacionais que orientam a proteção do meio ambiente.
Busca-se, assim, a identificação dos desafios que esse Estado de cunho ambiental terá
que enfrentar, para que possa produzir normas penais que ofereçam respostas adequadas a essas
novas necessidades. Para tanto, será preciso compreender como a força de cada um dos
princípios envolvidos no conflito incide sobre os modelos de tipificação que se encontram à
disposição do legislador infraconstitucional, realizando uma análise crítica dos vários pontos de
vista existentes acerca da utilização dos instrumentos de Direito Penal na proteção do meio
ambiente, a fim de se constatar se a tutela penal ambiental é realmente necessária.
No terceiro capítulo, partindo da constatação de que o meio ambiente é um bem jurídico
digno da tutela penal, propõe-se uma busca por novas respostas, mais sutis que as propostas até
então analisadas e que justifiquem a utilização desse novo instrumental preventivo, ainda dentro
do espaço de vigência das normas penais e sem que seja preciso criar um novo sistema
repressivo.
Serão apresentadas as teses de Sanchez e de Dias. As primeiras são voltadas a concepção
15

de uma dogmática em que, mediante a reciprocidade de concessões, as garantias individuais são


coordenadas em uma configuração dualista de sistematização do Direito Penal. A ultima,
delineia os contornos de um direito penal focado na tutela dos bens jurídicos supraindividuais, o
qual extravasa a codificação penal primária e com sua especificidade ganha força e autonomia,
as quais oferecem critérios mais transigentes e que permitem um entrelaçamento entre esses dois
sistemas de proteção, de uma forma que se possa respeitar a pluralidade de perspectivas
envolvidas no conflito.
Essas propostas se orientam também para o aperfeiçoamento de algumas figuras
dogmáticas e suas fórmulas técnico-legislativas, nas quais a ideia de prevenção ante os riscos da
moderna sociedade industrializada são argumentos recorrentes e oferecerão os subsídios que
permitirão delinear esse novo aporte dogmático para a tutela penal ambiental no Brasil.
Desenvolve-se, assim, um prognóstico normativo, que permitirá uma coordenação entre
os princípios que orientam a tutela penal ambiental, dentro de uma configuração dualista de
sistematização, baseada em critérios que tornem o Direito Penal ambiental apto ao
enfrentamento dessas novas realidades delitivas e que justifiquem a utilização de um
instrumental dinâmico e preventivo.
16

CAPÍTULO 1

DOS PROBLEMAS ECOLÓGICOS À TUTELA AMBIENTAL

1.1. OS PROBLEMAS ECOLÓGICOS

Para iniciar essa análise em relação à proteção jurídica oferecida ao meio ambiente, será
necessário o exame de alguns fatos ocorridos a partir da segunda metade do século XX, os quais
motivaram a emergência de um corpo de normas internacionais, que influenciaram, de forma
incontestável, o legislador constituinte brasileiro a reconhecer, em seu artigo 225, “o meio
ambiente ecologicamente equilibrado 1”, como um direito fundamental das presentes e futuras
gerações.
Conforme preleciona Soares, “do fato se origina o direito2” e foi, sem dúvida, a exigência
dos fatos que motivou a criação de mecanismos de regulação que precedessem eventos danosos:

Em seu início, o século XX tinha herdado dos séculos anteriores, em especial do final
do século XIX, a idéia de que o desenvolvimento material das sociedades, tal como
potencializado pela Revolução Industrial, era o valor supremo a ser almejado, sem
contudo atentar-se para o fato de que as atividades industriais têm um subproduto
altamente nocivo para a natureza e, em consequência, para o próprio homem. Na
verdade, inexistia mesmo uma preocupação com o meio ambiente que cercava as
indústrias, pois, à falta de problemas agudos, havia um entendimento generalizado de
que a natureza (entendida como um “dado” exterior ao homem) seria capaz de
absorver materiais tóxicos lançados ao meio ambiente, e, por um mecanismo “natural”
(talvez “mágico”?!), o equilíbrio seria mantido de maneira automática.
Contudo, como é sabido, houve um momento em que nem a “natureza” poderia
continuar reciclando os materiais tóxicos, nem o homem estaria em condições de frear
suas atividades poluidoras.3

Assim sendo, será desenvolvido um estudo dos efeitos deletérios dessa citada Revolução
Industrial na história dos últimos tempos, partindo de uma preocupação humana utilitarista e
imediatista com a proteção de elementos isolados do meio ambiente e que nos levou à
subjetivização do direito ao ambiente como direito fundamental da pessoa ou de grupos de
pessoas, até a conscientização de que os efeitos extravasam a consideração isolada dos

1
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 225, que: “Todos tem direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
(MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Coletânea de Direito Internacional, Constituição Federal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p. 145.).
2
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e
responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001. p. 19.
3
Ibidem, p. 35.
17

elementos constitutivos do ambiente.


Sob esse segundo aspecto, ver-se-á que suas implicações são globais e duradouras, de
forma a comprometer de maneira irreversível toda a humanidade, até mesmo aqueles que ainda
estão por vir e integrarão as gerações futuras.
Para tanto, e buscando estabelecer um critério distintivo que permita compreender esse
reconhecimento progressivo dos problemas ecológicos e suas mutações, recorre-se a Canotilho,
que pontifica:

À semelhança do que acontece com a doutrina dos direitos fundamentais em geral,


onde se radicou uma questionável cronologia de gerações de direitos, também no
campo do direito ao ambiente passou a ser tema recorrente nas discussões
jusambientalistas uma espécie de sedimentação geológica em torno de problemas
ecológicos e ambientais de primeira geração e problemas ecológico-ambientais de
segunda geração4 (grifo nosso).

Para que não restem dúvidas, neste momento inicial é importante estabelecer uma clara
distinção entre o emprego do termo “gerações”, usualmente empregado pela doutrina, como
forma de designar um processo de expansão e de acumulação de níveis de proteção da pessoa
humana, que muitos autores entendem ser inexato5, de sua utilização em face dos problemas
ecológicos, onde não existem as mesmas razões que originaram a crítica.
No que concerne aos problemas ecológicos é importante observar que a geração posterior
circunscreve a geração anterior e, conforme se verá, quando os problemas ecológicos
extravasarem a consideração isolada dos elementos constitutivos do ambiente se passará a
analisar a imbricação dos seus efeitos combinados, ou a sua acumulação, e assim serão reveladas
as suas implicações globais, duradouras e, por vezes, invisíveis.
É preciso, no entanto, ainda deixar claro que essas gerações de problemas ecológicos só
podem ser compreendidas, de forma válida, diante dessa relação intrínseca, dessa
indivisibilidade, pois, somente nesse sentido é que se pode efetuar uma divisão propedêutica
para efeito de seu estudo.
Dessa forma, irá desenvolver-se uma introdução ao tema, que será examinado durante

4
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional português: tentativa de compreensão de 30 anos das
gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José
Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 21.
5
De acordo com Bobbio, a cronologia histórica dos direitos fundamentais do homem tem sido tradicionalmente
dividida em forma de gerações (Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro: Editora Elseiver, 2004, p. 14 et seq.). Entretanto, esse critério tem sido alvo de justificadas críticas, pois,
conforme asseveram Dimoulis e Martins, ele sugere a substituição de cada geração pela posterior enquanto no
âmbito que nos interessa nunca houve uma abolição dos direitos das anteriores gerações. (Cf. DIMOULIS, Dimitri;
MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
p. 30-31).
18

este trabalho e que nos levará a refletir sobre quais tipos de instrumentos de proteção serão
necessários e adequados ao enfrentamento dessa nova realidade.

1.1.1. A Primeira e a Segunda Geração de Problemas Ecológicos

Inicia-se então com a apresentação desses perigos ecológicos que vêm comprometendo a
possibilidade de se desfrutar uma vida saudável e com qualidade, o que será feito de forma
sistematizada pelo critério de gerações esposado por Canotilho.
O autor português esclarece que “os problemas ecológicos de primeira geração incidem,
fundamentalmente, na proteção do ambiente tendo em conta os elementos constitutivos
(poluição das águas, ar, solo).” 6
Esse ambiente onde vivemos é a biosfera, ou esfera da vida, onde a vida surge e se
mantém, brotando do solo, penetrando nas águas ou pairando ao vento, essa estrutura externa
que envolve a terra é constituída pela interação dos três tipos de ambientes primordiais, que
podem ser denominados de litosfera, hidrosfera e atmosfera e, seguindo essa orientação lógica,
os problemas ecológicos serão analisados.
Sob uma outra (segunda) perspectiva e compreendidos agora sob a ótica da acumulação e
da imbricação de seus efeitos, suas implicações tornam-se globais e duradouras, o que leva
inexoravelmente a enxergá-los de forma bidimensional: sob uma dimensão espacial, vemos que
os problemas ecológicos de segunda geração não reconhecem as fronteiras, atingindo
indiscriminadamente toda a espécie humana; sob uma dimensão temporal, não se circunscrevem
à geração atual, comprometendo de forma irreversível os interesses das gerações futuras.
Conforme afirma Canotilho: “o sujeito relevante já não é apenas a pessoa ou grupos de
pessoas. Passa a ser também o ‘sujeito geração’7”.
Dessa forma, sob o enfoque do critério distintivo proposto por Canotilho, “a segunda
geração de problemas ecológicos relaciona-se com efeitos que extravasam a consideração
isolada dos elementos constitutivos do ambiente8”, onde os vários fatores de poluição
combinam-se, gerando consequências duradouras e de abrangência global. Estes são
caracterizados pela destruição da camada de ozônio, o agravamento do chamado efeito estufa e
trazem como consequências mais visíveis as mudanças climáticas e a irreversível perda da
biodiversidade.

6
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. p. 176.
7
Ibidem, p. 177.
8
Ibidem, p. 177.
19

Assim, para que se compreenda todo esse processo de mudança climática da Terra e suas
consequências catastróficas, é preciso primeiramente entender a sua causa, o chamado efeito
estufa.
O efeito estufa ocorre porque a terra recebe irradiações solares, e essas irradiações, ao
atingirem o nosso planeta, causam seu aquecimento; uma parte delas fica retida na atmosfera,
onde é absorvida por moléculas gasosas, o que gera um efeito semelhante ao de um cobertor que
retêm o calor junto ao corpo e propicia um clima adequado para que a vida floresça nos seus
mais variados ecossistemas.
Entretanto, com o acentuado desenvolvimento tecnológico e industrial, os países
iniciaram uma escalada vertiginosa rumo ao crescimento econômico, gerando um aumento da
demanda energética, não só em função das emergentes necessidades industriais, mas também
causada pelo crescimento da população mundial. Para a produção dessa energia são queimadas
quantidades enormes de combustíveis fósseis.
A consequência mais direta dessa queima de energia é um aumento significativo dos
gases de efeito estufa que se acumularam na atmosfera, tornando o aludido cobertor que envolve
o planeta mais denso. e a Terra, paulatinamente mais aquecida.
Flannery esclarece que o vapor de água é o gás de efeito estufa mais abundante na
atmosfera, entretanto, o maior responsável pelas mudanças no nosso clima é o chamado dióxido
de carbono, pois o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera “desencadeia
um aumento desse poderoso gás de estufa que é o vapor de água9”, gerando um ciclo no qual os
aumentos de temperatura ocasionam mudanças no sistema climático, que, por sua vez, causam
ainda mais aquecimento.
O dióxido de carbono não é, entretanto, o único gás de efeito estufa que liberamos no ar.
O metano é considerado segundo gás que mais contribui para o aquecimento da atmosfera, e,
muito embora seja encontrado em concentrações menores, o oxido nitroso, ou gás do riso,
também não pode ser desprezado, pois seu potencial de aquecimento é duzentas e setenta vezes
superior ao do dióxido de carbono10.
Os mais poderosos gases de efeito estufa são, porém, os halocarbonos, como os
hidrofluorcarbonetos (HFC) e os clorofluorcarbonetos (CFC), criados pelo engenho humano.
Muito embora sejam gases considerados raros, alguns chegam a ser dez mil vezes mais potentes

9
FLANNERY, Tim. Os senhores do tempo: o impacto do homem nas alterações climáticas e no futuro do planeta.
Lisboa: Editorial Presença, 2006. p. 50.
10
Ibidem, p. 52-53.
20

do que o dióxido de carbono e podem permanecer pairando na atmosfera por muitos séculos 11.
Esses gases poderosos foram muito utilizados nos sistemas de arrefecimento e
refrigeração, na indústria eletrônica, em aerossóis e outros processos industriais, porém, isso
ocorreu antes de se constatar que sua presença na atmosfera é um dos fatores responsáveis pelo
empobrecimento da camada de ozônio 12.
Canotilho também elenca o buraco na camada de ozônio entre os problemas ecológico-
ambientais de segunda geração 13; entretanto, a utilização desses gases está sendo eliminada
gradualmente desde 1987, quando a comunidade política mundial começou a aderir ao Protocolo
de Montreal, sobre as substâncias que empobrecem a camada de ozônio.
Como se vê, a presença dos clorofluorcarbonetos na atmosfera é o liame entre esses dois
problemas ecológicos que continuarão a atingir toda a humanidade indiscriminadamente.
A consequência do aumento na acumulação dos gases de efeito estufa na atmosfera é o
aumento na temperatura terrestre. Por essa razão, Lovelock afirma que o nosso planeta está
febril14; entretanto, o autor adverte que, apesar de o aquecimento global ser “confirmado pela
elevação constante do nível do mar durante os últimos dez anos, a temperatura média global não
se alterou sensivelmente durante o mesmo período15”. Explica que:

As alterações do clima provocadas pelo aquecimento global processam-se em saltos,


no decurso dos quais os padrões climáticos passam de um estado estável a outro.
Devido a natureza telecinética da atmosfera, essas alterações podem manifestar-se
instantaneamente em todo o planeta. A melhor analogia talvez seja a de um dedo
pousado num interruptor de luz. Nada acontece durante algum tempo, mas, se
aumentarmos lentamente a pressão, atinge-se um determinado ponto, ocorre uma
alteração súbita e as condições passam rapidamente de um estado a outro16.

Sabe-se, hoje, que a interação entre a atmosfera e os oceanos influencia os complexos


comportamentos dos fluxos climáticos globais, pois se encontram diretamente relacionados com
o ciclo hidrológico e, dessa forma, se pode observar que, muito embora as mudanças climáticas
tenham como principal origem o aumento de gases de efeito estufa liberados na atmosfera, os
quais causam o chamado aquecimento global, esse fenômeno não aumenta a temperatura do
planeta de forma isolada; ele também é impulsionado por uma espécie de “feedback” da Terra.
Sob esse aspecto, Lovelock observa ainda que a água resultante do derretimento do gelo
ártico ou dos desmoronamentos das geleiras na Antártida, também tem contribuído para um

11
FLANNERY, Tim. op. cit, p. 52-53.
12
O ozônio presente na atmosfera nos protege dos raios ultravioleta.
13
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais, p. 177.
14
Cf. LOVELOCK, James. Gaia: alerta final. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2010. p. 82.
15
Ibidem, p. 81-82.
16
FLANNERY, Tim, op. cit., p. 105.
21

retardamento no aquecimento dos oceanos17:

[...] é útil comparar a Terra com um drinque gelado. O leitor terá percebido que a
bebida permanece fria até que o último dos gelos derreta e, até certo ponto, é o que
ocorre com a Terra. Uma grande porção do calor do aquecimento global serviu para
aquecer aquela grande massa de água, o oceano, e para derreter o gelo. Pode ser um
dos vários motivos pelos quais não houve maior aquecimento. Contudo, assim que o
gelo tiver derretido e a mistura das águas oceânicas atingir um equilíbrio dinâmico, o
aquecimento global continuará mais rápido ainda que antes18.

Diante dessas circunstâncias, é fácil constatar que o nível dos mares ao redor do mundo
não para de subir, e esse inchaço já ameaça comunidades costeiras e habitantes de pequenas
ilhas, que, em alguns anos, terão que deixar suas casas devido à elevação do nível das aguas do
mar19.
O Brasil não está imune a esses problemas, muito embora seja difícil distinguir um
evento climático natural daqueles que surgem como consequência das alterações antrópicas na
atmosfera. A intensificação desses eventos tem levado não só às secas, como a experimentada
pela Amazônica, em 2005, mas também à ocorrência de fortes chuvas.
Tragédias já têm sido provocadas por tempestades. No fim de 2008, devido à associação
de fatores climáticos e geográficos, diversas cidades no Estado de Santa Catarina foram
submersas pelas enchentes, que deixaram mais de 100 mortos e 79.000 desabrigados. Em 2010,
o Estado de São Paulo também sofreu com a força das águas. A capital foi o epicentro das
chuvas torrenciais; no entanto, os maiores danos ocorreram na região do vale do Paraíba, onde
mais de 10 pessoas morreram e 5.000 ficaram desabrigadas20.
No Estado do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, pesadas chuvas ocasionaram
deslizamentos de terra, que, associados às enchentes, provocaram uma devastação nas cidades de
Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto, deixando

17
Conforme Lovelock, citamos outro exemplo de como esse derretimento das geleiras irá contribuir para processo
de aquecimento global se acentue: “[...] o gelo e a neve localizada nos polos têm refletido parte do calor irradiado
pelo Sol, de volta ao espaço. Entretanto, na medida em que a neve branca derrete, ela é substituída pelo solo ou por
oceanos escuros, aumentando assim a absorção do calor irradiado pelo astro, dessa forma, mais água evapora e vai
para a atmosfera, funcionando como um gás de efeito estufa, que, associado ao buraco na camada de ozônio sobre a
Antártica, irá ocasionar um derretimento ainda mais rápido do gelo, além de profundas consequências no clima.”
(LOVELOCK, James, op. cit., p. 76.).
18
Ibidem, p. 82-83.
19
Conforme Guerra e Avzaradel, os habitantes de Tuvalu, um pequeno arquipélago situado ao norte da Nova
Zelândia, vem sendo classificados como os primeiros refugiados ambientais, os autores afirmam que: “[...] as marés
já estão destruindo casas, jardins e fontes de água potável nas ilhas de Carteret e Papa Nova, podendo a última
submergir já em 2015. A evacuação dos dois mil moradores já começou”. (GUERRA, Sidney; AVZARADEL,
Pedro Cuvello Saavedra. O direito internacional e a figura do refugiado ambiental: reflexões a partir da ilha de
Tuvalu. Disponível em <http:www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/14_46.pdf>. Acesso em 27.02.11.
p. 9.).
20
Cf. GAMA, Carolina da. Chuvas: tragédias provocadas pela fúria das águas. Disponível em: <http:www.veja.
abril.com.br/blog/acervo-digital/brasil/chuvas-tragedias-provocas>. Acesso em 22.03.12.
22

um rastro de 905 mortos e 8.814 desabrigados 21.


Essa febre apontada por Lovelock não atinge apenas o planeta, mas, toda a sua
biodiversidade22, animais e plantas já forçam ao extremo suas habilidades naturais de adaptação
às mudanças climáticas, e seu impacto principal é a irreversível extinção de espécies, que
geralmente ocorre entre as menos populosas e conhecidas, mas já serve de advertência para o
perigo que ronda ecossistemas inteiros.
É possível estabelecer uma escala enorme de mudanças deflagrada por esse processo de
alteração do clima ao redor do mundo, observando-se a distribuição geográfica das espécies,
alterações em seu período migratório ou mesmo a época de sua reprodução, assim como pelo
desabrochar das flores e pela colheita dos frutos.
Essas mudanças perturbam as relações entre espécies, pois nem todas são capazes de
reagir e adaptar-se às alterações climáticas com eficiência. Répteis, como as tartarugas e os
crocodilos, por suas características reprodutivas, enfrentam ameaças ainda mais graves. É que a
proporção entre os sexos é determinada pela temperatura em que os ovos são incubados, o que
pode levar populações inteiras desses animais a serem compostas só de machos ou de fêmeas,
fato que os expõe ao perigo da extinção 23.
São, porém, os anfíbios, como rãs, sapos, tritões e salamandras, os animais mais
sensíveis à pouca água e às secas prolongadas. Apesar do declínio de suas populações, durante
muito tempo se procurou por uma espécie cuja extinção pudesse ser atribuída de forma exclusiva
às alterações climáticas24.
Flannery descreve as observações realizadas pela especialista em anfíbios Marty Crump,
em abril de 1987, quando constatou a extinção de uma espécie, o sapo dourado 25. As
investigações concluíram que o ecossistema das montanhas de Monteverde, na Costa Rica, onde
o anfíbio vivia, dependia da umidade trazida pela neblina e, como consequência do aquecimento
global, o número de dias sem neblina foi aumentado até alcançar o seu limiar crítico no ano de
1987.

21
AGÊNCIA NOTICIAS BRASIL. Sobe para 905 o n.º de mortos pela chuva na região serrana do Rio de
Janeiro. Disponível em <http:www.agencianoticiasbrasil.com.br/ver_agencia_noticias_brasil.asp?id=15534>.
Acesso em 19.03.11.
22
A Convenção sobre Diversidade Biológica define biodiversidade como: “[...] a viabilidade de organismos vivos
de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas
aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies,
entre espécies e de ecossistemas.” (MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Coletânea de Direito Internacional,
p. 1134.).
23
Cf. FLANNERY, Tim, op. cit, p. 109-112.
24
Ibidem, p. 112.
25
Conforme Flannery, após o frenesi acasalador, a pesquisadora observou que as poças, assim como os ovos nelas
depositados, secaram. Nos dois anos que se seguiram, ela retornou a Monteverde, mas, só localizou um único
espécime do sapo e desde então, ninguém mais o avistou. (FLANNERY, Tim, op. cit, p. 139.).
23

A seca na floresta fez com que o sapo dourado e outras espécies de anfíbios perdessem
seu habitat, atingindo aquele ecossistema de forma significativa, já que os anfíbios também
comem insetos e são o alimento de outros animais de maior porte. Assim, afirma Flannery:

O sapo-dourado foi a primeira vítima comprovada do aquecimento global.


Liquidámo-lo com o esbanjamento da energia elétrica gerada em centrais movidas a
carvão e com os nossos automóveis enormes, como se tivéssemos arrasado a sua
floresta com bulldozers26.

Todas essas transformações, entretanto, que estão ocorrendo em terra são insignificantes
se comparadas com as que ocorrem no mar, onde os aumentos de temperatura já causam impacto
em toda a cadeia alimentar. Um exemplo disso é o degelo acelerado das calotas polares, que tem
impedido o crescimento de plâncton entre os mantos de gelo e a água do mar. Dessa forma,
pequenos crustáceos que dele se alimentam, como o krill, estão-se tornando escassos, o que
atinge diretamente os pinguins, focas, albatrozes e baleias que dele se alimentam “estudos
sugerem que, dentro de pouco tempo, se atingirá um ponto em que as espécies dependentes de
krill irão sendo incapazes de se alimentar, umas a seguir às outras” 27.
Dentre os ecossistemas oceânicos vale destacar os recifes de corais, pois nenhum outro
possui tamanha biodiversidade; todavia as alterações climáticas também os têm colocado em
perigo. Com o aumento da temperatura, estão sendo devastados por um fenômeno denominado
de branqueamento dos corais.
Diante do que foi exposto, não é demais observar que a intenção do trabalho
desenvolvido na seção não é alarmista. Cinge-se ao desenvolvimento de alguns tópicos
introdutórios, onde os problemas ecológicos ambientais possam ser demonstrados de forma
exemplificada, não exaustiva, e sempre sistematizados na perspectiva das gerações de problemas
ecológicos esposada por Canotilho.
Conforme se viu, as questões ligadas à proteção do meio ambiente não se limitam mais à
poluição advinda da industrialização, e para enfrentar essa nova e complexa situação, que não
reconhece fronteiras entre os países e também compromete, de forma irreversível, os interesses
das gerações futuras na manutenção da integridade dos componentes ambientais naturais, os
Estados perceberam que precisavam cooperar entre si, pois, sozinhos, não seriam capazes de
enfrentá-la.
É sob essa ótica que, no plano internacional, se reconheceu um direito fundamental ao

26
FLANNERY, Tim, op. cit, p. 142.
27
Ibidem, p. 120.
24

meio ambiente28, resultado de declarações e de princípios internacionais, que ganharam a


aceitação das nações, e geral, e acabaram por influenciar as constituições supervenientes. Estas,
visando responder a essas novas necessidades, já caminham para uma transformação no conceito
de Estado.

1.2. O ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITO

Conforme ficou demonstrado, a crise ambiental já nos acomete e trata-se de uma crise
civilizatória, pois envolve tanto valores culturais como espirituais. Na busca por um caminho
que permita seu enfrentamento e posterior superação, abre-se um trajeto, o qual passa pela
necessidade de se construir a noção de um constitucionalismo socioambiental 29.
Impulsionada por movimentos internacionais, a proteção e promoção do ambiente vêm
sendo incorporadas ao texto das Constituições contemporâneas em todo o mundo, “como um
valor constitucional, assim como uma tarefa do Estado (Estado-Legislador, Estado-
Administrador e Estado-Juiz) e da sociedade.30”
Essa foi também a orientação da Constituição brasileira, que contemplou, em seu artigo
225, um direito humano e fundamental do indivíduo e da coletividade a viver em um ambiente
equilibrado, seguro e saudável31. Esse comando normativo, expresso no artigo 225 da carta
constitucional de 1988, traz responsabilidades e encargos ambientais tanto para o Estado quanto
para a sociedade. Trata-se de um dever de tutela ecológica, que não admite a omissão ou a
proteção deficiente32.

28
Conforme Soares, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, convocada pela
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e que resultou na adoção da chamada Declaração de
Estocolmo (1972), constante de 26 princípios, pode ser apontada como o marco normativo inicial da emergência do
Direito Internacional do Meio Ambiente. (SOARES, Guido Fernando Silva. Dez anos após Rio-92: o cenário
internacional, ao tempo da cúpula mundial sobre desenvolvimento sustentável (Joanesburgo, 2002). In: IRIGARAY,
Carlos Teodoro José. MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Novas perspectivas do direito ambiental
brasileiro: visões interdisciplinares. Cuiabá: Cathedral Publicações. 2009. p. 15.).
29
Seguindo a orientação de Sarlet e Fensterseifer, a preferência pelo adjetivo socioambiental resulta da
convergência necessária entre a proteção ao ambiente e aos direitos sociais num mesmo projeto jurídico-político
para o desenvolvimento humano, ou seja, ele designa uma abordagem integrada das dimensões social e ambiental
no Estado Democrático de Direito contemporâneo. (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito
constitucional ambiental: estudos sobre a constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 94.).
30
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?):
algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 11-38
31
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http:www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituição/constituição.htm> Acesso em: 19.03.12.
32
Conforme observam Sarlet e Fensterseifer, exige-se um patamar mínimo de qualidade ambiental, necessário para
a concretização da vida humana em níveis dignos, para aquém do qual a dignidade humana estaria sendo violada no
25

Diante dessa constatação, muitos doutrinadores já reconhecem uma transição do modelo


de Estado Social para um Estado de Direito Socioambiental, estando entre os principais
Benjamim33, Barroso34, Leite e Ayala 35, Freitas36, Sarlet e Fensterseifer 37, e outros, aos quais se
podem somar também portugueses, como Canotilho38 e Silva39. Essa sólida corrente doutrinária
já oferece um respaldo mais do que suficiente para que se defenda uma teoria constitucional
comprometida com a proteção do meio ambiente.
É preciso, entretanto, compreender que a teoria constitucional tem sido marcada por um
processo de acumulação de tarefas, o qual tem levado a uma transformação e ao aprimoramento
do Estado, sempre na busca por uma salvaguarda mais ampla dos direitos fundamentais (liberais,
sociais e ecológicos), pois, só assim se poderá compreender esse momento em que se vive: a
transição para um modelo de Estado Socioambiental.
Esse fato nos leva a um aumento da complexidade normativa e, consequentemente, ao
surgimento de uma conflituosidade valorativa, que tem levado autores individualistas40 e
coletivistas41 a debaterem entre as diferentes vertentes acerca do modelo de estrutura normativa
infraconstitucional mais adequada à proteção do meio ambiente.
Uma preocupação exacerbada em limitar o poder punitivo do Estado pode resultar em

seu núcleo essencial. (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental, p.
90.).
33
BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In:
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental
brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 77-150.
34
BARROSO, Luis Roberto. Proteção do meio ambiente na Constituição brasileira. Revista Trimestral de Direito
Público, n. 2. São Paulo: Editora Malheiros, 1993. p. 58-79.
35
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004, e dos mesmos autores Dano ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
36
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2005.
37
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?):
algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 11-38, e dos mesmos autores Direito constitucional ambiental:
estudos sobre a constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.
38
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional português: tentativa de compreensão de 30 anos das
gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José
Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. pp 21-31.
39
SILVA, Vasco Pereira da. Verdes são também os direitos do homem: responsabilidade administrativa em
matéria de ambiente. Cascais: Principia, 2000.
40
Os autores individualistas propõem que o Direito Penal se limite à tutela dos bens jurídicos clássicos, ou seja, a
proteção daqueles bens jurídicos relacionados à pessoa humana individualmente. Apenas a título de exemplo pode-
se citar autores como Winfried Hassemer, na Alemanha, e Pablo Rodrigo Alflen da Silva, no Brasil.
41
Os coletivistas são autores que não assentem com a existência de um núcleo básico de bens jurídicos dignos de
serem tutelados penalmente que possam ser válidos para todas as épocas, e apregoam que a evolução do Estado
Liberal de Direito rumo ao Estado Social de Direito tornou necessária à expansão da tutela penal a novos bens
jurídicos de natureza coletiva ou difusa. Entre os alemães, podem-se citar autores como Günter Jakobs e Berd
Schünemann, e brasileiros como Antonio Luis Chaves de Camargo e Alamiro Velludo Salvador Netto.
26

uma limitação de direitos legítimos da sociedade. Por essa razão será preciso encontrar o critério
interpretativo com o qual se possa equalizar essa relação conflituosa. Entretanto, como a
interpretação jurídica é orientada por paradigmas, será necessário desvendar como se
desenvolveram as concepções de Estado, desde o Estado Liberal, para que se compreendam os
paradigmas que devem orientar a hermenêutica do Direito no marco do Estado de concepção
socioambiental, pois, só assim, serão encontrados os critérios com os quais se poderá harmonizar
o conflito existente.

1.2.1. Do Estado Liberal ao Estado Socioambiental de Direito

O contínuo aumento de complexidade das relações na atual sociedade 42 coloca os


modelos tradicionais de interpretação, utilizados para a compreensão e resolução de problemas, e
que vão desde os comportamentos desviantes ocorridos em seu interior até a solução das mais
complexas antinomias, em uma crise hermenêutica.
A solução passa necessariamente pelo entendimento daquelas pré-compreensões que
integram o pano-de-fundo da linguagem e que, por isso, são requisitos contrafactuais que a
possibilitam43. A despeito de já se haver superado em muito uma “razão absoluta” e até mesmo o
positivismo, não se pode negar que um texto, ao ser interpretado, revele uma gama de
significados, os quais foram orientados em um dado momento histórico.
É sob essa ótica que se fará um necessário escorço histórico da consolidação desse
Estado moderno e, consequentemente, dos direitos fundamentais 44, uma vez que, em certo
sentido, ambas são coincidentes, pois o processo de transformação do Estado é “modelado a
partir das relações sociais que legitimam toda a ordem constitucional, assim como das novas
feições e tarefas45” que a ela são incorporadas.

42
Cf. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro, Daniel Jimenez e
Maria Rosa Borras. Barcelona: Paidós, 2008. pp. 95-191. Para uma analise mais detalhada sobre esse tema.
43
Conforme Netto, a comunicação trabalha com pressupostos contrafactuais, para que possa se dar. O pressuposto
de que há entendimento funda-se justamente no compartilhamento de um mesmo pano de fundo, entre o que fala e o
que ouve. (CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma
do Estado democrático de direito. Revista de Direito Comparado, vol. 3, Belo Horizonte, 2000. p. 15.).
44
Devido à existência de fundadas críticas a respeito da terminologia “gerações”, conforme já se viu na nota número
5, no presente estudo foi efetivada a opção pelo termo “dimensões" dos direitos fundamentais, acompanhando a
moderna doutrina esposada por Sarlet (Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma
teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2009, p. 45). Muito embora ainda se deva observar que o emprego desse termo também é criticado por Dimoulis e
Martins, que preferem utilizar outras denominações como categorias ou espécies (Cf. DIMOULIS, Dimitri;
MARTINS, Leonardo, op. cit., p. 31).
45
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental, p. 24.
27

Entretanto, antes de iniciar a digressão histórica, é preciso observar como a expressão


Estado de Direito é definida, Bolzan argumenta que:

[...] o Estado que, nas suas relações com os indivíduos, se submete a um regime de
direito quando, então, a atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um
instrumental regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como, os indivíduos –
cidadãos – têm a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma
ação abusiva do Estado46.

Como se pode ver, a ideia de Estado de Direito carrega em si a prescrição da supremacia


da lei sobre a administração, ou seja, é uma autolimitação do Estado pelo Direito; contudo, as
diversas formas assumidas pelo Estado se diferenciarão entre si, pelos conteúdos que a ele serão
agregados. O Estado de Direito não se apresentará apenas sob uma forma jurídica calcada na
hierarquia das leis, mas também por um conjunto de direitos fundamentais que irão moldar o
Direito com seu conteúdo47. Sob esse aspecto, observa Silva a necessidade de se agregar um
qualificativo à expressão Estado de Direito, com o qual se irá indicar o seu conteúdo material 48.
Dessa forma, para a consolidação do conceito de um Estado de Direito qualificado com o
termo Socioambiental, deve-se passar, em um primeiro momento, pela compreensão das
circunstâncias que levaram à configuração de um Estado de Direito Liberal e, em um segundo
momento, onde se instituiu o chamado Estado de Direito Social, para, somente então, se obter a
compreensão do modelo atual.
Conforme preleciona Copetti, foi na França, em reação aos ordenamentos medievais e
absolutistas, que se estruturou, de forma mais completa, o primeiro paradigma constitucional da
modernidade, que corresponde ao que se convencionou chamar de Estado Liberal 49.
Constituía-se em um verdadeiro instrumento de luta da burguesia contra o Estado
Absolutista, evocava como princípios fundamentais a igualdade, a liberdade e a propriedade.
Dessa forma, deveria o Estado respeitar a liberdade ética do homem individual e reconhecer uma
vinculação jurídica para os próprios atos, e assim lhe caberia, além da organização e regulação

46
MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o estado e o direito na ordem
contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 66.
47
Cf. MORAIS, Jose Luis Bolzan de, op. cit., p. 68.
48
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. p.
113.
49
Cf. COPETTI, André. Direitos humanos como fundamento epistemológico das reformas penais no Estado
Democrático de Direito. In: COPETTI, André (Org.). Criminalidade moderna e reformas penais: estudos em
homenagem ao professor Luiz Luisi. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 99.
28

da atividade estatal, garantir essa liberdade e a segurança da pessoa e da propriedade


individual50.
Surge, assim, uma concepção liberal de cidadania “limitada à proteção dos direitos dos
indivíduos, sem qualquer interferência do poder estatal na vida privada, ou seja, uma noção
individualista de cidadania.51”
Como se vê, era uma sociedade que possuía uma profunda desconfiança para com o
Estado e suas instituições, pretendia assim restringi-lo ao mínimo necessário, a fim de garantir os
direitos por ela conquistados, ou seja, garantir sua maior liberdade possível.
Para uma melhor compreensão desse momento evolutivo, a principal característica desse
Estado Liberal deve ser destacada: conforme ficou demonstrado, o conteúdo do Direito
concebido nessa forma de Estado é orientado por um determinado ideal, uma finalidade, a de
garantir a liberdade do homem enquanto indivíduo, e isso já reflete uma primeira acepção
daquilo que se convencionou chamar de direitos humanos fundamentais, porém, que ainda se
encontram sob a perspectiva do indivíduo.
Já no final do século XIX, com a revolução industrial, inicia-se o processo de vivências e
ideias abstratas que irão conformar o paradigma do Estado de Direito Social.
É nesse período histórico que o mundo assistiu à uma profunda desigualdade econômica
e social entre as pessoas, gerada pela exploração da classe trabalhadora de uma forma contínua,
o que provocou reações. Os operários, instigados pela contradição entre a liberdade do
liberalismo e a escravidão social em que viviam, revoltaram-se, os sindicatos passaram a lutar
pelo reconhecimento de condições mínimas aos trabalhadores, ao mesmo tempo em que as ideias
marxistas se difundiram. Reclamava-se pela materialização daqueles direitos consagrados
constitucionalmente52.
Copetti observa que, diante desse quadro, o Estado jurídico puro se revela inócuo para
transformar as “amargas realidades sociais53” e ocorre uma toma de consciência, de que a
igualdade em que se arrimou o liberalismo era apenas formal e não substancial. Cede, assim, o
Estado Liberal, que tinha como principal sujeito de direitos o burguês, ou o proprietário, às
exigências da classe trabalhadora, reconhecendo as diferenças sociais e que, além de se afirmar a
igualdade, é necessário se proteger os mais fracos.

50
Cf. COPETTI, André. Direito penal e estado democrático de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2000. p. 53.
51
Ibidem, p. 54.
52
Cf. COPETTI, André. Criminalidade moderna e reformas penais, p. 100.
53
COPETTI, André. Direito penal e estado democrático de direito, p. 54.
29

Esse fato dá início ao processo de institucionalização de um Estado Social. Diante disso,


observa Morais que: “ao Direito antepõe-se um conteúdo social. Sem renegar as conquistas e
valores impostos pelo liberalismo burguês, dá-se-lhe um novo conteúdo axiológico-político54”.
Destarte, o Estado se transforma e passa a intervir na dinâmica econômica da sociedade,
com a pretensão de realizar a tão almejada justiça social, seu conteúdo jurídico e político passa a
ser orientado para uma nova finalidade, a de garantir a igualdade entre os homens, não mais
aquela igualdade formal, neutra e individualista, mas uma igualdade substancial e solidária 55.
A lei torna-se um meio utilizado em favor dessa transformação social, assumindo uma
segunda função, “qual seja, a de instrumento de ação concreta do Estado, aparecendo como
mecanismo de facilitação de benefícios. Sua efetivação estará ligada privilegiadamente à
promoção das condutas desejadas. 56”
Esse Estado Social já reflete em seu conteúdo material uma segunda dimensão dos
direitos humanos fundamentais, os quais passam então a garantir, sob a perspectiva da igualdade,
também os direitos coletivos do homem.
Entretanto, esse mesmo desenvolvimento industrial e tecnológico produzido a partir da
Revolução Industrial passou com seus resíduos a atingir bens que até então se encontravam
preservados, como o ar, a água e todo o ecossistema global, colocando em perigo, não apenas
interesses coletivos mas também difusos e transindividuais.
A partir de então, os movimentos sociais que surgiram nos anos setenta levaram a
humanidade a uma conscientização da importância e da necessidade de se institucionalizar a
proteção ao meio ambiente. Com os grandes eventos internacionais ocorridos, esses perigos
ecológicos, que já rondavam a humanidade, passaram a ser discutidos em um âmbito global,
emergindo grandes Conferências no cenário internacional, voltadas à proteção do meio
ambiente, das quais resultaram convenções e declarações internacionais 57.
Assim, o Estado de Direito vai novamente se redefinindo, e as constituições
supervenientes passaram a reconhecer o meio ambiente equilibrado como um direito
fundamental do homem, o que leva à formulação de uma terceira dimensão dos direitos
fundamentais, já que não se destinam mais especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, nem de um grupo, mas de todo o gênero humano, considerado inclusive em
perspectiva futura, através da proteção jurídica dos interesses das futuras gerações 58.

54
MORAIS, José Luis Bolzan de, op. cit., p. 72.
55
Ibidem, p. 80-81.
56
Ibidem, p. 79.
57
Cf. SOARES, Guido Fernando Silva. Dez anos após Rio-92..., p. 14-15.
58
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial, p. 36.
30

Como se vê, a construção de um Estado Socioambiental foi consequência de um processo


histórico de redefinição do Estado de Direito pela incorporação de novos valores, pois, conforme
destacam Sarlet e Fensterseifer, o que se objetiva é “agregar num mesmo projeto político-
jurídico, tanto as conquistas do Estado Liberal e do Estado Social quanto as exigências e valores
que dizem respeito ao assim designado Estado Socioambiental de Direito contemporâneo. 59”
Com efeito, o Estado contemporâneo deve remodelar-se, no sentido de adequar-se ao
enfrentamento dessas novas ameaças e riscos ecológicos que tanto fragilizam a existência da
espécie humana, porém, agora sob a égide da solidariedade entre os homens, as respostas aos
problemas e desafios postos pela atual situação de risco e de degradação ambiental devem ser
obtidas sem que nenhuma das facetas que compõe o sistema de direitos humanos fundamentais
se sobreponha à outra. Deve-se sempre lembrar que “[...] esse novo paradigma não opera por
hierarquia, mas por convergência. 60”, conforme assevera Benjamin.

1.2.2. Um dever de colaboração com a humanidade

Conforme foi analisado na seção anterior, o constitucionalismo vinculado


originariamente ao Estado, como organização territorial, surgiu para limitar o poder estatal e
determinar coercitivamente os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, sob suas
diversas acepções.
Entretanto, em um Estado Socioambiental de Direito que se encontra exposto às ameaças
e aos efeitos dos problemas ambientais de segunda geração 61, os quais não se limitam à poluição
advinda da industrialização e também não reconhecem as fronteiras entre os países,
comprometendo de forma irreversível os interesses de toda a humanidade e das gerações futuras
na manutenção da integridade dos componentes ambientais naturais, logo se vê que esse direito
constitucional estatal se mostra impotente e limitado para o enfrentamento de problemas com
tamanha magnitude.
Assim, o tratamento desses problemas deixa de ser um privilégio do Estado,
territorialmente limitado, e, diante de sua relevância, passa a ser enfrentado legitimamente por

59
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial, p. 13.
60
BENJAMIN, Antônio Herman. Prefácio. In: SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito
constitucional ambiental, p. 09.
61
Conforme observa o Ayala, os efeitos das mudanças climáticas globais são: “[...] efeitos imprevisíveis, de larga
escala, invisíveis, de grande potencial ofensivo e que redefinem este contexto de uma sociedade de riscos, uma
sociedade contemporânea e que reforça os liames de solidariedade e de co-responsabilidade de tal modo que nunca
se teve notícia anterior.” (AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio de
sustentabilidade na Politica Nacional do Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental, vol. 63, São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 108.).
31

meio da cooperação com outros Estados e por outras ordens jurídicas.


Torna-se necessário comprometer-se com o objetivo de assegurar processos eficazes para
a adaptação perante esses processos e seus efeitos, e essa preocupação se vincula ao interesse
comum a toda humanidade, que, diante de uma ameaça real de degradação de sua existência,
exige a cooperação e o aprendizado com as mais diversas ordens jurídicas, já que estão todos
envolvidos na solução dos mesmos problemas.
A respeito, Ayala afirma:

Este cenário nos impõe uma nova realidade para a arquitetura das relações de poder a
partir de padrões de governança, tipicamente associado à forma de se atingir objetivos
globais que não podem ser alcançados exclusivamente pela atuação nacional, ou
ainda, pela iniciativa de instituições internacionais. Sendo assim, as escolhas públicas
têm sua origem voltada cada vez menos a objetivos e interesses exclusivamente
nacionais, passando a ser orientada pela necessidade de se assegurar a concretização
de compromissos globais62.

Por meio de escolhas nacionais, comprometidas com compromissos globais que


ultrapassarão as fronteiras do Estado, poderá conceber-se e assegurar a realização de objetivos
que também serão relevantes para outras ordens jurídicas:

Perante a constatação de ameaças que podem comprometer a existência da


humanidade e que decorrem de maior ou menor contribuição de todos para a redução
ou para a aceleração dos processos que alteram drasticamente os sistemas climáticos
globais é requerido que os Estados se responsabilizem com semelhante tarefa também
no plano nacional, reproduzindo na forma de deveres, condicionamentos e sujeição,
através do exercício das funções legislativa, executiva e judicial, que mediante leis,
procedimentos administrativos, instrumentos de proteção e a intervenção judicial,
possa ser atingido o objetivo de redução dos riscos. Este resultado decorre assim, de
deveres ou de decisões públicas cujo conteúdo tem seu fundamento último, em um
compromisso que não é exclusivamente nacional63.

O Estado Socioambiental de Direito assume, dessa forma, um conjunto de deveres


perante a humanidade, deveres que resultam em consequências que não conhecem limites
geográficos ou fronteiras políticas, muito embora ainda decorram de decisões de Estados.
Dessa forma, o constitucionalismo se abre para outras esferas além do Estado, limitado
territorialmente, porque direitos eminentemente constitucionais, especialmente os referentes aos
direitos humanos de terceira dimensão, exigem, para sua concretização, um entrelaçamento de
ordens jurídicas diversas. Esse Estado Socioambiental deverá ter uma formação influenciada e

62
AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio de sustentabilidade, p. 112.
63
Ibidem, p. 111.
32

integrada na estrutura de uma ordem jurídica mais abrangente, que deixa de ser nacional, mas
que também não pode ser compreendida como internacional.

1.2.3. O Estado Socioambiental de Direito: uma ordem jurídica aberta

Hodiernamente, já não se pode negar a existência de uma organização social mundial,


que, muito embora ainda seja constituída por organizações políticas territoriais, não deve mais
ser confundida com a ordem internacional64, nem com a ideia de uma globalização 65.
Essa sociedade mundial vem-se tornando cada vez mais complexa, pois diversas
racionalidades se formaram ao redor do globo, todas com pretensão de universalizarem-se, o que
nos levou à obra de Neves, que descreveu essa sociedade como uma sociedade multicêntrica, “na
medida em que toda diferença torna-se o ‘centro do mundo’66”. Entretanto, o autor também
observa que essas diferenças, mesmo que notáveis, não devem significar um isolamento
cognitivo perante seu entorno.
Diante do exposto, demonstra-se que ocorre um entrelaçamento entre essas ordens
estatais, internacionais, supranacionais, transnacionais e locais no âmbito de um sistema jurídico
mundial de níveis múltiplos, a partir do qual descreve o que denominou de
transconstitucionalismo na sociedade mundial67.
Para que se desenvolva esse entrelaçamento, Neves observa a existência de pontes de
transição, que nada mais são do que a construção de vínculos de aprendizagem e de influências
recíprocas entre as diversas ordens jurídicas, os quais são imprescindíveis para a sobrevivência
dessa sociedade multicêntrica mundial “formada de uma pluralidade de esferas de comunicação
com pretensão de autonomia e conflitantes entre sí68”.
O que ele quer dizer é que a relação entre essas diversas ordens jurídicas não deve mais
ser vista como uma relação de subordinação ou de hierarquia vertical, mas deve haver um
intercâmbio em que todos possam enriquecer-se, compartilhando as perspectivas alheias e, com
isso, solucionem os problemas jurídicos constitucionais relacionados ao respeito e à
concretização de direitos humanos e de direitos fundamentais.

64
Conforme Neves, a ordem internacional restringe-se às relações entre os Estados, sendo assim, é apenas uma das
dimensões dessa sociedade mundial. (NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora Matins
Fontes, 2009. p. 27.).
65
Neves observa que se deve considerar a globalização como o resultado da intensificação dessa sociedade mundial.
(NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 27.).
66
Idem, p. 23.
67
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, con especial referencia a la experiencia latino-americana.
Disponível em: <http:www.juridicas.unam.mx>. Acesso em 22.05.12. p. 733.
68
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 34.
33

Obtém-se, assim, soluções mais apropriadas para os problemas transnacionais, de forma


que os casos comuns às mais diversas ordens jurídicas, sejam estatais ou não estatais, possam ser
enfrentados conjuntamente69.
Será através dessas interpenetrações que se estará construindo o que Neves denomina de
uma racionalidade transversal, em que se respeita a pluralidade de perspectivas da sociedade
mundial. É uma espécie de razão moral que “perpassa transversal e fragmentariamente as
diversas racionalidades particulares e ordena que se olhe adiante, que alternativas e dissensos
sejam incluídos e que se reflita sobre sua relação [...] um consenso sobre o dissenso70”.
Essa forma de Estado aberto e internacionalmente cooperante, no plano externo, também
vai ao encontro do constitucionalismo reflexivo defendido por Canotilho, para quem o
constitucionalismo não pode mais ser tido como fechado em si próprio, alheio aos processos de
abertura do Direito Constitucional ao Direito Internacional e, portanto, aos direitos humanos
supranacionais:

O Poder Constituinte soberano criador de Constituições está hoje longe de ser um


sistema autônomo que gravita em torno unicamente da soberania do Estado. Neste
sentido, a abertura ao Direito Internacional exige a observância de princípios
materiais de politica e de direito internacional tendencialmente informador do Direito
interno71.

Sabe-se que o direito encontra sua autofundamentação na Constituição. Sendo assim, ela
é a instância que “estrutura a abertura cognitiva do sistema jurídico, delimitando-lhe a
capacidade de aprendizado e reciclagem72”. Sob esse aspecto, é interessante observar que a
alteração da Carta Constitucional, promovida pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de
dezembro de 2004, estabeleceu um grande retrocesso, ao fixar, no artigo 5º, parágrafo 3º, a
existência de paridade entre a lei infraconstitucional e os tratados internacionais de direitos
humanos, quando não incorporados pelo quorum qualificado exigido para a aprovação de
Emendas Constitucionais 73.
Destarte, a Constituição de um Estado Socioambiental de Direito, materialmente aberto,
deve favorecer e proporcionar uma expressiva capacidade de aprendizagem da experiência

69
Cf. VIVIANI. Maury Roberto. Direitos humanos e constituição: interações normativas e a perspectiva do
transconstitucionalismo. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense, Florianópolis: Procuradoria-Geral
de Justiça de Santa Catarina, v. 7, n. 6, p. 43-70, jan./jun. 2010. p. 60.
70
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 48.
71
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ed. Coimbra: Edições
Almedina, 2003. p. 1218.
72
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 60.
73
Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2010. p. 769.
34

jurídica nacional74, mas uma Constituição dotada de uma racionalidade transversal não deve
limitar-se a uma conexão estrutural entre os sistemas, ela pressupõe que a política e o direito se
vinculem construtivamente nesse plano reflexivo.
Não é por outra razão que Ayala afirma:

Um projeto político ecologicamente sensível deve ser um projeto moralmente e


materialmente aberto para o fim de contemplar projetos de vida diferenciados,
necessidades plurais e a integração de experiências externas que permitam contribuir
para o aperfeiçoamento dos níveis de proteção normativa que viabilizem a elevação
dos níveis de qualidade de vida e, portanto, dos padrões existenciais disponíveis75.

Os tribunais constitucionais também atuam como pontes de transição entre essas


racionalidades diversas, pois, conforme assevera Neves, “atuam como fiscalizadores da
legitimidade das passagens nos dois sentidos dessa ‘ponte’ servindo à realização da
racionalidade transversal nos casos constitucionais 76”. Sob essa ótica, não se pode desconsiderar
também a existência de tribunais supranacionais, como a Corte Interamericana de Direitos
Humanos e sua força no âmbito dos Estados envolvidos.
Como se vê, essa análise não deve cingir-se à forma de Estado. É inegável que funções
até pouco tempo realizadas por entidades estatais territorialmente delimitadas têm sido abertas
para uma pluralidade de órgãos, com força e autoridade no âmbito internacional. Temos assim
assistido à emergência de ordens jurídicas internacionais, transnacionais 77 e supranacionais78,
bem como de seus respectivos tribunais.
Nesse sentido, deve-se também estabelecer uma “conversação79” entre essas cortes, nos
mais variados níveis, que possibilite o aprendizado entre os tribunais e intercâmbios
permanentes, sempre visando ao entrelaçamento dessas ordens jurídicas, o que Neves chama de
“fertilização constitucional cruzada”, pois se trata de:

[...] uma “conversação constitucional”, que é incompatível com um “constitucional


diktat” de uma ordem em relação a outra. Ou seja, não cabe falar de uma estrutura

74
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 18.
75
AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio de sustentabilidade, p. 121.
76
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 77.
77
Conforme Neves, ordens jurídicas transnacionais são construídas por atores ou organizações privadas ou quase
públicas, como empresas multinacionais ou organizações não governamentais que atuam globalmente. (NEVES,
Marcelo. Transconstitucionalismo, con especial referencia a la experiencia latino-americana, p. 726.).
78
Segundo Neves, se restringirmos o conceito jurídico de supranacionalidade para uma organização fundada em
tratado que atribui, para os seus próprios órgãos, competências de natureza legislativa, administrativa e jurisdicional
abrangente no âmbito pessoal, material, territorial e temporal da validade, com força vinculante direta para os
cidadãos e órgãos e dos Estados-membros, poderemos afirmar que a União Europeia constitui a única experiência
de supranacionalismo. (NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 723.).
79
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 117.
35

hierárquica entre ordens: a incorporação recíproca de conteúdos implica uma releitura


de sentido à luz da ordem receptora80.

Portanto, o êxito e a viabilidade do projeto político de futuro definido pela Constituição,


de um Estado Socioambiental de Direito, irá depender da sua capacidade de comunicação e de
aprendizado das experiências jurídicas nacionais com outras experiências externas, em especial,
com os princípios internacionais voltados à preservação do meio ambiente.
Sob esse aspecto, o maior desafio, encontra-se justamente na compreensão da incidência
desses princípios sobre os modelos de tipificação que foram oferecidos pelo legislador
infraconstitucional para a tutela penal do meio ambiente, e de como eles poderão ser
compatibilizados com os princípios que consagram garantias individuais e que orientam todo o
sistema de proteção penal, que será o objeto de apreciação no próximo capítulo.

80
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 118.
36

CAPÍTULO 2

MEIO AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO JURÍDICO-PENAL

2.1. A TUTELA PENAL AMBIENTAL NO BRASIL

No Brasil, a tutela do meio ambiente no âmbito penal propriamente dito surge com a lei
n.º 3.311, de 15.10.1886, que criminalizou o incêndio, que migrou em 1890 para o Código Penal
dos Estados Unidos do Brasil, em seu Título III “Dos Crimes Contra a Tranquillidade Publica 81”,
que o trata em seu primeiro capítulo, sob a rubrica “Do incêndio e outros crimes de perigo
commum82”.
Freitas observa que foi o Código Florestal de 193483 que deu novo tratamento ao assunto
e dividiu as infrações em crimes e contravenções 84, desencadeando uma sequência legislativa:
em 1943, foi aprovado o Código de Caça 85, o qual também continha dispositivos penais em seu
bojo, assim como o novo Código Florestal de 196586, a Lei de Proteção à Fauna, de 196787 e o
chamado Código de Pesca de 196788.
Mas foi com a lei n.º 7.653, de 12.02.1988, que se deu um tratamento mais rigoroso ao
tema, criando novas figuras criminosas, em especial as condutas relacionadas à pesca, e
elevando à categoria de crime as condutas que antes eram consideradas meras contravenções
penais.
A chamada Lei de Proteção à Fauna acabou por gerar grande polêmica naquela época,
principalmente pelo fato de estabelecer, em seu artigo 34, que: “os crimes previstos nesta Lei são
inafiançáveis 89”.

81
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Editora Jalovi, 1980. p.
283.
82
Idem.
83
BRASIL, Presidência da República. Decreto nº 23.793, de 23.01.34. Aprova o código florestal. Brasília: Diário
Oficial dos Estados Unidos do Brasil de 21.03.35. Foi o primeiro código florestal brasileiro.
84
Cf. FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 23.
85
BRASIL, Presidência da República. Decreto-lei nº 5.894, de 20.10.43. Aprova o código de caça. Brasília: Diário
Oficial da União de 23.10.43.
86
BRASIL, Presidência da República. Lei nº 4.771, de 15.09.65. Institui o novo código florestal. Brasília: Diário
Oficial da União de 16.09.65.
87
BRASIL, Presidência da República. Lei nº 5.197, de 03.01.67. Dispõe sobre a proteção à fauna. Brasília: Diário
Oficial da União de 05.01.67.
88
BRASIL, Presidência da República. Decreto-lei nº 221, de 28.02.67. Dispões sobre a proteção e estímulos à
pesca. Brasília: Diário Oficial da União de 28.02.67.
89
OLIVEIRA, Juarez de (Org.). Código Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1997. p. 264.
37

Finalmente, em 12.02.1998, inobstante a crítica de Prado90, o legislador brasileiro desfez


a colcha de retalhos antes existente e sistematizou a tutela penal do ambiente em um único
diploma legislativo, a lei n.º 9.605.
Fruto de mais de um século de evolução legislativa na tutela do meio ambiente e
espelhando um processo global de mudanças 91, a Lei dos Crimes Ambientais, menos limitada
pelos princípios que orientam o Direito Penal clássico, trouxe em seu bojo consideráveis
inovações, que vão desde a possibilidade de se responsabilizar criminalmente entes coletivos
pelos atos praticados, o abandono dos tipos penais fechados, que descreviam as condutas ilícitas
de maneira precisa, até a antecipação da tutela possibilitada pelo emprego em grande escala dos
crimes de perigo abstrato92.
Logo se tornou alvo de uma profunda polêmica, que envolve a necessidade ou não de se
modernizar 93 o Direito Penal clássico, e esse assunto, que vem sendo debatido há mais de quinze
anos na Alemanha e há algum tempo em Portugal e Espanha, aqui entre nós ainda não é debatido
como se requer94.
Esse debate agrupa, de um lado, aqueles que pertencem à chamada Escola de Frankfurt95,
que, fulcrados em Hassemer, seu maior expoente, constatam o incremento notável de figuras
delitivas introduzidas pelas novas leis penais extravagantes e pelas modificações nas legislações
já existentes, ampliando o âmbito de atuação de alguns tipos penais tradicionais, estendendo,
assim, a intervenção penal a condutas que, pelo sistema tradicional, estariam isentas de
punição96.
Em face desse movimento de expansão do Direito Penal, advogam que ele tem sido

90
Prado afirma que “deploravelmente, a matéria não foi incorporada ao Código Penal”, defende assim, que a tutela
de um bem jurídico tão essencial como o meio ambiente deveria ser integrada a esse diploma legislativo. (PRADO,
Luiz Regis. Direito penal do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 88.).
91
Cf. FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de, op. cit., p. 23-25.
92
Cf. MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Lei de crimes ambientais precisa evoluir. Disponível em: <www.
conjur.com.br/2009-ago-19/41-crimes-ambientais-nao-pune-todos-tipos-infração>. Acesso em 17.04.12. p.1.
93
Martin nos esclarece que, o adjetivo moderno surge, justamente, quando se considera indispensável marcar
diferenças substanciais entre o ontem e o hoje, de modo que, o fato de ser necessário sublinhar o presente com um
vocábulo novo, implica que o mesmo é visto como algo absolutamente distinto do anterior, que adquiri com isso a
conotação de algo já superado, daí que o aparecimento desse neologismo importa a consciência de uma ruptura com
a continuidade histórica. (Cf. MARTIN, Luis Gracia. Prolegômenos para a luta pela modernização e expansão
do direito penal e para a crítica do discurso de resistência. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005. p.
37.).
94
Cf. MARTIN, Luis Gracia. op. cit., p. 11.
95
Segundo Dias, essa denominação foi atribuída por Schünemann aos autores que trabalham nessa linha de
pensamento, muitos deles, discípulos de Hassemer, professor da Direito Penal da Universidade de Frankfurt, na
Alemanha, que manteve por vários anos um Seminário com contexto inspirado em seu trabalho, onde propugna por
um direito penal que se reserve ao seu âmbito clássico de tutela (os direitos fundamentais do indivíduo). (DIAS,
Jorge de Figueiredo. Direito Penal: parte geral. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 137.).
96
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, El medio ambiente em la crisis del Estado Social: su protección penal
simbólica. Granada: Editorial Comares, 2006. p. 148.
38

utilizado como a única esperança de controle de um número cada vez maior e mais complexo de
comportamentos e que sua aparente eficiência nesse controle tem sido frustrada, restando apenas
uma simbologia proibitiva. Diante disto, propõem um regresso ao Direito Penal clássico, que
deve assegurar e proteger apenas os elementos pessoais, o núcleo básico de direitos individuais,
pautando-se pelos limites impostos pelos tradicionais princípios do Direito Penal97.
Do lado oposto, encontram-se aqueles que, como Stratenwerth, Schünemann e Martin,
compreendem esse movimento de expansão como consequência dos problemas ecológico-
ambientais decorrentes do desenvolvimento e do progresso científico e tecnológico, industrial e
econômico, na sociedade moderna, e defendem a modernização do Direito Penal98.
Deve-se atentar para o fato de que o Direito Penal não é desinteressado. Bottini já adverte
que, sob a ótica do funcionalismo, a legitimidade do sistema penal não decorre de sua vinculação
a este ou àquele modo de organização política, mas de sua capacidade de preservar o
funcionamento de um corpo social, de forma que não se consegue compreender a real força
motriz da alteração dos instrumentos penais sem uma conexão com a evolução do “modelo de
sociedade em que se desenvolve e se aplica o sistema penal, pois este é derivado e depende
daquele para manter sua legitimidade” 99.
O Estado Socioambiental de Direito não poderá furtar-se a enfrentar essas novas
realidades delitivas, mas, admitindo-se que o Direito Penal tradicional se encontra em déficit de
eficiência para o enfrentamento desses novos problemas, esse Estado deverá estar aberto à
produção normativa diante dessas novas necessidades, oferecendo a esses novos problemas
ecológicos respostas jurídicas diferenciadas.

2.1.1. A Fundamentação Constitucional

Conforme já se viu no capítulo anterior, foi em Estocolmo, na Suécia, que se realizou a


maior e mais decisiva conferência sobre o meio ambiente, e os princípios ali consagrados
acabaram influenciando o Direito em todo o mundo. As novas constituições que entraram em
vigor revelaram sempre a preocupação com uma legislação ambiental moderna e,
particularmente no Brasil, não poderia ser diferente, a Constituição Federal de 1.988 avançou de
forma significativa, no sentido de dar proteção ao meio ambiente. Pela primeira vez na história
brasileira, o texto constitucional elevou a tutela ambiental à categoria de direito fundamental de

97
Cf. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 99.
98
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 152.
99
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 106.
39

todo cidadão, dedicando a ela ainda uma epígrafe própria, dentro do título da ordem social.
A matéria que anteriormente vinha sendo tratada em normas infraconstitucionais passou
a ser orientada de forma precisa e atualizada em seu artigo 225, o qual disciplinou o assunto,
consignando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
A nossa carta constitucional traçou ainda as regras a serem obedecidas pelo poder
público, no § 1º do citado artigo 225, a fim de assegurar a efetividade de tais direitos, e deixou
expresso, no § 3º, que os infratores das normas de proteção ao meio ambiente, sejam pessoas
físicas ou jurídicas, estarão sujeitos às sanções penais, civis e administrativas.
Como já se pode perceber, a Constituição não é apenas fonte de limitação do poder
constituído, como também o é de legitimação, instituindo competências em matérias legislativas
e jurisdicionais, limitando a atuação de poderes e órgãos envolvidos nessa relação, e inclusive
impondo a criminalização de determinadas condutas, pois não há dúvida de que, por meio da
Constituição, se consolidam normativamente os valores imperantes em um determinado
momento na sociedade100.
Esclarece Feldens que:

Diversas Constituições do mundo ocidental, notadamente aquelas que erguidas no


segundo pós-guerra, albergam obrigações (mandados) de penalizar.
A Constituição do Brasil (1988) aderiu a essa metodologia, agregando ao texto
constitucional algumas cláusulas que tomam por impor ao legislador a edificação de
tipos penais que se disponham a coibir determinadas condutas. Em menor intensidade,
igualmente despontam mandados de penalização nas Constituições da Espanha, Itália,
França e Alemanha101. (grifo nosso)

Ora, em conformidade com os ensinamentos de Feldens102, conclui-se que essas


imposições constitucionais de criminalização poderão dar-se de forma expressa ou mesmo
implícita, no caso do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, se está diante de um mandado
constitucional expresso de penalização, o qual não define a conduta incriminada, tampouco a ela
estabelece uma sanção, mas tão somente indica a conduta a ser incriminada, criando a obrigação
de caráter positivo dirigida ao legislador, para que edifique a norma incriminadora, ou, se já a
fez, que dela não se desfaça103.
Diante do mandado de criminalização em comento, exsurge um mandado de
proporcionalidade, o qual se predispõe a um controle de constitucionalidade, proibindo a

100
Cf. FELDENS, Luciano. A constituição penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 38.
101
FELDENS, Luciano, op. cit., p. 80.
102
Ibidem, p. 84.
103
Ibidem, p. 74.
40

proteção deficiente, indesejável a um direito reconhecido como fundamental, assim como em sua
dupla concepção, também proíbe o excesso, visando estabelecer uma coerência normativa no
sistema de proteção jurídico-penal104.
É sob esse enfoque que o legislador brasileiro promulgou a lei n.º 9.605/98, também
conhecida como Lei dos Crimes Ambientais.

2.1.2. O tratamento infraconstitucional

Com o reconhecimento constitucional do meio ambiente como um bem jurídico,


supraindividual e digno da tutela penal, restou ao legislador infraconstitucional delimitá-lo,
precisando seu conteúdo.
Diante da dificuldade em discernir um conceito de meio ambiente, com a exatidão e o
rigor que as categorias jurídicas exigem, o legislador definiu o meio ambiente de forma bastante
ampla, não o restringindo apenas à conservação dos recursos naturais e optando, assim, por um
conceito estrutural, que se desdobra em cada um dos elementos que o compõem: a fauna, a flora,
o ar, a água, o solo, o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.
Ramos assevera que, na época da promulgação da carta constitucional de 1.988, o
sistema jurídico-ambiental pátrio era composto por uma legislação que se poderia considerar até
avançada no âmbito civil. Ao contrário, no aspecto penal e administrativo havia falta de
sistematização e de eficácia em sua aplicação 105.
Conforme se viu, a crise de sistematização já se evidenciava pela grande quantidade de
leis esparsas existentes, o que dificultava a divisão de competências e o entendimento dos
procedimentos aplicáveis à apuração dos diversos ilícitos. Na tentativa de superar a tal crise e
procurando corrigir alguns excessos cometidos pelo legislador em leis anteriores, é que se
sistematizou a legislação penal ambiental existente, a qual, ainda segundo Ramos, tentou
aproximar as duas faces do Direito Ambiental sancionador, que são a administrativa e a penal.
Assim, atendendo ao já mencionado comando constitucional, a lei 9.605/98 foi
estruturada da seguinte forma, conforme Ramos:

I - Disposições Gerais: regulamenta o artigo 225, § 3º da CF/88, consagrando,


inclusive, o tríplice aspecto da responsabilidade ambiental - civil, penal e
administrativa - atribuindo-a a pessoas físicas e jurídicas, individualmente ou em co-

104
FELDENS, Luciano, op. cit., p. 24.
105
Cf. RAMOS, Érika Pires. Direito Ambiental sancionador: conexões entre as responsabilidades penal e
administrativa. In: KRELL, Adreas Joachim (Org.). A aplicação do Direito Ambiental no Estado Federativo. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. p. 101.
41

autoria;
II - Da aplicação da pena: trata das espécies de pena aplicáveis às pessoas
físicas e jurídicas (tendo em vista as peculiaridades destas últimas, que não suportam
qualquer tipo de penalidade), bem como das condições e requisitos para aplicação em
maior ou menor intensidade;
III – Da apreensão do produto ou instrumento da infração administrativa ou de
crime: dispõe sobre a destinação dos produtos e instrumentos acaso resultantes da
infração ou do crime cometido;
IV – Da ação e do processo penal: ação penal pública e incondicionada como o
meio processual necessário à imposição das penalidades previstas nesta lei e a
aplicação da Lei n.º 9.099/95 aos crimes ambientais de menor potencial ofensivo. O
instituto da suspensão do processo previsto no art. 89 da referida lei apresenta algumas
modificações em se tratando da pratica de crime ambiental;
V – Dos crimes contra o meio ambiente: tipifica as condutas lesivas106,
considerando o ambiente como bem jurídico em seus elementos componentes: fauna,
flora, ar, água, e solo (quando trata da poluição e outros crimes ambientais);
ordenamento urbano e patrimônio cultural. Os crimes contra a Administração
Ambiental são aqueles praticados por funcionário público ou pelo particular em
detrimento da atuação da administração no exercício das ações fiscalizadoras das
atividades que envolvem o meio ambiente;
VI – Da infração administrativa: este capítulo da Lei n.º 9.605/98 dispõe
genericamente acerca da infração administrativa, com breve referência sobre o seu
conceito, o processo administrativo de apuração de infração ambiental dessa natureza e
as sanções aplicáveis [...];
VII – Da cooperação internacional para a preservação do meio ambiente: trata
da reciprocidade da cooperação entre os Estados, necessária para a solução das
questões ambientais [...];
VIII – Disposições finais: aplicação subsidiária do Código Penal e do Código de
Processo Penal. Previsão expressa de regulamentação107.

Como se vê, esse diploma legal representou um importante avanço em relação às


legislações antecessoras, seguindo tendências inovadoras no Direito Penal e buscando atuar de
forma preventiva em face do meio ambiente. Utilizou-se de modernas técnicas legislativas para
elaboração de suas construções típicas, como os tipos penais de perigo abstrato, as normas
penais em branco, os tipos penais abertos e a possibilidade de responsabilização criminal da
pessoa jurídica, as quais exigiram certa flexibilização de garantias do Direito Penal tradicional.
Em contrapartida, foram adotadas penas mais brandas, com o incremento da possível suspensão
condicional do processo, acreditando, assim, na eficácia destas para reprimir as condutas lesivas
ao meio ambiente, principalmente no tocante ao aspecto de atuarem como estímulos negativos,
mas sempre procurando atender às peculiaridades e aos objetivos perseguidos pelo Direito
Ambiental, entre os quais destacam-se a proteção das gerações futuras, a prevenção e a
precaução, assim como o desenvolvimento sustentável, conforme se observará no próximo título.

106
Deve-se observar que a Lei n.º 9.605/98 não revogou por completo, mas em grande parte, a legislação esparsa
existente.
107
RAMOS, Érika Pires, op. cit., p. 103.
42

2.2. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À TUTELA PENAL AMBIENTAL

Os argumentos favoráveis ao emprego do Direito Penal como instrumento de proteção


ambiental surgiram em resposta às teorias que propõem o regresso a um Direito Penal clássico,
as quais ganharam significado com a demonstração da ineficácia do Direito Penal ambiental,
segundo destaca Epifanio:

A partir dos anos 90, a “ineficácia”, ou mais propiamente a sua “ineficiência” no


sentido de ausencia de virtudes e qualidades para lograr resultados, tem levado o
Direito Penal ambiental, como se já tem dito, a ser declarado como pertencente a
relação de assuntos mais discutidos na doutrina penal108.

Autores, como Stratenwerth, Schünemann e Martin apregoam que a evolução do Estado


Liberal de Direito rumo ao Estado Social de Direito é que legitima e limita essa expansão de
modo necessário à modernização do Direito Penal, pois não existe um núcleo básico que possa
ser válido para todas as épocas, partindo-se da premissa de que o Direito é um produto da
própria evolução social.
Assim, por causa dessa transformação total de todas as condições sociais, também as
garantias do Estado de Direito teriam que ser concebidas de um modo novo.
Nesse sentido, Stratenwerth proclamou a função irrenunciável que cabe ao Direito Penal
na tutela das gerações futuras. Dessa forma, o autor propôs seu afastamento do Direito Penal
tradicional, arraigado a bens jurídicos com referentes individuais, defendendo para tanto a
construção de uma nova dogmática penal, que assuma a posição de enfrentamento antecipado e
preventivo das situações de possível perigo, afastando-se, assim, do Direito Penal do resultado
lesivo para se tornar um direito penal do comportamento109.
Schünemann, por sua vez, denuncia que a defesa do meio ambiente se constitui em um
desafio improrrogável para o Direito Penal, que, por sua transcendência e importância, a ele
atribui e “com razão ao caráter de segundo bem jurídico mais importante depois da existência e

108
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., 2006, p. 63. [Tradução nossa] Lê-se no original: “A partir de los años
90, la ‘ineficacia’, o quizá más propiamente ‘ineficiencia’ em el sentido de ausencia de virtud y facultad para lograr
un efecto, del Derecho penal ambiental es, como se há dicho ya, declarada perteneciente al catálogo de tópicos de la
doctrina penal”.
109
Cf. STRATENWERTH, Günter. Derecho Penal – Parte General I – El hecho punible. Tradução: Manuel Cancio
Meliá. Madrid: Editorial Civitas, 2005. p. 56-61.
43

da preservação do homo sapiens110”, constatando que é o setor no qual se desenvolve de forma


mais intensa a polêmica atual sobre a modernização do Direito Penal.
O autor destaca, entre outras coisas, que o Direito Penal clássico não era tão perfeito
como agora se pretende dar a entender e que se origina de um Direito Penal classista, baseado
em um conceito atávico de delinqüência, que exclui condutas de grande relevância social, como
as agressões ambientais111.
Nesse sentido, Martin lhe faz coro, pois rebate os argumentos de regresso a um Direito
Penal clássico, após uma profunda reflexão histórica em que revela o Direito Penal liberal como
um produto do conceito de propriedade burguesa, demonstrando que suas garantias liberais e a
definição de criminalidade não foram neutras com relação às classes sociais, e, nesse sentido,
proclama que:

O Direito penal moderno constitui precisamente a condição de possibilidade dessa


revolução que deverá conduzir à constituição de uma disciplina científica que tenha
como objeto formal a totalidade da criminalidade material da sociedade, ou seja,
também a criminalidade característica das camadas sociais poderosas – especialmente
no âmbito econômico -, e não só, como vem acontecendo até hoje, aquela associada às
camadas sociais mais baixas e excluídas materialmente da posse e da fruição de um
bom número de bens jurídicos que o Direito penal liberal protegeu – e de fato protege
– apenas frente a comportamentos dessas classes sociais112.

Assim, ele propõe uma cisão com o sistema repressivo liberal e garantista, cujos
institutos gerais estão obsoletos e são ineficazes para fazer frente aos desafios propostos pela
nova sociedade, como a globalização, as agressões ao meio ambiente, a utilização de redes
logísticas em fraudes gigantescas e a criminalidade empresarial, entre tantos outros. Martin
afirma que tais institutos foram forjados justamente pela classe responsável por tais práticas. E
conclui que é preciso construir um novo Direito Penal, com base no critério reitor de que “seus
conteúdos devam estar constituídos em sua maior parte pelos comportamentos criminosos da
classe poderosa e para a defesa das demais classes sociais frente a semelhante criminalidade 113”.
Em termos estritamente ambientais, algumas dessas propostas se orientam também para o
aperfeiçoamento de algumas figuras dogmáticas e suas fórmulas técnico-legislativas, nas quais a
ideia de prevenção ante os riscos da moderna sociedade industrializada são argumentos

110
Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Sobre la dogmática y la política criminal del Derecho penal del medio ambiente. In:
SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanenes del Derecho penal después del milênio. Madrid:
Editorial Tecnos, 2002. p. 203.
111
SCHÜNEMANN, Bernd. Del Derecho penal de la clase baja al Derecho penal da la clase alta: Un cambio de
paradigma como exigencia moral. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanenes del Derecho penal
después del milênio. Madrid: Editorial Tecnos, 2002. p. 49.
112
MARTIN, Luis Gracia. op. cit., p. 114.
113
Ibidem, p. 149.
44

recorrentes, gerando o chamado Direito Penal da precaução.


Em face desses instrumentos que antecipam as barreiras de proteção, é interessante o
pensamento de Kindhäuser, que afirma não haver melhor precaução que a prevenção ao delito,
se o que queremos é evitar que o dano efetivamente se produza. Em seu entendimento, estão
corretas as novas tendências político-criminais, pois permitem superar a retrógrada vingança
postulada pelo princípio da lesividade no Direito Penal clássico. Defende, assim, que o Direito
Penal deve adotar novas ferramentas técnicas, ou, ao menos, desenvolver as ferramentas
dogmáticas e processuais já existentes, pois, na tutela do meio ambiente, o Direito Penal não
pode esperar a consumação do resultado danoso114.
Muito embora a opinião existente em favor dessa modernização 115 do Direito Penal seja
majoritária, Epifanio adverte para um problema: “a questão é como e até onde se pode, e deve,
produzir-se essa renovação”116.

2.2.1. Os Novos Parâmetros de definição do risco, segundo Ulrich Bech

A compreensão dos elementos dogmáticos desenvolvidos nesse processo de


modernização do Direito Penal demanda do jurista mais do que uma simples análise técnica,
demanda um estudo da origem desses conceitos e dos interesses que contemplam, assim como
da funcionalidade que apresentam nesse contexto social em que são produzidos e reproduzidos.
Como o modelo de organização social encontra-se estruturado sobre um modelo de
produção econômica, é preciso compreender o avanço das forças produtivas das sociedades
industriais do século XX, que caracterizam o novo perfil do capitalismo.
Para tanto, busca-se auxílio na obra do sociólogo alemão Beck117, o qual analisou
sistematicamente os fenômenos emanados dessa nova sociedade mundial, que o conduziram a
desenvolver uma nova concepção para a sociedade contemporânea, que ele denominou de
sociedade mundial do risco.
Beck percebe que o complexo estágio de desenvolvimento da sociedade contemporânea
possui como marca uma dinâmica de poder baseada na inovação tecnológica e no
desenvolvimento econômico gerado pela industrialização. Esse processo de radicalização do

114
Cf. KINDHÄUSER, Urs. Derecho penal de la culpabilidad y conducta peligrosa. Tradução: Claudia López
Días. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1996. p. 12-13.
115
Consultar nota 92.
116
SAN EPIFANIO, Leire Escajero, op. cit., p. 154. [Tradução nossa] Lê-se no original: “la cuestión está em cómo
y hasta dóne puede y debe producirse esta renovación”.
117
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro, Daniel Jimenez e
Maria Rosa Borras. Barcelona: Paidós. 2008.
45

capitalismo traz consigo um grande número de ameaças, algumas das quais invisíveis e
incognoscíveis. De conseguinte, enquanto a sociedade moderna absorvia os ganhos oriundos
desses processos de desenvolvimento e, assim, neles aplicava todas as técnicas possíveis para
seu crescimento, paradoxalmente, não enxergava os riscos de concreção dos efeitos colaterais
que estes mesmos processos fabricavam.
Assim surge essa noção de risco, que tem sua origem na modernidade e se transforma em
um elemento central na organização social:

[...] o risco é um conceito que tem sua origem na modernidade, dissociando-se de uma
dimensão de justificação mítica e tradicional da realidade, relacionada com a
verificação de contingências, eventos naturais e catástrofes, atribuídos a causas
naturais e à intervenção divina, para se aproximar de uma dimensão que seleciona
como objetos as consequências e os resultados de decisões humanas (justificadas,
portanto, racionalmente), e que se encontram associadas ao processo civilizacional, à
inovação tecnológica e ao desenvolvimento econômico gerados pela
industrialização118.

Diferencia dessa forma riscos de perigos, ficando aqueles condicionados diretamente à


atividade humana, como um adjetivo que se coloca ao agir humano que conduz a possibilidade,
ainda que latente, de ocorrência de um dano. A esse respeito, Bottini adverte que a origem do
termo não é precisa, mas provavelmente provém de um termo árabe, utilizado pelos espanhóis
nas grandes navegações, que significa “correr para o perigo ou ir contra a rocha 119”.
O sociólogo alemão, ao iniciar sua obra, lança mão do acidente na usina nuclear de
Chernobyl, para demonstrar sua teoria de que o processo de desenvolvimento tecnológico trouxe
consigo esses riscos, capazes inclusive de colocar em xeque a existência humana sobre a terra120.
A esse exemplo, outros podem facilmente ser associados, como a degradação da camada de
ozônio, o efeito estufa, as alterações climáticas ou a perda de biodiversidade.
Ele anuncia pretender desvendar um futuro, o qual já se pode vislumbrar, pois, assim
como:

[...] no século XIX a modernização dissolveu a esclerosada sociedade agrária


estamental e, ao depurá-la, extraiu a imagen estrutural da sociedade industrial, hoje a
modernização dissolve os contornos da sociedade industrial e, na continuidade da
modernidade, surge uma outra configuração social121.

118
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 12.
119
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 29.
120
Cf. BECK, Ulrich, op. cit., p. 11.
121
BECK, Ulrich, op. cit., p. 16. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] en el siglo XIX la modernización disolvió
la sociedad agraria anquilosada estamentalmente y elaboró la imagem estructural de la sociedad industrial, la
modernización disuelve hoy los contornos de la sociedad industrial, y en la continuidad de la modernidad surge otra
figura social.”
46

Dessa forma, efetua a distinção da modernidade em dois grandes períodos. No


primeiro, denominado de primeira modernidade ou modernidade simples, o homem subjugou a
natureza, transformando-a por meio de um processo tecnológico-industrial e de sua
comercialização, substituiu padrões de justificação tradicionais associados à religião e o destino
por novos padrões, baseados, então, na segurança de uma nova racionalidade científico-
industrial122.
No segundo período, denominado de modernidade reflexiva, a sociedade, voltando-se às
bases paradigmáticas da primeira modernidade, constata que os mesmos processos de
desenvolvimento que produziram a sua riqueza, também produziram ameaças que agora
questionam as próprias bases dessa sociedade industrial e tecnológica. O ingresso nesse segundo
momento da modernidade representa um retorno da incerteza 123, a partir do instante em que
deixa de ser possível prever concretamente as consequências de decisões humanas.
Assim, conforme afirmam Leite e Ayala, o ingresso na sociedade de risco começa
exatamente no momento em que as instituições não apenas produzem como também legitimam
os perigos que já não podem controlar, justificando-os e ocultando informações, acabam por
converter o mundo em um grande laboratório124.
Trata-se de uma civilização que ameaça a si mesma. Dessa forma, esse processo de
reflexividade, fundado na confrontação das bases paradigmáticas da modernidade com as
consequências da modernização leva a sociedade a se movimentar no sentido de evitar que se
efetivem esses efeitos colaterais, agora compreendidos, ou no dizer de Beck: “entretanto na
sociedade industrial a ‘lógica’ da produção de riquezas domina a ‘lógica’ da produção de riscos,
na sociedade de risco essa relação se inverte”125.
Isso leva a uma segunda ordem de consequências derivadas desse processo de
modernização, que é o reconhecimento social desses riscos, que passam a ser culturalmente
percebidos, debatidos, largamente difundidos, midiatizados e transpostos para a agenda político-
ambiental global.
A sociedade, reconhecendo então que tais riscos são derivados de decisões humanas,
passa a buscar sistemas capazes de gerenciar a periculosidade desses comportamentos, como a
122
Cf. BECK, Ulrich, op. cit., p. 15-22.
123
Não mais se desacredita no mundo divino oferecedor de tradições e mitos, mas se impõe a descrença coletiva do
homem em lidar de modo confiável com os objetos de sua própria produção. (Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro
Velludo. Tipicidade penal e sociedade de risco. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 94.).
124
Cf. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 17.
125
BECK, Ulrich. op. cit., p. 19. [Tradução nossa] Lê-se no original: “mientras que en la sociedad industrial la
‘lógica’ de la producción de riqueza domina a la ‘lógica’ de la producción de riesgos, em la sociedad del riesgo se
invierte esta relación.”
47

elaboração de leis que regulamentem o progresso tecnológico e científico, a preservação do meio


ambiente, os mecanismos de comando e controle e de distribuição dos riscos, assim como,
particularmente, a questão da eficiência ou ineficiência dos mecanismos atuais e a busca de
novas alternativas.

2.2.2. Características de um Direito Penal do risco

Conforme se observa no início deste capítulo, a força motriz que altera a dogmática penal
se encontra intrinsecamente ligada ao modelo de sociedade em que ela se desenvolve e se aplica,
pois sua finalidade será sempre a de preservar o funcionamento desse corpo social.
Assim, esse fenômeno de modernização do Direito Penal, que alguns preferem
denominar de Direito Penal do risco126, precisa ser compreendido em consonância com as
estruturas de organização dessa sociedade de riscos. Esse modelo de organização paradoxal que
necessita do risco para o desenvolvimento das relações econômicas e, ao mesmo tempo, refuta
esse mesmo risco e busca mecanismos de inibição de sua produção 127.
Dessa forma, os mecanismos utilizados para o controle desses riscos passam a refletir as
opções dessa sociedade em relação ao grau de tolerância destas atividades, abrindo, assim,
espaço para a aplicação do Direito Penal, mas somente em relação àquelas condutas que venham
a oferecer um maior risco aos bens e interesses eleitos por essa sociedade como fundamentais.
Amplia-se, assim, a proteção da legislação penal a bens jurídicos de titularidade coletiva ou
difusa, direcionando sua incidência a contextos cada vez mais genéricos e de difícil definição,
como é o caso do meio ambiente.
Para compreender como o Direito Penal reage em face dessas alterações paradigmáticas,
desenvolver-se-á uma necessária regressão histórica ao direito penal das ofensas individuais e
seu respectivo mundo axiológico.
Naquele período histórico, o modo de produção capitalista revolucionava o mundo e a
ideia de propriedade privada, juntamente com a vida e a liberdade, era reconhecida pela
sociedade como um direito fundamental para a manutenção das relações sociais. Assim, o
patrimônio e suas formas de transferência foram protegidos por meio da criminalização de
condutas, como a proibição do furto, do roubo, da apropriação indébita, do dano e tantas outras.

126
Cf. PRITTWITZ, Cornalius. O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo: tendências
atuais em direito penal e política criminal. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, ano 12, n. 47, p. 31-45, mar./abr. 2004, e SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da. Leis penais em branco e o
direito penal do risco: aspectos críticos e fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004.
127
Cf. BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 84.
48

Dessa forma, o Estado não só garantia aos cidadãos a inviolabilidade de seu patrimônio como
gerava a sensação de que a propriedade seria respeitada 128.
Em face desses bens jurídicos claramente definidos, como a vida, a liberdade e o
patrimônio, havia certa tranquilidade para se visualizar uma ligação, um liame, entre a conduta
humana e o resultado descrito pela lei penal. Como se vê, numa sociedade em que as relações
humanas ainda eram elementares, dotada de meios rudimentares de transporte e de precária
tecnologia, a utilização dos tipos penais de dano, concebidos na modalidade dolosa, era
plenamente satisfatória.
Entretanto, com a evolução tecnológica e o aumento da complexidade dos
comportamentos humanos, logo a clássica imputação do resultado a uma conduta humana dolosa
tornou-se insuficiente para abarcar a variabilidade de atuações humanas que se vislumbrava
evitar 129.
Prova disso é que, muito antes de se lançar mão dos chamados tipos penais de perigo
abstrato, que suscitam tanta controvérsia na doutrina, durante a revolução industrial, o manuseio
de tecnologias perigosas, porém indispensáveis para o desenvolvimento de atividades
econômicas nessa sociedade, passaram a ocasionar acidentes de trabalho. Assim, desenvolveu-se
uma série de normas e regulamentos descrevendo as medidas de cuidado necessárias para a
realização dessas atividades laborais, como as normas que regulamentam o trânsito entre os
veículos automotores130.
Entretanto, diante da imprescindibilidade social dessas atividades, a lei penal descreveu
os chamados crimes culposos, passando a criminalizar condutas humanas lícitas, realizadas
voluntariamente e que, pela inobservância de um dever objetivo de cuidado (exigível), acabaram
por resultar numa lesão não querida a um bem jurídico tutelado.
Logo os crimes culposos ganharam destaque no sistema punitivo, representando “uma
circunstância histórica da interação entre homem e máquina na vida cotidiana 131”, e, dessa
forma, passo a passo, o tipo penal seguiu sua escala evolutiva, afastando-se cada vez mais do
mandado de determinação para poder abarcar em sua descrição condutas cada vez mais
complexas, o que importa na dificuldade de se encontrar a forma adequada de criminalização;
não por outra razão, é que Netto, após uma análise da evolução do dogmatismo adstrito à
tipicidade afirma:

128
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 101.
129
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 100.
130
Ibidem, p. 101.
131
Idem.
49

As comparações das teorias de BELING, MAYER, MEZGER e WELZEL refletem, de


uma forma, como as diferentes sociedades percebem a atuação do direito penal e, em
consequência, da tipicidade. A evolução do tipo penal significa uma constante
normatização, ou, em outras palavras, uma gradativa perda de objetividade e exatidão.
Tudo isso ocorre não como simples e meras elaborações acadêmicas feitas pela
doutrina, mas decorre do próprio desenvolvimento social, o qual obriga que os
mandamentos jurídicos sigam seu grau de complexidade estabelecido pela relação de
condicionamento entre as forças produtivas e as relações sociais de produção132.

Assim, nesse novo modelo de organização social, conforme esclarecem Leite e Ayala, o
perfil dos riscos distancia-se dos riscos profissionais e empresariais do Estado nacional,
identificando-se agora a ameaças globais, supranacionais, sujeitas a uma nova dinâmica social.

Os macroperigos dessa nova sociedade caracterizam-se: a) por não encontrarem


limitações espaciais ou temporais; b) por não se submeterem a regras de causalidade e
aos sistemas de responsabilidade; e, sobretudo, c) por não ser possível sua
compensação, em face do potencial de irreversibilidade de seus efeitos, que anulam as
fórmulas de reparação pecuniária133.

Conforme se vê, medidas físicas fundamentais, como o tempo e o espaço, já não se


mostram mais capazes de descrever a relação de causalidade entre a realização de determinadas
atividades, como utilização de uma técnica inovadora na produção de alimentos, e um resultado
danoso, tornando os nexos de causalidade praticamente imperceptíveis.
É importante observar que nem mesmo quando agressões ao meio ambiente afetam bens
jurídicos individuais, como a propriedade e a integridade física das pessoas, é possível se
estabelecer vínculos causais claros.
Essas mudanças obviamente se refletem nos instrumentos de proteção, que precisam
adaptar-se às necessidades dessa sociedade moderna, a ponto de já existirem aqueles que
postulam até uma inversão no ônus da prova, ou uma atenuação do rigor da prova do nexo
causal, como meio de superar as dificuldades que se apresentam na imputação dos danos
ambientais134.
Não foram poucas as circunstâncias que propiciaram a criação de tipos penais de perigo.
A mais importante dentre elas, com certeza, é a ideia de que esperar a lesão seria atuar
demasiado tarde, principalmente nos casos em que, conforme Leite e Ayala, já não é possível
sua compensação, em face do potencial de irreversibilidade de seus efeitos, que anulam as
fórmulas de reparação pecuniária 135.

132
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 17.
133
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 18.
134
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 194.
135
Cf. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Dano ambiental: do individual ao
extrapatrimonial coletivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 51.
50

Nesse contexto, o moderno Direito Penal passou a orientar seus institutos à prevenção, à
inibição da atividade no momento que antecede a afetação do bem jurídico protegido. A relação
dessa técnica com os riscos da atualidade é evidente. Conforme salienta Bottini:

O desvalor do resultado é substituído pelo desvalor da ação, o prejuízo concreto é


substituído pela probabilidade de afetação de bens e interesses. Os tipos penais deixam
de abrigar a lesão em sua redação e direcionam seus elementos ao perigo, ao risco.
Esta formatação possibilitou o desenvolvimento das estruturas que abrigam, hoje, o
direito penal de riscos, voltado para inibição de ações arriscadas, independentemente
de suas consequencias concretas136.

Entre as novas propostas, uma alternativa interessante e ainda mais ousada seria a dos
chamados delitos acumulativos ou por acumulação. Segundo Epifanio, essa denominação foi
empregada por Kuhlen137 em 1986, para designar, no âmbito dos delitos ambientais, aqueles
casos em que a conduta tipificada nem sequer chega a representar um perigo relevante para o
bem jurídico tutelado 138.
Mendoza constata que um dos principais problemas relacionados com a degradação do
meio ambiente resulta do fato de que a maioria esmagadora das pessoas não é capaz de assimilar
a ideia de que a responsabilidade coletiva se inicia na responsabilidade individual 139.
Ora, cada pessoa pensa que os danos que causa ao meio ambiente são insignificantes,
isso quando comparado com os danos causados pelos outros tantos milhões de seres humanos.
Assim, vai-se criando uma cadeia em que a responsabilidade não existe, mas os fatores de
degradação do meio ambiente vão-se acumulando, chegando inclusive a atingir as gerações
futuras.
Surge, então, o raciocínio que nos traz aos crimes por acumulação, os quais levam em
conta que uma determinada conduta, mesmo que por si só não tenha como colocar em perigo o
equilíbrio ecológico dos sistemas naturais, caso venha também a ser realizada por outros
sujeitos, poderá levar a um somatório de resíduos que certamente acabarão por colocar em
perigo o bem jurídico tutelado 140.
Entretanto, entre as modernas técnicas legislativas empregadas pelo chamado Direito

136
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 86.
137
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 255.
138
Cf. BUERGO, Blanca Mendoza. El delito ecológico: configuración típica, estructuras y modelos de tipificación.
In: MELIÁ, Manuel Cancio. Estudios sobre la protección penal del medio ambiente en el ordenamiento
jurídico español. Granada: Editorial Comares, 2005. p. 141.
139
Idem.
140
Conforme Cruz, um claro exemplo de crimes por acumulação que podemos elencar é o tipo penal do artigo 43 da
Lei n.º 9.605/98, (excluído através de veto), que punia a queima da palha da cana-de-açúcar. (CRUZ, Ana Paula
Fernandes Nogueira. A tutela penal das queimadas. Disponível em: <http:mp.sp.gov.br/pls/portal/url/item/
10B61682A92700 65>. Acesso em: 26/05/2007. p. 6.).
51

Penal do risco, nenhuma gera polêmica maior do que a possibilidade de se responsabilizar a


pessoa jurídica.
Essa proposta nasce da conscientização de que grandes corporações não podem mais
servir de escudo para que o meio em que se vive seja degradado, impedindo, não raras vezes,
dada a complexidade de sua organização, a apuração da responsabilidade da pessoa física que
cometeu o crime141, conforme detalha Bottini:

A complexidade das relações sociais e das estruturas empresariais que lidam com a
produção de riscos impõe a reavaliação dos limites e critérios de aferição de
responsabilidade pela criação de perigos ou danos causados. Nos âmbitos complexos
de organização empresarial a caracterização da autoria enfrenta a realidade de atos
construídos por diversos agentes em diversas etapas de produção, sendo que, muitas
vezes, estes atos isolados não apresentam risco algum para os bens protegidos pelo
direito penal. A estrutura ramificada e especializada das pessoas jurídicas, a
fragmentação da produção, da intermediação e da distribuição dificultam a atribuição
de um resultado danoso ou de perigo a uma pessoa específica. A periculosidade da
atividade final decorre da soma das atividades-meio, sem que estas apresentem,
isoladamente, riscos intoleráveis 142.

A partir da “compreensão de que nas sociedades pós-industriais, sociedades de risco que


são, grande parte das condutas criminosas econômicas e ambientais são praticadas por pessoas
jurídicas, por uma questão de coerência sistêmica, torna-se necessário um certo grau de
reprovação penal destas143”, visando impedir que continuem beneficiando-se com a degradação
ambiental que causam.
Entretanto, nenhuma técnica legislativa utilizada na tipificação penal de condutas lesivas
ao meio ambiente é mais representativa do paradoxo do risco, na atual sociedade, que as
chamadas normas penais em branco.
Prado, após a ressalva de que não se trata de nenhuma novidade, como muitos apregoam,
pois sua origem remonta ao pensamento de Binding144, a define como sendo “aquela em que a
descrição da conduta punível se mostra incompleta ou lacunosa, necessitando de outro
dispositivo legal para sua integração ou complementação 145” e observa que o emprego dessa
técnica é característico da regulamentação jurídico-penal de certas matérias, por serem altamente

141
Cf. MARQUES, José Roberto. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista de Direito Ambiental. ano
6, vol. 22, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, abr/jun, 2001, p. 113.
142
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 96.
143
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supra-individual: interesses difusos. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003. p. 198.
144
Conforme o Queiroz, a criação da expressão leis penais em branco é atribuída ao jurista alemão Karl Ludwing
Lorenz Binding (nascido em 06 de abril de 1841, falecido em 07 de abril de 1920). (QUEIROZ, Paulo. Direito
penal: parte geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 114).
145
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008. p. 170.
52

condicionadas a fatores histórico-culturais, que exigem uma atividade normativa constante e


variável.
O fato que interessa é que essa técnica encontra-se intrinsecamente ligada ao fenômeno
da acessoriedade administrativa 146, pois facilita a coordenação entre as normas penais e as
disposições administrativas. Sob esse aspecto e contrariando o entendimento majoritário,
Epifanio esclarece que as remissões extrapenais não são apenas técnicas utilizadas para superar
as dificuldades de configuração típica 147, mas uma das chaves fundamentais para a compreensão
não só da tutela penal do meio ambiente como também, em boa parte, de sua crise148, porquanto
ao Direito Penal ambiental não é permitido proteger os bens ambientais de forma absoluta, assim
como o Direito Penal clássico o faz com o patrimônio, ele deve levar em consideração que os
riscos gerados em instalações, atividades e processos de produção não são apenas tolerados,
como também constituem a espinha dorsal do sistema econômico e, em alguns casos, chegam a
ser objeto de grande incentivo149.
Sob esse aspecto, a proteção ao meio ambiente é relativa, não visa propriamente à
eliminação dos riscos derivados das atividades industriais, senão apenas administrá-los, de modo
que se consiga uma convivência razoável entre esses riscos e a sociedade pós-industrial em que
vivemos150.
Dessa forma, atribuiu-se ao Direito Administrativo essa ponderação sobre quais níveis de
risco serão aceitáveis em determinadas atividades potencialmente poluidoras. Essa decisão se
manifestará por meio de atos autorizativos, como licenças, permissões e autorizações, as quais
complementarão as lacunas deixadas na norma penal, tornando possível articular essa vinculação
entre o Direito Penal e o Direito Administrativo na regulamentação do meio ambiente.
É preciso ter em vista que esse novo paradigma propõe novas formas de relacionamento
humano, entrelaçadas com tecnologias antes inimagináveis. Dessa forma, em conformidade com
a afirmação de Netto, é fácil constatar que o mundo tornou-se grande demais para submetê-lo às
limitações rígidas da criminalização fechada, e que os princípios que regem o Direito Penal
clássico transformaram-se em empecilhos a adaptabilidade das prescrições penais
desenvolvidas151, nesse contexto de luta contra a degradação ambiental do meio ambiente.
É preciso, entretanto, observar que todos esses autores falam de um processo de
modernização do Direito Penal clássico, e não de sua substituição. Trata-se de argumentos

146
Esse fenômeno será tratado com maior detalhamento no capítulo III, seção 3.2.4.
147
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 54.
148
Ibidem, p. 131.
149
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 195.
150
Ibidem, p. 191.
151
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 176.
53

propostos para a reforma de um Direito Penal que, ainda assim, deseja manter-se em um sistema
penal de tradição liberal152, cabendo à ciência jurídica o desafio de “compatibilizar a realidade
imposta de criminalização de condutas para proteger bens difusos com a mínima garantia do
cidadão em face da agressão estatal153”.
Essa reforma do Direito Penal não ocorre de forma aleatória, no que concerne a tutela
penal do ambiente ela deve se orientar através de um sistema de princípios que permitam uma
leitura ambiental clara das necessidades que devem ser satisfeitas para que a produção legislativa
seja capaz de oferecer as respostas jurídicas adequadas ao enfrentamento dessa crise ambiental,
sendo essa a temática abordada na próxima seção.

2.3. PRINCÍPIOS QUE ORIENTAM A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Os problemas ecológicos, conforme se viu no primeiro capítulo deste trabalho,


impulsionaram a reação da comunidade internacional, que teve como marco inicial a
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, que, por sua
vez, atenta à necessidade de critérios e de princípios comuns, ofereceu aos povos do mundo a
Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, composta de vinte e seis princípios,
e que formam as bases e o fundamento do discurso a um meio ambiente sadio.
Importa ainda observar que, muito embora a Declaração de Estocolmo já dispusesse, em
seu artigo 5, que: “Os recursos não renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que
não haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam
partilhadas a toda a humanidade 154”, a ideia de sustentabilidade estava por demais atenuada e
precisava ganhar maior destaque no contexto da Declaração, já que o paradigma dessa nova
sociedade não é outro, senão o desenvolvimento para a satisfação das necessidades humanas,
concomitantemente com a preservação do meio ambiente.
Essa razão de ser é que orientou a realização da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro (1992), e seu contraste com Estocolmo já
se evidenciava pela sua denominação, pois enquanto esta visava ao Meio Ambiente Humano,
aquela se referia ao Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Dessa conferência, no Rio de Janeiro, resultaram importantes documentos internacionais
relacionados à proteção do meio ambiente e em sua Declaração não se restringiu a simplesmente

152
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 36.
153
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 107.
154
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Coletânea de direito internacional, p. 1127.
54

repetir os princípios já consagrados em Estocolmo. Entre seus vinte e sete princípios surgiram
novos, como o princípio da precaução, e outros foram redefinidos, ganhando então mais força
com a conotação do conceito de desenvolvimento sustentável.
Conforme se vê, esses princípios que serão aqui expostos têm o apoio em declarações
internacionais e, com isso, ganharam força e autonomia entre nós. Diante da pretensão de se
construir um Estado Socioambiental de Direito, é inegável a relevância desses princípios, pois
deverão orientar toda a produção legislativa para que se confeccionem os instrumentos dos quais
se deverá valer o Estado no enfrentamento dessa crise ambiental.
E não é por outra razão que Leite e Ayala afirmam denominá-los com a expressão
princípios estruturantes, para que sejam identificados como os “princípios construtivos do núcleo
essencial do direito do ambiente, garantindo uma base e caracterização 155”.
Nesse sentido:

O Estado de justiça ambiental propugna por uma carta de amor à natureza, e os


princípios do “novo” Direito Ambiental, conforme já mencionado, dão base para o
operador jurídico agir, fundado em norma superior, para a consecução da proteção
ambiental156.

Por essa razão, é importante observar que esses princípios não irão se fechar em sí
mesmos, impulsionando apenas a gênese do Direito Ambiental, eles terão aplicação transversal
em todos os outros ramos do Direito, pois, em consonância com a atual ótica do ordenamento
jurídico, ele não deve mais ser visto como um todo, exemplificado pela metáfora do relógio, mas
como um sistema complexo e que não é composto de partes, mas de elementos que se
relacionam entre si157.
Pode-se falar que há uma inexorável imbricação dos princípios que orientam o sistema de
proteção ambiental com todos os ramos do Direito, obrigando, assim, outros setores jurídicos a
uma leitura ambiental de suas normas, especialmente nos campos onde ocorre a aludida
sobreposição, como é o caso da tutela penal do ambiente.
Deve-se ainda observar que, sob a ótica proposta para este estudo, não será necessário
analisar exaustivamente todos os princípios fundamentais de direito ambiental. Por essa razão, a
análise cingir-se-á apenas àqueles princípios que melhor dialogam com a proteção penal do
ambiente, os quais oferecem o balizamento necessário para que se faça uma leitura ambiental

155
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Dano ambiental, p. 50.
156
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 66.
157
Cf. AMARAL, Claudio Prado. Princípios do Direito Ambiental: a perspectiva de um Direito Penal sem
preconceitos. Disponível em: <http:www.sociologiajuridica.nt.br/numero1/158-principios-do-direito-ambiental>.
Acesso em: 26/05/2011. p. 4.
55

clara desses instrumentos jurídico-penais destinados à proteção do meio ambiente, que são: o
princípio da equidade intergeracional, do desenvolvimento sustentável, da precaução e da
prevenção e da proibição do retrocesso.
Os princípios em questão devem contribuir para que o legislador infraconstitucional
encontre o caminho adequado ao satisfatório cumprimento do Mandado Constitucional de
Criminalização, expresso no § 3º do artigo 225 da Lei Maior. Só assim se encontrará a
orientação adequada à tutela penal do ambiente em um Estado Socioambiental de Direito.

2.3.1. Principio da Equidade Intergeracional

A preocupação humana com o aumento das dificuldades que devem ser enfrentadas pelas
gerações futuras não é coisa recente, nem se circunscreve à cultura ocidental, sendo ilustrativa a
esse respeito a lição de Garcia: “Quando os índios iroqueses tomavam uma decisão diziam:
‘como isso vai afetar as sete gerações futuras?’ 158”.
Essa antiga construção lógica, no entanto, somente passou a ser associada à preservação
do meio ambiente a partir dos anos 70, quando se tomou consciência de que a degradação
ambiental desencadeada pelo desenvolvimento econômico, tecnológico e industrial vinha
comprometendo a qualidade de vida e levando os recursos naturais à escassez. A conscientização
levou à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, onde essa ideia foi
alçada a princípio internacional, oferecendo o primeiro conceito expresso de equidade
intergeracional, em seu principio 1: “O homem [...] é portador solene de obrigação de proteger e
melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras159”.
Esse reconhecimento internacional influenciou as Constituições supervenientes160, entre
as quais se encontra a carta constitucional de 1988, que, em seu artigo 225, já o consagra.
Para delimitar os contornos desse princípio da equidade intergeracional, recorre-se a
Weiss, a qual esclarece que:

158
GARCIA, Maria. Educação ambiental: do “forno a lenha” às políticas públicas do meio ambiente. D’ISEP,
Clarissa Ferreira Macedo; NERY JUNIOR, Nelson; MEDAUAR, Odete. Políticas públicas ambientais: estudos em
homenagem ao professor Michel Preieur. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009. p. 412.
159
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Coletânea de direito internacional, p. 1126.
160
Observando que a Convenção de Estocolmo, em 1972, foi o marco inicial para a alteração constitucional nesse
sentido, Miranda elenca alguns países que incorporaram a proteção ambiental em seus textos constitucionais: “as
Constituições: italiana (art. 9º); suíça (arts. 22º - quater, 24º - bis, 24º - sexies e 24º septies); a indiana (arts. 48º - A e
51ª, alínea g); a espanhola (art. 45º); a equatoriana (art. 50º); a chinesa (arts. 9º e 26º); a holandesa (art. 21º); a da
Guiné-Bissau (art. 15º); a iraniana (art. 50º); a filipina (secção 16, art. II); a brasileira (arts. 5º - LXXIII, 129-IV,
182º 183º e 225); a de S. Tomé e Príncipe (arts. 10º, alínea d, e 48º) a namibiana (art. 11º) a moçambicana (arts. 36º
e 37º); a búlgara (arts. 15º e 55º) a romena (art. 14º, nº 2, alínea e); a cabo verdiana (art. 70º); a angolana (art. 24º); a
russa (art. 58º) a alemã (art. 20º - A, aditado em 1994); a sul-africana (art. 24º).” (MIRANDA, Jorge. Manual de
direito constitucional – tomo IV – direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 533.).
56

Direitos e obrigações planetárias coexistem em cada geração. Na dimensão


intergeracional, as gerações para as quais as obrigações são divididas são as futuras
gerações enquanto que as gerações com as quais os direitos estão vinculados são as
gerações passadas. Desta forma, os direitos das futuras estão vinculados às obrigações
das presentes gerações. No contexto intergeracional, as obrigações e direitos
planetários existem entre membros da presente geração. Eles derivam do
relacionamento intergeracional que cada geração compartilha com aqueles que ainda
estão por vir. Então, obrigações inter-geracionais para conservar o planeta fluem da
geração presente para as gerações futuras como gerações e para os membros da
presente geração, que têm o direito de usar e de usufruírem o legado planetário.161

Com base nessas considerações, vê-se que Weiss inicia, referindo-se a essas
responsabilidades como sendo “planetárias”, de onde se depreende uma visão horizontalizada, a
permitir deduzir que as consequências das decisões humanas se propagam por todo o planeta,
não se limitando a fronteiras, aspergindo seus efeitos sobre todos os membros da presente
geração entre si.
Weiss remete também a uma dimensão verticalizada, quando afirma que as obrigações de
conservar o planeta “fluem da geração presente para as gerações futuras162”, ela revela que essas
consequências poderão ascender temporalmente e atingir outras gerações, as quais nos
sucederão. Caso fosse permitido que as gerações presentes explorassem os recursos naturais até
o seu esgotamento, estar-se-ia colocando em risco a própria possibilidade de existência das
gerações futuras.
Sob esse prisma é necessária uma cisão com a ideia de indivíduo, de individualidade, de
individualismo, que traz inexoravelmente a separação do “eu” e do “outro”. Essa é a raiz de toda
a problemática relacionada com a proteção ambiental, quer seja intrageracional quer seja
intergeracional. Ayala observa a necessidade de se estabelecerem “laços de solidariedade
coletiva, fundamentais para a estruturação das relações que envolvam o ambiente 163”. É sobre
esses laços que se fundem os indivíduos.
Esse aspecto do princípio deixa claro que a preservação do meio ambiente deve voltar-se

161
WEISS, Edith Brown. Intergenerational equity: a legal framework for global environmental change.
Disponível em: <http:www.vedegylet.hu/.../brown%20weiss%20->. Acesso em: 26/05/2011. p. 13. [Tradução
nossa] Lê-se no original: “Planetary rights and obligations coexist in each generation. In the intergenerational
dimension, the generations to which the obligations are owed are future generations, while the generations with
which the rights are linked are past generations. Thus the rights of future generations are linked to the obligations of
the present generation. In the intragerational context, planetary obligations and rights exist between members of the
present generation. They derive from the intergenerational relationship that each generation shares with those who
have como before and those yet to come. Thus, intergenerational obligations to conserve the planet flow from the
present generation both to future generations as generations and to members of the present generation, who have the
right to use and enjoy the planetary legacy.”
162
WEISS, Edith Brown, op. cit., p. 13.
163
AYALA, Patrick. Direito e incerteza: a proteção jurídica das futuras gerações no estado de direito ambiental.
Dissertação de Mestrado em Direito. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2002. p. 165.
57

para o futuro. Como, porém, se pode dimensionar a abrangência desse alcance temporal?
Derani chama a atenção para o fato de ser “a primeira vez que se prescreve um direito
para quem ainda não existe: as futuras gerações164”.
Como se vê, o termo geração vem sendo utilizado pela doutrina para evocar essa
dimensão temporal; no entanto, esse termo não possui cronologia exata, não há uma geração
distinta da outra. As gerações antigas convivem com as novas, que estão a surgir, são como uma
corrente de elos em intersecção, pois:

Em cada duas centenas de seres humanos que nascem e morrem, mais de cinco bilhões
de pessoas de todas as idade coexistem. Seria mais exato falar não em gerações, mas
de um fluxo constante; a humanidade pode ser comparada a um enorme rio que flui
constantemente, torna-se cada vez maior e nele nenhuma distinção pode ser feita entre
as gotas de água que o formam165.

Assim, Kiss definitivamente estabelece uma ligação entre as gerações, cingindo com o
individualismo e reconhecendo na humanidade futura traços que identificam a humanidade
presente como a continuidade daquele todo, indivisível, de que já se falou e ilustra muito bem
com descrição do rio, que flui, refazendo-se a cada segundo rumo ao que ainda está por vir.
Tal princípio cria um dever ético que se relaciona com o fluir dessa humanidade, e,
mesmo que os descendentes dos indivíduos atuais já não estejam mais presentes, a
responsabilidade de cada um ainda ficará ligada à perpetuação da espécie humana, tal como se
conhece, garantindo a esses futuros homens um mundo que lhes ofereça as possibilidades para
uma existência feliz, pois não se deve causar a sua infelicidade.
Chama a atenção, diante desse dever ético, a dificuldade em se estabelecer quais os
sacrifícios exigidos, o que se deve renunciar no presente em favor dessas gerações futuras, não
existe uma fórmula genérica que permita compreender com exatidão a projeção da atitude de
cada indivíduo e vislumbrar seus efeitos de longo prazo.
Essa é a razão da palavra equidade na denominação do princípio, intrinsecamente ligada
ao conceito de justiça166, que, segundo Reale, foi exaustivamente desenvolvido na filosofia grega
por Aristóteles, que partiu da “sutil apreciação do problema da justiça como bilateralidade, como
164
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 257.
165
KISS, Alexandre. Os direitos e interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In: VARELLA,
Marcelo; PLATIAU, Ana Flávia Barros. Princípio da Precaução (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey. 2004. p. 4.
166
Conforme Neto, sua origem filosófica encontra-se no pensamento grego, e teve como ponto de partida o conceito
de epieikeia, um princípio de interpretação da lei positiva que permite justificadamente um comportamento que se
afasta da letra, mas é conforme a mente do legislador, conforme afirma: “Na filosofia grega, Aristóteles foi o
primeiro a desenvolver o tema, e é por isso que a ele se faz referência quando se define equidade como a justiça do
caso concreto, atribuindo-lhe essa clássica definição, que não é, toda via, isenta de críticas.” (AMARAL NETO,
Francisco dos Santos. A equidade no código civil brasileiro. Disponível em: <http:www.cjf.jus.br/revista/
numero25/artigo03.pdf>. Acesso em: 22/03/2012. p. 18.).
58

‘bem de outrem’, uma ‘espécie de proporção’ de homem para homem, de modo que ‘não há
justiça de um homem para consigo mesmo’ 167”.
É, portanto, a justiça amoldada à especificidade de uma situação real que traz consigo a
ideia de adaptação em cada caso, sempre visando a uma solução mais justa, mais adequada, e
que, ao ser transportada para o bojo do princípio, denota sua forte carga valorativa, que deve
animar os demais princípios que orientam a proteção do meio ambiente. Trata-se, assim, de um
princípio reitor, que deve alicerçar os demais, oferecendo a eles a essência, a verdadeira razão de
ser, que é a proteção dos interesses das gerações futuras, a ser estabelecida sob a égide da
equidade.

2.3.2. Principio do Desenvolvimento Sustentável

Conforme esclarece Benjamin, esses conceitos próprios da noção de sustentabilidade


foram criados por Marsh, em 1860, em seu livro “Man and Nature”, entretanto, só foram
retomados nos anos 50 por Leopold, o que permitiu “que, na década de 80, a ideia de
sustentabilidade já fosse bem conhecida 168”.
Essa é a ideia desenvolvida pela Comissão Brundland, em 1987, que, se não inventou o
termo “desenvolvimento sustentável”, nos ofereceu a sua mais famosa definição: “o
desenvolvimento que dê respostas às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade
de as gerações futuras darem resposta às delas 169”.
Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, como a
própria denominação já evidencia, houve uma redefinição dos parâmetros em que a preservação
do meio ambiente se deveria dar, pautada agora pela concepção de desenvolvimento sustentável,
que foi elevada à categoria de princípio: “Princípio 3: O direito ao desenvolvimento deve ser
exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de
desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras. 170”
Como se vê, o princípio do desenvolvimento sustentável enfrenta o grande desafio de
reconciliar esses dois aspectos tão contraditórios na dialética do desenvolvimento, fato este que o
coloca em um dos pontos mais delicados da proteção ao meio ambiente, uma vez que os riscos

167
MIGUEL, Reale. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 624.
168
Cf. BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. Objetivos do direito ambiental. Disponível em:
<http:www. bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/201130106/objetivos_direito_ambientalpdf>. Acesso em:
22/06/2010. p. 7.
169
RELATÓRIO: O nosso futuro comum: da Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento, de 1987.
Tradução de Deolinda Estudante e Rui Potássio. Lisboa: Meribérica / Líber, 1991. p. 54.
170
MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Coletânea de direito internacional, p. 1129.
59

derivados das atividades industriais não poderão ser suprimidos, mas devem ser controlados.
Essa afirmação já revela que cabe ao princípio oferecer os critérios que irão orientar esse
gerenciamento, que tem entre seus objetivos a conservação dos recursos naturais, mas que deve
ser igualmente sopesado com outros interesses igualmente dignos de proteção. Uma vez que a
administração pública não é neutra quanto à política e a grupos de interesses 171, a
preponderância desses outros interesses sociais e econômicos pode estar sendo mascarada sob a
ótica do desenvolvimento sustentável.
Sob esse aspecto, vale a pena lembrar a advertência de Leff, para quem o discurso do
desenvolvimento sustentável é uma retórica que proclama atingir um equilíbrio ecológico pela
via do crescimento econômico conduzido por mecanismos de livre mercado, mas não passa de
uma estratégia de sedução em que se disfarçam interesses contrapostos, assim “o discurso do
desenvolvimento sustentável tornou-se um simulacro que nega os limites do crescimento172”.
Apesar da aparência simples, esse discurso tem sérios efeitos sobre os instrumentos
jurídicos de proteção ambiental, uma vez que eles não poderão suprimir a produção dos riscos
ocasionada pelas atividades industriais, mas deverão estabelecer apenas a redução desses riscos a
patamares em que sejam aceitos, por meio de seus instrumentos de contenção, o que remete, em
última análise, ao próprio paradoxo da sociedade de risco: como seria possível harmonizar a
proteção dos recursos ambientais, que são finitos, com os desejos e a infinita criatividade
humana?
Para que haja sustentabilidade é imprescindível uma interação harmônica entre o
desenvolvimento tecnológico e industrial e os limites oferecidos pela natureza, para que não se
fique restrito a um modelo de economia ambiental, uma mera concepção que se limita a
preservar um estoque de recursos de valor igual ao herdado pela geração presente. É preciso
conciliar necessidades existenciais, pois o meio ambiente também precisa se desenvolver 173.
Mesmo sob essa ótica, todavia, a proteção do meio ambiente ainda se mostra relativa, o
que se denota claramente da advertência de Epifanio: “o meio ambiente não se protege
propriamente, na verdade se gerencia algo que não pode ser concebido de outra forma em uma
política orientada pelo princípio do desenvolvimento sustentável174”.

171
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 142.
172
LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: a territorizalização da racionalidade ambiental. Petrópolis: Vozes.
2009. p. 236.
173
Cf. AYALA, Patryck de Araujo. Fundamentos filosóficos do direito ambiental (aulas). Mestrado em Direito
Agroambiental. Cuiabá: UFMT, 2010. At tempora.
174
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 406.
60

2.3.3. Princípios da Prevenção e da Precaução

Irrefutavelmente, encontram-se entre os mais importantes princípios destinados à


proteção ambiental. Fulcrados na constatação de que as agressões ao meio ambiente, uma vez
consumadas, são, normalmente, de reparação difícil, incerta e custosa175, esses princípios
orientam a agir prudentemente em sua proteção, evitando a ocorrência do dano ao meio
ambiente.
Sua prescrição encontra-se no princípio 15 da já tão consagrada Declaração do Rio de
Janeiro de 1992:

Para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser largamente aplicadas
pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves ou
irreversíveis, a ausência de certeza científica absolutamente não deve servir de pretexto
para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando prevenir a degradação do meio
ambiente176.

Embora seja corriqueiro na doutrina um embaralhamento entre os princípios da


prevenção e da precaução, havendo inclusive aqueles que identificam o princípio da precaução
como um princípio circunscrito ao da prevenção 177, a verdade é que precisamos diferenciar com
clareza o circulo de aplicação de cada princípio.
Leite e Ayala oferecem a distinção entre os princípios, ao afirmarem que:

O conteúdo cautelar do princípio da prevenção é dirigido pela ciência e pela detenção


de informações certas e precisas sobre a periculosidade e o risco fornecido pela
atividade ou comportamento, que, assim, revela situação de maior verossimilhança do
potencial lesivo que aquela controlada pelo principio da precaução178.

Assim, ainda segundo os autores, o princípio da prevenção é dirigido em relação ao


perigo concreto (certo), enquanto o princípio da precaução ao perigo abstrato (potencial).
Não por outra razão, o princípio da precaução vem sendo também denominado de in
dubio pro natura179, pois, “havendo perigo da ocorrência de um dano grave ou irreversível, a
ausência de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a
175
A esse respeito observa Fiorillo: “para tanto, basta pensar: como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar
os efeitos de Chernobyl? Ou, de que forma restituir uma floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de
ecossistemas diferentes, cada um com o seu essencial papel para a natureza?” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco.
Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 112.).
176
MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Coletânea de direito internacional, p. 1131.
177
Cf. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit., p. 117.
178
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 71.
179
MACHADO, Paulo Affonso Leme, op cit., p. 75.
61

adoção de medidas eficazes, a fim de impedir a degradação ambiental. 180”


Sob esse aspecto, a aplicação do princípio da prevenção dar-se-á diante de um perigo
imediato, atual, o que confere a ele menor conteúdo preventivo que aquele que pressupõe a
aplicação do conteúdo da precaução181.
Essa distinção tem grande relevância para o Direito Penal, uma vez que, diante do “alto
potencial lesivo das novas tecnologias e da dificuldade em se estabelecer nexos causais claros e
definidos sobre suas consequências182”, vem-se antecipando cada vez mais sua tutela e, com
isso, ampliando o uso, já tão questionado, da técnica de descrição de condutas conhecidas como
tipo penal de perigo abstrato183, que, no texto legal, não exigem expressamente a ocorrência de
resultado lesivo ou de perigo concreto. Sob esse enfoque poder-se-ia incluir também os delitos
por acumulação.
Bottini faz estudo interessante dos crimes de perigo abstrato sob o enfoque do princípio
em questão e acaba por revelar uma subdivisão no interior dessa categoria, que o leva a
subdividir os tipos penais de perigo abstrato em tipos penais de prevenção e de precaução,
classificação esta que se encontra em estreita relação com o conteúdo dos nossos princípios184.
Dessa forma, nos casos de prevenção, a certeza científica da periculosidade da conduta
permitiu identificar uma potencial afetação do bem jurídico, enquanto, no âmbito da precaução,
o tipo se resumiria a um descumprimento de uma medida de proteção, uma vez que a ausência
de conhecimento sobre os efeitos da técnica que se quer controlar impossibilita a constatação da
periculosidade da atividade185.
Obviamente, o autor acaba por concluir que “a utilização do instrumento penal para fazer
frente à violação das regras de precaução não comporta os padrões mínimos necessários para
legitimar a incidência do ius puniendi186”
Afirma, no entanto, que, nos demais casos, os delitos de perigo abstrato não desrespeitam
o princípio da lesividade e defende “a consolidação de um direito penal que proteja, de maneira
racional e funcional, os bens jurídicos diante de novos riscos; exige, em alguns momentos, a

180
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Dano ambiental, p. 51.
181
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 73.
182
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 254.
183
Conforme Epifanio, os tipos de perigo surgiram como uma categoria delitiva que se opõe a dos delitos de
resultado (estes últimos exigem entre seus elementos típicos a presença de um resultado material ou externo), e
dentro dessa categoria de crimes de perigo já se passou a fazer uma distinção (que já se considera clássica) entre
delitos de perigo abstrato e delitos de perigo concreto (estes exigem como elemento típico a criação de um perigo
para o objeto de proteção jurídico penal). (SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 276.).
184
Cf. BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 285.
185
Idem.
186
Ibidem, p. 288.
62

antecipação da tutela187”.
A proposta desenvolvida por Bottini não difere muito do pensamento vigente na Europa,
onde, conforme esclarece Epifanio:

[...] com a intenção de preservar os delitos de perigo abstrato, porém satisfazendo, na


medida do possível, o principio da lesividade, se têm pretendido articular fórmulas que
venham a garantir, de algum modo, que a lesão ao bem jurídico apareça sempre como
provável […] dentro dessa definição cabem várias posibilidades e, por esta via, se têm
aberto o camino para um modelo de tratamento dos delitos de perigo que aponta para a
existência de categorias intermediárias entre os delitos de perigo concreto e os delitos
de perigo abstrato. Terradillos se refere a eles como “delitos de perigo abstrato com
idoneidade lesiva objetiva”, Morales Prats fala em “delitos de atitude” e Silva Sanchez,
entre outros, se refere a “delitos de idoneidade concreta ex ante”.188

O grande problema dessa proposta, com relação aos tipos penais de precaução, diz
respeito à dificuldade de se identificarem esses dispositivos na lei penal, pois “as prescrições
legais, em geral, não dispõem sobre a existência ou não de conhecimentos científicos sobre a
periculosidade do ato proibido, simplesmente vedam a prática189”. Sob esse aspecto, caberá
revelar, no conteúdo dos dispositivos penais, a presença do princípio da precaução ou da
prevenção.

2.3.4. Princípio da Proibição do Retrocesso

A gênese do princípio da proibição do retrocesso certamente encontra-se relacionada de


forma íntima com uma das mais antigas aspirações do ser humano, a garantia de certa
estabilidade jurídica.
Muito embora esse princípio não se encontre expresso na carta constitucional, isto não
impede que ele seja reconhecido pela doutrina, que a cada dia arrebata novos defensores e
inclusive já o aborda sob o aspecto ecológico, razão pela qual tem recebido outras
denominações, tais como: principio da proibição do retrocesso ambiental190, principio da

187
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 170.
188
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 280. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] con la intención de
mantener los delitos de peligro abstrado pero satisfaciendo en la medida de lo posible el principio de lesividad, se há
pretendido articular fórmulas que garanticen que la lesión del bien jurídico, de algún modo, aparezca siempre como
probable [...] dentro de esa amplia definición caben varias posibilidades y, por esta via, se ha abierto paso un
modelo de tratamiento de los delitos de peligro que apunta la existencia de categorias intermedias entre los delitos
de peligro concreto y los delitos de peligro abstrato. Terradillos se refiere a ellos como ‘delitos de peligro abstrato
con idoneidad lesiva objetiva’, Morales Prats habla de ‘delitos de aptitud’ y Silva Sanchez, entre otros, se refiere a
‘delitos de idoneidad concreta ex ante’”.
189
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 289.
190
AYALA, Patryck de Araujo. A proteção dos espaços naturais, mudanças climáticas globais e retrocessos
existenciais: por que o estado não tem o direito de dispor sobre os rumos da existência da humanidade. In. SILVA,
63

proibição de retrocesso socioambiental191 e principio de proibição de retrogradação


socioambiental192.
Em uma visão ampla, pode-se dizer que o princípio da proibição do retrocesso se tornou
uma garantia de proteção dos direitos fundamentais contra a atuação do legislador, ou melhor,
conforme preceituam Sarlet e Fensterseifer:

[...] é possível afirmar que a garantia da proibição de retrocesso tem por escopo
preservar o bloco normativo – constitucional e infraconstitucional – já construído e
consolidado no ordenamento jurídico, especialmente naquilo em que objetiva
assegurar a fruição dos direitos fundamentais, impedindo ou assegurando o controle de
atos que venham a provocar a supressão ou restrição dos níveis de efetividade vigentes
dos direitos fundamentais193.

Sob esse enfoque, Canotilho adverte que não se trata de uma proibição do retrocesso em
termos gerais, mas se cinge:

[...] a proteger direitos fundamentais, sobretudo no seu núcleo essencial. A liberdade


de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo
essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do
mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da pessoa
humana194.

Como se vê, o autor português restringe a abrangência da proteção do princípio, a se


impor “estritamente sobre a garantia de revisão e de retorno na concretização de um mínimo,
cujo conteúdo está materialmente associado à dignidade humana 195” e, para além desta, a
dignidade da vida em termos gerais.
Pois, conforme observa Rosa, é necessário que se fixe um critério material que sirva de
fundamento ao sistema jurídico e a sua compreensão, que não pode ser outro, senão, “a vida, sua
reprodução e desenvolvimento196”.
Ora, não se pode atingir tais condições existenciais mínimas sem a preservação de um

Solange Teles; CUREAU, Sandra; LEUZINGER, Márcia Dieguez (Coords). Código florestal: desafios e
perspectivas. São Paulo: Editora Fiúza, 2010. p. 328.
191
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: estudos sobre a
constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p.
191.
192
MOLINARIO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007. p. 91.
193
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago, op. cit., p. 194.
194
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Edições
Almedina, 2003. p. 340.
195
AYALA, Patryck de Araujo. A proteção dos espaços naturais, mudanças climáticas globais e retrocessos
existenciais, p. 326.
196
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade material: aportes
hermenêuticos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 3.
64

meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual forma uma base material de suporte a todas
as formas de vida e agrega, de forma inequívoca, uma dimensão ecológica ao conteúdo desse
mínimo existencial.
Dessa forma, pode-se afirmar seguramente que, diante dos problemas ambientais de
segunda geração, a humanidade já se encontra em déficit com relação a esse patamar mínimo de
qualidade ambiental necessário, para assegurar um mínimo existencial, que ofereça as condições
plausíveis para o desenvolvimento da vida digna.
Portanto, já não basta a proibição do retrocesso, também é necessária a reparação destes
estados de prejuízo, o que impõe um avanço na linha de proteção dos bens ambientais, a fim de
ampliar a qualidade de vida hoje existente.
Assim, esse princípio revela dois conteúdos normativos, que se complementam:

[...] por um lado, impõe-se ao Estado a obrigação de “não piorar” as condições


normativas hoje existentes em determinado ordenamento jurídico, por outro lado,
também se faz imperativo, espacialmente relevante no contexto da proteção do
ambiente, uma obrigação de “melhorar”, ou seja, de aprimorar tais condições
normativas no sentido de assegurar um contexto cada vez mais favorável ao desfrute
de uma vida digna e saudável197.

Nesse contexto, concluem Sarlet e Fensterseifer que “o direito fundamental ao ambiente


só é modificável in mellius e não in pejus”, não se permitindo ao legislador, uma vez
concretizado um determinado direito social ou ecológico no plano da legislação
infraconstitucional, retroceder nos níveis de proteção, “sem que proponha realidades
compensatórias adicionais198”.
Diante da orientação oferecida pelo princípio da proibição do retrocesso, parece
insustentável uma proposta radical de abolição do hodierno Direito Penal ambiental sem que se
ofereçam garantias de proteção, no mínimo, equivalentes às já oferecidas por seu instrumental.
No entanto, apesar da força e coerência dos princípios até aqui analisados, é preciso ter
em mente que uma antinomia só existe porque as proposições sustentadas, tanto por aqueles que
são favoráveis quanto pelos que são contrários ao processo de modernização do Direito Penal,
são coerentes, lógicas e igualmente defensáveis.
Não por outra razão, é preciso também apreciar e perceber o significado dos aspectos
envolvidos pelo outro lado da questão, para que se compreenda a forma como essas garantias
impactam nesse instrumental inovador trazido pela lei n.º 9.605/98, e como poderá se dar essa

197
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago, op. cit., p. 198
198
AYALA, Patryck de Araujo. A proteção dos espaços naturais, mudanças climáticas globais e retrocessos
existenciais, p. 331.
65

pretendida equalização entre o sistema de garantias da liberdade do homem, enquanto indivíduo,


e o sistema de proteção ao meio ambiente, na tutela penal.

2.4. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À TUTELA PENAL AMBIENTAL

A discussão acerca dessa nova dogmática assumida pelo Direito Penal para o
enfrentamento dos problemas impostos pela sociedade de risco reflete em diferentes e
conflitantes propostas metodológicas de construção do Direito Penal. Viu-se até agora como os
novos padrões de existência delitiva impulsionaram uma abertura no sistema penal ante a
impossibilidade de um sistema penal fechado e seus corolários clássicos lidar com essa nova
realidade199.
Esse movimento modernizador, impulsionado pelo reconhecimento de direitos e
interesses não individuais, deflagrou uma ampliação no rol de bens até então tutelados pelo
Direito Penal, ampliando o âmbito de atuação de alguns tipos penais, estendendo a intervenção
penal a condutas que, pelo sistema tradicional, estariam isentas de punição e flexibilizando
princípios político-criminais de garantia. A proteção ao meio ambiente é o exemplo mais claro
dessa tendência.
Nesse cenário, entre as mais diversas críticas, emergem algumas propostas de reforma
que entram em choque com essa tendência expansionista do Direito penal200: Começa-se a falar
em uma menor intervenção estatal possível para assegurar o máximo de liberdade, de onde surge
a expressão Direito Penal mínimo.
Essa denominação tem sido utilizada para englobar as mais diversas propostas, mas
sempre orientadas sob um denominador comum, uma vocação restritiva do Direito Penal. No
entanto, conforme será demonstrado, existem poucas coincidências no que concerne ao conteúdo
e alcance de cada uma dessas propostas.

2.4.1. O Direito Penal mínimo e suas formulações

A defesa do chamado minimalismo penal tem sido associada às mais diversas propostas,
as quais partem da constatação de uma crise estrutural e irreversível no Direito Penal, que

199
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 181.
200
Conforme Sanchez, sobre esse aspecto, para evitar interpretações equivocadas, é importante observar que a atual
tendência expansiva do Direito Penal não tem nada a ver com as teorias que nos anos setenta e posteriores
respaldaram o movimento, inicialmente norte americano, de lei e ordem. (SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, A
expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de
Oliveira Rocha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 24.).
66

causou a perda de sua legitimidade201. Partindo desse mesmo ponto, as propostas acabam por
bifurcar em duas perspectivas claramente divergentes, segundo Andrade:

É possível divisar, nessa perspectiva, duas linhas: a) modelos que partem da


deslegitimação do sistema penal (concebida como uma crise estrutural de
legitimidade) para o abolicionismo ou minimalismo como meio; e b) modelos que
partem da deslegitimação (concebida como uma crise conjuntural de legitimidade)
para a relegitimação do sistema penal, ou minimalismos como fim em si mesmos202.
(grifo nosso)

A primeira vertente tem sido denominada de minimalismo radical. Seus difusores mais
expressivos são Barata e Zaffaroni, os quais advogam uma redução no âmbito de aplicação do
Direito Penal, assim como da intensidade no grau de resposta estatal, especialmente quando se
trata da pena de prisão, pugnando também por se evitar o encarceramento cautelar ou
processual203.
Os citados autores, porém, avaliam o minimalismo como um meio para se alcançar a
utopia abolicionista, ou seja, como uma forma de transição em longo prazo, que deverá ocorrer
de forma graduada. Baratta defende que a melhor política criminal é a política não penal, que
intervém na raiz do problema, mas esclarece lucidamente que o Direito Penal não pode ser
suprimido se a sociedade não evoluir:

Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente poderá
acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não
devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e
cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma
sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês204.

Por sua vez, na segunda vertente se encontram os denominados minimalistas moderados.


Admitem o Direito Penal como um mal necessário, impondo a tarefa de racionalizá-lo e
minimizá-lo, sobretudo por intermédio do principio da intervenção mínima e da
fragmentariedade205.
Empregam o minimalismo como um fim em si mesmo, pois pugnam pela relegitimação
da intervenção penal. Seguindo essa orientação, encontrar-se-ão duas grandes escolas, as quais

201
Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência
do sistema penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 479.
202
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. op. cit., p. 476.
203
Cf. GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito Penal: introdução
e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 227.
204
BARATTA, Alessandro. Criminologia critica e critica do direito penal: introdução à sociologia do direito
penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002. p. 207.
205
Cf. SILVA, Ana Claudia da. Políticas de (des) criminalização. Dissertação de mestrado, Curitiba, UFPR, 2008.
p. 47.
67

podem ser denominadas de Escola Garantista206 e Escola de Frankfurt207, e, embora estejam


embasadas nos mesmos ideais, possuem propostas distintas. A Escola Garantista desenvolve sua
proposta minimalista por meio da construção de um sistema de garantias, enquanto a Escola de
Frankfurt propõe a manutenção de um Direito Penal nuclear, nos moldes do Direito Penal
clássico.
Essas propostas, especialmente a desenvolvida pelos professores da Universidade de
Frankfurt, contrapõem-se às teses que advogam pela modernização do Direito Penal ambiental e,
por essa razão, serão objeto de uma análise mais profunda.

2.4.2. A Escola Garantista

Os seguidores desta escola apoiam seus argumentos na doutrina desenvolvida pelo autor
italiano Ferrajoli, em sua obra de Direito e Razão, a tal ponto que Bobbio, ao prefaciar a
primeira edição da obra, revela que o garantismo 208 jurídico nasce do interesse de Ferrajoli em
elaborar um “[...] sistema geral de garantismo ou, se preferir, a construção das vigas-mestras do
Estado de direito, que tem por fundamento e por escopo a tutela da liberdade do indivíduo contra
as várias formas de exercício arbitrário do poder [...]209”.
O autor italiano parte da constatação de uma crise nos sistemas jurídicos da atualidade,
que ele define como a “[...] divergência entre normatividade do modelo em nível constitucional e
sua não efetividade nos níveis inferiores [...]210”. Diante disso, o garantismo emerge como a
proposta para resolver esse paradoxo entre o ordenamento jurídico dos Estados modernos, que
adotam um modelo constitucional assegurador de direitos fundamentais e que fazem deles um
vínculo restritivo do poder estatal e a prática operativa infraconstitucional em que essa
orientação é negligenciada.
Observa Rosa, que:

Esta limitação do Poder Estatal não se restringe ao Poder Executivo, como pode
transparecer num primeiro momento, mas vincula as demais funções estatais,
principalmente o Poder Legislativo, que não possui (mais) um cheque em branco; o
Poder Legislativo, na concepção garantista, também está limitado/balizado em seu

206
Consultar nota 99.
207
Consultar nota 94.
208
Conforme o lexicógrafo: “[...] de garantir, que significa afiançar, afirmar como certo, tornar seguro, tutelar algo
[...]”. (HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1994. p.
835.).
209
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2010. p. 07.
210
Ibidem, p. 785.
68

conteúdo por fronteiras materiais, não podendo se afastar do contido materialmente na


Constituição211.

Pode-se dizer que sua proposta está extremamente ligada à ideia de limitação do poder
punitivo do Estado e consequente ampliação da liberdade humana, razão pela qual o autor parte
de uma revisão dos fundamentos filosóficos e das formulações iluministas, uma vez que várias
formulações contratualistas já precisaram ser repensadas, à medida que não mais se sustentam
diante do novo perfil do moderno Estado de Direito.
Assim, conforme preconiza Delabrida:

Sem professar a radical eliminação do direito de punir, a teoria garantista propõe a


construção de um modelo para sua justificação e, concomitantemente, para a
deslegitimação não do Sistema Penal, mas de normas e práticas penais e processuais
concretas. Assim, o programa garantista é projetado para conter o manejo arbitrário do
poder punitivo pelo Estado, neutralizando-o, quando em contraste com as normas
superiores de proteção a Direitos Fundamentais, ajustando enfim seu exercício às
limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito, voltado fundamentalmente
para a defesa da dignidade da Pessoa Humana [...]212.

Exsurge a chamada “esfera do indecidivel”, pois nem mesmo por unanimidade, em um


Estado Democrático de Direito, se pode violar ou negar os Direitos Fundamentais dos indivíduos
e assim, se estabelece um limite: o que não se deve decidir 213.
Como consequência, deve-se efetuar “juízos de validade em face do ordenamento
infraconstitucional (controle difuso e material de constitucionalidade), espraiando, desta
maneira, o reconhecimento da invalidade derrogativa por violação da esfera do indecidível 214”.
Como se vê, o garantismo parte da ideia de que do poder há sempre que se esperar um
potencial abuso, que é preciso ser neutralizado com o estabelecimento de um sistema de
garantias, limites e vínculos para a tutela dos direitos subjetivos, e assim constrói sua teoria de
minimização do poder institucionalizado, a qual se estrutura sobre um sistema de dez princípios
axiológicos fundamentais, que são “entre si conexos antes logicamente que axiologicamente 215”,
e expressados por Ferrajoli em forma de axiomas latinos216.
Os axiomas fundamentais do sistema de garantias são:
1º) Nulla poena sine crimine – não há pena sem crime;
2º) Nullum crimen sine lege – não há crime sem lei;
211
ROSA, Alexandre Morais da. op. cit., p. 6.
212
DELABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise à luz do garantismo penal. Curitiba: Editora Juruá,
2004. p. 22.
213
Cf. ROSA, Alexandre Morais da. op. cit., p. 7.
214
Idem.
215
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 18.
216
Ibidem, p. 91.
69

3º) Nulla lex (poenalis) sine necessitate – não há incriminação legal sem necessidade;
4º) Nulla necessitas sine injuria – não há necessidade sem ofensa ao bem jurídico;
5º) Nulla injuria sine actione – não há ofensa sem conduta;
6º) Nulla actio sine culpa – não há conduta sem culpa;
7º) Nulla culpa sine judicio – não há culpa sem jurisdição;
8º) Nullum judicium sine accusatione – não há juízo sem acusação;
9º) Nulla accusatio sine probatione – não há acusação sem prova;
10º) Nulla probatio sine defensione – não há prova sem contraditório.
Os axiomas de número 1, 2 e 3 enfrentam os problemas de quando e como castigar,
oferecendo garantias contra a utilização da pena; os axiomas de número 4, 5 e 6 enfrentam
problemas de quando e como proibir, oferecendo garantias contra a incriminação e, por fim, os
axiomas de número 7, 8, 9 e 10 enfrentam a questão de quando e como julgar, oferecendo assim
garantias que visem a utilizar adequadamente o processo217.
Ferrajoli vislumbrou seis axiomas relacionados ao Direito substantivo e outros quatro
relativos ao Direito adjetivo. Estes dois sistemas de garantias, um penal e outro processual,
foram estruturados numa relação biunívoca, ou seja, são sistemas de garantias em íntima relação,
tanto no plano estrutural como no plano funcional, à medida que as garantias, sejam substanciais
sejam instrumentais, são necessárias umas às outras.
É notável que a doutrina vem referindo-se aos axiomas de Ferrajoli sob a denominação
de princípios, porém permanecem os enunciados, tanto que o autor reconhece essa relação:

Denomino estes princípios, ademais de garantias penais e processuais por eles


expressas, respectivamente: 1) principio da retributividade ou da consequencialidade
da pena em relação ao delito; 2) principio da legalidade, o sentido lato ou no sentido
estrito; 3) principio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da
lesividade ou da ofensividade do evento; 5) principio da materialidade ou da
exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7)
princípio da jurisdicionalidade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8)
principio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da
prova ou da verificação; 10) principio do contraditório ou da defesa, ou a falsidade218.

Ainda é necessário observar que Ferrajoli não formulou nenhuma crítica específica à
tutela penal do meio ambiente, entretanto, conforme observa Bottini, as recentes alterações na
legislação e o esforço dogmático no sentido de adaptar seus fundamentos para que correspondam
às expectativas dessa nova sociedade na contenção dos riscos entram em confronto com alguns

217
Cf. ROCHA, Fernando Antonio Nogueira da. Direito Penal, Parte Geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 63.
218
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 91.
70

axiomas de seu sistema de garantias 219, conforme se verá detalhadamente ao efetuar a análise
dos princípios que orientam o Direito Penal tradicional.

2.4.3. A Escola de Frankfurt

O discurso crítico, ultraliberal ou de resistência à chamada modernização do Direito


Penal, da qual o Direito Penal ambiental se transformou em verdadeiro símbolo 220, parte dos
autores da chamada Escola de Frankfurt, que tem em Hassemer seu maior expoente221. O autor
alemão é o maior propagador das chamadas teorias de regresso, que propõem a abolição do
sistema penal ambiental e um retorno ao núcleo do Direito Penal, nos moldes de um Direito
Penal clássico222.
Para tanto, ele parte da constatação de que o Direito Penal Ambiental padece de um
dramático “déficit de execução 223”, que ele identifica por meio de sintomas como a escassa e
defeituosa aplicação de suas penas e das cifras negras224 colossais e seletivas, pois, segundo o
autor, os grandes poluidores nunca são castigados e “o esclarecimento dos casos é extremamente
seletivo, se ocupa em grande parte das ‘pequenas violações ecologicamente insignificantes dos
particulares ou do cotidiano profissional’ 225”.
Diante desse diagnóstico, Hassemer conclui que de nada adianta ministrar uma “alta
dosagem das medidas curativas do direito ambiental226”, pois seria como oferecer “mais da
mesma coisa227”, e conclui que “o direito penal não é instrumento adequado para lidar com este

219
Cf. BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 97.
220
Afirma Epifanio que: “El Derecho penal ambiental se erige así en uno de los símbolos de la modernización del
sistema penal.” (SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 37.).
221
Cf. MARTIN, Luis Gracia, op. cit., p. 31.
222
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 148
223
HASSEMER, Winfried. A preservação do meio ambiente através do direito penal. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, São Paulo, ano 06, n.º 22. p. 30.
224
Greco esclarece que: “[...] a estatística criminal se confecciona a partir dos dados registrados pelos órgãos do
controle social penal. Isso que dizer que há um grande número de fatos puníveis que por não terem sido registrados
não formam parte da estatística criminal. Estes fatos constituem a cifra negra da criminalidade. Com efeito, nem
todo delito é denunciado. Nem todos os delitos denunciados são registrados como tais pelo órgão ante o qual foi
feita a denuncia. Nem todos os delitos denunciados e registrados pelo órgão que recebeu a denuncia são objeto de
investigação e nem todos os investigados acabam sendo condenados. Deste modo, de acordo com o nível do órgão a
partir do qual se elaborou a estatística, mais alta será a cifra negra. Dito em outras palavras, não é o mesmo elaborar
estatísticas criminais a partir de sentenças condenatórias que dos fatos denunciados a polícia. Entre a comissão do
delito e a sentença condenatória atuam uma série de filtros que não permitem contar com dados estatísticos
confiáveis.” (GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. Niterói:
Editora Impetus, 2006. p. 10.).
225
HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário. Trad. Regina Greve. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 226.
226
Idem.
227
Idem.
71

tipo de problemas228”.
Quatro são as razões que levam Hassemer a essa conclusão.
A primeira é o fato de o Direito Penal ambiental estar vinculado à acessoriedade do
Direito Administrativo. Isso, segundo o autor, é uma característica incompatível com a
autonomia que se deve esperar de um ramo do Direito, uma vez que:

[...] o direito penal não intervém autonomamente, antes fica na dependência do direito
administrativo. Ou seja, a entidade que controla o respeito pelas fronteiras do direito
penal deixou de ser o juiz para passar a ser a administração. O direito penal
transformou-se, por esta via, num instrumento auxiliar da administração, passando a
depender, para a demarcação das respectivas fronteiras, da intervenção da
Administração229.

A segunda razão diz respeito à flexibilização dos pressupostos de imputação da


responsabilidade criminal, que vão desde a imprecisão da linguagem legal, da preferência pela
incriminação prévia até o reconhecimento da responsabilização penal dos entes coletivos.
Afirma Hassemer que o Direito Penal não atua preventivamente. Deve ter conceitos
claros e um sólido perfil garantístico e que toda imputação de responsabilidades é rigorosamente
individual230.
A terceira razão é a inadequação das penas cominadas aos autores de delitos ambientais,
pois, segundo Hassemer, a ressocialização do criminoso ambiental não é necessária, e a multa
não possui, “no caos de violações severas ao meio ambiente, qualquer efeito perceptível 231”.
A última razão é o chamado efeito simbólico do Direito Penal ambiental e é na
elaboração de seu conceito que se encontrará “em última instância o aparato crítico essencial do
chamado discurso de resistência 232”.
Por simbólico, o autor denomina um exacerbamento da função preventiva que é
associada à aplicação da sanção penal e que a torna um dos fatores determinantes da atual crise
do Direito Penal contemporâneo.
Silveira adverte, porém, que “uma legislação penal simbólica não encontra simples
definição na doutrina233”, pois, como o próprio Hassemer reconhece, “as leis, especialmente as

228
HASSEMER, Winfried. A preservação do meio ambiente através do direito penal, p. 30.
229
Ibidem, p. 31.
230
Idem.
231
HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário, p. 229.
232
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 154.
233
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge, op. cit., p. 168.
72

penais, estão vinculadas de uma ou de outra forma a efeitos simbólicos234”.


Obviamente, o reconhecimento da relevância preventiva do direito penal não pode ser
limitado aos últimos anos; é um fenômeno ligado ao próprio liberalismo e às codificações235.
Então, onde se origina esse discurso?
Para responder a essa indagação, Epifanio remete:

[...] a segunda metade do século XVIII, quando se relacionou a cominação penal com a
necessidade de se prevenir o futuro cometimento do delito. Este simbolismo
desenvolveu seu conteúdo através de investigações que (a partir do século XIX)
analisaram como a cominação penal tem incidencia sobre fatores de socialização como
a moral e os costumes. Chega-se assim a planejamentos que associam a legislação
penal a uma tarefa, de médio a longo prazo, que busca inclusive promover valores
éticos e sociais, planejamentos aos quais contribuíram especialmente as teses de
Welzel236.

Observa-se então que a discussão sobre os fins da pena, ou, mais amplamente, a
discussão sobre as funções do Direito Penal não é recente, apesar de constituir um tema dos mais
controvertidos na atualidade.
Pode-se afirmar que, entre as principais correntes que reconhecem “legitimidade ao
Estado para interferir na liberdade dos cidadãos por meio do direito penal237”, tem prevalecido a
orientação preventiva238, que fundamenta a pena na necessidade de se evitar a realização de
delitos futuros, quer seja de forma geral, atuando sobre a sociedade, quer seja de forma especial,
atuando sobre o indivíduo que infringiu a norma penal.
Dentro da denominada teoria da prevenção geral, podem-se distinguir ainda dois outros
aspectos, o da prevenção geral negativa, quando a norma terá por objetivo motivar seus
destinatários a se absterem da prática de novos delitos, e o aspecto da prevenção geral positiva,
revelado pela doutrina moderna de linha funcionalista, momento em que a finalidade da pena é
fortalecer os valores ético-sociais veiculados pela norma, estabilizar o sistema social239.
Prado vislumbra três efeitos na prevenção geral positiva:

234
HASSEMER, Winfried. Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos. In: BUSTOS RAMÍRES,
Juan. Pena y Estado. Santiago: Editorial Jurídica Conosur, 1995. p. 24. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...]
las leyes, especialmente las penales, están vinculadas de uma u outra forma a efectos simbólicos.”
235
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 88
236
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 148. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] en la segunda mitad
del siglo XVIII, cuando se relacionan conminación penal y necessidad de prevenir la futura comisión de delito. Este
simbolismo deserrolla su contenido a través de investigaciones que – a partir del siglo XIX – analizan cómo la
comminación penal tiene incidencia en factores de socialización como la moral o los convencionalismos. Se lhega
así a planteaminetos que asocian a la legislación penal una tarea, a medio o largo plazo, que alcanza incluso la
promoción de valores éticos-sociales, planteamiento al que contribuyeron especialmente las tesis de Welzel”.
237
QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p.84.
238
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 86.
239
Cf. QUEIROZ, Paulo, op. cit., p. 87
73

[...] em primeiro lugar, o efeito de aprendizagem, que consiste na possibilidade e


recordar ao sujeito as regras sociais básicas cuja transgressão já não é tolerada pelo
Direito Penal; em segundo lugar, o efeito de confiança, que se consegue quando o
cidadão vê que o Direito se impõe; e, por derradeiro o efeito de pacificação social,
que se produz quando uma infração penal é resolvida através da intervenção estatal,
restabelecendo a paz jurídica240. (grifo nosso)

No contexto do denominado simbolismo do Direito Penal ambiental, um elemento do


aspecto da prevenção geral negativa que é determinante na compreensão dessa crise é a
dissociação da prevenção geral em dois momentos, o da cominação penal, de onde se infere a
“coação psicológica241” com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo, e o da aplicação da
lei cominada, quando se deixa “patente a disposição de cumprir a ameaça realizada 242”.
Essa dissociação revela que a prevenção geral não se associa apenas à aplicação da pena,
mas começa a se verificar desde a mera promulgação da lei penal, com a qual já se cumpre uma
função de proteção aos bens jurídicos.
Surge então o perigo de se reconhecer uma eficácia à norma penal, que não se cinge em
dissuadir os infratores, mas também em reconhecer determinados bens jurídicos como
merecedores de proteção, visando, assim, a um efeito pedagógico social.
Ao empregar seus instrumentos penais, os mais contundentes que possui, para defender
um determinado valor, o Estado minimiza a sensação de insegurança nessa sociedade de riscos,
assegurando aos cidadãos a consciência de uma existência sem medos 243.
Nessa concepção, a ideia de prevenção se afasta da ameaça de cominação de penas aos
potenciais infratores e caminha na direção da prevenção geral positiva, em que o destinatário da
norma já não é mais o potencial descumpridor, mas o sujeito no qual se quer gerar uma sensação
de segurança, uma confiança na capacidade do Estado em afrontar os riscos que rondam a
sociedade244.
Hassemer esclarece que esta “suposta forma de garantir a proteção do ambiente, para
além de custar pouco dinheiro ao Estado, apresenta ainda a vantagem de servir para acalmar
contestações políticas245”. Não é por outra razão que afirma:

[...] o fenómeno do Direito simbólico: refere-se a uma oposição entre a “realidade” e a


“aparência”, entre o “manifesto” e o “latente”, entre o “verdadeiramente desejado” e o

240
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 491.
241
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 90.
242
Idem.
243
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 94.
244
Idem.
245
HASSEMER, Winfried. A preservação do meio ambiente através do direito penal, p. 33.
74

“realmente aplicado”; e se trata sempre dos efeitos reais das leis penais. “Simbólico”
está asociado à “engano”, tanto em sentido transitivo como reflexivo. 246”

Ainda segundo Hassemer, é devido ao altíssimo respaldo social e à consequente


rentabilidade política, que a preservação do meio ambiente se transformou em um campo
profícuo para a utilização unicamente funcional do Direito Penal, afastando-o de seu escopo
inicial e permitindo à classe política “proclamar à opinião pública que está atenta aos problemas
do mundo moderno247”.
Devemos, entretanto, estar atentos para a observação de Netto, diante da conceituação de
um Direito Penal simbólico, que constata “toda e qualquer tipificação delitiva tem um cunho
nitidamente simbólico 248”, e, desta forma:

[...] o direito penal simbólico não seria aquele considerado simplesmente na existência
de uma carga simbólica na tipificação, mas sim aquele no qual esta carga estaria em
situação exacerbada. A diferenciação apta a demonstrar este simbolismo, destarte, não
está numa diferença qualitativa (existência do simbolismo), residindo,
verdadeiramente, num momento quantitativo (grau de simbolismo) 249.

Considerando esta distinção, é necessário estabelecer um critério de diferenciação para se


verificar quando os modelos de incriminação refletem um Direito Penal exclusivamente
simbólico. Para tanto, Hassemer adotou a mensuração entre o número de condutas incrimináveis,
que se realizam socialmente e o número de condutas efetivamente punidas 250, demonstrando,
através de seu “déficit de execução”, que as normas incriminadoras do Direito Penal ambiental
“surgiram sem a mínima condição de aplicação, possuindo, destarte, um mero valor de
simbologia proibitiva251”.
Dessa forma, sua conclusão com relação à profilaxia desse mal, do qual padece o Direito
Penal, não poderia ser outra:

[...] extirpar do direito penal tudo aquilo que só possa ser conseguido com apelo para a
acessoridade administrativa. Só podemos consentir que permaneçam com relevo penal
aqueles fatos cuja ilicitude não dependa de configurações extrapenais, ademais
variáveis. Assim sendo, é indiscutível que o direito penal deve continuar a garantir a
tutela dos bens jurídicos clássicos, cuja integridade é também alvo de ameaça por força

246
HASSEMER, Winfried. Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos, p. 27. [Tradução nossa]
Lê-se no original: “[...] el fenómeno de Derecho simbólico: se trata de una oposición entre ‘realidad’ y ‘aparencia’,
entre ‘manifesto’ y ‘latente’, entre lo ‘verdaderamente querido’ y lo ‘otramente aplicado’; y se trata siempre de los
efectos reales de las leyes penales. ‘Simbólico’ se asocia con ‘engano’, tanto en sentido transitivo como reflexivo.”
247
HASSEMER, Winfried. A preservação do meio ambiente através do direito penal, p. 33.
248
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 155.
249
Idem.
250
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 97.
251
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. op. cit., p. 154.
75

dos atentados contra o meio ambiente252.

Hassemer propõe uma limitação efetiva das possíveis formas de tipificação e a restrição
à tutela dos bens jurídicos clássicos, ou seja, um Direito Penal que mantém em seu núcleo
apenas a proteção daqueles bens jurídicos relacionados à pessoa humana individualmente
considerada. Dessa forma, observa Netto que o Direito Penal se resumiria ao seu núcleo
tradicional com seus tipos penais “de dano contra o patrimônio, a vida, a honra, a liberdade etc.
Manter-se-ia no direito penal aquela gama de delitos que, nos dizeres de Schünemann,
constituem o sistema penal das classes baixas 253”.
Ele não nega, entretanto, essa nova dinâmica da sociedade contemporânea nem a
necessidade de se protegerem esses novos bens jurídicos, como meio ambiente, desde que essa
tutela ocorra “extramuros do direito penal254”.
Para se efetivar essa proteção, Hassemer propõe a criação de um novo ramo de Direito,
que ele designa de Direito de Intervenção, “situado entre o direito administrativo e o direito
penal, que teria por finalidade controlar e inibir os riscos oriundos das novas tecnologias, por
meio da proibição de condutas perigosas e da proteção de bens jurídicos coletivos 255”.
Esse novo ramo jurídico, dotado de menos garantias que o Direito Penal, disporia de
maior flexibilidade no que se refere à descrição dos ilícitos, em contrapartida, não poderia dispor
de penas privativas de liberdade.
Ainda importa destacar a oposição de alguns autores256 a respeito do Direito de
Intervenção de Hassemer, sintetizadas por Bottini, os quais afirmam que se trata de:

[...] uma proposta de um direito penal de classes subjacente, que direciona o direito
penal ao delinquente tradicional, oriundo das camadas marginalizadas da população,
enquanto o afasta das condutas perpetradas pelas classes dominantes e mais abastadas,
responsáveis pelos delitos do novo direito penal. O direito de intervenção seria uma
válvula de escape que abrigaria a criminalidade econômica, os crimes de colarinho-
branco, os ilícitos ambientais, afastando a pecha de delinquentes aos praticantes de tais
atos e qualquer ameaça de restrição de liberdades257.

Diante disso, deve-se ponderar se não seria possível encontrar outras soluções, mais
sutis, e que justifiquem a utilização desse novo instrumental preventivo, ainda dentro do espaço
de vigência das normas penais, e sem que fosse necessário criar um novo sistema jurídico

252
HASSEMER, Winfried. A preservação do meio ambiente através do direito penal, p. 33.
253
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 160.
254
HASSEMER, Winfried. A preservação do meio ambiente através do direito penal, p. 33.
255
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 100.
256
Cf. SILVA SANCHES, Jesus-Maria, op. cit., p. 143, e MARTIN, Luis Gracia, op. cit., p. 126-131.
257
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 101.
76

repressivo.
A essa indagação, porém, só se obterá uma adequada resposta no próximo capítulo. Por
ora, importa ainda delinear os limites impostos pelos princípios orientadores do sistema de
garantias do homem, enquanto indivíduo, ao esforço dogmático de modernização do Direito
Penal hodierno, no sentido de adaptar seus fundamentos para que correspondam às expectativas
dessa nova sociedade, na contenção dos perigos ecológicos que já se fazem iminentes.

2.5. OS PRINCÍPIOS QUE ORIENTAM O DIREITO PENAL TRADICIONAL

Analisam-se, nesta oportunidade, os princípios jurídicos de Direito Penal que hoje se


encontram insculpidos na carta magna do país, ou implicitamente inseridos, e tem como função
proteger direitos fundamentais das imperfeições legislativas e, assim, orientam o sistema
tradicional de proteção penal.
Tais princípios refletem os valores ético-culturais aceitos como verdades superiores na
cultura jurídica de uma sociedade, em um dado momento, ou no decorrer de sua história,
conforme se verá.
Neste primeiro momento, a título de inserção no tema, e considerando apenas seu
significado jurídico, é que se recorre aos ensinamentos de Reale, que adverte não ser possível
“haver uma ciência não fundada em pressupostos258”. Para o autor, os princípios “são, pois,
verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto
de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a cada porção de realidade 259”.
Não por outra razão, pondera Canotilho que:

[...] o sistema jurídico necessita de princípios (ou os valores que eles exprimem) como
os da liberdade, igualdade, dignidade, democracia, Estado de direito; são exigências
de optimização abertas a várias concordâncias, ponderações, compromissos e
conflitos. Em virtude de sua <<referência>> a valores ou da sua relevância ou
proximidade axiológica (da <<justiça>>, da <<ideia de direito>>, dos <<fins de uma
comunidade>>), os princípios têm uma função normogenética e uma função
sistêmica: são o fundamento de regras jurídicas e têm uma idoneidade irradiante que
lhes permite <<ligar>> ou cimentar objectivamente todo o sistema jurídico
constitucional.260

Entretanto, sejam os princípios expressos ou implícitos, sempre houve grande polêmica


no que tange à sua natureza jurídica.

258
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Editora Saraiva, 1990. p. 59.
259
REALE, Miguel. op. cit., p. 49.
260
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1163.
77

Canaris, após conceituar o sistema jurídico como uma ordem teleológica de princípios
gerais de Direito, faz uma clara oposição entre princípios e normas jurídicas, no sentido de que a
conexão aglutinadora de normas, capazes de conferir a eles unidade, não pode ser uma norma
jurídica. Mais adiante, afirma que os princípios não são normas, por serem incapazes de
aplicação imediata, pois necessitam eles de ser normativamente consolidados261.
Atualmente, no entanto, o entendimento predominante é de que possuem, sim, caráter
normativo, tanto que Alexy caracteriza princípios e regras como espécies de normas jurídicas,
porque ambos dizem o que deve ser, podendo ser formulados como expressões deônticas básicas
de mandado, permissão e proibição, bem como são razões para juízos concretos de dever-ser,
embora sejam razões de tipo muito diferente. Desta maneira, arremata o aludido autor que a
distinção entre princípios e regras traduz, na verdade, uma distinção entre dois tipos de
normas262.
Bobbio também reconhece a natureza normativa dos princípios jurídicos:

Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do


sistema, as normas mais gerais. O nome de princípio induz em engano, tanto que é
velha a questão entre juristas se os princípios gerais são normas ou não são normas.
Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta
é a tese sustentada também pelo estudioso que mais se ocupou da problemática, ou
seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos vêm
a ser dois e ambos válidos: antes de tudo, se são normas aquelas das quais os
princípios gerais são extraídos, através de um processo de generalização sucessiva, não
se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies animais,
obtendo sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a
qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas,
isto é, função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é
claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas. E por
que não deveriam ser normas?263

Dessa forma, segundo se demonstrará, ocorreu um deslocamento dos princípios da esfera


da jusfilosofia para o campo da ciência jurídica, com o progressivo reconhecimento da
normatividade principial. Assim, eles saltam também de sua antiga inserção nos códigos para
ingressarem nas Constituições264, onde atuam como o fundamento da ordem jurídica.
Assim, uma verdadeira supervalorização dos princípios ocorreu após o reconhecimento
de sua normatividade e de sua preeminência, os quais se converteram em norma das normas,

261
Cf. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.
Tradução: Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulben Kian, 1996. p. 76-77.
262
Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Editora
Malheiros, 2008. p. 87.
263
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 158.
264
O que Bonavides denomina de: “Transição da ordem jusprivatista para a órbita juspublicista.” (Cf.
BONAVIDES. Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 1994. p. 234.).
78

fonte das fontes, verdadeira viga-mestra do sistema, e o núcleo principial dentro da Constituição
passou a permitir que esta evolua e atualize-se, sem que seu texto seja alterado, pois eles se
adequam facilmente às alterações que ocorrem na sociedade, com o decorrer dos tempos 265.
Desde o início deste tópico, há referências aos princípios implícitos na Constituição. Em
razão disso, faz-se necessário esclarecer que a ordem jurídica constitucional não é composta
apenas pelas normas expressas em seu texto, mas também por outras, que se encontram em seu
interior, ou seja, pelos princípios que subsistem em estado de latência e que podem ser
deduzidos da narrativa textual, tornando necessário ao intérprete desvendá-los e concretizá-los
judicialmente, por meio de sentenças e acórdãos que lhes definirão os limites e o conteúdo.
Salienta-se, ainda, que não existe hierarquia entre eles, sejam expressos ou implícitos 266.
A Constituição reconhece, em seu artigo 5º, § 2º, expressamente, a existência desses
princípios implícitos, ao preconizar que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição,
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte267”.
Um problema, entretanto, precisa ser confrontado, como diferenciar os princípios das
demais regras jurídicas? Qual o traço identificador, com o qual se poderá concluir se estamos
diante de um deles ou de uma regra jurídica?
Muitos são os critérios de distinção. Para melhor esclarecer o assunto, serão analisadas as
duas grandes linhas de pensamento a respeito dos critérios de identificação dos princípios
jurídicos, a de Dworkin, e a de Alexy.
Veja-se, inicialmente, o pensamento de Dworkin. Ele afirma que há uma diferença de
natureza lógica para a distinção entre princípios e regras, apesar de ambos apontarem para
decisões particulares acerca de uma obrigação jurídica em circunstâncias específicas,
distinguem-se quanto a natureza da orientação que oferecem, ou no que concerne a sua
dimensão268.
As regras, para o referido autor, são aplicáveis à maneira do tudo ou nada, de modo que,
diante da ocorrência dos fatos aos quais a regra se refira, sendo ela válida, deverá
necessariamente ser aplicada ao caso concreto. Caso não seja válida, então em nada contribuirá
para a decisão do caso269.
Já no que se refere aos princípios jurídicos, a ocorrência das condições para sua

265
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá Editora, 2006. p. 32.
266
Ibidem, p. 42.
267
MEDAUAR, Odete, Coletânea de legislação ambiental, p. 32.
268
Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 39.
269
Ibidem, p. 36.
79

incidência não impõe necessariamente a sua aplicação ao caso concreto. Eles apenas enunciam
uma razão, conduzem em certa direção, mas, havendo fortes argumentos, contrários à sua
aplicação, podem não prevalecer 270.
Como consequência desse primeiro critério de distinção, surge um segundo, o de peso ou
importância. Quando os princípios se entrecruzam, temos que levar em conta a força relativa de
cada um para solucionar o conflito, ou seja, aquele de maior peso, de maior importância, que
deverá preponderar em relação ao outro; mas isso não faz com que o outro se torne inválido, até
porque o julgamento que determina que um é mais importante que outro frequentemente será
objeto de controvérsia, quando as considerações contrárias à aplicação daquele princípio
estiverem ausentes, ou perderem sua força de convencimento. Ao contrário, se duas regras estão
em conflito, uma delas não pode ser válida. Não podemos afirmar que uma é mais importante
que outra, pois elas não possuem essa dimensão de peso 271.
Na concepção de Alexy, a diferença entre regras e princípios se baseia no modo de
aplicação e no relacionamento normativo 272. Para ele, os princípios seriam verdadeiros
mandados de otimização, compatíveis com vários graus de concretização, isto é, podem ser
cumpridos em graus distintos, e seu cumprimento ocorre na medida do possível, ou seja,
depende da existência de condições fáticas e jurídicas 273. Por outro lado, as regras são normas
que podem ser cumpridas ou não. Infere-se assim um importante critério de diferenciação entre
os princípios e as regras274.
Esta diferença se evidencia claramente quando se faz o exame da solução de conflitos, na
hipótese de conflito de regras e na colisão de princípios, pois eles se diferenciam na forma como
se soluciona o conflito ou a colisão 275.
Dessa forma, um conflito de regras pode ser resolvido pela introdução, em uma das
regras, de uma cláusula de exceção, que elimina o conflito, ou, se isso não for possível, resolve-
se pelas regras que regulam o conflito aparente de normas, declarando inválida uma das regras,
pois o conceito de validez jurídica não é graduável276.
No caso das colisões de princípios, a solução é inteiramente diferente, pois, quando eles

270
Cf. DWORKIN, Ronald, op. cit., p. 40.
271
Ibidem, p. 42.
272
Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Editora Malheiros, 2012. p. 40.
273
Cf. ALEXY, Robert. op. cit., p. 90.
274
Ibidem, p. 91.
275
Ibidem, p. 92.
276
Ibidem, p. 92-93.
80

entram em colisão 277, um princípio cede ao outro sem que se torne inválido. Dessa forma,
verifica-se que os princípios têm pesos distintos, e predomina o de maior peso278.
Essa análise distintiva entre princípios e regras remete para a tônica deste estudo, que
emerge já na gênese normativa, quando o conteúdo orientador de uma porção de realidade, no
caso, do sistema de garantias individuais, entra em conflito com o conteúdo de outro princípio,
neste momento, orientador do sistema de proteção ambiental. As leis promulgadas sob esse
signo, ainda que vigentes, permanecerão imersas em uma séria crise de legitimação.
Essa colisão de princípios, que se convencionou chamar de antinomia, causa uma perda
de coerência na estrutura do sistema jurídico, e, por essa razão, se é levado a buscar por um
critério de solução, com o qual se possa sopesar os valores em conflito, a fim de harmonizar o
sistema jurídico.
O critério tradicionalmente utilizado para a solução dessas antinomias é baseado na
utilização do princípio da proporcionalidade 279, em sentido estrito, que, segundo esclarece
Mello, se trata de um mandado de ponderação, através do qual se poderá efetuar um
balanceamento dos valores em jogo, ou seja, fixar uma prevalência axiológica, verificando, no
caso em análise, qual princípio deve preponderar em face do outro 280.
Diante do exposto, verifica-se que, ao se questionar a incidência de um princípio sobre a
legislação, se faz necessária uma avaliação da correlação entre o estado de coisas posto como
finalidade e os efeitos decorrentes da conduta necessária à sua realização, pois, como já se
demonstrou, deve-se também levar em consideração que os princípios podem ser aplicados de
modo gradual.
Inúmeras dificuldades surgem na identificação desses princípios integrantes do sistema
de garantias individuais, ou como preferimos denominá-los, orientadores do Direito Penal
tradicional. Na doutrina pátria, eles vêm recebendo um tratamento extremamente diferenciado,
tanto sob o enfoque quantitativo quanto terminológico.
Essa multiplicação de expressões, que, muitas vezes, referem-se ao mesmo instituto
jurídico, causa incerteza, o que é extremamente prejudicial não apenas para o presente estudo,
como também para a aplicação e para o ensino. É necessária uma unificação na terminologia
utilizada para designar esses princípios do Direito Penal clássico.
277
Conforme Alexy, é o caso quando, segundo um princípio, algo está proibido e, segundo outro, algo está
permitido. (ALEXY, Robert. op. cit., p. 93.).
278
Ibidem, p. 94
279
Conforme o Aranha, por essa razão o princípio da proporciolidade também é chamado de princípio do interesse
predominante. (ARANHA, Adalberto José Q. T. Camargo. Da prova no processo penal. São Paulo: Saraiva, 1996.
p. 56.).
280
MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O princípio da proporcionalidade no direito penal. In, SCHIMITT,
Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constucionais. Salvador: Editora Podivm, 2007. p. 100.
81

Diante da mencionada diversidade, o trabalho se orientará pela terminologia empregada


por Prado em sua obra281, muito embora seja necessário ressalvar que a análise da presente
pesquisa irá restringir-se apenas aos seguintes princípios: da dignidade da pessoa humana, da
legalidade, da culpabilidade, da exclusiva proteção de bens jurídicos e da lesividade e da
intervenção mínima e da fragmentariedade.
Essa restrição ocorre por uma simples razão. Entre todos os princípios de orientação
garantista, são apenas estes que, sob determinados aspectos, não se compatibilizam com as
modernas técnicas legislativas utilizadas para a construção das estruturas e modelos de
tipificação utilizados na legislação penal ambiental brasileira, conforme se demonstrará.

2.5.1. Principio da Dignidade da Pessoa Humana

A abordagem inicia-se pelo princípio da dignidade da pessoa humana. A opção não


poderia ser outra, pois, “para além de ser também um valor, configura-se como sendo o principio
de maior hierarquia da Constituição brasileira e de todas demais ordens jurídicas que o
reconheçam282”.
Para se refletir sobre um princípio de tamanha envergadura, considerar-se-á sua origem,
evolução e seu alcance, pois, conforme revelam Sarlet e Fensterseifer:

Há uma lógica evolutiva nas dimensões da dignidade humana que também podem ser
compreendidas a partir de uma perspectiva história da evolução dos direitos humanos e
fundamentais, já que esses, em larga medida, simbolizam a própria materialização da
dignidade humana em cada etapa histórica283.

Dessa forma, para a compreensão desse princípio, efetua-se a análise, ainda que de forma
sucinta, do surgimento e da evolução da expressão pessoa humana, a qual, por sua própria
natureza, está inseparavelmente ligada à ideia de dignidade.
Na filosofia grega, encontram-se as primeiras ideias concernentes ao valor nato do
homem e sua distinção dos outros elementos do mundo, como Protágoras de Abdera dizia “o

281
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 130-161.
282
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas notas sobre a dimensão ecológica da dignidade
da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em geral. In: MOLINARO, Alberto Carlos; MEDEIROS, Fernanda
Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet; FENSTERSEIFER, Tiago. A dignidade da vida e os direitos
fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Editora Fórum. 2008. p. 177.
283
Ibidem, p. 180.
82

homem é a medida de todas as coisas” 284.


É, todavia, com o advento do Cristianismo que a espécie humana recebe um tratamento
extremamente relevante, calcado na semelhança que possui com Deus e na superioridade em
relação a outros animais, conforme se vê em Gênesis 1,26: “Deus disse, façamos o homem à
nossa própria imagem e segundo a nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar,
as aves do céu, os animais domésticos e todos os animais selvagens e todos os répteis que se
arrastam sobre a terra”.
Vê-se, assim, como as três grandes religiões do livro sagrado, o Judaísmo, o Islamismo e
o Cristianismo contribuíram decisivamente para o surgimento do antropocentrismo, um sistema
de pensamento que coloca o homem acima e fora da natureza, porquanto a partir do momento
em que esta é concebida como criação, o seu valor é necessariamente relativo, subordinado à
onipotência do seu Criador.
A influência do antropocentrismo é decisiva na busca e na demonstração da dignidade da
pessoa humana. Fez germinar as bases do pensamento sob o qual se erigiu o movimento
iluminista e onde surge a concepção de que a sociedade deve ser organizada visando à felicidade
humana, e, para tanto, devem ser respeitados os direitos naturais do homem.
Naquela época já se conseguia identificar a consciência de um princípio da dignidade
humana, implícito no ideário dos enciclopedistas, pois ele se fazia latente na defesa do homem,
que não pode ser tratado como um objeto.
A propósito, vale citar Beccaria, para quem “deixa de existir liberdade sempre que as leis
permitem que em determinadas circunstâncias um cidadão deixe de ser ‘um homem’ para vir a
ser ‘uma coisa’285”.
É assim que, no século XVIII, com a gênese do Estado Liberal, se impõe ao Estado o
dever de “respeitar a liberdade ética do homem individual e reconhecer uma vinculação jurídica
para os próprios atos286”, cabendo-lhe, além da organização e regulamentação da atividade
estatal, a garantia dessa liberdade e a segurança da pessoa e da propriedade individual.
Já no final do século XIX, operários, “instigados faticamente pela contradição entre a
liberdade do liberalismo e a escravidão social287 em que viviam288”, revoltaram-se com tais

284
Cf. CARVALHO, João Paulo Gavazza de Mello. Principio Constitucional Penal da Dignidade da Pessoa
Humana. In: SCHIMITT, Ricardo Augusto (Org.), Princípios Penais Constitucionais. Salvador: Editora Podivm,
2007. p. 280.
285
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Rideel, 2003. p. 93.
286
COPETTI, André. Direitos humanos como fundamento epistemológico das reformas penais no Estado
Democrático de Direito. In: COPETTI, André (Org.). Criminalidade moderna e reformas penais: estudos em
homenagem ao professor Luiz Luisi. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 99.
287
Naquele período histórico, as queixas da classe operária referia-se principalmente ao prolongamento da jornada
de trabalho, a redução de salários, a o emprego de mulheres e crianças em atividades insalubres, a falta de higiene e
83

condições, e isso produziu um movimento de resistência, que se expressou das mais diversas
maneiras. As organizações de trabalhadores, que, inicialmente, possuíam apenas objetivos
assistenciais, acabaram por se tornar pontos de organização da classe trabalhadora, surgindo
assim o embrião do que viriam a ser os sindicatos, que passaram a lutar pelo reconhecimento de
condições mínimas aos trabalhadores.
Vendo essa questão social posta, em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicam o
manifesto do partido comunista, que conferiu ao movimento operário um conteúdo ideológico
mais sólido que o de outras tendências socialistas que até então o motivaram teoricamente289.
Dessa forma, ante o inexorável reconhecimento de que não basta se afirmar a igualdade,
mas é necessário reconhecer as diferenças e proteger os mais fracos, é que o individualismo
liberal cedeu ante as exigências sociais e assim se dá inicio ao processo de institucionalização do
Estado Social.
O princípio da dignidade da pessoa humana ganha assim uma nova dimensão, que mitiga
seu individualismo original e egoísta, revelando sua dimensão social:

[...] à luz de uma perspectiva fundada no princípio constitucional da solidariedade, a


dignidade humana – mais que aquela garantida a pessoa – é a que se exerce com o
outro, com o que apenas se enfatiza a perspectiva relacional da pessoa humana em face
do corpo social que integra, bem como o compromisso jurídico (e não apenas moral)
do Estado e dos particulares na composição de um quadro social de dignidade para (e
com) todos290.

Isso, todavia, ainda não basta para a concretização de um Estado Socioambiental de


Direito, que terá que afrontar os riscos ambientais gerados pela sociedade de risco
contemporânea; é preciso ainda revelar a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana 291.
Assim, mudam-se os paradigmas e as visões de mundo, e, talvez, o precursor de toda
essa nova visão de mundo tenha sido São Francisco de Assis, ao proclamar a água, a terra e a
natureza como irmãos vivos, reconhecendo que a vida se expande das mais diversas maneiras.
Amplia-se, dessa maneira, o conceito de vida para além do homem, pois ele não pode
colocar-se acima da natureza da qual na verdade faz parte. Diante desses novos valores, Jonas
chega a afirmar o reconhecimento de fim em si, para além da esfera do humano:

de medidas de segurança, e até a implementação de pagamentos através de um sistema de permutas, em que os


patrões pagavam em gênero e não em dinheiro.
288
COPETTI, André (Org.). Criminalidade moderna e reformas penais, p. 100.
289
Idem.
290
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas notas sobre a dimensão ecológica da
dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em geral, p. 180.
291
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial
(ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 16.
84

Deixou de ser absurdo indagar se a natureza em sua condição extra humana, hoje
subjugada ao nosso poder, exatamente por esse fato não se tornaria um bem a nós
confiado, e por essa razão seria capaz de nos impor algo como uma exigência moral,
que se daria não só por nossa própria causa, mas também em causa própria e por seu
próprio direito292.

Dessa forma, na tentativa de se construir uma noção mais abrangente de humanidade, já


se pode reconhecer que “a espécie humana está vinculada integralmente com outras partes do
sistema natural293”. Sob esse aspecto se busca justificar a proteção do meio ambiente entre uma
visão antropocêntrica radical, em que o ser humano é o centro do universo, e os demais seres
valem apenas como meios para a plena realização humana e uma visão diametralmente oposta,
na qual o homem passa a ser um mero integrante da natureza.
Jonas deixa claro a necessidade de conciliar essas duas correntes, e o chamado sistema
antropocêntrico alargado se apresenta como a superação dialética das posições extremadas
anteriores, ante o reconhecimento de que homem e natureza são elementos inseparáveis, avança
no sentido da interação entre eles. O problema que surge é como construir um conceito mais
alargado da noção de dignidade, que seja adequado a essa nova forma de Estado, impondo o
respeito e a proteção sobre essas outras realidades, não humanas, por meio do qual se possa
integrar animais e até mesmo os recursos naturais.
Nesse sentido, Sarlet e Fensterseifer destacam a inovação incorporada pela Constituição
Suíça, em seu artigo 24, ao reconhecer uma “dignidade da criatura”, e observam a respeito que:

O idealizador do “movimento” suíço de reforma constitucional, Peter Saladin, sustenta


um novo perfil constitucional para o tratamento da questão ambiental baseado em três
princípios éticos: a) princípio da solidariedade (justiça intrageracional); b) princípio do
respeito humano pelo ambiente não-humano (justiça interespécies); c) princípio da
responsabilidade para com as futuras gerações (justiça intergeracional)294.

No âmbito da Lei Fundamental da Alemanha, a reforma constitucional de 1994 deu um


passo para além do antropocentrismo puro, ao substituir a expressão “vida humana” por “bases
naturais da vida”, em seu artigo 20a, o que leva Sarlet e Fensterseifer a destacar o trabalho de
juristas alemães, que propugnam por uma abordagem não antropocêntrica e ética em relação aos
animais não humanos. Dentre os quais, sobressai o trabalho de Klaus Bosselmann, com a ideia
de direitos humanos ecológicos:

292
JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de
Janeiro: PUC-Rio, 2006. p. 41.
293
WEISS, Edith Brown, op. cit., p. 13.
294
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas notas sobre a dimensão ecológica da
dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em geral, p. 188.
85

[...] os quais objetivam reconciliar a base filosófica dos direitos humanos com os
princípios ecológicos, conectando o valor intrínseco do ser humano com o valor
intrínseco de outras espécies e do ambiente como um todo. A partir de tal
compreensão, os direitos humanos e fundamentais (como, por exemplo, a dignidade da
pessoa humana, a liberdade, a propriedade e o desenvolvimento) precisam
corresponder ao fato de que o indivíduo não opera somente num ambiente social, mas
também num ambiente natural [...]295.

Muitos outros autores, no entanto, já se debruçam sobre o tema. Silva defende o


“antropocentrismo ecológico”, à medida que propõe um alargamento da compreensão
antropocêntrica do Direito, repudiando qualquer visão utilitarista ou instrumental da natureza:

Ao fazer radicar a protecção da ecologia na dignidade da pessoa humana, mediante a


consagração de direitos fundamentais, é devidamente reconhecida a dimensão ético-
jurídica das questões ambientais. Mas, simultaneamente, tal opção implica ainda o
afastamento de visões ambientalistas “totalitárias”, viradas para a proteção
maximalista do ambiente [...]296.

Ayala afirma que:

[...] a modificação do significado do outro, a atuação responsável do homem em face


de outro, e o respeito (reconhecimento) da dignidade desse outro é que permite o
reconhecimento de um novo ethos, para a definição dos sujeitos envolvidos nas novas
relações jurídicas. Esse conjunto de condições se insere no espectro global da proteção
de condições adequadas para o desenvolvimento e conservação da vida, e não
simplesmente da vida qualificada pelo elemento humano. Assim, ao tratar da proteção
dos interesses das futuras gerações, pretende-se desenvolver uma proposta de proteção
integral da vida, compreendendo aqui, como sujeitos, todos os seres vivos 297.

Sarlet e Fensterseifer, ao reconhecerem a consagração constitucional da proteção


ambiental, constatam que:

Assim como outrora os direitos liberais e os direitos sociais formatavam o conteúdo da


dignidade humana, hoje também os direitos de solidariedade, como é o caso
especialmente da qualidade ambiental, passam a conformar o conteúdo da dignidade
humana, ampliando o seu âmbito de proteção298.

Uma ressalva, no entanto, deve ser feita, a concepção de dignidade sob a ótica da cultura
ocidental ainda se encontra calcada no imperativo categórico kantiano: “Age de tal forma que

295
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas notas sobre a dimensão ecológica da
dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em geral, p. 189.
296
SILVA, Vasco Pereira da. Verdes são também os direitos do homem: responsabilidade administrativa em
matéria de ambiente. Cascais: Principia, 2000. p. 17.
297
AYALA, Patrick. Direito e incerteza, p. 167.
298
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas notas sobre a dimensão ecológica da
dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em geral, p. 181.
86

trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também
como um fim e nunca unicamente como meio 299”.
Conforme explica Abbagnano 300, esse imperativo estabelece que todo ser racional, como
fim em si mesmo, possui um valor intrínseco, não relativo, que é superior a qualquer preço, e,
por isso, não permite nenhuma equivalência. Essa é a essência daquilo que se denomina
dignidade.
E revela que a racionalidade e a autodeterminação são requisitos dessa concepção de
dignidade; portanto, para que ela abarque toda essa pretendida comunidade moral, precisa-se
romper com essa definição desenvolvida sob o imperativo Kantiano e alargar seu conceito.
Recorrendo-se à cultura oriental, existem outras perspectivas valorativas. Exemplo disso
é o dharma, extraído da cultura indiana, que estabelece os princípios com os quais os homens
devem conformar-se e no qual se vê a presença da natureza valorizada em si mesma, o que
reflete a decisão da Corte Superior de Kerala, reproduzida por Nussbaum:

[...] Embora não homo sapiens [sic], eles também são seres com direito a uma
existência digna e tratamento humanitário sem crueldade e tortura... Por essa razão,
não é apenas um dever fundamental nosso mostrar compaixão por nossos amigos
animais, mas também reconhecer e proteger seus direitos... Se os humanos são titulares
de direitos fundamentais, por que não os animais?301

E conduz a autora a afirmar que “nós humanos compartilhamos um mundo e seus


recursos escassos com outras criaturas inteligentes. Essas criaturas são capazes de existência
digna302.”
Em conclusão, é preciso reconhecer que, na construção de um Estado de justiça, ou de
equidade ambiental, não há como ignorar a necessidade de se respeitar e proteger essas outras
realidades, não humanas, mas merecedoras e dignas de respeito.
A dignidade enquanto qualidade, caráter, do ser humano não pode mais permanecer
limitada a uma acepção calcada na filosofia ocidental. Ela deve ser reinterpretada, oferecendo-
lhe um conceito mais amplo, diria até universal, de dignidade.
Sob essa ótica, desvinculada da acepção restritiva calcada na filosofia ocidental, é que se
acredita poder falar em dignidade da vida, compreendendo todas as formas de vida, pois a ideia

299
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 326.
300
Idem.
301
NUSSABAUM, Martha Craven. Para além de “compaixão e humanidade”: justiça para animais não-humanos.
In: MOLINARO, Alberto Carlos; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet;
FENSTERSEIFER, Tiago. A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma
discussão necessária. Belo Horizonte: Editora Fórum. 2008. p. 88.
302
NUSSABAUM, Martha Craven, op. cit., p. 89.
87

de fim em si mesmo não deve restringir-se à fronteira do humano racional, mas alargar-se,
envolvendo todas as formas de vida e oferecendo também às criaturas não humanas o
reconhecimento de que são dignas de respeito e, só por isso, já se fazem merecedoras de
proteção.
Assim, chega-se ao reconhecimento de que a solidariedade para com outras formas de
vida é uma das dimensões da dignidade humana e revela-se o verdadeiro alcance da proteção
emanada por esse princípio, que deverá aspergir sua forte carga valorativa sobre todo o sistema
de direitos fundamentais.
Por essa razão, o texto constitucional concedeu a ele um status diferenciado (art. 1º, inc.
III, da CF/88), ao colocá-lo topograficamente acima dos demais princípios.

2.5.2. Principio da Legalidade

A despeito de ter a Magna Carta, imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra,
em 1215303, preceituado, em seu art. 39, que nenhum homem livre poderia ser punido sem lei,
cabe indubitavelmente ao ideário de Montesquieu e de Rosseau, respectivamente, a tripartição
dos poderes e a ideia da lei como fruto da vontade consensual dos cidadãos, realizada por meio
de seus representantes democraticamente eleitos, os quais assim estabeleceram o alicerce
necessário ao principio da legalidade.
Dentro desse panorama, destacou-se Beccaria, que, sob a roupagem do pensamento da
época (Iluminista), reapresenta o aludido princípio, ao afirmar, em sua obra, que “apenas as leis
podem fixar penas com relação aos delitos praticados; e essa autoridade não pode residir senão
na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade agrupada por um contrato social. 304”
Assim exsurge o princípio da legalidade, como o conhecemos, traduzindo-se em
segurança jurídica e garantia da liberdade do cidadão contra as intervenções arbitrárias do
Estado. Já sua consagrada fórmula latina, nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, veio a
lume apenas no início do século XIX, com Feuerbach.
Atualmente, as constituições modernas, em sua quase unanimidade, fixam a garantia de
um princípio da legalidade, ao menos em termos gerais. No Brasil, encontra-se previsto no art. 1º
do Código Penal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem

303
Não obstante o que estabeleceu a Magna Carta de 1215, nas ilhas britânicas, as normas jurídicas na sua maior
parte não são escritas, e sim, consuetudinária, é o costume, filtrado pela jurisprudência, a fonte primordial da
legislação repressiva. Assim, em razão do sistema jurídico vigente, naquele país, não impera o princípio que ora
estudamos, tem se entendido que este dispositivo não representava garantia de direito substantivo, mas apenas
processual.
304
BECCARIA, Cesare, op. cit., p. 20.
88

prévia cominação legal”, possuindo também uma base constitucional, igualmente expressa no
inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal.
O aludido princípio apresenta as mais diversas designações nominativas na doutrina, mas
sempre com semelhante conteúdo.
Optou-se por Hungria305, ao se referir ao princípio que obriga a previsão legal de toda
conduta humana que se pretenda incriminar, como sendo, simplesmente, o princípio da
legalidade.
Como ele apresenta uma multiplicidade de funções, as quais podem caracterizar diversas
externações principiológicas. A fim de melhor compreendê-las, organizou-se o estudo pelo
esquema proposto por Maurach306, o qual desdobra o princípio em quatro outros, a saber:
a) nullum crimen, nulla poena sine lege praevia;
b) nullum crimen, nulla poena sine lege scripta;
c) nullum crimen, nulla poena sine lege stricta;
d) nullum crimen, nulla poena sine lege certa.
Então, sem pretender-se uma filiação à classificação esposada por Maurach, destaca-se,
para efeito de estudo, sua primeira função, a do nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, a
qual se desdobra em um corolário de três princípios decorrentes da legalidade, a saber: princípio
da anterioridade, princípio da irretroatividade e princípio da retroatividade benéfica.
O princípio da anterioridade veio a lume no texto da Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, subsequente à Revolução Francesa, a qual dizia, em seu art. 8º, que “ninguém
pode ser punido senão por força da lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente
aplicada.”
A fim de se esclarecer o aludido princípio, é necessária a compreensão de que o princípio
da legalidade já pressupõe a anterioridade da lei penal, senão de nada serviria a garantia de que
não existe crime sem lei, se acaso se pudesse punir o infrator com uma lei posterior, de forma
retroativa. Então, deve-se entender por anterioridade referente a uma lei incriminadora o fato de
que ela deve estar em plena vigência antes do cometimento da conduta, para que possa ser
aplicada.
O princípio da irretroatividade, que também costuma ser denominado de princípio da

305
NÉLSON, Hungria. Comentários ao Código Penal, Volume I, tomo I. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1980. p.
21.
306
Cf. MAURACH, Reinhart; GÖSSEL, Karl Heinz; ZIPF, Heinz. Tradução: Jorge Bofill Genzesch. Derecho
Penal: parte general. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1995. p. 277-278.
89

irretroatividade da lei penal incriminadora307, possui antigas raízes históricas. Há divergências


doutrinárias no que concerne à sua gênese histórica. Enquanto Lopez afirma que suas raízes se
encontram no Direito Romano 308, Fragoso atribui sua origem ao Direito Canônico 309; no entanto,
não restam dúvidas de que o aludido princípio se consagrou com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão, que, em seu art. 11, diz que “ninguém pode ser condenado
por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituíam delito,
segundo o direito nacional ou internacional. Por igual, não é permitido cominar-lhe nenhuma
pena maior da que lhe seria aplicável na ocasião em que o ato delituoso foi praticado. 310”
Encontra-se previsto também na Constituição brasileira, que, em seu artigo 5º, inciso XL,
dispõe que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu311”, assim, cumpre verificar
que o princípio da irretroatividade diferencia-se do princípio da anterioridade, pois este se
relaciona com a validade da lei penal em relação à sua vigência, e aquele, com a legalidade no
que tange à sucessão de leis penais no tempo, oferecendo ao cidadão a garantia de que, ante as
mudanças valorativas na legislação, não haverá interferência em seu desfavor.
A terceira externação principiológica, ainda decorrente dessa primeira função do
princípio da legalidade312, é o princípio da retroatividade da lei penal benéfica.
Destarte, se determinado crime é abrandado por meio da redução quantitativa de sua
pena, mediante lei posterior, determina-se a retroação da lei nova aos fatos alcançados pela lei
anterior. É exatamente o inverso do que estabelece o princípio da irretroatividade da lei penal
incriminadora. É importante observar que, se a lei posterior deixar de considerar crime aquela
conduta, então se opera a camada abolitio criminis, extinguindo-se a punibilidade do agente313.
Sua descrição legal encontra-se, não só na constituição brasileira, no aludido art. 5º,
inciso XL, como também no Código Penal, em seu art. 2º, que esclarece “ninguém pode ser
punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a
execução e os efeitos penais da sentença condenatória 314”, e, em seu parágrafo único, acrescenta
“a lei posterior que, de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda
que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. 315”

307
Cf. LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Principio da legalidade penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1994. p. 94.
308
Ibidem, p. 90.
309
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1994. p. 100.
310
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Coletânea de direito internacional, p. 788.
311
MEDAUAR, Odete, Coletânea de legislação ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 29.
312
Conforme a divisão proposta por Maurach.
313
Cf. LOPES, Maurício Antonio Ribeiro, Principio da legalidade penal, p. 102.
314
PIERANGELLI, Jose Henrique, op. cit., p.449.
315
Idem.
90

Outro princípio decorrente da legalidade, segundo Maurach, é o nullum crimen, nulla


poena sine lege scripta, ou seja, nada mais é que a afirmação de que só a lei pode criar crimes e
penas, resulta a proibição da invocação do direito consuetudinário para fundamentação ou
agravação da pena. Não se deve supor, porém, que o Direito costumeiro não mais possa ser
invocado no âmbito do Direito Penal, pois ele ainda pode e deve ser invocado como fonte de
interpretação e de integração das normas penais, em especial quando o for em benefício do
infrator316.
O princípio da exigibilidade de lei escrita se refere diretamente à forma de produção das
normas penais, restringindo a definição de crimes e a cominação de penas à lei, não permitindo
assim que atos com força de lei, como a medida de segurança e o extinto decreto-lei, sejam
utilizados para a gênese de condutas a serem incriminadas.
Assim, tal produção compete exclusivamente à lei ordinária, e as leis complementares à
Constituição, muito embora não pareça fazer muito sentido a inserção de condutas típicas e
penas no texto da Constituição, nenhuma afronta ao princípio haveria se isso ocorresse317.
Outra externação principiológica decorrente do princípio da legalidade, apontada por
Maurach, é denominada nullum crimen, nulla poena sine lege stricta, a qual proíbe o emprego
da analogia para criar crimes.
Diante do caráter fragmentário do Direito Penal, não há como não aceitar a existência de
lacunas, mesmo assim, não se pode permitir ao juiz que recorra à analogia 318 para sua integração,
pois estar-se-ia afrontando o princípio da legalidade sob dois aspectos: primeiro, e mais óbvio, o
que determina a reserva da lei como fonte única do Direito Penal; mas também sob o aspecto da
irretroatividade, pois o juiz, ao realizar a operação analógica para criar a norma incriminadora,
forçosamente já o faria após a ocorrência do fato, e, dessa forma, a norma ali criada não poderia
ter sido conhecida nem prevista pelo agente.
Assim sendo, não se pode deixar de reconhecer a existência de um princípio da proibição
da analogia, como corolário do princípio da legalidade, muito embora, por outro lado, também
não se pode deixar de observar que o Direito Penal admite, sim, o emprego da analogia, desde
que in bonam partem. Assim, poderiam ter aplicação analógica os preceitos referentes à
exclusão do crime, ou da culpabilidade, assim como a extinção de punibilidade 319.
O último desdobramento do princípio da legalidade é o nullum crimen, nulla poena sine

316
Cf. LOPES, Maurício Antonio Ribeiro, Principio da legalidade penal, p. 110-111.
317
Ibidem, p. 107-109
318
O processo analógico consiste na extensão de um preceito de lei a casos nele não compreendidos, mas que
tenham, com as hipóteses previstas na lei, uma relação de afinidade que as faça compreender na mesma razão
jurídica que inspirou a norma formulada.
319
Cf. LOPES, Maurício Antonio Ribeiro, Principio da legalidade penal, p. 119-121.
91

lege certa, que se refere à proibição de incriminações vagas e imprecisas 320.


Essa é a função do principio da legalidade que mais interessa ao presente estudo, pois
não basta que a lei anteceda ao crime e à pena, nem que ela não seja aplicável às hipóteses
análogas; é também necessário que a conduta humana seja descrita com clareza e precisão, e que
a pena cominada esteja contida em parâmetros adequados.
O princípio da taxatividade ou da determinação, sob a ótica de Luiz Régis Prado, se
divide em dois aspectos, os quais devem ser observados.
Sob o aspecto da taxatividade, assevera Prado, “busca-se estabelecer as margens penais
às quais está vinculado o julgador.321” Os poderes discricionários do Juiz, ao individualizar a
pena, devem ser limitados, a fim de se evitar um abuso Judicial.
No que concerne à determinação, ele direciona-se ao legislador, exigindo que, na
formalização dos tipos, empregue-se uma técnica legislativa adequada à descrição das condutas
da forma mais exata possível, proibindo-se a utilização excessiva de elementos indeterminados
ou vagos na construção dos tipos legais, tais como os elementos normativos, os tipos penais
abertos, as leis penais indeterminadas ou em branco, o uso de cláusulas gerais e do uso de
elementos subjetivos do tipo 322.
Obviamente encontram-se nessa relação algumas das principais técnicas legislativas que
vêm sendo utilizadas na estruturação dos modelos de tipificação empregados pela legislação
penal ambiental. Inegavelmente, sob esse aspecto, são construções que afrontam o princípio da
legalidade.
Aqueles, entretanto, que ainda interpretam o princípio da legalidade sob a ótica da
determinação de forma inflexível, estão em descompasso com a própria evolução metodológica
do tipo penal, pois faz muito tempo que se superou o modelo proposto por Ernst Beling, em
1906, “o tipo penal desprovido de valor, objetivado e descritivo 323”. Historicamente, a evolução
do tipo penal decorre do próprio desenvolvimento social, que o tem levado a perder sua
objetividade em função da complexidade das condutas que precisa abarcar em sua descrição324.
Sob esse aspecto, os conceitos valorativos já impregnam todo o ordenamento jurídico
penal e conforme adverte Bitencourt, já não há mais como abandoná-los325. A mais severa
afronta ao mandado de determinação é proveniente da técnica legislativa denominada norma
penal em branco; no entanto, já não são poucos os doutrinadores que, a exemplo de Prado,

320
Cf. LOPES, Maurício Antonio Ribeiro, Principio da legalidade penal, p. 127.
321
PRADO, Luiz Regis, Curso de direito penal brasileiro, p. 133.
322
Ibidem, p. 133.
323
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo, op. cit., p. 61.
324
Ibidem, p. 17.
325
BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 11.
92

entendem que “a necessidade e a própria natureza da matéria ambiental justificam o emprego do


procedimento técnico-legislativo da norma em branco na formulação dos tipos de injusto 326”.

2.5.3. Principio da Culpabilidade

Conhecido também por sua fórmula latina nullum crimem sine culpa, o princípio, em seu
significado mais elementar, refere-se à proibição de se responsabilizar alguém por fato danoso
determinado, sem que sua conduta seja reprovável, já que em conformidade com o que enfatiza
Costa “culpabilidade é reprovabilidade 327”.
Para que, no entanto, se tenha um entendimento perfeito desse princípio, é extremamente
importante observar sua origem e seu desenvolvimento.
Assim sendo, para a compreensão do surgimento e da evolução da culpabilidade na
história, será necessário lançar um olhar ao passado, ao período denominado primitivo, no
Direito Penal, era em que o homem se agrupava em tribos, e os fenômenos naturais, como secas,
inundações e pestes eram interpretados como resultantes de forças divinas encolerizadas.
Nesse período, a responsabilidade era puramente objetiva; bastava o simples nexo causal
entre a conduta e o resultado, que geralmente se caracterizava pela desobediência a um tabu328,
pouco importando se o transgressor teve culpa ou não.
O castigo era desproporcional à ofensa; geralmente se exigia o sacrifício da vida do
transgressor. Com a evolução social, para se evitar a dizimação das tribos, surge o chamado
princípio de talião, considerado um grande avanço em relação ao sistema anterior, pois, sob sua
orientação, o castigo passou a se limitar em um mal idêntico ao praticado329.
O talião colaborou em todo o direito inicial dos povos. Seus indícios já podem ser
encontrados no Código de Hamurabi babilônico, no livro do Êxodo hebreu, e também na Lei das
XII Tabuas romana330.
Dessas limitações da reação à ofensa, a um mal idêntico ao praticado exsurge, ainda que
de forma rudimentar, parte do conteúdo que hoje se atribui ao princípio da culpabilidade, pois a
pena deveria ser dosada segundo o grau de reprovabilidade da conduta do agente.
Em Roma, por meio do talião e da composição civil, evoluiu-se das fases da vingança
privada, e, assim, Direito e Religião separaram-se, o crime passa a ser encarado como uma

326
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, p. 97.
327
COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal, Volume I, Tomo I. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1992. p. 321.
328
Proibições religiosas, sociais ou políticas, criadas para aplacar a ira dos deuses.
329
Fractura pro fractura, oculum per oculo, detem pro dente restituat.
330
ALTAVILA, Jayme. Origem dos direitos dos povos. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1963. p. 39.
93

violação da ordem pública, e não um atentado a interesses particulares. Diante disso, a pena
torna-se, em regra, pública.
Deve-se ainda ressaltar que, no Direito Romano, houve um grande desenvolvimento dos
conteúdos atribuídos ao princípio ora em análise, pois se criaram os conceitos de dolo, culpa e
também de imputabilidade, passando-se a determinar a punição do autor do fato, sempre de
acordo com o aspecto subjetivo de seu ato, gerando-se o que se denomina atualmente de
responsabilidade subjetiva e pessoal.
Já o período medieval foi fortemente influenciado pelas ideias cristãs, entre as quais
destacou-se a do livre arbítrio 331, que se impregnou nos alicerces da justiça da época, sob o
seguinte raciocínio: se o homem é livre para decidir entre o bem e o mal, o crime é uma forma
de pecado, gerado por sua própria vontade. Assim sendo, não se justifica uma punição apenas
pela existência do nexo causal entre a ação e o resultado.
Dessa forma, chega-se ao período denominado moderno, que foi intensamente
influenciado pelo Iluminismo e outros movimentos filosóficos que permearam o final do século
XVIII, quando o homem tomou consciência crítica do problema penal, como problema filosófico
e jurídico que é, e, sob esse enfoque, os casos de responsabilidade penal objetiva ainda existentes
e a aplicação de penas cruéis foram profundamente criticados.
Hodiernamente, a culpabilidade é a possibilidade de se reprovar o autor de um fato
punível, sem a qual não existe crime, pois, no atual sistema penal, não é mais sustentável a
responsabilidade objetiva.
Seguindo a divisão proposta por Palazzo, “a ‘virtude’ constitucional do princípio da
culpabilidade é dúplice, inscrevendo-se ora como fundamento da pena e do próprio jus puniendi,
ora como limite da intervenção punitiva do Estado.332”
A culpabilidade como limite da intervenção punitiva do Estado, que impede a aplicação
de pena que não seja proporcional à gravidade da culpabilidade, é a própria segurança de uma
pena justa, merecida e proporcional à culpabilidade pessoal do autor do delito, enquanto a
culpabilidade, sob o aspecto de fundamento da pena, segundo Bacigalupo, “tem a missão de
constatar os elementos que fundamentam a reprovabilidade do autor333”, muito embora não
determine a estrutura do conceito de culpabilidade na teoria do delito.
Sob essa ótica, podem-se extrair duas conclusões: a primeira é que não se pode mais

331
Livre Arbítrio, obra de Santo Agostinho, trata da origem do mal moral, esclarecendo que Deus nos deu a
liberdade de escolha entre o bem e o mal.
332
PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1989. p. 52.
333
BACIGALUPO, Enrique. Direito penal parte geral, São Paulo: Editora Malheiros, 2005. p. 150.
94

admitir a responsabilidade pelo mero resultado, quando absolutamente imprevisível,


prescindindo-se de dolo ou culpa.
Assim sendo, somente se poderá responsabilizar aqueles que tenham preenchido as
condições psíquicas de atuar e, para isso, exige-se também a presença dos elementos inerentes à
culpabilidade, que, segundo Costa, são “a imputabilidade, o conhecimento da antijuridicidade do
fato praticado e a exigibilidade de um comportamento diverso 334”.
Inegavelmente alicerçada na teoria da ficção, que segue o princípio societas delinquere
non potest, obviamente cunhado pelo pensamento individualista do iluminismo 335, essa
construção dogmática adotada pela doutrina penal brasileira não admite a possibilidade de que o
ente coletivo realize um juízo de reprovação do ato praticado, sem que tenha que recorrer às
pessoas físicas que o compõem.
Diante dessa incapacidade genérica de entendimento e querer, ao realizar uma ação, não
se pode falar em livre autodeterminação da pessoa jurídica, o que inviabiliza a reprovabilidade
do ato. Admitir-se a responsabilidade sob essa ótica seria admitir a responsabilidade penal
objetiva.
Ademais, controles sociais menos agressivos que o Direito Penal, como o emprego de
multas e o pagamento de indenizações, mostram-se ineficientes para opor-se à motivação
econômica que impulsiona os já chamados criminosos de colarinho verde 336, especialmente
quando o valor gasto com a sanção pode ser integrado aos custos de produção, repercutindo
assim sobre o consumidor final.
Ora, a discussão sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode mais ser
travada com espanto. Tanto é assim que as legislações de vários países já indicam a forte
tendência nesse sentido.
A teoria da realidade, amplamente aceita nos países de origem anglo-saxônica, é
completamente oposta à teoria da ficção. Ela admite que existam organismos sociais dotados de
vontade própria e vida autônoma 337, ou seja, capacidade de ação. Portanto, poderia praticar atos
contrários à legislação penal, e essas ações seriam penalizadas.
Sob a ótica da teoria da realidade, as grandes corporações têm vontade própria
independente até mesmo da vontade de seus dirigentes:

334
COSTA, Álvaro Mayrink da, op. cit., p. 324.
335
Cf. MORAES, Márcia Elayne Berbich de. A (in) eficiência do direito penal moderno para a tutela do meio
ambiente na sociedade de risco (lei n.º 9.605/98). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. p. 107.
336
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 84.
337
PIERANGELI, José Henrique. A constituição e a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. In: COPETTI,
André (Org.). Criminalidade moderna e reformas penais: estudos em homenagem ao professor Luiz Luisi. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 20.
95

[...] há casos e que a vontade individual é absorvida pelo coletivo, o qual o autor
denomina “embotamento das reacções individuaes, que são absorvidas pelo caudal do
espírito colectivo”. O que ocorre é uma dissolução do sentimento individual no grupo
podendo ser, a vontade do grupo, diferente de seus (s) integrantes338.

Dessa forma, para que se instrumentalize esse moderno Direito Penal ambiental, com a
possibilidade de responsabilizar criminalmente o ente coletivo e, dessa forma, as grandes
corporações que usufruem diretamente dos benefícios econômico-financeiros decorrentes dos
danos causados ao meio ambiente, precisa-se de “uma nova visão do princípio da
culpabilidade339”, que não se restrinja aos cânones do Direito Penal clássico.

2.5.4. Princípios da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos e da Lesividade

É importante observar que o conceito de bem jurídico somente aparece na história a partir
do século XIX, diante de concepções iluministas que definiam o fato punível como sendo a lesão
de direitos subjetivos. Foi então que Feuerbach sentiu a necessidade de demonstrar que em todo
preceito penal existe um direito subjetivo como objeto de proteção. Liszt, por sua vez,
transportou o conceito de bem jurídico do direito subjetivo para o interesse juridicamente
protegido, vendo nele o conceito central da estrutura do delito.
Diante disso, e em conformidade com o que ensina Bitencourt340, é possível compreender
o bem jurídico como um valor considerado digno da tutela penal. E como o ponto de partida da
estrutura do delito é o tipo penal, pode-se dizer que ele representa a lesão ou perigo de lesão ao
bem juridicamente protegido.
Para encontrar qual o bem jurídico protegido, em qualquer tipo penal, deve-se analisar o
delito sob perspectiva social própria, anterior à edição da norma penal, e também constitucional,
procurando compreender as razões que levaram o legislador a tipificar a conduta em
questionamento.
Assim, conforme esclarece Regis Prado:

[...] o bem jurídico vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial
haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como
essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-
penalmente protegido341.

338
MORAES, Márcia Elayne Berbich de, op. cit., p. 111.
339
AMARAL, Claudio do Prado, op. cit., p. 1.
340
BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 261.
341
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 247.
96

Tomando por base essa assertiva, pode-se dizer, a título de exemplo, que, nos crimes
ambientais, o bem jurídico protegido será o meio ambiente, em toda a sua amplitude.
Pois bem, importa ainda observar que a noção de bem jurídico não se deve confundir
com a de objeto material, que é o objeto sobre o qual, no plano real, recai a conduta delituosa do
agente. Pode-se dizer que o bem jurídico é a alma do crime, enquanto o objeto material é o seu
corpo, ou seja, ele nada mais seria do que a corporificação do bem jurídico.
Não obstante, é ainda necessário observar que pode haver crime sem objeto material, sem
resultado342, mas nunca um crime sem um bem jurídico a ser protegido, pois a lesão ou o perigo
de lesão ao bem jurídico refere-se à relação que se estabelece entre a ação típica e o valor
protegido pela norma penal, que pode ou não coincidir com o objeto da ação.
Ora, o pensamento jurídico moderno reconhece que a função primordial do Direito Penal
é a proteção de bens jurídicos, que devem estar em consonância com a ordem de valores
constitucionalmente assegurados343. Assim sendo, nessa ordem axiológica constitucional, é que
o legislador infraconstitucional deverá traçar suas diretrizes para a incriminação, ou não, de
condutas.
Decorre, então, que o direito penal não pode tutelar “a ética, a moral, os costumes, uma
ideologia, uma determinada religião, estratégias sociais, valores culturais como tais, programas
de governo344”, mas apenas se reserva a esse ramo do Direito a tutela dos bens jurídicos
fundamentais para a convivência e para o desenvolvimento social, reconhecidos na Constituição
Federal.
Sob esse aspecto, conclui Bonfim:

Caso isso não ocorra, o tipo deverá ser excluído do ordenamento jurídico por
incompatibilidade vertical com o Texto Constitucional. Assim, toda norma penal em
cujo teor não se vislumbrar um bem jurídico claramente definido e dotado de um
mínimo de relevância social será considerada nula e materialmente inconstitucional345.

Por fim, é importante destacar que, apesar de Prado346 afirmar que o princípio da
ofensividade ou da lesividade é apenas um aspecto do princípio da exclusiva proteção de bens
jurídicos, que costuma ser tratado autonomamente, tais princípios não podem ser tratados

342
Exemplo desta hipótese são os delitos de mera atividade.
343
Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal: sobre os fundamentos da doutrina pena sobre
a doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 157.
344
GOMES, Luiz Flávio. Principio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2002. p. 43.
345
BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal 1: parte geral. São Paulo: Editora Saraiva. 2008. p. 16.
346
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 136.
97

indistintamente.
O princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos não deve ser confundido com o
princípio da ofensividade, segundo o qual não pode haver um crime se não houver uma lesão
efetiva, ou ameaça concreta ao bem jurídico tutelado.
Sob esse aspecto, interessante é a distinção efetuada por Bitencourt, que a resume no
seguinte:

[...] no princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, há uma séria limitação aos
interesses que podem receber a tutela do Direito Penal; no princípio da ofensividade,
somente se admite a configuração da infração penal quando o interesse já selecionado
(reserva legal), sofre um ataque (ofensa) efetivo, representado por um perigo concreto
de dano.347

Diante dessa assertiva, é forçoso considerar que todos os crimes de perigo abstrato ou
presumido, nos quais o tipo penal descreve uma conduta sem exigir uma concreta ameaça ao
bem jurídico, se tornariam inconstitucionais.
Conforme se vê, esse Direito Penal vem sendo definido com o adjetivo moderno e que
ainda está em formação. Procura por formas de evitar a lesão ao bem jurídico, antecipando a
ação do direito pela punição do agente. Dessa maneira, guarda características que o identificam
como um Direito Penal policial, pois sua finalidade é evitar o dano, que, uma vez consumado,
dificilmente pode ser recuperado.
Sob essa ótica, o emprego da técnica legislativa do crime de perigo abstrato é de
fundamental importância para a proteção de bens jurídicos supraindividuais, em especial do
meio ambiente. É uma estratégia que permite ampliar temporalmente a proteção ao bem jurídico,
defendendo-o de forma legítima, pois atua ante agressões, ainda em seu estágio embrionário,
reprimindo a conduta antes que ela venha a produzir um perigo concreto ou um dano efetivo.

2.5.5. Princípios da Intervenção Mínima e da Fragmentariedade

Para se conceber um Direito Penal mínimo, é necessário pautá-lo em limites mínimos de


intervenção, os quais serão revelados por esse princípio, também chamado de princípio da
subsidiariedade, ao estabelecer que o Direito Penal só deverá atuar na defesa dos bens jurídicos
mais relevantes e quando os mecanismos formais e sociais de controle não forem capazes de
exercer essa tutela, porquanto, se sanções civis ou administrativas revelarem-se suficientes para
o restabelecimento da ordem jurídica, são estas que devem ser empregadas e não as penas.

347
BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 24.
98

Os principais destinatários desse princípio são o legislador, ao qual o princípio impõe


cautela ao eleger quais as condutas serão incriminadas, selecionando somente aquelas que os
demais ramos do Direito revelaram-se incapazes de reprimir e o operador do Direito, ao qual o
princípio recomenda não submeter à lei penal o caso que puder ser resolvido satisfatoriamente,
aplicando-se meios desprovidos de caráter sancionatório, como uma adequada política social, ou,
se necessário for, recorrer a sanções, não penais, menos agressivas.
Pelas razões expostas, vê-se que o Direito Penal é a ultima ratio, isto é, o único e último
recurso para se proteger o bem jurídico, do qual se deve lançar mão apenas quando fracassaram
todas as demais barreiras protetoras, razão pela qual, Palazzo define a sanção criminal como “a
mais aguda e penetrante intervenção do Estado na esfera individual 348”.
Já o princípio da fragmentariedade, como assevera Bitencourt 349, decorre do corolário
lógico do princípio da intervenção mínima e da reserva legal.
O aludido autor esclarece que nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são
proibidas pelo Direito Penal, assim como nem todos os bens jurídicos são protegidos, pois ele
limita-se em castigar as ações mais graves, perpetradas contra os bens jurídicos mais relevantes.
É daí que, segundo Prado, decorre “o que se denomina de caráter fragmentário do Direito
Penal350”, na verdade, uma característica que os doutrinadores, de modo geral, alçaram à
categoria de princípio.
Queiroz pontifica que “a fragmentariedade e a subsidiariedade do direito penal são traços
de uma só e mesma realidade, a relatividade dessa proteção extrema 351”.
Sob essa ótica, destaca Silva352 que a fragmentariedade decorre do caráter subsidiário do
Direito Penal, pois sua formulação não se deu com objetos jurídicos de tutela próprios, pelo
contrário, realizou-se mediante um processo de eleição de bens jurídicos estranhos aos seus
limites, os quais foram sendo captados ou reconhecidos em outros ramos do Direito.
Isso é ratificado por Lopes, ao afirmar que:

A essa inexistência de objeto próprio e à consequência final desse processo de


construção do sistema criminal sob uma escala de valores que não lhes é
ontologicamente conhecida, mas imposta pelas circunstâncias de história, ética e
padrão cultural de cada povo, dá-se o nome – ou erige-se a categoria –
fragmentariedade do Direito Penal353.

348
PALAZZO, Francesco, op. cit., p. 16.
349
BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 14.
350
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente, p. 103.
351
QUEIROZ, Paulo, op. cit., p. 120.
352
SILVA, Ivan Luiz da. Principio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá Editora, 2006. p. 280.
353
LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei n.º
9.099/95. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 61.
99

Aliás, é através dessa característica peculiar que se pode observar a estreita relação
existente também entre a fragmentariedade e o princípio da legalidade sob o aspecto da reserva
legal.
A liberdade do cidadão somente sofrerá restrição se ele vier a realizar uma conduta
elencada entre as descritas nos raros pontos em que a lei define a existência de uma infração
penal, pois, quando ela nada dispuser, não haverá incidência punitiva.

2.6. O DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO NECESSÁRIO PARA A


PROTEÇÃO DO BEM JURÍDICO AMBIENTAL

Os adeptos da chamada “Escola de Frankfurt” fazem coro com os minimalistas, sejam


eles radicais sejam moderados, na defesa intransigente das garantias pessoais que compõem o
patrimônio ideológico do Iluminismo Penal. Não que sejam infensos ao reconhecimento das
transformações na sociedade contemporânea, entretanto defendem que a tutela da sociedade
perante esses mega-riscos não compete ao Direito Penal e, sim, a outros ramos do Direito, como
o administrativo, o civil, e até há aqueles que, a exemplo de Hassemer, propõem a criação de um
novo ramo jurídico, dotado de menos garantias e de maior flexibilidade na descrição dos ilícitos.
Na verdade, conforme desvenda Dias, “é a velha tese da abolição do Direito Penal que
sob essa capa de novo se perfila 354”, fundamentada na concepção de que o controle estatal, por
meio do Direito Penal, produz mais efeitos negativos que positivos. Seus defensores enfatizam a
ausência de atuação do sistema como uma regra, confirmando que uma intervenção mais
intensiva do sistema penal na sociedade é meramente simbólica.
De fato, conforme apregoam os minimalistas moderados, que buscam uma relegitimação
do sistema penal355, a sociedade antecede o sistema penal356, porém esquecem a advertência de
Barata357, pois, para que esta sociedade possa ver-se livre do Direito Penal, é necessário, antes,
que elimine as causas que levam a delinquência. O ideário abolicionista, sem dúvida, inspira-se
nas melhores intenções, porém essa utopia romântica é a principal fonte da qual se originou o
atual simbolismo que hoje assola o Direito Penal e que, agora, usa as consequências do
pensamento que inoculou como o principal argumento para deslegitimar o emprego do Direito

354
DIAS, Jorge de Figueiredo. O papel do direito penal na protecção das gerações futuras. In: SILVA, Luciano
Nascimento (Coord.). Estudos jurídicos de Coimbra. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p. 24.
355
Para uma melhor compreensão, consultar a seção 2.4.1.
356
Cf. SILVA, Ana Claudia da, op. cit., p. 35.
357
Cf. BARATTA, Alessandro, op. cit., p. 207
100

Penal, em especial, na tutela do meio ambiente.


A ideia de supressão da ordem pública penal e de transferência para outro sistema de
Direito também pode abrir as portas por via policial a um poder punitivo desenfreado, destruidor
dos espaços sociais de liberdade, ou até levar a um retorno à justiça privada 358.
Não é por outra razão que Ferrajoli assevera ser uma das funções da pena evitar a
vingança privada e outros danos ainda maiores. Sob esse aspecto, oferece também proteção ao
criminoso. Destarte, o autor italiano reconhece a utilidade do sistema repressivo, desde que
contido em parâmetros mínimos, o que deve ser estabelecido por meio da exclusiva proteção de
bens jurídicos fundamentais e pautada pela observância das garantias individuais 359.
Assim, não se pode negar a fundamental importância da contribuição de outros ramos do
direito no enfrentamento do problema da preservação do meio ambiente. Analisando, todavia, a
intervenção penal sob a ótica da ultima ratio, certamente se verá que o Direito Penal não é uma
panacéia para o modelo de desenvolvimento perseguido pela sociedade industrial avançada,
entretanto se confirmará que a ele cabe um importante papel.
A análise do papel a ser desempenhado pelo Direito Penal na proteção das gerações
futuras põe em causa os fundamentos e a legitimação da intervenção penal, assim como a
idoneidade de seus instrumentos, especialmente no que tange à tutela do meio ambiente diante
dos grandes e novos riscos oferecidos pela sociedade contemporânea, os quais deverão acentuar-
se “exponencialmente no futuro próximo 360”.
Para tanto, será necessário descortinar os principais instrumentos de defesa não penais
possíveis perante esses riscos que hoje pesam sobre toda a humanidade, sejam eles sociais,
políticos, econômicos ou jurídicos.
Obviamente, é por meio da informação e da educação que se pode despertar a
consciência humana, conduzir uma transformação no caráter do homem, levando-o a agir de
forma centrada, racional e em coerência com a necessária preservação da vida, que não se
circunscreve à vida humana ou daqueles com quem se convive no planeta, mas deve considerar
também aqueles que ainda estão por vir361.
O processo educacional é, porém, lento, e seus resultados virão apenas com a futura
sedimentação desses valores e como, perante essa ameaça que paira sobre a humanidade, não se

358
Cf. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 314-317.
359
Idem.
360
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal: sobre os fundamentos da doutrina penal sobre a
doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 158.
361
Cf. GARCIA, Maria. Educação ambiental: do ‘forno a lenha’ às políticas publicas do meio ambiente. In:
D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo; JUNIOR, Nelson Nery; MEDAUAR, Odete. Políticas públicas ambientais:
estudos em homenagem ao professor Michel Prieur. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 403.
101

pode aguardar essa evolução romântica da sociedade. Esse processo educacional deverá ser
considerado de forma associada a outros instrumentos, compondo apenas uma das faces desse
complexo poliedro, que deverá ser formado por todos os instrumentos necessários à tutela do
meio ambiente.
Fala-se muito no emprego das forças reguladoras do mercado; entretanto, ao voltar-se
para a ecologia, a economia apenas valoriza o capital natural e, nesse sentido, a exploração
conservacionista é incapaz de se restringir a limites que assegurem a reprodução das condições
ecológicas e a regeneração, pois, conforme adverte Leff “isso não devolve o ser à natureza362”.
Outros instrumentos econômicos também podem ser utilizados, como a criação de taxas
e de impostos ambientais e até mesmo de subsídios. Merecem destaque mecanismos que
fomentam práticas conservacionistas, como os chamados mecanismos de desenvolvimento
limpo363 (MDL), ou que incentivam a conservação de florestas naturais, como os mecanismos de
redução do desmatamento e degradação364 (REDD).
Entretanto, para mediar essa dialética entre o crescimento econômico e a preservação do
meio ambiente, é também necessário recorrer aos chamados instrumentos de comando e
controle, entre os quais cabe destaque ao Direito Administrativo, a quem, “dada a sua natureza
de braço executivo da própria Administração 365”, compete estabelecer os parâmetros em que
esse conflito será batizado, normatizando-os por meio de decretos, regulamentos, portarias e
também, em casos concretos, mediante atos administrativos, como a concessão de licenças, de
outorgas, de concessões, de permissões e outras formas possíveis de autorização.
Havendo infração a suas normas, o Direito Administrativo poderá apresentar a sua face
sancionadora, porém a natureza pecuniária de suas sanções tem ensejado ponderações críticas,
quer seja em face de sua baixa capacidade de intimidação 366, quer seja pela possibilidade de ser
internalizada junto aos custos de produção, repercutindo assim sobre os consumidores367.
Com relação ao Direito Civil, pouco se pode esperar, uma vez que não dispõe de
instrumentos adequados para inibir a criação de riscos, restando-lhe apenas a possibilidade de ser
invocado para a difícil tarefa de reparação dos danos ocorridos368 e que, por vezes, se torna até

362
LEFF, Enrique, op. cit., p. 244.
363
Cf. BRITO, Adam Luiz Claudino de. Proteção internacional do clima: ozônio, efeito estufa e mudanças
climáticas. In: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). O novo direito internacional do meio ambiente. Curitiba:
Juruá Editora, 2011. p. 383.
364
Cf. PARKER, Charlie; MITCHELL, Andrew; MARDAS, Niki. O pequeno livro do REDD + um guia de
propostas governamentais e não governamentais para a redução de emissões por desmatamento e degradação.
Oxford: Global Canopy Foundation, 2009. p. 11-129.
365
DIAS, Jorge de Figueiredo. O papel do direito penal na protecção das gerações futuras, p. 24.
366
Cf. BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 89.
367
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 84.
368
Cf. BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op. cit., p. 89.
102

impossível.
Decerto essa singela apresentação dos principais mecanismos de controle, sejam eles
formais sejam sociais, demonstra, apesar da importância desses meios não penais, a existência de
um défice de eficiência para o enfrentamento desses mega-riscos revelados pela pós-
modernidade.
Evidentemente, diante desse quadro, perguntar se “cabe algum papel ao direito penal e
aos seus instrumentos na necessária defesa social perante os mega-riscos enunciados poderá
parecer quase absurdo e sem sentido 369”.
Afinal de contas se a intervenção penal é a ultima ratio, da qual se deve lançar mão
apenas quando as demais barreiras protetoras não são suficientes, se assim não agir, estar-se-á
colocando o princípio penal da subsidiariedade ou de ultima ratio, conforme adverte Dias:

[...] “de pernas para o ar”, ao subtrair à tutela penal precisamente as condutas
socialmente tão gravosas que põem simultaneamente em causa a vida planetária, a
dignidade das pessoas e a solidariedade com as outras pessoas – as que existem e as
que hão por vir370.

Somente subsidiando os demais instrumentos de defesa com a possibilidade de aplicação


da lei penal é que se fechará o desenho dessa figura geométrica com uma faceta que
inquestionavelmente a ele faz falta, pois “ao direito penal não pode negar-se a sua quota-parte de
legitimação (e de responsabilidade) na proteção das gerações futuras371”.
Essa figura geométrica, com a qual se ilustrou esse tópico, poderia ser simbolizada por
uma multifacetada égide, como a de Palas Atena, sob a qual se poderá oferecer a tão almejada
proteção.
Conforme se pôde observar, não cabe unicamente ao direito penal a resolução do
problema da subsistência da vida planetária, todavia também não se pode negar que, ao oferecer
sua quota parte na proteção ao meio ambiente, ele contribui de forma não desprezível na
contenção desses mega-riscos.
É forçoso, entretanto, também reconhecer que os instrumentos do Direito Penal clássico
se encontram em franco descompasso com as transformações sociais, “que agora se processam à
velocidade de uma comunicação global e instantânea e de um progresso científico e tecnológico
acelerado, radical e imprevisível372”.
As técnicas legislativas de configuração da intervenção penal, principalmente em matéria

369
DIAS, Jorge de Figueiredo. O papel do direito penal na protecção das gerações futuras, p. 22.
370
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina pena, p. 167.
371
DIAS, Jorge de Figueiredo. O papel do direito penal na protecção das gerações futuras, p. 25.
372
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal, p. 159.
103

ambiental, esbarram nas limitações estruturais impostas por garantias cunhadas há séculos, as
quais visavam unicamente à tutela de bens jurídicos individuais, concretos e tangíveis e que se
transformaram em verdadeiros obstáculos à tutela de bens jurídicos coletivos, que hoje se
pretende.
Epifanio observa que, diante dessas limitações, o Direito Penal tem apenas duas opções:
adaptar-se a uma proteção conforme esses parâmetros ou abster-se de intervir 373. A segunda
opção é inaceitável, pois, conforme se viu, no início deste capítulo, a constituição brasileira
alçou o meio ambiente à categoria de direito fundamental, impondo expressamente a
criminalização de condutas que venham a afetar a efetivação desse direito.
O legislador infraconstitucional, por sua vez, demonstrou sua vontade de intervir,
promulgando a Lei n.º 9.605/98. Esse bloco normativo infraconstitucional, que visa proteger a
fruição do direito fundamental a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum
do povo e essencial a qualidade de vida”, já se encontra consolidado no ordenamento jurídico e
não pode ser suprimido sem provocar uma severa diminuição nos níveis de concretização desse
direito fundamental, razão pela qual não se pode admitir esse retrocesso nos níveis de proteção
ao meio ambiente.
Nesse contexto, é necessário construir novas respostas, que harmonizem os instrumentos
jurídicos destinados à proteção ambiental com essa estrutura tradicional que foi concebida para a
proteção do patrimônio e da pessoa humana, pois, conforme observa Dias, de nada adianta
“descortinarmos os remédios radicais que a situação exige se não temos a coragem (ou a
possibilidade...) nem de os usar, nem de requerer a sua aplicação 374”.
Ninguém, em sã consciência, pode propor o simples abandono dessas garantias liberais;
no entanto, a modernização do direito penal é tão irrenunciável quando esse sistema de
garantias375, e “não valerá a pena, nem sequer será socialmente aceitável o cultivo de um direito
penal que, seja em nome de que princípios for, se desinteresse da sorte das gerações futuras e
nada tenha para lhes oferecer perante o risco existencial que sobre elas pesa 376”.
Dessarte, o momento coloca as pessoas diante de problemas diferenciados e que exigem
atitudes jurídicas diferenciadas. Para enfrentar esses desafios, o Estado Socioambiental precisa
estar aberto a ambos os sistemas de princípios, o de proteção individual, assim como o de
proteção ambiental. E a abordagem que se deve empreender não é aquela que irá oferecer um
critério tradicional para solucionar a antinomia existente no mundo jurídico, mas a que irá

373
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 132.
374
DIAS, Jorge de Figueiredo. O papel do direito penal na protecção das gerações futuras, p. 22.
375
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 158.
376
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal, p. 165.
104

primar pela equalização entre esses dois sistemas de proteção, faz-se necessário um diálogo de
transigência.
Assim, é preciso indagar se, entre o Direito Penal clássico e o Direito Penal do risco, há
uma terceira via. Epifanio responde positivamente.
Após analisar o debate entre as teses extremadas, conclui que a discussão encontra-se
centrada nas “garantias de Direito Penal liberal377”, que não se adéquam à modernização do
Direito Penal, o que leva à inexorável escolha entre “relaxá-las ou sacrificar alguns avanços para
recuperá-las378”.
A autora espanhola recorre à proposta de Hassemer:

[...] criar uma categoria intermediária entre os delitos e as infrações administrativas, é


o Direito de intervenção, algo que se aproxima da desaparecida categoría das
contravenções. Nesta categoría estariam os ilícitos ambientais que não afetem bens
jurídicos individuais, entretanto: as sanções deverão ser menos gravosas para os
direitos individuais que as aplicáveis aos delitos que se mantenham no sistema
penal379.

E esclarece que essa tentativa de solucionar o problema remete à construção de uma


terceira via, uma posição mediadora, em que a aplicação das garantias penais ocorreria em uma
medida que se poderia definir como intermediária, entre a que corresponde aos crimes e aquelas
correspondentes às infrações administrativas. Como consequência lógica, aplicar-se-iam sansões
menores que as aplicáveis aos crimes e maiores que as aplicáveis às infrações administrativas.
Muito próximo de Hassemer encontra-se Sanchez. Em sua proposta, entretanto, o autor
espanhol desenvolve uma configuração dualista de sistematização em um Direito Penal
moderno, que ele prefere denominar como a “segunda velocidade” do Direito Penal380, ao invés
de criar um novo ramo do Direito, situado entre o Direito Penal e o Direito Administrativo
sancionador.
Nesse sentido, a proposta elaborada por Sanchez é significativamente mais sutil, pois não
restringe o sistema penal aos chamados bens essencialmente pessoais e patrimoniais, nem cria
um novo sistema jurídico em separado, apenas engloba todas as atividades dentro do espaço de
vigência das normas penais, estabelecendo dois níveis, ou duas velocidades internas ao sistema,
377
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 157. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] garantías del Derecho
penal liberal.”
378
Ibidem, p. 158. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] relajarlas o sacrificar algunos avances por
recuperarlas.”
379
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 160. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] crear uma categoria
intermédia ente los delitos y las infracciones administrativas, el Derecho de intervención, algo que suena cercano a
la desaparecida categoria de las contravenciones. En esta categoria estarían los ilícitos ambientales que no afecten a
bienes jurídicos individuales aunque precisa: las sanciones deberán ser menos gravosas para los derechos indivuales
que las aplicables a los delitos que se mantegam en el sistema penal.”
380
Cf. SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 144-147.
105

uma vez que:

[...] a preocupação aqui não está propriamente na subtração da incidência do direito


penal diante dos “novos” bens jurídicos, mas simplesmente em garantir uma
adaptabilidade (proporção-correlação) dos mecanismos sancionadores com uma
381
proteção do indivíduo em face do poder do Estado .

A partir dessa construção, propõe-se a busca por novas respostas, as quais permitirão
uma possível coordenação entre princípios, dentro de uma configuração dualista de
sistematização em um Direito Penal moderno e apto para o enfrentamento dessas novas
realidades delitivas, em que se justifique a utilização de um instrumental dinâmico e preventivo,
porquanto, conforme adverte Dias:

[...] não há mais lugar para um pensamento que, como o mocho, levanta vôo só ao
anoitecer, que deixa as coisas acontecer para depois tentar remediá-las e cuja
intervenção é por isso por essência retrospectiva e não prospectiva, conservadora e não
propulsora, aniquiladora e na protectora das vítimas do sistema, que somos todos
nós382.

Serão então avaliadas as possibilidades de se instituir um novo aporte dogmático para o


atual modelo de Direito Penal, voltado para a tutela do meio ambiente em uma sociedade de
perigos ecológicos iminentes, não buscando, pura e simplesmente, a absorção de teorias
europeias, mas, conforme se verá, elas serão um referencial para a abordagem coordenativa do
instrumental já existente na cultura jurídica do país.

381
Cf. NETTO SALVADOR, Alamiro Velludo, op. cit., p. 162.
382
DIAS, Jorge de Figueiredo. O papel do direito penal na protecção das gerações futuras, p. 23.
106

CAPÍTULO 3

A COORDENAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NA TUTELA PENAL AMBIENTAL

3.1. A TUTELA PENAL AMBIENTAL SOB CONFIGURAÇÃO DUALISTA

No capítulo anterior, buscou-se, através de uma análise da crise na qual a tutela penal do
ambiente encontra-se imersa, identificar os pontos em que as posições filosóficas sejam elas
favoráveis ou contrárias à tutela, embora igualmente coerentes, entram em contradição.
Partindo-se da necessidade de se construir um Estado Socioambiental de Direito, capaz
de reduzir as incompatibilidades existentes entre o direito de liberdade do cidadão, a tutela
ambiental, o desenvolvimento econômico sustentável e o direito a uma vida digna com
qualidade, efetuou-se uma leitura dos argumentos e dos princípios envolvidos nesse conflito,
visando sua harmonização.
Dessa forma foi possível identificar dois pontos fulcrais de divergência; o primeiro
refere-se à radicalização da visão antropocêntrica proposta pela Escola de Frankfurt, ao vincular
as ações atentatórias ao meio ambiente à afetação direta de bens jurídicos individuais.
Diante deste argumento, cria-se um problema metodológico aparentemente insolúvel,
pois, mesmo ao tutelar o meio ambiente contra lesões e ameaças com dignidade penal, na
maioria dos casos, não seria possível demonstrar a existência de um ataque a um bem jurídico
individual.
Entretanto, não se deve concordar com as posições rígidas, tanto em favor do
antropocentrismo quanto do ecocentrismo. Sob esse aspecto, não se pode criar na tutela penal do
ambiente uma vinculação direta e imediata entre o bem jurídico supraindividual e os bens
jurídicos individuais clássicos.
Há de se garantir uma autonomia metodológica e científica para que se tutelem os bens
jurídicos ambientais, supraindividuais por excelência, sem que, com isso se perca sua referência
para com o indivíduo. Nesse sentido, a resposta se encontra na construção de um conceito em
que se reconheça a qualidade de bem jurídico penalmente tutelado às condições ambientais que
realizem o princípio da dignidade da pessoa humana.
Na construção que se pretende, de um Estado de justiça ou equidade ambiental, é preciso
que se proceda, entretanto, a uma releitura desse princípio, alargando-o, com o escopo de cercar
e corporificar as realidades ambientais.
107

Dessa forma, será possível conferir um parâmetro conteudístico mínimo, que permita a
dogmática penal inserir o princípio da dignidade da pessoa humana na construção do bem
jurídico ambiental e, desse modo, resolvem-se os problemas metodológicos originários da
tentativa antropocêntrica de conectar os bens jurídicos supraindividuais aos individuais no
momento de aplicar as normas penais de proteção ambiental.
Sob esse aspecto, é importante ainda observar que o garantismo não se insurge contra a
tutela penal do meio ambiente e até reconhece a fundamentalidade de sua proteção; entretanto, a
divergência será facilmente encontrada no confronto inexorável entre as estruturas utilizadas
para responder aos problemas ambientais na sociedade atual, que é de risco, e os axiomas
defendidos pela Escola Garantista, que partem da ideia de segurança da liberdade humana diante
de uma limitação do poder punitivo do Estado.
A escolha do instrumental a ser utilizado, em cada caso, tem caráter politico, mas este ato
político deve balizar-se por entre os conteúdos dos princípios que orientam a produção
legislativa em um Estado de Direito material, e, no caso da tutela penal do ambiente, ocorre uma
sobreposição de dois sistemas de proteção, levando, assim, a um inevitável embate entre
princípios, recordando-se que estes são normas, que devem ser otimizadas.
Assim, é necessário que se recorra à proporcionalidade para lograr a compatibilização
valorativo-constitucional dos interesses em conflito na responsabilidade penal por danos
ambientais.
Isso permite, na maioria dos casos, harmonizar a colisão; no entanto, o problema se
agrava quando duas normas, que não podem ser ambas aplicadas, nem em grau maior nem em
grau menor de otimização, se encontram. Esse fato se constata na colisão entre os princípios da
precaução e da ofensividade (ou do axioma: nulla necessitas sine injuria), gerando aquilo que se
pode denominar de segundo ponto fulcral de divergência aparentemente irreconciliável.
Através dos critérios tradicionais de solução de antinomias não há como se mitigar a
divergência ocasionada, diante da orientação oferecida pelos princípios, ou se antecipam as
barreiras de proteção de forma precaucional, evitando-se colocar o bem jurídico em perigo, ou se
permite que ocorra um ataque ao bem jurídico tutelado, de forma a caracterizar uma lesão ou, ao
menos, um perigo concreto.
Como se vê, os critérios tradicionais levam à inevitável invalidação de uma das normas
envolvidas no conflito, o que nos conduz a indagar: qual das normas deverá preponderar?
Considerar que uma norma deva preponderar em face da outra é uma solução
extremamente simplicista, e, sob esse aspecto, não pode ser considerado um critério adequado
para dirimir controvérsias entre normas tão relevantes como as existentes entre as que integram
108

os sistemas de garantias individuais e de proteção ambiental. É óbvio que tais normas não podem
ser simplesmente desconsideradas.
Portanto, este último capítulo será dedicado à resolução dessa divergência. É preciso
avançar. Os critérios tradicionais já não parecem ser mais adequados ao enfrentamento dessas
antinomias jurídicas que emergem junto com a diversidade normativa produzida pelo direito
contemporâneo, e, na procura por um critério mais transigente, que permitisse um
entrelaçamento entre esses dois sistemas de proteção, de forma que se possa respeitar a
pluralidade de perspectivas envolvidas no conflito é que se depara com a opção proposta por
Sanchez.
O autor espanhol torna isso possível através da ocorrência de concessões recíprocas entre
os princípios da precaução e da ofensividade e, coordenando-os segundo a compreensão imposta
pelo valor constitucional, será possível chegar a uma possibilidade, viável, de flexibilização das
garantias individuais, dentro de uma configuração dualista de sistematização da tutela penal.
Como se verá, a conjunção dessa nova proposta dogmática com a contribuição oferecida
por Dias, para uma reforma do Direito Penal Econômico e Social Português, além de oferecer
critérios que guardam uma proporcionalidade adequada entre as penas e o dano ambiental
produzido pelo delito, ainda apresentam outras vantagens, como uma maior segurança para que a
sistemática valorativa dotada entre os crimes e as penas atribuídas não seja corrompida por
futuras alterações legislativas e favorecem ainda a extensão das normas gerais previstas na Lei
de Crimes Ambientais a todos os demais diplomas legislativos que incriminem condutas lesivas
ao meio ambiente, propiciando assim a consolidação de um verdadeiro microsistema de proteção
penal ambiental.

3.1.1. A expansão do Direito Penal de Jesus-Maria Silva Sanches

Para que se compreenda a proposta de Sanchez, é necessário, antes, mergulhar em sua


obra e desvendar como o autor define esse fenômeno de “expansão do Direito Penal”, suas
causas e motivações.
Em sua introdução, ele revela que o Código Penal espanhol de 1995 reconhece
expressamente a existência de uma “antinomia entre o princípio de intervenção mínima e as
crescentes necessidades de tutela de uma sociedade, cada vez mais complexa 383”. A partir dessa
constatação, o autor observa a ocorrência de dois fenômenos, que também são reconhecidos por

383
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 22.
109

Epifanio, a qual os descreve como: “uma adequação do conteúdo dos Códigos Penais às
concepções ético-sociais do novo contexto político e social, que se traduz, do ponto de vista da
Parte Especial do Direito penal, em um movimento de duas direções384”.
O primeiro movimento refere-se à eliminação de certas figuras delitivas e engloba
diversas propostas doutrinárias, as quais se podem dividir em propostas minimalistas moderadas,
radicais e abolicionistas, mas em comum elas possuem apenas uma vocação restritiva do Direito
Penal.
As alterações legislativas decorrentes desse movimento caminharam no sentido da
descriminalização e da despenalização, suprimindo condutas “que já não estavam mais de
acordo com a sociedade contemporânea, enquanto outros tipos de delitos foram transferidos para
o Direito administrativo sancionador385”.
Simultaneamente se produziu um segundo movimento, porém, em direção
diametralmente oposta, com a finalidade de estender a intervenção penal a condutas que antes
estavam isentas de punição, introduziu novos tipos penais, assim como propiciou uma ampliação
no âmbito de aplicação de outros ou mesmo uma agravação das penas já existentes 386.
Essa tendência quantitativa de ampliação das figuras delitivas já existentes é que levou o
autor a denominar esse fenômeno como “a expansão do direito penal”, entretanto, adverte que a
profundidade e a extensão da atual tendência expansiva do Direito Penal “não tem nada a ver
com as que, na década de 70 – e posteriores –, respaldavam o movimento, inicialmente norte-
americano, de law and order.387” Por essa razão, não se pode analisar sob esse prisma o atual
fenômeno de expansão da legislação penal388.
Então, ao perquirir sobre as causas que impulsionaram essa expansão, o autor observa
que a função primordial do Direito Penal é a proteção de “bens jurídicos especialmente
importantes389” e, diante disso, é levado a concluir que sua expansão foi motivada
principalmente pelo reconhecimento de novos bens jurídicos.
Diante desta constatação, Sanchez desloca sua atenção para a investigação das causas que
levaram ao surgimento desses novos bens jurídico-penais, distinguindo-as em dois grupos: o dos

384
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 36. [Tradução nossa] Lê-se no original: “La adecuación del
contenido de los Códigos penales a las concepciones ético-sociales del noivos contexto político y social se traduce,
desde el punto de vista de la Parte Especial del Derecho penal, en un movimiento de dos direcciones [...]”.
385
Ibidem, p. 37. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] que ya no era acorde con la sociedad contemporânea, al
tiempo que otros tipos delictivos fueron trasladados al Derecho administrativo sancionador.”
386
Cf. MARTIN, Luis Gracia, op. cit., p. 45.
387
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 24.
388
Conforme Sanchez, efetivamente, as propostas do movimento de lei e ordem se dirigiam basicamente a reclamar
uma reação legal, judicial e policial mais contundente contra os fenômenos de delinquência de massas, da
criminalidade patrimonial e violenta. (SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 24.).
389
Ibidem, p. 27.
110

bens jurídicos que surgiram motivados por novas realidades, que antes não existiam, e daqueles
bens já tradicionais, mas que sofreram um incremento de valor, quer seja ele motivado por
estarem tornando-se bens escassos, como o meio ambiente, quer seja em consequência da
evolução social e cultural, como o patrimônio histórico e artístico.
Começa então a elencar o rol das causas, iniciando pelo reconhecimento do “efetivo
aparecimento de novos riscos”, de procedência humana, na sociedade contemporânea. Sanchez
argumenta que:

[...] boa parte das ameaças a que os cidadãos estão expostos provém precisamente de
decisões que outros concidadãos adotam no manejo dos avanços técnicos: riscos mais
ou menos diretos para os cidadãos (como consumidores, usuários, beneficiários de
serviços públicos etc.) que derivam de aplicações técnicas dos avanços na indústria, na
biologia, na genética, na energia nuclear, na informática, nas comunicações etc 390.

Sob esse aspecto o autor espanhol observa também que os resultados dessas decisões
humanas se produzem em longo prazo e num contexto geral de incertezas sobre a relação entre
as causas e os efeitos, o que gera a institucionalização da insegurança: “O cidadão anônimo diz:
estão nos matando, mas não conseguimos ainda saber com certeza nem quem, nem como, nem a
que ritmo391”.
Essa sensação social de insegurança é o aspecto subjetivo da sociedade pós-industrial, a
que Sanchez se refere como “sociedade do medo”, na qual se podem observar grandes alterações
sociais, como a desagregação familiar, a perda de referências valorativas, o individualismo de
massas392, a identificação com a vítima do delito, a valorização da segurança (em detrimento da
liberdade) e a consequente redução das fronteiras do risco permitido, que, associadas à
dramatização e morbidez com que os meios de comunicação transmitem as informações e
imagens de ilícitos e catástrofes, potencializam ainda mais e mais esse sentimento.
Outros multiplicadores dessa expansão, apontados pelo autor, são as exigências de se
oferecer resposta a outros fenômenos típicos das sociedades pós-industriais, como a globalização
e suas novas formas de delinquência, essencialmente econômicas, ainda que exponham a perigo
outros bens jurídicos, como o meio ambiente, e a integração supranacional, que visa coibir a
criminalidade internacional, organizada e poderosa, por meio de uma resposta uniforme,
evitando, assim, a formação de “paraísos jurídico-penais 393”.

390
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 29.
391
Ibidem, p. 30.
392
Segundo Sanchez, nesse modo social, que hoje é dominante, a sociedade deixa de formar comunidades, para
transformar-se em conglomerados de indivíduos atomizados e narcisisticamente inclinados a uma íntima satisfação
dos próprios desejos e interesses. (SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 35.).
393
Ibidem, p. 81.
111

Após o reconhecimento desses motivos, que geraram esse tão discutido incremento no
Direito Penal, Sanchez observa que verdadeiro problema não se situa propriamente na expansão
do Direito Penal, mas, sim na possibilidade de aplicação da pena privativa de liberdade. É a
partir desse reconhecimento que o autor ganha o impulso necessário para desenvolver sua
proposta, original e alicerçada na coordenação dos princípios em dois níveis de proteção, o que
será objeto de apreciação nas próximas seções.

3.1.2. Discurso de resistência à modernização do Direito Penal

Em verdade, Sanchez se perfila entre aqueles que propõem um discurso de resistência ao


fenômeno da modernização no Direito Penal, mas é necessário observar que, apesar de
minimalista moderado, seu discurso é menos contundente do que o proposto por Hassemer, pois
desenvolve seus argumentos com uma cuidadosa racionalidade, chegando inclusive a admitir
que:

O que interessa ressaltar neste momento é [...] que existe, seguramente, um espaço de
"expansão razoável” do Direito Penal, ainda que, com a mesma convicção próxima da
certeza, se deva afirmar que também se dão importantes manifestações da “expansão
desarrazoada”394.

A crítica de Sanchez ao Direito Penal contemporâneo reside, fundamentalmente, na


contradição existente entre as garantias incorporadas pelo sistema de imputação e a introdução
de novos objetos de proteção, que exigem uma antecipação das suas fronteiras. Essa rápida
transição de um modelo fulcrado no “delito de lesão de bens individuais” ao modelo “delito de
perigo (presumido) para bens supra-individuais”, é que tem levado ao relaxamento, e até mesmo
ao sacrifício dos princípios político-criminais e das regras de imputação395.
Entretanto, ele desenvolve a própria crítica sem negar a “necessidade de um sistema
aberto para o direito penal na sociedade de risco396”. Nesse sentido, encontra-se sua maior
divergência em relação ao pensamento de Hassemer, pois o autor espanhol reconhece entre o
Direito Penal e o Direito Administrativo, não apenas uma distinção quantitativa, mas uma
diferenciação qualitativa, “que há de ter reflexo, sobretudo, na forma de entender a lesividade de
uma ou outra classe de infrações397”.
Denuncia, assim, que esse Direito Penal liberal que “certos autores pretendem reconstruir
394
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 28.
395
Ibidem, p. 112-113.
396
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade penal e sociedade de risco, p. 162.
397
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 116.
112

agora, na realidade nunca existiu como tal”, pois o que se pretende é manter as características
positivas do Direito Penal de tempos pretéritos, como a rigidez de suas garantias, mas, sem
nenhuma de suas características negativas, como o extraordinário rigor das sanções imponíveis.
Observa que “o Direito Penal hoje proposto por alguns não é concebível, pois a ‘autolimitação’
do Direito Penal clássico era o contraponto lógico da dureza e autoritarismo daquele 398”.
Ora, é certo que, com o passar do tempo, verificou-se uma tendência de se atenuar esse
rigor das penas privativas de liberdade, que foram paulatinamente abrandadas com a introdução
do sistema progressivo dos regimes de cumprimento, pela introdução de penas pecuniárias, de
penas privativas de direitos e até mesmo de reparação penal, o que conduz Sanchez em sua
conclusão, pois, havendo consequências jurídicas substancialmente diversas, no seio do próprio
sistema do Direito Penal, é possível sustentar a ideia da configuração de diversos sistemas
jurídicos de imputação do fato ao sujeito, assim como das garantias em cada sistema.
Dessa forma, a diminuição de garantias poderia ser legitimada pela consequente
aplicação de sanções não privativas de liberdade, uma vez que “o problema não é tanto a
expansão do Direito Penal em geral, senão especificamente a expansão do Direito Penal da pena
privativa de liberdade. É essa última que deve realmente ser contida 399”.
Contrariando então a proposta de Hassemer, de criação de um novo ramo do Direito 400, o
autor afirma que, em sua opinião, “não haveria nenhuma dificuldade em admitir esse modelo de
menor intensidade garantística dentro do Direito Penal, sempre e quando – isso sim – as sanções
previstas para os ilícitos correspondentes não fossem de prisão 401”.
Destarte, Sanchez defende uma opção político-jurídica pela permanência dessas
atividades dentro do espaço de vigência do Direito Penal, apontando vantagens relevantes em
relação ao Direito Administrativo “não vinculadas necessariamente à dureza fática da sanção 402”,
assim como sua maior neutralidade no que diz respeito à política e a força do mecanismo público
de persecução de infrações, que a ele atribui uma dimensão comunicativa superior, revelando,
assim, o lado positivo dessa faceta, criticada no Direito Penal, que é seu significado simbólico
comunicativo, a ponto de Netto, sob essa ótica, ressaltar que:

O direito penal, como premissa assumida, é dotado de uma dimensão comunicativa


superior aos demais ramos do direito. Independentemente das respostas sancionatórias
oferecidas, a simbologia do ilícito penal – seu grau de estigmatização – é nitidamente
superior àquele que poderia ser oferecido ao ilícito civil ou administrativo. O sentido

398
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 139
399
Idem.
400
Cf. HASSEMER, A preservação do meio ambiente através do direito penal, p. 33.
401
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 141.
402
Idem.
113

da tipicidade, ao elevar um comportamento à qualidade de infração penal, não se


restringe à simples sanção concreta que decorreria de sua efetivação em casos reais.
Porém, mais do que isso; aponta para um desvalor social de maior escala, ressaltando,
em qualquer delito, o valor simbólico inerente ao direito material e processual penal403.

Adverte Sanchez que sua proposta parte de uma realidade, a respeito da qual considera
impossível voltar atrás, porquanto:

[...] no momento atual, o Direito Penal vigente na maioria dos países de nosso entorno
propicia a cominação de penas de prisão de gravidade media em hipóteses de fatos
“administrativizados”, com regras de imputação de rigidez decrescentes e no campo de
princípios político-criminais flexibilizados. E a tendência é prosseguir nessa linha, em
termos corrigidos e aumentados. Nesse contexto, deve admitir-se que propor a
“devolução” ao Direito Administrativo de todo o “novo” Direito Penal é, sem dúvida,
uma postura louvável sob perspectivas academicistas, mas evita afrontar as razões
pelas quais produziu-se essa inflação penal, assim como buscar soluções que, uma vez
atendidas, mostrem a máxima racionalidade possível 404.

Diante da dificuldade (talvez impossibilidade) de frear essa expansão do Direito Penal,


encontra sua solução no “ponto médio 405”, não propõe a volta a um Direito Penal liberal, que
nunca existiu, tampouco aceita, sem reparos, esse processo de desnaturalização do sistema de
garantias do Direito Penal. Busca harmonizar esse conflito entre um “Direito Penal amplo e
flexível e um Direito Penal mínimo e rígido406”, a partir de uma configuração dualista do sistema
do Direito Penal, estabelecendo as regras de imputação e os princípios de garantia em dois
níveis.

3.1.3. O Direito Penal e suas velocidades

É possível notar que foi visando resolver sua demanda por proteção que a sociedade
contemporânea passou a oferecer uma tutela punitiva a interesses que não pertenciam a seu
âmbito clássico de aplicação e, dada a natureza dos interesses, objeto de proteção, houve uma
flexibilização das regras de imputação e dos princípios de garantia 407.
Diante desse quadro, Sanchez entende que a função racionalizadora do Estado sobre a
demanda social de punição pode dar lugar a um produto que seja, por um lado, funcional e, por
outro, suficientemente garantista408.

403
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade penal e sociedade de risco, p. 163.
404
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 137.
405
Ibidem, p. 145.
406
Idem.
407
SOUZA, Luciano Anderson de. Expansão do direito penal e globalização. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p.
54.
408
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 145.
114

Partindo da constatação de que o Direito Penal, em sua dimensão sancionatória, pode ser
analisado sob duas óticas, a dos ilícitos, aos quais são cominadas penas de prisão, e a dos ilícitos
que se vinculam a outros gêneros de sanções409, o autor propõe a criação de um modelo dualista
de configuração do sistema penal, o seu Direito Penal de duas velocidades.
Na primeira velocidade se colocaria em jogo a liberdade do cidadão, com a aplicação de
penas restritivas de liberdade. Nesse caso, seriam observados todos os princípios garantistas e os
pressupostos tradicionais de imputação de responsabilidade.
Já, numa segunda velocidade, se encontraria um Direito Penal dedicado à aplicação de
penas não privativas de liberdade, sanções menos intensas que as penas tradicionais, o que
permitiria a flexibilização daqueles princípios e regras.
Netto, analisando a obra de Sanchez, conclui que os tipos penais fechados devem
circunscrever-se na primeira velocidade do Direito Penal, enquanto os tipos penais abertos, tão
característicos do processo de modernização por que passa o Direito Penal, se restringiriam à sua
segunda velocidade410.
Ao divisar, entretanto, o objeto sob o qual se deve circunscrever cada uma das
velocidades do Direito Penal, o autor espanhol optou por um critério que se fundamenta no bem
jurídico tutelado, reconhecendo aos bens jurídicos individuais e supraindividuais uma paridade
na proteção:

[...] pode-se afirmar que certamente existe [...], um espaço de expansão razoável do
Direito Penal. O espaço da expansão razoável do Direito Penal da penas de prisão é
dado pela existência de condutas que, por si sós, lesionam ou põem em perigo real um
bem individual; eventualmente, cabe admitir o mesmo a propósito de bens supra-
individuais, sempre que efetivamente lesionados ou colocados sob perigo real pela
conduta do sujeito em concreto. Nesse âmbito, ademais, a razoabilidade da expansão
requereria plena salvaguarda de todos os critérios clássicos de imputação e princípios
de garantia. Paralelamente a isso, pode-se admitir resignadamente a expansão – já
produzida – do Direito Penal até os ilícitos de acumulação ou perigo presumido, isto é,
a condutas distanciadas da criação de um perigo real para bens individuais (e inclusive
supra-individuais, desde que concebidos com um mínimo rigor). Mas a admissão da
razoabilidade dessa segunda expansão, que aparece acompanhada dos traços de
flexibilização reiteradamente aludidos, exigiria inevitavelmente que os referidos
ilícitos não recebessem penas de prisão411.

Dessa maneira, atribui ao Direito Penal de primeira velocidade a tutela dos bens jurídicos
efetivamente lesionados, ou expostos a um perigo concreto, enquanto a segunda velocidade
restará à tutela dos bens jurídicos em que se busca oferecer uma antecipação nas barreiras de
proteção, levando-as a um momento que antecede a afetação do bem jurídico, o que se faz
409
Cf. SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 146.
410
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade penal e sociedade de risco, p. 163.
411
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 147.
115

mediante emprego de novas técnicas legislativas que direcionam seus elementos ao perigo, ao
risco.
No que concerne à proteção penal do meio ambiente, o critério distintivo proposto por
Sanchez se mostra mais adequado à tutela do que o apresentado por Netto, uma vez que, tanto as
normas penais em branco quanto o emprego de elementos normativos no tipo penal são
elementos que caracterizam essas ferramentas como tipos penais abertos; entretanto, não raro,
elas também descrevem condutas que abrigam, em sua redação, a lesão ou o perigo real de lesão
ao bem jurídico protegido.
Mas esse movimento de expansão do Direito Penal não se restringe apenas aos novos
instrumentos voltados para a inibição de ações arriscadas e que visam prevenir uma provável
lesão ao bem jurídico. Ele também compreende um “incremento das penas de prisão
concomitantemente à relativização das garantias substantivas e processuais412”.
Isso levaria a uma terceira velocidade do Direito Penal. Esta se caracteriza como uma
velocidade híbrida, na qual se busca uma minimização das garantias necessárias, mas com o
intuito de aplicar penas privativas de liberdade ainda mais rigorosas413.
É sob essa ótica que o fenômeno da expansão do Direito Penal abarca em seu bojo
propostas tão dispares como a do movimento de lei e ordem e o Direito Penal do inimigo,
difundido por Jakobs414, as quais, em comum, buscam expandir o Direito Penal em direção à
aplicação de sansões penais de extraordinário rigor penitenciário.
O fato é que “um Direito Penal da ‘terceira velocidade’ existe já, em ampla medida, 415” e
os frutos de tais correntes não podem ser simplesmente ignorados, goste-se ou não disso.
Portanto, Sanchez reconhece a existência de um espaço para o Direito Penal da terceira
velocidade:

[...] se levamos em conta a existência, para não dizer mais, de fenômenos como a
delinquência patrimonial profissional, a delinquência sexual violenta e reiterada, ou
fenômenos como a criminalidade organizada e o terrorismo, que ameaçam solapar os
fundamentos últimos da sociedade constituída na forma de Estado416.

Adverte, entretanto, que o âmbito de atuação desse Direito Penal de terceira velocidade
deve ser contido ao mínimo possível em sua expressão, o que sugere que seja feito reconduzindo

412
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 150.
413
Ibidem, p. 148.
414
Cf. JAKOBS, Günter; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito penal do inimigo: noções críticas. Trad. André Luiz
Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. passim.
415
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 148.
416
Idem.
116

as condutas por ele já abarcadas “ou à primeira, ou à segunda velocidade 417”, esvaziando, assim,
ao máximo possível, o seu âmbito de atuação.
Entretanto, para que se possa avançar no tema e adentrar a análise da proposta de Dias418,
um ponto ainda carece de maiores esclarecimentos. Até aqui, já foi possível observar que o
efeito simbólico comumente atribuído ao Direito Penal ambiental tem sido alvo das mais
contraditórias afirmações419, é o momento de perquirir por seu verdadeiro significado.

3.1.4. O Simbolismo Penal

Sánchez recorre à chamada função simbólica desempenhada pelo Direito Penal para
justificar sua preferência pelas sanções de natureza penal, além da aplicação destas normas pelo
aparato da Justiça Penal, em detrimento das propostas apresentadas por outros autores e dos
demais ramos do Direito 420:

Segundo JESÚS-MARIA SILVA SANCHEZ, a função simbólica das normas penais


não é, em si, condenável, visto que pode, inclusive, desempenhar papéis positivos a
curto prazo na medida em que estabelece ou restabelece a confiança da população no
ordenamento jurídico421.

Como se vê, não se pode olvidar que o Direito Penal representa um instrumento
intimidatório perante a sociedade. A propósito, a única forma pela qual o Direito pode evitar
consequências lesivas relevantes é proibindo condutas:

Na medida em que a tipificação de comportamentos abstratos já significa uma


interferência estatal na liberdade dos cidadãos, atuam como instrumentos para a
percepção da proporcionalidade e adequação da ameaça com pena realizada a certo
comportamento. Afinal, tipificar é ameaçar com pena abstratamente422.

Dessa forma, revela Netto, em sua obra, essa tarefa de natureza preventiva compete ao
Direito Penal, a qual encontra-se intrinsecamente ligada ao seu caráter simbólico.

417
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 148.
418
Tema que será tratado a partir da seção 3.2.
419
Enquanto Hassemer elenca o efeito simbólico como uma das principais razões que o leva a conclusão de que o
Direito Penal não é um instrumento adequado para lidar com os problemas ambientais (conforme seção 2.4.3).
Sanchez atribui a essa dimensão comunicativa superior do Direito Penal, seu significado simbólico, uma de suas
grandes vantagens em relação ao Direito Administrativo e que, segundo o autor, justificam a permanência dessa
atividade de tutela dentro do espaço de vigência do Direito Penal (conforme seção 3.1.2).
420
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 141-142.
421
SOUZA, Luciano Anderson de. op. cit., p. 157.
422
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Finalidades da pena: conceito material de delito e sistema penal
integral. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 48.
117

De fato, pode-se afirmar que toda e qualquer tipificação delitiva tem um cunho
nitidamente simbólico. É o abuso que ocasiona a sua deslegitimação, que tanto pode ser causado
pela hipertrofia simbólica do Direito Penal quanto pela perda de sua capacidade intimidatória,
que ocorre principalmente pela falta de proporcionalidade entre a proteção ao bem jurídico que
se pretende oferecer e a correlata ameaça à liberdade dos destinatários da norma.
Gomes define o princípio da proporcionalidade sob esse aspecto como uma “faca de dois
gumes423”, onde a ameaça à liberdade dos cidadãos é compensada pela proteção do interesse
tutelado pelo tipo incriminador.
É necessário, porém, que essa ameaça tenha capacidade intimidatória, pois, contrariando
o que vem sendo disseminado pela doutrina majoritária 424, que apregoa a ocorrência de um
recrusdescimento das penas já existentes e uma neocriminalização. O que de fato temos assistido
no Brasil é um processo sistemático de despenalização. Mitiga-se, assim, o rigor do ordenamento
jurídico seguindo as linhas apregoadas pela doutrina de cunho minimalista, porém radical 425.
Nada obsta que, sob certas circunstâncias, se deixe de submeter o condenado a penas
privativas de liberdade, pois opções alternativas, como a suspensão condicional do processo, a
composição civil dos danos ou a transação penal, não caracterizam uma indulgência do
legislador. Nestes casos, muito embora a dimensão fática da punição seja alterada, sua dimensão
simbólica permanece426.
Entretanto, já adverte Sanchez, que não se pode admitir a “infantilização da pena, como o
arresto domiciliar ou a proibição de ver televisão427”, que a torna carente de qualquer força
simbólica. No Brasil, já se assiste aos primeiros passos desse processo de infantilização, o
melhor exemplo talvez seja o pagamento de “cestas básicas”, utilizadas como forma de punição
pecuniária pelos Juizados Especiais Criminais. O que torna evidente esse problema é a sensação
de impunidade.
Assim, já se encontra disseminada, no Brasil, a crença na impunidade, que não afeta

423
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O principio da proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 83.
424
Cf. GRECO, Rogério, op. cit. p. 1 e CÂMARA, Gilherme Costa. O direito penal e a tutela das futuras gerações.
In: D’AVILA, Fábio Roberto; SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder (Orgs.). Direito Penal Secundário. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 219.
425
Esse processo inicia-se com a Lei n.º 6.416/77, que introduziu o sistema progressivo inglês no cumprimento das
penas privativas de liberdade e prossegue até os dias atuais, tendo como alguns exemplos mais significativos a
reforma parcial do Código Penal de 1984, a criação dos Juizados Especial Criminais com a Lei n.º 9.099/95 e o
incremento das penas restritivas de Direito por meio da Lei n.º 9.714/94, sendo que a Lei n.º 12.403/11 pode ser
apontada como a sua mais recente manifestação.
426
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Finalidades da pena, p. 319.
427
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 53.
118

apenas os crimes ambientais ou que envolvem bens jurídicos supraindividuais 428:

[...] analisando países “em desenvolvimento” como o Brasil, concluir-se-ia, sem negar,
que todo o direito penal é notadamente simbólico. A noção da impunidade ou falta de
eficiência no combate ao aumento da criminalidade não se resume aos delitos
econômicos ou ambientais (instâncias coletivas), mas verifica-se também nos delitos de
lesão, especificamente à vida ou ao patrimônio – os quais ninguém ousa colocar na
condição de simbólicos. Se o critério da segurança do cumprimento é capaz de levar a
esta condição indesejada a “gestão temerária” ou a “lavagem de dinheiro”, também é,
senão mais, capaz de apregoar o simbolismo ao “furto”, “roubo” ou “seqüestro” 429.

Epifanio observa essa hipertrofia da função simbólica e conclui que já se evidencia um


deslocamento do centro de gravidade do Direito Penal a tal ponto que ameaça desnaturalizá-lo 430,
mas a quem interessaria uma proteção penal meramente simbólica:

Diante da necessidade de uma intervenção ambiental mais contundente, com o risco de


causar descontentamento a classe empresarial, é inegável que uma intervenção penal
simbólica se torne, a curto e medio prazo, mais rentável do ponto de vista político. A
questão é, se isso deve ou não ser aceito dentro do sistema [...]431.

Diante desta grave e complexa situação, questiona-se como os legisladores e intérpretes


poderiam revertê-la ou amenizá-la?
A resposta parece ser clara: resgatando a credibilidade social do Direito Penal, isto é, sua
eficácia.
Somente assim poderemos preocupar-nos em revelar apenas a simbologia positiva que
tem sido atribuída à tutela penal do meio ambiente, pois:

[...] empregar o direito de punir do Estado, em face dos agressores ambientais,


especialmente da classe empresarial, tem se transformado em um símbolo, um
baluarte. Simboliza que a sociedade se moderniza e aceita o meio ambiente como um
valor ao nível dos valores tradicionais, dada sua essencial vinculação com a qualidade
de vida humana, inclusive, com a própria existencia dos seres humanos na biosfera.
Simboliza que ao meio ambiente se reconhece, além disso, uma elevada proteção, até o
ponto de justificar a privação da liberdade pessoal. E não é só isso; simboliza que a lei
penal libertou-se do classismo, e acolhe um conceito de delinquência mais democrático
e coerente com o principio da igualdade, deixando de perseguir quase exclusivamente

428
Conforme Sanchez, o Brasil: “possui o segundo maior índice de homicídios do planeta – 23,9 por 100.000
habitantes; a Espanha é o país que possui o menor: 0.53 por 100.000 habitantes -, esse dado não é ressaltando com
frequência pela mídia que, ao contrário, aparentemente prestigia as teses de que o ‘problema é mundial [...]’”.
(SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 39.).
429
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade penal e sociedade de risco, p. 156.
430
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 99.
431
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 169. [Tradução nossa] Lê-se no original: “Ante las demandas de una
intervención ambiental más contundente, con el riesgo de un descontento por parte de la clase empresarial, es
innegable que una intervención penal simbólica es, a corto y medio plazo, muy rentable desde el punto e vista
político. La cuestión es si debe o no aceptar-se dentro del sistema penal [...]”.
119

as classes mais humildes432.

No Brasil, para proceder a esse resgate, serão necessárias, porém, muitas mudanças,
devendo-se principiar pela implementação dos instrumentos policiais, judiciais e prisionais, de
forma a possibilitar a aplicação adequada da norma sancionadora. De qualquer maneira, goste-se
ou não, a prisão ainda é a forma mais digna e humana que se conhece, nos dias atuais, para a
contenção do avanço dessa moderna e organizada criminalidade, que, no entanto, deve ser
cumprida em condições condizentes com a dignidade dos seres humanos.
Nos casos de aplicação de multas e medidas mitigadoras ou substitutivas das penas
privativas de liberdade, quer sejam aplicadas em condenação ou em estratégias que evitam o
deslinde final da demanda, como a suspensão condicional do processo, a composição civil e a
transação penal, é necessário que o autor a suporte em todos os seus efeitos jurídicos, para que
seja preservada a dimensão simbólica.
Quanto à pessoa moral também, a dimensão simbólica do Direito Penal há de justificar
seu emprego, e não é por outra razão que Franco afirma que “a imagem pública de uma empresa
sofre muito mais agravos se envolve num processo de caráter penal, do que num processo civil
ou administrativo433”; no entanto, as infrações penais passíveis de serem imputadas aos entes
coletivos deverão também ser previstas na lei, de modo taxativo.
Essa configuração dualista proposta Sanchez não só oferece um aporte dogmático
adequado à coordenação entre os princípios da precaução e da ofensividade, como propõe
critérios que permitirão um reestabelecimento da proporcionalidade entre as penas e os danos
produzidos pelo delito, o que também contribui para se evitar a aludida infantilização da pena.
Para que, entretanto, tais critérios possam orientar a tutela penal do meio ambiente no Brasil,
será preciso, ainda, oferecer a eles um grau maior de autonomia dogmática em relação ao Direito
Penal tradicional.
Dias desenvolve sua proposta demonstrando essa necessidade, de que se reconheça uma
relativa autonomia à tutela penal dos bens jurídicos supraindividuais. Sob esse aspecto, irá
contribuir para que os critérios desenvolvidos por Sanchez não se restrinjam à Lei de Crimes

432
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 4. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] emplear el ius puniendi
del Estado ante los agressores ambientales, mayormente de clase empresarial, se ha erigido em todo un símbolo, un
baluarte. Simboliza que la Sociedad se moderniza y acoge al medio ambiente como un valor al nivel de los valores
tradicionales, dada su esencial vinculación con la calidad de vida humana, e incluso, con la propia existencia de los
seres humanos en la biosfera. Simboliza que al medio ambiente se le reconoce, además, una elevada protección,
hasta el punto de justificar la privación de la liberdad personal. Y no sólo eso; simboliza que la ley penal se ha
liberado de su clasismo, y acoge un concepto de delincuencia más democrático y coherente con el princípio de
igualdad, dejando de perseguir casi exclusivamente a las clases más humildes.”
433
FRANCO, Alberto Silva. Globalização e criminalidade dos poderosos. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 8, n. 31, jul./set. 2000. p. 135.
120

Ambientais, mas se estendam a todos os demais diplomas legislativos que incriminam condutas
lesivas ao meio ambiente, consolidando, assim, um verdadeiro microssistema de proteção penal
ambiental.

3.2. O DIREITO PENAL SECUNDÁRIO E A REFORMA DO DIREITO PENAL

Conhecido por sua visão crítica, Dias identifica, tanto nas dificuldades impostas pela
chamada “sociedade de risco” quanto na necessária superação dos dogmas da “razão técnico-
instrumental”, os fatores que levam ao abandono do paradigma penal atual.
O autor português, que se encontra entre aqueles que mais se debruçaram sobre o estudo
dos problemas que atingem a ciência penal contemporânea, e que tendem a se agravar no futuro
próximo, defende uma reforma do Direito Penal voltada essencialmente para esse futuro, quando
a proteção dos interesses da pessoa enquanto indivíduo não poderão sobrepor-se aos interesses
da pessoa enquanto ser social.
Discorda assim dos próceres de postura conservadora, que defendem a restrição da tutela
penal apenas à proteção dos bens jurídicos relacionados com a pessoa humana individualmente.
Assim também discorda abertamente daqueles que, no extremo oposto, preconizam o
desenvolvimento de um Direito Penal do risco, ou seja, uma funcionalização extremada da tutela
penal434.
Na construção, todavia, de sua proposta, intitulada “Para uma dogmática do direito penal
secundário: um contributo para a reforma do direito penal econômico e social português435”, não
deixou de ser influenciado e, de forma inquestionável, por aqueles que o antecederam.
Destarte, reconhece no Direito de intervenção, proposto por Hassemer, um caminho que
tem “alguma coisa por si436”, embora “não se veja ainda com um mínimo de clareza a definição
do seu âmbito, da sua extensão e dos seus instrumentos437”. E com relação ao estudo de Sanchez,
afirma, expressamente, que “não deve contestar-se o bom fundamento da divisão do direito penal
em dois âmbitos relativamente autônomos438”.
Sua simpatia pela proposta de Sanchez439 foi tamanha, que, ao interpretar sua construção

434
Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal, p. 164-167.
435
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário: um contributo para a reforma do
direito penal econômico e social português. In: D’AVILA, Fábio Roberto; SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder
(Orgs.). Direito Penal Secundário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 13-69.
436
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal, p. 166.
437
Idem.
438
Ibidem, p. 171.
439
Inobstante Dias já haver afirmado em sua doutrina que: “não parece, por outro lado, que a solução dos problemas
colocados pela sociedade do risco passe por uma espécie de ‘direito penal a duas velocidades’. Antes este se revela
121

de uma dogmática jurídico-penal dual ou dualista440, o autor português a delineou com contornos
que já permitem enxergar os primeiros traços do que viria a ser sua proposta dogmática:

[...] deve estabelecer-se, com a nitidez possível, a distinção entre um direito penal
clássico ou de justiça e um direito penal administrativo ou secundário (que nada tem
a ver com as categorias das contra-ordenações ou mesmo das contravenções). Este
último, por seu lado – dominado pela circunstância de os círculos dos bens jurídicos
por ele protegidos deverem possuir uma relação de mútua referência funcional com a
ordem jurídico-constitucional dos direitos econômicos, sociais, políticos e culturais -,
deve ser penetrado com princípios dogmáticos relativamente autônomos441, (grifo
nosso).

Ele reconhece, já na proposta de Sanchez, a necessidade de uma separação clara e bem


delimitada entre esses dois conjuntos de normas, permanecendo, no cerne, o núcleo duro
(clássico) do direito penal, os comportamentos ameaçados com penas privativas de liberdade,
relativamente aos quais valeriam, imodificados, os princípios do Direito Penal clássico. Já em
um âmbito lateral, sua periferia, se encontra um espaço mais adequado para as normas que visam
à proteção antecipada de interesses coletivos, mais ou menos indeterminados, “onde aqueles
princípios se encontrariam amortecidos ou mesmo transformados, dando lugar a outros
princípios442” formalmente pertencentes ao Direito Penal, embora substancialmente aparentados
com os princípios do direito sancionatório de caráter administrativo 443.
Não deixa, entretanto, de fazer críticas às propostas de Hassemer e de Sanchez, que se
fulcram na tutela desigual oferecida aos bens jurídicos coletivos, pois:

[...] persistiria a contradição – ínsita também, como vimos, na tese da “Escola de


Frankfurt” – de impedir a aplicação das penas mais graves e de maior eficácia
preventiva (se privativas de liberdade) precisamente às condutas dotadas de maior
potencial de risco para os bens mais importantes da humanidade444.

No entender de Dias, os bens jurídicos coletivos devem ser aceitos como autênticos bens
jurídicos, e sua criminalização têm legitimidade dogmática “expressa na ordem axiológica
constitucional”. Sob esse aspecto é respaldado por Schünemann, que reconhece no meio
ambiente o bem jurídico que deve ocupar o lugar central na ordem dos bens jurídicos e afirma

equívoco e, em definitivo, inadequado à resolução daqueles problemas”. (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito
Penal, p. 147.).
440
Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. O Direito Penal na “Sociedade do Risco”. In: DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas
básicos da doutrina penal: sobre os fundamentos da doutrina pena sobre a doutrina geral do crime. Coimbra:
Coimbra Editora, 2001. p. 155-185.
441
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal, p. 172.
442
Ibidem, p. 171.
443
Idem.
444
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal, p. 148.
122

textualmente que se deve proteger a “conservação das bases de subsistência da humanidade com
os meios mais enérgicos que se possui, quer dizer, os de Direito Penal445”, pois, segundo o
mestre alemão, muitos bens jurídicos coletivos são objetos fisicamente individualizáveis e não se
pode negar a capacidade física de tais bens serem lesionados:

[...] o meio ambiente limpo é constituído por uma incontável profusão de objetos
fisicamente individualizáveis e de processos físico-químicos (em princípio
comparáveis ao corpo humano, mas exponencializados a níveis gigantescos), de modo
que, no que se refere aos caminhos conducentes à lesão e aos recursos de proteção,
valem, prima facie, regras similares às que regulam os bens jurídicos individuais
individualizáveis. Considero a tese de que a lesão ao meio ambiente seja
estruturalmente uma espécie de furto e, enquanto furto de bens elementares de todas as
pessoas, uma espécie muito mais grave do que o furto dos pedaços da sociedade de
consumo e do desperdício que se encontrem na propriedade individual446.

Nesse sentido, não se pode simplesmente reduzir o aporte dogmático proposto por Dias
ao Direito Penal secundário a uma evolução das propostas intermediárias que o antecederam,
pois o autor não partiu de posições extremadas. Ele tornou-se, assim, o primeiro doutrinador a
desenvolver uma proposta de verdadeiro consenso, de equilíbrio e que emerge como uma
evolução natural do ordenamento jurídico preexistente, segundo se verá.

3.2.1. A Origem do Direito Penal Secundário

Efetuando um resgate na história do ordenamento jurídico português, Dias encontra no


Iluminismo uma ampliação da esfera de atuação da administração e um profuso ordenamento
policial, que caracterizam o que ele descreve como um verdadeiro Estado de Polícia. Com o
advento, porém, do Estado de Direito formal, essa administração, que passa então a ser limitada
pela legalidade de seus atos, concentra sua atividade de polícia na proteção antecipada de perigos
que representam ataques a direitos subjetivos individuais.
É quando se reconhece, pela primeira vez, a existência de um vínculo entre as ofensas à
atividade policial desempenhada pela administração e a tutela penal:

E assim surge um “direito penal policial” – depois crismado direito penal


administrativo -, que se distinguia do direito penal tradicional – ou direito penal de

445
SCHÜNEMANN, Bernd. Sobre ladogmática y la política criminal del Derecho penal del medio ambiente. In:
SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanenes del Derecho penal después del milênio. Madrid:
Editorial Tecnos, 2002. p. 203. [Tradução nossa] Lê-se no original: “conservación de las bases de subsistência de la
humanidad com los médios más enérgicos que él posee, es decir, los del Derecho penal”.
446
SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens jurídicos! Trad. Luis Greco.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 13, n.º 53, mar./abr.,
2005. p. 24.
123

justiça – apenas por constituir uma linha avançada de defesa deste, visando a protecção
não de direitos subjetivos determinados, mas de uma série mais ou menos
indeterminada de perigos de violação daqueles direitos447.

No período compreendido pelas duas grandes guerras mundiais, a sociedade entrou em


crise, e isso levou o Estado a intervir de forma ainda mais decidida na vida social, dilatando o
papel desempenhado pelo direito administrativo no ordenamento jurídico. Com efeito:

[...] o legislador foi-se deixando seduzir pela idéia, perniciosa mas difícil de evitar, de
pôr o aparato das sanções criminais ao serviço dos mais diversos fins de política social.
E é o aparecimento, ao lado do direito penal tradicional, de um abundante direito penal
extravagante, acessório ou secundário448 [...] direito este que é, em sentido próprio,
direito penal administrativo: no preciso sentido de que sanciona, com penas, a violação
de ordenações da administração449.

Diante desse quadro, ganhou força o conceito de contravenção penal, pois é vocacionada
para abranger infrações de pequena gravidade e, conforme assevera Dias, “ela constitui como
que o cordão umbilical que liga o direito administrativo ao direito penal450”; portanto, através
desse conceito, ocorreu uma expansão da tutela penal em domínios como “os dos preços, da
proteção do ambiente e da defesa da forma animal451”.
Essa profusão legislativa levou Portugal a uma situação quase caótica, em “razão de uma
legislação penal extravagante, numerosa, complexa e contraditória452”. Esta situação persiste,
ainda, nos dias atuais e exige um esclarecimento de quais sejam os domínios que se podem
atribuir, verdadeiramente, ao Direito Penal secundário.
Dias ocupa-se então a responder ao problema, traçando um caminho que revele a essência
e o âmbito desse Direito Penal secundário e que, como se verá, passa pelo reconhecimento de
uma autonomia do Direito Penal secundário em relação ao Direito Penal tradicional.
Assim, parte Dias nessa busca por se estabelecer uma conceituação dogmática para o
Direito Penal secundário, mas, sem desconsiderar a existência de alguns âmbitos em que um
Direito Penal extravagante não poderá eximir-se de ocupar, pois já se encontram estabelecidos. É
o caso das leis especiais, em que a especificidade da matéria ou das sanções exige que sejam

447
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 15.
448
Como se vê, o professor Figueiredo Dias, num primeiro momento, utiliza o termo Direito Penal secundário para
definir aquela legislação avulsa, ou não codificada, que geralmente extravasa aos umbrais da codificação penal
primária.
449
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 16.
450
Ibidem, p. 18.
451
Ibidem, p. 20.
452
Ibidem, p. 21.
124

tratadas de forma separada do sistema comum453. Em sentido oposto, também observa a


existência de uma farta legislação penal extravagante, a qual deverá ser conduzida ao Código
Penal, pois sua localização fora deste decorre unicamente da inteira novidade da matéria tratada
e que, em muitos casos, acontece em razão de uma reforma global pela qual tem passado o
Direito Penal454.
Claro está que nem todo Direito Penal extravagante é formado pelo Direito Penal
secundário, nos moldes propostos pelo autor. Este compõe apenas uma das espécies daquele e,
sob essa ótica, pode ser definido a traços largos e “de um ponto de vista jurídico-formal455” como
“o conjunto de normas de natureza punitiva que constituem objeto de legislação extravagante e
contêm, na sua generalidade, o sancionamento de ordenações de caráter administrativo. 456”
Essa definição o leva a defrontar-se com a necessidade de distinguir seu Direito Penal
secundário do tradicional Direito de Mera Ordenação Social Português 457, porquanto, em sua
busca pela essência de um Direito Penal administrativo, o autor procura afastar a identificação
entre esses dois ramos do Direito punitivo, baseada em um critério puramente quantitativo de
distinção, comumente adotado pela “generalidade dos autores alemães458”.
Efetua uma análise comparativa com o fito de distingui-los através de um critério
material, e não qualitativo. Para tanto, recorre a uma avaliação valorativa das condutas que
integram o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social e conclui que, ao serem analisadas de
forma desvinculada da proibição legal, as condutas relacionadas no primeiro caso revelam um
desvalor social, cultural ou moral mais amplo, enquanto as condutas relacionadas ao segundo
caso são, via de regra, axiologicamente neutras, o que o leva a uma dupla conclusão, de que:

[...] por um lado, a de que o direito de ordenação constitui uma espécie de limite
negativo (normativo) de todo o direito penal, neste incluído o direito penal
administrativo; por outro lado, a de que, se o direito penal secundário é, na sua essência

453
Conforme Gomes, as leis especiais limitam o campo de aplicação das leis gerais, disciplinando com critério
próprio determinado grupo de relações jurídicas, em relação a sua natureza ou aos seus sujeitos e, ainda, a seu
objeto. Em outro sentido, são as leis que especificam situações já previstas de forma genérica, hipótese em que
prevalecem sobre estas em virtude da regra no sentido de que a lei especial derroga a geral. (GOMES, Orlando.
Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1965. p. 39.).
454
Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 23.
455
Ibidem, p. 27.
456
Idem.
457
Conforme Feliciano, o chamado direito de ordenação social, de mera ordenação social ou das contra-ordenações,
é um ramo autônomo do Direito punitivo português. Trata-se de uma especialidade do Direito Administrativo,
particularmente próxima do Direito Penal e que guarda muita semelhança com o nosso Direito Administrativo
sancionador. A opção portuguesa por essa denominação teve inspiração no Direito alemão das
Ordnungswidrigkeiten (contra-ordenações). (FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a competência da justiça
do trabalho para causas de direito administrativo sancionador. Revista do Tribunal do Trabalho da 13ª Região,
João Pessoa, v. 13, p. 54-75, 2005. Disponível em: <http://www.trt13.jus.br/ejud/images/revistasdigitais/revista13-
_trt13.pdf>. Acesso em: 05/09/2011.).
458
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 35.
125

e no seu âmbito, direito penal administrativo, ele não é direito de mera ordenação, é,
sim, verdadeiro direito penal.459

Dessa forma, revela que essa localização do Direito Penal secundário fora dos Códigos
Penais não é um fato insignificante; na verdade, é um sintoma material e historicamente
fundamental do seu modo de ser.

3.2.2. O Objeto de um Direito Penal Secundário

Esclarecer as razões pelas quais um Direito Penal secundário se estabeleceu junto à


periferia do Direito Penal clássico não é suficiente para o autor português. Seu objetivo é buscar
os pontos fundamentais, a fim de estabelecer um tratamento dogmático adequado a esse sistema
e, ao distingui-lo do tradicional Direito de Ordenação Social português, ele inicia o processo do
delineamento dessa autonomia, que vai muito além da mera liberdade que lhe é propiciada, por
encontrar-se disperso em uma legislação penal extravagante.
Observa que a história do Direito Penal administrativo se inicia quando a perspectiva
individualista extremada é abandonada, e tanto a ordem jurídica como a administrativa passam a
ter como supedâneo o homem, quer seja ele ser individual quer seja ser comunitário:

[...] o direito penal administrativo é o fruto da necessidade de que, para preservação da


ordem jurídica, se erijam certos bens imateriais e sem portadores individuais [...] em
bens jurídicos secundários, destinados a servir de protecção antecipada dos bens
jurídicos primários, defendidos pelo direito penal de justiça e ancorados em portadores
individuais460.

Isso seria impraticável sob a égide do Estado de Direito formal, ou de mera legalidade,
onde a forma predomina absolutamente sobre o conteúdo e prescinde-se da valoração das
intenções jurídico-materiais que os presidem e de seu confronto com os conteúdos materiais a
cuja realização o Estado se propõe.
Apenas em um Estado de Direito material é que se pode dar e aceitar-se a necessidade de
modificação das exigências tradicionais em matéria de limitação do poder punitivo do Estado, o
que tornaria compreensível essa relativa autonomização do Direito Penal administrativo dentro
do Direito Penal tradicional.
Destarte, não seria cabível ao Estado de Direito formal, de concepção puramente
individual liberal do bem jurídico, a admissão de um Direito Penal administrativo diretamente

459
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 36.
460
Ibidem, p. 38.
126

ligado a uma ordem jurídica constitucional; entretanto, com a refração da ordem jurídica
constitucional, ocorre uma distinção na ordem dos bens jurídicos, entre aqueles que radicam
imediatamente na proteção da pessoa, enquanto indivíduo, e aqueles que se fundam na proteção
de valores supraindividuais.

Neste contexto se compreende bem a existência de duas zonas relativamente


autônomas na actividade do Estado: uma que visa proteger a esfera de actuação
especificamente pessoal (embora não necessariamente “individual”) do homem e que
em primeira linha se conforma através dos seus direitos fundamentais; outra que visa
proteger a sua esfera de actuação social e que se conforma em princípio através dos
seus direitos e deveres econômicos, sociais e culturais (ou, numa expressão com este
amplíssimo sentido, dos seus “direitos sociais”)461.

Observa Dias que, se toda a atividade do Estado se subordina à Constituição e se funda


na legalidade democrática, a ideia segundo a qual “entre a ordem axiológica constitucional e a
ordem legal dos bens jurídicos tem de verificar-se uma qualquer relação de mútua referência 462”,
se torna indiscutível.
Essa correspondência de sentido, que deriva da ordem axiológica constitucional,
“constitui o quadro abstrato de referência e, ao mesmo tempo, o critério regulador da actividade
punitiva do Estado463” e sob esse aspecto, oferece a oportunidade para uma tutela relativamente
autônoma dos bens supraindividuais.
Como já se pode avistar, no entender de Dias, o principal critério de distinção entre o
Direito Penal clássico e o secundário se situa em nível constitucional e repousa essencialmente
no plano dos bens jurídicos que são tutelados:

[...] o homem realiza a sua personalidade na dupla esfera da sua actuação pessoal e da
sua actuação comunitária, sem que uma se sobreponha à outra no seu relevo ou na sua
validade originária; à protecção daquela se dirige o direito penal clássico (e só neste
sentido, “primário”), à protecção desta o direito penal administrativo (hoc sensu,
“secundário”).464

Diante do que foi exposto, já podemos delinear o objeto de um Direito Penal secundário
como sendo a proteção daqueles bens jurídicos secundários, que devem possuir previsão na
ordem valorativa constitucional e que gozem de relevância axiológica social, ou seja, o fato
deverá constituir um mínimo de gravidade, a fim de não se perder a essência de um verdadeiro
Direito Penal; caso contrário, estaríamos a punir uma mísera bagatela.

461
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 41.
462
Ibidem, p. 47.
463
Idem.
464
Ibidem, p. 50.
127

Essa definição, entretanto, não exaure o esboço proposto por Dias para a sua proposta
dogmática. Com a finalidade de estabelecer um tratamento adequado a esse sistema, Dias vai
muito além, em seu delineamento, o autor avalia caso a caso as exigências tradicionais em
matéria de limitação do poder punitivo do Estado em face das estruturas de tipificação que vem
sendo utilizadas, com frequência, para a tutela dos bens jurídicos supraindividuais, cujos
principais aspectos serão desenvolvidos na próxima seção.
Destarte, ele envereda por desvendar os limites a serem impostos ao tipo penal, uma vez
que irão refletir o grau de autonomia dogmática que poderá se esperar de seu Direito Penal
secundário.

3.2.3. O Tipo Penal no Direito Penal Secundário

Com o fito de balizar esse grau de autonomia que o Direito Penal secundário poderá
ostentar, Dias parte em seu propósito, desenvolvendo o exame do tipo penal sob seus três
principais aspectos: como conjunto de elementos incriminadores que exercerão uma função de
garantia; como conjunto de elementos que conformam a realização de um ilícito; e como
conjunto de elementos caracterizadores da atitude pessoal do agente.
Assim sendo, enfocando a função de garantia do tipo penal, ele analisa se essa suposta
especificidade que se atribui ao Direito Penal secundário poderá “amortecer” as exigências de
uma definição legal das atividades delituosas quando em confronto com a necessária satisfação
jurídico-constitucional de legalidade, no contexto de um Estado de Direito.
O autor português conclui ser inadmissível esse suposto relaxamento das “exigências
mínimas de cognoscibilidade e dirigibilidade objectivas das proibições penais 465”; entretanto,
ressalta também que essa determinação na formalização dos tipos não deve ser interpretada de
forma inflexível, 466 e “que o Direito Penal secundário é, por excelência, um campo onde se
desenvolvem conceitos normativos e indeterminados, cláusulas gerais e fórmulas de valor 467”.
Observa, ainda, que o maior problema relacionado à determinabilidade do tipo penal é
posto pela elevada frequência com que se depara, no âmbito do Direito Penal secundário, com a
utilização das chamadas normas penais em branco, aquelas que, segundo Dias, apresentam uma
cisão entre a norma de comportamento, que apresenta uma lacuna na descrição da conduta a ser
punida (socorrendo-se a outro dispositivo legal para sua integração), e a ameaça penal.

465
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 53.
466
Ibidem, p. 69.
467
Ibidem, p. 53.
128

No pensamento do mestre lusitano, não se justifica que desta circunstância se deduza a


inconstitucionalidade daquelas normas, “uma vez que nada na Constituição obriga à conexão, na
mesma lei ou no mesmo preceito legal, da conduta proibida com a pena que lhe corresponde 468”,
e ainda afiança:

[...] que a exigência de lei formal haja de radicar na norma penal sancionatória, mas
não também necessariamente no acto de fundamentação constitutiva da punibilidade:
quanto a este, bastará que ele seja válido por ter tido lugar em virtude de uma
autorização legal469.

Volta então sua análise para o segundo aspecto, que se refere ao conjunto dos elementos
que se acomodam na definição típica. Dias divide o estudo dos elementos em dois níveis, no
primeiro enfoque cinge-se ao agente. Dessa forma, observa que as estruturas típicas utilizadas
pelo Direito Penal secundário geralmente são consubstanciadas na violação de um dever
específico e anterior à norma penal, o que revela uma relação especial do conteúdo ilícito do fato
com o tipo de atuação profissional do agente.
Essa relação torna visível um conceito mais restrito de autoria, quando em confronto com
o Direito Penal clássico, pois o tipo penal se ancora no específico papel que o agente desenvolve
na sociedade (seu papel social, como comerciante, agricultor, pecuarista, entre outros).
No segundo enfoque se dirige ao fato. Dias verifica então que devido à natureza
supraindividual dos bens jurídicos protegidos, acrescida de uma evidente intenção legislativa de
atuar sobre “situações pré-delituais com fins preventivos470”, o Direito Penal secundário tornou-
se um fecundo campo onde vicejam delitos de perigo abstrato.
Aponta para o exemplo do Direito Penal ambiental471, onde raramente é viável que os
tipos penais descrevam crimes de dano, mas ressalva que: “Os delitos de perigo abstracto são
dogmaticamente aceitáveis – e jurídico-constitucionalmente inobjectáveis – se e na medida em
que for neles respeitado o princípio da determinabilidade do tipo e afastada qualquer presunção
de culpa472”, contudo, na medida em que tais requisitos não forem atendidos, sugere que sejam
transformados em meras infrações administrativas ou redefinidos em termos dogmática e
constitucionalmente aceitáveis.
Com relação ao crime tentado, o autor observa uma tendência em se alargar o conceito do

468
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 53.
469
Ibidem, p. 54.
470
Ibidem, p. 56.
471
Conforme Dias é um dos mais típicos exemplos de direito penal secundário. (DIAS, Jorge de Figueiredo. Para
uma dogmática do direito penal secundário, p. 56).
472
Idem.
129

ato de execução, antecipando assim o início da realização típica, e observa que, muito embora,
na proteção de valores supraindividuais, a conduta humana assuma um cunho acentuadamente
doloso, não se poderá concluir que o Direito Penal secundário não vá também fazer uso de tipos
penais culposos.
No que toca aos tipos permissivos, não assinalou qualquer especificidade qualitativa.
Observou apenas que a natureza dos bens secundários em questão podem eventualmente retirar a
relevância de alguns destes tipos e, em contrapartida, conferir a outras causas de justificação um
maior relevo prático.
Entretanto, é sobre a “imperiosa” necessidade de responsabilização das pessoas coletivas
no Direito Penal secundário que Dias dedica sua maior atenção, observa a divergência
doutrinária existente e afirma que, embora ainda prevaleçam os argumentos daqueles que, com
base nos dogmas da sua incapacidade de ação e de culpa, negam essa possibilidade, pontifica:

[...] não vejo [...] razão dogmática de princípio a impedir que elas se considerem
agentes possíveis dos tipos-de-ilícito respectivos [...]. Certo que, na acção como na
culpa, tem-se em vista um “ser livre” como centro ético-social de imputação jurídico-
penal e aquele é o do homem individual. Mas não deve esquecer-se que as
organizações humano-sociais são, tanto como o próprio homem individual, “obras da
liberdade” ou “realizações do ser-livre”; pelo que parece aceitável que em certos
domínios especiais e bem delimitados – de acordo com o que poderá chamar-se,
segundo Max Müller, o princípio da identidade da liberdade – ao homem individual
possa substituir-se, como centros ético-sociais de imputação jurídico-penal, as suas
obras ou realizações colectivas e, assim, as pessoas colectivas, associações,
agrupamentos ou corporações em que o ser-livre se exprime.473”

Adverte, no entanto, que está em causa um pensamento analógico e não a utilização de


“ficções” sobre a essência das pessoas morais e essa abertura do Direito Penal secundário, para a
admissão da responsabilidade penal das pessoas coletivas, jamais poderá eximir de
responsabilidade as pessoas individuais que agem como seus órgãos ou representantes.
Dias, contudo, deixou de abordar o mais difícil e importante problema na seara da
responsabilização penal da pessoa jurídica, a definição da capacidade de essas pessoas morais
sofrerem penas e medidas de segurança e de quais especificidades essas medidas devem revestir-
se.
Por derradeiro, adentra ao terceiro aspecto de sua análise: o conjunto dos elementos
subjetivos do tipo. Nesse âmbito, o que se discute é a fronteira a ser estabelecida entre o dolo e a
culpa, ou negligência, como preferem os portugueses.
Abrem-se possibilidades para se impor penas mais extensas ao agente que atua com

473
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 61.
130

negligência grosseira, com culpa consciente ou por erro sobre a proibição legal. Observa Dias
que uma punibilidade mais acentuada para a negligência fudamenta-se no “facto do direito penal
secundário ser campo em que se visa não só a conservação, mas a promoção de importantes
valores sócio-económicos comunitários474”; no entanto, tal como no Direito Penal clássico, as
condutas são axiologicamente relevantes, não havendo, sob esse aspecto, razão para se
estabelecer um tratamento especial.

3.2.4. Acessoriedade administrativa e Direito Penal ambiental

Em sua obra, Dias busca esmeradamente por distinguir seu sistema, que intitula de
Direito Penal secundário, tanto do Direito Administrativo sancionador quanto do Direito Penal
tradicional e, muito embora assevere que o Direito Penal secundário seja um âmbito específico
que pertence ao Direito Penal, ele o descreve como “uma espécie de entreposto [...] entre o
direito penal clássico codificado e o direito das contra-ordenações e corresponde ao modo-de-ser
actual do tradicionalmente chamado direito penal administrativo 475”.
Conforme se vê, o próprio Dias destaca a natureza administrativa que envolve o Direito
Penal secundário no que se refere à sua matéria, esclarecendo que, por vezes, ele sanciona com
penas a violação de normas administrativas, tornando-se assim um Direito Penal com uma
inegável natureza Administrativa.
Em consonância com Carvalho, pode-se afirmar que esse processo de administrativização
do Direito Penal não se cinge ao Direito Penal ambiental, ou ao Direito Penal secundário. É uma
característica das sociedades pós-industriais 476, onde os riscos modificam-se a uma velocidade
que o Direito Penal tradicional não consegue acompanhar.
Essa situação faz com que o Direito Penal ambiental contenha em seu bojo um vasto
número de dispositivos, que não proíbem qualquer lesão ao bem ambiental protegido, mas
apenas aquelas praticadas em contrariedade ao direito administrativo.
Dessa maneira, a legislação penal ambiental liga-se diretamente aos parâmetros
estabelecidos pelo Direito Administrativo, o que explica a adoção de tipos penais abertos em sua
técnica legislativa, fato este que poderá ocorrer através de diferentes modalidades de remissões
penais, como o emprego de elementos normativos no tipo penal ou das chamadas normas penais

474
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 66.
475
Ibidem, p. 67.
476
Cf. CARVALHO, Rogério A. Fernandes de. A expansão do Direito Penal sob o influxo da administrativização:
notas sobre os crimes tributários. Revista Ibero-Americana de Ciências Criminais. Porto Alegre: Fundação
Escola Superior do Ministério Público, Ano 8, n.º 15, 2007. p. 178.
131

em branco, dado que somente a administração e seus mecanismos mais céleres detêm habilidade
para fiscalizar e acompanhar estas atividades particulares e sobre elas exercer seu poder de
polícia477.
É essa vinculação do Direito Penal ambiental com o Direito Administrativo que se passou
a chamar de acessoriedade administrativa 478. Não nos vamos debruçar aqui novamente sobre os
problemas materiais em geral, que decorrem desta dependência do Direito Penal ambiental em
relação ao Direito Administrativo, vez que já foram tratados no capítulo anterior. A análise irá
cingir-se às questões de natureza dogmática desse fenômeno, especialmente aqueles relacionados
ao princípio da legalidade.
Para tanto, recorrer-se-á a Greco, que identifica três diferentes maneiras pelas quais essa
vinculação pode ser revelada na legislação479, a saber:
A primeira ele denomina de acessoriedade conceitual, que se dá quando o Direito Penal
empresta conceitos do Direito Administrativo, empregando-os no sentido que a eles atribui este.
Um exemplo facilmente pode-se extrair da legislação pátria, observando o artigo 38 da
Lei 9.605/98:

Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente,


mesmo em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas
cumulativamente480. (grifo nosso)

O tipo penal em questão alude às “florestas consideradas de preservação permanente” e,


para a compreensão desse termo se deve recorrer a conceitos estabelecidos pela legislação
administrativa. Neste caso, a definição conceitual decorre do chamado Código Florestal (Lei n.º
4.771/65), que define o que se deve considerar por “floresta de preservação permanente” em seus
artigos 2º e 3º.
A segunda forma de vinculação ganha a denominação de acessoriedade ao ato
administrativo individual e ocorre quando o Direito Penal remete à concessão ou obtenção de um

477
Cf. DOMINGUES, Victor Hugo. Acessoriedade administrativa e delitos ambientais. Revista de Crítica
Jurídica. Vol. 2, set./dez. 2009. Disponível em: <http:criticajuridica.com.br/wp_content/uploads/revista2/rcj2.pdf>.
Acesso em 22/07/2011. p. 52.
478
Conforme Epifanio, a expressão “acessoriedade administrativa”, comumente empregada para designar essa
vinculação, que alguns julgam como sendo uma dependência, entre o Direito Penal e o Direito Administrativo,
decorre da legislação alemã, onde essa relação era conhecida como Direito Penal acessório. (SAN EPIFANIO, Leire
Escajedo, op. cit., p. 131.).
479
Cf. GRECO, Luís. Direito Penal e Direito Administrativo no Direito Penal Ambiental. Revista Brasileira de
Ciências Criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 14, n. 58, jan./fev. 2006. p. 159-161.
480
MEDAUAR, Odete (Org.), Coletânea de legislação ambiental, p. 415.
132

ato autorizativo concreto e individual481. Um exemplo também pode ser obtido na Lei n.º
9.605/98, sem nenhuma dificuldade:

Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem


permissão da autoridade competente:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas
cumulativamente482 (grifo nosso).

Logo, para que a ação seja típica, a conduta há de ser prática “sem permissão da
autoridade competente”, uma vez que o próprio Código Florestal prevê a possibilidade de
expedição de autorização do Poder Público para a supressão total e parcial de florestas de
preservação permanente.
Por último, a acessoriedade ao ato administrativo geral, que se caracteriza por uma
remissão focada em norma administrativa material, ou seja, uma lei ou um ato normativo dotado
de alcance geral (decretos, resoluções e portarias).
Encontram-se também exemplos fartos de acessoriedade ao ato administrativo geral, na
Lei de Crimes Ambientais brasileira:

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que
trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de julho de 1990, independentemente de
sua localização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos 483 (grifo nosso).

Observa-se que o tipo penal em questão remete ao “artigo 27, do Decreto n.º 99.274/90”,
que, por sua vez, define em um raio de dez quilômetros as chamadas zonas de amortecimento,
que são áreas circundantes das Unidades de Conservação.
Pois bem, muito embora ressalte Greco que, por vezes, a acessoriedade conceitual
esconde em sua descrição outro tipo de acessoriedade, ela não tem suscitado muitos problemas
em relação ao princípio da legalidade. Estes se apresentam com muita frequência em relação às
hipóteses de acessoriedade, onde a norma se complementa com o ato administrativo individual.
A questão que aqui se coloca é que se está subtraindo dos órgãos legislativos habilitados
e atribuindo “a um funcionário qualquer 484” o poder de fixar os contornos do ato punível. Além
disso, atos administrativos individuais são orientados para um único agente, e, devido ao alto
grau de discricionariedade, próprio da administração, a decisão tem natureza muito flexível,

481
Conforme Greco, na doutrina do Direito Administrativo, tradicionalmente, se distingue os atos administrativos
individuais em três espécies: a licença, a autorização e a permissão. (GRECO, Luís, op. cit, p. 161.).
482
MEDAUAR, Odete (Org.), Coletânea de legislação ambiental, p. 415.
483
Ibidem, p. 415.
484
GRECO, Luís, op. cit, p. 164.
133

ficando sujeita a condições que interferem na concessão ou não de uma permissão, em grau
muito maior do que aquelas que interferem no juízo penal a respeito da ilicitude de um fato 485.
A respeito, assevera Epifanio:

A administração, como já se disse, não é neutra a cerca da política e de grupos


interesados, ao decidir se deve ou não autorizar uma conduta, tem o poder de delimitar
qual é, e qual não é, o espaço de risco permitido no Direito Penal. E assim, pode
acontecer que decisões administrativas injustas permitam evitar a punição penal, por
exemplo, autorizando algo que administrativamente não se deveria autorizar, e isso
impeça que o Direito Penal desenvolva de forma adequada sua eficacia na proteção do
bem jurídico. Pode acontecer também, que se empregue o Direito Penal para perseguir
condutas não autorizadas, mas que ambientalmente não sejam significativas486.

Por outro lado, a acessoridade ao ato administrativo geral também pode revelar-se
atentatória ao principio da legalidade. Isso poderá ocorrer quando a norma administrativa, a que
a norma penal remete, não seja consubstanciada em lei.
Alguns autores questionam se o Direito Penal ambiental já não renunciou à sua
autonomia valorativa. E não é por outra razão que Greco indaga: “Não estaria o legislador, por
meio de tais remissões, relegando à administração a competência para definir que
comportamentos são puníveis, com isso furtando-se a seus deveres e violando o princípio da
legalidade?487”
A questão que se torna evidente, nesses casos, é que as possibilidades de intervenção
penal ficam nas mãos da administração. Parece que se tende a sancionar uma desobediência às
autoridades administrativas encarregadas da gestão ambiental. Há um risco, incontestável, de que
os crimes ambientais convertam-se em ilícitos meramente formais.
Então, como resolver essa aparente incompatibilidade?
Na busca por uma resposta diferenciada a esse questionamento é que se chega a Epifanio.
Ao perquirir em sua obra por uma reinterpretação garantista, que viesse a oferecer uma correta
compreensão desse fenômeno e dos preceitos em que se materializa a autora, apresenta a
chamada teoria do complemento indispensável e afirma que, partindo-se dessa referência, poder-
se-á valorar a legitimidade da configuração jurídica empregada na materialização da política

485
Cf. DOMINGUES, Victor Hugo, op. cit., p. 56.
486
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 142. [Tradução nossa] Lê-se no original: “La Administración, que
se ha dicho no es neutral encuanto a política y grupos de intereses, al decidir sobre si autoriza o no una conducta,
tiene en último término capacidad de marcar cuál es y cuál no el espacio de riesgo permitido en el Derecho penal. Y
puede suceder así, que decisiones administrativas injustas permitam eludir el castigo penal, por ejemplo autorizando
algo que administrativamente no quepa autorizar, y ello impida que el Derecho penal despliegue de forma adecuada
su eficacia de protección del bien jurídico. Puede suceder tambén, que se emplee el Derecho penal para perseguir
conductas no autorizadas que ambientalmente no siempre sean significativas”.
487
GRECO, Luís, op. cit, p. 163.
134

criminal ambiental488.
Conforme a professora espanhola, várias são as decisões do Tribunal Constitucional e do
Supremo que seguem no sentido de avalizar essa técnica 489, através da qual se entende que as
normas penais em branco são conciliáveis com as exigências de um Estado de Direito 490, desde
que satisfaçam a três requisitos: o primeiro consiste “na exigência de caráter expresso na
remissão normativa491” e se traduz em remissões precisas e que não sejam excessivamente
amplas. Observe-se que esse argumento também aponta para uma incompatibilidade da teoria do
complemento indispensável com a técnica de acessoriedade ao ato administrativo individual; o
segundo requisito exige “a justificação do recurso a esta técnica nas necessidades de proteção do
bem jurídico492”, ou seja, que a remissão seja justificável diante da necessidade de se oferecer
esse instrumento de proteção ao bem jurídico. Note-se que a realização de uma conduta não
autorizada, em princípio, irá sempre caracterizar uma infração administrativa, mas, para que tais
condutas sejam elevadas à ordem penal, o legislador deverá estabelecer com claridade em que se
baseia esse maior desvalor, a ponto de justificar o emprego subsidiário da tutela penal.
Com fulcro na teoria do complemento indispensável e diante da especial lesividade social
dos instrumentos jurídico-penais, é imprescindível que o legislador esclareça qual o critério: quer
seja concreto (quantitativo) quer seja abstrato (qualitativo). Só assim irá delimitar o injusto penal
do injusto administrativo 493.
O terceiro e último requisito exige que “o núcleo essencial da proibição esteja sempre
descrito na lei penal494”, e isso implica que as circunstâncias do injusto, que se completam
através da remissão, não devem ser essenciais a seu respeito. Esse requisito também remete a
análise da acessoriedade ao ato administrativo individual, onde se pode constatar que a
ocorrência ou não das autorizações estão estreitamente ligadas ao núcleo essencial do
mandamento penal.
O emprego da teoria do complemento indispensável, embora não esteja isenta de críticas,
oferece parâmetros adequados de balizamento para o emprego da acessoridade administrativa em
um Estado de Direito; entretanto, conforme assevera Epifanio, ao se justificar o emprego dos

488
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 57.
489
Muito embora estas decisões não sejam isentas de questionamentos doutrinários. (Cf. SAN EPIFANIO, Leire
Escajedo, op. cit., p. 231.).
490
Cf. SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 231.
491
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 259. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] en la exigência del
carácter expresso de la remissión normativa.”
492
Ibidem, p. 260. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] la justificación del recurso a esta técnica en las
necessidades de tutela del bien jurídico.”
493
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 143.
494
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 261. [Tradução nossa] Lê-se no original: “[...] el núcleo esencial de
la prohibición esté siempre descrito en la ley penal.”
135

tipos penais abertos, não se deve compreender que todas as técnicas legislativas empregadas em
sua aplicação devam necessariamente ser legitimadas 495.
Até aqui já se pode concluir que tanto a proposta de Dias quanto a de Sanchez possuem o
mesmo fundamento. Ambas propugnam pela divisão do Direito Penal em dois âmbitos
relativamente autônomos, delineando, assim, cada um a sua forma, os contornos do que seria
uma dogmática jurídico-penal dual ou dualista. Resta, da mesma forma, revelar como o
ordenamento jurídico brasileiro, desde o advento da Lei n.º 9.099/95, se tornou um campo
profícuo para a aplicação dessas novas propostas dogmáticas.

3.3. A CRISE DE SISTEMATIZAÇÃO E A FALTA DE EFICÁCIA

Quando se fala em sistema, sob o ponto de vista estritamente teórico, não se pensa em
alguma coisa objetiva, concreta, pura e simples, que se pode simplesmente apreender, observar e
descrever. Na verdade, o sistema se constitui em um instrumento através do qual se vai analisar
alguma coisa496.
Não por outra razão, afirma Canaris que não se deve pressupor a existência de um
sistema jurídico; mas é partindo da constatação de que existe uma Ciência do Direito que se
procura compreendê-la, revelar o seu sentido e em que se fundamenta a sua cientificidade 497.
Há evidentemente uma noção, até mesmo intuitiva, do que seja um sistema, que é
comum a qualquer pessoa, pois a palavra sistema leva logo a se pensar em ordem, em conjunto,
em todo, em ordenação, a tal ponto que Bobbio o define como:

[...] uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa
ordem. Para que se possa falar de uma ordem, é necessário que os entes que a
constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num
relacionamento de coerência entre sí. Quando nos perguntamos se um ordenamento
jurídico constitui um sistema, nos perguntamos se as normas que o compõe estão num
relacionamento de coerência entre sí, e em que condições é possível essa relação498.

O autor italiano, entretanto, termina por indagar sobre as condições em que se pode
495
SAN EPIFANIO, Leire Escajedo, op. cit., p. 132.
496
Conforme explica Diniz: “O sistema não é uma realidade nem uma coisa objetiva; é o aparelho teórico mediante
o qual se pode estudar a realidade. É, por outas palavras, o modo de ver, de ordenar, logicamente, a realidade, que,
por sua vez, não é sistemática. Todo o sistema é uma reunião de objetos e seus atributos (que constituem seu
repertório) relacionados entre sí, conforme certas regras. [...] o Direito não é um sistema jurídico, mas uma realidade
que pode ser estudada de modo sistemático pela Ciência do Direito. É indubitável que a tarefa mais importante do
jurista consiste em apresentar o Direito sob uma forma ordenada ou ‘sistemática’, para facilitar o seu conhecimento,
bem como seu manejo por parte dos indivíduos que estão submetidos a ele, especialmente aos que o aplicam.”
(DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. São Paulo: Editora Saraiva, 1995. p. 26-27.).
497
CANARIS, Claus-Wilhelm, op. cit., p. 71.
498
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 71.
136

estabelecer essa relação de coerência, esse nexo, entre as normas que compõem o ordenamento
jurídico.
Para se responder adequadamente a essa pergunta, é preciso recorrer a Larenz, que
constatou a importância desse nexo de sentido entre as normas jurídicas. De acordo com o autor
alemão, toda a interpretação de uma norma tem de tomar em consideração a cadeia de
significado, a sua função no contexto da regulamentação em causa. Além disso, revela que o
ordenamento jurídico em seu conjunto está subordinado a determinadas ideias diretivas,
princípios ou o que o autor define como pautas gerais de valoração 499.
Já se pode concluir, então, que são valores os elementos que constituem a razão
determinante dessa unidade do sistema jurídico, a questão é: de que valores se trata?
Preleciona Canaris que são os:

[...] valores fundamentais mais profundos, portanto até aos princípios gerais duma
ordem jurídica; trata-se, assim, de apurar, por detrás da lei e da ratio legis, a ratio
iuris determinante. Pois só assim podem os valores singulares libertarem-se do seu
isolamento aparente e reconduzir-se à procurada conexão <<orgânica>> e só assim se
obtém aquele grau de generalização sobre a unidade da ordem jurídica [...], se torna
perceptível. O sistema deixa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou
teleológica de princípios gerais de direito500.

Como se vê, é por meio dos princípios que se tornará perceptível a unidade e a
adequação dessa ordem jurídica. Afinal de contas, são nos princípios que subjazem aqueles
valores perseguidos pela ordem jurídica, em um grau maior de concretização 501.
Dessa forma, eles se tornam o elemento sistematizador do ordenamento jurídico. Canaris
observa que nem todos os princípios são, por seu turno, relevantes para o sistema, como o serão,
por exemplo, para o Direito Penal, o Direito Ambiental, o Direito Civil, o Direito do Trabalho, e
outros tantos, pois, dentro desses âmbitos, “formam-se subsistemas mais pequenos, com seus
próprios princípios gerais autônomos 502.”
Sob essa ótica, pode-se dizer que se tem dois grandes sistemas jurídicos no mundo atual,
que são o Common Law e o Romano-germânico, sendo que é a esse último que pertence o
direito brasileiro, onde predominam textos legislativos, e a doutrina preocupa-se
fundamentalmente com sua interpretação, relegando a jurisprudência e a prática do Direito a um
plano secundário.

499
Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. Jose Lamego. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2005. p. 621.
500
CANARIS, Claus-Wilhelm, op. cit., p. 77.
501
Ibidem, p. 86.
502
Ibidem, p. 79.
137

Dessa forma, sendo a lei a fonte primária do direito, é fácil concluir que o legislador, de
forma natural, se deixa levar pelo desejo de reunir em um único texto todo o direito em vigor.
Assim sendo, surgiram as codificações, as quais logo tornam-se o cerne dos subsistemas
jurídicos integrantes do sistema romano-germânico.
Entretanto, toda codificação apresenta vantagens e desvantagens. Se, por um lado,
facilitam a tarefa do jurista que encontra as normas em um corpo legislativo unificado, por outro
lado ocasiona uma relativa imobilidade ao direito:

Toda codificação coloca, portanto, um dilema: se o código não é modificado, perde


todo o contato com a realidade, fica ultrapassado e impede o desenvolvimento social;
mas, se os componentes do código são constantemente modificados para adaptar-se às
novas situações, o todo perde sua unidade lógica e começa a mostrar divergências
crescentes e até mesmo contradições 503.

Desse modo, esse envelhecimento dos códigos também leva a uma noção diametralmente
oposta, a de que não apenas a codificação é um meio propulsor do Direito, como também há
necessidade de constantes reformas e adaptações às legislações existentes, as quais se dão
através da promulgação de leis especiais e extravagantes, que, muitas vezes, derrogam as normas
da codificação anterior, alterando-as em inúmeros dispositivos.
Com o sistema jurídico penal brasileiro não ocorreu de maneira diversa, pois legislação
penal brasileira ainda se fulcra no Código Penal promulgado pelo Decreto-Lei n.º 2.848, de 07
de dezembro de 1940, e há muito se tenta introduzir uma nova codificação no Brasil 504.
Fica, entretanto, cada vez mais difícil inserir em um corpo legal único toda uma série de
fenômenos jurídicos, tendo em vista sua diversidade. Sendo assim, a tendência contemporânea é
a legislação por microssistemas.
É sob essa ótica que se pretende apresentar um prognóstico normativo adequado para o
aperfeiçoamento da Lei dos Crimes Ambientais; entretanto, para que se possa compreendê-la,
será preciso compreender também essa necessidade de uma autonomia legislativa maior, em
relação ao sistema jurídico-penal.

503
CAENEGEM, R. C. Van. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.
19.
504
A substituição do Código Penal foi tentada pelo decreto-lei nº 1.004, de 21 de outubro de 1969, mas as críticas
foram tão numerosas que foi ele submetido a uma modificação pela lei nº 6.016, de 31 de dezembro de 1973.
Mesmo assim, sofreu vários adiamentos para sua vigência até que foi revogado pela lei nº 6.578, de 11 de outubro
de 1978, inobstante seu fracasso, em 27 de novembro de 1980 foi instituída uma nova comissão, desta vez para
elaboração de um anteprojeto de lei de reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940, tendo a lei nº 7.209, de 11
de julho de 1984, efetuado as alterações da Parte Geral que passaram a viger seis meses após a data de publicação,
entretanto, ainda hoje se trabalha na elaboração de um novo anteprojeto para o Código Penal.
138

3.3.1. O Direito Penal enquanto sistema

Foi na passagem do século XX para o XXI que ocorreu a modificação do paradigma


mecanicista cartesiano 505, marcado por uma visão fragmentada para o sistêmico 506, no qual a
maneira de pensar passou a ser observada através de ligações e de relações recíprocas. Neste
novo modo de enxergar o mundo, as propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo,
são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui, e, embora, se possa discernir partes
individuais de qualquer sistema, essas partes não são isoladas, pois a natureza do todo é sempre
diferente da mera soma de suas partes507.
Como exemplo, pode-se citar a percepção que as pessoas têm de uma “árvore”. Ao
desenhá-la, geralmente não se fará a raiz; entretanto as raízes de uma árvore são, com
frequência, tão notórias quanto suas partes. Além disso, numa floresta, as raízes de todas as
árvores estão interligadas, e isso forma uma densa rede subterrânea na qual não há fronteiras
precisas entre uma árvore e outra508.
Se se partir para uma análise do sistema penal sob essa ótica, ver-se-á que ele não se
cinge a uma mera codificação de tipos penais incriminadores, que são classificados por meio de
uma hierarquia, com a qual se valoram os bens jurídicos em conformidade com as penas que
lhes são atribuídas, como, por exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade de atuação ou a
propriedade, entre tantos outros.
Tendo sua codificação como ponto de partida, encontramos duas grandes divisões, a
parte geral, composta por disposições genéricas em que se dá o aporte dogmático necessário para
que os preceitos que tratam das infrações penais possam ser aplicados e a parte especial, onde
estão elencados os tipos penais que descrevem as condutas que devem ser consideradas
criminosas e suas respectivas sanções.
Pertence, todavia, também a esse sistema uma numerosa legislação penal que extravasa

505
Conforme Capra, nos séculos XVI e XVIII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica e na
teologia cristã, sofreu uma transformação radical. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída
pela noção do mundo como uma máquina, e a máquina do mundo tornou-se a metáfora dominante da era moderna.
Essa mudança foi realizada pelas novas descobertas em física, astronomia e matemática, conhecidas como
Revolução Científica e associadas aos nomes de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton. Impende observar
que o termo mecanicismo cartesiano vem de René Descartes, pois ele criou o método do pensamento analítico, que
consiste em quebrar fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o comportamento do todos a partir de
suas partes. O universo material, incluindo os organismos vivos era uma máquina, e poderia, em princípio, ser
entendido completamente analisando-o em termos de suas partes menores. (CAPRA, Fritjof. A teia da vida: Uma
nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Editora Cultrix, 1999. p. 34.).
506
Conforme Capra, a raiz da palavra “sistema”, deriva do grego synhistanai (colocar junto). Entender as coisas
sistematicamente é o mesmo que estabelecer relações entre elas. (Ibidem, p. 39.)
507
Ibidem, p. 40.
508
Ibidem, p. 49.
139

essa codificação de 1940, complexa e, muitas vezes, contraditória, gerada a partir da necessidade
de se incriminar condutas novas, antes impensáveis, ou de tutelar os novos bens jurídicos
supraindividuais e ainda outras que têm sua gênese ligada às reformas pontuais que vem
sofrendo a velha legislação penal. Em sua maior parte, entretanto, essa legislação extravagante
ainda se socorre das disposições dogmáticas genéricas previstas na parte geral da codificação
brasileira.
Diante desse quadro, não se pode mais enxergar a infração penal sob o ângulo da
contravenção ou do crime, conforme a delimitação contida no Código Penal brasileiro.
De forma prática, tem-se que admitir que a sistemática de hoje já ultrapassou essa
bipartição clássica, pois se vive hoje a coexistência de “vários” Direitos Penais distintos, com
estruturas típicas, regras de imputação, princípios processuais e sanções substancialmente
diversas.
O objeto dessa desorganização sistêmica são delitos insuficientemente regulamentados e
cuja dogmática se acha ainda pendente de uma melhor elaboração: contravenções penais, crimes
de menor potencial ofensivo, crimes sujeitos à suspensão condicional do processo, crimes
dolosos contra a vida e até crimes hediondos.
Chega-se ao cúmulo de não mais se reconhecer o que vem a ser um crime comum, e, por
essa razão, Deodato já diferencia os crimes como hediondos, não hediondos e de menor
potencial ofensivo 509.
Se se olhar, no entanto, atentamente para esse quadro de aparente falta de organização
sistêmica no Direito Penal hodierno, porém, sob a ótica da teoria esposada por Sanchez,
conseguir-se-á identificar nele a existência de três enfoques diferentes e que podem ser
perfeitamente relacionados com as três velocidades do Direito Penal 510, propostas pelo autor.
Veja-se que a sua primeira velocidade pode circunscrever os crimes, por assim dizer,
comuns, considerando sob esse aspecto aqueles cuja pena máxima cominada fosse superior a
dois anos511, conquanto, neste caso, estaria diretamente em jogo a liberdade do cidadão, com a
iminente possibilidade de aplicação de uma pena de restrição de liberdade e seriam observadas
todas as garantias, sejam elas penais ou processuais penais. É aquilo que se pode denominar de

509
Cf. DEODATO, Felipe Augusto Forte de Negreiros. Qual o caminho seguro para uma Gesamte
Strafrechtswssenschaft nesses tempos de fatos puníveis secundários? In: D’AVILA, Fábio Roberto; SOUZA, Paulo
Vinicius Sporleder (Orgs.). Direito Penal Secundário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 150.
510
Cf. GRECCO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio. Niterói: Editora Impetus, 2006. p. 24.
511
Conforme o critério estabelecido pelo artigo 61, da Lei n.º 9099/95, através do qual se considera infração de
menor potencial ofensivo às contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois
anos.
140

um Direito Penal clássico ou tradicional 512.


A segunda velocidade pode-se relacionar aos chamados crimes de pequeno potencial
ofensivo, ou seja, as contravenções penais e aqueles cuja pena máxima não seja superior a dois
anos. Conforme ocorre no Brasil com os Juizados Especiais Criminais, são afastadas algumas
garantias, mas com o escopo de agilizar a aplicação da lei penal. Em contrapartida, são aplicadas
sanções menos intensas que as penas tradicionais e mais próximas das sanções
administrativas513.
Não se pode, porém, deixar de reconhecer também a existência de um prenúncio daquilo
que vem a ser a terceira velocidade do direito. Sob esta ótica já se encontram algumas leis que
seguem a orientação dessas novas tendências, que apregoam um Direito Penal máximo 514, como
o chamado Direito Penal do Inimigo 515, onde se admite que garantias sejam minimizadas,
mesmo diante da possibilidade de aplicação de severas penas privativas de liberdade.
Goste-se ou não disso, é fato que já existem entre nós frutos de tais correntes do
pensamento; a exemplo, podemos citar a Lei dos Crimes Hediondos, do Regime Disciplinar
Diferenciado e até mesmo a Lei do Crime Organizado, as quais se encontram repletas de
restrições a garantias processuais e de crimes punidos com parâmetros de balizamentos mais
alargados para a aplicação de penas mais gravosas.
Essa grande quantidade de leis esparsas existentes dificulta de sobremaneira o
entendimento dos procedimentos aplicáveis à apuração dos diversos ilícitos, e, sob esse aspecto,
o sistema penal brasileiro precisa evoluir; para tanto, será preciso romper com os grilhões que
ainda mantém todos atrelados aos cânones dogmáticos previstos na Parte Geral do Código Penal
de 1940, pois estes foram desenvolvidos em outro período histórico e visavam, quase
exclusivamente, à tutela dos bens jurídicos individuais.
Sob esse aspecto, ao tentar desenvolver um microsistema para a tutela do meio ambiente
e por ser este um bem jurídico supraindividual, o legislador caminhou em perfeita harmonia com
o pensamento de Dias, que defende uma distinção no tratamento dado à tutela dos bens jurídicos,
entre aqueles que radicam imediatamente na proteção da pessoa, enquanto indivíduo, e aqueles

512
Cf. GRECCO, Rogerio, op. cit., p. 24.
513
Ibidem, p. 24.
514
Ibidem, p. 24.
515
Conforme Grecco, o autor alemão Gunter Jakobs, em sua proposta denominada de Direito Penal do Inimigo,
também trabalha sob a perspectiva de evitar a lesão ao bem jurídico, antecipando a ação do direito pela punição do
agente. Entretanto, o faz pela condução de vida do agente, criando um tipo de atitude interna do autor, fato este que
lhe rendeu as mais duras críticas da doutrina internacional, a qual comparou seu conceito de inimigo ao chamado
Direito Penal do autor, preconizado por Edmund Mezger, na Alemanha, durante o regime nazista. (GRECCO,
Rogério, op. cit., p. 25.).
141

que se fundam na proteção de valores supraindividuais 516.


Diante da especificidade da matéria e de suas características próprias, obviamente, surge
a necessidade de que seja tratada de forma separada do sistema penal comum, e, diante disso, o
legislador lançou mão do recurso a uma lei especial, conforme conceitua Orlando Gomes:

As leis especiais limitam o campo de aplicação das leis gerais, disciplinando com
critério próprio determinado grupo de relações jurídicas, em relação a sua natureza ou
aos seus sujeitos e, ainda, a seu objeto. Em outro sentido, são as leis que especificam
situações já previstas de forma genérica, hipótese em que prevalecem sobre estas em
virtude da regra no sentido de que a lei especial derroga a geral517.

Ver-se-á, entretanto, que se poderia ter aproveitado melhor essa vantagem oferecida: a
sua maior autonomia legislativa em relação ao restante do sistema penal.

3.3.2. A demanda por elementos conformadores de um microssistema

Embora, como já se frisou no decorrer desse trabalho 518, a lei n.º 9.605/98 tenha-se
traduzido em um grande avanço em relação às leis que a antecederam, isso de forma alguma irá
isentá-la de críticas, ao contrário, diversos elementos ainda precisam ser instituídos para que
seus instrumentos se tornem eficazes, e já existem demandas que justifiquem uma reformulação
da sistemática atualmente implantada, as quais podem ser resumidas sob quatro aspectos: a) da
consolidação de toda legislação ambiental; b) das infrações imputáveis às pessoas jurídicas; c)
do confisco dos instrumentos do crime; e d) da adequação na cominação de suas penas.
Passa-se então ao desenvolvimento de uma análise de cada um desses aspectos, seguindo
a ordem com que foram elencados, conforme se segue:
Sob o primeiro aspecto, começa-se por lembrar o vetado artigo 1º, que determinava: “As
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente são punidas com sanções administrativas, civis e
penais na forma estabelecida nesta lei”. Ora, se esse dispositivo fosse mantido, condutas que não
estivessem incluídas no bojo da lei n.º 9.605/98 não teriam mais como serem coibidas 519.
Cabe observar que, inobstante a intenção do legislador, seu projeto não alcançou a
abrangência que se lhe pretendeu imprimir, pois, nem na época em que foi publicada a Lei de
Crimes Ambientais lograva êxito na inclusão de todas as condutas que devessem ser reprimidas

516
Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 38.
517
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1965. p. 39.
518
Consultar seção 2.1.2.
519
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo; SOUZA, Luciano Anderson de. Comentários à Lei de Crimes
Ambientais: Lei n.º 9.605/1998. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 36.
142

criminalmente, por serem nocivas ao meio ambiente520.


Como exemplo, podem-se citar alguns crimes cuja previsão expressa ainda se encontra
no Código Penal brasileiro, como o incêndio em mata ou floresta previsto no artigo 250 521, os
casos de poluição atmosférica 522 e hídrica523, respectivamente, previstos nos artigos 252 e 270, e,
ainda, o crime de difusão de doença ou praga contido no artigo 259524.
Com relação à legislação extravagante, também se pode observar a proibição de pesca a
cetáceos em águas jurisdicionais brasileiras, nos termos do artigo 2º da lei n.º 7.643/87525,
algumas contravenções penais, como a poluição sonora causada ao se perturbar o trabalho ou
sossego alheio, descrita no artigo 42 do decreto-lei n.º 3.688/41526, assim como a contravenção
consistente em soltar animais em florestas sujeitas a regime especial, cuja descrição encontra-se
contida na alínea m do artigo 26 da lei n.º 4.771/65527 e até mesmo a repressão às condutas
causadoras de poluição por atividades nucleares, as quais já se encontravam previstas nos artigos
23, 25 e 26 da lei n.º 6.453/77528.
Mesmo, entretanto, que o legislador tivesse exaurido à época todas as possíveis condutas
lesivas ao meio ambiente, isso não seria empecilho para que a evolução tecnológica e social
gerasse a necessidade de se incriminar novas condutas. Como de fato já ocorreu, com o advento
da Lei de Biossegurança, lei n.º 11.105/05, a qual criminaliza condutas que vão desde a alteração
do patrimônio genético hereditário da espécie humana, até o descarte no meio ambiente de
organismos geneticamente modificados529.
Diante do exposto, pergunta-se: para a consolidação de um verdadeiro microsistema de
proteção penal ambiental não seria de fundamental importância se oferecer um tratamento
isonômico a todos os crimes ambientais, independentemente de serem ou não previstos na
mesma lei?
Ora, contrariando as pretensões iniciais do legislador, é forçoso concluir que esse
microsistema necessita, na verdade, é de uma norma de extensão, para que suas disposições
gerais sobre as infrações ambientais possam espargir seus efeitos por todos os demais diplomas
legislativos em que sejam incriminadas condutas lesivas ao meio ambiente.

520
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo; SOUZA, Luciano Anderson de. op. cit., p. 36.
521
Cf. PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente, p. 370.
522
Ibidem, p. 439.
523
Ibidem, p. 446.
524
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo; SOUZA, Luciano Anderson de, op. cit., p. 36.
525
Ibidem, p. 36.
526
Cf. PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente, p. 450.
527
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo; SOUZA, Luciano Anderson de, op. cit., p. 36.
528
Cf. PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente, p. 453.
529
Ibidem, p. 571.
143

Apesar de o legislador não haver alcançado seu objetivo de unificar toda a legislação
ambiental, existem outras faces do problema que merecem mais atenção, a respeito dos quais já
existem demandas por sua reformulação. É o caso do segundo aspecto elencado, o da
criminalização das condutas passíveis de serem praticadas pelas pessoas jurídicas.
Ao concretizar a determinação constitucional que previa a responsabilização penal das
pessoas jurídicas, em face dos crimes ambientais perpetrados, o legislador deflagrou a maior
controvérsia do direito penal ambiental, a qual ainda provoca divergências acaloradas; entretanto
não é o objetivo do presente trabalho reproduzir os argumentos, quer sejam eles favoráveis quer
sejam contrários à legalidade desse instituto.
O fato é que a lei retira fundamento para a responsabilização penal da pessoa jurídica da
própria Constituição Federal, que é expressa nesse ponto 530, mesmo assim, existem
doutrinadores que reclamam da ausência de normas harmonizadoras que caracterizem a
responsabilidade penal da pessoa jurídica como uma forma excepcional de responsabilidade.
A exemplo, pode-se citar Prado, para quem:

[...] a lei francesa proclama o principio da especialidade, vale dizer, só se torna


possível deflagrar-se o processo penal contra a pessoa jurídica quando estiver tal
responsabilidade prevista explicitamente no tipo legal de delito. Definem-se, assim,
de modo taxativo, quais as infrações passíveis de serem imputadas à pessoa jurídica.
Ora bem, em nosso país deu-se exatamente o oposto, visto que o legislador de 1998,
de forma simplicista, nada mais fez do que enunciar a responsabilidade penal da
pessoa jurídica, cominando-lhe penas [...].
Nesse passo, aliás, é força concluir, em obediência irrestrita aos princípios da
intervenção penal legalizada e da segurança jurídica, ser indispensável a inserção nas
normas penais incriminadoras de referência específica de punibilidade da pessoa
jurídica, não ficando, assim, submetida ao mero talante do juiz ou tribunal531.

Sob esse aspecto, deve-se também observar a demanda proposta por Miranda, pois
embora se tenha previsto no artigo 3º os requisitos para a imputação à pessoa jurídica, bem como
nos artigos 21 e 23 as sanções penais peculiares à natureza jurídica das empresas, engendrando,
dessa forma, o que se tem denominado de “um microssistema específico de responsabilização
penal dos entes coletivos pela prática de condutas lesivas ao meio ambiente 532”, a lei em questão
não faz nenhuma menção à possibilidade de se responsabilizar a pessoa jurídica por condutas
que não estejam tipificadas em seu bojo, assim como no caso de uma conduta lesiva que venha a
encontrar a sua adequação típica em outro diploma legislativo, por exemplo, na Lei de

530
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo; SOUZA, Luciano Anderson de, op. cit., p. 41.
531
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 436.
532
MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Lei de crimes ambientais precisa evoluir. Disponível em: <www.conjur.
com.br/2009-ago-19/41-crimes-ambientais-nao-pune-todos-tipos-infração>. Acesso em 17.04.12. p.2.
144

Biossegurança533.
Atendendo aos reclamos da doutrina e visando-se legitimar essa possibilidade, de se
responsabilizar o ente coletivo por condutas lesivas ao meio ambiente, previstas em outros
diplomas legais, de forma a não se desrespeitar o princípio da legalidade, principalmente sob o
aspecto da taxatividade da lei penal, pergunta-se: não seria mais adequado que o legislador
tivesse previsto a punição da pessoa física como regra geral? Admitido, assim, a sanção à pessoa
jurídica apenas quando o fato fosse expresso em lei.
Dessa forma, as infrações penais contidas em leis que extravasassem a Lei de Crimes
Ambientais também seriam passíveis de ser imputadas aos entes coletivos, justificando,, assim, a
extensão de suas regras gerais, que são necessárias para a imputação do crime e de suas sanções.
O penúltimo aspecto que demanda a formulação de novas normas se refere ao confisco
dos instrumentos do crime ambiental e surge do conflito entre as disposições constantes no
artigo 25, § 4º, da lei n.º 9.605/98, o qual determina que “os instrumentos utilizados na prática da
infração serão vendidos”, com as disposições penais e processuais penais que tratam sobre o
confisco de bens e de coisas apreendidas.
Como se sabe, o artigo 91, inciso II, alínea “a”, do Código Penal brasileiro, afirma que
“são efeitos da condenação”, a “perda em favor da União” dos “instrumentos do crime”, o que,
em outras palavras, quer dizer: “somente pode ser aplicada após o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória534”.
Entretanto, conforme já se ressaltou no decorrer do presente estudo, uma parte
significativa dos crimes ambientais previstos na lei n.º 9.605/98 é da alçada do Juizado Especial
Criminal, por consistirem em infrações de pequeno potencial ofensivo, e, nesse caso, por
aplicação subsidiária da lei n.º 9.099/95, conforme determinam seus artigos 72 e 76, se realizará
uma audiência, quando ocorrerá a denominada transação penal.
Esse instituto atribui ao Ministério Público capacidade para oferecer uma proposta de
aplicação de pena não privativa de liberdade ao autor da infração. Havendo o aceite, o processo
penal deixará de ser regularmente instaurado535.
E não havendo o devido processo legal, obviamente a decisão que homologa a transação
penal terá natureza meramente declaratória e não condenatória, deixando, assim, a de gerar

533
MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. op, cit., p. 2.
534
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JUNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis penais
especiais comentadas. São Paulo: Editora Renovar, 2006. p. 25.
535
JUNIOR, Joel Dias Figueira; LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à lei dos juizados especiais
civis e criminais: Lei 9.099, de setembro de 1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 346.
145

qualquer um dos efeitos típicos de uma decisão condenatória 536.


Não havendo essa transação penal, quer seja porque o autor do fato não reúne os
requisitos exigidos, ou porque não quis aceitar a transação, o representante do Ministério Público
deverá oferecer a representação, e o processo irá ser iniciado; entretanto, conforme adverte
Sampaio, “esses casos são muito raros, no Juizado Criminal quase não se tem processo com
julgamento537”.
Conforme já se pode inferir, por meio desta breve análise, o instituto da transação penal
nas infrações de menor potencial ofensivo gera um empecilho intransponível para o confisco dos
instrumentos do crime.
Restam então os demais crimes previstos na lei n.º 9.605/98, aos quais foram cominadas
penas criminais cujo parâmetro de balizamento máximo supere os dois anos. Surge, entretanto,
aqui outro obstáculo ao confisco dos instrumentos do crime, o qual consiste no instituto da
suspensão condicional do processo.
Esse instituto jurídico foi considerado a maior novidade trazida pela lei n.º 9.099/95, em
seu artigo 89, pois quebra a inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação
penal538. E, nesse caso, sendo atendidos seus requisitos e condições, às quais se somam aquelas
elencadas no artigo 28 da lei n.º 9.605/98, e expirado o prazo de suspensão do processo, o Juiz
declarará extinta a punibilidade. Assim sendo, novamente estar-se-á diante de uma decisão que
não poderá gerar os efeitos típicos de uma decisão condenatória.
Se se excetuar da Lei de Crimes Ambientais todos os crimes que estão submetidos ao
Juizado Especial Criminal e também aqueles que fazem jus à suspensão condicional do processo,
restará a possibilidade de decretar o perdimento dos instrumentos do crime em apenas três
dispositivos, nos quais se encontrarão penas com seus parâmetros de balizamento mínimos
superiores a um ano: no artigo 41 (provocar incêndio em mata ou floresta), no artigo 50-A
(desmate e degradação de floresta em terras de domínio público), e no artigo 69-A (inserção de
documento falso em procedimento administrativo ambiental), ressalvando que os dois últimos
foram incluídos pela lei n.º 11.284, de 2 de março de 2006.
Assim, pela total falta de normas harmonizadoras entre esses dois diplomas legais, o
legislador relegou esse instrumento, que seria de incomparável importância para a tutela penal
do meio ambiente, a uma situação de quase irrelevância e pouca aplicabilidade.

536
Cf. LANDIM, Francisco Edson de Sousa. Natureza jurídica da transação penal (artigo 76 da lei 9.099/95).
Disponível em: <www.pgj.ce.gov.br/orgaos/SEJE/artigos/artigos1.asp>. Acesso em 19.04.12.
537
SAMPAIO, Marília de Ávila Souza. Juizados especiais criminais. Disponível em: <www.tjdft.jus.br/trib/imp/
semdir/docsem/is>. Acesso em 19.04.12.
538
Cf. JUNIOR, Joel Dias Figueira; LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro, op. cit., p. 380.
146

A questão que surge é: como poderia se desenvolver um instituto jurídico que


viabilizasse a admissão do confisco desses bens sem o extenso procedimento processual?
Essa solução é extremamente complexa; no entanto também se poderia repensar os
parâmetros de dosimetria da pena, ao menos nos crimes ambientais que ocasionassem uma
ofensa de maior relevância ao meio ambiente, com a finalidade, entre outras, de se viabilizar a
aplicação desse instituto.
O último aspecto será encontrado na mais importante omissão desse microssistema e que
demanda a formulação de um aporte dogmático adequado, refere-se justamente à falta de
critérios adequados para a cominação de suas penas, muito embora, deva-se destacar que, o
caráter das penas predominantemente previstas pela Lei de Crimes Ambientais foi também o
aspecto que mais lhe rendeu elogios:

[...] as penas de privação de liberdade eventualmente aplicadas não ultrapassarão, em


sua maioria, o cômputo máximo de quatro anos, razão pela qual a pena de prisão,
exceto nos casos de reincidência, não será efetivamente cominada ao criminoso
ambiental. Dessa forma, para o autor, fica afastada a promiscuidade carcerária,
fundando-se em uma sistemática de penalização que tem por base a aplicação de
outras sanções penais e a conversão de eventuais penas de privação de liberdade em
penal alternativas [...]. Por essas razões, aplaude-se o legislador brasileiro, que previu
uma sistemática penalizadora diversa da orientação predominante encarceradora,
estabelecendo penas máximas de prisão relativamente baixas e prevendo uma série de
penas alternativas, entre as quais: prestação de serviços à comunidade, interdição
temporária de direitos, suspensão parcial ou total das atividades, prestação pecuniária
e recolhimento domiciliar539.

Entretanto, a questão aqui não se circunscreve à natureza das penas aplicadas nem à
necessidade de que sejam ou não aplicadas penas mais severas, mas a total ausência de normas
para que se definam de forma perene e proporcionalmente adequada, diante da gravidade da
lesão ou do perigo de lesão, os critérios de balizamento com os quais o aplicador do direito irá
confrontar-se.
Diante da inegável existência de uma configuração dualista no sistema penal brasileiro,
podemos dizer que os crimes previstos na lei 9.605/98 dividem-se em infrações de pequeno
potencial ofensivo e crimes comuns 540; no entanto, o diploma legal em comento não estabeleceu
um critério com o qual se deva distinguir entre essas, por assim dizer, duas velocidades do

539
MANIGLIA, Elisabete; ANDRADE JUNIOR, José Roberto Porto. Análise e avaliação da Lei de Crimes
Ambientais (Lei 9.605/1996). Disponível em: <www.diritto.it/docs/31830-analise-e-avalia-o-da-lei-de-crimes-
ambientais>. Acesso em 17.04.12.
540
Nunca é demais lembrar que essas duas leis (lei n.º 9.099/95 e lei n.º 9.605/98) foram, por assim dizer,
contemporâneas em sua tramitação pelo Congresso Nacional, sendo que a lei n.º 9.099/95 antecedeu à lei n.º
9.605/98, e, assim, obviamente, seus critérios de distinção entre os crimes comuns e os de pequeno potencial
ofensivo causaram uma forte influência no anteprojeto da lei n.º 9.605/98.
147

direito penal.
Em virtude dessa omissão, o interprete deverá complementá-la através da lei n.º 9.099, de
26 de setembro de 1995, a qual estabeleceu em seu artigo 61 que:

Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos


dessa lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não
superior a um ano, excetuando-se os casos em que a lei preveja procedimento
especial. (grifo nosso)

Conforme se vê, o texto legal pecou, desde logo, por sua indefinição a respeito do que
vem a ser a locução “infrações penais de menor potencial ofensivo”. Ao invés de fornecer uma
noção explícita do que se deve entender por uma infração que ofereça um pequeno potencial
ofensivo, o legislador preferiu adotar um sistema bem mais simples, ou seja, indicar um limite de
máximo de pena, além do qual, deve-se presumir que seu potencial ofensivo já não deva mais ser
considerado como pequeno.
Ora, a insuficiência desse critério é manifesta, pois todo o sistema penal fica suscetível a
mudanças, que podem ser influenciadas por ideologias minimalistas de orientação radical, ou
mesmo ocasionada por lobby/s fomentados pelos interesses de grandes grupos econômicos,
desnaturando assim a sistemática valorativa adotada pelos diplomas legislativos promulgados
antes da alteração do critério distintivo.
De fato, a lei n.º 9.605/98 já sofreu uma cisão na sistemática valorativa inicialmente
aplicada a seu elenco de crimes ambientas, pois, com o advento da lei n.º 10.259, de 12 de julho
de 2001, a qual instituiu os Juizados Especiais Criminais Federais, passou a considerar, no
âmbito destes, que infrações de menor potencial ofensivo seriam aquelas às quais a lei
cominasse pena máxima não superior a dois anos, ou multa.
Como não se poderia permitir um tratamento não isonômico entre as Justiças Estadual e
Federal, a lei n.º 11.313, de 28 de junho de 2006, restabeleceu a paridade de tratamento entre as
duas esferas, alterando o artigo 61 da lei n.º 9.099/95, que passou a vigorar com a seguinte
redação:

Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos


dessa lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não
superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (grifo nosso)

Mas, esse não foi o único golpe sofrido. Recentemente, com a promulgação da lei n.º
12.403, de 04 de maio de 2011, a prisão preventiva passou a ser admitida apenas em “crimes
dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos”, sendo que
148

esses crimes também se tornaram afiançáveis.


Diante do exposto, foram retiradas das mãos do operador do direito que atua no sistema
de proteção penal do meio ambiente importantes ferramentas, uma vez que apenas em três
dispositivos da lei n. 9.605/98 é que encontramos penas máximas que superam os quatro anos:
no artigo 35 (pesca mediante o uso de explosivos ou de substâncias tóxicas), no artigo 40 (causar
dano às unidades de conservação) e no artigo 54, § 2º (poluição qualificada) 541, aos quais
podemos acrescentar o artigo 69-A (apresentar documento falso em procedimento administrativo
ambiental), incluído pela lei n.º 11.284, de 2 de março de 2006. Ficaram os perpetradores de
crimes contra o meio ambiente, sob esse aspecto, “praticamente” insuscetíveis de serem presos.
É fácil concluir que alterações como essas trazem consequências desastrosas em um
microsistema como a Lei de Crimes Ambientais, que foi idealizada para atuar com a aplicação
das penas mais brandas possíveis, porém sem perder a sua eficácia.
Sob o aspecto da adequação na cominação de suas penas, ainda é preciso, entretanto,
observar a existência de muitos equívocos, os quais foram cometidos pelo legislador, ao
estabelecer os parâmetros mínimos e máximos de aplicação da sanção penal. Existem, no rol de
crimes previstos pela lei n.º 9.605/98, casos de flagrante falta de razoabilidade, onde se vê
condutas causadoras de ofensas graves ao meio ambiente natural, as quais são equiparadas, no
cômputo de suas penas, a outras condutas que caracterizam apenas um perigo de ofensa ao bem
jurídico tutelado, perigo este que, na maioria dos casos, ainda deve ser considerado em abstrato.
Um exemplo é o do crime de “destruir ou danificar floresta considerada de preservação
permanente”, previsto no artigo 38, um dos crimes mais relevantes especificados na lei 9.605/98,
o qual foi equiparado em sua pena, detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, à conduta
daquele que “fabrica, vende, transporta ou solta balões”, citado no artigo 42542.
Outro exemplo pode ser encontrado no artigo 50, onde se pune “destruir florestas
fixadoras de dunas ou mangues” com uma pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano, a mesma pena
estabelecida para quem “destruir, danificar, lesar ou maltratar” uma “planta de ornamentação”
em logradouros públicos ou jardins particulares 543.
Muitos outros equívocos, todavia, também podem ser encontrados, alguns dos quais
denotam certa benevolência para com as condutas que são praticadas por grandes
empreendedores e, em contrapartida, levam a concluir pela existência de um excessivo rigor
punitivo para com outras condutas, que, muitas vezes, são corriqueiras e causam danos de menor

541
Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme, op. cit., p. 682.
542
Cf. GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio, op. cit., p. 21.
543
Idem.
149

jaez ao bem jurídico tutelado, evidenciando, assim, uma desproporcionalidade no critério


dosimétrico estabelecido pelo legislador544.
É fato que as leis promulgadas mais recentemente, visando esquivar dos institutos
despenalizadores previstos na lei n.º 9.099/95, já trazem parâmetros de aplicação para suas
sanções mais acentuados do que aqueles utilizados pela Lei de Crimes Ambientais, fato este que
se vê claramente nos tipos incriminadores previstos na lei n.º 11.284/06. Pergunta-se, entretanto:
seria essa a melhor solução para o problema?
É importante observar que, mesmo diante de todas essas demandas apontadas, a Lei de
Crimes Ambientais ainda se mantém como o principal texto normativo do sistema de tutela
penal do meio ambiente e, por essa razão, a melhor solução seria resgatá-la para que recupere
sua eficácia.
Para tanto, será preciso partir em busca de um aporte dogmático, através do qual se possa
oferecer um supedâneo conceitual para o critério de definição entre os tipos penais que se
pretende instituir, dentro dessa configuração dualista que se propõe para a tutela do meio
ambiente.

3.3.3. Um prognóstico normativo adequado à tutela penal do ambiente

Sob a ótica apresentada na presente pesquisa, não basta apenas apontar as omissões desse
microssistema; ainda resta o enfrentamento do problema, proposto desde o início deste trabalho:
é preciso que se estabeleça o ponto fundamental dentro da proposta de uma configuração
dualista para a sistematização da tutela penal ambiental, de forma que suas regras de imputação e
seus princípios e garantias sejam estabelecidos em dois níveis distintos.
Esse ponto se encontra justamente na omissão da lei n.º 9.099/95, em estabelecer um
critério distintivo entre o que vem a ser um crime comum e uma infração penal de menor
potencial ofensivo.
Para que se desenvolva um prognóstico normativo que venha a suprir essa omissão, será
preciso traçar as linhas-mestras de um critério que permita uma definição dessas duas categorias,
o que se pretende obter explicitando as características que deverão servir a elas como elementos
de uma composição conceitual.
É necessário que se encontre um critério de definição, dentro dessa configuração dualista
que se propõe para a tutela do meio ambiente, e que possibilite um reestabelecimento das

544
Cf. GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio, op. cit., p. 21.
150

gradações entre os parâmetros de balizamento penal, de forma que a pena possa ser aplicada na
proporcionalidade adequada à intensidade com que o bem jurídico foi lesionado ou exposto ao
perigo. Só se conhece um caminho; mas, para que se possa compreendê-lo, será preciso
mergulhar novamente a atenção naqueles que antes já trilharam por esse mesmo caminho, os
professores Dias e Sanchez. Assim, se verá como suas propostas não são apenas compatíveis,
talvez até sejam complementares.
Dias é um dos autores atuais que mais se ocupa em responder a esse problema. Ele
propõe um critério interessante de distinção, que se situa essencialmente no plano dos bens
jurídicos que são tutelados.
Observando a existência, em nível constitucional, de uma distinção na ordem dos bens
jurídicos, que se dá entre aqueles que se fundam na proteção de valores supraindividuais e
aqueles que radicam imediatamente na proteção da pessoa, enquanto indivíduo, ele os distingue,
denominando aqueles como bens jurídicos secundários, enquanto estes ganham a denominação
de bens jurídicos primários545.
É possível observar, em sua obra, que o autor português reconhece, devido a suas
características e à especificidade da matéria, a tutela desses bens jurídicos secundários deve
gozar de autonomia em relação ao sistema penal comum e, por essa razão, deve ser tratado de
forma separada, em um microssistema autônomo, que ele denomina de Direito Penal
secundário 546, em oposição ao Direito Penal tradicional, ou aquele que cuida da tutela dos bens
jurídicos primários.
Entretanto, muito embora Dias expresse de forma clara seu entendimento de que os bens
jurídicos supraindividuais devam ser aceitos como bens jurídicos autênticos e sujeitos à
aplicação das penas mais graves e de maior eficácia preventiva 547, apresenta uma contradição em
seu discurso.
O autor português relaciona seu Direito Penal secundário com um Direito Penal policial,
administrativo, surgido no período compreendido pelas duas grandes guerras, quando ganhou
força o conceito de contravenção penal548. Pontifica que esse Direito Penal secundário deve
situar-se acima do Direito Administrativo sancionador549, porém, deixa entrever que ele deverá
ser composto por infrações de menor gravidade e sujeito a princípios que “se encontrariam

545
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p. 38.
546
Ibidem, p. 23.
547
Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal, p. 148.
548
DIAS, Jorge de Figueiredo. Para uma dogmática do direito penal secundário, p 18.
549
Ibidem, p 16.
151

amortecidos ou mesmo transformados550”.


Diante dos balizamentos propostos por Dias, é possível inferir que seu Direito Penal
secundário encontra lugar em uma posição intermediária entre o Direito Penal tradicional e o
Direito Administrativo sancionador, o que vai levar a estabelecer uma relação de semelhança
entre o seu projeto e o de Hassemer com seu Direito de Intervenção 551, observando, em favor de
Dias, que ele não subtrai da incidência do direito penal a tutela desses bens jurídicos
secundários.
Desta forma, fica evidenciado que seu plano irá proporcionar uma tutela axiologicamente
desigual entre as condutas violadoras de bens jurídicos primários e secundários.
Ora, sob esse aspecto, a proposta de Sanchez foi mais coerente, pois, ao divisar o objeto
sob o qual se deve circunscrever cada uma das velocidades do Direito Penal, muito embora o
autor também tenha optado por uma distinção que se fundamenta no bem jurídico tutelado, neste
caso, porém, a distinção se dá em nível da ocorrência de lesão ou da colocação em perigo real
pela conduta do sujeito em concreto. Destarte, ele reconhece uma paridade na proteção dos bens
jurídicos, quer sejam eles individuais quer sejam supraindividuais552.
Sanchez atribui ao seu denominado Direito Penal de primeira velocidade a tutela dos
bens jurídicos efetivamente lesionados, ou expostos a um perigo concreto, enquanto a sua
segunda velocidade se circunscreve à tutela dos bens jurídicos em que se busca oferecer uma
antecipação nas barreiras de proteção, levando-as a um momento que antecede a afetação do
bem jurídico553.
Um autor brasileiro que também se enveredou por esse caminho foi Netto, o qual
aquiesceu ao projeto de Sanchez, entretanto, sugere em sua obra que os tipos penais fechados
sejam tratados na configuração que caracteriza a primeira velocidade do direito penal e que os
tipos penais abertos mantenham-se circunscritos à segunda velocidade554.
No que concerne à proteção penal do meio ambiente, o critério distintivo proposto por
Sanchez se mostra mais adequado do que o apresentado por Netto, uma vez que tanto as normas
penais em branco quanto o emprego de elementos normativos no tipo penal são elementos que
caracterizam essas ferramentas como pertencentes à espécie do tipo penais abertos, muito
embora, não raro, elas descrevem condutas que abrigam em sua redação uma lesão ou o perigo
concreto de lesão ao bem jurídico protegido.

550
DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal, p. 171.
551
CF. HASSEMER, Winfried. A preservação do meio ambiente através do direito penal, p. 33.
552
Cf. SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, op. cit., p. 147.
553
Idem.
554
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade penal e sociedade de risco, p.163.
152

É possível, assim, chegar aos elementos que poderão compor um critério distintivo que
possibilite uma composição conceitual dessas duas categorias: o do crime comum e o da infração
de menor potencial ofensivo.
Trata-se de um critério distintivo entre as condutas que venham a produzir um perigo
concreto ou um dano efetivo, daquelas em que apenas se possa presumir (abstrair) a ocorrência
do perigo para o bem jurídico tutelado. Esse critério, ao ser transposto para o microssistema de
proteção penal do meio ambiente, consubstanciado na lei n.º 9.605/98, ofereceria o tão almejado
equilíbrio entre o poder repressivo e a preservação dos direitos do cidadão e reestabeleceria a
proporcionalidade entre a pena e gravidade do fato atribuído ao autor do delito.
Dessa forma, o critério distintivo entre as duas categorias seria estabelecido pela Lei de
Crimes Ambientais, e a aplicação subsidiária da lei n.º 9.099/95 se circunscreveria aos crimes de
perigo abstrato, facilmente identificáveis pelo intérprete através da apreciação dos elementos que
integram o tipo penal555.
Ainda existe, entretanto, outro instituto do qual, em uma possível reconfiguração da lei
n.º 9.605/98, não se pode esquecer. Trata-se da suspensão condicional do processo, que oferece
ainda um verdadeiro tertum genus de infração penal, uma verdadeira categoria de transição
intermediária, e que pode ser apresentada como uma forma de amortizar o rigor na passagem por
entre essas duas configurações propostas para a proteção penal ambiental.
Uma reconfiguração da Lei de Crimes Ambientais também propiciaria ao legislador a
oportunidade para reavaliar, ao efetuar a mensuração das penas mínimas, a possibilidade ou não
de se conceder ao infrator da lei penal ambiental o benefício da suspensão condicional do
processo, porquanto é importante que, nesse momento, se reflita em relação à gravidade da lesão
ao meio ambiente, para que não se perca a oportunidade de viabilizar ao aplicador da lei penal
ambiental o confisco dos instrumentos do crime perpetrado.
Como se vê, a presente proposta se coaduna com aqueles que não toleram mais um
Direito Penal de classes, em que o infrator convencional sofra restrições em sua liberdade,
enquanto o delinquente ecológico permanece à margem de um Direito Penal tradicional 556.

555
Conforme Bonfim, a distinção entre crimes de perigo abstrato e crimes de perigo concreto não nos oferece
grande dificuldade, uma vez que no caso dos crimes de perigo concreto a lei exige expressamente a demonstração
de ter o fato causado, realmente, uma situação de probabilidade da ocorrência do dano, enquanto nos crimes de
perigo abstrato prescinde-se dessa demonstração uma vez que o legislador já pressupõe que a conduta é perigosa.
(BONFIM, Edilson Mougenot. Direito penal 2: parte especial. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 46.).
556
Sob esse aspecto, nunca é demais lembrar novamente de Schünemann, que considera a lesão ao meio ambiente
uma espécie de furto e, enquanto furto de bens elementares de todas as pessoas, o autor alemão reputa ser uma
espécie muito mais grave do que o furto dos pedaços da sociedade de consumo e do desperdício que se encontrem
na propriedade individual (Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens
jurídicos! p. 24).
153

Assim, a distinção que se propõe neste singelo trabalho de pesquisa não se deve dar segundo os
suspeitos, mas conforme os fatos e suas consequências.
Importa ainda frisar que é preciso resgatar a eficácia da resposta punitiva, oferecendo-se
penas proporcionais à gravidade dos delitos praticados, principalmente no tocante ao aspecto de
atuarem como estímulos negativos, uma vez que, ministrar o placebo social das leis penais
simbólicas só interessa ao legislador preocupado em satisfazer, com baixo custo, anseios
políticos imediatos.
154

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, de cunho monográfico, traça um fio condutor que, em sua


extremidade inicial, revela os problemas ecológicos decorrentes da ação antrópica e que,
hodiernamente, já colocam em questão até mesmo os fundamentos naturais da vida e a forma
inequívoca como esse contexto vem desafiando a sociedade.
Sob o influxo desses problemas, a sociedade, bem como seus valores, se transformaram,
obrigando a ordem jurídica a adequar-se a essa transformação e aos novos valores agora
perseguidos, que passaram a agregar novos sentidos à racionalidade que orienta o ordenamento
jurídico.
Sendo a Constituição a norma fundamental, responsável por estabelecer a pauta
valorativa a ser perseguida por uma determinada sociedade, surge a necessidade de se construir a
noção de um constitucionalismo socioambiental, o qual impulsionará a criação dos instrumentos
necessários para que se responda às novas necessidades da sociedade hodierna.
Assegurar processos eficazes para a adaptação perante esses perigos e seus efeitos
tornou-se assim um interesse comum, que já vincula toda a humanidade; entretanto, como os
efeitos dos problemas ecológicos de segunda geração não se subsumem a fronteiras entre países,
o direito constitucional enquanto sistema fechado à introdução de novos elementos apresenta-se
limitado e impotente para o enfrentamento desse desafio, que exige uma estreita relação entre os
Estados e as mais diversas ordens jurídicas.
Esse Estado que se projeta, precisa constituir-se de um sistema jurídico aberto à
cooperação e ao aprendizado com as mais diversas ordens jurídicas, já que todos estão
envolvidos na solução dos mesmos problemas.
Essa evolução tecnológica e cultural porque tem passado a sociedade atual, dita
globalizada, pós-moderna, pós-industrial o do risco e que produziu perigos ecológicos iminentes
e introduziu na ordem do dia a tutela de valores supraindividuais, tem, todavia, ocasionado
sentimentos contrapostos no que tange à tutela penal do meio ambiente.
Não se pode perder de vista que a teoria constitucional tem sido marcada por um longo
processo de transformação, que se caracteriza pela acumulação de tarefas, e o ideal de plena
concordância valorativa entre as normas existentes no sistema jurídico não pode realizar-se
plenamente, pelo simples fato de que essas normas surgiram em diferentes graus de evolução
histórica e captaram uma valoração distinta, cada qual em um momento parcelar da história,
transportando-o para o ordenamento jurídico.
155

Sob esse aspecto, deve-se observar que a Constituição brasileira de 1988 quebrou a
harmonia axiológica liberal e individualista dos textos constitucionais anteriores, indicando
formalmente como de relevância constitucional uma série inédita de direitos fundamentais de
natureza não individual, entre os quais ganhou enorme destaque o meio ambiente.
A efetivação desse novo valor constitucional ocasionou não apenas um incremento de
figuras delitivas, como também a sua modificação estrutural, uma ação que não se casa
plenamente com as tarefas concebidas para um Estado de Direito orientado por valores
tipicamente liberais, onde as liberdades devem ser privilegiadas ao máximo, através de uma
regulamentação restritiva da atividade estatal e, sob esse aspecto, deve exercer uma função de
bloqueio, a produção normativa infraconstitucional.
As discussões estabelecidas a respeito desse conflito têm levado todo o sistema de
proteção penal do ambiente a uma séria crise.
Autores, como Stratanwerth, Schünemann e Martim reconhecem, ante essa nova
realidade, um sistema penal fechado, e seus corolários clássicos tornam-se impotentes, e que
essa evolução social já impõe uma necessária abertura no sistema penal, que, por sua vez, exige
uma flexibilização de seus princípios político-criminais de garantia.
Há aqueles, como Hassemer e Silva, que ainda questionam essa evolução, afirmando
existir uma verdadeira banalização da imputação penal, e que seu desgaste, assim como a
consequente perda de sua capacidade intimidatória, estaria a ocasionar a ilegitimidade do Direito
Penal como um instrumento necessário à proteção ambiental.
Não que tais autores sejam infensos ao reconhecimento das transformações da sociedade
contemporânea, mas advogam a tese de que a proteção da sociedade perante esses perigos
ecológicos não compete ao Direito Penal e, sim, a outros ramos do Direito, chegando a propor
novas formas de regulamentação, como a criação de um Direito de Intervenção ou pela total
administrativização deste controle, relegando ao Direito Administrativo sancionador a
incumbência de regulamentação e intervenção social nesses domínios.
Não se pode negar a fundamental importância da contribuição de outros ramos do Direito
no enfrentamento do problema da preservação do meio ambiente; no entanto, uma análise da
intervenção penal sob a ótica da ultima ratio irá certamente revelar que, diante de condutas
socialmente tão gravosas quanto as geradoras de problemas ecológicos de primeira e de segunda
geração e de seus respectivos efeitos, as demais barreiras protetoras já não se mostram
suficientes.
Sob essa ótica, o Direito Penal revela o importante papel que pode desempenhar,
subsidiando os demais instrumentos de proteção com a possibilidade de sua aplicação.
156

É o próprio Ferrajoli que adverte, esclarecendo que o Direito Penal oferece proteção
também ao criminoso, pois a supressão da ordem pública penal e a transferência de suas
atribuições para outros ramos do Direito abrem as portas para um poder punitivo ainda pior,
policialesco, desenfreado e destruidor dos espaços de liberdade.
O Direito Penal não é uma panaceia para todos os males e capaz de resolver o problema
da subsistência da vida planetária, também não se pode negar a sua quota parte na proteção ao
meio ambiente.
É forçoso reconhecer, entretanto, que esse moderno instrumental jurídico utilizado para
intervenção penal em matéria ambiental esbarra em limitações impostas pelas garantias
cunhadas no Estado de Direito liberal, as quais foram concebidas visando à tutela de bens
jurídicos individuais, concretos e tangíveis, e assim se transformaram em um verdadeiro
obstáculo ao desenvolvimento de um Direito Penal agora também voltado para a proteção de
bens jurídicos supraindividuais, moderno e que se caracteriza por seu atuar preventivo e
precaucional.
Nesse contexto, é fácil chegar à conclusão de que se precisa construir novas respostas,
pois o Estado Socioambiental necessita estar aberto a ambos os sistemas e seus princípios, o
sistema de proteção individual, assim como o de proteção ambiental.
A presente pesquisa apontou a proposta elaborada por Sanchez como um modo pelo qual
se acredita ser possível alcançar, de forma adequada, uma relativização das garantias penais,
evitando-se que a tutela penal do ambiente seja relegada a outros ramos do Direito e propondo
uma solução mais sutil que a criação de um novo sistema jurídico em separado.
Sua proposta é mediadora, pois engloba todas as atividades sobre as quais recai a tutela
dentro do espaço de vigência das normas penais, estabelecendo dois níveis internos no sistema
de proteção penal, o que permite uma coordenação entre os princípios que orientam esses dois
sistemas de proteção.
Sanchez constrói um critério distintivo do objeto sobre o qual deve incidir cada um dos
níveis de proteção propostos, baseado no grau de ofensividade da conduta em relação ao bem
jurídico tutelado, atribuindo, assim, ao seu primeiro nível de proteção a tutela dos bens jurídicos
efetivamente lesionados ou expostos a um perigo concreto, enquanto o segundo nível de
proteção irá ocupar-se dos bens jurídicos expostos a um perigo apenas presumível de lesão ao
bem jurídico tutelado.
Assim sendo, a aplicação das garantias penais pode ocorrer sob dois enfoques distintos:
em uma primeira medida, diante da possibilidade de aplicação de penas restritivas de liberdade,
devem-se observar todos os princípios garantistas e os pressupostos tradicionais de imputação de
157

responsabilidade e, em uma segunda medida, diante da possibilidade de aplicação de sanções


menos intensas que as penas tradicionais, permitir-se-ia uma flexibilização daqueles princípios e
regras.
Esse segundo enfoque, sugere uma posição intermediária, entre a que corresponde aos
crimes e aquela correspondente às infrações administrativas, algo já há muito conhecido, pois se
assemelha bastante ao critério adotado nas contravenções penais, mas que agora se perfilha com
nova roupagem.
Dias apresenta uma proposta não apenas compatível como também complementar à
proposta esposada por Sanchez. O autor português reconhece que bens jurídicos
supraindividuais, devido a suas características e à especificidade da matéria, devam gozar de
autonomia em relação ao sistema penal tradicional, que se dedica à tutela dos bens jurídicos
individuais, em razão disto, propugna pela criação de um microssistema autônomo, que ele
denomina de Direito Penal secundário.
O ordenamento jurídico brasileiro, desde a promulgação da lei n.º 9.605/98, tornou-se um
campo profícuo para a aplicação dessas teorias, pois, muito embora a Lei de Crimes Ambientais
tenha uma autonomia legislativa maior em relação ao restante do sistema, por se tratar de uma
lei penal especial, ainda apresenta algumas carências que, se devidamente supridas, poderiam
consolidar sua autonomia e tornar seus instrumentos mais eficazes.
A lei n.º 9.605/98 já trabalha, de forma inequívoca, com um conceito dualista na
configuração de seus crimes; no entanto, complementa-se dos dispositivos estabelecidos pela lei
n.º 9.099/95, para que suas infrações possam ser divididas em dois critérios, que são os crimes
denominados de comuns e as infrações de menor potencial.
A lei que estabeleceu os Juizados Especiais Criminais, contudo, não apresentou uma
definição daquilo que se deve entender por infração de menor potencial ofensivo, limitando-se a
estabelecer um critério distintivo baseado no limite máximo de balizamento da pena, para que
certos tipos penais assim sejam considerados.
Deixa-se, dessa forma, todo o sistema de proteção penal ambiental vulnerável a
mudanças legislativas, que, com uma simples mudança no limite máximo de pena utilizado para
o critério de balizamento, acabaria por tornar desproporcional e ineficaz toda a sistemática
desenvolvida pelo legislador, no afã de estabelecer uma adequada proporcionalidade entre os
fatos ocorridos e suas consequências.
Isso é extremamente danoso para um microssistema como o da proteção penal do meio
ambiente, idealizado para atuar com a aplicação das penas mais brandas possíveis,
principalmente no tocante ao aspecto de essas penas atuarem como estimulantes negativos.
158

Construindo-se, porém, uma norma geral para o sistema de proteção penal do meio
ambiente, em que fosse apresentado um critério definidor do que sejam as infrações penais
ambientais, que possam ser consideradas como de menor potencial ofensivo, estar-se-ia, não
apenas consolidando a tão almejada autonomia em relação ao sistema penal tradicional, como
também oferecendo uma segurança jurídica maior, para que pequenas alterações legislativas não
mergulhem todo o microssistema de proteção penal do ambiente em uma séria crise de
ineficiência.
Por fim, conclui-se que o prognóstico normativo apresentado é capaz de oferecer uma
contribuição, ainda que singela, na evolução das estruturas normativas infraconstitucionais,
necessárias à consolidação de um verdadeiro Estado Socioambiental de Direito, por permitir que
se crie um Direito Penal capaz de oferecer melhores resultados, tanto para proteger as pessoas
quanto em relação ao meio ambiente, pois propicia o tão almejado equilíbrio entre o poder
repressivo e a preservação dos direitos do cidadão.
159

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

AGÊNCIA NOTICIAS BRASIL. Sobe para 905 o n.º de mortos pela chuva na região
serrana do Rio de Janeiro. Disponível em <http:www.agencianoticiasbrasil.com.br/ver_
agencia_noticias _brasil.asp?id=15534>. Acesso em 19.03.11.

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. 3 ed.
São Paulo: Malheiros, 2008.

ALTAVILA, Jayme. Origem dos direitos dos povos. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1963.

AMARAL, Claudio Prado. Princípios do Direito Ambiental: a perspectiva de um Direito Penal


sem preconceitos. Disponível em: <http:www.sociologiajuridica.nt.br/numero1/158-principios-
do-direito-ambiental>. Acesso em: 26/05/2011.

AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A equidade no código civil brasileiro. Disponível em:
<http:www.cjf.jus.br/revista/numero25/artigo03.pdf>. Acesso em: 22/03/2012.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à
violência do sistema penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

ARANHA, Adalberto José Q. T. Camargo. Da prova no processo penal. São Paulo: Saraiva,
1996.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13
ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

AYALA, Patryck de Araújo. Direito e incerteza: a proteção jurídica das futuras gerações no
estado de direito ambiental. Dissertação de Mestrado em Direito. Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina, 2002.

________. A proteção dos espaços naturais, mudanças climáticas globais e retrocessos


existenciais: por que o estado não tem o direito de dispor sobre os rumos da existência da
humanidade. In: SILVA, Solange Teles; CUREAU, Sandra; LEUZINGER, Márcia Dieguez
(Coords.). Código florestal: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora Fiúza, 2010. p. 306-346.
160

________. Direito ambiental de segunda geração e o princípio de sustentabilidade na Politica


Nacional do Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental, vol. 63, São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011.

BACIGALUPO, Enrique. Direito penal parte geral. Tradução: André Estefam. São Paulo:
Editora Malheiros, 2005.

BARATTA, Alessandro. Criminologia critica e critica do direito penal: introdução à


sociologia do direito penal. Tradução: Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Editora Revan,
2002.

BARROSO, Luis Roberto. Proteção do meio ambiente na Constituição brasileira. Revista


Trimestral de Direito Público, n. 2. São Paulo: Editora Malheiros, 1993.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Rideel, 2003.

BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Tradução: Jorge Navarro,
Daniel Jimenez e Maria Rosa Borras. Barcelona: Paidós, 2008.

BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da


Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato
(Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 77-150.

________. Objetivos do direito ambiental. Disponível em: <http:bdjur.stj.gov.br/xmlui/


bitstream/handle/201130106/objetivos_direito_ambienta_pdf?>. Acesso em 22/06/2010.

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2007.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução: Maria Celeste Cordeiro Leite
dos Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.

________. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora
Elseiver, 2004.

BONAVIDES. Paulo. Curso de direito constitucional. 5 ed. São Paulo: Editora Malheiros,
1994.

BONFIM, Edilson Mougenot. Direito penal 2: parte especial. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
161

________. Direito penal 1: parte geral. 4 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade


de risco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

BRITO, Adam Luiz Claudino de. Proteção internacional do clima: ozônio, efeito estufa e
mudanças climáticas. In: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). O novo direito internacional
do meio ambiente. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 371-388.

BUERGO, Blanca Mendoza. El delito ecológico: configuración típica, estructuras y modelos de


tipificación. In: MELIÁ, Manuel Cancio. Estudios sobre la protección penal del medio
ambiente en el ordenamiento jurídico español. Granada: Editorial Comares, 2005. p. 109-150.

CAENEGEM, R. C. Van. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.

CÂMARA, Gilherme Costa. O direito penal e a tutela das futuras gerações. In: D’AVILA, Fábio
Roberto; SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder (Orgs.). Direito Penal Secundário. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do


direito. Tradução: Antonio Menezes Cordeiro. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulben Kian,
1996.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ed.


Coimbra: Edições Almedina, 2003.

________. Estudos sobre direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

________. Direito constitucional português: tentativa de compreensão de 30 anos das gerações


ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 21-31.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São
Paulo: Editora Cultrix, 1999.
162

CARVALHO, João Paulo Gavazza de Mello. Principio Constitucional Penal da Dignidade da


Pessoa Humana. In: SCHIMITT, Ricardo Augusto (Org.), Princípios Penais Constitucionais.
Salvador: Editora Podivm, 2007. p. 277-337.

CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o


paradigma do Estado democrático de direito. Revista de Direito Comparado, vol. 3, p. 473-
486, Belo Horizonte, 2000.

CARVALHO, Rogério A. Fernandes de. A expansão do Direito Penal sob o influxo da


administrativização: notas sobre os crimes tributários. Revista Ibero-Americana de Ciências
Criminais. Porto Alegre: Fundação Escola Superior do Ministério Público, Ano 8, n.º 15, p.
169-195, 2007.

COPETTI, André. Direito penal e estado democrático de direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2000.

________. Direitos humanos como fundamento epistemológico das reformas penais no Estado
Democrático de Direito. In: COPETTI, André (Org.). Criminalidade moderna e reformas
penais: estudos em homenagem ao professor Luiz Luisi. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001. p. 95-137.

COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal, Volume I, Tomo I. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 1992.

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira. A tutela penal das queimadas. Disponível em:
<http:mp. sp.gov.br/pls/portal/url/item/10B61682A9270065>. Acesso em: 26/05/2007.

DELABRIDA, Sidney Eloy. Prisão preventiva: uma análise à luz do garantismo penal.
Curitiba: Editora Juruá, 2004.

DELMANTO, Roberto; DELMANTO JUNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida.


Leis penais especiais comentadas. São Paulo: Editora Renovar, 2006.

DEODATO, Felipe Augusto Forte de Negreiros. Qual o caminho seguro para uma Gesamte
Strafrechtswssenschaft nesses tempos de fatos puníveis secundários? In: D’AVILA, Fábio
Roberto; SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder (Orgs.). Direito Penal Secundário. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 147-179.

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
163

DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal: sobre os fundamentos da


doutrina pena sobre a doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.

________. Para uma dogmática do direito penal secundário: um contributo para a reforma do
direito penal econômico e social português. In: D’AVILA, Fábio Roberto; SOUZA, Paulo
Vinicius Sporleder (Orgs.). Direito Penal Secundário. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2006. p. 13-69.

________. Direito Penal: parte geral. Coimbra: Coimbra Editora, 2007.

________. O papel do direito penal na protecção das gerações futuras. In: SILVA, Luciano
Nascimento (Coord.). Estudos jurídicos de Coimbra. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p. 21-34.

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. São Paulo: Editora Saraiva, 1995.

DOMINGUES, Victor Hugo. Acessoriedade administrativa e delitos ambientais. Revista de


Crítica Jurídica. Vol. 2, p. 51-73, set./dez. 2009. Disponível em: <http:criticajuridica.com.br/
wp_content/uploads/revista2/rcj2.pdf>. Acesso em 22/07/2011.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.

FELDENS, Luciano. A constituição penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005.

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a competência da justiça do trabalho para causas de


direito administrativo sancionador. Revista do Tribunal do Trabalho da 13ª Região. João
Pessoa, v. 13, p. 54-75, 2005. Disponível em: <http://www.trt13.jus.br/ejud/images/revistas
digitais/revista13_trt13.pdf>. Acesso em: 05/09/2011.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica,
Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010.

FERRY, Luc. A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem. Tradução: Rejane
Janowitzer. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 2009.
164

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2010.

FLANNERY, Tim. Os senhores do tempo: o impacto do homem nas alterações climáticas e no


futuro do planeta. Lisboa: Editorial Presença, 2006.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 15 ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 1994.

FRANCO, Alberto Silva. Globalização e criminalidade dos poderosos. Revista Brasileira de


Ciências Criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 8, n. 31, p. 102-136, jul./set.
2000.

FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas


ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8 ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GAMA, Carolina da. Chuvas: tragédias provocadas pela fúria das águas. Disponível em:
<http:www.veja.abril.com.br/blog/acervo-digital/brasil/chuvas-tragedias-provocas>. Acesso em
22.03.12.

GARCIA, Maria. Educação ambiental: do ‘forno a lenha’ às políticas publicas do meio ambiente.
In: D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo; JUNIOR, Nelson Nery; MEDAUAR, Odete. Políticas
públicas ambientais: estudos em homenagem ao professor Michel Prieur. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009. p. 391-412.

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito Penal:
introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

GOMES, Luiz Flávio. Principio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002.

GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O principio da proporcionalidade no Direito


Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1965.


165

GRECO, Luís. Direito Penal e Direito Administrativo no Direito Penal Ambiental. Revista
Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 14, n. 58, p.
152-194, jan./fev. 2006.

GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. Niterói:
Editora Impetus, 2006.

GUERRA, Sidney; AVZARADEL, Pedro Cuvello Saavedra. O direito internacional e a figura


do refugiado ambiental: reflexões a partir da ilha de Tuvalu. Disponível em
<http:www.conpedi. org.br/manaus/arquivos/anais/ brasilia/14_46.pdf>. Acesso em 27.02.11.

HASSEMER, Winfried. Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos. In: BUSTOS
RAMÍRES, Juan. Pena y Estado. Santiago: Editorial Jurídica ConoSur, 1995.

________. A preservação do meio ambiente através do direito penal. Trad. Carlos Eduardo
Vasconcelos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, ano 06, n.º 22, p. 27-35, abr./jun. 1998.

________. Direito penal libertário. Trad. Regina Greve. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito penal do inimigo: noções críticas.
Tradução: André Luíz Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2007.

JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização


tecnológica. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006.

JUNIOR, Joel Dias Figueira; LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à lei dos
juizados especiais civis e criminais: Lei 9.099, de setembro de 1995. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1995.

KINDHÄUSER, Urs. Derecho penal de la culpabilidad y conducta peligrosa. Tradução:


Claudia López Días. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1996.

KISS, Alexandre. Os direitos e interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In:
VARELLA, Marcelo; PLATIAU, Ana Flávia Barros. Princípio da Precaução (Coords.). Belo
Horizonte: Del Rey. 2004. p. 01-13.
166

LANDIM, Francisco Edson de Sousa. Natureza jurídica da transação penal (artigo 76 da lei
9.099/95). Disponível em: <http:www.pgj.ce.gov.br/orgaos/SEJE/artigos/artigos1.asp>. Acesso
em 19.04.12.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. Jose Lamego. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2005.

LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: a territorizalização da racionalidade ambiental.


Trad. Jorge E. Silva. Petrópolis: Vozes. 2009.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de
risco. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

________. Dano ambiental: do individual ao extrapatrimonial coletivo. 3 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010.

LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Principio da legalidade penal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1994.

________. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei n.º 9.099/95. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

LOVELOCK, James. Gaia: alerta final. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2010.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006.

MANIGLIA, Elisabete; ANDRADE JUNIOR, José Roberto Porto. Análise e avaliação da Lei
de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1996). Disponível em: <http:www.diritto.it/docs/31830-
analise-e-avalia-o-da-lei-de-crimes-ambientais>. Acesso em 17.04.12.

MARTIN, Luis Gracia. Prolegômenos para a luta pela modernização e expansão do Direito
Penal e para a crítica do discurso de resistência. Porto Alegre: Antonio Sergio Fabris Editor,
2005.

MARQUES, José Roberto. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista de Direito


Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 06, vol. 22, p. 100-113, abr./jun.
2001.
167

MAURACH, Reinhart; GÖSSEL, Karl Heinz; ZIPF, Heinz. Derecho Penal: parte general.
Tradução: Jorge Bofill Genzesch. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1995.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. (Org.). Coletânea de direito internacional. São Paulo:


Editora Revista dos Tribunais, 2010.

________. Curso de direito internacional público. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010.

MEDAUAR, Odete (Org.). Coletânea de legislação ambiental. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010.

MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O princípio da proporcionalidade no direito penal.


In, SCHIMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constucionais. Salvador: Editora
Podivm, 2007. p. 191-227.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional – tomo IV – direitos fundamentais.


Coimbra: Coimbra Editora, 2000.

MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Lei de crimes ambientais precisa evoluir. Disponível
em: <http:www.conjur.com.br/2009-ago-19/41-crimes-ambientais-nao-pune-todos-tipos-
infração>. Acesso em 17.04.12.

MOLINARIO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre:


Livraria do Advogado, 2007.

MORAES, Márcia Elayne Berbich de. A (in)eficiência do direito penal moderno para a tutela
do meio ambiente na sociedade de risco (lei n.º 9.605/98). Rio de Janeiro: Editora Lúmen
Júris, 2004.

MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o estado e o
direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996.

NÉLSON, Hungria. Comentários ao Código Penal, Volume I, tomo I. 6 ed. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 1980.

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora Matins Fontes, 2009.


168

________. Transconstitucionalismo, con especial referencia a la experiencia latino-


americana. Disponível em: <http:www.juridicas.unam.mx>. Acesso em 22.05.12.

NUSSABAUM, Martha Craven. Para além de “compaixão e humanidade”: justiça para animais
não-humanos. In: MOLINARO, Alberto Carlos; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de;
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet; FENSTERSEIFER, Tiago. A dignidade da vida e os direitos
fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Editora
Fórum. 2008. p. 85-126.

OLIVEIRA, Juarez de (Org.). Código Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1997.

PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Porto Alegre: Sergio


Antonio Fabris Editor, 1989.

PARKER, Charlie; MITCHELL, Andrew; MARDAS, Niki. O pequeno livro do REDD + um


guia de propostas governamentais e não governamentais para a redução de emissões por
desmatamento e degradação. Oxford: Global Canopy Foundation, 2009.

PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Editora
Jalovi, 1980.

________. A constituição e a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. In: COPETTI, André
(Org.). Criminalidade moderna e reformas penais: estudos em homenagem ao professor Luiz
Luisi. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 13-50.

PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2005.

________. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2008.

PRITTWITZ, Cornalius. O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo:
tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista brasileira de ciências criminais.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 12, n. 47, p. 31-45, mar./abr. 2004.

QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.
169

RAMOS, Érika Pires. Direito Ambiental sancionador: conexões entre as responsabilidades penal
e administrativa. In: KRELL, Adreas Joachim (Org.). A aplicação do Direito Ambiental no
Estado Federativo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005. p. 83-145.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Editora Saraiva, 1990.

RELATÓRIO: O nosso futuro comum: da Comissão Mundial para o Ambiente e o


Desenvolvimento, de 1987. Tradução de Deolinda Estudante e Rui Potássio. Lisboa: Meribérica /
Líber, 1991.

ROCHA, Fernando Antonio Nogueira da. Direito Penal, Parte Geral. Belo Horizonte: Del Rey,
2007.

ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade


material: aportes hermenêuticos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade penal e sociedade de risco. São Paulo:
Quartier Latin, 2006.

________. Finalidades da pena: conceito material de delito e sistema penal integral. São Paulo:
Quartier Latin, 2009.

SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo; SOUZA, Luciano Anderson de. Comentários à Lei de
Crimes Ambientais: Lei n.º 9.605/1998. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

SAMPAIO, Marília de Ávila Souza. Juizados especiais criminais. Disponível em: <http:www.
tjdft.jus.br/trib/imp/ semdir/docsem/is>. Acesso em 19.04.12.

SAN EPIFANIO, Leire Escajedo. El medio ambiente em la crisis del Estado Social: su
protección penal simbólica. Granada: Editorial Comares, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas notas sobre a dimensão


ecológica da dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em geral. In:
MOLINARO, Alberto Carlos; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo
Wolfgang Sarlet; FENSTERSEIFER, Tiago. A dignidade da vida e os direitos fundamentais
para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Editora Fórum. 2008. p.
175-258.
170

________. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In:


SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 11-38.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2009.

________. Direito constitucional ambiental: estudos sobre a constituição, os direitos


fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SCHÜNEMANN, Bernd. Sobre la dogmática y la política criminal del Derecho penal del medio
ambiente. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanenes del Derecho penal
después del milênio. Madrid: Editorial Tecnos, 2002. p. 203-223.

________. Del Derecho penal de la clase baja al Derecho penal da la clase alta: Un cambio de
paradigma como exigencia moral. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanenes
del Derecho penal después del milênio. Madrid: Editorial Tecnos, 2002. p. 49-69.

________. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens jurídicos! Tradução: Luis Greco.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 13, n.º
53, p. 09-37, mar./abr.. 2005.

SHIMIZU, Heitor; SEGATTO, Cristiane. Rastros do veneno: denúncia sobre o mal de


Minamata no Pará alerta pra o risco terrível do uso do mercúrio. Disponível em
<http:www.epoca. globo.com/edic/19990215/ciencia4.htm>. Acessado em 12.01.11.

SILVA, Ana Claudia da. Políticas de (des) criminalização. Dissertação de mestrado, Curitiba,
UFPR, 2008.

SILVA, Ivan Luiz da. Principio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá Editora,
2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32 ed. São Paulo: Editora
Malheiros, 2009.

SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da. Leis penais em branco e o direito penal do risco: aspectos
críticos e fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
171

SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, A expansão do direito penal: aspectos da política criminal


nas sociedades pós-industriais. Tradução: Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2002.

SILVA, Vasco Pereira da. Verdes são também os direitos do homem: responsabilidade
administrativa em matéria de ambiente. Cascais: Principia, 2000.

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supra-individual: interesses difusos. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência,


obrigações e responsabilidades. São Paulo: Editora Atlas, 2001.

________. Dez anos após Rio-92: o cenário internacional, ao tempo da cúpula mundial sobre
desenvolvimento sustentável (Joanesburgo, 2002). In: IRIGARAY, Carlos Teodoro José.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Novas perspectivas do direito ambiental brasileiro:
visões interdisciplinares. Cuiabá: Cathedral Publicações. 2009. p. 11-60.

SOUZA, Luciano Anderson de. Expansão do direito penal e globalização. São Paulo: Quartier
Latin, 2007.

STRATENWERTH, Günter. Derecho Penal – Parte General I – El hecho punible. Tradução:


Manuel Cancio Meliá. Madrid: Editorial Civitas, 2005.

VIVIANI. Maury Roberto. Direitos humanos e constituição: interações normativas e a


perspectiva do transconstitucionalismo. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense,
Florianópolis: Procuradoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, v. 7, n. 6, p. 43-70, jan./jun.
2010.

WEISS, Edith Brown. Intergenerational equity: a legal framework for global environmental
change. Disponível em: <http:www.vedegylet.hu/.../brown%20weiss%20->. Acesso em:
26/05/2011.

Você também pode gostar