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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL
NÍVEL MESTRADO

CRISTIANE LARISSA ROSSETTO

O AMICUS CURIAE NA TUTELA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE:


EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO PARTICIPATIVO E
LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES JURISDICIONAIS

CUIABÁ
2014
CRISTIANE LARISSA ROSSETTO

O AMICUS CURIAE NA TUTELA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE:


EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO PARTICIPATIVO E
LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES JURISDICIONAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Direito Agroambiental,
na área de Direito Ambiental, oferecido pela
Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Direito.

Orientação: Prof. Dr. Marcelo Antonio Theodoro

CUIABÁ
2014
CRISTIANE LARISSA ROSSETTO

O AMICUS CURIAE NA TUTELA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE:


EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO PARTICIPATIVO E
LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES JURISDICIONAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Direito Agroambiental,
na área de Direito Ambiental, oferecido pela
Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Direito.

(A) Aprovado
(B) Aprovado com restrição
(C) Reprovado

__________________________em _______/_______/__________

BANCA EXAMINADORA

Professor Doutor Marcelo Antonio Theodoro


Membro Presidente

Professor Doutor Marcos Prado de Albuquerque


Membro Interno – UFMT

Professor PhD. Michele Carducci


Membro Externo – Universidade de Salento [Itália]
Aos meus pais, pelo apoio e carinho constantes,
dedico-lhes mais esta importante conquista.
AGRADECIMENTOS

É com grande alegria e satisfação que inicio os agradecimentos a todos aqueles


que, de alguma forma, contribuíram para que este trabalho se tornasse realidade.

Primeiramente a Deus, por guiar meus passos nesta árdua jornada de


aprimoramento e edificação do conhecimento.

Aos meus pais, Milton e Sônia, e à minha irmã, Patrícia, por acreditarem em
meu potencial e pela incessante motivação na busca por meus ideais.

Aos queridos familiares, que tão bem me acolheram na cidade de Cuiabá, pelo
apoio afetivo e companheirismo, cada um a seu modo.

Aos colegas Joaquim Basso e Luana Machado Scaloppe, pela generosidade ao


representarem nossos interesses junto ao Colegiado do Programa; e, também, aos demais
colegas, Adriano Felix, Daniela Paes de Barros, Diogo Delben, Edilson Rosendo, Flávia
Rossito, Gladstone Brito, Larah Oliveira, Ludmila Monteiro, Luize Menegassi, Rafaela
Bortolini e Rosane Marini, pelo apoio e convívio enriquecedor.

Aos Professores que, a despeito de todas as dificuldades e às custas de muito


empenho e dedicação, tiveram a iniciativa de implantar o Programa de Mestrado em Direito
Agroambiental, pioneiro na região Centro-Oeste, de modo a preencher uma grande lacuna
existente em nosso Estado, e que hoje, passado-se quase cinco anos de sua efetiva aprovação
junto ao Ministério da Educação, está a evidenciar, a excelência de seus resultados.

Agradeço, portanto, aos Professores Doutores Valério de Oliveira Mazzuoli,


Patryck de Araújo Ayala, Marcelo Antonio Theodoro, Marcos Prado de Albuquerque, Carlos
Teodoro Hugueney Irigaray, Carla Reita Faria Leal, Beatrice Maria Pedroso da Silva e
Bismarck Duarte Diniz.

Agradeço ainda, aos demais Professores, que continuam a contribuir para o


crescimento e aprimoramento do Programa: Dra. Carolina Joana da Silva, Dr. Fernando de
Carvalho Dantas, Dr. José Heder Benatti; Dra. Marluce Aparecida Souza e Silva, Dr. Pierre
Girard, Dr. Saul Duarte Tibaldi e Dr. Saulo Tarso Rodrigues.

Ao Coordenador do Programa, Prof. Dr. Carlos Teodoro Hugueney Irigaray


que, com maestria, conduziu todas as atividades administrativas e acadêmicas, durante o
período de três anos que estive na faculdade, representando de modo exemplar o PPGDA.

Aos funcionários da UFMT, da Biblioteca Central e, em especial, da Secretaria


do Mestrado, na pessoa do Sr. Gabriel Plácido de Barros, pelo auxílio, empenho e solicitude
constantes.

Meus agradecimentos, também, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal


de Nível Superior, CAPES, pela bolsa de estudos concedida, que proporcionou a
tranquilidade necessária ao desenvolvimento desta pesquisa.
E finalmente, ao meu orientador, Professor Dr. Marcelo Antonio Theodoro,
grande incentivador, por todo encorajamento, desde o início, na realização deste Mestrado,
pela confiança depositada, pelos ensinamentos partilhados e, especialmente, pelo exemplo
inspirador de dedicação e comprometimento, no laborioso e gratificante ofício da docência.
RESUMO

A atual crise ambiental e as constantes evoluções econômicas e tecnológicas indicam a


necessidade de se voltarem as atenções aos imperativos ambientais. O direito fundamental ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito de terceira e quarta dimensões, constitui
prerrogativa jurídica de titularidade difusa, de modo a refletir expressão significativa de um
poder atribuído não apenas ao indivíduo, em sua singularidade, mas à própria coletividade
social. Nesse contexto, o amicus curiae constitui importante ferramenta no processo civil
brasileiro e, em especial, no processo coletivo ambiental contemporâneo, visto tratar-se de
hipótese de intervenção, na qual o interveniente não apresenta um interesse individualizado e
específico, mas sim, tem o propósito de oferecer auxílio técnico e jurídico ao juízo, trazendo,
por consequência, benefícios à sociedade, no sentido do mais adequado equacionamento das
demandas. E é neste aspecto que o amicus curiae se apresenta como ferramenta processual de
extrema relevância, em especial na tutela coletiva ambiental. Utilizado de forma ostensiva nos
países da Common Law, sua aplicação no processo coletivo tem sido enfrentada com
parcimônia pelos tribunais pátrios. Deste modo, em vista do reconhecido valor da participação
popular em questões ambientais, afirmado por convenções internacionais e reafirmado pela
legislação constitucional e infraconstitucional, a democratização do procedimento judicial,
por intermédio desta figura jurídica, terá por condão atingir níveis satisfatórios para a solução
equilibrada e justa das demandas, devidamente amparada pelo direito fundamental de acesso à
ordem jurídica justa e por princípios de ordem ambiental.

Palavras-chave: meio ambiente; amicus curiae; tutela coletiva


ABSTRACT

The current environmental crisis and the constant economic and technological evolutions
indicate a need to turn the attention to environmental imperatives. The fundamental right to
an ecologically balanced environment, right to third and fourth dimensions, constitutes legal
prerogative of diffuse ownership, to reflect significant expression of a power attributed not
only to the individual, in their uniqueness, but the social collectivity itself. In this context, the
amicus curiae is an important tool in the Brazilian civil procedure and, in particular, in the
contemporary environmental collective process, as a hypothesis of intervention in which the
intervener does not have an individualized and specific interest, but rather, is intended to
provide technical and legal assistance to the parties and to the court, bringing, therefore,
benefits to society as a whole, in the sense of more adequately addressing the demands. And it
is here that the amicus curiae is presented as a procedural tool of utmost importance,
especially in environmental protection. Ostensibly used in Common Law countries, its
application in the collective process has been addressed sparingly by native courts. Thus, in
view of the recognized value of public participation in environmental issues, affirmed and
reaffirmed by international conventions and by constitutional and infraconstitucional law,
democratization of the judicial procedure, through this legal concept, has the prerogative to
achieve satisfactory levels for balanced and fair settlement of claims, duly supported by the
fundamental right of access to fair legal system and principles of environmental policy.

Keywords: enviroment; amicus curiae; collective tutelage


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACP – Ação Civil Pública


ADC – Ação Direta de Constitucionalidade
ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
AP – Ação Popular
APP – Área de Preservação Permanente
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CITES – Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora
Selvagens em Perigo de Extinção
CNUMA – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CPC – Código de Processo Civil
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
DJe – Diário da Justiça eletrônico
EC – Emenda Constitucional
EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório
HC – Habeas Corpus
HD – Habeas Data
Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual
IC – Inquérito Civil
LACP – Lei da Ação Civil Pública
LAP – Lei da Ação Popular
LC – Lei Complementar
LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
MI – Mandado de Injunção
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MS – Mandado de Segurança
MS – Mandado de Segurança
MC – Medida Cautelar
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PEC – Projeto de Emenda Constitucional
PL – Projeto de Lei
PLS – Projeto de Lei do Senado
PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PNMC – Política Nacional sobre Mudança do Clima
PNRH – Política Nacional de Recursos Hídricos
RE – Recurso Extraordinário
REsp – Recurso Especial
RL – Reserva Legal
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TAC – Termo de Ajustamento de Conduta
TRF – Tribunal Regional Federal
UC – Unidade de Conservação
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11

1 O BEM AMBIENTAL NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ................ 15


1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS .............................................................................................. 17
1.1.1 Breve análise do Direito Internacional ....................................................................... 21
1.1.2 A Constituição da República de 1988 ......................................................................... 28
1.2 O BEM AMBIENTAL E SUAS CONCEPÇÕES ÉTICAS ............................................. 33
1.2.1 Reflexos na ordem constitucional................................................................................ 40
1.2.2 Reflexos na ordem infraconstitucional ....................................................................... 45

2 A TUTELA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE NO DIREITO BRASILEIRO ...... 55


2.1 DIREITOS E INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS ...................................................... 57
2.1.1 Projeto Florença ........................................................................................................... 57
2.1.2 Categorias de direitos ................................................................................................... 62
2.1.3 Legitimidade no Microssistema de Processo Coletivo............................................... 73
2.1.4 Da Coisa Julgada .......................................................................................................... 79
2.2 DANO AMBIENTAL E TUTELA JURISDICIONAL .................................................... 84
2.2.1 Definição de dano ambiental ....................................................................................... 85
2.2.2 Ação Popular Ambiental .............................................................................................. 88
2.2.3 Ação Civil Pública ........................................................................................................ 93
2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL PELO DANO................................................................. 96
2.4 TUTELA ESPECÍFICA DA OBRIGAÇÃO................................................................... 100
2.4.1 Noções gerais da tutela inibitória ............................................................................. 103
2.4.2 Tutela inibitória positiva, negativa e de remoção do ilícito .................................... 105
2.4.3 Efeitos continuados e a prática continuada do ilícito .............................................. 110

3 O AMICUS CURIAE NA TUTELA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE ................ 113


3.1 INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO COMO FUNDAMENTOS NA TEMÁTICA
AMBIENTAL........................................................................................................................ 114
3.2 DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO ESTADO BRASILEIRO ........................ 119
3.3 A EFICÁCIA DA INSTRUMENTALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO ...................... 124
3.4 O AMICUS CURIAE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ..................... 131
3.4.1 Evolução legislativa .................................................................................................... 131
3.4.2 Natureza jurídica ........................................................................................................ 134
3.4.3 O amicus curiae e a sociedade aberta de intérpretes ............................................... 142
3.5 O AMICUS CURIAE COMO INSTRUMENTO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA
JURISDIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES NAS AÇÕES COLETIVAS
AMBIENTAIS ...................................................................................................................... 146

CONCLUSÃO...................................................................................................................... 152

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 158


11

INTRODUÇÃO

A proteção do meio ambiente constitui tema presente na pauta dos mais variados
centros de discussões, em nível internacional e nacional e representa um dos grandes desafios
da humanidade que vive, atualmente, uma crise ambiental em virtude da degradação
perpetrada pela ação humana contra o meio natural. Os efeitos deletérios dessa degradação
resultam, na maioria das vezes, em violação direta ou indireta aos direitos fundamentais dos
indivíduos e da coletividade como um todo.
Como exemplo dessa situação de vulnerabilidade do ser humano decorrente da
degradação ecológica, pode-se citar: a contaminação química pelo uso de agrotóxicos,
denunciada por José Lutzemberger, no início da década de 80; a questão dos desastres
nucleares; a destruição das florestas tropicais, através de queimadas e desmatamentos,
situação que foi denunciada por Chico Mendes, no início da década de 80; a poluição dos rios
e oceanos; a poluição atmosférica nos grandes centros urbanos; e o fator de risco mais
importante, que em muito tem preocupado os ambientalistas - o aquecimento global.
Desencadeado principalmente pela emissão de gases através da queima de
combustíveis fósseis, tem como consequência episódios climáticos extremos, como a
alteração no regime de chuvas; quebra de recordes de altas temperaturas; o desaparecimento
das camadas de gelo; aumento do nível médio dos oceanos; aumento do nível médio de
temperatura do globo terrestre; e como resultado de todos esses eventos, a perda da
biodiversidade global.
Nesse contexto, a proposta do presente estudo é analisar a possibilidade e
necessidade de ampliação da participação popular na defesa do meio ambiente, em especial
através do instituto do amicus curiae, de modo a demonstrar a importância desse instituto na
efetivação de um Estado Democrático Participativo – nesta definição que é utilizada por Paulo
Bonavides, 1 como um modelo de Estado posterior ao Estado Social do séc. XX [Estado Neo-
Social ou Pós-Social], o qual procura ampliar a participação popular e reforçar o papel da
sociedade civil na sua organização.
O Estado Democrático Participativo, com previsão no inc. V, do art. 1º da CRFB/88
e parágrafo único, bem como incs. I, II e III do art. 14, é aquele que tem por escopo não
somente reafirmar os direitos sociais e a necessidade da garantia dos direitos e liberdades

1
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. Por um direito constitucional de luta
e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008.
12

individuais, como também agregar a estas duas categorias, os direitos de terceira dimensão,
novos direitos, direitos transindividuais ou direitos de solidariedade, [nos quais se inclui o
direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado] e, ainda, os direitos de quarta
dimensão, dentre os quais, o direito à democracia [com uma expansão dos direitos políticos],
o direito à informação e ao pluralismo político.
Participação popular e a defesa do meio ambiente são temas indissociáveis quando o
assunto é meio ambiente. Nesta medida, propõe-se sua análise de forma integrada, visto que
os processos decisórios relativos ao meio ambiente irão, irremediavelmente, interferir na
qualidade de vida de um número indeterminado de indivíduos, das presentes e futuras
gerações.
Contudo, neste estudo, limitar-se-á a análise da efetivação de um Estado
Democrático Participativo ao âmbito judicial, através do instituto do amicus curiae,
especificamente no processo coletivo ambiental – tema inovador no ordenamento jurídico
brasileiro, e por isso mesmo, incipiente e frágil, vez que carece de sistematização.
Instrumento processual bastante difundido no processo objetivo de controle de
constitucionalidade, o amicus curiae, se estabelece como órgão ou entidade [§2º, do art. 7º, da
Lei n. 9.868/99] ou até mesmo pessoa física [§1º, do art. 20], interessados, ou especializados,
em determinada questão que esteja sendo discutida judicialmente. Tem como função
primordial esclarecer e auxiliar o juízo sobre assuntos inéditos, difíceis ou controversos e
assim, ampliar o debate e aprimorar a qualidade da decisão judicial, de modo a favorecer a
participação popular na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Informação e participação são reconhecidos fundamentos quando se está a tratar da
temática ambiental. Nesta senda, o amicus curiae, configura-se como instrumento hábil a
possibilitar a aproximação das potências públicas - em definição utilizada por Häberle para
designar a sociedade de modo geral, constituída pelos órgãos estatais com poder de decisão
vinculante, parecistas ou experts, peritos, opinião pública, etc. - da atividade jurisdicional.
Isto porque tem o condão de oferecer à corte sua perspectiva da questão
controvertida, informações técnicas acerca de questões complexas cujo domínio ultrapasse o
campo legal ou, ainda defender os interesses dos grupos por ele representados [...].2 Nesse
sentido, o amicus curiae surge com viés democrático e pluralista, ao enriquecer a atividade
jurisdicional com informações, sejam elas de cunho técnico-científico ou resultante da práxis,
de modo a auxiliar e legitimar as decisões proferidas.

2
MEDINA, Damares. Amicus curiae. Amigo da corte ou amigo da parte? São Paulo: Saraiva, 2010, p. 17.
13

O processo coletivo, embora não detenha caráter puramente objetivo, ocupa-se de


questões políticas e sociais relevantes, porque judicializadas e, portanto, de interesse da
coletividade, mormente em se tratando em direitos difusos e individuais homogêneos. Assim,
tal instituto atua como um canal de comunicação entre o sistema jurisdicional e a coletividade,
auxiliando o judiciário na resolução das complexidades, dentro de determinados parâmetros
procedimentais de legalidade.
Nessa perspectiva, visualiza-se a figura do amicus curiae, recentemente introduzida
em nosso ordenamento e bastante difundida nos países da Common Law, como alternativa
para a pluralização e democratização do debate de questões trazidas a juízo, mediante a tutela
coletiva de direitos.
Destarte, para a análise do presente tema, este estudo foi dividido em três partes. No
capítulo primeiro, procurou-se examinar o tratamento conferido pelo ordenamento jurídico
nacional e internacional à temática ambiental, bem como as concepções éticas que norteiam o
tema.
No capítulo seguinte, passa-se a análise da tutela coletiva do meio ambiente, a partir
de um breve exame das características que configuram os direitos e interesses transindividuais
no ordenamento brasileiro; o dano ambiental e sua tutela jurisdicional, oportunizada por dois
dos principais instrumentos de tutela coletiva: a ação popular e a ação civil pública; na
sequência, uma concisa análise da responsabilidade civil pelo dano, bem como o estudo da
tutela específica da obrigação, tema de grande valia para o direito ambiental atualmente, visto
que tem por mote antecipar os efeitos da tutela, tanto no que tange aos efeitos continuados da
prática do ilícito, quanto no que tange à sua prática continuada.
No último e terceiro capítulo, destacam-se o tema da informação e participação como
fundamentos da temática ambiental; o reconhecimento da existência no Estado brasileiro de
uma democracia representativa e participativa, as quais possibilitam a abertura da perspectiva
participativa no âmbito do poderes constituídos e, em especial do Poder Judiciário; a
importância da adequação procedimental às normas de direito ambiental – o processo deve
configurar-se como instrumento facilitador da proteção dos recursos naturais, sem
negligenciar a segurança jurídica das partes; e por fim, examinar-se-á a figura do amicus
curiae, sua evolução legislativa, natureza jurídica e demais particularidades, como
instrumento de garantia institucional, contido na Lei n. 9.868/99, que pode ter sua atuação
ampliada e se tornar corolário de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição, apto a
auxiliar o juízo no processo de tomada de decisão.
14

No que diz respeito à tipologia desta pesquisa e seus procedimentos instrumentais,


pode-se classificá-la como qualitativa e teórica. Qualitativa em razão de que pretender-se-á
desenvolver um conteúdo descritivo do objeto de pesquisa, com rigoroso exame de sua
natureza, alcance e possíveis interpretações. Será também teórica, visto que trabalhar-se-á
com vasta pesquisa bibliográfica, realizada por meio de livros doutrinários, revistas e artigos
científicos, dissertações, material disponível em meio eletrônico, e também, por meio da
investigação minuciosa da jurisprudência, o que garantirá uma abordagem mais pragmática ao
tema. Portanto, o estudo desenvolver-se-á, basicamente, a partir de pesquisa documental e
bibliográfica.
O método científico aplicado foi o dialético, que permite a interpretação dinâmica da
realidade, com análise dos fatos sociais a partir de sua inserção nos contextos político,
econômico, social, cultural e também, ambiental, em um processo de evolução permanente, de
modo a conceber o mundo como um conjunto de processos.
15

1 O BEM AMBIENTAL NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

Para que se possa bem compreender todos os aspectos relativos à tutela dos direitos e
interesses coletivos lato sensu, no que tange especificamente ao Direito Ambiental, e à
participação popular no e pelo procedimento, faz-se necessária uma análise preliminar dos
contornos jurídicos da matéria no ordenamento jurídico brasileiro vigente.
Embora se reconheça, atualmente, a autonomia didático-científica do Direito
Ambiental, por muito tempo esta disciplina foi tida como vertente do Direito Administrativo,
especialmente em razão da gama de temas associados ao poder de polícia do Estado. Contudo,
nos últimos anos, a proliferação de inúmeros instrumentos regulatórios, tanto no âmbito
nacional quanto internacional, resultado de marcantes debates acerca do tema, acabou por
transformar o Direito Ambiental em disciplina autônoma, inserida no ramo do Direito Público
[sob a ótica da summa divisio, hoje por muitos contestada, conforme examinar-se-á adiante].
Umas de suas características mais marcantes é a transversalidade, isto é, a capacidade
de correlacionar-se de forma direta ou indireta aos vários outros ramos do Direito, como por
exemplo, ao Direito Administrativo, ao Constitucional, Civil, Processual Civil, Penal,
Internacional, Econômico, Tributário, etc., de modo que, qualquer empreendimento que
demande um estudo mais aprofundado da disciplina, exigirá de forma complementar, o
conhecimento de uma ou outra área do direito que, certamente, encontrar-se-á ali integrada.
Segundo Machado, o Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a
articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que
integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem
antagônica. 3 Essa sistemática a qual o autor se refere, se deve em grande parte aos Princípios
fundamentais que informam a disciplina, conferindo-lhe unidade e coerência, o que permite a
visualização de diretrizes básicas na interpretação de suas normas.
O bem ambiental, como objeto de estudo, a abrangência de seu conceito adotado pelo
legislador, bem como as correntes filosóficas que abordam o tema, também apresentam
relevância para o desenvolvimento da presente pesquisa, na medida em que têm a pretensão
de identificar os legítimos destinatários da norma ambiental, o que produz efeitos de inúmeras
ordens sobre os próprios destinatários, sobre o Poder Público, e sobre a ordem jurídica.
O direito ao meio ambiente equilibrado, assim como os direitos do consumidor -
caracterizados como direitos de terceira dimensão, ou de fraternidade e solidariedade, numa

3
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 62.
16

referência aos valores proclamados pela Revolução Francesa [liberdade, igualdade e


fraternidade], tiveram seu reconhecimento e importância ampliados a partir do surgimento da
sociedade de massa, fruto da Revolução Industrial iniciada no séc. XVIII, e das constantes
evoluções tecnológicas que daí se sucederam. Vale ressaltar que, incluem-se também nesta
categoria, o direito a uma vida saudável e pacífica, ao progresso, à autodeterminação dos
povos, ao avanço da tecnologia, entre outros. 4
Os direitos de solidariedade figuram como direitos transindividuais, conceito
relativamente novo em nosso ordenamento, visto que recebeu regulação específica somente a
partir do advento da Lei n. 8.078, de 1990 – Código de Defesa do Consumidor. Tal definição
deve-se ao fato de tutelarem interesses que muitas vezes produzem reflexos mediatos e
imediatos na vida de um número indeterminado de indivíduos – número este que poderá, ou
não, ser mensurado, a depender da situação concreta.
Inclui-se nesta categoria de direitos, portanto, o direito fundamental ao meio ambiente,
e a análise de suas principais características, dos valores éticos que o contemplam, bem como
suas consequências sobre a ordem normativa vigente, mostra-se imprescindível ao pleno
desenvolvimento deste estudo, como forma de asseverar que o direito material influi
diretamente na conformação adequada de sua tutela processual.
Balizada doutrina tem sido enfática quanto à importância da adequação
procedimental às normas de direito material. 5 E na seara ambiental, particularmente em razão
do caráter imaterial e difuso que reveste o bem ambiental, verifica-se a necessidade do
desenvolvimento de técnicas processuais que sejam capazes de conformar o procedimento às
reais necessidades do bem da vida que se pretenda tutelar, de forma a garantir a produção de
decisões jurídicas justas e legítimas.
Deste modo, neste capítulo introdutório, abordar-se-ão: a evolução histórica do Direito
Ambiental no Brasil, a partir da análise dos aspectos constitucionais, infraconstitucionais e do
Direito Internacional; a noção de bem ambiental, bem como o influxo recebido das diversas
teorias que procuram compreender e explicar este complexo conceito, e de que modo isto
tende a se refletir na ordem jurídica.

4
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 525-6.
5
Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo. 6.
ed. São Paulo: Malheiros, 2011; DINAMARCO, Cândido Rangel; A instrumentalidade do processo. 14. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque
para o estudo do procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2007; MARINONI, Luiz Guilherme.
Curso de processo civil. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. V. 1.
17

1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada no ano de 1988, é


composta por nove títulos. No título oitavo, que trata da ordem social, o constituinte
originário optou por dedicar um capítulo inteiro, exclusivamente, para tratar da temática
ambiental. Contudo, o caminho foi longo para que se chegasse a esse patamar constitucional
de proteção do meio ambiente.
A preocupação internacional com os danos ambientais causados, em especial, pela
sociedade de massa e pela crescente evolução industrial e tecnológica, teve como um de seus
principais marcos, a realização da Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente
Humano - CNUMA, em Estocolmo, na Suécia, em junho de 1972. Até então, o meio
ambiente sofria, de forma imoderada, todas as reveses do desenfreado desenvolvimento
econômico dos Estados-Nação, em especial, dos países mais ricos.
Mesmo antes da promulgação da Declaração de Estocolmo, a ideia de importância da
preservação ambiental para a humanidade já era bastante difundida entre os principais centros
de estudos e pesquisas, especialmente naqueles localizados no hemisfério norte. À título
exemplificativo, Mazzuoli em referência a Nascimento e Silva, atenta para o fato de que, no
ano de 1923, realizou-se em Paris, o indicativo inicial desta preocupação: o Primeiro
Congresso Internacional para a Proteção da Natureza. Todavia, um evento de contornos
mais módicos, inigualável, em importância e repercussão, ao marco histórico representado
pela Conferência Sueca de 1972 e sua consequente Declaração de Estocolmo. 6
Sem embargo, antes de adentrar-se à análise do tema em seus aspectos
internacionais, procurar-se-á examinar esta evolução no direito nacional, a partir do século
XX.
No Brasil, a primeira Constituição a trazer em seu bojo aspectos acerca da proteção
dos recursos ambientais foi a Constituição de 1934. Isto porque, até então, a ideologia política
constante na Constituição Republicana era fortemente marcada pelos valores liberais oriundos
da Revolução Francesa. Nesse sentido, tomando-se em consideração os aspectos sociais e
intervencionistas da nova Constituição, Antunes relata que, As competências legislativas
federais foram muito ampliadas e, principalmente, deve ser anotado que elas cresceram nas

6
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 1029.
18

áreas que modernamente são classificadas como infraestrutura, isto é, atividades necessárias
para o desenvolvimento econômico. 7
Deste modo, a Constituição de 34, além de estabelecer a competência privativa da
União e complementar dos Estados-membros para legislar acerca das águas, energia
hidrelétrica, florestas, caça e pesca, e a sua exploração [art. 5º, § 3º], bem como para proteção
das belezas naturais e dos monumentos de valor histórico ou artístico [art. 10], previu, em
título dedicado à Ordem Econômica e Social, o importante conceito de existência digna a
todos os indivíduos [art. 115, caput], embora atrelado tão-somente à liberdade econômica, à
proteção do trabalhador e a alguns aspectos relativos à saúde pública – distante, portanto, de
qualquer noção de desenvolvimento sustentável.
Interessante notar que, se por um lado estipulou a necessidade de autorização para o
aproveitamento das jazidas minerais e das águas [art. 119] e o respeito à posse de terras
silvícolas [art. 129], por outro, estabeleceu uma política agrícola e fundiária de colonização e
aproveitamento de terras públicas, por meio da organização de colônias agrícolas, [§§ 4º e 5º,
do art. 121] sem qualquer parâmetro acerca do modo de uso e disposição dessas áreas, à
exceção da proteção do trabalhador agrícola. Trouxe também, ainda que de forma tímida, no
título dedicado à Família, Educação e à Cultura, a competência comum à União, Estados e
Municípios para proteção dos objetos de interesse histórico e artístico do País [art. 148].
Quanto aos caracteres procedimentais, em sua Declaração de Direitos, deu guarida,
pela primeira vez, a dois remédios constitucionais: o mandado de segurança e a ação popular
[art. 113, n. 33 e 38, respectivamente]. Constata-se aqui, que a Constituição de 1934,
fortemente influenciada pelas Constituições Mexicana [1917] e Alemã [Weimar - 1919],
marcada por ideais sociais e pelos direitos prestacionais, em especial de proteção ao
trabalhador, pontuou, mesmo que de forma incipiente, alguns temas que no futuro, seriam de
grande relevância para o Direito Ambiental. 8
Neste período, no âmbito infraconstitucional, também se destacam a edição do
Código Florestal – Decreto n. 23.793/34, revogado posteriormente, no ano de 1965, e do
Código de Águas, Decreto n. 24.643/34, que mantém sua vigência até os dias atuais, embora
revogado parcialmente pela CRFB/88 e pela Lei n. 9.433/1997 – Lei da Política Nacional de
Recursos Hídricos.

7
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 65.
8
Cf., por tudo, BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em:
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
19

A Carta de 1937, também conhecida como Constituição Polaca, em virtude da


influência fascista, não trouxe grandes inovações. Em acréscimo às disposições da
Constituição de 34, concedeu proteção especial aos monumentos históricos, artísticos e
naturais, assim como às paisagens ou locais particularmente dotados pela natureza, e ainda,
equiparou os atentados contra esses bens, àqueles cometidos contra o patrimônio nacional
[art. 134]. Essa proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, bem como a
criminalização de algumas condutas, foi regulamentada no mesmo mês, com a publicação da
Lei Geral do Tombamento – Decreto-Lei n. 25/1937.
Como aspectos negativos, destacam-se a suspensão dos direitos e garantias
individuais, em virtude da decretação de Estado de Emergência [art. 186], que por
consequência esvaziou a atividade jurisdicional [art. 170]. E ainda, a supressão do mandado
de segurança e da ação popular. 9
A partir da promulgação da Constituição de 1946 e da redemocratização do país,
retoma-se a situação de normalidade: na Declaração de Direitos, o mandado de segurança e a
ação popular são restabelecidos e o Judiciário ganha força devido à previsão do importante
Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, verbis: Art. 141 [...]. § 4º - A lei não poderá
excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual - ainda que
ausente a atualizada menção à ameaça de lesão e à proteção aos direitos transindividuais. E
uma inovação: o uso da propriedade é condicionado ao bem estar social [art. 147].
No título Da Família, da Educação e da Cultura, o constituinte dedicou apenas um
artigo [art. 175] ao trato da temática ambiental: As obras, monumentos e documentos de valor
histórico e artístico, bem como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de
particular beleza ficam sob a proteção do Poder Público. 10 A utilização de conceitos abertos
neste dispositivo, pode ser vista como uma característica positiva, pois amplia o leque de
escolhas do operador do direito, embora demande a existência de regulação
infraconstitucional, que à época era bastante limitada.
Instaurado o regime militar, com o Golpe de 64, verifica-se uma hipertrofia dos
Poderes da União, em virtude da exacerbação dos poderes do Executivo federal. 11 Não
obstante as duras críticas ao referido regime político, sobretudo em razão das graves violações
aos direitos humanos, foi neste período que se deu a edição do Estatuto da Terra, Lei n.

9
Cf., por tudo, BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937. Disponível
em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
10
Cf., por tudo, BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível
em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
11
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 65.
20

4.504/64, que consolidou o princípio da função social da propriedade: Art. 2° É assegurada a


todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social,
na forma prevista nesta Lei; e do revogado novo Código Florestal, Lei n. 4.771/65, o qual
pretendeu restringir de forma mais adequada a livre exploração da flora, impondo limitações e
ampliando o rol de condutas penalmente tipificadas. Deu-se ainda, a publicação da prestigiada
Lei n. 4.717/65 que, a despeito da previsão constitucional, regulamentou importante
instrumento para defesa do patrimônio público e o exercício da cidadania: a ação popular.
Na Carta de 67 a competência para legislar sobre jazidas, minas, florestas, caça e
pesca, e águas, passa a ser exclusiva da União [não mais privativa] e, portanto, indelegável. A
função social da propriedade é elevada a princípio constitucional, de modo a conformar a
Ordem Econômica [art. 157, inc. III] e ainda, fixa-se a necessidade de autorização ou de
concessão federal para o aproveitamento de jazidas, minas e potenciais de energia hidráulica,
na forma da lei - uma norma que, embora de eficácia contida, traz consigo conotação muito
mais afeta aos aspectos econômicos que propriamente ambientais, conforme se deduz da
análise do art. 161 e seus parágrafos 12 - o que representa a contínua preocupação do Poder
Público com os aspectos relacionados à infraestrutura estatal. 13
No mesmo ano, a edição da Lei de Proteção à Fauna Silvestre, Lei n. 5.197/67, ainda
em vigor, procurou conferir maior amplitude à proteção dos espécimes selvagens,
constituindo-os propriedades do Estado, de modo a proibir sua utilização, perseguição,
destruição, caça ou apanha, e seu comércio, ressalvadas as exceções, impondo severas
penalidades ao descumprimento de suas normas.
A Emenda Constitucional n. 01 de 1969, que perdurou por quase duas décadas,
revogou grande parte do texto da Carta de 1967 [algo considerado um contrassenso pelos
constitucionalistas], porém manteve basicamente as mesmas orientações no que dizia respeito,
a Carta de 67, às questões ambientais. 14 Logo, nesta época, a proteção constitucional do meio
ambiente decorria da valoração de direitos outros, como o direito à vida, à saúde, à dignidade
da pessoa humana, ao devido processo legal, à função social da propriedade, a disciplina da
produção e consumo, ou ainda, das competências legislativas atribuídas aos entes federados,

12
Cf., por tudo, BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967. Disponível
em: <www.planalto.org.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
13
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, p. 67.
14
Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967, com redação dada
pela EC n. 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
21

de onde se extraía a vinculação direta ou indireta à proteção dos elementos de ordem


ambiental. 15
Nesse ínterim, evidencia-se a promulgação da Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente, Lei n. 6.938/81. Considerada um marco na legislação ambiental brasileira e
fundada em uma dezena de princípios resultantes de marcantes Conferências internacionais,
criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, e o Conselho Nacional do Meio
Ambiente – Conama, órgão consultivo e deliberativo, e previu diversos instrumentos de
proteção ambiental, como o zoneamento, licenciamento de atividades potencialmente
poluidoras, padrões de qualidade ambiental, etc.
Destacam-se ainda, a Lei da Ação Civil Pública, Lei n. 7.347/85, que aparelhou
processualmente o Ministério Público, a administração direta e indireta, associações e, mais
recentemente, a Defensoria Pública [Lei n. 11.448/07], para a defesa dos interesses
transindividuais. E também, as Resoluções do Conama, n. 001 de 1986, e n. 009 de 1987, que
regulamentaram, respectivamente, a elaboração do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental
[EIA-RIMA], e a realização de audiências públicas em EIA-RIMA.
A partir da promulgação da Constituição da República de 1988, os mecanismos de
proteção ao meio ambiente que estavam esparsos na legislação infraconstitucional, e em atos
normativos, foram constitucionalizados de modo a juridicizar a temática ambiental. Contudo,
o caminho foi longo para que se chegasse a este patamar de proteção, conforme se percebe
por intermédio de uma breve análise que far-se-á acerca da evolução do Direito Ambiental
Internacional.

1.1.1 Breve análise do Direito Internacional

Examinar-se-á, a partir deste momento, alguns instrumentos normativos


internacionais que contribuíram de forma decisiva para a constitucionalização da matéria
ambiental. Esta breve incursão no Direito Ambiental Internacional faz-se necessária a fim de
que se possa melhor compreender as influências externas exercidas na elaboração da
Constituição de 1988.
O influxo dos preceitos delineados pelas diversas Conferências realizadas pela
Organização das Nações Unidas e demais coletividades internacionais, não se deu apenas

15
BENJAMIN, Antonio Herman V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato [orgs.]. Direito constitucional ambiental
brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 114.
22

sobre a Constituição Brasileira de 1988, mas também sobre Constituições de outros países,
que acabaram por se predispor, paulatinamente, a constitucionalizar as normas protetivas do
meio ambiente, garantindo assim, maior segurança jurídica às questões ambientais. Sarlet e
Fensterseifer destacam que, Além das Constituições Brasileira [1988] e Portuguesa [1976],
muitas outras também passaram a incorporar ao seu texto a proteção do ambiente. 16 E citam,
entre outras, a Constituição Espanhola [1978], a Lei Fundamental Alemã [1949, através da
reforma constitucional de 1994], a Constituição Colombiana [1991], a Constituição Sul-
Africana [1996] e a Constituição Suíça [2000].
Como se pode ver, a elevação da temática ambiental ao status constitucional
acompanhou um processo antes efetivado por países europeus, e que teve como uma de suas
molas propulsoras a realização da Convenção das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, no ano de 1972, em Estocolmo, na Suécia, a qual postulou no primeiro princípio de
sua Declaração [Anexo I], que os Estados têm a convicção comum de que o homem tem o
direito a uma vida digna e saudável. 17
Talvez os objetivos iniciais desta Conferência, de estabelecimento e concretização de
determinadas medidas, não tenham sido atingidos de imediato, mas o movimento de trazer o
tema ao debate certamente garantiu repercussão e visibilidade bastante fortes à questão
ambiental, especialmente com a publicação de seu Relatório Final, a Declaração de
Estocolmo.
Pode-se afirmar que os vinte e seis princípios constantes deste documento
internacional que, em sua definição, representa uma posição política comum de interesse
18
coletivo, não refletiram um verdadeiro consenso entre as nações participantes da
Conferência. Os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, em sua maioria localizados
no hemisfério sul, foram, de certa forma, apontados como os grandes responsáveis pela

16
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental. Estudos sobre a
constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 26.
Este fato, se deve, particularmente, ao fim dos regimes ditatoriais implantados em diversos países e ao início dos
processos de redemocratização.
17
Man has the fundamental right to freedom, equality and adequate conditions of life, in an environment of a
quality that permits a life of dignity and well-being, and bears a solemn responsibility to protect and improve the
environment for present and future generations. In this respect, policies promoting or perpetuating apartheid,
racial segregation, discrimination, colonial and other forms of oppression and foreign domination stand
condemned and must be eliminated. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Declaração de Estocolmo. 16 de Junho de 1972. Disponível em:
<http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=97>. Acesso em: 10 jul. 2013.
18
MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, p. 201.
23

situação crítica ambiental, subtraindo-se, discretamente, a responsabilidade dos países


desenvolvidos e industrializados nesse processo. 19
Lamentavelmente, este cenário não se modificou passado-se os anos: o desenfreado
consumismo dos países desenvolvidos estimula a progressiva exportação de matéria prima
pelos países do terceiro mundo, o que gera a estes últimos, prejuízos ambientais de diversas
ordens. Em contrapartida, estes mesmos países são constrangidos a admitir a instalação de
indústrias altamente poluentes, cujo funcionamento é vedado nos países ricos. 20
Para alguns autores, como Sachs, esse fato consubstanciar-se-ia em uma nova forma
de colonialismo norte-sul [neocolonialismo], que embora seja capaz de elevar alguns países a
potências econômicas, em contrapartida, habilitar-se-ia a promoção de altíssimos custos
sociais e ambientais, desigualdades crescentes na distribuição da renda e da riqueza, etc. 21
Houve ainda, neste congraçamento [Convenção das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente Humano], a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –
PNUMA, agência do Sistema das Nações Unidas, responsável por promover a conservação do
meio ambiente e o uso eficiente de recursos no contexto do desenvolvimento sustentável e
que se encontra bastante ativa em diversos países até os dias atuais. Segundo Silva, na
concepção do PNUMA, optou-se pela criação de um órgão mais modesto com prerrogativas
limitadas para incitar os outros órgãos a considerarem os imperativos de proteção ambiental
em seus projetos e decisões em detrimento de uma estrutura que exercesse competência
exclusiva em matéria ambiental [...].22
No ano de 1973, é celebrada em Washington, nos Estados Unidos da América, a
Convenção Sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em
Perigo de Extinção – a CITES. 23 Esta Convenção, que se transformou mais tarde em tratado
internacional, ratificado por diversos países, teve por objeto a regulação internacional do
comércio de espécies da fauna e flora selvagens, com ameaça de extinção, inclusive prevendo
a expedição de certificados e licenças que, no Brasil, cabem ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama.

19
Cf., por tudo, SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. Org. Paulo
Freire Vieira. São Paulo: Cortez, 2007, passim.
20
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 441.
21
SACHS, Ignacy. O cinquentenário do Terceiro Mundo. Desafios do Desenvolvimento, IPEA, ano 2, 8 ed., 1º
mar. 2005. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=741:catid=28&Itemid=23>
Acesso em: 20 jul. 2013.
22
SILVA, Solange Teles da. O direito ambiental internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 30.
23
Cf. documento na íntegra, disponível em: <http://www.cites.org/eng/disc/text.php>. Acesso em: 20 jul. 2013.
24

A importância da participação pública nas questões ambientais começou a ser


reconhecida pela comunidade internacional a partir da década de sessenta. Mas foi somente
no ano de 1982, que a Assembleia Geral da ONU, por meio Resolução n. 37/7, adotou e
proclamou em instrumento anexo, a Carta Mundial da Natureza, que previu expressamente
esta urgente necessidade. Uma análise minuciosa deste documento demonstra que diversos de
seus preceitos, diretrizes e construções éticas foram incorporados ao ordenamento brasileiro,
tanto no âmbito constitucional, quanto infraconstitucional.
A título ilustrativo, citam-se: a afirmação de que a humanidade é parte integrante da
natureza; o destaque à manutenção dos processos ecológicos essenciais; a importância do
alcance de níveis ótimos de sustentabilidade; a análise exaustiva de atividades susceptíveis de
constituírem risco à natureza [o que hoje entende-se por estudo de impacto ambiental]; a
afirmação de que quando os efeitos adversos não forem totalmente conhecidos não deverão
prosseguir [Princípio da Precaução]; educação ambiental; formulação de estratégias através
do estabelecimento de inventários dos ecossistemas [avaliação ambiental estratégica];
divulgação das informações e consultas públicas e deveres fundamentais de proteção
atribuídos à coletividade.
E ainda, ao que mais interessa ao presente estudo, o dever do Estado de oportunizar a
todos os indivíduos a participação nos processos decisórios e o amplo acesso à justiça
[Parágrafo 23], e a atribuição de deveres aos cidadãos no sentido de participação no processo
político, com o fito de efetivar os objetivos constantes do documento [Parágrafo 24] 24 –
ambos deveres responsáveis por informar as bases do Princípio Ambiental da Participação
Democrática.
Sem embargo, um dos mais notáveis documentos internacionais a abordar a temática
ambiental, certamente foi o Relatório Brundtland ou Nosso Futuro Comum, publicado pela
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, sob a presidência de
Gro Harlem Brundtland, no ano de 1987. Este Relatório, que contou com a colaboração do
brasileiro Paulo Nogueira Neto [membro da Comissão, como um dos dois representantes da
América Latina], trouxe a lume, pela primeira vez, a locução desenvolvimento sustentável,

24
III. Implementation. [...] 23. All persons, in accordance with their national legislation, shall have the
opportunity to participate, individually or with others, in the formulation of decisions of direct concern to their
environment, and shall have access to means of redress when their environment has suffered damage or
degradation.” E ainda: “24. Each person has a duty to act in accordance with the provisions of the present
Charter; acting individually, in association with others or through participation in the political process, each
person shall strive to ensure that the objectives and requirements of the present Charter are met. In:
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Resolução n. 37/7. 28 de
outubro de 1982. Carta Mundial da Natureza. Disponível em:
<http://www.un.org/documents/ga/res/37/a37r007.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013.
25

com os contornos que se conhece atualmente [ressalvadas as correntes científicas]: como


aquele capaz de satisfazer às necessidades presentes, sem comprometer as necessidades das
futuras gerações. 25
Interessante notar que este Relatório identificou - além da necessidade de impor
relativas limitações ao desenvolvimento tecnológico e ao modo de organização social em face
dos recursos ambientais - a importância de fornecer meios legais, de preencher as lacunas nas
legislações de âmbito nacional e internacional, fortalecendo os procedimentos existentes e
criando novos procedimentos, a fim de evitar ou solucionar, com maior eficiência, as disputas
relativas ao meio ambiente e à gestão de recursos. 26
No ano de 1992, vinte anos após a Conferência de Estocolmo, realizou-se na cidade
do Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92 ou RIO-92. O maior encontro entre
nações após a extinção da antiga União Soviética [URSS], teve por objetivo fortificar a noção
de desenvolvimento sustentável como saída para conciliar o crescimento econômico à
preservação ambiental, o que restou expresso no Princípio 04, da Declaração do Rio: Para
alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do
processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste. 27
No Brasil, tal previsão não inovou no ordenamento jurídico, vez que a Política
Nacional do Meio Ambiente, Lei n. 6.938/81, influenciada em certa medida pela Declaração
de Estocolmo, no inc. I, de seu artigo 4º, já previa a compatibilização do desenvolvimento
econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio
ecológico, como um de seus objetivos basilares.
Como frutos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, portanto, originaram-se os seguintes documentos: a já citada Declaração
do Rio, que trouxe um rol de vinte e sete princípios ambientais; a Agenda 21, compromisso
político para formulação de políticas públicas para o século XXI; a Carta das Florestas, uma

25
Annex: Report of the World Comission on Enviroment and Development ‘Our Common Future’. Part I:
Common Concerns [...] Chapter 2. Towards Sustainable Development. §1. Sustainable development is
development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet
their own needs. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório Brundtland ou Nosso Futuro
Comum. 04 de agosto de 1987. Disponível em:
<http://ambiente.files.wordpress.com/2011/03/brundtland-report-our-common-future.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2013.
26
Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório Brundtland ou Nosso Futuro Comum. 04 de agosto
de 1987. Disponível em: <http://ambiente.files.wordpress.com/2011/03/brundtland-report-our-common-future.pdf>.
Acesso em: 10 jul. 2013.
27
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 14 de junho de 1992. In:
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183.
26

Declaração de Princípios; a Convenção sobre a Diversidade Biodiversidade, tratado


internacional que dispõe acerca da gestão da biodiversidade mundial; e a Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, igualmente um tratado internacional, que
motivou, anos mais tarde, a elaboração do expressivo Protocolo de Quioto [1997],
responsável por abordar a temática da redução da emissão de gases que provocam o efeito
estufa.
A Declaração do Rio, não obstante sua ênfase na questão do desenvolvimento
sustentável, mencionado por diversas vezes em seus Princípios [ex vi dos Princípios 1, 4, 5, 7,
8, 9, 12, 20, 21, 22 e 27],28 trouxe, ainda, importantes conceitos relacionados à ideia de acesso
à informação em matéria ambiental e à ampla participação da sociedade na gestão dos
recursos ambientais, que se consubstanciam, atualmente, em verdadeiros Princípios 29 desta
disciplina, hoje considerada autônoma, que é o Direito Ambiental, conforme depreende-se da
literalidade de seu décimo princípio, verbis:

Princípio 10 - A melhor maneira de tratar as questões ambientais é


assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos
interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às
informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades
públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas
em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos
processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização
e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos.
Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e
administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de
danos. 30

Muito embora a Declaração do Rio detenha apenas um caráter compromissório, foi


capaz promover a reafirmação de princípios internacionais de direitos humanos, como os da
indivisibilidade e interdependência, agora conectados com as regras internacionais de
proteção ao meio ambiente e seus princípios instituidores. 31

28
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 14 de junho de 1992. In:
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183 et seq.
29
Cf. MACHADO, P. A. L. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 125 et seq.;
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, P.
A. L. [orgs.]. Doutrinas Essenciais. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, V. 1, p. 348 et
seq; MILARÉ, É. Princípios fundamentais do direito do ambiente. In: ______; MACHADO, P. A. L. [orgs.].
Doutrinas Essenciais. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, V. 1, p. 390 et seq.
30
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 184.
31
MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, p. 1029.
27

Do mesmo modo, a Agenda 21, de caráter não vinculante, ou como designado pela
32
doutrina, um instrumento de soft law, pretendeu estabelecer alguns caminhos para
implementação de políticas públicas ambientais no século XXI: além de buscar fortalecer os
papéis dos diversos atores sociais [mulheres; crianças; jovens; populações indígenas e suas
comunidades; organizações não governamentais; trabalhadores e seus sindicatos; negócios e
indústria; e agricultores], ainda estabeleceu mecanismos e instrumentos jurídicos
internacionais, e a informação para a tomada de decisão, como expedientes para a realização
de seus propósitos. 33
Recentemente, em junho de 2012, realizou-se no Rio de Janeiro, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, cujo documento final foi
intitulado O Futuro Que Queremos. Com vistas ao avanço para a economia verde, este
Relatório tem a pretensão de frear a progressiva degradação ao meio ambiente, erradicar a
pobreza e reduzir as desigualdades sociais. 34
No cenário nacional, pode-se afirmar que as convenções e os atos internacionais
influenciaram fortemente a evolução da legislação infraconstitucional ambiental, bem como a
própria constitucionalização do bem ambiental e a elevação de seu status a direito
fundamental, tanto no aspecto material quanto formal, por intermédio da positivação de um
constitucionalismo de bases ecológicas, orientado pelo Princípio da Solidariedade. 35
Com efeito, a CRFB/88 foi a primeira Constituição brasileira a conferir novo
enfoque ao Direito Ambiental, agora contemplado por uma perspectiva ecossistêmica, que
não visa mais somente o amparo ao desenvolvimento da infraestrutura estatal – conquanto
reconheça-se a importância deste aspecto para o Brasil, que desponta como potência entre as
grandes economias mundiais – mas também, procura harmonizar a necessidade de
crescimento econômico, como única porta para redução das desigualdades sociais, 36 à

32
[...] que na sua moderna acepção compreende todas aquelas normas que visam regulamentar futuros
comportamentos dos Estados, sem deterem o status de ‘norma jurídica’, e que impõem além de sanções de
conteúdo moral, também outras que podem ser consideradas como extrajurídicas, em caso de descumprimento
ou inobservância de seus postulados. In: MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, p. 1041.
33
Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Agenda 21. 14 de junho de 1992. Disponível em:
<http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=52>. Acesso em: 15 jun. 2013.
34
Para análise das políticas da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e para erradicação
da pobreza, cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável. Relatório O Futuro Que Queremos. 22 de junho de 2012. Parágrafo 58 e alíneas.
Disponível em:
<http://www.unep.org/rio20/portals/24180/Docs/727The%20Future%20We%20Want%2019%20June%201230pm.pdf>.
Acesso em: 15 jun. 2013. .
35
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p. 37-8.
36
Para outra perspectiva, cf. SACHS, Ignacy. De volta à mão visível: os desafios da Segunda Cúpula da Terra no
Rio de Janeiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 26, n. 74, 2012. Disponível em:
28

manutenção da qualidade ambiental, enquanto elemento integrante da dignidade da pessoa


humana.
Passa-se, agora, à análise das principais características do direito fundamental ao
meio ambiente inserto na Constituição de 1988.

1.1.2 A Constituição da República de 1988

As Constituições anteriores, conforme se depreende da análise feita acerca de seus


dispositivos, operaram sob um panorama de favorecimento ao desenvolvimento da
infraestrutura na atividade econômica, o qual não foi totalmente descartado na Constituição de
1988. Inspirada pelos diversos movimentos internacionais e, especialmente, de
redemocratização ocorrido nos países ibéricos, Constituições Portuguesa [1976] e Espanhola
[1978], a CRFB/88, procurou compatibilizar a necessidade de manutenção e estímulo à
expansão econômica, ao compromisso de defender e preservar o bem ambiental, como
indispensável ao pleno desenvolvimento das presentes e futuras gerações.
É o que se infere dos múltiplos artigos e incisos esparsos no texto constitucional, tais
como os que dizem respeito à função social da propriedade e à ação popular para defesa do
meio ambiente [art. 5º, incs. XXIII e LXXIII], às competências legislativas dos entes
federados [art. 22, incs. IV, XII e XXVI, art. 24, incs. VI, VII, VIII, e art. 30, incs. I e II]; às
competências administrativas [art. 23, incs. III, IV, VI, VII e XI]; aos princípios gerais da
atividade econômica [art. 170, incs., III, VI]; à política urbana [art. 182]; à política agrícola e
fundiária [art. 186 e incisos]; ao meio ambiente cultural [arts. 215 e 216]; aos povos indígenas
[art. 231]; dentre diversos outros.
Estes dispositivos constantes em todos os títulos da Carta Magna reforçam umas das
principais características do Direito Ambiental que é a sua inter e transdisciplinaridade. O
Direito Ambiental relaciona-se, de modo direto e indireto, a diversas outras disciplinas, não
apenas da ciência jurídica, como o Direito Administrativo, Constitucional, Econômico,
Internacional [conforme já mencionado], mas também a outros ramos da ciência, como a
Biologia, a Geografia, a Economia, a Sociologia, etc. 37 De modo que, para que se possa
extrair a verdadeira intenção do legislador constituinte originário na elaboração de cada um

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142012000100002&lng=en&nrm=iso/>.
Acesso em: 20 jul. 2013. E ainda: ______. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento.
Org. Paulo Freire Vieira. São Paulo: Cortez, 2007.
37
Para aprofundamento do tema, cf. LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Trad. Sandra Valenzuela. Rev.
téc. Paulo Freire Vieira. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006, passim.
29

desses dispositivos, tais como traçados e dispostos no texto constitucional, bem como sua
influência sobre a legislação infraconstitucional, há que se levar em conta todas essas
variáveis.
Em capítulo destinado exclusivamente à tutela do meio ambiente, que se submete à
Ordem Social, fundada no primado do trabalho, e que tem por escopo o bem-estar e justiça
sociais [art. 193, caput], a Constituição prevê o direito fundamental de todos ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, impondo deveres ao Poder Público e à coletividade em
prol das presentes e futuras gerações.
Conquanto o caput do art. 225, da CRFB/88, não tenha sido inserto no rol de direitos
e garantias fundamentais [arts. 5º a 17], atribui-se a ele a característica da fundamentalidade
em razão de seu conteúdo material, que se relaciona intrinsecamente à dignidade da vida
humana e ao necessário equilíbrio ecológico a ela associado, o que é garantido pelo §2º, do
art. 5º. Desta forma, sua aplicabilidade será imediata, ressalvados os casos de ausência de
regulamentação infraconstitucional, em razão de sua eficácia contida.
Este direito fundamental, devido ao seu caráter transindividual, será efetivado por
meio de ações prestacionas positivas ou negativas do Poder Público, que o vinculam
juridicamente, como a implementação de políticas públicas, regulação, fiscalização e controle
de atividades desenvolvidas pelo próprio Estado e por particulares, ao que se denomina de
dimensão objetiva dos direitos fundamentais, capaz de garantir ao cidadão um direito público
subjetivo a medidas proteção. 38
Com efeito, o conceito de meio ambiente como direito público subjetivo acaba por
reforçar a garantia dos cidadãos em pleitear, individualmente ou de forma coletiva, os direitos
fundamentais de caráter prestacional [que abrangem os direitos à proteção normativa e fática
pelo Estado; os direitos à participação na organização e procedimento; e os direitos às
prestações sociais] 39 em face de ações ou omissões, tanto de particulares quanto do Poder
Público.
Não obstante a noção de direito público subjetivo, a constitucionalização da matéria
ambiental trouxe ainda, diversos outros benefícios substantivos e formais ao ordenamento
pátrio, enumerados por Benjamin, 40 dentre os quais se destacam: a explorabilidade limitada e
condicionada da propriedade; a legitimação constitucional da função estatal reguladora; a

38
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 149.
39
Cf. SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 184 et seq.
40
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 83.
30

ampliação da participação pública nos processos decisórios; a preeminência e proeminência


de direitos, deveres e princípios ambientais; a segurança normativa; o controle de
constitucionalidade das leis; e o reforço exegético pró-ambiente das normas
infraconstitucionais. Tais benefícios reforçam o caráter de fundamentalidade e de
transindividualidade da norma em apreço e representam grande avanço normativo para um
país de dimensões continentais, detentor de extensos e diversificados biomas, de recursos
naturais renováveis e não renováveis em abundância, como o Brasil, para o qual se voltam
interesses internacionais.
Ressalte-se que o art. 225 impõe deveres fundamentais não só ao Estado, mas
também a toda coletividade, na medida em que, muito embora ao Poder Público tenham sido
atribuídas diversas funções [vide §1º e seguintes, do artigo 225], é sabido que, uma proteção
ambiental adequada e efetiva, apenas torna-se possível mediante a ampla participação dos
cidadãos, beneficiários imediatos de um ambiente equilibrado.
Tais deveres fundamentais de proteção geram obrigações, portanto, também aos
particulares, no sentido de exigir-lhes não apenas a adoção de medidas negativas, abstendo-se
de realizar determinadas atividades que possam gerar consequências danosas, como por
exemplo, o despejo de resíduos sólidos em locais indevidos, ou o abuso do direito de
propriedade, mas também, de medidas positivas, dentre as quais se destaca o dever de
participação política. 41
Outra importante característica no que tange ao direito fundamental ao meio
ambiente é a sua relatividade, isto é, não possui caráter absoluto.
Mesmo diante de sua relevância às presentes e futuras gerações, este direito poderá
sofrer limitações quando confrontado a outros direitos de caráter igualmente fundamental.
Tais limitações procuram assegurar uma convivência harmônica entre os interesses sociais,
econômicos e culturais que por ventura entrem em conflito.
Cumpre destacar decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI-MC n.
3.540, que por maioria, negou referendo à decisão que deferiu o pedido de medida cautelar,
restaurando-se, desse modo, em plenitude, a eficácia e a aplicabilidade da MP n. 2.166-67, de
24/08/2001, especialmente na parte em que alterava o artigo 4º e parágrafos, da revogada Lei

41
Para melhor análise do tema, cf. SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p.
129 et seq.
31

n. 4.771/65 [Código Florestal], os quais permitiam a supressão de vegetação em áreas de


preservação permanente, em casos de utilidade pública e interesse social. 42

42
E M E N T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE [CF, ART.
225] - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO
DE TERCEIRA GERAÇÃO [OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO] QUE CONSAGRA O POSTULADO DA
SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA
IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS
TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS [CF, ART. 225, § 1º, III] - ALTERAÇÃO E
SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS
AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS
ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A
INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL -
RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA [CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI] E ECOLOGIA [CF, ART. 225] -
COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO
ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA
HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES [FASES OU DIMENSÕES] DE DIREITOS [RTJ 164/158, 160-
161] - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA
LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA [CF, ART. 170, VI] -
DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA
CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO
CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS
PESSOAS. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de
terceira geração [ou de novíssima dimensão], que assiste a todo o gênero humano [RTJ 158/205-206]. Incumbe,
ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e
futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual [RTJ 164/158-161]. O
adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da
coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a
todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE
ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A
TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. A incolumidade do meio ambiente não pode ser
comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica,
ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege,
está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" [CF, art.
170, VI], que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente
cultural, de meio ambiente artificial [espaço urbano] e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos
jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para
que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável
comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos
ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO
DESENVOLVIMENTO NACIONAL [CF, ART. 3º, II] E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA
INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE [CF, ART. 225]: O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA
ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter
eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo
Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da
ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre
valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o
conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio
ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes
e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001:
UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. A Medida
Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código
Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental,
estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas
no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio
ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo
32

Esta decisão do Supremo Tribunal Federal destaca a importância de uma exegese


constitucional que procure compatibilizar a proteção do meio ambiente [que tem por
finalidade última a garantia da qualidade de vida às presentes e futuras gerações] ao
desenvolvimento econômico, necessário à eliminação da pobreza e à redução das
desigualdades sociais, mediante aplicação do Princípio da Proporcionalidade, ou da técnica da
ponderação de valores. 43 A livre iniciativa, que fundamenta a Ordem Econômica não é
absoluta, e encontra limites em vários princípios constitucionais, devendo observar a defesa
do meio ambiente, conforme disposição do art. 170, inc. VI, da CRFB/88 [com redação
determinada pela EC n. 42, de 2003, a qual acrescentou ao dispositivo, a possibilidade de
tratamento diferenciado aos destinatários da norma, notadamente quanto aos aspectos
tributários, segundo o grau do impacto ambiental produzido]. 44
Cabe frisar outra importante característica atribuída ao direito fundamental ao meio
ambiente: a sua indisponibilidade. Isto implica dizer que não poder-se-á aliená-lo ou
transacioná-lo na medida em que não detém conteúdo econômico ou patrimonial. Contudo, há
grandes divergências neste aspecto, em virtude de que essa indisponibilidade estimularia a
judicialização de determinados conflitos ambientais, os quais poderiam ser facilmente
solucionados mediante métodos alternativos, como a mediação e a arbitragem, de modo a
ampliar o conceito de acesso à justiça [art. 5º, inc. XXXV], evitando assim, a sobrecarga do
judiciário.

adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. Somente a alteração e a
supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por
efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva
legal. É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura
federativa [União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios] - autorizar, licenciar ou permitir a
execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos,
desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não
resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de
regime jurídico de proteção especial [CF, art. 225, § 1º, III]. [grifos nossos] In: BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. ADI-MC 3.540/DF. Procurador Geral da República versus Presidente da República. Tribunal Pleno.
Rel. Min. Celso de Mello. Publicado em 03 de fevereiro de 2006. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 15 jun. 2013.
43
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 405
et seq; BULOS, U. L. Curso de direito constitucional, p. 460 et seq.; MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 248 et seq.
44
Para aprofundamento no tema, cf. MONTERO, Carlos Eduardo Peralta. Extrafiscalidade e meio ambiente: o
tributo como instrumento de proteção ambiental. Reflexões sobre a tributação ambiental nos ordenamentos
jurídicos do Brasil e da Costa Rica. 2011. 304 f. Tese [Doutorado em Direito Público], Faculdade de Direito,
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Prêmio CAPES de Tese 2012, na área do Direito.
33

Na contramão, o não reconhecimento de sua indisponibilidade poderia gerar a ideia


de um direito adquirido de poluir, mediante a consolidação de situações consideradas
irregulares pela lei nova, o que é rechaçado por parte da doutrina e pela jurisprudência. 45
Abordados alguns breves aspectos históricos acerca da evolução normativa do
Direito Ambiental nas esferas nacional e internacional, passa-se à análise do complexo
conceito de bem ambiental e suas concepções éticas na sociedade contemporânea.

1.2 O BEM AMBIENTAL E SUAS CONCEPÇÕES ÉTICAS

O conceito de bem ambiental possui extrema relevância a fim de que se possa


compreender com clareza todos os desdobramentos que daí exsurgem: tanto na esfera
legislativa, de produção de normas, quanto na executiva, de implementação de políticas
públicas, licenciamento, fiscalização de atividades potencialmente poluidoras, etc., quanto na
judiciária, de interpretação e aplicação das leis.
Contudo, este tema apresenta alta complexidade, notadamente em razão das várias
correntes que procuram compreender o abstrato conceito em sua integralidade. Deste modo,
procurar-se-á, neste item, apresentar ao interlocutor, de forma rudimentar, algumas linhas
ético-filosóficas que têm a pretensão de estruturar a noção de bem ambiental, bem como seus
reflexos sobre a ordem jurídica brasileira.
Dentre as correntes que analisam a temática ambiental, identificam-se basicamente
três concepções éticas que, via de regra, são complementares, podendo, inclusive, integrar um

45
“[...] não [se] admite que o infrator alegue direito de degradar por omissão ou até mesmo aceitação, expressa
ou implícita, dos prejudicados ou de seus porta-vozes institucionais, como a Administração, as ONGs e o
Ministério Público.” In: BENJAMIN, A. H. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição
brasileira. In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011. p. 125. E ainda: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO
ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535. AUSÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À LEI FEDERAL. FALTA
DE PREQUESTIONAMENTO. ENUNCIADOS N. 282/STF E N. 356/STF N. 211/STJ. POLUIÇÃO E
DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. MANIFESTAÇÃO SOBRE
OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF.
ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE E ADEQUADA. RECURSO ESPECIAL.
ALÍNEA "A". AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO CONSIDERADO VIOLADO.
FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N. 284 DO STF.
INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULA N. 5 DESTA CORTE. DEFESA DO MEIO
AMBIENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. [...] Esta Corte é pacífica no sentido de que não há
direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. De fato, "décadas de uso ilícito da propriedade rural
não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais
práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive
às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente". Precedente. [grifos nossos]. In: BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. REsp 1222723/SC. Dorival Gonzaga da Silva e Outros versus Ministério Público
Federal. 2ª Turma. Relator Min. Mauro Campbell Marques. Julgado em 08 de novembro de 2011. Disponível
em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 15 jun. 2013.
34

mesmo instrumento normativo [a exemplo da CRFB/88], a saber: o antropocentrismo puro, o


antropocentrismo mitigado e o não-antropocentrismo. 46
Segundo o antropocentrismo puro ou absoluto, o bem ambiental é concebido como
instrumento destinado a atender ao homem em todas as suas necessidades. O ser humano
encontra-se, pois, numa posição de centralidade e o meio ambiente é analisado sob a
perspectiva do utilitarismo, isto é, como fonte de recursos para salvaguarda das necessidades
humanas, de modo a ressaltar seu aspecto econômico. O que não sugere que tais recursos
devam ser explorados de forma ilimitada, ou que não devam ser preservados, na medida em
que se mostram imprescindíveis ao pleno desenvolvimento das capacidades humanas e à
garantia de sua sadia qualidade de vida.
Desta forma, na linha do antropocentrismo puro, há autores que procuram integrar o
conceito de dignidade da pessoa humana aos preceitos do Direito Ambiental articulando os
Princípios Fundamentais da República, insertos no art. 1º, aos direitos sociais contidos no art.
6º, da CRFB/88, dentre os quais se encontram o direito à educação, à saúde, à alimentação, ao
trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à
infância, e à assistência aos desamparados. 47
Historicamente, a abordagem utilitarista é atribuída de modo precípuo ao
cientificismo e ao materialismo, ou empirismo, de Francis Bacon [1620] e René Descartes
[1637]. A ciência de modo geral, nesta época, era fortemente influenciada pelo humanismo
renascentista, de visão antropocêntrica e racionalista, que teve como ápice a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, no ano de 1789, oriunda da Revolução Francesa, com
ênfase nas ações humanas para o desenvolvimento de valores morais. Cita-se ainda, a
influência teórica dos pensadores iluministas anglo-saxões David Hume [1748]; Adam Smith
[1776]; Jeremy Bentham [1787], e John Stuart Mill [1861], todos firmes defensores do
utilitarismo, que parte da ideia de que o fundamento dos princípios morais está na utilidade
que tendem a promover ao ser humano. 48
O antropocentrismo mitigado, reformado ou alargado, não deixa de reconhecer o
homem como destinatário das normas ambientais, contudo, distingue-se do antropocentrismo

46
BENJAMIN, Antonio Herman V. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso. Caderno
Jurídico da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, ano 1, vol. 1, n. 2, julho/2001, p.
155. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Cadernos/caderno_2.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2013.
47
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 63.
48
Cf., por todos, BENTHAM, Jeremy; MILL, John Stuart. Uma introdução aos princípios da moral e da
legislação. Trad. Luiz João Baraúna, João Marcos Coelho e Pablo Rubén Mendonça. 3. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1984; E ainda: MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Trad. Alberto da Rocha Barros. 2. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1991.
35

puro ao conferir ao bem ambiental um status de sujeito moral, 49 isto é, detentor de dignidade,
muito embora ainda sustente o utilitarismo em certa medida.
A dignidade, como valor ético e moral, fundamenta-se na obra do influente filósofo
alemão Immanuel Kant, especialmente em sua Crítica da Razão Pura, 50 publicada no ano de
1781. Filiado à escola iluminista, formulou o conceito de imperativo categórico, o qual se
desdobra em três vertentes, a saber: lei da natureza [o homem deve determinar-se por sua
própria vontade], da humanidade [o ser humano como fim em si mesmo, com ênfase na moral
do respeito universal] e da autonomia [o ser humano possui o livre arbítrio de orientar-se por
suas próprias escolhas]. 51 Vertentes que têm como corolários, portanto, os valores de
liberdade, racionalidade e autodeterminação da pessoa humana. Nesse sentido, o indivíduo
alcança sua verdadeira liberdade a partir do momento em que atinge a autossuficiência em seu
agir moral: sua emancipação moral está atrelada à ideia de autodeterminação, de justificação
de sua vontade racional.
Em virtude de todo o caos e sofrimento gerados por duas grandes guerras mundiais,
finalmente, quase dois séculos depois da teoria formulada por Kant, tem-se o grande marco do
reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor ético e moral fundamental
representado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia
Geral da ONU, no ano de 1948, a qual previu em seu art. 1º o seguinte: Todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência
e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. 52
A dignidade da pessoa humana assim como todos os seus desdobramentos, são
reconhecidos de forma explícita e implícita nos vinte e nove artigos subsequentes do
documento, os quais tratam, dentre outros, do direito à igualdade, à vida, à liberdade e à
segurança pessoal; da proibição à escravidão, à tortura e ao tratamento desumano degradante;
do direito de ser reconhecido como pessoa perante a lei, etc.
Segundo Mazzuoli, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, embora adotada
apenas sob forma de resolução, detém caráter de jus cogens internacional e integra a Carta da

49
BENJAMIN, A. H. V. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso, p. 157.
50
Cf. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo:
Nova Cultural, 1991.
51
BARROSO, Luis Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. A
construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 61 et seq.
52
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 10 de dezembro de
1948. In: Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de
Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 397-8.
36

ONU [de 1945] na medida em que passa a ser sua interpretação mais fiel no que tange à
qualificação jurídica da expressão ‘direitos humanos e liberdades fundamentais.’ 53
Contudo, em virtude das evoluções tecnológicas e científicas, do surgimento da
chamada sociedade de massa e dos novos direitos, e ainda, em razão da transição do Estado
Social a um Estado Pós-social, o qual procura integrar em seu conceito as noções de
solidariedade e fraternidade, verificou-se a necessidade de ampliação do conceito de
dignidade.
A despeito de sua configuração como princípio fundamental da República, contido
no inc. III, do art. 1º, da CRFB/88, que orienta e informa todo o sistema jurídico
constitucional e infraconstitucional, a dignidade da pessoa humana tem assumido caráter de
proteção não somente do indivíduo em si considerado, por seus valores intrínsecos e como um
fim si mesmo, conforme conceito kantiano, mas também, a feição protecional de outros bens e
valores que, igualmente considerados, possuem papel garantidor da dignidade humana.
Acredita-se que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deva ser compreendido no
contexto do Estado Constitucional Contemporâneo, no qual os direitos de terceira dimensão,
dentre os quais se inclui o direito a uma vida saudável em um ambiente ecologicamente
equilibrado, passam a integrar de forma determinante sua estrutura axiológica, de modo a
ampliar seu alcance normativo. 54
Esta nova corrente, designada antropocentrismo mitigado ou alargado, pretende
expandir a noção de dignidade, estendendo seu grau de abrangência – o que não implicaria
necessariamente em um conflito com a dignidade da pessoa humana, mas apenas reconheceria
deveres mínimos e análogos de proteção 55 aos demais seres.
Integram o antropocentrismo mitigado três subgrupos corolários dos deveres
fundamentais de proteção: o antropocentrismo intrageracional, intergeracional e do bem-estar
dos animais [animal welfare]. 56
No primeiro, o enfoque está na proteção dos seres humanos de uma mesma geração,
incluindo a perspectiva transnacional, isto é, de proteção e defesa de indivíduos que residem
em outros países, vez que a poluição desconhece fronteiras. Igualmente ao que ocorre com o
aquecimento global, que embora ocasionado em larga escala por determinadas nações, tem
seus efeitos espraiados por todo o globo indistintamente.

53
MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, p. 907.
54
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p. 60-1.
55
SARLET, I. W. E-book. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, cf. item 2.1 Antecedentes: algumas notas sobre a
dignidade da pessoa humana no âmbito da evolução do pensamento ocidental.
56
Cf. SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. op. cit., p. 154 et seq.
37

Já o segundo subgrupo, denominado antropocentrismo intergeracional, tem seu cerne


no amparo aos direitos das gerações futuras, e é contemplado pelo caput, do art. 225, da
CRFB/88: [...] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Tal dispositivo implicaria uma limitação ao
direito de livre disposição do bem ambiental, pelas presentes gerações, em prol das que virão -
o que pressupõe um compartilhamento da titularidade do direito ao meio ambiente
equilibrado. 57
O terceiro subgrupo, postula a defesa de tratamento mais digno aos animais não
humanos, especialmente no que tange à proibição de atos de crueldade – norma também
prevista na CRFB/88, no inc. VII, do §1º, do art. 225. Este dispositivo, particularmente no que
diz com a proibição de atos de crueldade, teve sua força normativa reconhecida em duas
oportunidades pelo Supremo Tribunal Federal: no ano de 1997, a 2ª Turma da Corte
Constitucional reconheceu a incompatibilidade do que era considerado manifestação cultural
no Estado de Santa Catarina, e determinou a proibição da chamada farra do boi.
E mais recentemente, no ano 2011, declarou a inconstitucionalidade da Lei n.
2.895/98, do Estado do Rio de Janeiro, que regulava exposições e competições entre aves de
raças combatentes [rinhas de galo], o que demonstra o elevado patamar de proteção conferido
aos animais não humanos pelo ordenamento jurídico brasileiro. 58

57
Para exame mais aprofundado, cf. JONAS, Hans. O princípio responsabilidade. Ensaio de uma ética para a
civilização tecnológica. Trad. Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC-Rio,
2006.
58
EMENTA: COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE -
PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a
todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não
prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que
acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado
"farra do boi". [grifos nossos] In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 153531/SC. APANDE – Associação
Amigos de Petrópolis Patrimônio Proteção aos Animais e Defesa da Ecologia e Outros versus Estado de Santa
Catarina. 2ª Turma. Relator Min. Francisco Rezek. Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio. Julgado em 03 de
junho de 1997. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 15 jul. 2013. E ainda:
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - BRIGA DE GALOS (LEI FLUMINENSE
Nº 2.895/98) - LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE, PERTINENTE A EXPOSIÇÕES E A COMPETIÇÕES
ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES, FAVORECE ESSA PRÁTICA CRIMINOSA - DIPLOMA
LEGISLATIVO QUE ESTIMULA O COMETIMENTO DE ATOS DE CRUELDADE CONTRA GALOS DE
BRIGA - CRIME AMBIENTAL (LEI Nº 9.605/98, ART. 32) - MEIO AMBIENTE - DIREITO À
PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU
CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA
DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, § 1º, VII) - DESCARACTERIZAÇÃO DA BRIGA DE
GALO COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL - RECONHECIMENTO DA INCONSTITUIONALIDADE
DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA - AÇÃO DIRETA PROCEDENTE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE
AUTORIZA A REALIZAÇÃO DE EXPOSIÇÕES E COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS
COMBATENTES - NORMA QUE INSTITUCIONALIZA A PRÁTICA DE CRUELDADE CONTRA A
FAUNA - INCONSTITUCIONALIDADE. - A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática
criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que
38

Vale destacar, que o welfare animal, como subgrupo do antropocentrismo mitigado,


não permite que tais seres sejam considerados sujeitos de direito ou que não possam sucumbir
em função de benefícios de vulto para os seres humanos. 59
Enfim, a terceira e última corrente ético-filosófica denominada não antropocêntrica,
que se subdivide em duas categorias: o biocentrismo e o ecocentrismo [esta última categoria,
bipartida em deep ecology e holismo]. As correntes não antropocêntricas identificam o
homem e os demais seres vivos como partes de um todo, numa relação de interação e
interdependência, que se aproxima em grande parte à Teoria Geral dos Sistemas.
Averbe-se aqui, o pioneirismo do biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy [1930 e
1968] que observou o meio ambiente natural, e posteriormente, as ciências sociais, com todos
os seus componentes, como um sistema aberto, complexo, formado por diversas variáveis e
elementos, os quais se encontram em constante transformação. Fritjof Capra [1982 e 1996],
físico austríaco, também trabalha com a mesma proposta: quanto mais complexo e
diversificado for um determinado sistema, maior é o número de relações capazes de garantir
seu equilíbrio dinâmico. 60
A rigor, os biocentristas sustentam a existência de valor intrínseco nos demais seres
vivos, em especial nos seres sencientes: aqueles capazes de sentir emoções, como dor e
prazer. Tem como um de seus principais defensores, o filósofo australiano Peter Singer, autor

veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE
153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente
folclórico. Precedentes. A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais
silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o
texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de
crueldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da
República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que
façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja
integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e
violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”). Magistério da doutrina.
ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. - Não se revela inepta a petição inicial, que, ao impugnar
a validade constitucional de lei estadual, (a) indica, de forma adequada, a norma de parâmetro, cuja autoridade
teria sido desrespeitada, (b) estabelece, de maneira clara, a relação de antagonismo entre essa legislação de
menor positividade jurídica e o texto da Constituição da República, (c) fundamenta, de modo inteligível, as
razões consubstanciadoras da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor e (d) postula, com
objetividade, o reconhecimento da procedência do pedido, com a conseqüente declaração de ilegitimidade
constitucional da lei questionada em sede de controle normativo abstrato, delimitando, assim, o âmbito material
do julgamento a ser proferido pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. [grifos nossos] In: BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. ADI 1856/RJ. Procurador Geral da República versus Governador do Estado do Rio
de Janeiro e Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Tribunal Pleno. Relator Min. Celso de Mello. Julgado em
26 de maio de 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 15 jul. 2013.
59
BENJAMIN, A. H. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso, p. 160.
60
Cf. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Trad. Álvaro Cabral.
29. ed. São Paulo: Cultrix, 2010; ______. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.
Trad. Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix. 2004.
39

da clássica obra Animal Liberation [Libertação Animal], publicada no ano de 1975, a qual
inspirou a tese do abolicionismo animal. 61
Na linha ecocêntrica atribui-se valor intrínseco não só aos seres vivos, mas também a
todo ecossistema, em uma visão holística na qual se reconhece a pessoa humana como parte
integrante da biodiversidade. Entre seus precursores estão Aldo Leopold, ecologista
americano, com a obra A Sand County Almanac [traduzido para o português como Pensar
como uma Montanha], publicada, originalmente, no ano de 1949, e Arne Naess, filósofo e
ecologista norueguês, pioneiro nos estudos sobre a ecosofia. 62
Na mesma esteira, encontra-se Félix Guattari, filósofo francês, com a obra As Três
Ecologias [1990]. Segundo Guattari, a ecologia seria um estudo dos fenômenos ou sistemas
complexos, dentre os quais se incluem a subjetividade humana, o meio ambiente e as relações
sociais. O cientista propõe a necessidade de se compreender a ecologia a partir de suas três
esferas: a ecologia social [uma reinvenção das maneiras de ser do indivíduo na sociedade,
com vistas à sua integração no seio social]; a ecologia mental [visa a saúde física, emocional,
mental e espiritual do ser humano]; e a ecologia ambiental [que traz consigo a ideia de
evolução flexível, resiliência, e equilíbrio natural do ambiente]. A união dessas três esferas
denominar-se-ia ecosofia, ou ecologia integral. 63
No Brasil, o filósofo e teólogo Leonardo Boff [2004] fia-se a esta teoria e acrescenta
a necessidade de que se desenvolvam sensibilidade e consciência ecológicas, notadamente
através da ética da solidariedade, compaixão e corresponsabilidade, por meio das quais o ser
humano tornar-se-ia capaz de impor limites aos próprios desejos, de modo a compreender e
respeitar o outro, ter compaixão e cuidado com o próximo, em uma visão integradora da
natureza e da vida. 64
A legislação ambiental brasileira, sobretudo a partir das décadas de 60 e 70, tem
sofrido influências tanto dos instrumentos normativos produzidos no âmbito internacional,
quanto das correntes ético-filosóficas que procuram compreender as formas de interação
homem-ambiente, ambos com o propósito de identificar quais interesses devem prevalecer, ou

61
Cf. SINGER, Peter. Libertação Animal. O clássico definitivo sobre o movimento pelos direitos dos animais.
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
62
Cf. LEOPOLD, Aldo. Pensar como uma montanha. Coimbra: Edições Sempre-em-pé, 2008. E ainda: NAESS,
Arne. The Deep Ecological Movement: Some Philosophical Aspects. Disponível em:
<http://www.uv.mx/personal/jmercon/files/2011/08/Naess_DeepEcology.pdf>. Acesso em: 10 ago 2012.
63
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas, SP: Papirus, 1990,
passim. Para análise das críticas feitas ao ecocentrismo, cf. FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. A árvore, o
animal e o homem. Trad. Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Difel, 2009.
64
BOFF, Leonardo. Ecologia. Grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004; ______. Ethos
Mundial. Um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro: Record, 2009; ______. Saber cuidar. Ética do
humano, compaixão pela terra. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
40

se estes devem ser harmonizados, ou ainda, ponderados, quando se está a falar de


desenvolvimento econômico, proteção ambiental e sustentabilidade.
Desta forma, passa-se à análise de tais influências sobre o ordenamento jurídico
brasileiro.

1.2.1 Reflexos na ordem constitucional

Com o advento da Constituição Cidadã, no ano de 1988, a matéria ambiental tem seu
status elevado ao nível constitucional, conforme já mencionado. No título que trata da ordem
social, o qual contempla temas como a seguridade social, educação, cultura e desporto,
ciência e tecnologia, comunicação social, família, criança, adolescente, jovem e idoso, e
índios, o constituinte originário estabeleceu regras também relativas à proteção do meio
ambiente, que se caracterizam por um hibridismo constitucional, 65 isto é, foram inspiradas,
em certa medida, por cada uma das correntes ético-filsóficas supracitadas [antropocentrismo
puro, mitigado e não-antropocentrismo], a começar pelo art. 225, caput, verbis: Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-
lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Primeiramente, importa esclarecer a abrangência do pronome indefinido todos: para
os antropocentristas, o vocábulo referir-se-ia tão somente aos seres humanos, visto que
legítimos destinatários da norma, acrescido ao fato de que o Princípio Fundamental da
Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no inc. III, art. 1º, da CRFB/88, é fonte axiológica
de todo o ordenamento constitucional e infraconstitucional. Para os não-antropocentristas, o
vocábulo procura abranger todas as formas de vida, incluindo-se aí, os seres humanos, não-
humanos, bióticos e abióticos, em uma visão holística e globalizante, na qual todos os
elementos são igualmente relevantes para a manutenção do equilíbrio dinâmico do
ecossistema.
Neste sentido, Benjamin faz a seguinte pontuação:

[...] a fórmula do ‘todos’ é empregada também, em vários pontos da


Constituição, na garantia de outros direitos fundamentais que não
apresentam nenhuma vocação ou necessidade de se conectarem aos

65
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 136.
41

componentes vivos não humanos da natureza, como quando se cuida do


direito à educação. 66

Com efeito, incluir-se-iam, ainda, neste rol, além do direito à educação [art. 205,
caput], o direito à saúde [art.196, caput] e à cultura [art. 215, caput], igualmente insertos no
Título VIII, que trata da Ordem Social, os quais preveem a titularidade de todos os indivíduos,
humanos, aos respectivos direitos.
No que concerne à expressão ecologicamente equilibrado, pode-se dizer que recebeu
notória influência – além da Declaração de Estocolmo e dos diversos instrumentos
internacionais - da Constituição Portuguesa de 1976, promulgada após longo período
ditatorial, a qual estabelece em seu Título III [Direitos e deveres econômicos, sociais e
culturais], Capítulo II [Direitos e deveres sociais], art. 66 [Ambiente e qualidade de vida] o
seguinte: 1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente
equilibrado e o dever de o defender. 67 Trata-se de conceito jurídico indeterminado que
reconhece o meio ambiente como um sistema aberto e dinâmico, composto de diversas
variáveis, de ordem física, química, biológica, entre outras, que se encontram em constante
movimento na busca por seu equilíbrio. 68
Quanto ao conceito de bem ambiental como bem de uso comum do povo, cumpre
ressaltar que não se iguala ao do Código Civil de 2002, verbis: Art. 99. São bens públicos: I -
os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. Neste, os bens de
uso comum do povo são de domínio público do Estado, destinados à utilização da população
em geral, sem necessidade de permissão especial, os quais se inserem na clássica dicotomia
público-privado.
O bem de uso comum do povo a que o art. 225 se refere, caracteriza-se como bem de
titularidade difusa, que pertence a todos e a ninguém ao mesmo tempo. É dizer, ainda que
determinado bem ambiental se configure, a priori, como de domínio privado, poderá sofrer
limitações quanto a sua livre disposição pelo particular, na medida em que exerce papel
fundamental na regulação do equilíbrio ecológico, indispensável à manutenção das bases
naturais da vida. 69

66
Ibid., p. 132.
67
PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em: <http://www.fd.uc.pt/CI/
CEE/OI/Constituicao_Portuguesa.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013.
68
Cf. item 1.2, supra.
69
Expressão utilizada por Michael Kloepfer, em artigo intitulado A caminho do Estado Ambiental? A
transformação do sistema político e econômico da República Federal da Alemanha através da proteção ambiental
especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. Trad. Carlos Alberto Molinaro. In: SARLET, Ingo
42

Como exemplo de bens de uso comum do povo, citam-se: os processos ecológicos


essenciais [§1º, I, do art. 225]; o patrimônio genético do País [§1º, II, do art. 225]; os espaços
territoriais especialmente protegidos [§1º, III, do art. 225]; a fauna e a flora [§1º, VII, do art.
225]; os biomas considerados patrimônio nacional [§4º, do art. 225] – todos inclusos na
categoria de meio ambiente natural; o patrimônio cultural brasileiro [art. 216, caput, e
incisos]; o conhecimento tradicional associado [§1º, do art. 215, e art. 231, caput]; o meio
ambiente artificial – urbano e rural [arts. 182, 21, XX, e 5º XXIII]; e por fim, o meio ambiente
do trabalho, tutelado de forma mediata pelo art. 225, caput, e de forma imediata pelos arts.
200, VIII, e 7º, XIII, os quais buscam garantir ao trabalhador condições de salubridade e
segurança no ambiente em que desenvolve suas funções.
Vale ressaltar que o STF, no julgamento da supramencionada ADI-MC 3.540/DF,
reconheceu o meio ambiente do trabalho como parte integrante do conceito de bem
ambiental. 70
Trata-se, a expressão, sadia qualidade de vida, de conceito aberto, com contornos do
movimento conservacionista da década de 60, 71 o qual considerava fatores como a saúde e o
saneamento básico, primordiais à manutenção de níveis mínimos à qualidade de vida humana.
O constituinte originário atribuiu, ainda, ao Poder Público e à coletividade o dever de
defender e preservar o meio ambiente, adotando, portanto, de forma concomitante, as noções
de conservacionismo [a qual identifica o bem ambiental como recurso natural de caráter
econômico, com ênfase na sua adequada utilização], e de preservacionismo [cujo juízo é de
manutenção de espaços territoriais especialmente protegidos, de proteção integral ou de uso
sustentável, com possibilidade de utilização econômica indireta, que não afete seu equilíbrio,
de modo a harmonizar os aspectos sociais e culturais à preservação da biodiversidade].
Não é demais reiterar, consoante enunciado no item 1.1.2 supra, que o art. 225, da
CRFB/88, instituiu não somente um direito fundamental ao meio ambiente, mas também
deveres fundamentais de proteção, capazes de vincular tanto o Poder Público [e especialmente

Wolfgang [org.]. Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.
44.
70
[...] A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar
dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade
econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais,
àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ [CF, art. 170, VI], que traduz conceito amplo e abrangente das
noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial [espaço urbano] e de
meio ambiente laboral. [...] [grifos nossos] In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC 3.540/DF.
Procurador Geral da República versus Presidente da República. Tribunal Pleno. Rel. Min. Celso de Mello.
Publicado em 03 de fevereiro de 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em:
15 jun. 2013.
71
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional brasileiro, p. 134.
43

este, vez que detentor dos poderes de polícia e regulamentar], quanto à coletividade, como
corolário do Princípio Ambiental da Participação Democrática, o que caracteriza a sua dupla
natureza jurídica: como direito público subjetivo da personalidade, e direito fundamental em
sua dimensão objetiva – capaz de produzir direitos subjetivos a medidas de proteção, 72 vez
que vincula o Estado em suas três esferas de atuação: executiva, legislativa e judiciária.
A transindividualidade está presente em todos os direitos fundamentais em sua
perspectiva objetiva, e é esta condição que limita seu caráter absoluto. É dizer, os direitos
coletivos lato sensu impõem o estabelecimento de determinadas limitações aos direitos
individuais da personalidade, bem como aos demais direitos fundamentais, tanto no que diz
com seu conteúdo, quanto no que se refere à sua abrangência, 73 haja vista a preeminência da
proteção dos direitos e interesses da coletividade.
Outra característica que merece destaque no exame do caput, do art. 225, é no que
diz com os Princípios da Equidade ou Solidariedade Intra e Intergeracional, Sustentabilidade e
Precaução ali identificados: [...] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Aqui constata-se mais um
notável progresso: o constituinte além de firmar um dever para com os semelhantes,
brasileiros e estrangeiros, reporta-se a um direito ao futuro, que em muito se diferencia do
clássico direito de sucessão previsto no Código Civil de 2002: Art. 1.798. Legitimam-se a
suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
Enquanto neste, reconhece-se o direito à sucessão apenas às gerações presentes,
naquele o direito ao meio ambiente equilibrado é garantido também às gerações vindouras,
sob pena de expor à risco perpetuidade da espécie humana.
A propósito, reporta-se o leitor ao Enunciado 267, da III Jornada de Direito Civil,
realizada no ano de 2004, o qual ampliou a abrangência do art. 1.798 do CC/02 ao legitimar à
sucessão, embriões formados a partir de técnicas de reprodução assistida, verbis: 267 – Art.
1.798: A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados
mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação
hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras
previstas para a petição da herança. 74

72
Cf. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental. Do individual ao coletivo
extrapatrimonial. Teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 88-9.
73
SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 146.
74
In: BRASIL. Conselho da Justiça Federal. III Jornada de Direito Civil, 03 dez. 2004. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-
civil/jornadas-de-direito-civil-enunciados-aprovados>. Acesso em: 10 jun. 2013.
44

Todavia, o reconhecimento de direitos às gerações futuras, presente nas três correntes


filosóficas citadas, não é pacífico na doutrina. Opositores argumentam, no campo da
responsabilidade civil, a dificuldade, ou até mesmo, impossibilidade, de se identificar o
quantum debeatur dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais [dano moral hipotético]
causados às gerações vindouras, o que demandaria reflexões não apenas de caráter
econômico, mas também de ordem ética e científica. 75
Isto posto, muito embora alguns autores indiquem uma opção estritamente
antropocêntrica do legislador constituinte, 76 a análise do caput, do art. 225, que procura
condensar a sistemática dos dispositivos esparsos no texto constitucional, assim, como o
exame de seus parágrafos e incisos, que se referem aos processos ecológicos essenciais, à
manipulação de material genético, aos espaços territoriais especialmente protegidos, à
educação ambiental, à função ecológica da fauna e da flora, à vedação de atos de crueldade
contra animais, à recuperação de ambientes degradados, à responsabilização civil, penal e
administrativa de pessoas físicas ou jurídicas, à consolidação de importantes biomas como
patrimônio nacional, entre outros, demonstram a existência, na Carta de Outubro, de um
verdadeiro hibridismo constitucional, 77 para utilizar a expressão de Benjamin, que busca
mesclar diversas correntes ético-filosóficas.
Não obstante, verifica-se ainda, a existência de diversas outras normas, que se
correlacionam de forma direta ou indireta, implícita ou explícita ao art. 225, máxime no que
diz com a proteção da vida [caput, do art. 5º], da dignidade da pessoa humana [inc. III, do art.
1º], da saúde [caput, dos arts. 6º e 196], e da função social da propriedade [art. 170, caput, e
inc. III; e art. 186, caput e incisos], o que indica a escolha por uma harmonização entre os
preceitos conservacionista e preservacionista – este último, em sua atualizada dimensão
socioambiental.
Contudo, a despeito de todo progresso, Canotilho faz o seguinte alerta:

75
Cf. A favor: KISS, Alexandre. Os direitos e interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In:
VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros [orgs. e co-autores]. Princípio da precaução. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. [Direito ambiental em debate]; JONAS, Hans. O princípio responsabilidade. Ensaio
de uma ética para a civilização tecnológica. Trad. Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro:
Contraponto: PUC-Rio, 2006. Contra: NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos:
contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1998;
GOMES, Carla Amado. De que falamos quando falamos de dano ambiental? Direito, mentiras e crítica. In:
Revista eletrônica Actualidad Juridica Ambiental, 03 mar. 2010. Disponível em:
<http://www.actualidadjuridicaambiental.com/wp-content/uploads/2010/03/AMADOGOMES150320103.pdf>.
Acesso em: 20 jul. 2013.
76
Cf. FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 63-9.
77
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 136.
45

A força normativa da Constituição ambiental dependerá da concretização


do programa jurídico-constitucional, pois qualquer Constituição do
ambiente só poderá lograr força normativa se os vários agentes – públicos e
privados - que actuem sobre o ambiente o colocarem como fim e medida de
suas decisões. 78

Logo, nações e grupos econômicos, responsáveis pelo atual cenário de globalização,


devem orientar suas ações por uma perspectiva ecossistêmica, de modo a compatibilizar as
necessidades desenvolvimentistas ao direito ao meio ambiente, indispensável à manutenção
das bases naturais da vida e à garantia de qualidade de vida às presentes e futuras gerações.

1.2.2 Reflexos na ordem infraconstitucional

Nas palavras de Benjamin, [...] a tutela legal do ambiente, no Brasil, teve início, de
modo fragmentário, na década de 30, ganhou fôlego nos anos 60, e consolidou-se nas
décadas de 80 e 90. 79 Desta forma, como grande marco na legislação ambiental brasileira,
coube à Lei n. 6.938/81, definir pela primeira vez o conceito de meio ambiente, in verbis: Art
3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.
A partir da análise literal do dispositivo, constata-se que o legislador optou por um
conceito bastante genérico, também conhecido como conceito jurídico indeterminado. E esta
escolha não foi casuística: recebeu influxo da Declaração de Estocolmo, e teve por finalidade
ampliar a aplicabilidade da norma, a fim de que ela atinja máxima efetividade no momento de
sua valoração pelo operador do direito.
Contudo, a crítica que se faz ao referido dispositivo é a de que deixou de contemplar
o aspecto social, atributo de grande destaque na temática ambiental, atendo-se tão somente
aos fatores biológicos - o que imputar-se-ia ao contexto histórico, no qual a ideia de bem
ambiental detinha outros contornos, notadamente quanto à ausência da noção de titularidade
difusa, merecedora de tutela autônoma. 80 Não obstante, a PNMA conferiu legitimidade ativa
ao Ministério Público da União e dos Estados para propor ação de responsabilidade civil e

78
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de
30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: ______; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito
constitucional ambiental brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 27.
79
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 113.
80
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, p. 71.
46

criminal, por danos causados ao meio ambiente [art. 14, § 1º], antecipando-se à Lei da Ação
Civil Pública.
Vale ressaltar, ainda, que no item em que dispõe acerca dos objetivos da PNMA, o
legislador deu ênfase aos aspectos preservacionistas, in verbis:

Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:


I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a
preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; [...]
V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de
dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública
sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio
ecológico;
VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua
utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a
manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; [...]
Art 5º - As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão
formuladas em normas e planos, destinados a orientar a ação dos Governos
da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos
Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e
manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos
no art. 2º desta Lei.

O destaque na utilização dos vocábulos preservação e equilíbrio ecológico é


atribuído à influência da Declaração de Estocolmo e à pressão internacional exercida, à época,
pelos países desenvolvidos. Segundo a doutrina, o preservacionismo detém cunho não
antropocêntrico: [...] os preservacionistas, [...] pretendem manter grandes áreas naturais
fora do uso econômico direto [permitindo, contudo, o uso econômico indireto, como nos
Parques Nacionais], com isso assegurando-se a integridade desses habitats. 81
Para alguns autores, como Santilli,82 o paradigma preservacionista não se sustenta
politicamente em países como o Brasil, passível de fortes pressões sociais oriundas da
existência de elevados níveis de desigualdade econômico-social, com populações pobres e
marginalizadas, diferentemente dos países desenvolvidos do hemisfério norte, de onde
descende tal modelo, nos quais tais aspectos, em tese, não influenciariam de modo decisivo
sua aplicabilidade.
Todavia, hodiernamente, o preservacionismo integrou-se ao conceito de
socioambientalismo, o qual busca conciliar os direitos sociais, econômicos e culturais à
proteção do meio ambiente, de modo a ressaltar a interdependência existente entre os temas.
Este novo modelo, inspirado no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

81
BENJAMIN, A. H. V. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso, p. 162.
82
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. Proteção jurídica da diversidade biológica e
cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005, p. 40-1.
47

Culturais – PIDESC, adotado pela Assembleia Geral da ONU no ano de 1966, e ratificado
pelo Brasil no ano de 1992, tem por mote a consolidação dos direitos humanos associada aos
valores sustentados por um modelo inclusivo de proteção dos direitos fundamentais, 83 o qual
é capaz de proporcionar o desenvolvimento humano em padrões sustentáveis em razão de sua
vertente ecológico-ambiental. 84
É o que se infere, v.g., do Anexo I, da Resolução Conama n. 306/2002, que
estabeleceu os requisitos mínimos e o termo de referência para a realização de auditorias
ambientais: adequando-se à nova tendência, tratou de incluir as dimensões social, cultural e
urbanística no conceito de meio ambiente: XII - Meio ambiente: conjunto de condições, leis,
influência e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. 85
No contexto contemporâneo, que se inicia a partir da segunda metade do séc. XX,
marcado pela crise ambiental e pela sociedade de risco, 86 não há como desconsiderar-se a
variável dos direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui o direito ao meio ambiente
equilibrado, decisivo na conformação do Estado Pós-Social.
Há que se destacar, neste ponto, a contribuição de Cappelletti e Garth, nas décadas de
60 e 70, ao apontarem as ondas renovatórias do direito, particularmente, as segunda e terceira
ondas, como reformas tendentes a proporcionar a devida representação dos interesses difusos,
com ênfase nas áreas de proteção ambiental e defesa do consumidor, e o novo enfoque de
acesso à justiça: uma tentativa de atacar as barreiras que impedem a tutela efetiva dos direitos
de modo articulado e compreensivo, 87 tema que será revisitado adiante.
Sob ingerência do modelo preservacionista, portanto, a Política Nacional do Meio
Ambiente foi recepcionada pela Constituição de 1988 e, desde sua edição, tem sofrido
diversas alterações, sendo a mais expressiva realizada pela Lei n. 11.284/06, que acrescentou
instrumentos econômicos à PNMA, como a concessão florestal, servidão ambiental, seguro
ambiental, entre outros [art. 9º, inc. XIII], e a mais recente, operada pela Lei n. 12.651/12, que
alterou os dispositivos referentes à servidão ambiental. 88

83
Cf. WALUCHOW, Wilfrid J. Inclusive legal positivism. USA: Oxford University Press, 1994.
84
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p. 42-9.
85
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução Conama n. 306, de 05 de julho de 2002. Publicada no
DOU n. 138, de 19 de julho de 2002, Seção I, páginas 75-76. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=306>. Acesso em: 20 jul. 2013.
86
Cf. BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. São
Paulo: Editora 34, 2010.
87
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Norhtfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 49-73.
88
Renúncia voluntária feita por um proprietário de área rural do direito de exploração de parte ou da
integralidade da área, permanente ou temporária, em favor de benefícios de ordem econômica.
48

Ressalte-se que determinados dispositivos da PNMA foram recepcionados pela Carta


Constitucional como Lei Complementar, o que se comprova pelas alterações introduzidas pela
LC n. 140/2011, que modificaram o art. 10, caput e §1º, e revogaram seus §§ 2º, 3º e 4º, no
que tange às competências para concessão de licenciamento ambiental, bem como o § 1º, do
art. 11, que fixava a competência do Ibama para fiscalização e controle da aplicação de
critérios, normas e padrões de qualidade ambiental – temas que têm fomentado acalorados
debates.
No ano de 1985, com a edição da Lei n. 7.487 - Lei da Ação Civil Pública, o rol de
legitimados para propor ação em defesa do meio ambiente foi ampliado, vez que até então,
contava-se apenas com a existência de dois instrumentos normativos: a Lei n. 4.717/65 – Lei
da Ação Popular [com redação dada pela Lei n. 6.513/77], à época detentora de parcas normas
procedimentais, mas em vigor até os dias atuais como um dos mais eloquentes instrumentos
de participação direta do cidadão nos rumos da democracia; e a própria PNMA, que atribui
legitimidade ativa ao Ministério Público para propositura de ação de responsabilidade por
danos ambientais.
Assim, a partir do advento da Lei Ação Civil Pública, o rol de legitimados é
ampliado - além do Ministério Público, atribuiu-se legitimidade ativa, ainda, à administração
direta e indireta, e às associações. Recentemente, à Defensoria Pública também foi conferida
legitimidade, a partir das alterações introduzidas pela Lei n. 11.448/2007. Ademais, coube à
LACP estabelecer de modo mais preciso as regras procedimentais cabíveis à tutela do meio
ambiente e aos demais direitos e interesses transindividuais, instrumentalizando
adequadamente as leis substantivas que a precederam, ao prever, por exemplo, o foro
competente, a tutela cautelar, o pedido, o rito, sentença, efeitos da coisa julgada, aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil, etc.
Foi o que ocorreu, igualmente, com o advento da Lei n. 8.078, de 1990, que instituiu
o Código de Defesa do Consumidor [decorrente da previsão constitucional estampada nos
arts. 5º, inc. XXXII, da CRFB/88, e 48, do ADCT].
A comissão de juristas designada pelo Conselho Nacional de Defesa do Consumidor
do Ministério da Justiça, composta pelos Doutores Ada Pellegrini Grinover, José Geraldo
Brito Filomeno, Daniel Roberto Fink, Kazuo Watanabe e Zelmo Denari, 89 prontamente,
identificou a lacuna deixada pela LACP no que dizia com a defesa dos direitos

89
Cf. Exposição de motivos do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ7E3E5AAEITEMID736B189700174E618C00EF8DA589D98CPTBRIE.
htm>. Acesso em: 20 jul. de 2013.
49

transindividuais em juízo, notadamente quanto às particularidades de suas três espécies de


representação [direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos] e quanto
aos efeitos e extensão da coisa julgada. Ressalte-se que o Código de Defesa do Consumidor
acrescentou o art. 21 à LACP, possibilitando a aplicabilidade das normas expressas no Título
III do CDC à defesa de todo e qualquer direito coletivo lato sensu, de modo que ambas as leis
conformam, hoje, o que se convencionou chamar de microssistema de processo coletivo,
conforme abordar-se-á adiante.
Os reflexos das concepções éticas ambientais na legislação brasileira, isto é, a
influência das correntes ético-filosóficas ambientais como o antropocentrismo puro, o
antropocentrismo mitigado e o não-antropocentrismo, no ordenamento jurídico brasileiro,
traduzem-se em diversas leis substantivas ambientais [além da PNMA, tida como marco
legislativo], bem como em múltiplos atos normativos editados pelo Ministério do Meio
Ambiente - MMA, Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, e pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis - Ibama. Em razão da extensa gama
de normas que regulamentam o tema, optar-se-á por uma breve análise daquelas que possuem
maior representatividade para o sistema normativo brasileiro - sem desmerecer as demais, sob
pena de desvirtuar o foco principal do presente estudo.
Dentre as leis mais relevantes no âmbito do Direito Ambiental, estão, portanto: a Lei
n. 9.433/97 [Política Nacional de Recursos Hídricos]; Lei n. 9.985/00 [Sistema Nacional das
Unidades de Conservação]; Lei n. 10.257/01 [Estatuto da Cidade]; e a Lei n. 12.187/09
[Política Nacional de Mudança do Clima]. E entre as mais recentes, a Lei Complementar n.
140/2011 [Licenciamento] e a Lei n. 12.651/2012 [Código Florestal].
Na Política Nacional de Recursos Hídricos, verifica-se que o legislador ao mesmo
tempo em que estabelece em seus fundamentos a água como recurso natural limitado, dotado
de valor de econômico [inc. II, do art. 1º, norma de caráter antropocêntrico puro], tendência
observada desde a edição do Código de Águas, de 1934, que tem por escopo promover a
racionalização deste bem, contempla também o Princípio da Solidariedade ou Equidade
Intergeracional, na medida em dispõe como um de seus objetivos assegurar à atual e às
futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados
aos respectivos usos [inc. I, do art. 2º, de caráter antropocêntrico mitigado].
Não obstante, no que tange ao tema do presente estudo, nota-se a presença do
Princípio da Participação Democrática, quando o legislador refere-se à gestão descentralizada
e participativa dos recursos hídricos [inc. VI, do art. 1º], com contornos do antropocentrismo
mitigado.
50

Publicada no ano 2000, a Lei n. 9.985, regulamenta os incisos I, II, III e VII, do § 1º,
do art. 225, da CRFB/88, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza – SNUC, e dá outras providências. Em seu art. 2º, traz diversas definições, com
destaque para as expressões conservação da natureza, recurso ambiental, preservação e uso
sustentável. Contempla, de forma concomitante, unidades de proteção integral, de viés
preservacionista, e unidades de uso sustentável, de caráter conservacionista [art. 7º, incisos e
parágrafos].
O destaque desta Lei vai para o art. 26 [regulamentado pelo Capítulo III, do Decreto
n. 4.320/02], o qual prevê a gestão integrada e participativa de um complexo de unidades de
conservação heterogêneas ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, de modo que
constituam um mosaico. Este dispositivo coloca em evidência a preocupação do legislador
infraconstitucional em harmonizar os direitos e interesses, também expressos na Constituição,
de proteção integral do meio ambiente e desenvolvimento econômico sustentável, de caráter
antropocêntrico mitigado e também, em certa medida, antropocêntrico puro.
Outra norma que merece registro é a Lei n. 10.257/01 - Estatuto da Cidade, que
regulamenta os arts. 182 e 183 da CRFB/88, estabelece diretrizes gerais da política urbana e
dá outras providências. Para o que interessa ao presente estudo, merecem nota os incisos I e II
do art. 2º, que estabelecem como diretrizes gerais da Política Urbana, a garantia do direito a
cidades sustentáveis para as presentes e futuras gerações e a gestão democrática nos planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano.
Não poder-se-ia deixar de mencionar a regulamentação do Plano Diretor, previsto
constitucionalmente como instrumento que visa garantir a função social da propriedade
urbana, de caráter obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes [art. 41, inc. I],
que deverá contar com a participação da população e de associações através da promoção de
audiências públicas em seu processo de elaboração e fiscalização de sua implementação [art.
40, § 4º , inc. I]. 90
No Capítulo IV, do Estatuto, que trata da Gestão Democrática da Cidade, mais uma
vez o legislador ressalta a importância da realização de debates, audiências e consultas
públicas, inclusive no que se refere à gestão orçamentária participativa, bem como permite a
iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano, numa clara referência ao Princípio Ambiental da Participação Democrática, com
características do antropocentrismo mitigado.

90
As disposições contidas no Estatuto da Cidade referentes ao Plano Diretor [Capítulo III], receberem recentes
alterações, introduzidas pela Lei n. 12.608/2012.
51

Em razão, notadamente, das pesquisas realizadas pelo Painel Intergovernamental


sobre Mudança do Clima – IPCC, da ONU, que teve seu Quarto Relatório [AR4] divulgado
no início do ano de 2007, o qual previu os efeitos negativos que poderão advir em virtude do
aquecimento global, 91 tem-se, no âmbito nacional, a publicação da Lei n. 12.187/09, que
instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima [PNMC] – norma que, a despeito de
seus meros treze artigos, contempla importantes escolhas do legislador.
No que concerne aos fins desta breve análise, sublinham-se, nesta norma, o caput, do
art. 3º, que determina a observância dos Princípios Fundamentais Ambientais, a saber:
Princípio da Precaução, Prevenção, Participação Cidadã [ou Democrática], Desenvolvimento
Sustentável, e das Responsabilidades Comuns, porém diferenciadas [este último de âmbito
internacional]; bem como o parágrafo único, do art. 4º, o qual prevê que, para a consecução
dos sete objetivos da PNMC, estes deverão estar em consonância com o desenvolvimento
sustentável, como forma de buscar o crescimento econômico, a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais – norma de caráter antropocêntrico puro.
Dentre as mais recentes inovações legislativas, destacam-se a Lei Complementar n.
140/2011 e a Lei n. 12.651/2012, que instituiu o novo Código Florestal.
A LC n. 140/2011, tem por objetivo a fixação de normas para cooperação entre os
entes federados em ações administrativas decorrentes de competência comum, relativas à
temática ambiental. Foi estatuída com fundamento nos incisos III, VI, e VII, do caput, e
parágrafo único [este com redação determinada pela EC n. 53, de 2006], do art. 23, da
CRFB/88, com vistas ao equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
O inc. III, do art. 3º da referida Lei, estabelece como objetivo fundamental dos entes
federados a harmonização das políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de
atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma
atuação administrativa eficiente, sobretudo, tendo em vista a ocorrência de reiteradas
divergências de posicionamento entre órgãos federais, estaduais, distritais e municipais,
quando da emissão de licenças ou autorizações para exploração de bens ambientais.
Desta forma, foram estabelecidos basicamente cinco instrumentos de cooperação
[art. 4º], dentre os quais está a previsão de criação de uma Comissão Tripartite Nacional,
Comissões Tripartites Estaduais e uma Comissão Bipartite do Distrito Federal, formadas,
paritariamente, por representantes do Poder Executivo, com o objetivo de fomentar a gestão
ambiental compartilhada e descentralizada. Fato é que, na composição de tais Comissões, a

91
Cf. <http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html>. Acesso em: 20 jul. 2013.
52

sociedade civil não foi contemplada de forma expressa, o que colocaria em xeque o Princípio
Ambiental da Participação Democrática. Outra crítica que se faz, diz respeito ao termo
tipologia, estabelecido pela alínea h, inc. XIV, do art. 7º, que permitiria a criação de novos
tipos ou novas licenças ambientais por mero ato do Executivo, verbis:

Art. 7o São ações administrativas da União: [...] XIV - promover o


licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:[...] h) que
atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de
proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de
um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente [Conama], e
considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da
atividade ou empreendimento.

Ressalte-se que os §§ 2º, 3º e 4º, do art. 10, e o § 1º, do art. 11, da PNMA, que
dispunham acerca da repartição de competências para emissão de licenciamento, foram
revogados pela nova lei. Para Antunes, a ‘estadualização’ do licenciamento ambiental
corresponde à salutar medida de descentralização administrativa e de consequente economia
de recursos públicos e privados, 92 vez que anteriormente à edição da LC n. 140/2011, havia a
prevalência da atuação do órgão federal, Ibama, sobre os demais, de modo a gerar uma
delonga burocrática que trazia prejuízos de variadas ordens, em especial, aos interesses
econômicos e sociais.
A Lei n. 12.651/2012, chamada de Novo Código Florestal, revogou o antigo texto da
Lei n. 4.771/1965, também chamado de novo, vez que revogou o Decreto nº 23.793/1934,
primeiro Código Florestal brasileiro. O embate entre ruralistas e ambientalistas foi grande
para a aprovação da nova lei e alguns pontos ainda são considerados polêmicos, mesmo após
os vetos da Presidência e a publicação da Lei n. 12.727/2012, resultado da conversão da
Medida Provisória n. 571/2012.
Os maiores conflitos ficaram por conta da redução das faixas mínimas de
preservação previstas para as Áreas de Preservação Permanentes – APP’s [art. 4º], diminuição
das zonas de Reserva Legal [em especial, §5º, do art. 12], bem como a anistia referente às
multas aplicadas após o advento da Lei n. 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais, quanto às
áreas já consolidadas quando da entrada em vigor da referida lei [22 de julho de 2008].
Atualmente, tais matérias se encontram em discussão no Supremo Tribunal Federal,
em virtude da propositura de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade com pedido de
Medida Cautelar [ADI’s 4901, 4902 e 4903], distribuídas em janeiro de 2013 e subscritas pela
Procuradora-Geral da República em exercício à época, Sandra Cureau, as quais estão sob
92
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, p. 219.
53

relatoria do Min. Luiz Fux. Vale ressaltar, a admissão, até a presente data, de três amici
curiae nestas ações: a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica
– APINE; a Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE; e o Partido do
Movimento Democrático do Brasil – PMDB. Em razão do deferimento do pedido de rito
abreviado previsto no art. 12, da Lei n. 9.868/99, espera-se que o julgamento dê-se tão logo
quanto possível, encerrando de forma definitiva o impasse.
Na presente lei, verificam-se influências de três das correntes ético-filosóficas, na
medida em que o legislador previu, v.g., nos incs. I, II e III, do parágrafo único, do art. 1º-A, o
seguinte:

Parágrafo único. Tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável, esta


Lei atenderá aos seguintes princípios: (Incluído pela Lei nº 12.727, de
2012).
I - afirmação do compromisso soberano do Brasil com a preservação das
suas florestas e demais formas de vegetação nativa, bem como da
biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e da integridade do sistema
climático, para o bem estar das gerações presentes e futuras; (Incluído
pela Lei nº 12.727, de 2012).
II - reafirmação da importância da função estratégica da atividade
agropecuária e do papel das florestas e demais formas de vegetação nativa
na sustentabilidade, no crescimento econômico, na melhoria da qualidade
de vida da população brasileira e na presença do País nos mercados
nacional e internacional de alimentos e bioenergia; (Incluído pela Lei nº
12.727, de 2012).
III - ação governamental de proteção e uso sustentável de florestas,
consagrando o compromisso do País com a compatibilização e
harmonização entre o uso produtivo da terra e a preservação da água, do
solo e da vegetação; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

Noções como a proposta no inc. I, de preservação das suas florestas e demais formas
de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e da
integridade do sistema climático, para o bem estar das presentes e futuras gerações, integram
as três correntes éticas, assim como os conceitos de sustentabilidade e crescimento econômico
contidos no inc. II. O destaque fica com o inc. III que propõe a compatibilização e
harmonização entre o uso produtivo da terra e a preservação da água, do solo e da
vegetação, em verdadeira concordância com os princípios e as correntes que informam todo o
sistema jurídico ambiental.
Feita esta breve análise das principais leis ambientais que conformam a ordem
infraconstitucional, tem-se que há uma nítida intenção do legislador ordinário em procurar
harmonizar, de forma concomitante, referências antropocêntricas puras, mitigadas e não
antropocêntricas, de modo a compatibilizar os direitos e interesses econômicos, sociais,
54

culturais e ambientais, a fim de estabilizar as relações jurídicas e permitir o desenvolvimento


econômico do país dentro dos contornos da sustentabilidade.
Não se trata de tarefa fácil, visto que muitas vezes os direitos fundamentais são
colocados em situação de conflito, como se percebe nitidamente no caso do Novo Código
Florestal, no qual a Corte Suprema terá a incumbência de analisar a compatibilidade da
referida lei aos valores consagrados pela Constituição.
Nas palavras de Antunes: [...] o grande desafio para a nossa sociedade é proteger o
meio ambiente em um regime democrático, federalista e constitucional. 93 Sem embargo,
acredita-se na existência de um equilíbrio de forças presente na Magna Carta e no sistema de
leis ordinárias, regulamentos e resoluções que abordam o tema, justamente em razão desta
pluralidade de valores e de correntes ético-filosóficas que os permeiam, responsáveis por
contemplar todos os direitos e interesses, na medida de suas respectivas relevâncias para o
país, para a coletividade, para as presentes e futuras gerações e para a vida em geral.
Após a análise dos contornos do Direito Ambiental na ordem constitucional nacional
e internacional, bem como os reflexos das correntes ético-filosóficas no ordenamento jurídico,
passar-se-á ao exame da tutela ofertada pelo sistema ao bem ambiental, considerado a partir
de seu caráter transindividual.

93
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, p. 101.
55

2 A TUTELA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE NO DIREITO BRASILEIRO

Direitos humanos fundamentais que são, o meio ambiente ecologicamente


equilibrado e a sadia qualidade de vida, previstos em nossa Constituição, devem nortear a
atuação do operador do direito contemporâneo, a fim de possibilitar, por intermédio de um
raciocínio sistemático e teleológico, a adequação do procedimento jurisdicional aos fins
94
objetivados pelo direito material, promovendo assim, a concretização dos valores
consagrados na Carta Magna.
O bem ambiental, em razão de suas peculiaridades e em especial, pelo seu caráter
imaterial e difuso, reclama um procedimento conformado às suas necessidades, um
procedimento capaz de garantir sua tutela efetiva, em respeito aos princípios constitucionais e
aos direitos fundamentais e, ainda, hábil à produção de decisões jurídicas justas e legítimas.
A despeito da evolução legislativa no que concerne à proteção dos direitos difusos e
coletivos lato sensu, alcançada especialmente pelo advento da Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação
Civil Pública, e da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, verifica-se que no
processo civil brasileiro, de lege lata, ainda remanescem muitas características oriundas dos
preceitos do Estado Liberal, no qual os direitos e liberdades individuais, o formalismo e a
legalidade tinham ampla prevalência.
Com a revolução industrial e tecnológica e o surgimento da sociedade de massa,
constataram-se novas demandas sociais relacionadas, sobretudo, ao direto ambiental e do
consumidor, forçando os ordenamentos jurídicos a adequarem-se às exigências desses novos
direitos. Ressalte-se, que muitas das barreiras ao acesso à justiça apresentadas por Cappelletti
e Garth no Projeto Florença, das décadas de 60 e 70, já se encontram, de certa maneira,
suplantadas formalmente pelo sistema processual coletivo brasileiro atual, embora sua efetiva
superação se depare com alguns limites na prática, especialmente no que diz com a tutela do
bem ambiental, conforme se objetiva demonstrar.
Dentre alguns dos progressos alcançados, citam-se: a ampliação da atuação do
magistrado, com maior liberdade na utilização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados; a possibilidade de inversão do ônus da prova em causas consumeristas; a
eficácia erga omnes da sentença de procedência, em se tratando de direitos difusos e
individuais homogêneos; a coisa julgada secundum eventum litis - segundo o resultado da
lide, e secundum eventum probationis - segundo o resultado probatório; a ampliação da coisa

94
Expressão utilizada por Luiz Guilherme Marinoni, in: Curso de processo civil. Teoria Geral do Processo. 6.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, V. 1, passim.
56

julgada subjetiva com possibilidade de seu transporte in utilibus para demandas individuais,
entre outros.
Na contramão das correntes que propõem um minimalismo judicial,95 verificam-se
pressões econômicas e desenvolvimentistas, exercidas por determinados setores da sociedade
e, comumente, pelo próprio Poder Público, levantando situações de grande conflituosidade
quando confrontadas com o direito fundamental ao meio ambiente – o que torna a análise de
tais questões pelo Judiciário bastante recorrente e, por vezes, imprescindível, em razão das
particularidades que revestem o direito ambiental, sob pena de restar aos direitos e interesses
transindividuais, tão somente, a tutela compensatória [também chamada de tutela pelo
equivalente monetário].
A partir da análise sistemática do texto constitucional e da legislação em vigor,
verifica-se a abertura necessária para o desenvolvimento dessa nova perspectiva, bastando
apenas que se trabalhem as possibilidades a partir de escolhas democráticas, capazes de
legitimar as decisões jurisdicionais, em uma conformação adequada da ordem jurídica aos
preceitos constitucionais.
Desta forma, no capítulo corrente, apresentar-se-á um exame da tutela jurisdicional
coletiva conferida ao meio ambiente pelo ordenamento brasileiro, bem como seus
consectários nas esferas civil e processual civil, para no capítulo subsequente, alcançar-se a
questão nodal da presente pesquisa, qual seja, a premente necessidade e possibilidade de
intervenção do amicus curiae no processo coletivo ambiental.
Para tanto, examinar-se-ão: a evolução da tutela dos direitos e interesses
transindividuais, bem como sua categorização no sistema brasileiro; os legitimados ativos e
passivos nas ações de tutela do meio ambiente; a ocorrência do dano ambiental e a proteção
ofertada pela legislação constitucional e infraconstitucional; e por fim, não obstante a
complexidade com a qual o tema se apresenta, e ainda, a iminência do advento de nova
legislação, optou-se por uma breve análise de um aspecto processual de extrema relevância na
proteção do bem ambiental: a tutela específica da obrigação.

95
Cf. SUSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. New York: Oxford University Press, 1996.
57

2.1 DIREITOS E INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS

A partir de meados do século XX, com o fim da Segunda Grande Guerra, observou-
se a formação da denominada sociedade de massa, na qual os bens, particularmente de
natureza difusa, passaram a ser objeto de maior preocupação pela comunidade científica, o
que repercutiu, igualmente, de modo notório, nas ciências jurídicas e sociais aplicadas.
Logo, neste subitem, analisar-se-ão, alguns dos aspectos mais relevantes para a atual
constituição dos direitos e interesses transindividuais, desde sua formação e seu papel junto à
sociedade contemporânea aos seus conceitos em suas mais variadas vertentes.
Neste aspecto, imprescindível se faz a referência à expressiva pesquisa realizada por
Cappelletti e Garth, nas décadas de 60 e 70. O ensaio intitulado Access to Justice: The
Worldwide Movement to Make Rigths Effective. A General Report. foi publicado no ano de
1978, fruto de amplos e longos estudos chefiados pelos juristas Mauro Cappelletti [Itália] e
Bryant Garth [Estados Unidos], traduzido para língua portuguesa em 1988, pela ex-ministra
do STF, Ellen Gracie Northfleet. 96
À época de sua elaboração, os juristas utilizaram-se dos dados do denominado
Projeto Florença para identificar a evolução do conceito de acesso à justiça; as diversas
barreiras que impediam o seu acesso efetivo; a propositura de soluções práticas, considerados
os modelos de diversos países, notadamente, dos mais desenvolvidos [localizados no
hemisfério norte - inclusive Japão], e da Austrália; assim como a importância da utilização de
um Novo Enfoque de Acesso à Justiça.
É o que doravante passar-se-á a apreciar.

2.1.1 Projeto Florença

Concebido pelos autores como o mais básico dos direitos humanos, na medida em
que se configura como último patamar na efetivação dos direitos civis e sociais [ponto
pacífico na processualística contemporânea], o efetivo acesso à justiça, a despeito de todos os
esforços, pelo menos no que tange à realidade brasileira, ainda se depara, em parte, com os
mesmos entraves, identificados há quase meio século: elevadas custas judiciais; altos
honorários; delonga na conclusão das demandas [vantagem pela qual se sobrepõem os mais
abastados e as grandes organizações]; a falta de instrução e disposição da população carente

96
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Norhtfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988.
58

para o reconhecimento de seus direitos, em especial, no que diz com aqueles não tradicionais,
como o direito ambiental; a preeminência dos litigantes habituais [grandes empresas] em face
dos eventuais, entre outros. 97
Como forma de superar tais entraves, estabeleceram as denominadas ondas
renovatórias, capazes de produzir soluções imediatas e versáteis às principais dificuldades
enfrentadas pela coletividade na concretização de seus direitos.
A primeira onda renovatória trata da assistência judiciária aos pobres [reconhecidos
estes em sua acepção jurídica]; a segunda onda, diz respeito às reformas tendentes a
proporcionar a devida representação dos interesses difusos, com ênfase nas áreas de proteção
ambiental e defesa do consumidor, que começavam a despontar à época; e finalmente, a
terceira onda, denominada de novo enfoque de acesso à justiça, a qual inclui os
posicionamentos anteriores e vai mais além, numa tentativa de aplacar os elencados
obstáculos, simultaneamente, de modo ágil e flexível. 98
No que mais importa ao presente item [direitos e interesses transindividuais ou
coletivos lato sensu], os pesquisadores, num primeiro momento, descrevem a problemática
enfrentada pelos titulares desses direitos: a) em sua maioria, o prêmio individual é pequeno
demais; b) indenizam-se apenas os prejuízos particulares e não os públicos; c) a demanda
individual é insuficiente para o cumprimento da lei, ressaltando a necessidade de conexão de
processos; d) as partes estão dispersas, desinformadas e sem estratégia comum, o que impede
uma ação coordenada de grupo a fim de que o pedido seja expresso e unificado; e) muitos
países confiam apenas na máquina governamental para defesa dos interesses difusos,
impedindo qualquer ação privada 99 – fato que representa um dos maiores obstáculos, sabido
que por diversas vezes os interesses públicos estatais [interesses secundários ou fazendários100
do Estado] vão diretamente de encontro aos interesses públicos da coletividade [interesses
públicos propriamente ditos, ou primários, do Estado]. Nestas circunstâncias, Mello atenta
para o fato de que [...] o Estado, [...] só poderá defender seus próprios interesses privados
quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam
com a realização deles. 101

97
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 09-26.
98
Ibid., p. 31-73.
99
Ibid., p. 26-8.
100
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. Conceito e legitimação para agir. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013, p. 30. Nesta expressão, Mancuso refere-se ao administrativista italiano Renato
Alessi, em sua obra Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano. 3. ed. Milão: Giuffrè, 1960, p. 197-
8.
101
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2011, p. 66.
59

E, por fim, f) a existência de um mesmo fator complicador inerente a todos os


obstáculos: Muitos problemas de acesso são inter-relacionados, e as mudanças tendentes a
melhorar o acesso por uma lado podem exacerbar barreiras por outro. 102
O sistema norte-americano da década de 70 é apontado pelos estudiosos como o mais
avançado modelo de representação dos interesses difusos, notadamente em razão da
existência da class action – a qual permite que, em certas circunstâncias, uma ação vincule os
membros ausentes de determinada classe, a despeito do fato de eles não terem tido qualquer
informação prévia sobre o processo. 103 Vale ressaltar, neste ponto, a importância das class
actions na construção do modelo brasileiro de tutela dos interesses transindividuais,
representado pela Lei da Ação Civil Pública, conforme abordar-se-á adiante.
Citam ainda, três técnicas de representação dos interesses difusos, momento em que
se aborda a questão da legitimidade ativa – estas técnicas incluem-se, portanto, na
denominada segunda onda renovatória.
A primeira técnica concerne à Ação Governamental, que segundo os autores, não
tem demonstrado êxito, em especial, pelo fato de que os órgãos subsidiados pelo sistema
público estão sempre sujeitos a pressões políticas. A despeito da existência de modelos
diversos [Ministérios Públicos europeus da common e civil law, incluindo-se os sistemas
alemão e soviético; o Ministério Público e demais sistemas americanos; e o Ombusdman do
Consumidor sueco], verificam-se contingências as quais deixam o poder estatal,
frequentemente, a mercê da lentidão, intransigência e apatia, prejudicando-o no desempenho
de suas atividades. 104
A segunda técnica é representada pela utilização da figura do Procurador-Geral
Privado, uma espécie de demandante ideológico, que tem por finalidade auxiliar a ação
governamental. Por intermédio desta alternativa, há a possibilidade de grupos financiarem
ações individuais como casos-teste – modalidade utilizada, principalmente, na seara
ambiental. 105
E, por fim, a terceira técnica, multifacetada, exercida pelo Advogado Particular do
Interesse Público. Esta técnica implicaria dois níveis de reforma. Primeiramente, o
reconhecimento de grupos e de sua legitimidade ativa na propositura de ações coletivas,
retirando do Ministério Público e demais representantes governamentais, a legitimidade
exclusiva. Em um segundo momento, o reconhecimento da necessidade de organização e

102
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 29.
103
Ibid., p. 50-1.
104
Ibid., p. 51-5.
105
Ibid., p. 55.
60

fortalecimento desses grupos, o que é evidenciado, pela perspectiva dos autores, no modelo
norte-americano.
Este destaque é resultado da junção de instrumentos processuais e entidades
particulares e públicas: as class actions [ações coletivas], as ações de interesse público,
sociedades [frise-se, particulares] de advogados de interesse público, somada à assessoria
pública [ou advogado público]. 106
Finalmente, os pesquisadores concluem que, em razão das vantagens e desvantagens
apresentadas por cada uma das opções, uma solução pluralística ou mista representaria a
melhor resposta para o complexo tema da representação dos interesses difusos, mormente em
razão das dificuldades práticas e financeiras para a reunião permanente de grupos de
indivíduos na defesa de seus direitos. Para sua adequada representação, haveria necessidade
de uma eficiente ação de grupos particulares, sempre que possível. 107 A barreira decorrente
desta eficiente ação de grupos poderia ser, desta forma, suplantada através da combinação
integrada das diversas propostas.
Todavia, sem embargo das relevantes constatações no que tange à efetiva
representatividade dos interesses difusos, o ponto alto do ensaio configura-se no
reconhecimento da imprescindibilidade de um Novo Enfoque de Acesso à Justiça [terceira
onda renovatória]: a concepção de métodos alternativos, instituições e procedimentos
especiais, judiciais e extrajudiciais, capazes de satisfazer de forma adequada e eficiente e, até
mesmo, prevenir, os litígios decorrentes dos novos direitos [em especial, do consumidor e
ambiental], com vistas à superação do paradigma do processo civil clássico, fundado nos
valores do Estado Liberal, que tem como um de seus principais corolários a estrita legalidade,
adequando-o às disputas oriundas das sociedades modernas. 108
Por conseguinte, relacionam e exemplificam, exaustivamente, as tendências no uso
do Enfoque do Acesso à Justiça, as quais, em termos gerais, referem-se à: a) reformas dos
procedimentos judiciais [oralidade; livre apreciação da prova; concentração do procedimento;
contato imediato entre as partes; juízos de instrução]; b) métodos alternativos de solução de
conflitos judiciais [juízo arbitral; conciliação; incentivos econômicos]; c) especialização de
instituições e procedimentos judiciais com foco na justiça social [procedimentos para
pequenas causas; tribunais de vizinhança; tribunais especiais para demandas de consumidores;
e mecanismos especializados com ênfase, nos direitos do consumidor e ambiental e também,

106
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 56-65.
107
Ibid., p. 66-7.
108
Ibid., p. 67-73.
61

nas áreas trabalhista, do inquilinato e da probidade administrativa]; d) utilização de


parajurídicos [assistentes jurídicos com diversos graus de treinamento em Direito], planos de
convênio e seguro de despesas jurídicas; e, por fim, e) a simplificação do Direito: a
coexistência integrada de todas essas tendências, somadas à criatividade e à ousadia do
operador do direito, brindarão o verdadeiro tom do Enfoque do Acesso à Justiça. 109
Ao final, os pesquisadores elaboram, de modo sucinto, importantes alertas acerca das
reformas e modelos sugestionados, e das técnicas vigentes: tais não podem, nem devem,
servir de parâmetro para restruturações políticas e sociais; as mudanças devem ser
acompanhadas de exames sistemáticos sob pena de inadequados transplantes; 110 a demasiada
especialização dos tribunais pode acarretar o estreitamento da compreensão dos magistrados
acerca do Direito como um todo; a simplificação do procedimento pode trazer complicações
na medida em que, em geral, os problemas de acesso são interdependentes – e, nesse sentido,
há grandes chances de que procedimentos hábeis e inovadores mitiguem certas garantias
processuais. Dessarte, os autores são enfáticos:

[...] a pressão sobre o sistema judiciário, no sentido de reduzir a sua carga


e encontrar procedimentos ‘ainda mais baratos’, cresce dramaticamente.
Não se pode permitir que essa pressão, que já é sentida, venha a subverter
os fundamentos de um procedimento justo. Neste estudo, falamos de uma
mudança na hierarquia dos valores no processo civil – de um desvio no
sentido do valor da acessibilidade. No entanto, uma mudança na direção de
um significado mais ‘social’ da justiça não quer dizer que o conjunto de
valores do procedimento tradicional deva ser sacrificado. Em nenhuma
circunstância devemos estar dispostos a ‘vender nossa alma.’ 111

Logo, há o reconhecimento de que a celeridade do procedimento e o barateamento


das despesas com pessoal possam, sim, converterem-se em algumas pechas. Todavia,
salientam que o Enfoque de Acesso à Justiça, tem por escopo principal não a realização de
uma justiça fraca, ou estéril, ou, nas palavras dos juristas, mais pobre, 112 mas sim, a
concretização da igualdade material de todos perante a lei, como paradigma do Estado vigente
à época. 113
A legislação brasileira evoluiu sobremaneira no que tange à proteção dos direitos e
interesses transindividuais, identificados, especialmente, a partir da segunda metade do século

109
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 75-159.
110
Sobre o tema, cf. TWINING, William. General jurisprudence: understanding law from the global
perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
111
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B., op. cit., p. 164.
112
Ibid., p. 165.
113
Ibid., p. 161-5.
62

passado, após o fim da Segunda Guerra Mundial, conforme já mencionado. A revolução


tecnológica, a sociedade de massa e o processo de globalização da economia, determinaram
uma ampla modificação no sistema jurídico de diversos países, inclusive no sistema brasileiro.
Vale ressaltar, que no séc. XXI, a revolução digital, fruto da revolução tecnológica,
continua a demandar constantes alterações legislativas que sejam capazes de regular e impor
limites às novas situações criadas em decorrência dos avanços da tecnologia da informação. 114
Nada obstante, tais transformações, como não poderiam deixar de ser, repercutiram
nas ciências jurídicas e sociais aplicadas, de modo que, tanto a doutrina, quanto a práxis,
passaram a identificar a impropriedade da tradicional dicotomia Direito Público e Privado: os
conflitos de interesses, não mais se relacionavam apenas às situações entre particulares ou
entre um particular e o Estado, mas às questões coletivas, que englobam um número
indeterminado de indivíduos. Neste aspecto, Cappelletti e Garth já haviam antecipado: A
visão individualista do devido processo judicial está se fundindo a uma concepção social,
coletiva. Apenas tal transformação pode assegurar a realização dos direitos públicos
relativos a interesses difusos. 115
Veja-se a razão para tal argumento e de que modo este raciocínio foi reproduzido no
ordenamento brasileiro.

2.1.2 Categorias de direitos

A Lei de Le Chapelier, instituída na França durante o período revolucionário [1791],


foi uma clara tentativa do Estado em conter a organização de grupos corporativos, proibindo
coalisões e o direito de greve. Entretanto, nas lições de Mancuso, A vedação normativa, por
óbvio, não foi capaz de alterar a natureza gregária do ser humano; as pessoas tendem a se
associar, a formar grupos. De modo que não se pode, por via institucional, contrariar a
natureza humana. 116
Tal conjuntura decorre da transição de um Estado monocrático, governado pelas leis,
para um Estado telocrático que se funda na realização de programas normativos, de políticas
públicas, com aptidão ao atendimento das necessidades coletivas. 117 Esta transição demonstra,

114
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang [org.]. Direitos fundamentais, informática e comunicação. Algumas
aproximações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. E ainda: HARTMANN, Ivar Alberto Martins.
Ecodemocracia. A proteção do meio ambiente no ciberespaço. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
115
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 165.
116
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 44.
117
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 39, em referência à explanação feita por Fábio Konder
Comparato.
63

claramente, a insuficiência da clássica summa divisio na legitimação e importância dos


interesses coletivos lato sensu, na medida em que não se igualam aos interesses públicos,
tampouco aos privados: são interesses que representam ideais de entes intermediários.
A paulatina ascensão dos direitos de terceiros outrora excluídos nos ordenamentos de
diversos países demonstra que a sua união realmente os torna mais representativos e com
maior influência nos centros de poder, de modo que se visualiza, hodiernamente, o crescente
número de associações, sindicatos, grupos de cooperados, etc.
Neste aspecto, Almeida adota posicionamento vanguardista na doutrina brasileira, ao
afirmar que, a Constituição da República de 1988, adotou, de modo irrefutável, no Capítulo I,
de seu Título II [Dos direitos e deveres individuais e coletivos], uma nova summa divisio:
Direito Individual e Direito Coletivo, a inaugurar a compreensão do direito não apenas a
partir de seu plano de validade, mas também, e principalmente, da perspectiva de sua
efetividade, isto é, da materialização das normas constitucionais.
Em suas palavras: Essa nova diretriz constitucional deve ser um paradigma para a
intepretação das reformas do sistema jurídico brasileiro, inclusive, e, especialmente, o
processual, diretamente ligado com a problemática do acesso à justiça. 118 Uma arrojada
compreensão que se amolda perfeitamente às características e necessidades dos direitos
transindividuais.
Nada obstante, passa-se a analisar a maneira pela qual o ordenamento jurídico pátrio
aborda o tema.
O microssistema brasileiro de processo coletivo, composto, sobretudo, pela Lei da
Ação Civil Pública, Lei n. 7.347/85, e pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei n.
8.078/90, inspirado no direito comparado, configura-se como aprimorada junção dos modelos
Europeu-Continental [Verbandsklage], e Norte-Americano [Class Actions], e ainda,
acrescenta outros instrumentos, como por exemplo, no que diz com os aspectos relativos à
legitimação e coisa julgada, que acabam por concebê-lo como referência internacional na
tutela coletiva dos direitos transindividuais.
Significativa análise do tema é feita por Grinover, Watanabe e Mullenix, na obra
intitulada Os Processos Coletivos nos Países de Civil Law e Common Law, na qual são
apresentados aos interlocutores dois Relatórios Gerais e um Relatório Síntese, com as

118
SOARES JÚNIOR, Jarbas; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza; PITOMBEIRA, Sheila Cavalcante.
Efetividade da tutela ambiental. Textos extraídos das palestras proferidas durante o VII Congresso Brasileiro do
Ministério Público de Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 27. Para estudo mais acurado, cf.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo. Superação da summa divisio direito público e direito
privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
64

principais conclusões obtidas no XIII Congresso Mundial de Processual Civil Salvador-Bahia,


realizado entre os dias 16 e 22 de setembro de 2007. 119
Mas em que consistem os direitos transindividuais ou metaindividuais? Qual o
motivo para tal definição?
Tal é a retórica indagação de Mancuso: [...] tertium non datur? Sim, há um tertium,
representados pelos interesses que são ‘menos’ do que o interesse público, e ‘mais’ do que os
interesses privados: os interesses coletivos, aglutinados nos grupos sociais intermediários. 120
O legislador ao mencionar que os interesses ou direitos coletivos lato sensu são
transindividuais, pretendeu destacar que eles, assim como os difusos, transcendem o indivíduo,
ultrapassando o limite da esfera de direitos e obrigações de cunho individual.
Alguns autores optam pela expressão transindividual, outros metaindividual, 121 mas a
realidade é que esta divergente nomenclatura pouco influi na práxis jurídica para a
identificação de direitos ou interesses que englobem um número indeterminado de sujeitos.
Deste modo, a Lei n. 8.078/90 tratou de preencher a lacuna deixada, cinco anos
antes, pela LACP, ao estabelecer tratamento diferenciado aos interesses transindividuais ou
coletivos lato sensu, os quais já recebiam guarida legislativa, conforme explanado do Capítulo
Primeiro.
Assim, a Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor os subdividiu em três
categorias definidas, a fim de possibilitar uma tutela mais efetiva, classificando-os, nos
incisos de seu art. 81, como interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos, e
por fim, interesses ou direitos individuais homogêneos.
A par da teórica diferenciação entre direitos e interesses, ou entre os aspectos
terminológicos de interesses social, geral, e público, que se afastam de certa maneira da
discussão principal do presente trabalho, tem-se que, tanto os direitos ou interesses difusos,
quanto os direitos ou interesses coletivos em sentido estrito, são classificados como
transindividuais, de natureza indivisível, no sentido de que se configuram como
essencialmente coletivos, assim como a conceituação conferida aos direitos e interesses

119
Para tanto, cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos
coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado. 2 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, passim.
120
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 47.
121
Vide as seguintes obras, respectivamente: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo.
24. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, passim; MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, passim.
65

individuais homogêneos, considerados como acidentalmente coletivos, na medida em que, por


inesperada contingência, acabaram por se aglutinar. 122
Destarte, a classificação segue da seguinte maneira: interesses ou direitos difusos,
que conforme determinação expressa do inc. I, do parágrafo único, do art. 81 da LACP,
caracterizam-se como os de natureza indivisível, nos quais os titulares são pessoas
indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato. Frise-se que não há que se falar em
qualquer forma de inter-relacionamento entre tais, que implique em um liame de
características jurídicas.
Mancuso cita como importantes características dos direitos difusos, além da
indeterminação dos sujeitos e a indivisibilidade do objeto, a intensa conflituosidade interna, e
sua duração efêmera, contingencial. 123
Quanto à indeterminação dos sujeitos, portanto, o autor explana que esta
característica advém de condições diversas que proporcionam seu agrupamento, como v.g., o
fato de habitarem certa região, de consumirem certo produto, de viverem numa certa
comunidade, por comungarem pretensões semelhantes, por serem afetados pelo mesmo
evento originário de obra humana ou da natureza etc. 124
Logo, tem-se, na seara ambiental, os casos de poluição sonora, poluição visual, por
resíduos sólidos, entre outros.
Segundo o mesmo autor, o que determina a indivisibilidade do objeto, e por
conseguinte, sua segunda característica, É essa uniformidade de conteúdo, 125 ao passo que
Encontram-se os interesses difusos entre os habitantes de uma mesma localidade; entre os
que consomem um mesmo produto; entre os que estão sujeitos às emanações nocivas de uma
mesma indústria, etc. 126
No que tange à intensa litigiosidade interna, há que se lembrar ao leitor de que os
interesses difusos tratam de direitos esparsos, que conforme a definição própria do inc. I, do
parágrafo único, do art. 81, do CDC, possuem natureza indivisível e titulares indeterminados,
muito embora sejam ligados por circunstâncias fáticas. É dizer, nem sempre todos os
interesses estarão em coalizão. Há casos, e em não poucos deles, em que o magistrado
encontrar-se-á frente a dois ou mais direitos igualmente importantes, o que redundará em
escolhas políticas:

122
DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo,
7. ed., V. 4. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 75. Em referência a classificação feita por Barbosa Moreira.
123
Cf. MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 97 et seq.
124
Ibid., p. 99.
125
Ibid., p. 104.
126
Idem.
66

O que se dessume desse entrechoque de massas de interesses é que os


conflitos daí resultantes não guardam as características dos conflitos
interssubjetivos tradicionalmente concebidos na fórmula “Tício versus
Caio”, nem tampouco se reduzem aos conflitos que contrapõem interesses
coletivos já organizados e bem delineados como os dissídios trabalhistas,
mas, ao contrário, apresentam contornos diversos: não se trata de
controvérsias envolvendo situações jurídicas definidas (por exemplo, A se
julga credor de B, que resiste àquela pretensão), mas de litígios que têm por
causa remota verdadeiras escolhas políticas. 127

Com efeito, neste aspecto o direito ao meio ambiente equilibrado encontrar-se-á,


constantemente, em conflito com outros direitos, a saber: o direito ao desenvolvimento da
indústria, o direito à construção de hidrelétricas, ao desenvolvimento do turismo, do
agronegócio, entre outros. E é neste aspecto que o autor se refere às escolhas políticas que
haverão de ser ponderadas visando à sadia qualidade de vida e as necessidades sociais.
Quanto à quarta e última característica, a transição ou mutação no tempo e no
espaço, o autor assim se manifesta:

[...] os interesses difusos, se não exercitados a tempo e hora, modificam-se,


acompanhando a transformação da situação fática que lhes é subjacente.
[...] A essa notável transição ou natureza mutável dos interesses difusos, se
acopla o corolário da irreparabilidade da lesão, em termos substanciais.
[...] Ora, uma vez lesionados esses interesses, o Direito não poderá oferecer
uma reparação integral, específica, porque não se trata de valores fungíveis,
suscetíveis de sub-rogação por algum ressarcimento pecuniário:[...] qual
dinheiro “indenizará” os resultados funestos da poluição de um rio
especialmente no que tange às poluições ribeirinhas? 128

Logo, em virtude deste derradeiro atributo, verifica-se a necessidade de uma tutela


que seja capaz de, uma vez lesionado o direito, oferecer uma reparação específica, sob pena
de restar apenas a possibilidade de tutela pelo equivalente monetário, o que não se apresenta
desejável na seara ambiental, considerando em especial esse atributo de transição no tempo e
espaço, que acaba por impedir que o ressarcimento pecuniário seja suficiente para guarnecer o
direito em sua totalidade, seja em virtude do decurso do tempo, seja em virtude de aspectos
espaciais.
Nesse sentido, mais um exemplo que torna este atributo compreensível:

[...] uma vez construída a hidrelétrica de Itaipu, tornou-se inócua a


oposição calcada no ideário de interesses difusos de cunho ecológico,

127
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 105-6.
128
Ibid., p. 111-12.
67

ligados à preservação das belezas naturais da região, comprometidas com o


megaempreendimento; passado o momento, alterou-se a situação fática,
levando de envolta os interesses difusos por ela ensejados, aos menos na
forma e intensidade como se haviam manifestado originariamente. Outros
interesses difusos “substituirão” os anteriores, já agora em outras
circunstâncias, por exemplo o interesse a que a fauna local, desalojada de
seu habitat, seja encaminhada com segurança a outro sítio adequado. 129

Em um segundo momento, tem-se os interesses ou direitos coletivos stricto sensu,


com conceito insculpido no inc. II, do parágrafo único, do art. 81, do CDC, concebidos como
aqueles que, diversamente dos interesses ou direitos difusos, possuem a chamada relação
jurídica base, determinada por grupos, categorias, e classes de indivíduos que sejam
previamente constituídas - affectio societatis, o elemento subjetivo que os une entre si, ou
ainda, por meio de vínculo jurídico que os liga a parte contrária, como os contribuintes de um
mesmo tributo, os estudantes de uma mesma escola, os contratantes de seguro com um
mesmo tipo de seguro, etc. 130
Os direitos coletivos diferem-se dos difusos em razão, notadamente, da
determinabilidade de seus titulares. Ainda que não seja possível precisar todos os seus
titulares em um primeiro momento, por conta de sua natureza, esses sujeitos, que estão
ligados por uma relação jurídica entre si ou com a parte contrária, são identificáveis.
Existe ainda, a par da questão da titularidade do direito, a questão da origem desses
direitos: se originários de uma situação de fato, serão difusos, se originários de uma relação
jurídica, coletivos stricto sensu.
Citam-se, deste modo, como exemplo de direitos ou interesses coletivos stricto
sensu, um grupo de associados que firmou contrato de adesão com cláusula nula, ou v.g. na
seara no direito ambiental urbanístico, a defesa dos interesses dos compradores de imóveis
loteados, em razão de projetos de parcelamento de solo urbano, em face da inadimplência do
parcelador na execução de obras de infraestrutura ou na formalização e regularização dos
loteamentos [...].131

129
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 111.
130
DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, p. 77.
131
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 722.
Em referência a decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 137.889/SP e REsp n.
108.249/SP, ambos recursos julgados pela 2ª turma do referido Tribunal, em abril do ano de 2000, de relatoria do
Min. Peçanha Martins.
68

Para Wambier e Wambier, trata-se de direito do grupo social, representado por


associações ou corporações voltadas à defesa de determinados tipos de interesses da
sociedade e que guarda sintonia com os próprios fins institucionais do grupo. 132
Tem-se ainda, junto aos direitos ou interesses coletivos, a característica da
indivisibilidade do objeto, diga-se, também pertencente à categoria dos direitos difusos, mas
que, naquele caso, limitar-se-á ao grupo ou à classe titular do direito, de modo que a reparação
ou a lesão de um, implicará a de todos, de modo inseparável.
A última categoria de direitos transindividuais trazida pelo Título III, da Lei n.
8.078/90, trata dos direitos ou interesses individuais homogêneos, os quais têm sua definição
insculpida no inc. III, do parágrafo único, do art. 81, como aqueles decorrentes de origem
comum.
Em verdade, neste aspecto, o legislador procurou conferir um tratamento coletivo aos
direitos e interesses individuais, de modo que as pessoas que estejam mediante uma lesão a
um direito próprio, tenham certas barreiras suplantadas, tais como, altas custas e delonga
processual, beneficiando-se ainda, de uma mesma situação fática que, embora de objeto
divisível, será de caráter geralmente repressivo [posterior à lesão]. 133
Vale ressaltar que o legislador não trouxe elementos suficientemente definidores para
esta categoria de direitos, classificando-os apenas como aqueles de origem comum.
Entretanto, em decorrência da interpretação sistemática dos dispositivos constantes do
Capítulo II, do Título III, da Lei 8.078/90, é possível concluir que se tratam de direitos
individuais, aos quais é dispensado procedimento diverso daquele estabelecido pela Lei Geral
n. 5.869/73 [CPC], já em vias de revogação.
O inc. III, do parágrafo único, do art. 81 somado aos arts. 91 a 100 dão a tônica da
tutela coletiva aos direitos individuais homogêneos, de modo a estabelecer os legitimados
para a propositura da respectiva ação coletiva, o foro competente, o procedimento adequado, a
forma de liquidação e execução da sentença, bem como a destinação das importâncias
recolhidas.
Tais dispositivos tiveram suas bases em grande parte extraídas da Rule 23 (b) (3), da
Federal Rules on Civil Procedure, que fundamenta a class actions for damages no direito
norte-americano, especialmente no que tange ao direito de notificação [notice] e de

132
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre as ações coletivas no
Brasil – presente e futuro. In: ASSIS, Araken de; et al. Processo coletivo e outros temas de direito processual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 612.
133
DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, p. 77.
69

possibilidade de auto exclusão da demanda [right to opt out], modalidade não prevista, por
exemplo, nos países europeus. 134
A natural proximidade entre os direitos de natureza coletiva lato sensu pode levar a
situações não raras em que uma mesma conduta viole direitos afirmados difusos, coletivos e
individuais homogêneos. É o que exemplifica Hugo Nigro Mazzilli:

[...] numa única ação civil pública ou coletiva, é possível combater os


aumentos ilegais de mensalidades escolares já aplicados aos alunos atuais,
buscar a repetição do indébito e, ainda, pedir a proibição de aumentos
futuros; nesse caso estaremos discutindo, a um só tempo: a) interesses
coletivos em sentido estrito [a ilegalidade em si do aumento, que é
compartilhada de forma indivisível por todo o grupo lesado]; b) interesses
individuais homogêneos [a repetição do indébito, proveito divisível entre os
integrantes do grupo lesado]; c) interesses difusos [a proibição da
imposição de aumentos para os futuros alunos, que são um grupo
determinável].135

Na seara ambiental pode-se elucidar essa característica com o acontecimento de um


acidente ecológico de grandes proporções, como o vazamento de óleo de um duto da
Petrobrás na Baía de Guanabara, que completou, recentemente, quatorze anos:

No 18 de janeiro de 2000, um duto da Petrobrás que ligava a Refinaria


Duque de Caxias (Reduc) ao terminal Ilha d'Água, na Ilha do Governador,
rompeu-se antes do raiar do dia, provocando um vazamento de 1,3 milhão
de litros de óleo combustível nas águas da baía. A mancha se espalhou por
40km². [...] O vazamento afetou milhares de famílias que viviam da pesca e
de atividades ligadas ao pescado. [...] 136

Com efeito, um acontecimento de tais dimensões é capaz de dar origem a uma ação
coletiva a reclamar os direitos e interesses difusos representados pelo meio ambiente como
macrobem, prejudicado pelo vazamento de óleo, na seara patrimonial e extrapatrimonial, com
valores destinados ao Ibama; aos direitos coletivos, representados, v.g., por uma associação de
pescadores, como a Feperj – Federação dos Pescadores do Rio de Janeiro, entre outras; e aos
direitos individuais homogêneos, representados por pescadores e demais moradores
ribeirinhos que tenham sido prejudicados em suas atividades pela contaminação das águas e
das áreas de manguezais.

134
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos
países de civil law e common law, p. 305; e DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de
direito processual civil, p. 56-7.
135
MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 59.
136
Baía de Guanabara: vazamento da Petrobrás completa 14 anos.
<http://www.oeco.org.br/reportagens/28021baia-de-guanabara-vazamento-da-petrobras-completa-14-anos>
Acesso em: 28 mar 2014. Por Fabíola Ortiz.
70

Afirma-se, portanto, que são titulares identificados nos respectivos incisos, do


parágrafo único, do art. 81, do CDC, nos direitos difusos: pessoas indeterminadas ligadas por
circunstâncias de fato; nos direitos coletivos stricto sensu: o grupo, categoria ou classe de
pessoas; nos direitos individuais homogêneos: indivíduos lesados, quando a lesão decorrer de
origem comum, tomados abstrata e genericamente para fins de tutela.
Não obstante as definições trazidas de lege lata, diversas foram as tentativas de
doutrinadores e especialistas em alterar e atualizar o atual microssistema. Para tanto, citam-se:
o Código de Processo Coletivo Modelo para Países de Direito Escrito, do Professor Antonio
Gidi [2002]; o Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América,
de iniciativa dos juristas Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi [elaborado
em março de 2004]; o Anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual, elaborado
pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo -
USP, sob orientação da Professora Ada Pellegrini Grinover [última versão de janeiro de 2007];
e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, elaborado conjuntamente pelos
Programas de Pós-Graduação das Universidades Estadual do Rio de Janeiro e Estácio de Sá,
também no Rio de Janeiro, sob orientação do Professor Aluisio Gonçalves de Castro Mendes
[elaborado em agosto de 2005].
Tais projetos têm redações bastante similares. Alguns trazem em seu bojo inovações
como a instituição de Princípios Processuais diferenciados, a questão da possibilidade de
controle difuso de constitucionalidade em ações coletivas, o aperfeiçoamento da dinâmica
probatória, entre outros. Todavia, segundo Mancuso, há um aspecto político subjacente aos
interesses difusos, e a implementação de tais modelos deverá, portanto, suplantar óbices de
caráter técnico-jurídico e também, de caráter político. 137
Os óbices de caráter técnico-jurídico, caracterizados principalmente por leis
procedimentais de cunho individual, nas quais a maioria dos conflitos é baseada na fórmula
Tício versus Caio, já encontram-se em vias de superação com a aprovação do PL n.
8.046/2010, de iniciativa da Câmara dos Deputados – Novo CPC, na medida em que este dá
ênfase à colaboração entre as partes, como lê-se, v.g., em seu art. 8º: As partes e seus
procuradores têm o dever de contribuir para a rápida solução da lide, colaborando com o
juiz para a identificação das questões de fato e de direito [...].138
Ainda, segundo o autor, existem barreiras de cunho político a serem superadas, tais
como: a) o temor de ‘pulverização’ do poder estatal - ideia limitada pela aplicação da

137
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 126 et seq.
138
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 48.
71

pertinência temática aplicável aos grupos e associações [art. 5º, inc. V, b, da Lei n.
7.347/85]; 139 b) o ‘acesso direto’ dos interesses difusos aos centros de decisão, ao que objeta-
se sua legitimação concorrente e disjuntiva; a existência não apenas de uma democracia
representativa, mas também, participativa, conforme diversos instrumentos constantes da
Constituição como o plebiscito, o referendo, os projetos de iniciativa popular, a propositura de
ação popular pelo cidadão eleitor; e ainda, a jurisdição compartilhada, que abre espaços à
participação, através de ferramentas como o amicus curiae, a repercussão geral de questão
constitucional discutida in casu [§3º, do art. 102, da CF, c/c §6º, do art. 543-A, do CPC], a
revisão ou cancelamento de súmula vinculante [§2º, do art. 3º, da Lei n. 11.417/06], etc; e c) o
risco de ‘desequilíbrio da tripartição dos poderes, com o ‘superdimensionamento’ do
Judiciário e as ‘novas dimensões’ da ação e do processo, ao que o autor contesta:

Ora, quando a lei não se ocupa dos interesses difusos [...]; quando também
não o faça a Administração [...], é claro que, sobrevindo controvérsia a
respeito [o megaconflito], legitima-se a intervenção do Judiciário, como
instância substitutiva que atua por provocação e responde no limite dela. 140

E ainda:

[...] não é o juiz que determina o grau de expansão extra-autos de eficácia


da coisa julgada nos conflitos metaindividuais [erga omnes ou ultra partes,
conforme o caso], mas é a lei processual que o faz, atentando para a
natureza e intensidade do interesse posto como objeto do litígio: Lei
7.347/85, art. 16; Lei 8.078/90, art. 103 e incisos. 141

Portanto, segundo o autor, cabe ao Judiciário, como função legítima, resguardar os


interesses difusos em detrimento de qualquer ideia de ampliação de seus poderes ou de sua
influência sobre os demais, inclusive como forma de participação comunitária na gestão da
coisa pública.
O PL n. 5.139/2009, de iniciativa do Ministério da Justiça, também pretendeu
reformular a atual legislação em vigor acerca da ação civil pública e demais ações coletivas,
com interessantes propostas, tais como: estabelecimento de princípios gerais do processo
coletivo, novo conceito para os direitos individuais homogêneos, possibilidade de intervenção
do amicus curiae, etc. No entanto, mesmo após a apresentação do Substitutivo do Dep.

139
Nos EUA existe a figura do ideological plaintiff, na qual uma pessoa ou grupo trabalha como porta-voz de
diversos indivíduos abrangidos por uma situação homogênea. Cf. MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p.
131.
140
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 142.
141
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 143.
72

Antonio Carlos Biscaia [PT/RJ], o projeto foi rejeitado no mérito pelo relator Dep. José
Carlos Aleluia [DEM/BA]. 142
No ano de 2012, houve a apresentação de três Projetos de Lei do Senado [PLS’s]
para atualização do Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.078/1990, todos de autoria do
Sen. José Sarney [PMDB/AP]. As propostas foram apresentadas aos senadores em meados de
de 2011, na forma de anteprojeto, por uma comissão de juristas 143 e têm por escopo principal
atualizar o Código de Defesa do Consumidor em três áreas: comércio eletrônico [PLS
281/2012]; ações coletivas [PLS 282/2012]; e por fim, crédito e superendividamento do
consumidor [PLS 283/2012]. Referidos projetos estão aguardando inclusão na ordem do dia
para votação no Senado. 144
No que tange às ações coletivas, o PLS 282/2012 traz um conceito diferenciado para
os direitos individuais homogêneos, embora bastante semelhante ao proposto no PL n.
5.139/2009 do Poder Executivo, in verbis:

Art. 81
§ 1º A ação coletiva será exercida quando se tratar de:
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos
aqueles decorrentes de origem comum, de fato ou de direito, que
recomendem tratamento conjunto pela utilidade coletiva da tutela, aferida
por critérios como a facilitação do acesso à Justiça para os sujeitos
vulneráveis, a proteção efetiva do interesse social, a numerosidade dos
membros do grupo, a dificuldade na formação do litisconsórcio ou a
necessidade de decisões uniformes. 145

Com efeito, o dispositivo melhor define referida categoria de direitos ao explicitar o


tratamento coletivo conferido àqueles interesses ou direitos ligados entre si por circunstâncias
fáticas ou jurídicas, tratamento este que será aferido mediante critérios determinados, de
cunho procedimental e social.

142
Projeto de Lei 5.139/2009, da Câmara dos Deputados. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=432485>. Acesso em: 20 nov.
2012.
143
Comissão nomeada pelo Senado Federal e formada pelo Ministro Antonio Herman Benjamin, pelas
professoras Ada Pellegrini Grinover e Cláudia Lima Marques, pelo Promotor de Justiça do MP/DFT, Leonardo
Bessa, e pelo diretor geral do Procon de São Paulo, Roberto Pfeifer. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI
JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo Coletivo. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, V. 4,
p. 67.
144
A Comissão Especial Interna do Senado para reforma do CDC tem como Presidente o Sen. Rodrigo
Rollemberg [PSB/DF]; Vice-Presidente Sen. Paulo Bauer [PSDB/SC]; e Relator Sen. Ricardo Ferraço
[PMDB/ES]. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/comissoes/comissao.asp?origem=SF&com=1604>. Acesso em: 10 mar.
2014.
145
DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, V. 4, p.525.
73

As diversas tentativas de aperfeiçoamento da legislação em vigor, frutos da


experiência jurídica e de decisões políticas, demonstram que há pontos de estrangulamento na
lei que demandam transformações urgentes, a fim de que se mantenham em equilíbrio os
valores consagrados pela Constituição, especialmente, os valores da liberdade e igualdade, 146
essenciais para construção de uma sociedade livre e justa.
Passa-se agora a discorrer acerca da legitimidade ativa e passiva neste grupo de
direitos.

2.1.3 Legitimidade no Microssistema de Processo Coletivo

O Código de Processo Civil, Lei n. 5.869/73, acolheu, dentre as teorias acerca da


natureza jurídica da ação, a de Enrico Tullio Liebman [mais conhecida como teoria eclética,
pois intercala algumas pontuações da teoria concretista à teoria abstrata da ação] na qual o
direito de ação é constituído por três condições: legitimidade para agir, interesse de agir e
possibilidade jurídica do pedido. Em havendo a inexistência de qualquer dessas condições,
estar-se-á diante da carência do direito de ação, e o magistrado extinguirá o processo sem a
resolução do mérito [art. 267, inc. VI, do CPC].147
A legitimidade para agir ou legitimatio ad causam, identifica, no caso concreto, os
verdadeiros titulares do direito material, tanto no pólo ativo, quanto no pólo passivo e,
portanto, diz-se concernente à pertinência subjetiva da demanda.
A regra geral, no que tange à tutela individual, é consagrada na primeira parte, do
artigo 6º, do CPC, ao prever que Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio
[...], o qual define a legitimação ordinária.
Excepcionalmente, porém, admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa
do interesse de terceiro, hipótese em que haverá a legitimação extraordinária, contemplada
pela segunda parte do referido artigo: [...] salvo quando autorizado por lei. Assim, a
legitimação extraordinária apenas existirá quando fundamentada em lei.
Portanto, o usual é que o próprio titular do direito subjetivo seja o legitimado.
Todavia, nas ações coletivas nem sempre a legitimação ad causam coincidirá com a ad

146
Alexy atribui aos direitos de liberdade uma prioridade prima facie que poderá ser suplantada diante das
circunstâncias do caso concreto, desde que acompanhada de uma racionalidade argumentativa capaz de
demonstrar a necessidade de proteção do direito fundamental. In: ALEXY, Robert. Teoría de los derechos
fundamentales apud MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. Teoria geral do processo. 6. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, V. 1, p. 101.
147
Cf. MARINONI, L. G. Curso de processo civil, V. 1, p. 172 et seq.
74

processum [representação para a causa]. E este aspecto dá ensejo há alguns debates sobre a
natureza dessa legitimidade.
Alguns defendem a legitimação extraordinária por substituição processual, outros a
legitimação ordinária decorrente de uma leitura ampla do art. 6º do CPC e, outros ainda, a
legitimação autônoma para a condução do processo, uma espécie de legitimação
extraordinária. 148
Os conceitos de legitimação extraordinária e substituição processual são bastante
próximos. Todavia na substituição processual, além da necessidade de autorização legislativa,
mostra-se imprescindível a ausência do titular do direito de modo a se fazer representar como
parte principal.
Nas palavras de Fiorillo,

A distinção entre os dois institutos é bastante sutil. A substituição processual


possibilita ao substituto a promoção da defesa do direito material do
legitimado ad causam, conferindo-lhe, portanto, legitimidade passiva. O
conceito fica mais claro ao trazermos a situação presente no art. 9º, II, do
Código de Processo Civil, em que o magistrado dará curador especial ao
revel citado por edital ou com hora certa. Nesse caso, o curador é substituto
processual, na medida em que a sua atuação é prevista pela lei e ele age na
ausência do titular do direito material. Além disso, o substituto processual
somente poderá oferecer defesa, sendo-lhe vedada a promoção de uma
ação. Dessa forma, o curador especial não poderá reconvir (porquanto esta
defesa tem natureza de ação). A sua atuação está adstrita à defesa do direito
material daquele que não está em juízo para em nome próprio defendê-lo. A
legitimação extraordinária tem maior abrangência, na medida em que ao
legitimado extraordinariamente é conferido direito de ação.149

Entretanto, alguns autores entendem a substituição processual como espécie de


legitimação extraordinária. Barbosa Moreira, por exemplo, advoga a tese da substituição
processual nas ações coletivas, na medida em que, a lei, ao determinar o legitimado como
terceiro diverso do titular da relação de direito material, já deixaria explicitada a legitimação
extraordinária. 150
Kazuo Watanabe e Ada Pellegrini Grinover, seguindo a doutrina italiana e alemã,
identificam a natureza ordinária da legitimação nas ações coletivas, a partir de uma leitura
extensiva do art. 6º do CPC. Isto é, os grupos e associações, ao agir em defesa de seus
interesses, como titulares do direito material alegado, estariam atuando em legitimação
ordinária. Nos demais casos, haveria legitimação extraordinária por substituição processual.

148
DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, V. 4, p. 198.
149
FIORILLO, C. A.P. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 535-6.
150
Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. Exposição sistemática do
procedimento. 29. ed. São Paulo: Forense, 2012.
75

Por fim, a última corrente, defendida por Nelson Nery Junior e Antonio Gidi, a qual
pugna por uma legitimação autônoma nas ações coletivas. Nesta, a doutrina defende uma
separação entre legitimação para condução do processo e a legitimidade do direito material
objeto da demanda. Logo, funda-se, na autorização pelo direito objetivo, a condução do
processo por um terceiro que não tenha relação direta com o interesse posto em juízo. 151
Luiz Manoel Gomes Júnior propõe uma nova classificação, na qual identifica, no
âmbito na tutela coletiva, uma legitimação processual coletiva, que procura afastar a
classificação fundamentada somente no tipo de interesse protegido. 152
Como fundamento para essa denominação, o autor argumenta que, nas ações
coletivas estará sempre presente uma legitimação processual coletiva, que é, em última
análise, a possibilidade de almejar a proteção dos direitos coletivos lato sensu, ainda que
haja coincidência entre os interesses próprios de quem atua com os daqueles que serão, em
tese, beneficiados com a decisão a ser prolatada.
Destarte, diversas são as correntes que procuram identificar a natureza jurídica da
legitimação nas ações coletivas. Contudo e a despeito dos notáveis fundamentos de cada uma
delas, majoritária doutrina propõe a seguinte classificação: a) extraordinária, pois haverá
sempre a substituição processual da coletividade [o legitimado extraordinário que irá pleitear,
em nome próprio, direito alheio]; b) autônoma, na medida em que a presença do legitimado
ordinário em juízo é dispensada em face total autonomia do legitimado extraordinário para
atuar em juízo; c) exclusiva, visto que o rol de legitimados é taxativo, conforme ver-se-á a
seguir; d) concorrente, relativamente aos representantes adequados, razão pela qual qualquer
um pode propor a ação independentemente dos demais; e por fim, e) disjuntiva, isto é, um
legitimado não exclui o outro – o litisconsórcio eventualmente formado será sempre
facultativo. 153
Superada esta distinção, passar-se-á à análise do Microssistema de Processo Coletivo
Brasileiro que é composto, basicamente, pela Lei da Ação Civil Pública – Lei n. 7.347/85 e
pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078/90.
A legislação infraconstitucional é relativamente vasta no que tange à tutela dos
interesses coletivos e outras leis podem aqui ser referenciadas para além do referido
Microssistema, tais como, a Lei da Ação Popular [Lei n. 4.747/85]; Lei do Mandado de

151
Cf, por tudo, DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, V. 4, p. 197-204.
152
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual coletivo. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.34-5.
153
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. Em defesa do meio ambienta, do patrimônio cultural e
dos consumidores – Lei 7.347/85 e legislação complementar. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
120. Em referência à classificação feita por Pedro Lenza.
76

Segurança [Lei n. 12.016/09]; Lei da Improbidade Administrativa [Lei n. 8.429/92], Estatuto


da Criança e do Adolescente [Lei nº 8.069/90], Lei da Pessoa Portadora de Deficiência [Lei nº
7.853/89], Lei Protetiva dos Investidores do Mercado de Valores Imobiliários [Lei nº
7.913/89]; e Lei de Prevenção e Repressão às Infrações contra a Ordem Econômica –
Antitruste [Lei nº 8.884/94].
A legitimidade ativa para a propositura de Ação Popular é conferida ao cidadão
eleitor, conforme dicção do §3º, do art. 1º, da Lei 4.717/65. Este dispositivo tem sido objeto
de duras críticas pela doutrina, que advoga a tese de suficiência da condição de nacional ou
estrangeiro residente no país para propositura da ação, em face de sua representatividade
como portador do interesse da sociedade na preservação da qualidade ambiental. 154
Nesse sentido, Leite:

Entretanto, se for ponderado que a cidadania ambiental hoje é atinente a


questões transfronteiriças, dada a dimensão do problema, chega-se à
conclusão de que, tratando-se de patrimônio público, mas conecto com o
meio ambiente, não haveria óbice para que a defesa popular fosse exercida
pelo estrangeiro, residente no país. 155

Não obstante, outros autores justificam a prova da cidadania ativa pelo caráter
político da referida ação:

Ademais, se a cidadania é acima de tudo um atributo político e se a ação


popular é instrumento essencialmente político (ao contrário das outras
ações coletivas), além de um direito cívico, nada mais natural exigir do
autor popular que ele esteja em pleno gozo de seus direitos políticos.156

A despeito de tais posicionamentos, tal questão apresenta-se pacificada na


jurisprudência, conforme demonstrar-se-á adiante, no item referente à Ação Popular
Ambiental. Os legitimados são, portanto: os maiores de 18 anos, excluídos os estrangeiros e
conscritos [alguns autores defendem a possibilidade do estrangeiro residente no país ajuizar
uma ação popular, por intermédio de uma definição maximalista de cidadania ambiental], e se
inscritos como eleitores, os analfabetos, maiores de 70 anos, e maiores de 16 e menores de 18
anos.

154
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 233.
155
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 161.
156
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular. Proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade
administrativa e do meio ambiente. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 190. Em referência a
considerações feitas por Pedro da Silva Dinamarco.
77

Importante ressaltar que a LAP prevê em seu art. 9º que o Parquet poderá prosseguir
na ação em caso de desistência do seu titular, mesmo porque esta condição é prevista
constitucionalmente, como uma das funções do Ministério Público. De outra forma, ele
atuaria apenas como custos legis, apurando possíveis responsabilidades daqueles que tiverem
agido de forma ilícita.
Entretanto, embora muito se discuta acerca da amplitude do conceito técnico-jurídico
de cidadão, acredita-se que este fator não deva ser relevante para sua determinação processual,
na medida em que o alargamento desta definição facilita aos cidadãos o cumprimento de seu
dever fundamental de proteção do meio ambiente. Destaque-se que o autor popular estará
isento do pagamento de custas e ônus sucumbenciais, conforme previsão do inc. LXXIII, do
art. 5º, da CRFB/88, salvo comprovada má-fé.
Os legitimados passivos estão previstos do art. 6º da referida Lei [pessoas públicas
ou privadas], dentre os quais se incluem as entidades referidas no art. 1º, havendo inclusive,
possibilidade de formação de litisconsórcio passivo necessário, em razão da responsabilidade
objetiva e solidária na reparação do dano ambiental. Portanto, em termos gerais, qualquer
entidade que se enquadre no conceito de poluidor previsto no inc. IV, do art. 3º, da Lei
6.938/81, poderá ser responsabilizada.
Quanto à Ação Civil Pública os legitimados ativos para sua propositura estão
elencados no art. 5º e incisos, da Lei 7.347/85, com redação determinada pela Lei 11.448/07,
a saber: o Ministério Público, a Defensoria Pública, a administração direta e indireta e as
associações. É dizer, trata-se de legitimação ope legis, por força de lei, na qual consta rol
exaustivo.
No entanto, por vezes, como no caso das associações e entidades da administração
pública indireta, a legitimidade poderá ser ope iudicis, ou seja, aferida judicialmente,
mediante controle da representatividade adequada da entidade, que inclui constituição há pelo
menos um ano e pertinência temática – causa de pedir relacionada às finalidades institucionais
[conforme disposto nas alíneas a e b, do inc. V, do art. 5º, da LACP].
Vale ressaltar que comunidades e organizações indígenas também possuem
legitimidade ativa para propositura de ação coletiva, com fundamento no que prevê o art. 232,
da CRFB/88, cumulado ao que dispõe o Título III do CDC.
Quanto à legitimidade passiva, assim como na Ação Popular, caberá a todo aquele
que se enquadre no conceito de poluidor, previsto no art. 3º, inc. IV, da Lei n. 6.938/81.
Interessante questão a ser colacionada refere-se à legitimação ativa da Defensoria
Pública na defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Tema recente – a
78

LACP foi alterada em 2007, pela Lei n. 11.448, para sua inclusão no rol de legitimados – tem
gerado controvérsia entre alguns doutrinadores quanto à hipossuficiência econômica de
alguns grupos e associações. 157
Contudo, não há dúvidas de que a alteração legislativa foi realizada com vistas a
ampliar o acesso à justiça ao maior número de indivíduos possível, numa visão moderna e
igualitária do processo civil, também conhecida como direito ao fair trail, 158 de forma a
garantir o direito fundamental ao acesso à ordem jurídica justa, previsto no art. 5º da
Constituição da República.
Neste sentido tem-se encaminhado a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Vide trecho do voto de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, in verbis:

[...] É importante perceber, para o correto deslinde da questão, que não se


pode relegar a tutela de todos os direitos a instrumentos processuais
individuais, sob pena de excluir do Estado e da Democracia aqueles
cidadãos que mais merecem sua proteção, ou seja, uma multidão de
desinformados, necessitados, carentes ou que possuem direitos cuja tutela
torna-se economicamente inviável sob a ótica do processo individual. Assim,
assegurar direitos e viabilizar sua tutela é interesse do Estado Democrático
de Direito e de todos os seus órgãos. Há interesse social no trato coletivo
das disputas e, por isso, não se pode dar às regras de legitimação
processual uma interpretação demasiadamente restritiva. 159

No caso supracitado, a controvérsia cingia-se à análise da legitimidade ativa de


associações civis para a propositura de ação coletiva, mais especificamente da entidade
associativa denominada Unicons - União Nacional em Defesa de Consumidores Consorciados
e Usuários do Sistema Financeiro.
O posicionamento vanguardista do Tribunal Superior destaca a importância de uma
exegese ampliativa do rol de legitimados para as ações coletivas, coerente a tutela processual
amparada pelo Estado Social e Democrático de Direito, 160 que prima pela inclusão social e
pela participação efetiva dos cidadãos nos processos decisórios.

157
Cf. MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 320. E ainda, DIDIER JÚNIOR, F.;
ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, V. 4, p. 218-22.
158
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 699 et seq.
159
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. REsp n. 805.277/RS. Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Sul versus Unimed Porto Alegre Cooperativa de Trabalho Médico. Rel. Min. Nancy Andrighi.
Julgado em 23 set. 2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10 set. 2013.
160
Também denominado por Paulo Bonavides de Estado Democrático Participativo. Cf. BONAVIDES, Paulo.
Teoria constitucional da democracia participativa. Por um direito constitucional de luta e resistência, por uma
nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, passim.
79

Por fim, ressalte-se apenas que, caso o Ministério Público não intervenha como parte
integrante do processo, deverá obrigatoriamente atuar como fiscal da lei, conforme expressa
previsão do §1º, do artigo 5º, da Lei 7.347/85.
Embora sem previsão expressa no Microssistema de Processo Coletivo, entende-se
de suma importância a menção aos legitimados à impetração de Mandado de Segurança
Coletivo, na medida em que bastante utilizado para defesa de direitos individuais homogêneos
na seara do direito ambiental do trabalho.
Previsto constitucionalmente no art. 5º, inc. LXX, da CRFB/88 e também na
legislação infraconstitucional, na recente Lei n. 12.016/09, o Mandado de Segurança Coletivo
destina-se a proteger direito líquido e certo não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data,
quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.
A diferença principal entre o Mandado de Segurança individual e o Mandado de
Segurança coletivo está na legitimação ativa e no objeto da tutela: em um os interesses são
individuais e, noutro, os interesses tutelados são coletivos lato sensu.
Quanto à legitimação, os legitimados ativos são aqueles constantes do rol do inc.
LXX, no art. 5º, CRFB/88, alíneas “a” e “b”: partido político com representação no
Congresso Nacional [basta apenas um representante]; organização sindical; entidade de classe
ou associação legalmente constituída em funcionamento há pelo menos um ano, com
pertinência temática, dispensada a autorização especial em Estatuto.
Muitos autores defendem que este rol não é taxativo [ope iudicis], podendo-se
conferir legitimidade ao Ministério Público, principalmente quando vise à proteção de
questões ligadas à tutela do meio ambiente.

2.1.4 Da coisa julgada

Trata-se a coisa julgada de ficção jurídica criada pelo legislador com o intuito de
trazer segurança jurídica às decisões jurisdicionais de mérito. Não fosse a certeza conferida às
sentenças, passado o trânsito em julgado, viver-se-ia em situação de constante vulnerabilidade
dada a possibilidade de indefinida modificação das decisões, algo incabível considerando-se o
perfil da sociedade contemporânea e a própria estrutura do Poder Judiciário.
Quando se faz menção à coisa julgada, logo vêm à mente as duas espécies previstas
no CPC/73, as quais conformam a tutela de interesses individuais e, também, a tutela coletiva
80

de direitos. Nesta última, porém, com algumas variações, conforme pretender-se-á


demonstrar.
Tem-se, portanto, na tutela de direitos individual, a coisa julgada formal, de caráter
endoprocessual, a qual impede que se discuta novamente a mesma questão dentro da relação
jurídica processual em que a sentença foi prolatada [e aqui se está a falar dos elementos da
ação – partes, pedido e causa de pedir], e a coisa julgada material, de natureza
extraprocessual, visto que seus efeitos repercutem para fora do processo. 161
De acordo com a teoria clássica de Liebman, que fundamentou o Projeto do Código
de Processo Civil de 1973, a autoridade da coisa julgada não é um efeito da sentença, ou a sua
eficácia, mas uma qualidade que se agrega a eficácia da sentença. Segundo o autor, Projeta a
sentença sua eficácia jurídica independentemente da passagem em julgado [...].162
Em contrapartida, outro foi o texto adotado pelo CPC/73, que em seu art. 467, trouxe
o atual conceito de coisa julgada material: Denomina-se coisa julgada material a eficácia,
que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário.
No âmbito do Microssistema de Processo Coletivo, o regime jurídico da coisa
julgada é disciplinado pelos arts. 103 e 104, da Lei n. 8.078/90, e art. 16, da Lei n. 7.347/85,
muito embora alguns autores entendam que este último tenha sido revogado após o advento
do CDC. Tal regime é analisado doutrinariamente a partir de seus limites subjetivos [quem
está sujeito à coisa julgada]; objetivos [o que está a ela sujeito]; e por fim, a partir de seu
modo de produção, isto é, analisam-se os reflexos da formação da coisa julgada.
Quanto aos limites subjetivos, conforme dicção dos incisos I, II e III, do art. 103, da
Lei n. 8.078/90, este poderá ser ultra partes [os efeitos são estendidos às partes, porém,
limitados, ao grupo, categoria ou classe de indivíduos] ou erga omnes [os efeitos da coisa
julgada são opostos contra todos].
No que tange aos limites objetivos, diz-se que somente a parte dispositiva da
sentença de mérito, a qual julga o pedido, tornar-se-á imutável. Noutra medida, a
fundamentação, que tem por objeto os motivos, a verdade dos fatos, e a decisão de questões
incidentais, conforme disposto nos incisos I, II, e III, do art. 469, do CPC, [incluindo a análise

161
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. Processo de
Conhecimento. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. V. 2, p. 634.
162
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1984.
81

das provas], esta não ficará indiscutível. Para que a autoridade da coisa julgada se estenda a
uma questão prejudicial de mérito, é preciso utilizar-se da ação declaratória incidental. 163
Por fim, o modo de produção da coisa julgada que, para fins didáticos, é analisado a
partir de dois aspectos: segundo a natureza do interesse e segundo o resultado do processo.
Em se tratando de direitos ou interesses difusos ou individuais homogêneos, a
sentença de procedência sempre terá eficácia erga omnes, conforme dicção dos incs. I e III do
art. 103, do CDC. Já no caso dos direitos coletivos stricto sensu, a sentença de procedência
terá eficácia ultra partes, é dizer, limitadamente ao grupo, categoria ou classe de indivíduos,
conforme previsão do inc. II, do mesmo art. 103, do CDC.
Em caso de sentença de improcedência, há duas questões a se considerar: a
improcedência por insuficiência probatória e a improcedência por motivo diverso. Nas três
categorias de direitos transindividuais, quando houver sentença de improcedência por
insuficiência probatória, não há que se falar em eficácia de sentença erga omnes ou ultra
partes, havendo apenas coisa julgada formal.
Em contrapartida, se a sentença de improcedência se der por outro motivo, que não a
falta de provas, estar-se-á, no caso de direitos difusos e individuais homogêneos, frente a
eficácia erga omnes da sentença, e ultra partes, na hipótese de direitos coletivos stricto sensu.
Esta é a análise cabível segundo a natureza do interesse discutido na lide [se direitos
difusos, coletivos ou individuais homogêneos].
Todavia, quando se está a falar sobre a coisa julgada segundo o resultado do
processo [secundum evetum litis], ou em relação ao grupo atingido nas ações civis públicas e
coletivas, tem-se que a sentença de procedência, beneficiará todos os lesados, observadas as
condições do art. 104 do CDC. É dizer, quando se tratarem de direitos coletivos e individuais
homogêneos, as ações coletivas não induzirão litispendência para as ações individuais, a
menos que seja requerida a suspensão das ações individuais no prazo de 30 [trinta] dias a
contar da ciência nos autos no ajuizamento da ação coletiva, com o fito de evitar a sentença
non liquet.
Na hipótese de sentença de improcedência por insuficiência probatória, não haverá
prejuízo aos lesados. Todavia, se a improcedência se der por motivo diverso, esta prejudicará
aos lesados, exceto em matéria de interesses individuais homogêneos, ocasião em que deverá
ser dada ampla divulgação por meio de publicação de edital no órgão oficial e pelos meios de
comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor [art. 94, do CDC].

163
MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 593-4.
82

Vale ressaltar, que na hipótese de direitos ou interesses individuais homogêneos, em


caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo
como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual, conforme
expressa previsão do §2º, do art. 103, do CDC.
Por todo exposto, percebe-se que o legislador procurou dar máxima eficácia e
efetividade aos efeitos da coisa julgada a todo o grupo de lesados, inclusive com a
possibilidade de seu transporte in utilibus, em benefício das vítimas ou de seus sucessores,
mas nunca em prejuízo de lesados individuais que não tenham intervindo no processo
coletivo, conforme depreende-se da leitura do §3º, do art. 103, do CDC.
O primeiro diploma a regular a coisa julgada no âmbito coletivo foi a Lei da Ação
Popular, Lei n. 4.17/65, que trouxe em seu art. 18 a seguinte redação: A sentença terá eficácia
de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada
improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra
ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Deste modo, a coisa julgada material era oponível contra todos, com exceção aos
casos de insuficiência probatória, caso em que a mesma ação poderia ser intentada novamente,
com fundamento em nova prova – uma clara tentativa do legislador em evitar que situações
irregulares fossem protegidas pela coisa julgada material, como fraude processual, deficiência
na representação resultante de colusão entre as partes, entre outros.
A LACP embora tenha replicado tal dispositivo em seu art. 16, recebeu alteração no
ano de 1997, pela Lei n. 9.494/97, fruto da conversão da Medida Provisória n. 1.570-5/97, que
alterou os limites territoriais da coisa julgada, fixando-o ao âmbito da competência territorial
do órgão prolator da sentença.
Para Mazzilli, o legislador equivocou-se ao trazer, no mesmo dispositivo, noções de
competência e alcance dos efeitos da sentença:

Não há como confundir a competência do juiz que deve conhecer e julgar a


causa com a imutabilidade dos efeitos que uma sentença produz e deve
mesmo produzir dentro ou fora da comarca em que foi proferida,
imutabilidade essa que deriva de seu trânsito em julgado e não da
competência do órgão jurisdicional que a proferiu (imutabilidade do
decisum entre as partes ou erga omnes, conforme o caso). 164

Zavascki adota posicionamento mais ponderado, ao reconhecer o cabimento do art.


16 da LACP tão somente às sentenças que tratarem de direitos e interesses individuais

164
MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 291.
83

homogêneos, já que episodicamente coletivos, diferentemente dos direitos difusos e coletivos


stricto sensu de caráter essencialmente coletivo, in verbis:

Observe-se que, tratando-se de direitos transindividuais, a relação jurídica


litigiosa, embora com pluralidade indeterminada de sujeitos no seu polo
ativo, é única e incindível (indivisível). Como tal, a limitação territorial da
coisa julgada é, na prática, ineficaz em relação a ela. Não se pode
circunscrever territorialmente (circunstância do mundo físico) o juízo de
certeza sobre a existência ou a inexistência ou o modo de ser de relação
jurídica (que é fenômeno do mundo dos pensamentos).

No caso de direitos episodicamente coletivos, prossegue,

[...] o objeto do litígio são direitos individuais e divisíveis, formados por


uma pluralidade de relações jurídicas autônomas, que comportam
tratamento separado, sem comprometimento de sua essência. Aqui sim é
possível cindir a tutela jurisdicional por critério territorial, já que as
relações jurídicas em causa admitem divisão segundo o domicílio dos
respectivos titulares, que são perfeitamente individualizados. 165

Todavia, segundo Mancuso, a maioria dos doutrinadores se posta contrariamente à


fórmula constante do art. 16 da Lei 7.347/85, dada pela Lei 9.494/97. E há que se ter em conta
que, a coisa julgada material, como qualidade da sentença, está apta a fazer incidir sua
eficácia em face de outras situações e de outros processos: a autoridade da coisa julgada; sua
eficácia preclusiva panprocessual. 166
Contudo e a despeito dos vários posicionamentos adotados, segundo o regime atual,
para que uma sentença em ação coletiva tenha sua eficácia expandida para mais de uma
comarca, ou para mais de um Estado da federação, algo comum quando analisados casos de
violação ao direito do consumidor e, principalmente, no que se aplica ao presente estudo, ao
direito do meio ambiente, tal ação haveria de ser proposta na Capital Federal, ou então, em
mais de uma comarca, sujeitando-se assim, a decisões conflitantes.
De lege ferenda, verifica-se alteração neste sentido no parágrafo 5º, do art. 27, do
Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América; no §4º, do art. 13,
do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, do IBDP; e no §4º, do art. 22, do
Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos – UERJ/UNESA, todos com a
mesma redação: A competência territorial do órgão julgador não representará limitação
para a coisa julgada erga omnes.
165
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 80.
166
MANCUSO, R. de C. Ação civil pública, p. 338-9.
84

A partir deste momento, passa-se a uma breve análise do conceito de dano ambiental
e as formas processuais de tutela ofertadas pelo ordenamento jurídico.

2.2 DANO AMBIENTAL E TUTELA JURISDICIONAL

Inúmeras são as leis ambientais que trazem em seu bojo a responsabilização por dano
ambiental. Contudo, a fim de que se possa empreender uma compreensão geral de como se
estabelece a tutela processual em virtude dos danos causados ao meio ambiente,
imprescindível remeter o leitor à Lei n. 6.938/81, na qual se encontram expressos os
conceitos, de poluição:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...] III - poluição,
a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou
sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo
com os padrões ambientais estabelecidos;

E de poluidor: Art. 3º [...] IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito


público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental.
Como se vê, sob a ótica da legislação em tela, o dano ambiental não se restringe ao
dano ecológico, ampliando-se para além do meio ambiente natural, a atingir também, o meio
ambiente artificial, cultural e do trabalho.
Após o advento da CRFB/88, a responsabilização por danos ambientais alçou guarida
constitucional, inserta no §3º, do art. 225: [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Dessarte, todo aquele que se enquadre no conceito de poluidor, e por meio de sua
atividade, direta ou indireta, gere alguma forma de dano ao meio ambiente, considerado este
como pressuposto para a responsabilização, é passível de ser obrigado a reparar os prejuízos.
A fim de tutelar juridicamente o bem ambiental e, portanto, protegê-lo como bem de
titularidade difusa, indispensável à manutenção da sadia qualidade de vida dos seres humanos,
o legislador colocou a disposição do operador do direito diversos instrumentos, a saber: a ação
direta de inconstitucionalidade – Lei n. 9.868/99; a ação popular – Lei n. 4.717/65; a ação
85

civil pública – Lei n. 7.347/85; o mandado de segurança coletivo – Lei n. 12.016/09; e o


mandado de injunção – Lei n. 8.038/90. Sem olvidar que, qualquer pessoa prejudicada por
uma conduta humana poluidora, poderá ingressar em juízo, individualmente, para postular a
reparação civil, patrimonial ou moral.
Todavia, considerando-se o foco do presente estudo, apreciar-se-ão tão somente a
ação popular ambiental e ação civil pública como instrumentos hábeis à tutela jurídica do
meio ambiente. E para tanto, indispensável se faz uma breve análise do conceito de dano
ambiental, a fim de que, posteriormente, se adentre a análise das ações propriamente ditas.

2.2.1 Definição de dano ambiental

Dano pode ser conceituado como a lesão a interesses juridicamente protegidos.


Segundo Rui Stoco,

O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do


agente, seja essa obrigação originada de ato lícito, nas hipóteses
expressamente previstas, seja de ato ilícito, ou de inadimplemento
contratual, independente, ainda de se tratar de responsabilidade objetiva ou
subjetiva. 167

Em regra, as reparações devem ser integrais, segundo o princípio dominante da


responsabilidade civil, Restitutio in Integrum, com expressa previsão no art. 944, do Código
Civil, sem limitação quanto à sua indenização, compreendendo os danos patrimoniais e
extrapatrimoniais. Na verdade, o dano é um elemento essencial à pretensão de uma
indenização, pois sem este elemento não há como articular uma obrigação de reparar.
Assim, o dano deve ser visto como pressuposto necessário da obrigação de reparar e,
por conseguinte, elemento imprescindível para estabelecer a responsabilidade civil,
juntamente com os demais componentes que formam o dever de indenizar, quais sejam, o ato
ilícito e o nexo de causalidade, conforme analisar-se-á adiante.
Todavia, quando se cogita do dano ecológico, tem-se em vista o problema da
poluição ambiental, do impacto ao meio ambiente causado pela ação do homem.
Neste sentido, Leite, amparado em Mirra, faz a seguinte ressalva:

167
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 151.
86

O dano ambiental foge da visão clássica, considerando tratar-se [o meio


ambiente] de um bem comum do povo, incorpóreo, imaterial, indivisível e
insuscetível de apropriação exclusiva. No entanto, é um bem de interesse
jurídico autônomo e, portanto, reparável, mesmo não preenchendo os
pressupostos tradicionais da configuração do dano. 168

Destaque-se a necessidade do dano ambiental ser atual e concreto, haja vista que,
salvo determinação legal, não há que se falar em dano presumido, devendo sua ocorrência ser
comprovada, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça. 169
O dano ambiental, por sua vez, constitui uma expressão ambivalente que pode
designar tanto alterações nocivas ao meio ambiente, quanto os efeitos que tal alteração
provoca na saúde das pessoas e em seus interesses. Devido a esta dificuldade em identificar a
concepção de dano ambiental, Leite faz três classificações no que tange a esta modalidade de
dano: a) quanto à amplitude do bem protegido; b) quanto à reparabilidade e ao interesse
jurídico envolvido; e c) quanto à sua extensão e, d) ao interesse objetivado. 170
Quanto à amplitude do conceito de dano ambiental, ter-se-ia: o a.1) dano ecológico
puro, no qual se considera apenas a conceituação restrita de meio ambiente, ou seja,
relacionada tão somente aos componentes naturais do ecossistema e não ao patrimônio
cultural ou artificial; o a.2) dano ambiental lato sensu, como aquele concernente aos interesses
difusos da coletividade, no qual estariam sendo protegidos o meio ambiente e todos os seus
componentes, isto é, o macrobem ambiental; e por fim, o a.3) dano individual ambiental ou
reflexo, conectado ao meio ambiente, que é, de fato, um dano individual, pois o objetivo
primordial não é a tutela dos valores ambientais, mas sim, dos interesses próprios do lesado,
relativos ao microbem ambiental.
Quanto à reparabilidade e ao interesse jurídico envolvido, este se divide em b.1) dano
ambiental de reparabilidade direta e b.2) de reparabilidade indireta. No primeiro, o interessado
168
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental. Do individual ao coletivo
extrapatrimonial. Teoria e prática,. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 96.
169
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO
CARACTERIZADA - MANUTENÇÃO DE AVES SILVESTRES EM CATIVEIRO - RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO AGENTE POLUIDOR - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA -
RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO AMBIENTAL NÃO COMPROVADO. 1. Não ocorre ofensa ao art.
535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da
lide. 2. A responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de
dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento
do direito de reparação. 3. Em regra, o descumprimento de norma administrativa não configura dano ambiental
presumido. 4. Ressalva-se a possibilidade de se manejar ação própria para condenar o particular nas sanções por
desatendimento de exigências administrativas, ou eventual cometimento de infração penal ambiental. 5. Recurso
especial não provido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp n. 1.140.549/MG. Ministério
Público do Estado de Minas Gerais versus Antônio Custódio da Silva. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgado em 06
abr. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
170
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental. Do individual ao coletivo
extrapatrimonial. Teoria e prática,. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 92-3.
87

que sofre lesão será diretamente indenizado. Em contrapartida, no segundo caso, tratam-se de
direitos difusos, coletivos stricto sensu e eventualmente individuais de dimensão coletiva e
por isso, a reparabilidade é feita de modo indireto, com vistas a resguardar o bem coletivo,
descartando assim, a ressarcibilidade de interesses próprios, individuais.
Quanto à extensão, tem-se o c.1) dano patrimonial ambiental, relativamente à
restituição, à recuperação, ou à indenização do bem lesado. E aqui, a nova tese proposta pelo
eminente Professor, de c.2) dano extrapatrimonial ou moral ambiental, referente à tudo que
diz respeito à sensação de dor experimentada ou conceito equivalente em seu mais amplo
significado ou todo prejuízo não patrimonial ocasionado à sociedade ou ao indivíduo, em
virtude da lesão ao meio ambiente. 171 E ainda:

Ademais, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos bens e


valores indispensáveis à personalidade humana, considerado essencial á
sadia qualidade de vida, portanto, à dignidade social. Nesta acepção, o
direito da personalidade ao meio ambiente justificar-se-ia, porque a
existência de um ambiente salubre e ecologicamente equilibrado representa
condição especial para um completo desenvolvimento da personalidade
humana. Com efeito, se a personalidade humana se desenvolve em
formações sociais e depende do meio ambiente para sua sobrevivência, não
há como negar um direito análogo a este. 172 [...] Crê-se que fica claro, neste
momento, que o dano extrapatrimonial passa por uma enorme
transformação no direito brasileiro, evoluindo de versão negativista para
sua aceitação e, até mesmo, a lesão a valores imateriais de uma pessoa de
ficção jurídica. Além do que, pode-se depreender que gradativamente a
doutrina e a jurisprudência vêm desvinculando o conceito do dano
extrapatrimonial do restrito significado de dor e sentimento, no que tange à
pessoa física. O direito brasileiro vem superando a visão limitada quanto à
extensão da personalidade jurídica e aos seus direitos e obrigações.173[...]

Todavia, tal posicionamento não é pacífico. Neste sentido, a doutrina de Stoco:

Antes de adentrar o tema sobre o qual se controverte, cabe obtemperar a


nossa não aceitação da tese colocada como premissa para sustentar a
posição de ser possível a existência de um dano moral ao meio ambiente,
qual seja, a de que a Magna Carta consagrou a possibilidade de a pessoa
jurídica ser sujeito ativo de crime. 174 [...] Não obstante polêmica questão,
cabe acrescentar em reforço, que a adoção da tese nenhum benefício ou
resultado prático alcançaria, considerando que a legislação extrapenal já
prevê punição ou imposição de penas de natureza administrativa à pessoas
jurídicas [...]. A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora
de individualidade própria; de um vultus singular e único. Os danos morais
são ofensas aos direitos da personalidade, assim como o direito à imagem

171
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 94.
172
Ibid., p. 273.
173
Ibid., p. 279-80.
174
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 1002.
88

constitui um direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa


sobre ela mesma. 175

Destarte, o tema acerca da responsabilidade extrapatrimonial ou moral ambiental se


mostra bastante controverso, na medida em que, a despeito dos inúmeros casos de danos que
possam ser ocasionados à natureza e ao meio ambiente em geral, tem que se ter em vista o
objetivo primordial de sempre tentar-se restaurar o ambiente degradado ao seu status quo ante,
caracterizado pela obrigação de fazer ou não fazer, em detrimento de uma obrigação
cominatória, determinada por uma indenização em certa quantia de valor ou a compensação
com determinado valor. Ademais, não há como se descartar a complexa dificuldade,
reconhecida pelo próprio autor, em se apurar o quantum debeatur referente à lesão moral,
para a qual sugere que, observadas as circunstâncias do caso concreto, utilize o magistrado, do
arbitramento, para a fixação do valor da condenação.
E por fim, uma última classificação: d) quanto aos interesses objetivados, a qual se
subdivide em d.1) interesse da coletividade em preservar o macrobem ambiental; e d.2)
interesse particular individual próprio, concernente a uma lesão ao meio ambiente a qual se
reflete no interesse particular da pessoa. 176
Para pleitear a tutela preventiva e repressiva ambiental, a ação popular e ação civil
pública são os instrumentos mais utilizados, muito embora exista ainda a possibilidade de
uma ação autônoma precipuamente inibitória, conforme proposto por Marinoni, o que
analisar-se-á em item próprio. 177 Passa-se a análise de tais ações.

2.2.2 Ação Popular Ambiental

A ação popular é um writ constitucional que teve sua origem com a promulgação da
Constituição da República de 1934 [fortemente influenciada pela Constituição Alemã de
Weimar, de 1919, de caráter eminentemente social], regulamentada, posteriormente, pela Lei
4.717/65, com escopo principal de proteção ao patrimônio público. Em 1977, a Lei 6.513
alterou o §1º, do art. 1º, da Lei 4.717/65, e incluiu na definição de patrimônio público, os bens
e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
Na atual Constituição, possui previsão expressa no artigo 5º, inciso LXXIII, o qual
ampliou seu objeto em relação à Lei de 1965, in verbis:
175
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 1003
176
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p.94.
177
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. Individual e Coletiva. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, passim.
89

Art. 5º [...]:
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Segundo Leite, a ação popular ambiental evidencia um meio de defesa da cidadania


ambiental, o qual abre espaço para intervenção direta do indivíduo, em verdadeira
possibilidade do exercício da cidadania participativa nas correções das disfunções existentes
nas tarefas da proteção ambiental como bem pertencente à coletividade. 178
Para Mirra, a ação popular ambiental representa uma cidadania social, expressa na
participação política ativa, direta e semidireta na vida da sociedade, e não mais apenas como
179
cidadania política, restrita ao exercício periódico do direito político de eleger e ser eleito.
Destarte, a ação popular de modo geral, e em especial a ação popular ambiental é
exemplo de exercício da cidadania e da democracia direta, porquanto tem o condão de
permitir ao cidadão a fiscalização direta dos atos do Poder Público.
Seu objetivo primordial é a anulação ou declaração de nulidade de ato lesivo ao
patrimônio público, ao meio ambiente, ou a moralidade administrativa, de natureza
predominantemente desconstitutiva – ação popular repressiva, muito embora, se reconheça, na
doutrina e jurisprudência, a possibilidade de sua utilização em face de omissão do Poder
Público na tutela do meio ambiente, in verbis:

Mesmo quando particular polui rios, lagos, nascentes ou o ar que se respira,


a mata, etc., poderá ser responsabilizado o Poder Público por omissão, se
comprovado não ter exercitado, como lhe cumpre, o poder fiscalizatório que
a lei lhe comete e da qual não pode se distrair, por se traduzir esse poder em
dever, que se exerce através de atos administrativos vinculados de
fiscalização e eventual coibição e, portanto, obrigatórios. 180

178
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 156.
179
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente no direito brasileiro.
São Paulo: Letras Jurídicas, 2011, p. 232-3.
180
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 986. E, ainda: EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO
POPULAR. INTERESSE DE AGIR. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. 1. O recurso especial não é a via adequada para análise da suscitada afronta ao art. 5º,
LXXIV e LV, da CF, cujo exame é da competência exclusiva da Suprema Corte,
a teor do contido no art. 103 da Carta Magna. 2. As condições gerais da ação popular são as mesmas para
qualquer ação: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade para a causa. 3. A ação popular
pode ser ajuizada por qualquer cidadão que tenha por objetivo anular judicialmente atos lesivos ou ilegais aos
interesses garantidos constitucionalmente, quais sejam, ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. 4. A ação popular é
o instrumento jurídico que deve ser utilizado para impugnar atos administrativos omissivos ou comissivos que
possam causar danos ao meio ambiente. 5. Pode ser proposta ação popular ante a omissão do Estado em
promover condições de melhoria na coleta do esgoto da Penitenciária Presidente Bernardes, de modo a que
90

Considerando a dupla natureza jurídica da ação popular, consistente na defesa de


bens de natureza pública [patrimônio público] e difusa [meio ambiente], isto implicará a
adoção de procedimentos distintos. Tratando-se da defesa do meio ambiente, o procedimento
a ser adotado será o previsto na LACP e no CDC [...], base da jurisdição civil coletiva. Por
outro lado, tratando-se de bem de natureza pública, o procedimento será o previsto da Lei
4.717/65. 181
Embora a Lei da ação popular permita em seu art. 11, a condenação em perdas em
danos, é sabido que a tutela pelo equivalente em dinheiro não é apropriada à proteção do bem
ambiental, de tal maneira que a adoção dos ritos previstos na Lei da Ação Civil Pública e no
Código de Defesa do Consumidor, com possibilidade de tutela específica da obrigação,
conforme previsão dos arts. 11, da LACP, e 84, do CDC, mostram-se mais apropriados à
tutela preventiva e repressiva do meio ambiente. 182
A ação popular ambiental preventiva tem o fito de impedir o Poder Público de editar
ato ilegal e potencialmente lesivo aos recursos ambientais. Com efeito, para que a ação seja
conhecida, é preciso que o autor demonstre cumulativamente a ilegalidade e a lesividade do
ato ao patrimônio público, ao meio ambiente ou à moralidade administrativa, salvo as
hipóteses de nulidade plena previstas nos artigos 2º e 4º, da Lei n. 4.717/65.
Logo, nota-se que na ação popular ambiental a cominação principal não é
condenatória - como na ação civil pública, em que o objeto é mais amplo – mas sim, a
anulação do ato ilegal e lesivo.
Todavia, entende-se ser plenamente possível a reparação dos danos em sede de ação
popular, desde que seja a forma de reconstituir o bem jurídico lesado pelo ato ilegal praticado
pelo Poder Público e pelos eventuais particulares que concorreram para a sua prática,
conforme previsão do art. 11, da Lei 4.717/65, verbis: A sentença que, julgando procedente a
ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e

cesse o despejo de elementos poluentes no Córrego Guarucaia (obrigação de não fazer), a fim de evitar danos
ao meio ambiente. 6. A prova pericial cumpre a função de suprir a falta ou insuficiência de conhecimento técnico
do magistrado acerca de matéria extra-jurídica, todavia, se o juiz entender suficientes as provas trazidas aos
autos, pode dispensar a prova pericial, mesmo que requeridas pelas partes. 7. Recurso especial conhecido em
parte e não provido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp n. 889.766/SP. Fazenda do
Estado de São Paulo versus José Francisco Medina e outro. Rel. Min. Castro Meira. Julgado em 04 out. 2007.
Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10 mar. 2014. [grifos nossos]
181
FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 595.
182
A ação popular possui algumas limitações: [...] não se presta ela à prevenção, à correção ou à reparação de
lesões decorrentes de atividades ou omissões atribuídas exclusivamente aos particulares, ou à prevenção e à
reparação de danos que não se vinculem à prévia invalidação de atos administrativos. In: MIRRA, A. L. V.
Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 238.
91

danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva
contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.
Portanto, caso o ente ambiental tenha outorgado licença de operação que desatenda a
legislação ambiental, culminando a atividade do empreendedor em danos ao meio ambiente, a
simples desconstituição do ato não restaurará o status quo ante. Assim, mostrar-se-á cabível a
cominação de reparar o dano ambiental.
Quanto à legitimidade ativa para a propositura de ação popular, conferida ao cidadão
eleitor [§3º, do art. 1º, da Lei 4.717/65], esta tem sido motivos de críticas pela doutrina:

[...] basta a condição de nacional ou estrangeiro residente no País para o


ajuizamento pelo indivíduo da ação popular em matéria ambiental, não se
admitindo qualquer controle pelo juiz, nas hipóteses concretas, quanto à
legitimidade ativa do autor popular, à luz de sua representatividade como
portador do interesse da sociedade na preservação da qualidade
ambiental. 183

Todavia, o tema parece ter sido pacificado pela jurisprudência, conforme se


depreende de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, o qual reproduz-se inteiro
teor. 184

183
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 233. Nesse sentido também,
Leite: “[...] se for ponderado que a cidadania ambiental hoje é atinente a questões transfronteiriças, dada a
dimensão do problema, chega-se à conclusão de que, tratando-se de patrimônio público, mas conecto com o
meio ambiente, não haveria óbice para que a defesa popular fosse exercida pelo estrangeiro, residente no país.”
In: LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 161.
184
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ELEITOR COM DOMICÍLIO ELEITORAL EM
MUNICÍPIO ESTRANHO ÀQUELE EM QUE OCORRERAM OS FATOS CONTROVERSOS.
IRRELEVÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CIDADÃO. TÍTULO DE ELEITOR. MERO MEIO DE PROVA.
1. Tem-se, no início, ação popular ajuizada por cidadão residente e eleitor em Itaquaíra/MS em razão de fatos
ocorridos em Eldorado/MS. O magistrado de primeiro grau entendeu que esta circunstância seria irrelevante para
fins de caracterização da legitimidade ativa ad causam, posição esta mantida pelo acórdão recorrido - proferido
em agravo de instrumento. 2. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 1º,
caput e § 3°, da Lei n. 4.717/65 e 42, p. único, do Código Eleitoral, ao argumento de que a ação popular foi
movida por eleitor de Município outro que não aquele onde se processaram as alegadas ilegalidades. 3. A
Constituição da República vigente, em seu art. 5º, inc. LXXIII, inserindo no âmbito de uma democracia de cunho
representativo eminentemente indireto um instituto próprio de democracias representativas diretas, prevê que
"qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência" (destaque acrescentado). 4. Note-se que a legitimidade ativa é deferida a cidadão. A afirmativa é
importante porque, ao contrário do que pretende o recorrente, a legitimidade ativa não é do eleitor, mas do
cidadão. 5. O que ocorre é que a Lei n. 4717/65, por seu art. 1º, § 3º, define que a cidadania será provada por
título de eleitor. 6. Vê-se, portanto, que a condição de eleitor não é condição de legitimidade ativa, mas apenas
e tão-só meio de prova documental da cidadania, daí porque pouco importa qual o domicílio eleitoral do autor
da ação popular. Aliás, trata-se de uma exceção à regra da liberdade probatória (sob a lógica tanto da
atipicidade como da não-taxatividade dos meios de provas) previsto no art. 332, CPC. 7. O art. 42, p. único, do
Código Eleitoral estipula um requisito para o exercício da cidadania ativa em determinada circunscrição
eleitoral, nada tendo a ver com prova da cidadania. Aliás, a redação é clara no sentido de que aquela disposição é
apenas para efeitos de inscrição eleitoral, de alistamento eleitoral, e nada mais. 8. Aquele que não é eleitor em
certa circunscrição eleitoral não necessariamente deixa de ser eleitor, podendo apenas exercer sua cidadania em
92

Com efeito, a atribuição ao cidadão da legitimidade na defesa jurisdicional do meio


ambiente, via ação popular, aperfeiçoa o exercício da tarefa solidária do poder público e da
coletividade na consecução do dever de proteção ambiental, em consonância ao que prevê o
texto constitucional.
Deste modo, embora muito se discuta acerca da amplitude do conceito técnico-
jurídico de cidadão, este fator não deve ser relevante para sua determinação processual, na
medida em que permite aos cidadãos o cumprimento de seu dever constitucional de proteção
do meio ambiente. Destaque-se que o autor estará isento do pagamento de custas e ônus
sucumbenciais, conforme previsão do inc. LXXIII, do art. 5º, da CRFB/88, salvo comprovada
má-fé.
Os legitimados passivos estão previstos do art. 6º da referida Lei [pessoas públicas
ou privadas], dentre os quais se incluem as entidades referidas no art. 1º, havendo inclusive,
possibilidade de formação de litisconsórcio passivo facultativo, em razão da responsabilidade
objetiva e solidária na reparação do dano ambiental, conforme analisar-se-á no item
subsequente. Portanto, em termos gerais, qualquer entidade que se enquadre no conceito de
poluidor previsto na Lei 6.938/81, poderá ser responsabilizada.
A sentença terá eficácia erga omnes, conforme disposição do art. 18, exceto nos
casos de improcedência por deficiência de provas, caso em que a mesma ação poderá ser
intentada novamente, com fundamento em nova prova.

outra circunscrição. Se for eleitor, é cidadão para fins de ajuizamento de ação popular. 9. O indivíduo não é
cidadão de tal ou qual Município, é "apenas" cidadão, bastando, para tanto, ser eleitor. 10. Não custa mesmo
asseverar que o instituto do "domicílio eleitoral" não guarda tanta sintonia com o exercício da cidadania, e sim
com a necessidade de organização e fiscalização eleitorais. 11. É que é entendimento pacífico em doutrina e
jurisprudência que a fixação inicial do domicílio eleitoral não exige qualquer vínculo especialmente qualificado
do indivíduo com a circunscrição eleitoral em que pretende se alistar (o art. 42, p. único, da Lei n. 4.737/65 exige
tão-só ou o domicílio ou a simples residência , mas a jurisprudência eleitoral é mais abrangente na interpretação
desta cláusula legal, conforme abaixo demonstrado) - aqui, portanto, dando-se ênfase à organização eleitoral. 12.
Ainda de acordo com lições doutrinárias e jurisprudenciais, somente no que tange a eventuais transferências de
domicílio é que a lei eleitoral exige algum tipo de procedimento mais pormenorizado, com demonstração de
algum tipo de vínculo qualificado do eleitor que pretende a transferência com o novo local de alistamento (v. art.
55 da Lei n. 4.737/65) - aqui, portanto, dando-se ênfase à fiscalização para evitação de fraude eleitoral. 13.
Conjugando estas premissas, nota-se que, mesmo que determinado indivíduo mude de domicílio/residência, pode
ele manter seu alistamento eleitoral no local de seu domicílio/residência original. 14. Neste sentido, é
esclarecedor o REspE 15.241/GO, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJU 11.6.1999. 15. Se é assim - vale dizer, se
não é possível obrigar que à transferência de domicílio/residência siga a transferência de domicílio eleitoral -, é
fácil concluir que, inclusive para fins eleitorais, o domicílio/residência de um indivíduo não é critério suficiente
para determinar sua condição de eleitor de certa circunscrição. 16. Então, se até para fins eleitorais esta relação
domicílio-alistamento é tênue, quanto mais para fins processuais de prova da cidadania, pois, onde o
constituinte e o legislador não distinguiram, não cabe ao Judiciário fazê-lo - mormente para restringir
legitimidade ativa de ação popular, instituto dos mais caros à participação social e ao controle efetivo dos
indivíduos no controle da Administração Pública. 17. Recurso especial não provido. In: BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp n. 1.242.800/MS. Mara Elisa Navacchi Caseiro versus Nelson de Miranda.
Interessados: Município de Eldorado; Paulo Junges Advogados Associados; e Ignácio Carlos Pinto. Rel. Min.
Mauro Campbell. Julgado em 07 jun. 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso
em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
93

Como direito subjetivo fundamental, a ação popular ambiental é ferramenta


colocada pela Carta Magna à disposição do cidadão, a fim de possibilitar o controle
preventivo e repressivo dos atos estatais e de instituições privadas, que tragam em seu bojo
características lesivas ao patrimônio natural, configurando-se assim, como direito e dever
fundamental, capaz de inibir o ilícito, e por via reflexa, efetivar um Estado Democrático-
Participativo.

2.2.3 Ação Civil Pública

Conforme já citado acima, a ação civil pública é disciplinada pela Lei n. 7.347/85,
que é a norma geral sobre o tema, conquanto essa garantia fundamental para proteção do meio
ambiente já fosse prevista, no §1º, do artigo 14, da Lei 6.938/81, que instituiu a Política
Nacional do Meio Ambiente.
Possui ainda previsão constitucional, como uma das [principais] funções
institucionais do Ministério Público: Art. 129. São funções institucionais do Ministério
Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
O regime jurídico da ação civil pública é complementado pelo Título III, do Código
de Defesa do Consumidor, formando-se assim, um microssistema processual coletivo, que
permite a aplicação integrada de ambas as leis.
Eventualmente, as lacunas existentes neste microssistema poderão ser supridas, de
forma subsidiária, pelas normas constantes no Código de Processo Civil: ainda que este
diploma seja responsável pela tutela dos direitos individuais, estabelece também regras gerais
de procedimento. Desta forma, as disposições do Código de Processo Civil, com fortes
características do Estado Liberal, apenas serão aplicadas supletivamente, no que couber, pois
contêm regras e princípios geralmente relacionados aos direitos individuais disponíveis, o que
faz com que alguns dispositivos mostrem-se incompatíveis com o processo civil coletivo.
No que tange à legitimidade ativa para propositura de ação civil pública, esta é
concorrente [qualquer dos legitimados pode intentar a ação]; disjuntiva [um legitimado não
elimina o outro]; e ope legis [por força de lei, na qual consta rol exaustivo]. Por vezes, como
no caso das associações e entidades da administração pública indireta, a legitimidade poderá
ser ope judicis, ou seja, aferida judicialmente, mediante controle da representatividade
adequada da entidade, consoante alíneas “a” e “b”, do inc. V, do art. 5º, da Lei 7.347/85, que inclui
94

constituição há pelo menos um ano e pertinência temática – causa de pedir relacionada às


finalidades institucionais da entidade. 185
Os legitimados ativos estão relacionados no art. 5º e incisos, da Lei 7.347/85, com
redação determinada pela Lei 11.448/07, a saber: Ministério Público, Defensoria Pública,
administração direta e indireta e associações. Quanto à legitimidade passiva, assim como na
ação popular, caberá a todo aquele que se enquadre no conceito de poluidor, previsto no art.
3º, inc. IV, da Lei 6.938/81.
Interessante aspecto a ser colacionado diz respeito ao objeto da ação civil pública: de
grande amplitude, não se limitará apenas aos danos morais e materiais causados aos interesses
transindividuais, conforme previsão do art. 1º da Lei. Na verdade, seu objeto será
exteriorizado através da tutela pretendida, que poderá ser cautelar [art. 5º], condenatória ou
cominatória [art. 3º e 11], consistente em obrigação de fazer ou não fazer.
Atualmente, a jurisprudência pacificou a possibilidade de cumulação dos pedidos
condenatório e cominatório em ações civis públicas, especialmente as ambientais, em virtude
do princípio da Reparação In Integrum. 186conforme jurisprudência colacionada. Não obstante,
há o reforço da doutrina do caráter subsidiário da indenização, verbis:

185
Recentemente, a alínea “b”, do inc. V, do art. 5º, da Lei n. 7.347/85, sofreu alteração em sua redação para
inclusão de instituições que tratem da proteção aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos [Lei n.
12.966/2014].
186
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. GARIMPO ILEGAL DE OURO EM ÁREA
DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. ARTS. 4º, VII, E 14, §
1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO
POLUIDOR-PAGADOR. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA
DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE.
INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DAS NORMAS AMBIENTAIS. 1. A legislação de amparo dos
sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais
favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi de sua
garantia. 2. Na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não
introduz alternativa excludente. 3. No Direito brasileiro, vigora o princípio da reparação in integrum ao dano
ambiental, que é multifacetário (ética, temporal e ecologicamente falando, mas também quanto ao vasto
universo das vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos
ecológicos em si mesmos considerados). 4. Se a restauração ao status quo ante do bem lesado pelo degradador
for imediata e completa, não há falar, como regra, em indenização. 5. A reparação ambiental deve ser feita da
forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de
indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio
ambiente afetado (= dano interino ou intermediário ), bem como pelo dano moral coletivo e pelo dano residual
(= degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de restauração). 6. A obrigação de
recuperar in natura o meio ambiente degradado é compatível e cumulável com indenização pecuniária por
eventuais prejuízos sofridos. Precedentes do STJ. 7. Além disso, devem reverter à coletividade os benefícios
econômicos que o degradador auferiu com a exploração ilegal de recursos ambientais, “bem de uso comum do
povo”, nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal, quando realizada em local ou circunstâncias
impróprias, sem licença regularmente expedida ou em desacordo com os seus termos e condicionantes. 8. Ao
STJ descabe, como regra, perquirir a existência de dano no caso concreto. Análise que esbarra, ressalvadas
situações excepcionais, na Súmula 7/STJ. Tal juízo fático é de competência das instâncias a quo, diante da prova
carreada aos autos. 9. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de
cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem
95

Tem, pois, caráter subsidiário [a indenização a que se refere a Lei 6.938/81],


na medida em que havendo condenação em obrigação de fazer, consistente
em recompor a área atingida, a fixação de valor a título de indenização não
se justifica, nem encontra supedâneo jurídico. Mas, se impossível essa
recomposição, então se impõe a aplicação subsidiária do mecanismo da
reparação em espécie, se comprovado o dano ecológico ao meio
ambiente. 187

Igualmente aceita, pela doutrina e jurisprudência, a possibilidade de impugnação de


lei ou ato normativo em caráter incidental, incidenter tantum, 188 como questão prejudicial, no
controle difuso de constitucionalidade, sob pena de usurpação da competência do Supremo
Tribunal Federal.
Ademais, a procedência da ação abrangerá a todos, com eficácia erga omnes, e só
será julgada improcedente, obstando nova e idêntica ação, quando comprovadamente inexistir
ilícito, dano ou obrigação de fazer e de não fazer. Esta é a dicção do polêmico art. 16, da Lei
7.347/85, com redação determinada pela Lei n. 9.494/97, o qual fixa os limites subjetivos da
sentença à competência territorial do órgão julgador: mesmo quando julgada improcedente, é
admissível a propositura da mesma ação, inclusive pelo mesmo legitimado, desde que a
improcedência tenha sido motivada pela insuficiência de provas. Ressalte-se que tal

lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e
para fixar o eventual quantum debeatur. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp n.
1.114.893/MG. Ministério Público de Minas Gerais versus Vale do Rio Sul Mineradora Ltda. Rel. Min. Herman
Benjamin. Julgado em 02 dez. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10
mai. 2014. [grifos nossos]
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO
CARACTERIZADA – DANO AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA –
RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA – REPOSIÇÃO NATURAL: OBRIGAÇÃO DE FAZER E
INDENIZAÇÃO – CABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide,
fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Tratando-se de direito difuso, a reparação
civil ambiental assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do
degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente
da culpa do agente causador do dano. 3. A condenação do poluidor em obrigação de fazer, com o intuito de
recuperar a área degradada pode não ser suficiente para eximi-lo de também pagar uma indenização, se não for
suficiente a reposição natural para compor o dano ambiental. 4. Sem descartar a possibilidade de haver
concomitantemente na recomposição do dano ambiental a imposição de uma obrigação de fazer e também a
complementação com uma obrigação de pagar uma indenização, descarta-se a tese de que a reposição natural
exige sempre e sempre uma complementação. 5. As instâncias ordinárias pautaram-se no laudo pericial que
considerou suficiente a reposição mediante o reflorestamento, obrigação de fazer. 6. Recurso especial
improvido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp 1.165.281/MG. Ministério Público do
Estado de Minas Gerais versus Geraldo Magela da Silva. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgado em 06 mai. 2010.
Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
187
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 993.
188
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA:
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. In:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. RE n. 645.508 AgR/SP. Ministério Público Federal versus
Associação de Denvolvimento do Leste do Guarujá – Adelg. Interessados: Estado de São Paulo e Minicípio
de Guarujá. Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgado em 22 nov. 2011. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/>. Acesso em: 10 mai. 2014.
96

dispositivo é complementado pelo art. 103 e incisos da Lei n. 8.078/90, que também
contemplam a coisa julgada nas ações coletivas.
Por fim, ressalte-se apenas que, caso o Ministério Público não intervenha como parte
integrante do processo, deverá obrigatoriamente atuar como fiscal da lei, conforme expressa
previsão do §1º, do artigo 5º, da Lei 7.347/85.

2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL PELO DANO

O Estado Moderno viu-se na contingência de preservar o meio ambiente para


assegurar a sobrevivência das gerações futuras em condições satisfatórias de alimentação,
saúde, e bem estar. Para tanto, verificou-se o surgimento de diversas limitações as quais
implicam a salvaguarda do bem ambiental, tais como, o controle da poluição, a preservação
dos recursos naturais e a recuperação dos danos causados.
Acompanhando esta preocupação, o §3º do art. 225, da CRFB/88, previu a tríplice
responsabilidade do poluidor [pessoa física ou como jurídica] em virtude de danos
provocados ao meio ambiente: a sanção penal, por conta da chamada responsabilidade penal,
a sanção administrativa, em decorrência da denominada responsabilidade administrativa, e a
sanção civil, em razão da responsabilidade vinculada à obrigação de reparar danos causados
ao meio ambiente.
Ou seja, inexiste bis in idem na aplicação das sanções penais e administrativas
juntamente com a indenização, uma vez que a regra é a independência das instâncias.
A responsabilidade civil por danos ambientais é tema alvo de grandes polêmicas e
inúmeras indefinições, sendo certo que possui um regime jurídico próprio, pois composta de
normas específicas ambientais, apenas utilizando as normas dos demais ramos jurídicos
supletivamente, no que for compatível, especialmente do Direito Civil e Administrativo.
De importância internacionalmente reconhecida, a responsabilidade civil por danos
ambientais foi prevista também na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento [1992], em seu Princípio 13, verbis:

Os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade


e à indenização das vítimas de poluição e de outros danos ambientais. Os
Estados irão também cooperar, de maneira expedita e mais determinada, no
desenvolvimento do direito internacional no que se refere à
responsabilidade e à indenização por efeitos adversos dos danos ambientais
97

causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua


jurisdição ou sob seu controle. 189

Antes mesmo do estabelecimento deste relevante preceito de caráter internacional, o


Brasil já contava com a Lei n. 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente, que concebe
em seu artigo 3º, inciso IV, o conceito legal de poluidor, como sendo a pessoa física ou
jurídica, de direito público ou privado, responsável, diretamente ou indiretamente, por
atividade causadora de degradação ambiental.
Poluição ambiental, por sua vez, vem definida no artigo 3º, inciso III, e alíneas, da
mesma lei, como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou
indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições
adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as
condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo
com os padrões ambientais estabelecidos.
Desta forma, enquadra-se o dano ecológico, dentro do que estabelece a Lei Civil
Brasileira, no art. 944 do CC, conjugado ao art. 187 do CC, constituindo-se em autêntico
abuso do direito, por ser o problema da vizinhança ligado, por sua origem, às obrigações
decorrentes do direito de propriedade, mas submetido também às regras da responsabilidade
civil, com o sentido de abuso no exercício de um direito. 190
Vale destacar que a poluição poderá ser lícita ou ilícita. Se uma pessoa desmata parte
da vegetação de sua fazenda amparada por regular licenciamento ambiental, haverá uma
poluição lícita, pois realizada dentro dos padrões de tolerância da legislação ambiental e com
base em licença, o que exclui qualquer responsabilidade administrativa ou criminal do
poluidor. Contudo, mesmo a poluição licenciada não exclui a responsabilidade civil do
poluidor, na hipótese de geração de danos ambientais, pois esta não é sancionatória, e sim
reparatória.
Há uma tendência específica no Direito Ambiental em buscar responsabilizar quem
tem mais condições de arcar com os prejuízos ambientais, uma vez que prevalece que todos
os poluidores são responsáveis solidariamente pelos danos ambientais. Deste modo,

Mesmo quando o particular polui rios, lagos, nascentes ou o ar que se


respira, a mata, etc., poderá ser responsabilizado o Poder Público por

189
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 14 de junho de 1992. Disponível
em: <http://www.onu.org.br/ rio20/img/2012/ 01/rio92.pdf>. Acesso em: 10 Jul. 2012.
190
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 984, em referência às lições de Cunha Barreto.
98

omissão, se comprovado não ter exercitado, como lhe cumpre, o poder


fiscalizatório que a lei lhe comete e da qual não pode se distrair, por se
traduzir esse poder em dever, que se exerce através de atos administrativos
vinculados de fiscalização e eventual coibição e, portanto, obrigatórios. 191

A conduta do poluidor poderá ainda ser comissiva ou omissiva. Neste último caso,
que também dispensa a análise da culpa [negligência], é preciso que o agente tenha o dever de
atuar para evitar a ocorrência do dano ambiental, em decorrência de previsão legal, contratual
ou por um comportamento anterior que tenha criado ou majorado um risco ambiental. 192
Quanto ao nexo causal, Leite leciona o seguinte:

No que tange ao nexo causal – vínculo que une conduta e resultado lesivo –
sua determinação poderá variar de acordo com a teoria que se adote.
Configura-se este, indispensável para toda a responsabilização civil, mesmo
a objetiva, fundada na Teoria do Risco Integral. A despeito das inúmeras
teorias que visam elucidar o tema, à luz da legislação ambiental brasileira,
que responsabiliza civilmente tanto o poluidor direto quanto o indireto, crê-
se que é possível adotar-se teorias diversas [dos danos diretos e da
equivalência das condições causais] para a delimitação do nexo causal de
ambos. 193

Portanto, também na responsabilidade pelo dano ambiental, configura-se o nexo


causal elemento fundamental para a imputação do ato ilícito ao agente poluidor, embora
encontre-se jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que dispense este elemento. 194

191
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 986.
192
Cf. PAULA, Jônatas Moreira de. Direito processual ambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009, p.
70-1.
193
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 120.
194
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL –
CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA – ARTS. 3º,
INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 – IRRETROATIVIDADE DA LEI – PREQUESTIONAMENTO
AUSENTE: SÚMULA 282/STF – PRESCRIÇÃO – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA
284/STF – INADMISSIBILIDADE. 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não
exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. 2. Excetuam-se à
regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado
porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo
proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. 3. A solidariedade nessa hipótese decorre da
dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano,
ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado. 5. Comprovado que a empresa Furnas
foi responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente a ela cabe a reparação, apesar de o imóvel já ser de propriedade
de outra pessoa jurídica. 6. É inadmissível discutir em recurso especial questão não decidida pelo Tribunal de
origem, pela ausência de prequestionamento. 7. É deficiente a fundamentação do especial que não demonstra
contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não
provido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp 1.056.540/GO. Furnas Centrais Elétricas
S/A versus Ministério Público do Estado de Goiás. Interessado: Alvorada Administração e Participações S/A.
Rel. Min. Eliana Calmon. Julgado em 25/08/2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>.
Acesso em: 10 mai. 2014.
99

No ordenamento jurídico brasileiro, em especial no Código Civil, a indenização


apenas visa recompor o bem jurídico lesado, não tendo normalmente caráter sancionatório e
pedagógico, na medida em que não se configura como regime jurídico adequado à proteção
ambiental, pois não atende aos Princípios da Prevenção e Precaução.
Literalmente, a responsabilidade civil objetiva do poluidor por danos ambientais não
é prevista na CRFB/88, contudo, alguns doutrinadores entendem-na presente de forma
implícita [no §3º, do art. 225, da CRFB/88]. 195 A responsabilidade civil subjetiva vem
perdendo campo para a objetiva, afastando-se a culpa e inserindo-se o risco, especialmente na
esfera ambiental, pois o poluidor deve adicionar, por estimativa, o custo de eventuais danos
ambientais nas despesas do empreendimento que mantém.
Não obstante, é posição amplamente prevalecente que é objetiva a responsabilidade
civil ambiental no Brasil, em razão do disposto no §1º, do artigo 14, da Lei 6.938/81:

Art. 14 [...]:
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar
ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá
legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por
danos causados ao meio ambiente.

Com efeito, ao adotar a responsabilidade objetiva com base na teoria do risco da


atividade, o legislador favoreceu a prevenção e reparação dos danos ambientais, bastando ao
autor da ação comprovar o evento danoso e o nexo de causalidade. Apenas será excluída a
obrigação de indenizar se o empreendedor demonstrar que inexiste dano ambiental ou se o
mesmo não decorreu direta ou indiretamente da atividade que desenvolve.
Identifica-se na doutrina duas correntes aplicáveis a responsabilidade objetiva por
danos ambientais: a teoria do risco integral, a qual implica na prescindibilidade das
excludentes do fato de terceiro, culpa concorrente da vítima, do caso fortuito e da força maior:

Neste caso, o fundamento de sua responsabilidade civil não é a culpa mas,


sim, o risco, e sua obrigação não depende nem altera a existência de
autorização, pois está alicerçado em uma exigência de justiça e equidade: o
lesado não deve suportar um dano que, em sua origem, beneficia
economicamente o agente. 196

195
Cf. FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 126.
196
LEITE, J. R. M; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 133, em referência aos posicionamentos de Helita
Barreira Custódio e Eulalia Moreno Trujillo. Neste sentido também, BENJAMIN, Antonio Herman. A
responsabilidade civil pelo dano ambiental no direito brasileiro e as lições do direito comparado. Biblioteca
Digital Jurídica do STJ – BDJur. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/handle/2011/8632>. Acesso em:
20 mai. 2014.
100

E na contramão, a teoria do risco criado, na qual afirma-se que a responsabilidade


civil objetiva por dano ambiental, no direito brasileiro, implica admitir as excludentes de
responsabilidade. Nesta senda, Stoco:

[...] Tal posicionamento [que afirma a não incidência de qualquer causa


excludente] ofende não só o direito positivo como e principalmente os
princípios que informam o instituto da responsabilidade civil. Seria a suma
incoerência exigir-se o nexo causal, que o mínimo para efeito de
responsabilização por danos e, ao mesmo tempo, não admitir a
possibilidade de uma que causa que possa rompê-lo, máxime considerando
que o nexo causal se refere a fatos. Serve o nexo causal de elemento
indispensável de ligação entre o autor da ação ou omissão e o dano sendo,
portanto, um dos elementos essenciais da responsabilidade civil, mas que se
converte, como visto no vínculo entre a conduta e o resultado.197

Note-se que, caso a sentença penal absolutória seja fundada na inexistência de fato
ou de autoria, esta também vinculará o juízo cível, tal como dispõe o art. 935 do CC.

2.4 TUTELA ESPECÍFICA DA OBRIGAÇÃO

Ao longo dos tempos, a crescente necessidade de proteção ambiental fez com que,
além de serem mantidas as funções básicas do instituto da responsabilidade civil, as demais
fossem ampliadas. Assim, versando a demanda sobre a imposição de sanção jurídica
decorrente de responsabilidade ambiental, há que se atentar pela incessante busca da tutela
específica.
Em sua obra, Luiz Guilherme Marinoni 198 adverte que as tutelas de direitos voltadas
a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, bem como a tutela voltada para a
remoção um ato ilícito de eficácia continuada, não são tutelas dirigidas contra o dano, ou
mesmo contra a sua probabilidade; são, na verdade, tutelas preocupadas em prevenir ou
remover o ilícito, independentemente do fato de ele poder ocasionar o dano, ou mesmo de este
já ter sido produzido.
Em decorrência disso, Marinoni denuncia a insuficiência da classificação trinária das
tutelas jurisdicionais clássicas – declaratória, condenatória, constitutiva [positiva ou negativa].

197
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 989. Cf. ainda: MUKAI, Toshio. Responsabilidade civil
objetiva por dano ambiental com base no risco criado. Fórum de direito urbano e ambiental, n. 4, p. 334-6,
jul/ago 2002.
198
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. Individual e coletiva. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, passim.
101

Tal concepção da tutela jurisdicional não se revela adequada para os novos valores sociais e o
modelo que se impõe ao Estado, em especial para a tutela dos direitos coletivos lato sensu.
Assim, torna-se necessário aplicar e reconceituar uma quarta espécie de tutela, a
mandamental, eis que a ordem dela proveniente e a aplicação da multa para fins de
adimplemento revelam o efetivo uso da força estatal contida no mandamento.
Para tanto, os artigos 461, do CPC: Na ação que tenha por objeto o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento; e 84 do CDC: Na ação que tenha por objeto o cumprimento
da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento
- aplicáveis às ações civis públicas por força do artigo 21, da Lei n. 7.347/85, se apresentam
como modelo jurídico para a tutela específica adequada, especialmente ao direito material
ambiental, afastando-se da tutela cautelar, inadequada para inibir o ilícito ou o dano, ou para
removê-los.
Por esse motivo, Marinoni propõe a compreensão de que o processo deve dar aos
direitos subjetivos a máxima efetividade das técnicas processuais, pois essas técnicas,
incluindo a mandamental, visam permitir a efetividade das tutelas necessárias para a proteção
das várias situações de direito substancial.
Paula também leciona acerca do tema, in verbis:

A tutela específica está a impor ao direito processual o desenvolvimento de


técnicas aptas a produzir o resultado próprio do direito material litigado.
Note-se que a tutela específica pode ser efetivada mediante a prestação
pecuniária, quando esta for a própria obrigação a ser cumprida, como na
ação em que visa a indenização por danos materiais ou morais. Mas a tutela
específica poderá ser consistente na obrigação de fazer, se esta é a
obrigação a ser adimplida, como o fiel cumprimento contratual. 199

Quanto à tutela específica ressarcitória, ou pelo equivalente monetário, esta advirá


quando restar impossível o cumprimento da obrigação assinalada na forma específica, ou
diante do desinteresse do credor por esta. Um exemplo é o da ação que obriga o réu a
replantar árvores que foram indevidamente cortadas: trata-se de tutela pelo resultado
equivalente, visto que não há como recolocar as árvores originárias e ainda, repor o
microssistema ecológico que foi abalado.

199
PAULA, J. L. M. de. Direito processual ambiental, p. 171.
102

Sobre a obrigação de dar quantia determinada, Marinoni leciona que, o certo é que
não se pode admitir, no campo do direito ambiental, a troca da tutela específica e preventiva
do bem tutelado pela tutela ressarcitória sob pena de admitir-se, implicitamente, uma lógica
perversa, que justificaria o poluo mas pago. 200 Desta forma, a ação civil pública mostra-se
como instrumento de tutela adequada, quando nela postular-se a condenação do réu à multa
ambiental, segundo o artigo 13, da Lei n. 7.347/85, cuja redação não deixa qualquer dúvida: a
multa irá compor um fundo [Fundos dos Direitos Difusos] cujo recurso será destinado à
reconstituição dos bens lesados.
Integra também a concepção da tutela específica, a técnica reintegratória, que
permite o restabelecimento da situação que era anterior ao ato contrário ao direito, ou ainda,
que se estabeleça a situação que deveria estar vigorando caso a norma tivesse sido observada.
Na forma específica, a tutela reintegratória é voltada contra o ilícito, ao passo que a
tutela ressarcitória incide sobre o dano. A instalação de determinada tecnologia pela empresa
ré, a fim de evitar a produção de poluição, se apresenta como exemplo de tutela jurisdicional
reintegratória pela forma específica.
Em vistas das técnicas processuais que possibilitam a efetivação do direito material
pelo modo específico, há que se despertar pela preocupação pela reparação não monetizada
do dano ambiental. 201 Considerando-se o meio ambiente como bem jurídico de titularidade
difusa e procurando resguardar as prestações normativas e fáticas necessárias e suficientes
como o mínimo ecológico de existência 202 para a vida humana, verifica-se a impossibilidade
de se transformar em pecúnia a reparação pela ofensa ao meio ambiente como forma de
satisfação pelo ilícito cometido.
Desta forma, como dever fundamental constante da Constituição, cabe ao Poder
Público primariamente e, ainda, aos cidadãos, à sociedade civil organizada e aos órgãos
públicos, a busca pela reparação na forma específica do meio ambiente degradado, evitando-
se a simples conversão em perdas e danos, sob pena de haver prosseguimento da ilicitude ou
do dano ambiental.
Os artigos 461, do CPC, e 84, do CDC, passam a ter importância primordial para
evitar a monetização da tutela jurisdicional ambiental. Sendo assim, para as demandas
ambientais, e até mesmo para bem caracterizá-las, torna-se necessário o largo uso e difusão

200
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 81.
201
PAULA, J. L. M. de. Direito processual ambiental, p. 172.
202
AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e direito fundamental ao meio ambiente. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 179.
103

das tutelas reintegratórias de direito, sejam elas destinadas a inibir a prática do ilícito ou a
remover o agente causador do dano.
Não obstante as dificuldades existentes, a melhor doutrina aponta para a necessidade
de um trato peculiar autônomo do dano ao meio ambiente, suscitando a renovação dos
instrumentos jurisdicionais de reparação e recuperação do meio ambiente degradado, que
venham fazer face às exigências sociais da coletividade.
Passa-se então à análise da tutela inibitória, típico exemplo de tutela preventiva e
reintegratória, cuja aplicação fundamenta-se precipuamente no risco ambiental.

2.4.1 Noções gerais da tutela inibitória

A tutela inibitória surge historicamente com o objetivo de tutelar direitos materiais


que não encontravam na tutela reparatória uma proteção plena, ou, ainda pior, nenhuma
proteção. Com o preceito constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional [inc.
XXXV, do art. 5º, da CRFB/88], notou-se a imprescindível necessidade de admitir uma tutela
ampla e genérica capaz de proteger esses direitos materiais de forma efetiva.
Direitos tais como, o da integridade física, personalidade, saúde, meio ambiente,
patrimônio histórico, entre outros, não encontram na tutela reparatória concretização da
promessa constitucional de que nenhum direito agredido ou afrontado será excluído do Poder
Judiciário. Assim, a fim de fazer valer a inafastabilidade da jurisdição, é aceita a ideia de uma
tutela inibitória geral.
Fala-se em tutela inibitória geral porque essa espécie de tutela é antiga conhecida de
nosso ordenamento jurídico, embora tradicionalmente tratada de forma específica, prevista
somente para tutelar algumas situações determinadas.
O mandado de segurança preventivo, o interdito proibitório, a ação cominatória, são
exemplos de tradicionais espécies de tutela inibitória específica de nosso sistema. Atualmente,
a tutela inibitória geral é uma realidade incontestável de nosso direito processual em virtude
das previsões contidas nos artigos 461, do CPC e 84, do CDC.
Acerca do tema, Paula faz a seguinte observação:

Como a simples compensação financeira não se mostra adequada para a


defesa de direitos não patrimoniais – como sói acontecer com o meio
ambiente – é necessário repensar a instituição de uma tutela que fuja da
classificação trinária – condenatória, declaratória e constitutiva (positiva
104

ou negativa) que se apoie na dignidade humana (CF, art. 1º, III) e propicie
o acesso à justiça diante da ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV). 203

Não é correto falar de preferência de uma espécie de tutela, mas é indiscutível, que
mesmo naquelas situações em que cabível a tutela reparatória, pode a parte, sempre que
possível, optar pela tutela inibitória – ou ainda, pela cumulação de ambas, conforme será
exposto adiante. A tese da tutela inibitória funda-se na exata definição de ato ilícito, cuja
prática se pretende evitar.
Durante muito tempo condicionou-se a prestação da tutela jurisdicional a existência
de um dano, o que até se justificava a época em que se imaginava ser a tutela reparatória a
única existente. A dificuldade pode ser facilmente percebida pelo artigo 186 do Código Civil:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, que ao conceituar
o ato ilícito indica a necessidade da presença de três elementos: contrariedade ao direito, culpa
ou dolo, e dano.
Para Marinoni,

A diferenciação entre ilícito e dano não só evidencia que a tutela


ressarcitória não é a única tutela contra o ilícito, como também permite a
configuração de uma tutela genuinamente preventiva, que nada tem a ver
com a probabilidade do dano, mas apenas com a probabilidade do ato
contrário ao direito (ilícito). 204

Dessa forma, a tutela reparatória, sempre voltada para o passado, buscará a reparação
do prejudicado, demandando ao menos dois elementos: ato contrário ao direito e dano -
considerando-se que, mesmo na tutela reparatória, a culpa ou o dolo podem ser dispensados
na hipótese de responsabilidade objetiva.
Já a tutela inibitória, sempre voltada para o futuro, buscará evitar a prática do ato
ilícito, preocupando-se exclusivamente com o ato contrário ao direito, sendo-lhe irrelevante a
culpa ou o dolo, e o dano. Característica esta, que se apresenta de extrema relevância para o
Direito Ambiental, mormente quando tratarem-se de riscos ambientais desconhecidos e
condições de incerteza científica.

203
PAULA, J. L. M. de. Direito processual ambiental, p. 189.
204
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 41.
105

2.4.2 Tutela inibitória positiva, negativa, e de remoção do ilícito

A tutela jurisdicional, quanto aos resultados jurídicos-materiais, pode ser classificada


em duas espécies: tutela preventiva – mais conhecida como tutela inibitória – voltada para o
futuro, visando evitar a prática do ilícito, e tutela reparatória ou ressarcitória, que visa o
restabelecimento patrimonial do sujeito vitimado pela prática de um ato ilícito danoso.
A tutela preventiva é sempre voltada para o futuro, para o porvir, tendo como
objetivo impedir a prática de um ato ilícito, o que pode ocorrer de três formas: evitar a prática
originária do ato ilícito, ou seja, impedir em absoluto a ocorrência de tal ato, hipótese na qual
a tutela preventiva será conhecida como tutela inibitória pura; impedir a continuação do ato
ilícito, na hipótese de ato ilícito continuado; e impedir a repetição de prática de ato ilícito. 205
Como exemplo, cita-se a poluição emitida por uma fábrica – a tutela preventiva
estará voltada para que a partir de sua concessão, esse ato ilícito seja interrompido.
Importante notar que, mesmo que exista ato ilícito já praticado, a tutela preventiva
não é voltada para essa realidade, que já faz parte do passado e, portanto, será objeto da tutela
reparatória. Sempre voltada para o futuro, a tutela preventiva não diz respeito, tampouco gera
seus efeitos, sobre aquilo que já ocorreu. Apesar de reconhecer o passado, é sempre voltada
para o futuro, deixando o já ocorrido a cargo da tutela reparatória.
Ressalte-se, que a tutela preventiva ou inibitória, será sempre tutela específica porque,
ao evitar a prática do ato ilícito, obtém-se o status quo ante, de modo que, ao demandante será
possível a criação de uma situação que será exatamente a mesma que seria criada caso o
demandado tivesse voluntariamente deixado de praticar o ato ilícito.
Em obra destinada a análise do tema, já referenciada neste trabalho, Luiz Guilherme
Marinoni identifica em diversas passagens, a incapacidade das tutelas jurisdicionais
tradicionais em garantir a proteção adequada dos direitos subjetivos.
Desta forma, leciona Marinoni:

[...] diante das peculiaridades da sociedade contemporânea, tornou-se


imprescindível o uso do direito como instrumento para a proteção dos bens
indispensáveis à adequada e justa vida social. Isto quer dizer que, em face
das novas situações de direito substancial, frequentemente de conteúdo não
patrimonial, o Estado passou a servir-se de regras ordenadoras de condutas
positivas para que determinados direitos fossem efetivamente protegidos (ou
tutelados no plano do direito material. 206

205
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 32.
206
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 107.
106

E prossegue:

Algumas normas jurídicas, assim, têm função nitidamente preventiva, como,


por exemplo, a norma que determina o dever de adoção de certa tecnologia
capaz de evitar a poluição. Neste caso, a tutela preventiva ao direito
ambiental é prestada pela própria norma de direito material. Note-se, aliás,
que o Código Civil, tratando das relações de vizinhança, ao admitir que as
interferências causadas pelo vizinho podem, em alguns casos, ser toleradas
(ditas, assim, toleráveis), estabelece claramente em seu art. 1.279: ‘Ainda
que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o
vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem
possíveis.’ 207

Daí Marinoni constatar que a tutela inibitória se configura como tutela preventiva,
com vistas a prevenir a ocorrência do ilícito, assim, apresentando-se como uma tutela anterior
à sua prática, e não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela
reparatória. Isso significa que, a tutela inibitória é manejada para impedir a prática, a
continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida para a reparação do dano – o
que a torna uma espécie de tutela jurisdicional voltada para o futuro.
Interessante destacar, inclusive, que a tutela inibitória e a tutela reparatória podem
ser objeto de pretensão de um mesmo demandante num mesmo processo. O Ministério
Público poderá requerer, por exemplo, a condenação do réu a parar com a poluição e também,
a reparar o meio ambiente já lesado pela prática do ato ilícito.
Esta possibilidade - de cumulação das tutelas inibitória e ressarcitória - tem sido
aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, numa franca tentativa de conferir maior efetividade à
ação civil pública. 208

207
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 107.
208
PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO
AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, E NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, §
3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC.
PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. 1. O
sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e
infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do
poluidor-pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres
e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer),
bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas
que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. 2. A ação civil pública é o instrumento
processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III). Como todo instrumento, submete-
se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano
jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material. Somente assim será instrumento adequado e útil. 3.
É por isso que, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou” deve ser considerada com o
sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de
alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins). É conclusão
107

Nesta decisão acerca do tema, o Min. Teori Albino Zavascki, relator para o acórdão,
deixa claro que a intenção do legislador ao estabelecer no art. 3º, da Lei 7.347/85, que a ação
civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, não foi a de indicar alternatividade, mas sim de dar ênfase às formas de tutela
possíveis, podendo-se inclusive, interpretar gramaticalmente a expressão ou como e também.
Muito embora, reafirme em seu voto, que a interpretação sistemática e teleológica da LACP
combinada ao CDC, é a mais adequada ao caso.
No segundo caso exposto, não obstante a Empresa Recorrida tenha tido êxito em seu
recurso [colacionou-se apenas parte da decisão], fica evidenciado também a possibilidade de

imposta, outrossim, por interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de
Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.") e, ainda, pelo art.
25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a ação
civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente
(...)”. 4. Exigir, para cada espécie de prestação, uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os
princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias
para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum
(medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de
natureza diversa. A proibição de cumular pedidos dessa natureza não existe no procedimento comum, e não teria
sentido negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos
direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito. 5. Recurso
especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n.
605.323/MG. MetalsiderLtda versus Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Rel. Min. José Delgado
(vencido). Rel. para acórdão: Min. Teori Albino Zavascki. Julgado em 18/08/2005. Disponível em: <
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 14 jun. 2012.
E ainda: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. ACÓRDÃO QUE CONFIRMOU A REDUÇÃO DE
MULTA APLICADA. PRETENSÃO DE ENQUADRAMENTO NA CONDUTA DESCRITA NO ART. 37 DO
DECRETO 3.179/99. REVOLVIMENTO FÁTICO. SÚMULA 7/STJ. RECURSO A QUE SE NEGA
SEGUIMENTO. DECISÃO Vistos. Cuida-de de recurso especial interposto pelo INSTITUTO BRASILEIRO
DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, com fundamento no art.
105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
que negou provimento à apelação interposta, mantendo sentença que reduziu o valor de multa interposta, após
novo enquadramento da infração ambiental praticada pela parte recorrida. Eis a ementa do julgado:
"ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. DANO AMBIENTAL CAUSADO POR DESTRUIÇÃO DE
ÁREA DE RESTINGA, FIXADORA DE DUNAS - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.
ANULAÇÃO DE TERMO DE EMBARGO E DE AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADOS PELO IBAMA.
CONDENAÇÃO À RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA E À OBRIGAÇÃO DE NÃO CONSTRUIR.
COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. CABIMENTO.
PREQUESTIONAMENTO. 1. Comprovado se tratar de área de preservação permanente, sem a devida
autorização legal, e que a obra representa dano ambiental e social irreparável à vegetação de restinga, às
condições de vida social e paisagística (possibilidade de atingir interesses coletivos ou individuais
homogêneos), assim como diante da irreversibilidade dos efeitos do evento danoso, impõe-se a sua proteção não
só por meio de uma tutela reparatória, mas pela tutela jurisdicional inibitória, com a previsão de determinação
de uma obrigação de fazer ou de não fazer, sob pena de multa, em sede de antecipação de tutela ou na própria
sentença (arts.11 e 12 da Lei n.º 7.347/1985).
2. A fixação de multa cominatória é instrumento processual de caráter punitivo necessário à garantia do efetivo
cumprimento das obrigações impostas, sendo que, considerando o escopo de estimular o cumprimento da
decisão judicial e dissuadir a parte ré à degradação ambiental, a multa deve ser fixada em patamar suficiente
para tanto. [...] In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.379.969/SC. Ibama versus Corbetta
Construções e Empreendimentos Imobiliários Ltda. Interessados: MPF, Município de Içara e a União. Rel. Min.
Humberto Martins. Julgado em 31 mar 2014. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso
em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
108

conjugação da tutela reparatória à tutela inibitória, inclusive em sede de antecipação de tutela,


sob pena de multa, com fito de estimular o cumprimento da decisão judicial e dissuadir a ré à
degradação ambiental.
A tutela inibitória é, portanto, admitida em três maneiras distintas. Em primeiro lugar,
e certamente a que representa o maior grau de dificuldade probatória para as partes e para a
cognição do juiz, é a inibitória que visa impedir a prática do ilícito, ainda que nenhum ilícito
tenha sido produzido pelo réu. A segunda maneira é a inibitória destinada a evitar a
continuação do ilícito já iniciado, e a terceira, destina-se a impedir a sua repetição.
Marinoni aponta que as três formas de inibição estão diretamente relacionadas à
prova indiciária da ameaça. 209 Porém, nas duas últimas modalidades apresentadas, as próprias
circunstâncias fáticas associadas à prática do ilícito no passado, podem dar indícios de que
este continuará ou irá se repetir.
A concessão da tutela inibitória de natureza satisfativa depende de fundado receio da
prática de um ato ilícito. Porém, não é necessário que tal ato seja iminente. A iminência do
ilícito é sim, requisito para a concessão de medida liminar, de maneira que a inibitória, em tais
circunstâncias, será concedida antecipadamente e em caráter provisório.
Quando a prática do ato cuja ameaça se pretendia inibir acaba por se tornar concreto
durante o trâmite da ação, haverá a superveniência de fato extintivo do direito do autor e a
necessidade de extinção do feito, conforme preceitua o art. 462 do CPC, verbis: Se, depois da
propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no
julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da
parte, no momento de proferir a sentença.
Contudo, conforme já explanado, em caso de atividades continuadas ou de práticas
ilícitas que pela própria natureza da atividade desempenhada, sobretudo por empresas, no que
concerne à prevenção do ilícito ambiental, estão sujeitas à repetição no futuro, não há que se
determinar a extinção do feito. Entende-se como melhor solução jurídica o deferimento da
inibitória, a fim de paralisar o ilícito continuado ou impedir o ilícito que se repetirá no futuro.
Quanto ao já ocorrido, competirá ao autor pleitear sua composição por meio de ação própria.
Quanto à proteção ambiental, notadamente, as medidas de caráter preventivo
aplicadas por meio da tutela inibitória individual e coletiva, certamente, constituem a forma
mais eficaz para a preservação do bem em si, evitando-se a prática do ilícito e uma possível

209
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 50 et seq.
109

reparação futura, de forma a permitir às gerações vindouras o desfrute das mesmas condições
ambientais hoje experimentadas.
Conforme já demonstrado, a admissibilidade da tutela inibitória decorre da
possibilidade de distinguir os conceitos de ilícito e dano. Nesse compasso, a tutela inibitória
assume, inegavelmente, um caráter preventivo. Seja pelo fato de incidir o princípio da
obrigatoriedade da intervenção pública na conservação do meio ambiente, seja porque, a
compreensão da natureza preventiva da prestação é fundamental para a formação de um juízo
adequado.
Por isso, a tutela inibitória consiste na inibição da prática de um ato [negativa] ou no
prosseguimento deste [positiva], visto que sua maior característica é a intolerabilidade.
A expressão tutela inibitória sugere a atuação no sentido de que se impeça a
ocorrência de algo, ou seja, inibir implica em determinar um não fazer. Contudo, Eduardo
Talamini 210 a considera inapta a obrigar alguém a fazer algo, ainda que tal conduta tenha por
finalidade impedir a concretização do ilícito. Para o autor, tanto na Itália, quanto no Brasil, a
inibitória tem o condão de obstar a prática do ato que configura o ilícito, mas não de
determinar a adoção de conduta destinada a impedir a sua concretização.
Contrariando o posicionamento de Eduardo Talamini, Marinoni revela em seus
estudos a dualidade da inibitória, ao defender a sua aplicabilidade na fixação de uma conduta
positiva, ou seja, a imposição de um fazer. Para este autor,

O ordenamento jurídico brasileiro, através dos arts. 461 do CPC e 84 do


CDC, viabiliza a imposição de fazer. Ninguém pode negar que a imposição
do fazer é capaz de inibir o ilícito, pois a omissão na observância de dever
imposto com finalidade preventiva, como é evidente, é genuíno ilícito capaz
de gerar dano. Cabe reiterar que o direito norte-americano, tão elogiado
entre nós, não tem a menor dúvida em admitir a inibitória positiva,
chamando-a de mandatory injuction. 211

Neste sentido, embora o dever de preservação ambiental denote uma obrigação de


não fazer [como por exemplo, não lançar os rejeitos da produção industrial em um manancial],
pode o juiz, mediante decisão fundamentada, converter tal obrigação em um fazer,
determinando o tratamento de todos os resíduos da produção da referida indústria, de maneira
a equacionar os interesses em conflito.

210
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 232.
211
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória, p. 119.
110

Quando a norma de direito material determina um agir, tem-se a inibitória positiva –


destinada a compelir o réu a praticar a conduta que voluntariamente não cumpriu e que por tal
razão implica em ilícito. Prevendo porém, a norma de direito material, que a prevenção
decorra de um abster-se, a inibitória passa a ter por objeto impedir a prática de ato contrário
ao direito que por lei ou por contrato teve sua prática vedada – inibitória negativa.
Outra questão que se mostra relevante é a distinção entre inibir o ilícito e remover o
ilícito, a qual será abordada no tópico seguinte.

2.4.3 Efeitos continuados e a prática continuada do ilícito

A tese defendida por Luiz Guilherme Marinoni diferencia tutela inibitória da tutela
de remoção do ilícito, embora reconheça que ambas são tutelas preventivas, voltadas para o
futuro. 212 Para o processualista paranaense existe uma diferença entre efeitos continuados do
ato ilícito e a prática continuada do ilícito.
Na hipótese de o ato ser continuado, é possível imaginar uma tutela que impeça sua
continuação, sendo o caso de tutela inibitória. Por outro lado, é possível que o ato ilícito faça
parte do passado, não mais existindo, o que não se pode afirmar quanto aos seus efeitos, que
continuam a ser gerados.
Nesta última hipótese, não se pode falar em evitar a continuação do ato porque o ato
ilícito já foi praticado na sua totalidade, por exemplo, no caso da contaminação de um rio por
produtos químicos que já foi realizada e continua a gerar seus efeitos. Será então, o caso de
tutela de remoção do ilícito.
Assim, o autor reforça sua tese:

Frise-se que a ação inibitória, quando voltada a impedir a repetição do


ilícito, tem por fim evitar a ocorrência de outro ilícito. Quando a ação
inibitória objetiva inibir a continuação do ilícito, a tutela tem por escopo
evitar o prosseguimento de um agir ou de uma atividade ilícita. Note-se que
a ação inibitória somente cabe quando se teme um agir ou uma atividade.
Ou melhor, a ação inibitória apenas pode ser utilizada quando a
providência jurisdicional for capaz de inibir o agir ou o seu prosseguimento,
e não quando este já houver sido praticado, estando presentes apenas os
seus efeitos. 213

212
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. As ações inibitória e de remoção do ilícito (na dimensão do direito
ambiental). Instituto O Direito Por Um Planeta Verde, São Paulo. Disponível em:
<http://www.planetaverde.org/biblioteca-virtual/artigos-juridicos/p:3>. Acesso em: 10 mai. 2014.
213
MARINONI, L. G. As ações inibitória e de remoção do ilícito (na dimensão do direito ambiental). Instituto O
Direito Por Um Planeta Verde, São Paulo. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/biblioteca-
virtual/artigos-juridicos/p:3>. Acesso em: 10 mai. 2014, p. 15.
111

Para exemplificar melhor esta diferença, propõem-se dois exemplos: se determinada


empresa despeja resíduos tóxicos em local proibido, embora o ato ilícito já tenha se exaurido,
seus efeitos continuam a se propagar no presente o no futuro. Numa eventual ação coletiva,
com pedido de condenação da empresa na obrigação de remover os resíduos tóxicos
indevidamente despejados em local inapropriado, apesar de o ato fazer parte do passado,
projeta-se uma proteção para o futuro - será o caso de tutela preventiva de remoção do ilícito.
Por outro lado, caso a empresa emita como resultado de sua produção, poluentes
acima do limite legal, a ação coletiva que busca condenar a empresa a colocar filtros em sua
chaminé visa impedir a continuação do ato ilícito, tratando-se, portanto, de tutela preventiva
inibitória.
É preciso compreender que a tutela inibitória encontra-se intimamente relacionada
aos mecanismos destinados a fazer cumprir as disposições legais, por parte do devedor, da
obrigação de natureza legal ou contratual. Desprovida de tais mecanismos, a inibitória não
apresentaria caráter preventivo, nem teria tamanho grau de eficácia.
A pretendida efetividade reside especialmente nos instrumentos processuais
destinados a obrigar o devedor ao cumprimento do dever que lhe tenha sido imposto. E para
assegurar tal cumprimento, pode o magistrado cominar multa, nos termos do §4º, do art. 461,
do CPC, ou ainda, determinar provimentos executivos de caráter subrrogatório, conforme
previsão do §5º do mesmo dispositivo – procedimentos estes, também previstos no art. 84 e
parágrafos, do CDC, aplicáveis à tutela coletiva.
Tais mecanismos postos à disposição do magistrado possibilitam a efetiva proteção
do direito tutelado, de maneira a evitar que seja ele alcançado por eventual lesão decorrente
do ilícito.
A imposição das referidas medidas, de ofício, pelo magistrado, causam estranheza
por aparente violação aos princípios do contraditório e ampla defesa. Todavia, a efetividade
da inibitória provém justamente do emprego de meios mandamentais e executivos adequados
para quedar a vontade do inadimplente a cumprir a obrigação decorrente de lei ou contrato.
A antecipação de tutela e as medidas cautelares previstas, respectivamente, nos arts.
287, do CPC, verbis: Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de
algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer
cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão
antecipatória de tutela; e ainda, 461, § 4o: O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior
ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do
112

preceito; 461-A: Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a
tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação; e 796: O procedimento
cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre
dependente, representaram significativo avanço.
Contudo, embora tenham características de prevenção, não são tidas como
tipicamente preventivas, visto que não tem por função prevenir o ato contrário ao direito.
Ademais, não possuem natureza autônoma, visto que deverão ser confirmadas por sentença de
mérito proferida no processo principal.
A efetividade da inibitória reside, sobretudo, no fato de se tratar de processo único
que, embora de conhecimento, pode, em sede de antecipação de tutela, impedir a prática do
ilícito. Difere da ação cautelar neste ponto, na medida em que aquela não é apenas
instrumental, ou seja, dispensa a propositura de ação principal.
Vale ressaltar que o Princípio Ambiental da Prevenção está a informar a concessão da
tutela inbitiória, inclusive em sede de liminares, ação civil pública e ação popular, ou em
qualquer ação de conhecimento, por meio de tutela antecipatória, sempre que presente a
urgência de uma contra-prestação jurisdicional.
Esse Princípio decorre da constatação de que as agressões ao meio ambiente são, em
regra, de difícil ou impossível reparação, isto é, uma vez consumada a degradação ao meio
ambiente, a sua reparação é sempre incerta, e quando possível, excessivamente custosa. Daí a
necessidade de ação preventiva para que se consiga evitar os danos ambientais.
Na seara do direito material, o estudo de impacto ambiental, previsto no art. 225, §1º,
IV, da CRFB/88, bem como a redação de seu inc. V, segundo o qual incumbe ao Poder
Público controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, qualidade de vida e o meio ambiente, são
exemplos desta orientação preventiva.
Considerada a difícil reparação dos prejuízos ecológicos, justifica-se toda uma atuação
estatal com o fito de antecipar a ocorrência de danos ambientais, o que se faz plenamente
possível através do conceito da tutela inibitória.
Dar-se-á continuidade ao presente estudo, no capítulo subsequente, a partir do exame
da aplicabilidade do instituto processual do amicus curiae como ferramenta de efetivação do
Estado Democrático Participativo e de democratização da jurisdição na tutela coletiva do
meio ambiente.
113

3 O AMICUS CURIAE NA TUTELA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE

Neste capítulo, analisar-se-á a figura do amicus curiae e sua utilização no processo


coletivo ambiental, voltado à realização dos valores constitucionais, de forma a legitimar a
atividade jurisdicional, a fim de que o Estado e o Poder Público melhor atinjam seus
objetivos, dentre os quais se encontram os direitos fundamentais de acesso à ordem jurídica
justa e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
As constantes evoluções econômicas e tecnológicas constituem fonte de fortes
preocupações em virtude das alterações ambientais que têm ocasionado, culminando com a
elaboração de diversos instrumentos normativos nacionais e internacionais, os quais têm por
objetivo conferir ao bem ambiental sua devida tutela e importância, devendo este ser tratado
como um bem jurídico essencial à vida digna, à saúde, e ao bem estar das presentes e futuras
gerações, conforme apreciado no capítulo primeiro.

O direito à integridade do meio ambiente, típico direito de terceira


dimensão, como já bem reconheceu o STF, constitui prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, refletindo dentro do processo de afirmação dos
direitos humanos a expressão significativa de um poder atribuído não ao
indivíduo, identificado em sua singularidade, mas em sentido
verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. 214

Nesse contexto, o amicus curiae se estabelece como importante ferramenta no


processo civil brasileiro e, em especial, na tutela coletiva ambiental contemporânea, visto
tratar-se de hipótese de intervenção na qual o interveniente não apresenta um interesse
individualizado e específico, mas sim, tem o propósito de oferecer contribuições ao Poder
Judiciário no sentido do mais adequado equacionamento da demanda.
Neste aspecto, leciona Pereira:

À instância dessa visão sociológica, dimensiona-se a legitimação excepcional,


oferecendo sede local ao amicus curiae. De efeito, existente o nexo de
interdependência entre a relação jurídica, por afetar o interesse público subjetivo,
legitima-se a participação defendida. Logo se vê que essa intervenção independe
da demonstração de interesse estritamente jurídico – pode ser o econômico. Sem
dúvida, é a prevalência do interesse público lato sensu. 215

214
In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 22.164/SP. Antonio de Andrade Ribeiro Junqueira versus
Presidente da República. Tribunal Pleno. Relator Min. Celso de Mello. Publicado em 17 de novembro de 1995.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 15 jun. 2013.
215
PEREIRA, Milton Luiz. Amicus curiae – intervenção de terceiros. Revista Jurídica do Centro de Estudos
Judiciários – CEJ, v. 6, n. 18, jul/set 2002, p. 85. Disponível em:
<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/32>. Acesso em: 28 mai 2014.
114

Destarte, esta espécie de intervenção fundada no interesse público, vem, nos últimos
tempos, ganhando importância no ordenamento brasileiro, principalmente nos casos em que
as decisões projetam-se para além do interesse das partes, alcançando, de forma direta ou
indireta, coletividades estranhas à relação processual.
Todavia, não obstante o reconhecido valor de tal instituto, este ainda carece de
regulamentação [o que se espera esteja em vias de solução a partir da aprovação e entrada em
vigor do Novo Código de Processo Civil Brasileiro - PL da Câmara n. 8.046/2010],216 bem
como apresenta diversas limitações, mormente no que se refere à amplitude de sua
aplicabilidade, o que se propõe a desenvolver e debater no presente estudo, de modo a sugerir
sua utilização no âmbito da tutela coletiva do meio ambiente.

3.1 INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO COMO FUNDAMENTOS NA TEMÁTICA


AMBIENTAL

A importância da participação pública nas questões ambientais começou a ser


reconhecida pela comunidade internacional a partir da década de 1960. Mas foi somente no
ano de 1982, que a Assembleia Geral da ONU, por meio da Carta Mundial da Natureza,
constituída de vinte e seis princípios ambientais, fez essa expressa previsão, ao efetivar o
caráter fundamental da participação ampla dos indivíduos e demais setores da sociedade, e de
maneira mais específica, a participação de toda a pessoa nos processos decisórios referentes
ao meio ambiente que lhe concerne diretamente, verbis:

Princípio 23 – A toda pessoa devem ser assegurados a possibilidade de


participar da elaboração das decisões concernentes ao seu meio ambiente e,
em caso de dano ou degradação, o acesso a recursos jurídicos para a
devida reparação. 217

Após uma década, a Declaração do Rio, não obstante sua ênfase na questão do
desenvolvimento sustentável, mencionado por diversas vezes em seus Princípios [ex vi dos
Princípios 1, 4, 5, 7, 8, 9, 12, 20, 21, 22 e 27], 218 trouxe, importantes conceitos relacionados à

216
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>.
Acesso em: 15 mai. 2014.
217
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas, de 28 de outubro de
1982. Resolução 37/7 - Carta Mundial da Natureza. Disponível em:
<http://www.un.org/documents/ga/res/37/a37r007.htm>. Acesso em: 15 mai. 2012.
218
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 14 de junho de 1992. In:
115

ideia de acesso à informação em matéria ambiental e à ampla participação da sociedade na


gestão dos recursos ambientais, que se consubstanciam, atualmente, em verdadeiros
Princípios desta disciplina, hoje considerada autônoma, que é o Direito Ambiental, 219
conforme se depreende da literalidade de seu décimo princípio, no qual estão alocados os
princípios da informação, participação e acesso à justiça, verbis:

Princípio 10 - A melhor maneira de tratar as questões ambientais é


assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos
interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às
informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades
públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas
em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos
processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização
e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos.
Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e
administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de
danos. 220

Vale ressaltar ainda, considerando sua importância no cenário mundial, que tal
Declaração foi adotada por consenso e é um texto de conteúdo político-jurídico que
contribuiu com a consagração de certos princípios do direito ambiental internacional como
regras costumeiras e fomentou a adoção de outros princípios em tratados ambientais
multilaterais e na legislação interna dos países. 221
No ano de 1998, realizou-se importante Convenção na Dinamarca: a Convenção
sobre o acesso à informação, a participação do público nos processos decisórios e o acesso à
justiça em matéria ambiental, também conhecida como Convenção de Aarhus. 222 Esta
Convenção - que não teve tamanha repercussão quanto a ECO-92, pois foi um tratado de

Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183 et seq.
219
Cf. ANTUNES, P. de B.. Direito ambiental, p. 27-30; MACHADO, P. A. L. Direito ambiental brasileiro, p.
129-37; MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. In: MILARÉ, Édis;
MACHADO, Paulo Affonso Leme [orgs.]. Doutrinas Essenciais. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, V. 1, p. 348-9; MILARÉ, Edis. Princípios fundamentais do direito do ambiente. In: ______;
MACHADO, Paulo Affonso Leme [orgs.]. Doutrinas Essenciais. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, V. 1, p. 390-1.
220
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 184.
221
SILVA, Solange Teles da. O direito ambiental internacional. Leonardo Nemer Caldeira [coord.]. Belo
Horizonte: Del Rey, 2009. [Coleção para Entender]
222
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público
no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente. Aarhus, Dinamarca. 25 de
junho de 1998. Disponível em: <http://www.unece.org/fileadmin/DAM/env/pp/acig.pdf>. Acesso em: 02 jun
2014.
116

âmbito europeu - elaborou o mais amplo e completo texto relacionado à informação, a


participação e ao acesso à justiça em matéria ambiental. Com efeito,

Celebrada no contexto europeu e fortemente influenciada pelas mudanças


que a Europa tem passado nos últimos anos, a Convenção de Aarhus
implementa o compromisso dos países europeus de garantir aos cidadãos
(nacionais ou não dos seus Estados-parte) o acesso à informação, a
participação no processo de tomada de decisões e o acesso à justiça no
domínio do ambiente, reconhecendo que nesse domínio a melhoria do
acesso à informação e da participação pública no processo de tomada de
decisões aumenta a qualidade das decisões e contribui para a sensibilização
do próprio público para as questões ambientais, permitindo-lhe manifestar
suas preocupações às autoridades públicas sobre essas questões. 223

Desde então, a importância da participação pública tem sido reiterada nos principais
fóruns internacionais de discussão, com grande aceitação por parte dos países membros,
dentre os quais o Brasil país faz parte, a exemplo da Declaração de Joanesburgo, realizada no
ano de 2002, cujo Plano de Implementação previu a participação de grupos principais, e do
Relatório Final da Rio+20, que em seu parágrafo 76, alínea h, dispôs acerca da ampla
participação do público e de parcerias para implementar o desenvolvimento sustentável. 224
No âmbito nacional, a Lei n. 4.717/65, Lei da Ação Popular, foi a primeira lei a
possibilitar ao cidadão comum [eleitor], a possibilidade de proteção do meio ambiente. 225
Com redação dada pela Lei n. 6.513/77, a norma passou a considerar como patrimônio
público, também, os bens e direitos de valor turístico [§1º, do art. 1º], incluindo-se aí,
portanto, o bem ambiental.

223
MAZZUOLI, Valério de Oliveira; AYALA, Patryck de Araújo. Cooperação internacional para a preservação
do meio ambiente: o direito brasileiro e a Convenção de Aarhus. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 16,
n. 62, p. 223-263, abr/jun, 2011.
224
I. Participation of major groups. 168. Enhance partnerships between governmental and non-governmental
actors, including all major groups, as well as volunteer groups, on programmes and activities for the achievement
of sustainable development at all levels. 169. Acknowledge the consideration being given to the possible
relationship between environment and human rights, including the right to development, with full and
transparent participation of Member States of the United Nations and observer States. 170. Promote and support
youth participation in programmes and activities relating to sustainable development through, for example,
supporting local youth councils or their equivalent, and by encouraging their establishment where they do not
exist. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável –
Conferência de Joanesburgo. Joanesburgo. África do Sul. 04 de setembro de 2002. Disponível em:
<www.un.org/esa/sustdev/.../WSSD_PlanImpl.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014. E ainda: 76. [...] (h) Enhance the
participation and effective engagement of civil society and other relevant stakeholders in the relevant
international forums and in this regard promote transparency and broad public participation and partnerships to
implement sustainable development; In: ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Conferências das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20. Relatório O Futuro Que Queremos. Rio de Janeiro. Brasil.
20 a 22 de junho de 2012. Disponível em: <http://sustainabledevelopment.un.org/futurewewant.html>. Acesso
em: 10 jun. 2014.
225
Alguns doutrinadores reconhecem a prescindibilidade da condição de cidadão eleitor para a propositura da
Ação Popular, visto ser um direito de todos, conforme exposto no Capítulo 2, p. 77-8, supra.
117

A partir da edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, no ano de 1981, é


que se tem, pela primeira vez, a previsão legal da participação popular na execução da política
ambiental, através da criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, órgão
consultivo de âmbito federal, constituído por diversas entidades, dentre elas o Ibama, o
ICMBio, e entidades estaduais e locais.
Na mesma lei, posteriormente conjugada com a Constituição Federal, houve a
previsão de realização de audiências públicas em licenciamentos ambientais mais complexos
[art. 10 da PNMA, com redação alterada pela LC 140/2011, c/c inc. IV, do §1º, do art. 225, da
CRFB/88 – estudo prévio de impacto ambiental a que se dará publicidade].
Na sequência, foi editada a Lei da Ação Civil Pública – Lei n° 7.347, de 1985, que
disciplinou o acesso à justiça para defesa do meio ambiente, através da legitimação ativa do
Ministério Público, da administração direta e indireta, e de associações civis caracterizadas
pela representatividade adequada [redação dada pela Lei n. 11.448/07], conforme dicção das
alíneas a e b, do inc. V, de seu art. 5º [constituição há pelo menos um ano; e que possua,
dentre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente ou a proteção ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico]. 226
Na década de 1990, muito embora a Constituição da República de 1988 tenha
antecipado um avançado sistema de proteção ambiental e de direito à participação, com a
previsão de iniciativas legislativas [art. 14], direito de informação [inc. XXXIII, do art. 5º],
direito de petição [inc. XXIV, do art. 5º], estudo prévio de impacto ambiental [§1º, inc. IV, do
art. 225], a questão da participação pública ficou estagnada em virtude das políticas de
governo executadas à época.
Atualmente, percebe-se que a informação e a participação popular encontram-se
incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro e tem adquirido cada vez mais destaque. Vale
destacar que a informação comporta duas faces: o direito de todos de terem acesso às
informações em matéria de meio ambiente [incs. XIV, XXXIII e XXXIV do art. 5º, da
CRFB/88, inc. I, do art. 14 do Dec. 99274/90, e art. 8º, da LACP]; e o dever do Poder Público
de informar periodicamente a população sobre o estado do meio ambiente e sobre as
ocorrências ambientais importantes [inc. V, do art. 4º, e X e XI, do art. 9º, da PNMA, e art. 6º,
da LACP], antecipando-se, em certa medida, ao interesse da população.

226
Recentemente, a alínea b, do inc. V, do art. 5º, da Lei n. 7.347/85, sofreu alteração em sua redação para
inclusão de instituições que tratem da proteção aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos [Lei n.
12.966/2014].
118

Exemplo da relevância da participação nos processos de tomada de decisão e da


informação e acesso aos dados relativos ao meio ambiente, ainda, é a previsão de consulta
pública para criação de unidades de conservação, prevista no §2º, do art. 22, da Lei n.
9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza –
SNUC, e mais recentemente, o disposto nas Leis n. 10.650/2003 e 12.527/2011.
A primeira [Lei n. 10.650/2003] dispõe sobre o acesso público aos dados e
informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sisnama, com destaque para seu
art. 2º, verbis:

Art. 2o Os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e


fundacional, integrantes do Sisnama, ficam obrigados a permitir o acesso
público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem
de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que
estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico,
especialmente as relativas a:
I - qualidade do meio ambiente;
II - políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto
ambiental;
III - resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de
poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e
ações de recuperação de áreas degradadas;
IV - acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais;
V - emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos;
VI - substâncias tóxicas e perigosas;
VII - diversidade biológica;
VIII - organismos geneticamente modificados.

A segunda [Lei n. 12.527/2011] regula o acesso à informação previsto no inc.


XXXIII, do art. 5º; no inc. II, do §3º, do art. 37; e no §2º do art. 216, da CRFB/88. Nesta lei, o
destaque vai para o art. 3º que dá ênfase ao direito de participação, como corolário do direito
fundamental de acesso à informação, o que se identifica na redação de seu art. 3º:

Art. 3o Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o


direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em
conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as
seguintes diretrizes:
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como
exceção;
II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de
solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da
informação;
IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na
administração pública;
V - desenvolvimento do controle social da administração pública.
119

A realização deste princípio se faz presente também por meio da intervenção das
associações ambientais nos processos de controle concentrado de constitucionalidade,
inconstitucionalidade e arguição de violação de preceito fundamental, na condição de amicus
curiae, conforme permissivo do art. 7º, §2º, da Lei n. 9.868/99, e §1º, do art. 6º, da Lei n.
9.882/99, respectivamente, assim como na consulta pública no âmbito do processo
administrativo federal, nos termos do art. 31, da Lei n. 9.784/99.
Desta forma, fica claramente configurada a indissociabilidade dos temas participação
popular e defesa do meio ambiente, 227 que devem ser analisados de forma integrada, vez que
todos os processos decisórios relativos ao meio ambiente, irão irremediavelmente interferir na
qualidade de vida de um número indeterminado de indivíduos, considerando-se o caráter intra
e intergeracional do direito ambiental.
Por esta razão é que a participação popular ganha maior importância na temática
ambiental em detrimento de outras áreas que também digam respeito a interesses
metaindividuais, como v.g., o direito do consumidor: em virtude de sua preeminência e
fundamentalidade, em respeito à salvaguarda dos recursos naturais e da sadia qualidade de
vida para as presentes e futuras gerações. 228
Reconhecida que está a importância da participação pública e da informação nos
processos decisórios relativos as questões ambientais, passa-se a análise da democracia
participativa no Estado brasileiro no âmbito nos poderes constituídos: executivo, legislativo e
judiciário.

3.2 DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO ESTADO BRASILEIRO

Nesta quadra da história, tem-se visto uma sociedade que vindica pela participação
cada vez mais significativa nos centros de poder e nos processos de tomada de decisão em
suas mais diversas áreas: política, econômica, social, cultural, da saúde, ambiental, entre
outras. E o ordenamento jurídico brasileiro, caracterizado que é por um Estado Democrático
Participativo, conforme previsão no inc. V, do art. 1º, e parágrafo único da CRFB/88, verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

227
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 72.
228
Cf. BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição
brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato [orgs.]. Direito constitucional
ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 103-4.
120

[...]
V – o pluralismo político
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição;

E ainda, no art. 14: A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I -
plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular; proclama a soberania popular e garante a
possibilidade de participação direta e concreta dos cidadãos nas decisões estatais, em todas as
esferas de poder.
Para melhor compreensão do conceito de democracia participativa, colaciona-se o
entendimento de Calmon de Passos:

A democracia participativa parte do convencimento de que o Estado não é


neutro, nem é sempre um mediador confiável. Ele tem uma fisionomia e
expressa, não raramente, interesses em conflito com os da sociedade civil.
[...] Trata-se de um novo estágio no processo de transformação da
democracia moderna, por meio do qual se pretende conservar a prioridade
do bem-estar social, mas sem sacrifício intolerável da esfera de liberdade
individual, recuperando-se para a sociedade um poder de controle que a
democracia liberal e social não previram nem efetivaram, salvo pelo
mecanismo do voto e pela pressão da opinião pública, que se revelaram
insuficientes e insatisfatórios. 229

Em complemento, vale apontar o posicionamento de Mirra, ao deixar claro que não


se trata de uma sobreposição ao sistema representativo: No Estado Democrático-
Participativo, a participação pública não substitui a atuação dos órgãos e agentes de
governo e nem a representação político-eleitoral; apenas as reforça, as aperfeiçoa e as
controla por meio do maior envolvimento da sociedade civil. 230
Destarte, tem-se nessa modalidade de governo uma ampliação e fortalecimento do
papel das instituições democráticas, de modo a incorporar a gestão participativa nos processos
de tomada de decisão, legitimando as forças que compõem o poder estatal e corroborando
para que se concretizem o direito fundamental à participação [inc. V, do art. 1º, e parágrafo
único, e incs. I, II e III, do art. 14] e ainda, à informação [alíneas a e b, do inc. XXXIV, do art.
5º], constantes da Carta Magna.

229
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo [coords.].
Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. p. 95.
230
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente no direito brasileiro, p. 88.
121

Destaque-se o posicionamento de balizada doutrina, acerca da ampliação do modelo


participativo também na atividade jurisdicional:

Ministra a democracia participativa por conseguinte mecanismos de


exercício direto da vontade geral e democrática suscetíveis de restaurar e
repolitizar a legitimidade do sistema. Na pirâmide da relevância
institucional haverá, com o Estado democrático-participativo, uma
transformação substantiva e axiológica do papel do magistrado, decorrente
da maior abertura e democratização do Poder Judiciário. 231

Com efeito, a escassez de participação da sociedade e entes intermediários, de modo


geral, nos processos de tomada de decisão, acaba por gerar um distanciamento entre as
instâncias do Poder Público e sociedade, o que resulta em consequências indesejáveis para um
Estado que se proclama representativo e participativo, enfraquecendo as alçadas de poder e a
legitimidade de suas deliberações. Em contrapartida, a maior participação da coletividade nas
instituições é capaz de romper com tal perspectiva, inclusive no âmbito judiciário, como
afirmado por Bonavides, abrindo novos canais de comunicação e interação entre as partes,
terceiros interessados e o juízo.
Tal conjuntura tem sido identificada pelos poderes constituídos, e percebe-se, a partir
de uma realidade recente, a clara intenção do Estado em modificar este cenário.
Conforme restou demonstrado nos itens anteriores, internacionalmente, a
informação, participação pública e o acesso à justiça são amplamente reconhecidos por
diversos instrumentos normativos internacionais, embora alguns detenham tão somente o
caráter de soft law – não vinculante.
No cenário nacional, recentemente foi publicado o Decreto n. 8.243/2014, o qual
institui a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de
Participação Social – SNPS, e dá outras providências. Não obstante a existência de um projeto
de decreto legislativo que suspende os efeitos do referido decreto presidencial (PDS n.
117/2014), por estar entendida aí, uma usurpação dos poderes do Congresso Nacional, há que
se reconhecer a importância de tal normativa, com destaque para seu art. 6º, o qual procura
agregar novos agentes políticos [instâncias consultivas] à discussão, de forma transparente: 232

231
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. Por um direito constitucional de
luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 22, com primeira edição publicada no ano de 2001.
232
Em relação a [...] crítica, de que poderes do Congresso Nacional foram subtraídos, é importante pontuar que o
Decreto restringe sua disciplina aos órgãos da Administração Federal, cuja disciplina da organização e
funcionamento é competência privativa do Presidente da República que pode dispor sobre a matéria mediante
Decreto. Nossa Constituição disciplina a matéria em seu art. 84, inc. VI, alínea a, vejamos:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
122

Art. 6º São instâncias e mecanismos de participação social, sem prejuízo da


criação e do reconhecimento de outras formas de diálogo entre
administração pública federal e sociedade civil:
I - conselho de políticas públicas;
II - comissão de políticas públicas;
III - conferência nacional;
IV - ouvidoria pública federal;
V - mesa de diálogo;
VI - fórum interconselhos;
VII - audiência pública;
VIII - consulta pública; e
IX - ambiente virtual de participação social.

Este caráter participativo da democracia, também tem sido reconhecido, em sua


relevância, pelos poderes legislativo e judiciário, conforme demonstrado pela recente
doutrina:

De resto, a Constituição de 1988 parece ter dado guarida a esse reclamo


jurídico-sociológico, quando acenou, vivamente, para uma democracia
participativa (e não apenas representativa), permitindo aos modernos
corpos intermediários (sindicatos, associações, órgãos de classe)
integrarem-se na gestão da coisa pública, atuando tanto nas instâncias
primárias (arts. 1º, V, e parágrafo único; 205, 216, §1º, e 225), como na via
judicial, esta última com o alargamento da legitimação ativa para a defesa
dos interesses metaindividuais (arts. 5º, XXI, e LXX; 103, VII, VIII, e IX;
129, III e §1º), e com espaços cada vez mais largos que se vão abrindo para
as intervenções dos amici curiae no âmbito judicial, como por exemplo, nas
ADIn’s e ADCon’s (Lei 9.868/1999, §1º, do art. 9º; §1º do art. 12-E; §1º do
art. 20; Lei 9.882/1999, §1º do art. 6º) e em tantas outras ocorrências, tais
como o procedimento para edição, revisão ou cancelamento de súmula
vinculante do STF (Lei 11.417/2006, §2º do art. 3º). 233

Há que se destacar, que os principais instrumentos processuais de tutela coletiva do


meio ambiente, previstos constitucionalmente, a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o
Mandado de Segurança Coletivo, podem ser manejados por um amplo leque de legitimados
ativos, previstos em suas respectivas leis especiais, o que reforça o caráter participativo na
proteção do meio ambiente.

VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação
ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).
Assim a Constituição Federal confere ao Presidente da República a possibilidade de disciplinar a organização e
funcionamento da Administração Pública Federal segundo critérios de conveniência e oportunidade. In:
DEMIDOFF, Alexandre de Oliveira. Considerações sobre o Decreto n. 8.243/14 que cria a Política Nacional de
Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social. Blog da Escola Brasileira de Ensino Jurídico
da Internet – Ebeji. Disponível em: <www.blog.ebeji.com.br>. Acesso em: 24 jun 2014.
233
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 49.
123

Na legislação ambiental, inúmeras são as leis as quais constam instrumentos de


participação e cooperação, várias delas já citadas do Capítulo primeiro, como a Lei n.
9.433/97 - Política Nacional de Recursos Hídricos, que criou o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos [art. 33]; a Lei n. 9.985/00, que cria o SNUC, o qual
será gerido pelo Conama, MMA, ICMBio, Ibama [em caráter supletivo, pelos órgãos
estaduais e municipais e, em caráter excepcional, por unidades de conservação estaduais e
municipais - art. 6º, incisos e parágrafo único]; a Lei n. 10.257/01 - Estatuto da Cidade, que
tem como diretriz geral a gestão democrática nos projetos de desenvolvimento urbano [inc. II,
do art. 2º]; a Lei n. 12.187/09 - Política Nacional de Mudança do Clima, a qual contempla
diversos instrumentos institucionais para sua atuação [art. 7º e incisos]; e a principal delas, a
Lei n. 6.938/81, que instituiu a PNMA e o Sisnama [arts. 2º e 6º, respectivamente].
Não obstante, tem-se também o Projeto do Novo CPC, atualmente enviado para
votação no Senado, PL da Câmara n. 8.046/2010, que vai se distanciando de sua clássica
concepção adversarial (‘Tício versus Caio’) para alcançar uma estrutura cooperatória,
conforme dicção de seu art. 8º: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para
que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 234
Ocupando-se desta ampla legitimidade processual e da importância da cooperação e
colaboração no processo jurisdicional para o alcance da produção de decisões jurídicas justas
e legítimas, pretende-se explorar a ampliação da dinâmica de atuação do amicus curiae nas
ações de defesa do meio ambiente, para além do âmbito do processo objetivo, em prol de um
efetivo Estado Democrático Participativo, contribuindo também para a legitimação da
atividade jurisdicional, com o fim de atender aos reais interesses da sociedade. 235
Assim, assegura Mirra:

Eis, portanto, uma realidade da qual não se pode afastar: participação


popular e defesa do meio ambiente são temas indissociáveis. Daí a
imperiosidade da abertura de canais institucionais que viabilizem a
participação do público na preservação da qualidade ambiental, seja na
esfera legislativa, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial.236

Para tanto, analisar-se-á a natureza jurídica do instituto, com suas características


peculiares, visto tratar-se de modalidade sui generis de intervenção de terceiros, abordando
234
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 48
235
Para aprofundamento do tema no âmbito da importância da colaboração no processo civil, cf. SANTOS, Igor
Raatz dos. Processo, igualdade e colaboração. Os deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio como
meio de redução das desigualdades no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 192, ano 36, p. 47-80,
2011.
236
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 30-1.
124

diversos de seus aspectos, desde sua evolução legislativa até sua caracterização como
instrumento de legitimação da sociedade aberta de intérpretes da Constituição, teoria do
constitucionalista alemão Peter Häberle.
A relevância das modalidades participativas legislativa e administrativa, na esfera
ambiental, encontra-se já, de certa forma, bastante sedimentada. Contudo, a participação
popular na esfera judicial, pelo processo e no processo [endoprocessual], ainda é bastante
incipiente. Tal parcimônia, encontrada principalmente na jurisprudência, deve ser dissipada
ante os benefícios da participação do amicus curiae no processo coletivo ambiental, dentre os
quais está a criação de um canal direto de comunicação do juízo com a sociedade e a
pluralização do debate jurisdicional.
Em breves considerações procurou-se fundamentar a importância do Estado
Democrático Participativo e da participação popular judicial em questões coletivas ambientais
como forma de ampliar o acesso à ordem jurídica justa, de modo a permitir a pacificação com
justiça e a realização dos direitos fundamentais políticos e sociais.
Passar-se-á, a partir deste momento, ao exame da importância e eficácia da
instrumentalização e flexibilização das formas procedimentais, em especial na tutela coletiva
do meio ambiente, que demanda um procedimento adequado à suas particularidades.

3.3 A EFICÁCIA DA INSTRUMENTALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO

Após a constitucionalização do Direito Ambiental, busca-se agora a efetivação das


normas protetivas do meio ambiente. Conforme demonstrado nos itens 2.2 e 2.4, a tutela
coletiva do meio ambiente possui características particulares, determinadas pelo seu objeto,
que afastam a aplicabilidade de um procedimento único e ordinário, demandando uma
preocupação com a manutenção da integridade do bem ambiental - já que seu equivalente
monetário, de difícil mensuração, nem sempre será hábil à restituição ao status quo ante.
Portanto, identifica-se em um primeiro momento, a prevalência das tutelas
preventiva e cominatória, na preservação do patrimônio natural e de seu equilíbrio ecológico.
Mas é possível ir além, é possível alcançar mais efetividade, justiça e legitimidade nas
decisões judiciais, a partir da adoção de critérios conformados ao bem da vida que se pretenda
tutelar. 237

237
A utilização de técnicas procedimentais especializadas são reflexos da terceira onda renovatória, a qual
Cappelletti e Garth nominaram de novo enfoque de acesso à justiça. Cf. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,
Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Norhtfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 65 et seq.
125

O dogmatismo e o positivismo acrítico, heranças do Estado Liberal, não se


coadunam à tutela coletiva de direitos, mormente no que diz com o bem ambiental que,
conforme visto, é abstrato, autônomo, imaterial e de titularidade difusa. Veja-se a razão disso.
Dinamarco, em meados da década de 1970, identificou três principais ordens de
escopos da jurisdição: social, político e jurídico. 238 Integram o escopo social a pacificação
com justiça [escopo magno] e a educação para o exercício e respeito dos direitos; no escopo
político, a afirmação do valor liberdade, a possibilidade de participação nos destinos da nação
e da sociedade política, e a preservação da autoridade do ordenamento jurídico; e por fim, o
escopo jurídico, que consiste na atuação da vontade concreta da lei, conceito advindo da
teoria Chiovendiana.
Marinoni ao abordar o tema, três décadas mais tarde, afirmou que a pacificação
social não é fim, objetivo ou característica da jurisdição: a pacificação social é sim, uma
consequência lógica, um efeito da atividade jurisdicional. 239 Para o autor, a jurisdição tem por
objetivo editar a norma jurídica capaz de dar conta das necessidades do direito material e,
apenas por consequência desta sua missão, é que poderá gerar o efeito da pacificação
social. 240 E arremata: A jurisdição, no Estado contemporâneo, [...] deve dimensionar a lei
com base nos princípios constitucionais de justiça e nos direitos fundamentais, fazendo valer
os nortes da organização do Estado e da sociedade proclamados pela Constituição. 241
Nessa medida, verifica-se uma evolução na dimensão do escopo social da jurisdição,
que afasta seu foco da pacificação social com vistas à adequação da norma aos fins
objetivados pelo direito material, mediante análise do caso concreto, de modo a possibilitar o
acesso à ordem jurídica justa - o que vai ao encontro da moderna teoria de
constitucionalização e concretização de direitos [de carga axiológica e valorativa mais densa],
e que naturalmente permitirá a pacificação social, mas uma pacificação com justiça.
O jurista paranaense também questiona o conceito de escopo jurídico, na medida em
que o processo passa a ser visto como instrumento preocupado não mais com a atuação da
vontade concreta da lei, de ordem positivista, mas com a proteção dos direitos: [...] o juiz, no

238
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
Primeira edição publicada no ano de 1987. E ainda: CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada
Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 27. Ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
Primeira edição publicada no ano de 1974.
239
MARINONI, L. G. Curso de processo civil, V. 1, p. 111-3. Primeira edição publicada no ano de 2006.
240
Ibid., p. 113.
241
Ibid., p. 155.
126

Estado constitucional, além de atribuir significado ao caso concreto, compreende a lei na


dimensão dos direitos fundamentais. 242
Com efeito, o escopo jurídico do processo, assim como o social, também evolui, e
passa a se determinar pela proteção de direitos, pela preocupação com a preeminência de
situações juridicamente protegidas em detrimento unicamente da atuação da vontade da lei.
O Estado de Direito contemporâneo, também intitulado de Pós-Social, Ambiental ou
Socioambiental, 243 para citar apenas algumas definições, em termos gerais, prima pela
reafirmação dos direitos sociais e pela garantia dos direitos e liberdades individuais, mas
também, agrega a estas duas categorias, os direitos de terceira dimensão, ou direitos de
solidariedade, dentre os quais se inclui o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
A última fase da revolução industrial, vivenciada com o fim da Segunda Grande
Guerra deu surgimento à sociedade de risco, que tem exposto o meio ambiente e a
humanidade de forma constante a perigos desconhecidos resultantes especialmente da intensa
e acelerada atividade industrial e tecnológica. 244
Este fato gera deveres e obrigações [não somente, mas principalmente] ao Poder
Público, dentro de suas respectivas funções [administrativa, legislativa e judiciária], de modo
que possa administrar de forma eficaz tanto os riscos concretos, conhecidos, quanto os
desconhecidos - fontes de maior preocupação.
É inegável o peso das funções administrativa e legislativa na gestão dos riscos
ambientais, mas a função jurisdicional também tem seu valor. No entanto, ela precisa
conformar-se adequadamente para bem atender às novas demandas da sociedade, sem perder
de vista a ordem de valores estabelecida pela Constituição, principalmente em respeito ao
direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva [art. 5º, XXXV, da CRFB/88].
Vislumbra-se hoje, a necessidade de afirmação do caráter ético do processo, 245 e do
comprometimento axiológico das instituições processuais, 246 porém, não mais em decorrência

242
MARINONI, L. G. Curso de processo civil, V. 1, p. 413.
243
Cf. BONAVIDES, P. Teoria constitucional da democracia participativa. Por um direito constitucional de
luta e resistência. Por uma nova hermenêutica. Por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008; SARLET, I. W. [Org.]. Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010; SILVA, Vasco Pereira da. Verde cor de direito: lições de direito do ambiente. Coimbra:
Almedina, 2002.
244
Cf. BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. Rio de
Janeiro, Editora 34, 2010.
245
DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo, p. 39.
246
Ibid., p. 41.
127

de um Estado Social, mas de um Estado que procura consolidar os valores da dimensão


ecológica da dignidade da pessoa humana e da dignidade da vida em geral. 247
Nas palavras de Marinoni:

O processo, do mesmo modo que a jurisdição, não pode ser compreendido à


distância dos valores do Estado e da sociedade na qual está mergulhado.
[...]. Assim como a jurisdição, a ação e a defesa, o processo obviamente se
compromete com os valores do seu momento histórico. 248

A coletivização do processo e do procedimento, em contraposição a um tratamento


excessivamente individualista das demandas, representou grande evolução na tutela dos
direitos transindividuais, que atualmente, em face da crise ambiental e da sociedade de risco,
adquiriram grande importância.
Todavia, a visão do processo como um instrumento capaz permitir maior proteção e
efetividade aos direitos fundamentais tem se mostrado, também, imprescindível. A utilização
de cláusulas processuais abertas, como as dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC [que conferem
opções às partes e ao juiz], conceitos jurídicos indeterminados, constantes, por exemplo, do
art. 225, caput, da CRFB/88, e do art. 3º, inc. I, da Lei 6.938/81, e a participação mais ativa
do magistrado, conforme previsão do art. 5º da LINDB, 249 demonstram a possibilidade de
condicionamento da ação e do processo à tutela pretendida e às necessidades do direito
material que se visa proteger, especialmente quando se vislumbram as limitações de um
procedimento único, ordinário e inflexível.
Para tanto, citam-se alguns exemplos de técnicas procedimentais capazes de tornar a
proteção ambiental mais efetiva, justa e legítima: a concessão da tutela antecipada em ação
cautelar inibitória, corolário do Princípio Ambiental da Precaução; a distribuição equânime do
ônus da prova, colocando a incumbência de provar os fatos a cargo da parte que possua
melhores condições para sua produção, em respeito ao Princípio da Informação; e a
possibilidade da participação ativa de entidades e organizações como amicus curiae em
processos coletivos ambientais, em observância ao Princípio da Participação e Cooperação,
objeto de estudo do presente trabalho.
Deste modo, vê-se que há margem para maiores avanços na tutela coletiva do meio
ambiente a partir da instrumentalização de algumas técnicas que, a despeito da existência de

247
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p. 57 et seq.
248
MARINONI, L. G. Curso de processo civil, V. 1, p. 410.
249
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro [Decreto-Lei n. 4.657/42], em seu art. 5o , dá ensejo a tal
possibilidade, in verbis: Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
128

decisões de vanguarda nessa esteira, há ainda uma premente necessidade de maior


sedimentação desse entendimento na doutrina e jurisprudência. 250
Segundo Bedaque, Não bastam alterações legislativas se o aplicador das regras
processuais se mantiver apegado ao formalismo estéril. 251
Com efeito, uma vez cumpridas as garantias da ampla defesa e do contraditório, a
manutenção do excessivo rigor procedimental não mais se justifica, mas ao contrário, acaba
por dificultar ou, até mesmo, impedir que o processo atinja seus escopos social [de
conformação procedimental], político [de possibilidade de participação] e jurídico [de
proteção dos direitos fundamentais].
Essa possiblidade de flexibilização do procedimento em prol do bem da vida que se
pretenda tutelar, no caso o meio ambiente, não diminui sua legitimidade, tampouco afronta o
devido processo legal [art. 5º, LIV, DA CRFB/88], na medida em que, observados os
princípios constitucionais de justiça e a imparcialidade do juiz no caso concreto, a adequação
procedimental, em verdade, reforçará a normatividade dos preceitos constitucionais,
garantindo o acesso à ordem jurídica justa [art. 5º, XXXV e LXXVIII].

250
Concessão de tutela antecipada em ação cautelar inibitória: Ementa da decisão recorrida: AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CAUTELAR INIBITÓRIA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS.
PROLONGAMENTO DA AVENIDA LITORÂNEA. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. RELATÓRIO
DE IMPACTO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS QUE COMPROVEM A LEGALIDADE.
INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE. Havendo indício de irregularidade no procedimento de licenciamento
ambiental, sobretudo no Estudo de Impacto Ambiental - EIA e no Relatório de Impacto Ambiental, do
prolongamento da Avenida Litorânea, torna-se necessária a suspensão dos atos posteriores. Os atos praticados no
sentido de comprovar irregularidades da Administração Pública, visam resguardar a legalidade do procedimento
de licenciamento ambiental, assim como a supremacia do interesse público. Agravo conhecido e improvido" In:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Suspensão de liminar e de sentença nº 1524/MA(2012/0029011-3).
Município de São Luís do Maranhão versus Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Interessado: Ministério
Público Estadual. Decisão monocrática Min. Ari Pargendler. Julgado em 28 fev. 2012. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/> Acesso em: 12 mar. 2013.
Ônus dinâmico da prova: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS.
6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN
DUBIO PRO NATURA. 10. Recurso Especial não provido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª
Turma. REsp n. 883656/RS (2006/0145139-9. Alberto Pasqualini REFAP S/A versus Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul. Interessada: Petróleo Brasileiro S/A Petrobrás. Relator Min. Herman Benjamin.
Julgado em 28 fev. 2012.Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/> Acesso em: 12 mar. 2013.
Amicus curiae em ação civil pública: Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo,
interposto contra decisão que, em sede de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal,
indeferindo pedido do IBAMA para intervir no processo na condição de “amicus curiae", concluiu pela
intervenção do ente federal na condição de assistente do Ministério Público. Pedido de efeito suspensivo
deferido. In: BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. 3ª Turma. Agravo de Instrumento nº 5005060-
31.2011.404.0000/RS. Relator Des. Fernando Quadros da Silva. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e Ministério Público Federal versus Hiroshi Onishi e outro. Julgado em
25 jun. 2011. Disponível em: <http://www2.trf4.jus.br/>. Acesso em: 12 mar. 2013.
251
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 53.
129

Acredita-se que a participação mais ativa, tanto das partes quanto do juiz, na
conformação do procedimento às necessidades do direito material, proporcionará maior
aceitabilidade da decisão final [pelas partes e pela coletividade], visto que será trabalhada e
construída em conjunto por todos, de modo cooperativo, inclusive com a ordenada
participação da sociedade, de modo a conferir legitimidade ao processo.
Nesse sentido, as lições de Santos:

Nesse contexto, o processo justo deve ser um processo cooperativo,


informado pela boa-fé, tanto no seu aspecto subjetivo, quanto objetivo. A
cooperação, com efeito, sobreleva como expoente máximo do processo civil
na consecução da justiça no caso concreto. Nessa senda, inegáveis são os
reflexos exercidos na atuação das partes e de todos aqueles que de qualquer
forma participam do processo, inclusive o órgão julgador. O fato de as
partes serem parciais e interessadas no resultado da causa não significa que
estejam isentas de agir com lealdade e boa-fé, sendo possível falar em um
verdadeiro fair play processual. 252

No Estado de Direito Ambiental, em que os direitos, deveres e princípios ambientais


253
possuem máxima preeminência e proeminência, o procedimento assume especial
importância sob a perspectiva da tutela coletiva do meio ambiente. As noções abstratas de
processo como relação jurídica processual, de Oskar von Bülow, e de procedimento em
contraditório, de Elio Fazzalari, contribuíram fortemente para a construção do conceito
moderno de processo: procedimento animado por uma relação jurídica em contraditório.
Contudo, a sociedade evoluiu, assim como seus conflitos também evoluíram, e hoje
demandam novos conceitos, mais abertos e flexíveis, que exigem do operador do direito uma
opção entre valores: a garantia da ordem, da segurança jurídica e da liberdade, ou a
observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e a proteção dos
direitos fundamentais.
Portanto, embora a ponderação de valores mostre-se por vezes necessária, o operador
do direito deverá ter em mente sempre a primariedade dos valores ambientais e os escopos
que determinam a aplicação do direito processual, a fim de não somente possibilitar a criação
de um campo de atuação positiva da jurisdição na tarefa de proteção dos recursos naturais e
ecológicos, mas também como forma de colaborar com a coletividade e os demais poderes
públicos na garantia de um meio ambiente saudável para as presentes e futuras gerações.

252
SANTOS, Igor Raatz dos. Processo, igualdade e colaboração. Os deveres de esclarecimento, prevenção,
consulta e auxílio como meio de redução das desigualdades no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, v.
192, ano 36, p. 65-6, 2011.
253
BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira.
In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Op. cit., p.103 et seq.
130

Nesse contexto, afirma-se que, as regras que compõem o sistema processual coletivo
atual devem ser reformuladas e adequadas ao contexto da sociedade de risco contemporânea,
o que se acredita esteja em vias de realizar-se a partir da aprovação do Novo Código de
Processo Civil e das alterações legislativas previstas para o Código de Defesa do Consumidor.
Conforme dito, o ordenamento jurídico brasileiro é composto por normas que
permitem a instrumentalização ou funcionalização do procedimento, em razão da previsão de
cláusulas processuais abertas, conceitos jurídicos indeterminados, e da possibilidade de
participação mais ativa do magistrado, garantindo maior isonomia entre as partes na relação
jurídico-processual.
Isto posto, surge a figura do amicus curiae com o potencial de pluralizar o debate das
questões trazidas a juízo, assim como elevar o patamar de legitimidade das decisões por ele
proferidas. Conforme restou demonstrado, informação e participação são fundamentos da
temática ambiental, e o amicus mostra-se, de forma evidente, como mecanismo apto a ensejar
a abertura para a realização de tais condições mediante a possibilidade de participação de
terceiros no processo coletivo, cujo caráter, embora não se configure como puramente
objetivo, cuida de questões políticas e sociais relevantes, porque judicializadas e, portanto, de
interesse da coletividade, mormente quando se tratam de direitos difusos e individuais
homogêneos. 254
A instrumentalização não é incompatível com o fator legitimante do procedimento,
pelo contrário, até aumenta o poder de conformação das partes com a decisão proferida, vez
que além de participarem da formação da decisão via contraditório, também participam da
formação dos meios que levaram à decisão. 255

254
Neste aspecto, vale ressaltar as lições de Dirley da Cunha Júnior acerca da diferenciação entre os processos
subjetivo e objetivo: [...] Verifica-se, desse modo, que o controle incidental ou concreto de constitucionalidade
tem por finalidade a defesa de um interesse ou direito subjetivo da parte que o suscita, ao passo que o controle
principal ou abstrato destina-se à defesa objetiva da Constituição. Em consequência disto, leciona-se, com
frequência, que o processo de controle incidental ou concreto de constitucionalidade é subjetivo e o processo de
controle principal ou abstrato de constitucionalidade é objetivo, haja vista que, enquanto aquele está direcionado
à resolução de controvérsia ou litígio travado entre as partes definidas ante um caso concreto, este está
vocacionado, pura e simplesmente, à defesa da supremacia da constitucional, objetivamente de interesse de toda
coletividade. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. A intervenção de terceiros no processo de controle abstrato de
constitucionalidade – a intervenção do particular, do co-legitimado e do amicus curiae na Adin, ADC e ADPF.
In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [coords.]. Aspectos polêmicos e atuais sobre os
terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 151-2.
255
Forte tendência do processo civil contemporâneo, encampada por diversos autores, dentre os quais:
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2010; DINAMARCO, Cândido Rangel; A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2007; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo
civil. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. V. 1.
131

Nessa medida, tal instrumentalização garante que novas técnicas sejam introduzidas
no sistema, a fim de resguardar a legitimidade do direito material tutelado. E neste aspecto, o
amicus curiae desponta como instituto hábil na efetivação do caráter participativo do Direito
Ambiental, pois possibilita ampla atividade e cooperação das partes interessadas, bem como a
condução ao juízo de informações técnicas que, muitas das vezes, não seriam ventiladas não
fosse a especialização, a tecnicidade e vivência prática ofertada por aqueles que têm a matéria
controvertida bastante presente em seu cotidiano.
Verifica-se, assim, a adequação do procedimento como modo de garantia de
efetividade às normas de Direito Ambiental, de modo a aproximar o processo às reais
necessidades do caso concreto que, na seara ambiental, não prescinde de decisões céleres,
justas e com forte participação da coletividade. Passa-se, portanto, a análise do instituto do
amicus curiae no ordenamento jurídico brasileiro.

3.4 O AMICUS CURIAE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

3.4.1 Evolução legislativa

A questão da atuação do amicus curiae no direito processual brasileiro é assunto


recente e controvertido, ainda pouco explorado, que vem ganhando a cada dia maior
importância e novos contornos, sobretudo no que tange ao controle concentrado de
constitucionalidade.
De acordo com Bueno, com respaldo em Elisabetta Silvestri, a origem do instituto do
amicus curiae ou amigo da Corte está no direito inglês, mais especificamente no direito penal
inglês medieval, muito embora alguns autores afirmem que suas mais remotas origens
venham do direito romano. 256 Contudo, com os contornos que conhecemos atualmente, foi no
direito inglês e mais especificamente no direito norte-americano, que a figura do amicus
curiae foi concebida e de lá importada para o sistema processual brasileiro. 257

256
BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2 ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p.87-8.
257
No âmbito da Suprema Corte dos Estados Unidos, a origem do instituto transcende a ideia de stare decisis, na
medida em que surgiu em virtude da reivindicação dos litigantes que estavam insatisfeitos com a aplicação do
precedente em seus casos concretos, alegando que o precedente não apresentava as características peculiares que
lide possuía. Assim, por meio da realização de lobby perante os Ministros da Suprema Corte, começou-se a
apresentar os argumentos para compor, de maneira abstrata, os fundamentos do precedente a ser aplicado de
forma geral e vinculante mediante o stare decisis. In: GONTIJO, André Pires; SILVA, Chirstine Oliveira Peter
da. O papel do amicus curiae no estado constitucional: mecanismo de acesso da transdisciplinaridade no
processo de tomada de decisão constitucional. Anais do XIX Encontro Nacional do Conpedi realizado em
132

Nesse sentido, as lições de Mirella de Carvalho Aguiar:

E é em tal contexto que o friend of the Court surgiu com o intuito de


possibilitar a terceiro, interessado em julgamento favorável a uma das
partes, o ingresso em processo subjetivo alheio, com o fito de influenciar a
decisão judicial, a qual provavelmente se refletiria em todos os julgamentos
posteriores sobre idêntica questão, auxiliando a Corte através de ventilação
de matéria relevante ainda não abordada pelas partes no processo. 258

No Brasil, salvo a Resolução n. 390, de 17 de setembro de 2004, do Conselho da


Justiça Federal, que dispõe sobre o Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização
de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, no §1º de seu art. 23:

Art. 23. As partes poderão apresentar memoriais e fazer sustentação oral


por dez minutos, prorrogáveis por até mais dez, a critério do presidente.
§ 1º O mesmo se permite a eventuais interessados, a entidades de classe,
associações, organizações não-governamentais, etc., na função de “amicus
curiae”, cabendo ao presidente decidir sobre o tempo de sustentação oral.

Não há menção expressa ao termo amicus curiae, o que não impede que a doutrina
identifique essa modalidade diferenciada de intervenção de terceiros na legislação
infraconstitucional.
A primeira lei brasileira a trazer essa modalidade de instrumento processual foi a Lei
n. 6.386/76, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores
Mobiliários. Em seu art. 31, incluído pela Lei n. 6.616/78, no Capítulo que trata das
disposições finais e transitórias, estabeleceu que: Nos processos judiciários que tenham por
objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta
sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de
quinze dias a contar da intimação.
A redação do dispositivo permite que se verifique a possibilidade de intervenção de
terceiro interessado para participar do processo, com vistas a uma melhor elucidação dos fatos
postos em juízo, in casu, relativamente ao mercado de capitais. 259
A partir de então, outras instituições criaram entidades semelhantes à Comissão de
Valores Mobiliários, com o fito de fiscalizar suas atividades, a exemplo do art. 89 da Lei n.
8.884/94, que transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica em autarquia,

Fortaleza-CE, nos dias 09, 10, 11 e 12 de junho de 2010. Disponível em: <www.conpedi.org.br>. Acesso em 20
jun 2014.
258
AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus Curiae. Salvador: JusPodivm, 2005, p. 12.
259
Cf. BUENO, Cássio Scarpninella. Amicus curiae no processo civil brasileiro. Um terceiro enigmático. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 271 et seq.
133

posteriormente revogado pela Lei n. 12.529/11, a qual estruturou o Sistema Brasileiro de


Defesa da Concorrência, formado pelo CADE e pela Secretaria de Acompanhamento
Econômico do Ministério da Fazenda.
Aos Presidentes dos Conselhos e das Subseções da Ordem dos Advogados do Brasil
também é concedida a legitimidade para atuar nos feitos, judicial ou extrajudicialmente,
contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins de seu Estatuto, a Lei n.
8.906/94, conforme previsão do caput de seu art. 49 e parágrafo único:

Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm


legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer
pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.
Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm,
ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos
e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na
OAB.

Outro exemplo é ofertado pela Lei n. 9.279/96 que regula os direitos e obrigações
relativos à propriedade industrial, e ao mesmo tempo traz disposições de direito material e
processual. Em seu art. 57 prevê que, A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da
Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito. Do mesmo modo, preveem
seus arts. 118, acerca da ação de nulidade de registro de desenho industrial, e 173: A ação de
nulidade poderá ser proposta pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse. 260
Além da hipótese de intervenção da União e das pessoas jurídicas de direito público
prevista no art. 5º e parágrafo único da Lei n. 9.469/97, existem as possibilidades previstas na
legislação mais recente, a saber: atuação do amicus no controle concentrado de
constitucionalidade – quando presentes cumulativamente os requisitos de relevância da
matéria e representatividade adequada dos postulantes, conforme art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99;
no incidente de inconstitucionalidade [§§ 1º, 2º e 3º do art. 482 do CPC, com redação dada
pela Lei n. 9.868/99]; no procedimento de edição, revisão e cancelamento de enunciado de
súmula vinculante pelo STF [§2º, do art. 3º, da Lei 11.417/06]; na análise da repercussão
geral pelo STF quando do julgamento de recurso extraordinário [§6º, do art. 543-A, do CPC,
com redação dada pela Lei n. 11.418/06]; no pedido de uniformização de jurisprudência
perante os Juizados Especiais Federais [§7º, do art. 14, da Lei n. 10.259/01].
Todavia, a despeito de todas as particularidades acerca do tema, balizada doutrina
afirma a possibilidade de admissão de pedidos de intervenção de amicus curiae no processo

260
Ibid., p. 291 et seq.
134

coletivo, mesmo sem expressa previsão legal. Nessa esteira, o entendimento do professor
Leonel:

Parece-nos correto afirmar que a intervenção do amicus curiae independe


de expressa previsão legal. Essa participação pode ser fundamentada nos
poderes de instrução do juiz, que envolvem a colheita de informações
através de pessoas ou entidades que não integrem a relação processual mas
possam colaborar com a melhor compreensão da controvérsia e com o
aprimoramento da prestação jurisdicional, especialmente em casos em que
a dimensão do debate vai além do mero interesse imediato das partes. 261

Acompanhando esse viés doutrinário de inexigência de norma autorizativa, fundado


num interesse mediato ou remoto das partes, de ampla abrangência social, é que se propõe
analisar a aplicabilidade da referida ferramenta em ações coletivas que versem sobre a matéria
ambiental, de forma a suprir as insuficiências estruturais ou conjunturais da democracia
representativa, permitido aos cidadãos a participação ativa nas decisões que venham a
influenciar direta ou indiretamente seu bem estar social e sua sadia qualidade de vida.

3.4.2 Natureza jurídica do instituto

Amicus curiae é a intervenção de terceiro no processo jurisdicional, que prescinde de


interesse próprio na causa, a despeito de sua característica principal, que é a de oferecer
subsídios, como forma de auxílio e fonte de conhecimento em assuntos específicos que
demandem uma interpretação mais técnica, de modo a oportunizar amplo debate da questão
posta em juízo.
O amicus curiae não possui, em tese, interesse em favorecer qualquer das partes, mas
sim, discutir objetivamente teses jurídicas que irão repercutir na coletividade. Assim, em se
tratando de questão sub judice, o amicus integrará a demanda para discutir objetivamente
assunto de relevante interesse social, com vistas ao suporte fático e jurídico e os reflexos de
determinada matéria na sociedade, na economia, indústria, meio ambiente, no biodireito, entre
outros.
Medina assim define o instituto:

O amicus curiae é um terceiro que intervém em um processo, do qual ele


não é parte, para oferecer à corte sua perspectiva acerca da questão
constitucional controvertida, informações técnicas acerca de questões

261
LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
263.
135

complexas cujo domínio ultrapasse o campo legal ou, ainda, defender os


interesses dos grupos por ele representados, no caso de serem, direta ou
indiretamente, afetados pela decisão a ser tomada. 262

A natureza jurídica deste instituto tem caráter polêmico. Parte da doutrina encampa a
corrente de que se trata, o amicus curiae, de forma de assistência qualificada por um
requisito de admissibilidade específico, qual seja, a representatividade do órgão ou
entidade. 263
Outros indicam ser uma intervenção atípica, 264 e a grande maioria da doutrina
reconhece o instrumento como terceiro partícipe da relação processual, atribuindo-lhe
naturezas jurídicas diversas, a saber: intervenção anômala, quanto àquela prevista no
parágrafo único, do art. 5º, da Lei n. 9.469/97; 265 terceiro especial – Dirley da Cunha Júnior
afirma tratar-se, o amicus curiae, de um terceiro especial que pode intervir no feito para
auxiliar a Corte, desde que demonstre um interesse objetivo relativamente à questão jurídico-
constitucional em discussão; 266 e ainda, terceiro enigmático - conforme entendimento de
Bueno, que afirma como referenciais mais próximos do amicus curiae na Civil Law, o
Ministério Público, quando atua como custos legis, o assistente e o perito. 267
Del Prá identifica três espécies de intervenção do amicus:

262
MEDINA, Damares. Amicus curiae. Amigo da corte ou amigo da parte? São Paulo: Saraiva, 2010. [Série
IDP], p. 17.
263
BUENO FILHO, Edgard Silveira. Amicus curiae – a democratização do debate nos processos de controle de
constitucionalidade. Revista Jurídica do Centro de Estudos Judiciários – CEJ, v. 6, n. 19, out/dez 2002, p. 88.
Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/33>. Acesso em: 28 mai 2014.
264
DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo.
7. ed. Salvador: Juspodivm, p. 262. Na mesma linha, Carneiro, para quem a atuação do amicus curiae seria uma
espécie de intervenção de terceiros atípica, na medida em que não precisa demonstrar interesse jurídico, mas
representatividade adequada e suficiente. In: CARNEIRO, Athos Gusmão. Mandado de segurança. Assistência e
amicus curiae, Revista de Processo, v.112, 2004, p.219.
265
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. Processo de
Conhecimento. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 188-90. Em contraposição, CUNHA,
Leonardo José Carneiro da. Intervenção anômala: a intervenção de terceiro pelas pessoas jurídicas de direito
pública prevista no parágrafo único do art. 5º da Lei 9.469/1997. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim [coords.]. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos
afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 623, verbis: Essa modalidade de terceiros [prevista no
parágrafo único, do art. 5º, da Lei 9.469/97], poderia ser confundida com a figura do amicus curiae, existente no
controle concentrado de constitucionalidade das leis. Muito embora possa, eventualmente, haver pontos de
contato entre as figuras jurídicas, é bem de ver que não se confundem. Isso porque o amicus curiae desponta
como auxiliar da justiça criado para contribuir com o aprimoramento técnico da decisão judicial, enquanto a
intervenção anômala decorre de um interesse econômico da Fazenda Pública, que pretende ver o êxito de uma
das partes.
266
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. A intervenção de terceiros no processo de controle abstrato de
constitucionalidade – a intervenção do particular, do co-legitimado e do amicus curiae na Adin, ADC e ADPF.
In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [coords.]. Aspectos polêmicos e atuais sobre os
terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 157.
267
BUENO, C. S. Amicus curiae no processo civil brasileiro, p. 423.
136

[...] (a) aqueles que participam do processo por impulso do juiz (art. 9º e
art. 20 da LADIn, e art. 6º, §1º, da LADPF; (b) aqueles cuja participação é
decorrência de poder de polícia, e cuja intimação é requisito de
regularidade do procedimento (intervenção do CADE ou da CVM); e (c)
aqueles que intervêm voluntariamente, exercício a direito próprio de
manifestação (art. 7º, §2º, LADIn, art. 6º, §2º, LADPF, art. 14, §7º,
LJEF). 268

Nesta medida, segundo o autor, apenas a última hipótese, de intervenção voluntária,


tem o condão de caracterizar a evolução no sentido de aperfeiçoamento da democracia
participativa. Ressalte-se que tal participação não se confunde com o instituto da assistência,
modalidade de intervenção de terceiros, formulada tipicamente para o processo de índole
individual:

[...] não se confunde o amicus curiae com a prefalada assistência. Pois esta
depende da evidência de risco jurídico significativo, enquanto que aquele se
habilita, excepcionalmente, no exercício de suas funções públicas e quando
avulta a necessidade de defender o interesse público, seja em relação à
qualidade dos serviços, seja em referência aos sinais de aspectos
econômicos negativos. 269

De fato, terceiro é aquele que não é parte. 270 Todavia, o instituto do amicus curiae
não se confunde com nenhuma das hipóteses previstas no CPC, originalmente formuladas
para a participação no processo individual e condicionadas a intervenção à presença de um
interesse jurídico específico, quais sejam: a oposição [art. 56], nomeação à autoria [art. 62],
denunciação da lide [art. 70], e chamamento ao processo [art. 77]. Também não há que ser
confundido com a figura do assistente, com quem possui maior proximidade, a despeito da
divergência consistente no interesse que legitima tais intervenções, conforme ressaltado
acima, nas lições do Ministro do STJ, Milton Luiz Pereira.

268
DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Breves considerações sobre o amicus curiae na Adin e sua
legitimidade recursal. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [coords.]. Aspectos
polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
p. 62.
269
PEREIRA, Milton Luiz. Amicus curiae – intervenção de terceiros. Revista Jurídica do Centro de Estudos
Judiciários – CEJ, v. 6, n. 18, jul/set 2002, p. 85. Disponível em:
<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/32>. Acesso em: 28 mai 2014.
270
Partes, na definição de Liebman, são os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz. Destaque-se ainda,
o conceito de Chiovenda: Parte é aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandada) a
atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada. In: MARINONI, L. G. Curso
de processo civil, V. 2, p. 161. Já para este autor, é o grau de interesse jurídico que atribui ao sujeito a condição
de parte legítima, de terceiro interessado ou, ainda, de terceiro indiferente. Esse grau de interesse é medido não
com base no direito processual, mas sim de acordo com critérios de direito material, segundo os reflexos da
decisão da causa sobre a esfera jurídica do sujeito. E finaliza: [...] será parte no processo aquele que demandar
em seu nome (ou em nome de quem for demandada) a atuação de uma ação de direito material e aquele outro em
face de quem essa ação deva ser atuada. Ib., p. 163.
137

Diferentemente, Bueno vale-se de outros referenciais existentes na legislação [como


o perito e o intérprete, a testemunha, o custos legis, o curador especial, e o próprio assistente],
compreendendo-os em seu próprio contexto, para propor um novo regime jurídico, uma nova
sistemática para o instituto, no qual identifica um interesse institucional na causa, como novo
conceito a partir da tradicional concepção de interesse jurídico que move a intervenção de
terceiros no processo jurisdicional, na medida em que é filtrado a partir de determinados
entes voltados, organicamente, à sua proteção – e muitas vezes expressamente reconhecidos
pelo sistema para desempenhar esse papel: 271

[...] O interesse institucional é público no sentido de que deve valer em juízo


pelo que ele diz respeito às instituições, aos interesses corporificados no
amicus, externos a eles e não pelos interesses que ele próprio amicus pode,
eventualmente, possuir e os possuirá, não há como negar isso
legitimamente. Não é um interesse público do Estado, que caracteriza o
Estado como tal, um ‘interesse estatal’, mas pode haver um interesse
público que também diga respeito ao Estado, mais especificamente aos
valores que o Estado representa e tem como mister primeiro cumpri-los. É,
nessas condições, um interesse público primário, para valermo-nos, aqui
também, da dicotomia adotada, em geral, pelos administrativistas. 272

Para o autor, há portanto, no conceito de amicus curiae, uma modificação da


tradicional ideia de interesse jurídico, que amolda-se ao instituto, ao prever a possibilidade de
tutela de outras situações não tuteladas pelas figuras já existentes no ordenamento. Isto porque
se o amigo da corte assumisse a existência de um interesse jurídico, haveria confusão lógica
entre os institutos.
Na jurisprudência da Corte Constitucional pode-se dizer que a matéria encontra-se,
de certa maneira, pacificada, a partir do advento da Lei n. 9.868/99, que no §2º, de seu art. 7º,
previu um permissivo à participação de terceiros interessados, desde que preenchidos
determinados requisitos [relevância da matéria e representatividade dos postulantes],
conforme se verifica em decisão monocrática, de relatoria do Min. Celso de Mello, proferida
em Medida Cautelar na ADI n. 2.130/SC, na qual a Associação dos Magistrados Catarinenses
requer a intervenção como amicus curiae em ação proposta pelo Governador do Estado de
Santa Catarina em face do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina. 273

271
BUENO, C. S. Amicus curiae no processo civil brasileiro, p. 508.
272
Ibid., p. 507.
273
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO
AMICUS CURIAE. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO POLÍTICO-
JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO
138

Na decisão fica explicitado que a admissão de terceiro, na condição de amicus curiae


qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, pois tem o
condão de viabilizar, em concordância ao Princípio Democrático, a abertura do processo de
fiscalização do controle concentrado de constitucionalidade sob uma perspectiva pluralística,
bem como a possibilidade de participação formal de entidades e instituições que efetivamente

ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO DEFERIDO. - No estatuto que rege


o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro
processualizou a figura do amicus curiae (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º), permitindo que terceiros - desde que
investidos de representatividade adequada - possam ser admitidos na relação processual, para efeito de
manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. - A admissão de
terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como
fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em
obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade,
em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a
possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses
gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos
sociais. Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 - que contém a base normativa legitimadora
da intervenção processual do amicus curiae - tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional. [...]
A regra inscrita no art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868/99 - que contém a base normativa legitimadora da intervenção
processsual do amicus curiae - tem por objetivo pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo
Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da
controvérsia. É certo que, embora inovadora em tema de controle abstrato de constitucionalidade (que faz
instaurar processo de natureza marcadamente objetiva), a disciplina legal pertinente ao ingresso formal do
amicus curiae já se achava contemplada, desde 1976, no art. 31 da Lei nº 6.385, de 07/12/76, que permite a
intervenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em processos judiciais de caráter meramente subjetivo,
nos quais se discutam questões de direito societário, sujeitas, no plano administrativo, à competência dessa
entidade autárquica federal. Cabe registrar, por necessário, que a intervenção do amicus curiae, para legitimar-
se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a
proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio. Na verdade, consoante ressalta PAOLO
BIANCHI, em estudo sobre o tema ("Un'Amicizia Interessata: L'amicus curiae Davanti Alla Corte Suprema
Degli Stati Uniti", in "Giurisprudenza Costituzionale", Fasc. 6, nov/dez de 1995, Ano XI, Giuffré), [...]. Presente
esse contexto, entendo que a atuação processual do amicus curiae não deve limitar-se à mera apresentação de
memoriais ou à prestação eventual de informações que lhe venham a ser solicitadas. Cumpre permitir-lhe, em
extensão maior, o exercício de determinados poderes processuais, como aquele consistente no direito de
proceder à sustentação oral das razões que justificaram a sua admissão formal na causa. Reconheço, no
entanto, que, a propósito dessa questão, existe decisão monocrática, em sentido contrário, proferida pelo
eminente Presidente desta Corte, na Sessão de julgamento da ADI 2.321-DF (medida cautelar). Tenho para mim,
contudo, na linha das razões que venho de expor, que o Supremo Tribunal Federal, em assim agindo, não só
garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às suas decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob
uma perspectiva eminentemente pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação
processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de experiências que o amicus curiae
poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em um processo - como o de controle abstrato de
constitucionalidade - cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável
importância e de inquestionável significação. Tendo presentes as razões ora expostas - e considerando o que
dispõe o art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 -, entendo que se acham preenchidos, na espécie, os requisitos
legitimadores da pretendida admissão formal, da ora interessada, nesta causa: a relevância da matéria em exame,
de um lado, e a representatividade adequada da entidade de classe postulante, de outro. Sendo assim, admito, na
presente causa, a manifestação da Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC, que nela intervirá na
condição de amicus curiae, anotando-se, ainda, na autuação os nomes de seus ilustres procuradores (fls. 271). 2.
O pedido de medida cautelar será submetido à apreciação do Plenário desta Corte, em uma das Sessões que o
Supremo Tribunal Federal fará realizar na primeira quinzena do mês de fevereiro de 2001. 3. Depois que se
proceder à juntada desta decisão ao processo, voltem-me conclusos, imediatamente, os presentes autos.
Publique-se. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.130 MC/SC. Governador do Estado de Santa
Catarina versus Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Interessada: Associação dos
Magistrados Catarinenses – AMC. Rel. Min. Celso de Mello. Decisão monocrática. Julgado em 20 dez 2000.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/>. Acesso em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
139

representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e


relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.
Assim, afirma-se que a jurisdição constitucional no Brasil, adota, atualmente, um
modelo procedimental que oferece alternativas e condições as quais tornam possível, de modo
cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões no
processo constitucional.
Como exemplos dos mais relevantes processos objetivos nos quais foi permitida a
participação de terceiros intervenientes, com o fito de democratização do debate
constitucional, citam-se: a ADI 3510/DF, de relatoria do Min. Ayres Britto, na qual ficou
reconhecida a constitucionalidade da Lei de Biossegurança [Lei n. 11.105/05], que permitiu a
manipulação genética, mediante utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas e
terapias, entendendo a Corte, no caso, que inexiste violação ao direito à vida dignidade da
pessoa humana, razão pela qual julgou improcedente o pedido veiculado. Nesta ação, foram
admitidos como amicus curiae diversas instituições, a saber: Conectas Direitos Humanos,
Centro de Direitos Humanos – CDH, Movimento em Prol da Vida – Movitae, Instituto de
Bioética, Direitos Humanos e Gênero – Anis, e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
– CNBB. Nesse contexto, Mendes:

Ao ter acesso a essa pluralidade de visões em permanente diálogo, o


Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios decorrentes dos
subsídios técnicos, implicações jurídico-políticas e elementos de
repercussão econômica que possam vir a ser apresentados pelos ‘amigos da
Corte.’

Na seara ambiental, cita-se a ADPF 101, de relatoria da Min. Carmem Lúcia, a qual
vedou a importação de pneus usados, e em cujo julgamento foi permitida a participação de
mais de uma dezena de amici curiae, entre eles: Associação Brasileira de Pneus Remoldados
– Abip; Associação Nacional da Indústria de Pneumático – Anip; Pneuback Indústria e
Comércio de Pneus Ltda; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – Ibama; Remoldagem de Pneus Ltda; BS Colway Pneus Ltda; Conectas Direitos
Humanos; Justiça Global; Associação de Proteção do Meio Ambiente de Cianorte – Apromac;
Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus; Associação de Defesa da
Concorrência Legal e dos Consumidores Brasileiros – Adcl; Líder Remoldagem de Pneus
Ltda; Ribor Importação, Exportação, Comércio e Representações Ltda.
Tal posicionamento do STF apenas evidencia o caráter legitimante da participação de
terceiros interessados. Quanto à importância dessa diversificada participação, Coelho:
140

Em tema de direitos fundamentais – e.g. liberdade de cátedra, criação


artística, de imprensa e organização sindical – é de todo evidente que sem a
participação dos seus destinatários, daqueles que vivenciam esses direitos,
não se produz uma interpretação sequer razoável do texto constitucional. O
mesmo se diga com relação àqueles direitos cujo âmbito de proteção
envolve conteúdos só revelados com a ajuda hermenêutica de intérpretes
não-jurídicos, como é o caso dos direitos das populações indígenas, nos
termos em que são reconhecidos pelo artigo 231 da Constituição do Brasil.
Sem o apoio dos próprios índios, de antropólogos e de indigenistas – que,
aliás, participaram do processo constituinte – o juiz não conseguirá ler esse
dispositivo constitucional.274

Nesta mesma senda, verifica-se o deferimento do ingresso de amicus curiae em sede


de Recurso Extraordinário com repercussão geral - decisão proferida no RE 659.424/RS,
também de relatoria do Min. Celso de Mello. 275 Vale ressaltar, que o Recurso Extraordinário,

274
COELHO, Inocênio Mártires. As ideias de Peter Häberle e a abertura da interpretação constitucional no
direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, n. 137, jan/mar 2008, p. 158.
275
EMENTA: “AMICUS CURIAE”. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGITIMIDADE
DEMOCRÁTICA. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO “mediador entre as diferentes forças com
legitimação no processo constitucional” (GILMAR MENDES). POSSIBILIDADE DA INTERVENÇÃO DE
TERCEIROS, NA CONDIÇÃO DE “AMICUS CURIAE”, EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. NECESSIDADE, CONTUDO, DE PREENCHIMENTO,
PELA ENTIDADE INTERESSADA, DO PRÉ-REQUISITO CONCERNENTE À REPRESENTATIVIDADE
ADEQUADA. DOUTRINA. CONDIÇÃO NÃO OSTENTADA POR PESSOA FÍSICA OU NATURAL.
CONSEQUENTE INADMISSIBILIDADE DE SEU INGRESSO, NA QUALIDADE DE “AMICUS CURIAE”,
EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PRECEDENTES.
PEDIDO INDEFERIDO. DECISÃO: Irineo Giacomolli, invocando a sua condição de viúvo de servidora pública
estadual e sustentando ser, em razão de seu estado vidual, beneficiário de pensão por morte devida pelo IPERGS,
parte ora recorrente, requer “seja admitido como ‘amicus curiae’, nos autos do Recurso Extraordinário em
epígrafe (...)” (fls. 196/202). Tenho enfatizado, em diversas decisões proferidas nesta Suprema Corte, que a
intervenção processual do “amicus curiae” tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional,
permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e
necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave
questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Corte, quando no desempenho de seu
extraordinário poder de efetuar o controle de constitucionalidade, especialmente em sede abstrata, tal como
destacam, em pronunciamento sobre o tema, eminentes doutrinadores (GUSTAVO BINENBOJM, “A Nova
Jurisdição Constitucional Brasileira”, 2ª ed., 2004, Renovar; ANDRÉ RAMOS TAVARES, “Tribunal e
Jurisdição Constitucional”, p. 71/94, 1998, Celso Bastos Editor; ALEXANDRE DE MORAES, “Jurisdição
Constitucional e Tribunais Constitucionais”, p. 64/81, 2000, Atlas; DAMARES MEDINA, “Amicus Curiae:
Amigo da Corte ou Amigo da Parte?”, 2010, Saraiva, v.g.). Valioso, a propósito dessa particular questão, o
magistério expendido pelo eminente Ministro GILMAR MENDES (“Direitos Fundamentais e Controle de
Constitucionalidade”, p. 503/504, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor), em passagem na qual põe em destaque o
entendimento de PETER HÄBERLE, para quem o Tribunal “há de desempenhar um papel de intermediário ou
de mediador entre as diferentes forças com legitimação no processo constitucional” (p. 498), em ordem a
pluralizar, em abordagem que deriva da abertura material da Constituição, o próprio debate em torno da
controvérsia constitucional, conferindo-se, desse modo, expressão real e efetiva ao princípio democrático, sob
pena de se instaurar, no âmbito do controle de constitucionalidade, um indesejável “deficit” de legitimidade das
decisões que o Supremo Tribunal Federal venha a pronunciar no exercício dos poderes inerentes à jurisdição
constitucional. Na verdade, consoante ressalta PAOLO BIANCHI, em estudo sobre o tema (“Un’Amicizia
Interessata: L’amicus curiae Davanti Alla Corte Suprema Degli Stati Uniti”, “in” “Giurisprudenza
Costituzionale”, Fasc. 6, nov/dez de 1995, Ano XI, Giuffré), a admissão do terceiro, na condição de “amicus
curiae”, notadamente no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de
legitimação social das decisões do Tribunal Constitucional, viabilizando, em obséquio ao postulado democrático,
141

anteriormente a EC n. 45/2004 [Reforma do Judiciário], tinha nítido caráter subjetivo.


Atualmente, a partir da introdução do requisito da repercussão geral, passou a deter um
caráter híbrido, vez que ora apresenta feições objetivas [participação do amicus curiae,
eficácia erga omnes e efeito vinculante da decisão], ora feições subjetivas [os interesses
concretos e subjetivos das partes em litígio moldaram o desenvolvimento do processo e estão
em verdadeiro contencioso constitucional. 276

a abertura do processo de fiscalização de constitucionalidade, em ordem a permitir que, nele, se realize a


possibilidade de participação de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da
coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. É de
acentuar que o Supremo Tribunal Federal, em assim agindo, não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior
legitimidade às suas decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente pluralística, o
sentido essencialmente democrático dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de informação e
pelo acervo de experiências que o “amicus curiae” poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em
processos – como o de controle abstrato de constitucionalidade ou de recurso extraordinário com repercussão
geral – cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável importância, de
indiscutível magnitude e de inquestionável significação para a vida do País e a de seus cidadãos. Devo observar,
no entanto, que o Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle normativo abstrato (ADI 3.615-ED/PB,
Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ADI 5.022-MC/RO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), quer no âmbito de
fiscalização incidental de constitucionalidade instaurada em sede de recurso extraordinário com repercussão
geral reconhecida (RE 566.349/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 590.415/SC, Rel. Min. JOAQUIM
BARBOSA – RE 591.797/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.), não tem admitido pessoa física ou natural na
condição de “amicus curiae”, tanto quanto tem igualmente recusado o ingresso, nessa mesma condição, de
pessoa jurídica de direito privado que não satisfaça o requisito da representatividade adequada. Impende
destacar, contudo, no tocante ao pleito em causa, um aspecto que se revela essencial à compreensão do tema,
considerada a fórmula da “adequacy of representation”. Refiro-me à questão concernente ao que a doutrina,
notadamente nos processos tendentes a sentenças coletivas, denomina “representatividade adequada”, que
constitui – consoante observa ADA PELLEGRINI GRINOVER (“Novas Tendências do Direito Processual”, p.
152, 1990, Forense Universitária), com fundamento no magistério de MAURO CAPPELLETTI (“Appunti sulla
tutela giurisdizionale di interessi collettivi o diffusi”, in “Le azioni a tutela di interessi collettivi”, p. 200 e segs.,
1976, Padova, Cedam) e de VICENZO VIGORITI (“Interessi collettivi e processo”, p. 245, 1979, Milano) –
“importantíssimo dado para a escolha dos legitimados às ações coletivas” (grifei). É por tal razão (falta de
representatividade adequada) que a jurisprudência desta Corte Suprema tem negado, a pessoas físicas ou
naturais, a possibilidade de intervirem, na condição de “amicus curiae”, em recursos extraordinários nos quais,
como sucede na espécie, tenha sido reconhecida a existência de controvérsia constitucional impregnada de
repercussão geral. Registre-se, nesse sentido, a precisa advertência do eminente Ministro TEORI ZAVASCKI,
em decisão proferida, como Relator, no RE 606.199/PR: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
consolidou entendimento de que, a exemplo do que acontece com a intervenção de ‘amicus curiae’ nas ações de
controle concentrado, a admissão de terceiros nos processos submetidos à sistemática da repercussão geral há de
ser aferida, pelo Ministro Relator, de maneira concreta e em consonância com os fatos e argumentos
apresentados pelo órgão ou entidade, a partir de 2 (duas) pré-condições ‘cumulativas’, a saber: (a) a relevância
da matéria e (b) a representatividade do postulante. Bem por isso é que a simples invocação de interesse no
deslinde do debate constitucional travado no julgamento de casos com repercussão geral não é fundamento apto
a ensejar, por si só, a habilitação automática de pessoas físicas ou jurídicas. Fosse isso possível, ficaria
inviabilizado o processamento racional dos casos com repercussão geral reconhecida, ante a proliferação de
pedidos de habilitação dessa natureza. (…).” (grifei) Em suma: o fato processualmente relevante, na espécie, é
que o interessado em questão não satisfaz a exigência da representatividade adequada, o que impede que se lhe
reconheça qualidade para ingressar, como “amicus curiae”, na presente relação processual. Por tais razões,
indefiro o pedido formulado por Irineo Giacomolli, deixando de admiti-lo, na qualidade de “amicus curiae”, eis
que não preenchida, por ele, a exigência concernente à representatividade adequada. In: BRASIL. Supremo
Tribunal Federal. RE 659.424/RS. Daniel Souza Nunes versus Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande
do Sul – IPERGS. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 09 dez 2013. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/>. Acesso em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
276
MEDINA, D. Amicus curiae, p. 31.
142

Destarte, apesar de todo o embate acerca da natureza jurídica do amicus curiae, certo
é que a sociedade evoluiu, assim como também evoluíram seus conflitos, de modo que o
ordenamento jurídico não pode ficar estagnado ante essa nova realidade. Em um Estado
Democrático Participativo, que permite a participação dos cidadãos em todas as esferas de
poder, e que pugna pela proteção do bem ambiental como direito fundamental das presentes e
futuras gerações, fato é que a figura do amicus curiae no processo coletivo só tem a qualificar
e garantir a legitimidade das decisões, aproximando a sociedade dos processos de tomada de
decisão, especialmente no âmbito judicial.
A dúvida que paira acerca de sua natureza jurídica, e os verdadeiros contornos dessa
intervenção processual devem ser clarificados pela doutrina e adaptados ao ordenamento
jurídico nacional, ante sua extensa e exitosa utilização no direito estrangeiro.
Passa-se, por conseguinte, à análise do amicus curiae como instrumento de
concretização da sociedade aberta de intérpretes, de Peter Häberle.

3.4.3 O amicus curiae e a sociedade aberta de intérpretes

Peter Häberle, professor titular de Direito Público e de Filosofia do Direito da


Universidade de Augsburg, da República Federativa da Alemanha, famoso constitucionalista,
em muito contribui para a concepção trabalhada neste estudo, especialmente em virtude de
sua obra Die Offene Gesellschaft Der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag Zur Pluralistischen
und “Prozessualen” Verfassungsinterpretation.
Foi escrita orginalmente no ano de 1975 e traduzida para o português no ano de
1997, pelo Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes, como Hermenêutica Constitucional. A
Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação
pluralista e “procedimental” da Constituição, à mesma época da remessa ao Congresso
Nacional do Projeto de Lei n. 2.960/1997, de iniciativa do Poder Executivo, o qual originou a
atual Lei n. 9.868/99, que dispõe acerca do processo e julgamento da ADI e ADC perante do
STF.
Nela, Peter Häberle chega a conclusão de que, [...] Devem ser desenvolvidas novas
formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido
amplo da Constituição. O direito processual constitucional torna-se parte do direito de
participação democrática. 277

277
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Trad.
Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 48.
143

Para chegar a tal desfecho, o autor divide seu texto em basicamente cinco capítulos.
No primeiro capítulo, analisa sua tese fundamental, através da observação da situação atual da
teoria da interpretação constitucional. O autor destaca que a teoria da interpretação
constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma sociedade
fechada, na medida em que seu âmbito de investigação concentra-se na interpretação
constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados. 278
Para tanto, propõe a seguinte tese: [...] no processo de interpretação constitucional
estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos
os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com
numerus clausus de intérpretes da Constituição. 279 Isto porque, na sua ótica, toda a
coletividade é democraticamente apta a realizar a atividade interpretativa, na medida em que a
interpretação deve ser tida como um processo aberto, no qual a ampliação do círculo de
intérpretes é consequência da necessidade de integração da realidade no processo de
interpretação, que realizar-se-á pelos legítimos destinatários da norma constitucional.
No capítulo segundo, faz considerações acerca dos participantes do processo de
interpretação constitucional, ao estabelecer um catálogo sistemático [provisório], dividido em
quatro grupos: no primeiro, as funções estatais representadas pela decisão vinculante da Corte
Constitucional e pelos órgãos estatais com poder de decisão vinculante; no segundo, os
participantes do processo de decisão - que não são, necessariamente, órgãos do Estado [autor
e réu; aqueles que têm direito de manifestação ou de integração à lide ou convocados pela
Corte Constitucional; pareceristas ou experts; peritos e representantes de interesses nas
audiências públicas, associações, partidos políticos; grupos de pressão organizados; partes nos
procedimentos administrativos de caráter participativo]; a opinião pública democrática e
pluralista [imprensa, rádio, televisão, as iniciativas dos cidadãos, associações, partidos
políticos fora do âmbito de atuação organizada, igrejas, teatros, editoras, escolas, pedagogos,
associações de pais]; e por fim, a doutrina constitucional, passível de participação em todos os
níveis supracitados. 280
Ao encerrar este item, o autor reconhece que, [...] A interpretação constitucional é,
todavia, uma atividade que, potencialmente, diz respeito a todos. Os grupos mencionados e o
próprio indivíduo podem ser considerados intérpretes constitucionais indiretos ou a longo

278
HÄBERLE, P. Hermenêutica Constitucional, p. 12.
279
Ibid., p. 13.
280
Ibid., p. 20-3.
144

prazo. 281 Ressalte-se que o rol exposto pelo autor é meramente exemplificativo, podendo ser
ampliado para outras instâncias.
No terceiro capítulo, Häberle acena para possíveis objeções e críticas a partir da
análise desenvolvida, e propõe uma legitimação sob a ótica da teoria do direito, da teoria da
norma, da teoria da interpretação e decorrente das reflexões teorético-constitucionais:

[...] qualquer intérprete é orientado pela teoria e pela práxis. Todavia, essa
práxis não é, essencialmente, conformada pelos intérpretes oficiais da
Constituição. 282 [...] a integração, pelo menos indireta, da res publica na
interpretação constitucional em geral é expressão e consequência da
orientação constitucional aberta no campo de tensão do possível, do real e
do necessário (in das Spannungsfeld des Möglichen, Wirklichen und
Notwendigen gestellten Verfassungsverständisses). Uma Constituição, [...]
não pode tratar as forças sociais e privadas como mero objetos. Ela deve
integrá-las ativamente enquanto sujeitos. 283

Nesta medida, segundo o autor, os intérpretes constitucionais representados pelas


forças sociais e privadas, acabam por deter um status de activus processualis, adaptado ao
novo Estado Democrático Participativo, no qual o direito de participação possui extrema
relevância na conformação da ordem jurídica e procedimental. 284
A legitimação de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição, na visão de
Häberle, é analisada nesta perspectiva democrática:

Numa sociedade aberta, ela [a democracia] se desenvolve também por meio


de formas refinadas de mediação do processo público e pluralista da
política e da práxis cotidiana, especialmente mediante a realização dos
Direitos Fundamentais (Grundrechtsverwirklichung), tema muitas vezes

281
HÄBERLE, P. Hermenêutica Constitucional, p. 24.
282
Ibid., p. 31.
283
Ibid., p. 33. Em acréscimo, Coelho em referência a Konrad Hesse: [...] à medida que asseguram o dissenso
hermenêutico e racionalizam as divergências de interpretação em torno da Constituição, ideias como a de Peter
Häberle colaboram, decisivamente, para preservar a unidade política e manter a ordem jurídica, que são
objetivos fundamentais de toda Constituição. In: COELHO, Inocênio Mártires. As ideias de Peter Häberle e a
abertura da interpretação constitucional no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35,
n. 137, jan/mar 2008, p. 158.
284
Dicho eso, es posible afirmar que el status negativus, passivo, característico del individualismo liberal-
burgués, no se presenta más como suficiente para satisfacer las demandas inherentes a esta nueva realidad
abierta, plural y compleja, aparecendo, entonces, el concepto – revisado – del status activus processualis como el
status fundamental de la vida em común democrática, que se caracteriza por um derecho constitucional
identificado por um caráter marcadamente procesal y procedimental, vinculado, sobre todo, al derecho de
participación (Teilhaberecht) – participación em y delante del Estado, lo que se podría designar, en última
instancia, como due process fundamental. In: HENNIG LEAL, Mônia Clarissa. La noción de constitución
abierta de Peter Häberle como fundamento de una jurisdicción constitucional abierta y como presupuesto para la
intervención del amicus curiae en el derecho brasileño. Estudios Constitucionales, Santiago, v. 08, n. 01, p. 289,
2010. Disponível em: <www.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em: 10 mai. 2012.
145

referido sob a epígrafe do ‘aspecto democrático’ dos Direitos


Fundamentais. 285

Com efeito, no contexto de um Estado Democrático-Participativo, a participação e a


cooperação de entes intermediários constitui o ponto nodal para a realização dos direitos e
deveres estatais e dos direitos e deveres fundamentais dos cidadãos, mormente quando se
compreende a Constituição como um processo aberto, em contínua transformação.
Nesse aspecto, Mendes e Vale:

É nesse contexto [de cooperação e intercâmbio de informações entre os


tribunais] que a doutrina de Peter Häberle vem sendo incorporada pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Não se pode negar, dessa
forma, que há uma tendência atual de que o intercâmbio de conhecimentos
entre os diversos órgãos de jurisdição constitucional, principalmente em
nosso ambiente latino-americano, seja decisivo na construção, ainda que
paulatina, de um direito constitucional comum na região. A difusão do
pensamento de Häberle em países latino-americanos certamente pode
constituir a causa, e ao mesmo tempo ser a consequência desse importante
processo de formação de um direito constitucional comum latino-
americano. 286

Com isso, a Corte Constitucional reveste as suas decisões de substrato oriundo dos
anseios do corpo social, podendo atuar amparada nas ideias e aspirações daqueles que são os
verdadeiros intérpretes da Constituição e titulares do poder que as constituiu.
Por fim, no capítulo quarto, expõe as consequências para a hermenêutica
constitucional jurídica, consubstanciada na relativização da interpretação jurídica, e na
expansão da atividade jurisdicional da Corte, a partir de novas formas de participação das
potências públicas pluralistas, de modo a legitimar a jurisdição constitucional no contexto
democrático em decorrência de um refinamento da atividade interpretativa do direito
constitucional processual. 287
A teoria de Häberle em torno do pluralismo hermenêutico justifica-se em razão de
que este jurista concebe a Constituição como instrumento resultante do contexto social, isto é,
conformada pelos cidadãos e, paralelamente, direcionada a eles, de modo que não se restringe
a um documento ao qual se relacionam apenas questões jurídicas, mas um texto no qual é
representada a situação social, política e cultural de um povo. Sendo assim, os cidadãos

285
HÄBERLE, P. Hermenêutica Constitucional, p. 36.
286
MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. A influência do pensamento de Peter Häberle no STF.
Consultor Jurídico, São Paulo, abr/2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-
peter-haberle-jurisprudencia-supremo-tribunal-federal>. Acesso em: 27 mai 2014.
287
HÄBERLE, P. op. cit., p. 48-9.
146

acabam por deter a legitimidade, vale dizer, uma legitimidade social, para interpretação da
Carta Magna.
Ao último item [V], resta a elaboração de novas indagações ou propostas para a
teoria constitucional, dentre as quais: a existência de diferentes objetivos e utilização de
diversos métodos de interpretação, de modo a abrigar o conteúdo da controvérsia dentro
desses diferentes métodos; e a ampliação da doutrina constitucional a fim de integrar também
a teoria da legislação, admitindo-se como interlocutora do legislador – a teoria constitucional
enquanto teoria de legislação deveria pesquisar [...] as peculiaridades da interpretação
constitucional levada a efeito pelo legislador, contemplando-se a relevância do Direito
Parlamentar. 288
Destarte, o autor pugna pela noção de sociedade participativa, como detentora do
conjunto de qualidades que a habilitaria a colaborar no processo de interpretação
constitucional, conferindo maior legitimidade às decisões produzidas em juízo em razão da
pluralização do debate, contexto no qual se encaixa perfeitamente a figura do amicus curiae,
como instrumento apto a possibilitar a democratização das discussões trazidas à juízo.
Somente a ampliação do debate permitirá a abertura para a defesa dos direitos e
garantias fundamentais das minorias, de modo a evitar a ditadura do parlamento. Conforme
visto, pugna o autor pela tese de que cidadãos, órgãos estatais, as potências públicas, grupos
de interesses, partidos políticos, e demais entidades representativas, configuram-se, todos,
como forças produtivas de interpretação do texto constitucional.

3.5 O AMICUS CURIAE COMO INSTRUMENTO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA


JURISDIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES NAS AÇÕES COLETIVAS
AMBIENTAIS

Sob a ótica da participação pública ambiental mediante o processo jurisdicional, cabe


mencionar, antes de adentrar-se à questão central, a importância da legitimação dos entes
intermediários para intervir nos processos concernentes às ações coletivas ambientais.
A participação de entes intermediários configura relevante canal para que grupos,
organismos e instituições sociais secundárias prestem auxílio à atividade processual do juízo
no curso do feito, contrabalançando eventual desequilíbrio de forças – financeiro,
organizacional, informativo ou técnico – que haja entre as partes e, ao mesmo tempo, para que

288
HÄBERLE, P. Hermenêutica Constitucional, p. 53-4.
147

exercitem o controle sobre a adequada atuação daqueles atores no caso concreto, ou seja,
sobre a representatividade adequada do legitimado ativo no processo instaurado, diante de
eventual ineficiência ou inidoneidade deste na defesa judicial do direito de todos ao meio
ambiente.
Quanto à legitimação dos entes intermediários, Mirra,

De acordo com a opção do ordenamento jurídico, os entes intermediários


poderão estar legitimados tão só para intervir ou, diversamente, estar
legitimados tanto para agir quanto para intervir nas demandas coletivas
ambientais. Normalmente, os entes intermediários legitimados para agir nas
ações coletivas têm, de igual modo legitimação para intervir. Já os entes
intermediários aos quais não se concedeu legitimação para agir poderão ter
legitimação unicamente para intervir. 289

Fala-se, portanto, de uma democratização da tarefa interpretativa, na qual a


ampliação do círculo interpretativo se apresenta como consequência da incorporação da
realidade concreta da interpretação, na medida em que os intérpretes em sentido lato se
constituem uma parte desta realidade, especialmente quando se reconhece que a norma não se
caracteriza por ser uma decisão prévia, fechada e predeterminada, a qual dispensa seu
desenvolvimento.
Apenas deve ser observado que a legitimação para intervir dos entes intermediários
legitimados para as causas ambientais prescinde de expressa disposição legal, pois que
decorre ela, automaticamente, da legitimação para agir daqueles, já reconhecida em lei.
Na legitimação tão só para intervir, ausente anterior autorização legal para a atuação
processual dos grupos, organismos e instituições sociais secundários, impor-se-á, em tese,
expressa e específica previsão normativa que preveja tal possibilidade, por se tratar de
instituto de participação popular ambiental, o que restaria mitigado em face da tese, neste
estudo pugnada, de qualificada e sistematizada participação de terceiros na tutela coletiva
ambiental, a qual não prescinde de tal prerrogativa normativa para sua adequada execução.
Conforme visto nos itens anteriores, diversas podem ser as modalidades de
intervenção dos entes intermediários nos processos das demandas coletivas ambientais, tudo
dependendo, uma vez mais, das escolhas feitas pelo constituinte ou pelo legislador
infraconstitucional.
Dessa maneira, em conformidade com a orientação seguida pelo direito positivo, os
grupos, organismos, e instituições secundárias poderão intervir nos processos coletivos

289
MIRRA, Á. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 268.
148

ambientais na condição de assistentes simples, de assistentes litisconsorciais ou de


litisconsortes propriamente ditos, bem como, na qualidade de amici curiae, se expressamente
admitido.
Neste sentido, o posicionamento de Hennig Leal:

Esta afirmação [de participação democrática como um locus de exercício de


status activus processualis] encontra seu fundamento no fato de que, em um
Estado Democrático, a questão da legitimidade deve ser igualmente
analisada sob uma perspectiva democrática, uma vez que a democracia não
se sustenta apenas em aspectos formais; antes, pelo contrário, ela necessita
ser construída cotidianamente, através da política e da práxis, aspectos que,
uma vez mais fazem evidente a necessária participação no processo de
construção dos significados da Constituição. Em tal contexto, no qual a
supremacia do povo não se fundamenta somente no voto, a interpretação e a
vivência da Constituição aparecem como espaço e condição de
possibilidade do elemento democrático.290

A dimensão de maior participação democrática é clara ao se pensar que, por exemplo,


muitas violações a interesses difusos poderiam ser, adequadamente, impedidas por indivíduos.
Basta pensar na hipótese de um frigorífico que despeja seus dejetos em um córrego que
atravessa um bairro pobre. Um morador, isoladamente considerado, não conseguiria, nem
poderia ajuizar ação civil pública, em nome de sua comunidade.
O acesso à justiça torna-se possível com o uso da ação civil pública, por parte de entes
mais tecnicamente preparados, com legitimação autônoma para a condução do processo.
Assim, o processo coletivo serve como instrumento de concretização judicial dos direitos
fundamentais contidos na Constituição.
Conforme visto, o aumento da participação social na efetivação social dos direitos
fundamentais encontra importante perspectiva metodológica na obra de Peter Häberle que
defende a concretização da Constituição como tarefa que não pode ser incumbida apenas aos
intérpretes oficiais, mas a todos os que a vivenciam:

A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da


sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do
processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento
resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte
dessa sociedade. 291

290
HENNIG LEAL, M. C. La noción de constitución aberta de Peter Häberle como fundamento de una
jurisdicción constitucional aberta y como presupuesto para la intervención del amicus curiae em el derecho
brasileño. Estudios Constitucionales, vol. 8, n. 1, 2010, p. 290, Santiago, Chile. Disponível em:
<http://www.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em: 10 mai 2013.
291
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional, p. 13.
149

Trata-se de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Logo, a exegese


constitucional não é atribuição exclusiva dos juízes. Com isso, amplia-se do ponto de vista
objetivo, o círculo de participantes da interpretação constitucional, o que influi diretamente no
aumento das possibilidades interpretativas decorrentes do texto, além de ampliar o campo de
análise do juiz constitucional, na medida em que se criam possibilidades interpretativas
desconhecidas, 292 vez que os critérios de interpretação constitucional são mais abertos,
quanto mais pluralista é a sociedade. 293
Os novos Códigos Modelo de Processo Coletivo, todos, procuram ampliar a
legitimidade ativa para defesa dos direitos transindividuais, a saber: o Código de Processo
Civil Coletivo, do Professor Antonio Gidi [artigo 2, item 2.1]; assim como o Anteprojeto de
Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, de iniciativa dos Professores Ada
Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi [parágrafo 2º, do art. 2º]; o Anteprojeto
de Código Brasileiro de Processos Coletivos, do IBDP, que traz interessante proposta, com o
estabelecimento de princípios próprios da tutela jurisdicional coletiva [art. 2º, alíneas “a” a
“v”], tais como, a. acesso à justiça e à ordem jurídica justa; e c. participação pelo processo e
no processo, e ainda amplia a legitimidade ativa para propositura de ações coletivas [art. 20,
inc. I]; e por fim, Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos – UERJ/UNESA
[§1º, do art. 8º].
Essa inovação aproxima o sistema brasileiro do sistema das class actions, representa
maior efetivação do princípio constitucional do acesso à justiça e permite uma maior
democratização no uso dos instrumentos de tutela coletiva, até então utilizados com bastante
restrição pelos particulares. 294
O Projeto do Novo CPC – PL n. 8.046/2010, da Câmara dos Deputados, já prevê em
seu art. 138, a participação do amicus curiae, no Capítulo V, do Título III, que trata da
intervenção de terceiros, com os contornos da Lei n. 9.868/99, acrescido de algumas
inovações já reconhecidas pela jurisprudência do STF, a saber, a repercussão social da
controvérsia e a participação de pessoa física.
O destaque do dispositivo vai para o §2º, o qual deixa a cargo do juiz a incumbência
de definir os poderes do amicus curiae no caso concreto, e para o §3º, que evidencia a

292
Ibid., p. 32.
293
Ibid., p. 13.
294
MENDES, Aluisio de Castro. O anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos: visão geral e
pontos sensíveis. In: ______; GRINOVER, Ada Pellegrini; Watanabe, Kazuo. Direito processual coletivo e o
anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 23.
150

importância de sua participação do incidente de demandas repetitivas, 295 bem como a


possibilidade de recurso nestes casos, o que indica a tendência para uma coletivização das
demandas e uniformização da jurisprudência, evitando sua dispersão e racionalizando o
trabalho do judiciário, verbis:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a


especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da
controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento
das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a
manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade
especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da
sua intimação.
§ 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de
competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvada a oposição
de embargos de declaração.
§ 2º Caberá ao juiz ou relator, na decisão que solicitar ou admitir a
intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de
resolução de demandas repetitivas 296.

Deve-se, portanto, reconhecer que o desenvolvimento da participação democrática,


seja através da ampliação do rol de legitimados ativos, seja por intermédio da possibilidade de
participação do amicus curiae no processo coletivo, impõe não somente a suplantação de
barreiras que impedem a participação de entes intermediários, mas também inclui a maior
atuação de terceiros. Estes últimos, com o condão de contribuir com o julgamento de questões
socialmente relevantes, aperfeiçoando as decisões judiciais, e gerando precedentes que podem
auxiliar no sentido do melhor equacionamento das demandas no momento da aplicação da lei.
No Direito Ambiental essa perspectiva encontra fundamental importância, pois
conforme visto a participação e a informação permeiam todas as situações regidas pela norma
ambiental. E o amicus curiae, trata-se de importante fator de ampliação da participação
judicial ambiental, na medida em que se faculta aos entes intermediários que não ajuizaram a
demanda – por não terem tido iniciativa para tanto ou não disporem de legitimidade ativa para
causa – tomar parte no processo correspondente.

295
O art. 930 do PL n. 8.046/2010, da Câmara dos Deputados, assim estabelece: Art. 930. É admissível o
incidente de demandas repetitivas sempre que identificar controvérsia com potencial de gerar relevante
multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica,
decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.
296
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>.
Acesso em: 10 mai 2014.
151

Razão disso é que o Ibama, o ICMBio, e outros órgãos governamentais federais


[estaduais ou locais, como se propõe] de natureza ambiental, assim como entidades não-
governamentais e representativas de classe, todos de elevado conhecimento técnico-científico,
restariam habilitados a atuarem como auxiliares do juízo, vez que ainda que os procedimentos
tramitem em varas especializadas, a atuação imparcial de órgãos que têm por escopo executar
adequadamente a Política Ambiental Brasileira, conduzir de forma responsável a gestão das
unidades de conservação, bem como questões agroambientais, certamente levará ao melhor
equacionamento da lide.
Isto posto, reconhece-se que a participação de entes intermediários, através do
instituto do amicus curiae é capaz de propiciar a redução do distanciamento entre a
coletividade e os agentes que exercem o poder na área do meio ambiente; o fortalecimento da
implementação do direito ambiental; o controle pela sociedade da legalidade e legitimidade
das ações e omissões públicas e privadas relacionadas com o meio ambiente; a garantia do
acesso participativo à justiça para preservação da qualidade ambiental; a melhoria da
qualidade e legitimidade das decisões jurisdicionais; o aumento de sua efetividade pelo apoio
recebido da população que delas participou; e por fim, é capaz de permitir aos cidadãos em
geral cumprir com seu dever fundamental de proteção do meio ambiente.
152

CONCLUSÃO

Conforme se pretendeu demonstrar, as vantagens da intervenção de terceiros no


processo coletivo ambiental, por meio de entes intermediários representados processualmente
pela figura do amicus curiae, mostram-se significativas, em várias medidas, especialmente
quando se levam em conta fatores com a ampliação da participação popular nos processos
decisórios, imperativo reconhecido por Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil, e
incorporado ao ordenamento jurídico interno por intermédio dos Princípios Ambientais da
Informação e da Participação.
Tem-se em conta que a participação no processo, configura-se como permissivo ao
cumprimento do dever fundamental imposto ao Poder Público e à coletividade insculpido no
caput, do art. 225 da Constituição, de defender e preservar o meio ambiente para as presentes
e futuras gerações.
Importante observar que, no modelo de Estado Democrático de Direito, tal como
consagrado no Brasil, o processo deve ser eminentemente participativo. Isso no sentido de que
incumbe ao processo contemplar, ao longo de todo o desenvolvimento procedimental, intensa
participação dos sujeitos da relação jurídico-processual; não só daquele encarregado da
manifestação da vontade estatal - o juiz, como também dos destinatários dos atos de poder
praticados no desenrolar do procedimento - as partes, e de terceiros interessados, ou daqueles
que possam contribuir de alguma forma com o processo de tomada de decisão.
Na análise do bem ambiental na Constituição Brasileira, bem como do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado tido como direito fundamental da pessoa humana,
ressaltou-se algumas de suas principais características como a sua fundamentalidade - um
direito de caráter subjetivo do indivíduo e da coletividade, embora não constante do rol do art.
5º, da CRFB/88; a sua relatividade, é dizer, não possui caráter absoluto frente aos demais
direitos fundamentais; e a sua indisponibilidade, ou seja, não pode ser alienado ou
transacionado.
Analisou-se, também, as correntes ético-filosóficas que estruturam a temática
ambiental, sendo elas o antropocentrismo puro, mitigado e o não antropocentrismo, que estão
a informar as normas constitucionais e infraconstitucionais de modo harmônico, conforme se
procurou demonstrar através da citação de algumas leis, como a Lei n. 9.433/97 [Política
Nacional de Recursos Hídricos]; Lei n. 9.985/00 [Sistema Nacional das Unidades de
Conservação]; Lei n. 10.257/01 [Estatuto da Cidade]; e a Lei n. 12.187/09 [Política Nacional
153

de Mudança do Clima]. E entre as mais recentes, a Lei Complementar n. 140/2011


[Licenciamento] e a Lei n. 12.651/2012 [Código Florestal].
Acredita-se, desta forma, na existência de um equilíbrio de forças presente na Magna
Carta e no sistema de leis ordinárias, regulamentos e resoluções que abordam o tema, em
razão da pluralidade de valores e de correntes ético-filosóficas que os permeiam, responsáveis
por contemplar todos os direitos e interesses, na medida de suas respectivas relevâncias para o
país, para a coletividade, para as presentes e futuras gerações e para a vida em geral.
Na sequência, a fim de que se possa melhor compreender de que modo o bem
ambiental é tutelado pelo ordenamento jurídico brasileiro, passa-se à análise da tutela coletiva
do meio ambiente, por intermédio de seus principais aspectos, fazendo, inicialmente, uma
abordagem histórica, do Projeto Florença, no qual Cappelletti e Garth demonstram todas as
dificuldades que se fazem presentes quando está a se falar dos novos direitos [ambiental e do
consumidor], e dos direitos coletivos lato sensu, identificados e pesquisados, de forma
sistematizada, pelos autores. Muitas dessas barreiras já foram suplantadas pelo sistema de
tutela coletiva adotado no Brasil – uma fusão dos sistemas americano e europeu - porém,
outras ainda, remanescem, especialmente no que tange ao efetivo acesso à justiça, um direito
básico nas sociedades modernas.
Para melhor esclarecimento, faz-se também uma análise geral dos principais aspectos
da tutela coletiva, como as categorias de direitos [difusos, coletivos stricto sensu, e
individuais homogêneos], a legitimidade ativa e passiva, e a coisa julgada.
Examina-se ainda, de que forma o legislador brasileiro permitiu a tutela coletiva de
tais direitos, isto é, os instrumentos processuais ofertados pela legislação, consubstanciados
primordialmente, mas não unicamente, na ação popular e na ação civil pública, sabido é, que
esta tutela se faz possível, também, por intermédio de outros instrumentos, como a ação direta
de inconstitucionalidade, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, etc. Por
todas as particularidades demonstradas na análise de tais ações, como o amplo rol de
legitimados ativos e os efeitos produzidos pela sentença, verifica-se que a ação popular e a
ação civil pública são, portanto, instrumentos processuais fundamentais quando está a se falar
na tutela coletiva de direitos.
Menciona-se, no item 2.3, tema de grande relevância para o direito ambiental, que é
a responsabilidade civil pelo dano. De caráter objetivo, possibilita a adoção de duas correntes
diversas: a do risco integral, fundada no Princípio do Restitutio in Integrum, que dispensa as
excludentes de responsabilidade [fato de terceiro, culpa concorrente, caso fortuito e força
maior] e funda-se no risco e não na culpa, e a do risco criado que, em contrapartida, não
154

dispensa tais excludentes, e ainda, tem o dano e o nexo causal como seus principais
fundamentos.
Ressaltou-se também, a importância da tutela específica da obrigação. Acredita-se
que, por intermédio da tutela inibitória, constante dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, torna-se
possível a regulação dos riscos ambientais pelo viés jurisdicional, que surgirá como uma
resposta do Estado a fim de inibir que uma ameaça ao meio ambiente sadio e equilibrado se
converta em danos irreversíveis às futuras gerações.
Os artigos 461, do CPC, e 84, do CDC, passam a ter importância primordial para
evitar a monetização da tutela jurisdicional ambiental. Sendo assim, para as demandas
ambientais, e até mesmo para bem caracterizá-las, torna-se necessário o largo uso e difusão
das tutelas reintegratórias de direito, corolários do Princípio Ambiental da Prevenção - sejam
elas destinadas a inibir a prática do ilícito ou a remover o agente causador do dano.
Após os necessários esclarecimentos do bem ambiental como direito fundamental
dos cidadãos, e dos contornos que a tutela coletiva do meio ambiente possui no ordenamento
jurídico brasileiro, adentra-se ao tema principal deste estudo que é a possibilidade e
necessidade de participação do amicus curiae no processo coletivo em nosso país.
Instituto previsto em diversas leis esparsas no ordenamento jurídico brasileiro, ganha
ênfase a partir da edição da Lei n. 9.868/99, que trata da ação direta de inconstitucionalidade e
ação declaratória de constitucionalidade, na qual existe a previsão da intervenção de terceiros
no controle concentrado de constitucionalidade, com a exigência de dois requisitos: relevância
da matéria e a representatividade adequada dos postulantes [art. 7º, § 2º].
Contudo, parte da doutrina e a jurisprudência também, admite essa intervenção no
processo coletivo, justamente pelo fato de que essas ações discutem questões de extrema
relevância, em especial quando diz respeito ao direito ao meio ambiente, como um direito
fundamental dos indivíduos e da coletividade, de forma a permitir a participação mais ativa
dos cidadãos nas decisões que venham influenciar direta ou indiretamente o seu bem-estar
social e a sadia qualidade de vida.
Essa participação no processo coletivo ambiental, através do instituto do amicus, tem
natureza jurídica de caráter controverso conforme foi explicitado no texto - assistência
qualificada; intervenção atípica; intervenção anômala; terceiro especial; terceiro enigmático.
Todavia, fato é, que intervem no processo, sem a qualidade de parte, de modo a
reforçar as argumentações jurídicas ali constantes, bem como oferecer elementos técnicos ou
dados sobre fatos, possibilitando assim, a inibição de ações ou omissões estatais ou de
particulares que sejam consideradas ilegais ou inconstitucionais e até mesmo a correção ou
155

alteração da atuação do poder estatal nas políticas ambientais ou nos rumos dessas políticas.
Sem mencionar o fato de que irá contribuir para efetivação do Estado Democrático
Participativo.
O Estado Democrático Participativo é aquele que busca não somente reafirmar os
direitos sociais e a necessidade da garantia dos direitos e liberdades individuais, como
também agregar a estas duas categorias, os direitos de 3ª geração [novos direitos, direitos
transindividuais ou direitos de solidariedade] nos quais se inclui o direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, e os direitos de 4ª geração, dentre os quais está o direito à
democracia [com uma expansão dos direitos políticos, ou seja, para além do direito de apenas
votar e ser votado], assim como o direito à informação e ao pluralismo político.
Essa democracia-participativa, prevista no inc. V [pluralismo político], e parágrafo
único, do art. 1º da Constituição, deve ser exercida, via de regra, dentro das três funções
estatais – legislativa, executiva [administrativa] e judiciária. Contudo, pretendeu-se limitar o
estudo da efetivação deste modelo estatal ao âmbito judicial, através do instituto do amicus
curiae, especificamente no processo coletivo ambiental.
No item 3.3 ressaltou-se a existência de diversos benefícios advindos do que pode se
considerar uma instrumentalização do procedimento, ou seja, a introdução de novas técnicas
no ordenamento jurídico. E uma delas, é a possibilidade de participação do amicus curiae no
processo coletivo ambiental, como um canal de comunicação entre o judiciário e a
coletividade, o que possibilita a pluralização e democratização do debate das questões trazidas
a juízo, através da tutela coletiva de direitos, especialmente da tutela coletiva do direito
fundamental ao meio ambiente.
Importante ressaltar que essa participação permite a condução ao juízo de
informações técnicas que, muitas das vezes, não seriam ventiladas, não fosse a
especialização, a tecnicidade e a vivência prática, ofertada por aqueles que têm a matéria
controvertida bastante presentes em seu cotidiano.
Apesar de resultar de pressões oriundas da própria sociedade civil, a expansão da
função jurisdicional contribui para o reconhecimento da legitimidade política do Poder
Judiciário no desempenho de suas atividades. Verifica-se, nesta medida, uma qualificação,
legitimação e democratização das decisões jurisdicionais, e que tem com um de seus reflexos
diretos a maior aceitabilidade das decisões por parte de seus destinatários, visto que lhes foi
concedida oportunidade de colaborar com a jurisdição e com as partes diretamente envolvidas
na demanda.
156

Só assim, com ampla possibilidade de participação das partes e de terceiros


legitimamente interessados na formação do convencimento do órgão jurisdicional e na
produção dos atos decisórios, associada à legalidade do procedimento, tem-se por legítimo o
exercício da jurisdição pela via do processo.
Como se pode perceber, no processo coletivo ambiental, assume inegável relevância
a dimensão política da jurisdição, a qual decididamente elege, como um dos objetivos
principais do seu exercício, a viabilização da participação pública pela via do Poder Judiciário
na proteção de direitos transindividuais, em especial do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Destacou-se também a contribuição de Peter Häberle com a obra Hermenêutica
Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a
interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. O autor, em sua obra, enfatiza a
importância das potências públicas no processo de interpretação da Constituição, isto é, todos
que participam da sociedade, como cidadãos, grupos populares, associações e órgãos estatais,
representam forças de interpretação que não podem ser desconsideradas nos julgamentos de
grande relevância política e social, relacionados, na obra, especialmente a questões
constitucionais, e enfatizados, neste estudo, sob a perspectiva dos direitos transindividuais.
A teoria de Häberle em torno do pluralismo hermenêutico justifica-se na medida em
que o jurista concebe a Constituição como cultura, é dizer, aperfeiçoada pelos cidadãos e
orientada a eles. Não se limita a um documento preocupado apenas com questões jurídicas,
mas consubstancia-se como decorrência de uma situação cultural de um povo, daí porque os
cidadãos ostentam legitimidade para interpretar a Lei Fundamental.
Isto posto, verifica-se que o amicus curiae representa uma forma de abertura do
processo hermenêutico, de modo a possibilitar a intervenção de entidades representantes da
sociedade no procedimento, especialmente em questões que digam respeito aos direitos e
interesses transindividuais, conforme enfatizado neste estudo.
Em virtude de todas essas circunstâncias é que se destacou a importância de um
estudo aprofundado dessa ferramenta processual que é o amicus curiae, no processo coletivo
ambiental, de modo a trazer grandes contribuições para a efetiva defesa do meio ambiente
ecologicamente equilibrado e também, contribuir para a concretização de um Estado
Democrático Participativo.
Ao fim e ao cabo, verifica-se que a participação instrumental de entes intermediários
como o amicus curiae, na tutela coletiva do meio ambiente, é capaz de permitir a redução do
distanciamento entre a coletividade e os agentes que exercem o poder na área do meio
157

ambiente, bem como possibilitar o fortalecimento da implementação do direito ambiental,


garantindo o acesso participativo à justiça para preservação do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, possibilitando aos cidadãos cumprir com seu dever fundamental de proteção do
meio ambiente.
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R829a ROSSETTO, Cristiane Larissa.


O amicus curiae na tutela coletiva do meio ambiente :
efetivação do Estado Democrático Participativo e legitimação das
decisões jurisdicionais / Cristiane Larissa ROSSETTO. -- 2014
172 f. ; 30 cm.

Orientador: Marcelo Antonio Theodoro.


Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,
Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito
Agroambiental, Cuiabá, 2014.
Inclui bibliografia.

1. meio ambiente. 2. amicus curiae. 3. tutela coletiva. 4. direito


ambiental. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

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