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O Amicus Curiae Na Tutela Coletiva Do Meio Ambiente
O Amicus Curiae Na Tutela Coletiva Do Meio Ambiente
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL
NÍVEL MESTRADO
CUIABÁ
2014
CRISTIANE LARISSA ROSSETTO
CUIABÁ
2014
CRISTIANE LARISSA ROSSETTO
(A) Aprovado
(B) Aprovado com restrição
(C) Reprovado
__________________________em _______/_______/__________
BANCA EXAMINADORA
Aos meus pais, Milton e Sônia, e à minha irmã, Patrícia, por acreditarem em
meu potencial e pela incessante motivação na busca por meus ideais.
Aos queridos familiares, que tão bem me acolheram na cidade de Cuiabá, pelo
apoio afetivo e companheirismo, cada um a seu modo.
The current environmental crisis and the constant economic and technological evolutions
indicate a need to turn the attention to environmental imperatives. The fundamental right to
an ecologically balanced environment, right to third and fourth dimensions, constitutes legal
prerogative of diffuse ownership, to reflect significant expression of a power attributed not
only to the individual, in their uniqueness, but the social collectivity itself. In this context, the
amicus curiae is an important tool in the Brazilian civil procedure and, in particular, in the
contemporary environmental collective process, as a hypothesis of intervention in which the
intervener does not have an individualized and specific interest, but rather, is intended to
provide technical and legal assistance to the parties and to the court, bringing, therefore,
benefits to society as a whole, in the sense of more adequately addressing the demands. And it
is here that the amicus curiae is presented as a procedural tool of utmost importance,
especially in environmental protection. Ostensibly used in Common Law countries, its
application in the collective process has been addressed sparingly by native courts. Thus, in
view of the recognized value of public participation in environmental issues, affirmed and
reaffirmed by international conventions and by constitutional and infraconstitucional law,
democratization of the judicial procedure, through this legal concept, has the prerogative to
achieve satisfactory levels for balanced and fair settlement of claims, duly supported by the
fundamental right of access to fair legal system and principles of environmental policy.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11
CONCLUSÃO...................................................................................................................... 152
INTRODUÇÃO
A proteção do meio ambiente constitui tema presente na pauta dos mais variados
centros de discussões, em nível internacional e nacional e representa um dos grandes desafios
da humanidade que vive, atualmente, uma crise ambiental em virtude da degradação
perpetrada pela ação humana contra o meio natural. Os efeitos deletérios dessa degradação
resultam, na maioria das vezes, em violação direta ou indireta aos direitos fundamentais dos
indivíduos e da coletividade como um todo.
Como exemplo dessa situação de vulnerabilidade do ser humano decorrente da
degradação ecológica, pode-se citar: a contaminação química pelo uso de agrotóxicos,
denunciada por José Lutzemberger, no início da década de 80; a questão dos desastres
nucleares; a destruição das florestas tropicais, através de queimadas e desmatamentos,
situação que foi denunciada por Chico Mendes, no início da década de 80; a poluição dos rios
e oceanos; a poluição atmosférica nos grandes centros urbanos; e o fator de risco mais
importante, que em muito tem preocupado os ambientalistas - o aquecimento global.
Desencadeado principalmente pela emissão de gases através da queima de
combustíveis fósseis, tem como consequência episódios climáticos extremos, como a
alteração no regime de chuvas; quebra de recordes de altas temperaturas; o desaparecimento
das camadas de gelo; aumento do nível médio dos oceanos; aumento do nível médio de
temperatura do globo terrestre; e como resultado de todos esses eventos, a perda da
biodiversidade global.
Nesse contexto, a proposta do presente estudo é analisar a possibilidade e
necessidade de ampliação da participação popular na defesa do meio ambiente, em especial
através do instituto do amicus curiae, de modo a demonstrar a importância desse instituto na
efetivação de um Estado Democrático Participativo – nesta definição que é utilizada por Paulo
Bonavides, 1 como um modelo de Estado posterior ao Estado Social do séc. XX [Estado Neo-
Social ou Pós-Social], o qual procura ampliar a participação popular e reforçar o papel da
sociedade civil na sua organização.
O Estado Democrático Participativo, com previsão no inc. V, do art. 1º da CRFB/88
e parágrafo único, bem como incs. I, II e III do art. 14, é aquele que tem por escopo não
somente reafirmar os direitos sociais e a necessidade da garantia dos direitos e liberdades
1
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. Por um direito constitucional de luta
e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008.
12
individuais, como também agregar a estas duas categorias, os direitos de terceira dimensão,
novos direitos, direitos transindividuais ou direitos de solidariedade, [nos quais se inclui o
direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado] e, ainda, os direitos de quarta
dimensão, dentre os quais, o direito à democracia [com uma expansão dos direitos políticos],
o direito à informação e ao pluralismo político.
Participação popular e a defesa do meio ambiente são temas indissociáveis quando o
assunto é meio ambiente. Nesta medida, propõe-se sua análise de forma integrada, visto que
os processos decisórios relativos ao meio ambiente irão, irremediavelmente, interferir na
qualidade de vida de um número indeterminado de indivíduos, das presentes e futuras
gerações.
Contudo, neste estudo, limitar-se-á a análise da efetivação de um Estado
Democrático Participativo ao âmbito judicial, através do instituto do amicus curiae,
especificamente no processo coletivo ambiental – tema inovador no ordenamento jurídico
brasileiro, e por isso mesmo, incipiente e frágil, vez que carece de sistematização.
Instrumento processual bastante difundido no processo objetivo de controle de
constitucionalidade, o amicus curiae, se estabelece como órgão ou entidade [§2º, do art. 7º, da
Lei n. 9.868/99] ou até mesmo pessoa física [§1º, do art. 20], interessados, ou especializados,
em determinada questão que esteja sendo discutida judicialmente. Tem como função
primordial esclarecer e auxiliar o juízo sobre assuntos inéditos, difíceis ou controversos e
assim, ampliar o debate e aprimorar a qualidade da decisão judicial, de modo a favorecer a
participação popular na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Informação e participação são reconhecidos fundamentos quando se está a tratar da
temática ambiental. Nesta senda, o amicus curiae, configura-se como instrumento hábil a
possibilitar a aproximação das potências públicas - em definição utilizada por Häberle para
designar a sociedade de modo geral, constituída pelos órgãos estatais com poder de decisão
vinculante, parecistas ou experts, peritos, opinião pública, etc. - da atividade jurisdicional.
Isto porque tem o condão de oferecer à corte sua perspectiva da questão
controvertida, informações técnicas acerca de questões complexas cujo domínio ultrapasse o
campo legal ou, ainda defender os interesses dos grupos por ele representados [...].2 Nesse
sentido, o amicus curiae surge com viés democrático e pluralista, ao enriquecer a atividade
jurisdicional com informações, sejam elas de cunho técnico-científico ou resultante da práxis,
de modo a auxiliar e legitimar as decisões proferidas.
2
MEDINA, Damares. Amicus curiae. Amigo da corte ou amigo da parte? São Paulo: Saraiva, 2010, p. 17.
13
Para que se possa bem compreender todos os aspectos relativos à tutela dos direitos e
interesses coletivos lato sensu, no que tange especificamente ao Direito Ambiental, e à
participação popular no e pelo procedimento, faz-se necessária uma análise preliminar dos
contornos jurídicos da matéria no ordenamento jurídico brasileiro vigente.
Embora se reconheça, atualmente, a autonomia didático-científica do Direito
Ambiental, por muito tempo esta disciplina foi tida como vertente do Direito Administrativo,
especialmente em razão da gama de temas associados ao poder de polícia do Estado. Contudo,
nos últimos anos, a proliferação de inúmeros instrumentos regulatórios, tanto no âmbito
nacional quanto internacional, resultado de marcantes debates acerca do tema, acabou por
transformar o Direito Ambiental em disciplina autônoma, inserida no ramo do Direito Público
[sob a ótica da summa divisio, hoje por muitos contestada, conforme examinar-se-á adiante].
Umas de suas características mais marcantes é a transversalidade, isto é, a capacidade
de correlacionar-se de forma direta ou indireta aos vários outros ramos do Direito, como por
exemplo, ao Direito Administrativo, ao Constitucional, Civil, Processual Civil, Penal,
Internacional, Econômico, Tributário, etc., de modo que, qualquer empreendimento que
demande um estudo mais aprofundado da disciplina, exigirá de forma complementar, o
conhecimento de uma ou outra área do direito que, certamente, encontrar-se-á ali integrada.
Segundo Machado, o Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a
articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que
integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem
antagônica. 3 Essa sistemática a qual o autor se refere, se deve em grande parte aos Princípios
fundamentais que informam a disciplina, conferindo-lhe unidade e coerência, o que permite a
visualização de diretrizes básicas na interpretação de suas normas.
O bem ambiental, como objeto de estudo, a abrangência de seu conceito adotado pelo
legislador, bem como as correntes filosóficas que abordam o tema, também apresentam
relevância para o desenvolvimento da presente pesquisa, na medida em que têm a pretensão
de identificar os legítimos destinatários da norma ambiental, o que produz efeitos de inúmeras
ordens sobre os próprios destinatários, sobre o Poder Público, e sobre a ordem jurídica.
O direito ao meio ambiente equilibrado, assim como os direitos do consumidor -
caracterizados como direitos de terceira dimensão, ou de fraternidade e solidariedade, numa
3
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 62.
16
4
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 525-6.
5
Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo. 6.
ed. São Paulo: Malheiros, 2011; DINAMARCO, Cândido Rangel; A instrumentalidade do processo. 14. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque
para o estudo do procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2007; MARINONI, Luiz Guilherme.
Curso de processo civil. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. V. 1.
17
6
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 1029.
18
áreas que modernamente são classificadas como infraestrutura, isto é, atividades necessárias
para o desenvolvimento econômico. 7
Deste modo, a Constituição de 34, além de estabelecer a competência privativa da
União e complementar dos Estados-membros para legislar acerca das águas, energia
hidrelétrica, florestas, caça e pesca, e a sua exploração [art. 5º, § 3º], bem como para proteção
das belezas naturais e dos monumentos de valor histórico ou artístico [art. 10], previu, em
título dedicado à Ordem Econômica e Social, o importante conceito de existência digna a
todos os indivíduos [art. 115, caput], embora atrelado tão-somente à liberdade econômica, à
proteção do trabalhador e a alguns aspectos relativos à saúde pública – distante, portanto, de
qualquer noção de desenvolvimento sustentável.
Interessante notar que, se por um lado estipulou a necessidade de autorização para o
aproveitamento das jazidas minerais e das águas [art. 119] e o respeito à posse de terras
silvícolas [art. 129], por outro, estabeleceu uma política agrícola e fundiária de colonização e
aproveitamento de terras públicas, por meio da organização de colônias agrícolas, [§§ 4º e 5º,
do art. 121] sem qualquer parâmetro acerca do modo de uso e disposição dessas áreas, à
exceção da proteção do trabalhador agrícola. Trouxe também, ainda que de forma tímida, no
título dedicado à Família, Educação e à Cultura, a competência comum à União, Estados e
Municípios para proteção dos objetos de interesse histórico e artístico do País [art. 148].
Quanto aos caracteres procedimentais, em sua Declaração de Direitos, deu guarida,
pela primeira vez, a dois remédios constitucionais: o mandado de segurança e a ação popular
[art. 113, n. 33 e 38, respectivamente]. Constata-se aqui, que a Constituição de 1934,
fortemente influenciada pelas Constituições Mexicana [1917] e Alemã [Weimar - 1919],
marcada por ideais sociais e pelos direitos prestacionais, em especial de proteção ao
trabalhador, pontuou, mesmo que de forma incipiente, alguns temas que no futuro, seriam de
grande relevância para o Direito Ambiental. 8
Neste período, no âmbito infraconstitucional, também se destacam a edição do
Código Florestal – Decreto n. 23.793/34, revogado posteriormente, no ano de 1965, e do
Código de Águas, Decreto n. 24.643/34, que mantém sua vigência até os dias atuais, embora
revogado parcialmente pela CRFB/88 e pela Lei n. 9.433/1997 – Lei da Política Nacional de
Recursos Hídricos.
7
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 65.
8
Cf., por tudo, BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em:
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
19
9
Cf., por tudo, BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937. Disponível
em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
10
Cf., por tudo, BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível
em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
11
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 65.
20
12
Cf., por tudo, BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967. Disponível
em: <www.planalto.org.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
13
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, p. 67.
14
Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967, com redação dada
pela EC n. 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.
21
15
BENJAMIN, Antonio Herman V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato [orgs.]. Direito constitucional ambiental
brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 114.
22
sobre a Constituição Brasileira de 1988, mas também sobre Constituições de outros países,
que acabaram por se predispor, paulatinamente, a constitucionalizar as normas protetivas do
meio ambiente, garantindo assim, maior segurança jurídica às questões ambientais. Sarlet e
Fensterseifer destacam que, Além das Constituições Brasileira [1988] e Portuguesa [1976],
muitas outras também passaram a incorporar ao seu texto a proteção do ambiente. 16 E citam,
entre outras, a Constituição Espanhola [1978], a Lei Fundamental Alemã [1949, através da
reforma constitucional de 1994], a Constituição Colombiana [1991], a Constituição Sul-
Africana [1996] e a Constituição Suíça [2000].
Como se pode ver, a elevação da temática ambiental ao status constitucional
acompanhou um processo antes efetivado por países europeus, e que teve como uma de suas
molas propulsoras a realização da Convenção das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, no ano de 1972, em Estocolmo, na Suécia, a qual postulou no primeiro princípio de
sua Declaração [Anexo I], que os Estados têm a convicção comum de que o homem tem o
direito a uma vida digna e saudável. 17
Talvez os objetivos iniciais desta Conferência, de estabelecimento e concretização de
determinadas medidas, não tenham sido atingidos de imediato, mas o movimento de trazer o
tema ao debate certamente garantiu repercussão e visibilidade bastante fortes à questão
ambiental, especialmente com a publicação de seu Relatório Final, a Declaração de
Estocolmo.
Pode-se afirmar que os vinte e seis princípios constantes deste documento
internacional que, em sua definição, representa uma posição política comum de interesse
18
coletivo, não refletiram um verdadeiro consenso entre as nações participantes da
Conferência. Os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, em sua maioria localizados
no hemisfério sul, foram, de certa forma, apontados como os grandes responsáveis pela
16
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental. Estudos sobre a
constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 26.
Este fato, se deve, particularmente, ao fim dos regimes ditatoriais implantados em diversos países e ao início dos
processos de redemocratização.
17
Man has the fundamental right to freedom, equality and adequate conditions of life, in an environment of a
quality that permits a life of dignity and well-being, and bears a solemn responsibility to protect and improve the
environment for present and future generations. In this respect, policies promoting or perpetuating apartheid,
racial segregation, discrimination, colonial and other forms of oppression and foreign domination stand
condemned and must be eliminated. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Declaração de Estocolmo. 16 de Junho de 1972. Disponível em:
<http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=97>. Acesso em: 10 jul. 2013.
18
MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, p. 201.
23
19
Cf., por tudo, SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. Org. Paulo
Freire Vieira. São Paulo: Cortez, 2007, passim.
20
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 441.
21
SACHS, Ignacy. O cinquentenário do Terceiro Mundo. Desafios do Desenvolvimento, IPEA, ano 2, 8 ed., 1º
mar. 2005. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=741:catid=28&Itemid=23>
Acesso em: 20 jul. 2013.
22
SILVA, Solange Teles da. O direito ambiental internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 30.
23
Cf. documento na íntegra, disponível em: <http://www.cites.org/eng/disc/text.php>. Acesso em: 20 jul. 2013.
24
24
III. Implementation. [...] 23. All persons, in accordance with their national legislation, shall have the
opportunity to participate, individually or with others, in the formulation of decisions of direct concern to their
environment, and shall have access to means of redress when their environment has suffered damage or
degradation.” E ainda: “24. Each person has a duty to act in accordance with the provisions of the present
Charter; acting individually, in association with others or through participation in the political process, each
person shall strive to ensure that the objectives and requirements of the present Charter are met. In:
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Resolução n. 37/7. 28 de
outubro de 1982. Carta Mundial da Natureza. Disponível em:
<http://www.un.org/documents/ga/res/37/a37r007.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013.
25
25
Annex: Report of the World Comission on Enviroment and Development ‘Our Common Future’. Part I:
Common Concerns [...] Chapter 2. Towards Sustainable Development. §1. Sustainable development is
development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet
their own needs. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório Brundtland ou Nosso Futuro
Comum. 04 de agosto de 1987. Disponível em:
<http://ambiente.files.wordpress.com/2011/03/brundtland-report-our-common-future.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2013.
26
Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório Brundtland ou Nosso Futuro Comum. 04 de agosto
de 1987. Disponível em: <http://ambiente.files.wordpress.com/2011/03/brundtland-report-our-common-future.pdf>.
Acesso em: 10 jul. 2013.
27
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 14 de junho de 1992. In:
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183.
26
28
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 14 de junho de 1992. In:
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183 et seq.
29
Cf. MACHADO, P. A. L. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 125 et seq.;
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, P.
A. L. [orgs.]. Doutrinas Essenciais. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, V. 1, p. 348 et
seq; MILARÉ, É. Princípios fundamentais do direito do ambiente. In: ______; MACHADO, P. A. L. [orgs.].
Doutrinas Essenciais. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, V. 1, p. 390 et seq.
30
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 184.
31
MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, p. 1029.
27
Do mesmo modo, a Agenda 21, de caráter não vinculante, ou como designado pela
32
doutrina, um instrumento de soft law, pretendeu estabelecer alguns caminhos para
implementação de políticas públicas ambientais no século XXI: além de buscar fortalecer os
papéis dos diversos atores sociais [mulheres; crianças; jovens; populações indígenas e suas
comunidades; organizações não governamentais; trabalhadores e seus sindicatos; negócios e
indústria; e agricultores], ainda estabeleceu mecanismos e instrumentos jurídicos
internacionais, e a informação para a tomada de decisão, como expedientes para a realização
de seus propósitos. 33
Recentemente, em junho de 2012, realizou-se no Rio de Janeiro, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, cujo documento final foi
intitulado O Futuro Que Queremos. Com vistas ao avanço para a economia verde, este
Relatório tem a pretensão de frear a progressiva degradação ao meio ambiente, erradicar a
pobreza e reduzir as desigualdades sociais. 34
No cenário nacional, pode-se afirmar que as convenções e os atos internacionais
influenciaram fortemente a evolução da legislação infraconstitucional ambiental, bem como a
própria constitucionalização do bem ambiental e a elevação de seu status a direito
fundamental, tanto no aspecto material quanto formal, por intermédio da positivação de um
constitucionalismo de bases ecológicas, orientado pelo Princípio da Solidariedade. 35
Com efeito, a CRFB/88 foi a primeira Constituição brasileira a conferir novo
enfoque ao Direito Ambiental, agora contemplado por uma perspectiva ecossistêmica, que
não visa mais somente o amparo ao desenvolvimento da infraestrutura estatal – conquanto
reconheça-se a importância deste aspecto para o Brasil, que desponta como potência entre as
grandes economias mundiais – mas também, procura harmonizar a necessidade de
crescimento econômico, como única porta para redução das desigualdades sociais, 36 à
32
[...] que na sua moderna acepção compreende todas aquelas normas que visam regulamentar futuros
comportamentos dos Estados, sem deterem o status de ‘norma jurídica’, e que impõem além de sanções de
conteúdo moral, também outras que podem ser consideradas como extrajurídicas, em caso de descumprimento
ou inobservância de seus postulados. In: MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, p. 1041.
33
Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Agenda 21. 14 de junho de 1992. Disponível em:
<http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=52>. Acesso em: 15 jun. 2013.
34
Para análise das políticas da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e para erradicação
da pobreza, cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável. Relatório O Futuro Que Queremos. 22 de junho de 2012. Parágrafo 58 e alíneas.
Disponível em:
<http://www.unep.org/rio20/portals/24180/Docs/727The%20Future%20We%20Want%2019%20June%201230pm.pdf>.
Acesso em: 15 jun. 2013. .
35
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p. 37-8.
36
Para outra perspectiva, cf. SACHS, Ignacy. De volta à mão visível: os desafios da Segunda Cúpula da Terra no
Rio de Janeiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 26, n. 74, 2012. Disponível em:
28
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142012000100002&lng=en&nrm=iso/>.
Acesso em: 20 jul. 2013. E ainda: ______. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento.
Org. Paulo Freire Vieira. São Paulo: Cortez, 2007.
37
Para aprofundamento do tema, cf. LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Trad. Sandra Valenzuela. Rev.
téc. Paulo Freire Vieira. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006, passim.
29
desses dispositivos, tais como traçados e dispostos no texto constitucional, bem como sua
influência sobre a legislação infraconstitucional, há que se levar em conta todas essas
variáveis.
Em capítulo destinado exclusivamente à tutela do meio ambiente, que se submete à
Ordem Social, fundada no primado do trabalho, e que tem por escopo o bem-estar e justiça
sociais [art. 193, caput], a Constituição prevê o direito fundamental de todos ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, impondo deveres ao Poder Público e à coletividade em
prol das presentes e futuras gerações.
Conquanto o caput do art. 225, da CRFB/88, não tenha sido inserto no rol de direitos
e garantias fundamentais [arts. 5º a 17], atribui-se a ele a característica da fundamentalidade
em razão de seu conteúdo material, que se relaciona intrinsecamente à dignidade da vida
humana e ao necessário equilíbrio ecológico a ela associado, o que é garantido pelo §2º, do
art. 5º. Desta forma, sua aplicabilidade será imediata, ressalvados os casos de ausência de
regulamentação infraconstitucional, em razão de sua eficácia contida.
Este direito fundamental, devido ao seu caráter transindividual, será efetivado por
meio de ações prestacionas positivas ou negativas do Poder Público, que o vinculam
juridicamente, como a implementação de políticas públicas, regulação, fiscalização e controle
de atividades desenvolvidas pelo próprio Estado e por particulares, ao que se denomina de
dimensão objetiva dos direitos fundamentais, capaz de garantir ao cidadão um direito público
subjetivo a medidas proteção. 38
Com efeito, o conceito de meio ambiente como direito público subjetivo acaba por
reforçar a garantia dos cidadãos em pleitear, individualmente ou de forma coletiva, os direitos
fundamentais de caráter prestacional [que abrangem os direitos à proteção normativa e fática
pelo Estado; os direitos à participação na organização e procedimento; e os direitos às
prestações sociais] 39 em face de ações ou omissões, tanto de particulares quanto do Poder
Público.
Não obstante a noção de direito público subjetivo, a constitucionalização da matéria
ambiental trouxe ainda, diversos outros benefícios substantivos e formais ao ordenamento
pátrio, enumerados por Benjamin, 40 dentre os quais se destacam: a explorabilidade limitada e
condicionada da propriedade; a legitimação constitucional da função estatal reguladora; a
38
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 149.
39
Cf. SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 184 et seq.
40
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 83.
30
41
Para melhor análise do tema, cf. SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p.
129 et seq.
31
42
E M E N T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE [CF, ART.
225] - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO
DE TERCEIRA GERAÇÃO [OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO] QUE CONSAGRA O POSTULADO DA
SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA
IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS
TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS [CF, ART. 225, § 1º, III] - ALTERAÇÃO E
SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS
AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS
ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A
INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL -
RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA [CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI] E ECOLOGIA [CF, ART. 225] -
COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO
ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA
HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES [FASES OU DIMENSÕES] DE DIREITOS [RTJ 164/158, 160-
161] - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA
LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA [CF, ART. 170, VI] -
DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA
CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO
CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS
PESSOAS. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de
terceira geração [ou de novíssima dimensão], que assiste a todo o gênero humano [RTJ 158/205-206]. Incumbe,
ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e
futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual [RTJ 164/158-161]. O
adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da
coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a
todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE
ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A
TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. A incolumidade do meio ambiente não pode ser
comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica,
ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege,
está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" [CF, art.
170, VI], que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente
cultural, de meio ambiente artificial [espaço urbano] e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos
jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para
que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável
comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos
ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO
DESENVOLVIMENTO NACIONAL [CF, ART. 3º, II] E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA
INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE [CF, ART. 225]: O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA
ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter
eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo
Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da
ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre
valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o
conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio
ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes
e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001:
UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. A Medida
Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código
Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental,
estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas
no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio
ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo
32
adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. Somente a alteração e a
supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por
efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva
legal. É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura
federativa [União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios] - autorizar, licenciar ou permitir a
execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos,
desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não
resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de
regime jurídico de proteção especial [CF, art. 225, § 1º, III]. [grifos nossos] In: BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. ADI-MC 3.540/DF. Procurador Geral da República versus Presidente da República. Tribunal Pleno.
Rel. Min. Celso de Mello. Publicado em 03 de fevereiro de 2006. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 15 jun. 2013.
43
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 405
et seq; BULOS, U. L. Curso de direito constitucional, p. 460 et seq.; MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 248 et seq.
44
Para aprofundamento no tema, cf. MONTERO, Carlos Eduardo Peralta. Extrafiscalidade e meio ambiente: o
tributo como instrumento de proteção ambiental. Reflexões sobre a tributação ambiental nos ordenamentos
jurídicos do Brasil e da Costa Rica. 2011. 304 f. Tese [Doutorado em Direito Público], Faculdade de Direito,
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Prêmio CAPES de Tese 2012, na área do Direito.
33
45
“[...] não [se] admite que o infrator alegue direito de degradar por omissão ou até mesmo aceitação, expressa
ou implícita, dos prejudicados ou de seus porta-vozes institucionais, como a Administração, as ONGs e o
Ministério Público.” In: BENJAMIN, A. H. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição
brasileira. In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011. p. 125. E ainda: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO
ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535. AUSÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À LEI FEDERAL. FALTA
DE PREQUESTIONAMENTO. ENUNCIADOS N. 282/STF E N. 356/STF N. 211/STJ. POLUIÇÃO E
DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. MANIFESTAÇÃO SOBRE
OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF.
ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE E ADEQUADA. RECURSO ESPECIAL.
ALÍNEA "A". AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO CONSIDERADO VIOLADO.
FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N. 284 DO STF.
INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULA N. 5 DESTA CORTE. DEFESA DO MEIO
AMBIENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. [...] Esta Corte é pacífica no sentido de que não há
direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. De fato, "décadas de uso ilícito da propriedade rural
não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais
práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive
às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente". Precedente. [grifos nossos]. In: BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. REsp 1222723/SC. Dorival Gonzaga da Silva e Outros versus Ministério Público
Federal. 2ª Turma. Relator Min. Mauro Campbell Marques. Julgado em 08 de novembro de 2011. Disponível
em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 15 jun. 2013.
34
46
BENJAMIN, Antonio Herman V. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso. Caderno
Jurídico da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, ano 1, vol. 1, n. 2, julho/2001, p.
155. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Cadernos/caderno_2.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2013.
47
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 63.
48
Cf., por todos, BENTHAM, Jeremy; MILL, John Stuart. Uma introdução aos princípios da moral e da
legislação. Trad. Luiz João Baraúna, João Marcos Coelho e Pablo Rubén Mendonça. 3. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1984; E ainda: MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Trad. Alberto da Rocha Barros. 2. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1991.
35
puro ao conferir ao bem ambiental um status de sujeito moral, 49 isto é, detentor de dignidade,
muito embora ainda sustente o utilitarismo em certa medida.
A dignidade, como valor ético e moral, fundamenta-se na obra do influente filósofo
alemão Immanuel Kant, especialmente em sua Crítica da Razão Pura, 50 publicada no ano de
1781. Filiado à escola iluminista, formulou o conceito de imperativo categórico, o qual se
desdobra em três vertentes, a saber: lei da natureza [o homem deve determinar-se por sua
própria vontade], da humanidade [o ser humano como fim em si mesmo, com ênfase na moral
do respeito universal] e da autonomia [o ser humano possui o livre arbítrio de orientar-se por
suas próprias escolhas]. 51 Vertentes que têm como corolários, portanto, os valores de
liberdade, racionalidade e autodeterminação da pessoa humana. Nesse sentido, o indivíduo
alcança sua verdadeira liberdade a partir do momento em que atinge a autossuficiência em seu
agir moral: sua emancipação moral está atrelada à ideia de autodeterminação, de justificação
de sua vontade racional.
Em virtude de todo o caos e sofrimento gerados por duas grandes guerras mundiais,
finalmente, quase dois séculos depois da teoria formulada por Kant, tem-se o grande marco do
reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor ético e moral fundamental
representado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia
Geral da ONU, no ano de 1948, a qual previu em seu art. 1º o seguinte: Todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência
e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. 52
A dignidade da pessoa humana assim como todos os seus desdobramentos, são
reconhecidos de forma explícita e implícita nos vinte e nove artigos subsequentes do
documento, os quais tratam, dentre outros, do direito à igualdade, à vida, à liberdade e à
segurança pessoal; da proibição à escravidão, à tortura e ao tratamento desumano degradante;
do direito de ser reconhecido como pessoa perante a lei, etc.
Segundo Mazzuoli, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, embora adotada
apenas sob forma de resolução, detém caráter de jus cogens internacional e integra a Carta da
49
BENJAMIN, A. H. V. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso, p. 157.
50
Cf. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo:
Nova Cultural, 1991.
51
BARROSO, Luis Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. A
construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 61 et seq.
52
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 10 de dezembro de
1948. In: Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de
Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 397-8.
36
ONU [de 1945] na medida em que passa a ser sua interpretação mais fiel no que tange à
qualificação jurídica da expressão ‘direitos humanos e liberdades fundamentais.’ 53
Contudo, em virtude das evoluções tecnológicas e científicas, do surgimento da
chamada sociedade de massa e dos novos direitos, e ainda, em razão da transição do Estado
Social a um Estado Pós-social, o qual procura integrar em seu conceito as noções de
solidariedade e fraternidade, verificou-se a necessidade de ampliação do conceito de
dignidade.
A despeito de sua configuração como princípio fundamental da República, contido
no inc. III, do art. 1º, da CRFB/88, que orienta e informa todo o sistema jurídico
constitucional e infraconstitucional, a dignidade da pessoa humana tem assumido caráter de
proteção não somente do indivíduo em si considerado, por seus valores intrínsecos e como um
fim si mesmo, conforme conceito kantiano, mas também, a feição protecional de outros bens e
valores que, igualmente considerados, possuem papel garantidor da dignidade humana.
Acredita-se que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deva ser compreendido no
contexto do Estado Constitucional Contemporâneo, no qual os direitos de terceira dimensão,
dentre os quais se inclui o direito a uma vida saudável em um ambiente ecologicamente
equilibrado, passam a integrar de forma determinante sua estrutura axiológica, de modo a
ampliar seu alcance normativo. 54
Esta nova corrente, designada antropocentrismo mitigado ou alargado, pretende
expandir a noção de dignidade, estendendo seu grau de abrangência – o que não implicaria
necessariamente em um conflito com a dignidade da pessoa humana, mas apenas reconheceria
deveres mínimos e análogos de proteção 55 aos demais seres.
Integram o antropocentrismo mitigado três subgrupos corolários dos deveres
fundamentais de proteção: o antropocentrismo intrageracional, intergeracional e do bem-estar
dos animais [animal welfare]. 56
No primeiro, o enfoque está na proteção dos seres humanos de uma mesma geração,
incluindo a perspectiva transnacional, isto é, de proteção e defesa de indivíduos que residem
em outros países, vez que a poluição desconhece fronteiras. Igualmente ao que ocorre com o
aquecimento global, que embora ocasionado em larga escala por determinadas nações, tem
seus efeitos espraiados por todo o globo indistintamente.
53
MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público, p. 907.
54
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p. 60-1.
55
SARLET, I. W. E-book. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, cf. item 2.1 Antecedentes: algumas notas sobre a
dignidade da pessoa humana no âmbito da evolução do pensamento ocidental.
56
Cf. SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. op. cit., p. 154 et seq.
37
57
Para exame mais aprofundado, cf. JONAS, Hans. O princípio responsabilidade. Ensaio de uma ética para a
civilização tecnológica. Trad. Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC-Rio,
2006.
58
EMENTA: COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE -
PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a
todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não
prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que
acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado
"farra do boi". [grifos nossos] In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 153531/SC. APANDE – Associação
Amigos de Petrópolis Patrimônio Proteção aos Animais e Defesa da Ecologia e Outros versus Estado de Santa
Catarina. 2ª Turma. Relator Min. Francisco Rezek. Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio. Julgado em 03 de
junho de 1997. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 15 jul. 2013. E ainda:
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - BRIGA DE GALOS (LEI FLUMINENSE
Nº 2.895/98) - LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE, PERTINENTE A EXPOSIÇÕES E A COMPETIÇÕES
ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES, FAVORECE ESSA PRÁTICA CRIMINOSA - DIPLOMA
LEGISLATIVO QUE ESTIMULA O COMETIMENTO DE ATOS DE CRUELDADE CONTRA GALOS DE
BRIGA - CRIME AMBIENTAL (LEI Nº 9.605/98, ART. 32) - MEIO AMBIENTE - DIREITO À
PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU
CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA
DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, § 1º, VII) - DESCARACTERIZAÇÃO DA BRIGA DE
GALO COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL - RECONHECIMENTO DA INCONSTITUIONALIDADE
DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA - AÇÃO DIRETA PROCEDENTE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE
AUTORIZA A REALIZAÇÃO DE EXPOSIÇÕES E COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS
COMBATENTES - NORMA QUE INSTITUCIONALIZA A PRÁTICA DE CRUELDADE CONTRA A
FAUNA - INCONSTITUCIONALIDADE. - A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática
criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que
38
veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE
153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente
folclórico. Precedentes. A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais
silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o
texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de
crueldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da
República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que
façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja
integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e
violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”). Magistério da doutrina.
ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. - Não se revela inepta a petição inicial, que, ao impugnar
a validade constitucional de lei estadual, (a) indica, de forma adequada, a norma de parâmetro, cuja autoridade
teria sido desrespeitada, (b) estabelece, de maneira clara, a relação de antagonismo entre essa legislação de
menor positividade jurídica e o texto da Constituição da República, (c) fundamenta, de modo inteligível, as
razões consubstanciadoras da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor e (d) postula, com
objetividade, o reconhecimento da procedência do pedido, com a conseqüente declaração de ilegitimidade
constitucional da lei questionada em sede de controle normativo abstrato, delimitando, assim, o âmbito material
do julgamento a ser proferido pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. [grifos nossos] In: BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. ADI 1856/RJ. Procurador Geral da República versus Governador do Estado do Rio
de Janeiro e Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Tribunal Pleno. Relator Min. Celso de Mello. Julgado em
26 de maio de 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 15 jul. 2013.
59
BENJAMIN, A. H. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso, p. 160.
60
Cf. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Trad. Álvaro Cabral.
29. ed. São Paulo: Cultrix, 2010; ______. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.
Trad. Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix. 2004.
39
da clássica obra Animal Liberation [Libertação Animal], publicada no ano de 1975, a qual
inspirou a tese do abolicionismo animal. 61
Na linha ecocêntrica atribui-se valor intrínseco não só aos seres vivos, mas também a
todo ecossistema, em uma visão holística na qual se reconhece a pessoa humana como parte
integrante da biodiversidade. Entre seus precursores estão Aldo Leopold, ecologista
americano, com a obra A Sand County Almanac [traduzido para o português como Pensar
como uma Montanha], publicada, originalmente, no ano de 1949, e Arne Naess, filósofo e
ecologista norueguês, pioneiro nos estudos sobre a ecosofia. 62
Na mesma esteira, encontra-se Félix Guattari, filósofo francês, com a obra As Três
Ecologias [1990]. Segundo Guattari, a ecologia seria um estudo dos fenômenos ou sistemas
complexos, dentre os quais se incluem a subjetividade humana, o meio ambiente e as relações
sociais. O cientista propõe a necessidade de se compreender a ecologia a partir de suas três
esferas: a ecologia social [uma reinvenção das maneiras de ser do indivíduo na sociedade,
com vistas à sua integração no seio social]; a ecologia mental [visa a saúde física, emocional,
mental e espiritual do ser humano]; e a ecologia ambiental [que traz consigo a ideia de
evolução flexível, resiliência, e equilíbrio natural do ambiente]. A união dessas três esferas
denominar-se-ia ecosofia, ou ecologia integral. 63
No Brasil, o filósofo e teólogo Leonardo Boff [2004] fia-se a esta teoria e acrescenta
a necessidade de que se desenvolvam sensibilidade e consciência ecológicas, notadamente
através da ética da solidariedade, compaixão e corresponsabilidade, por meio das quais o ser
humano tornar-se-ia capaz de impor limites aos próprios desejos, de modo a compreender e
respeitar o outro, ter compaixão e cuidado com o próximo, em uma visão integradora da
natureza e da vida. 64
A legislação ambiental brasileira, sobretudo a partir das décadas de 60 e 70, tem
sofrido influências tanto dos instrumentos normativos produzidos no âmbito internacional,
quanto das correntes ético-filosóficas que procuram compreender as formas de interação
homem-ambiente, ambos com o propósito de identificar quais interesses devem prevalecer, ou
61
Cf. SINGER, Peter. Libertação Animal. O clássico definitivo sobre o movimento pelos direitos dos animais.
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
62
Cf. LEOPOLD, Aldo. Pensar como uma montanha. Coimbra: Edições Sempre-em-pé, 2008. E ainda: NAESS,
Arne. The Deep Ecological Movement: Some Philosophical Aspects. Disponível em:
<http://www.uv.mx/personal/jmercon/files/2011/08/Naess_DeepEcology.pdf>. Acesso em: 10 ago 2012.
63
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas, SP: Papirus, 1990,
passim. Para análise das críticas feitas ao ecocentrismo, cf. FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. A árvore, o
animal e o homem. Trad. Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Difel, 2009.
64
BOFF, Leonardo. Ecologia. Grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004; ______. Ethos
Mundial. Um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro: Record, 2009; ______. Saber cuidar. Ética do
humano, compaixão pela terra. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
40
Com o advento da Constituição Cidadã, no ano de 1988, a matéria ambiental tem seu
status elevado ao nível constitucional, conforme já mencionado. No título que trata da ordem
social, o qual contempla temas como a seguridade social, educação, cultura e desporto,
ciência e tecnologia, comunicação social, família, criança, adolescente, jovem e idoso, e
índios, o constituinte originário estabeleceu regras também relativas à proteção do meio
ambiente, que se caracterizam por um hibridismo constitucional, 65 isto é, foram inspiradas,
em certa medida, por cada uma das correntes ético-filsóficas supracitadas [antropocentrismo
puro, mitigado e não-antropocentrismo], a começar pelo art. 225, caput, verbis: Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-
lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Primeiramente, importa esclarecer a abrangência do pronome indefinido todos: para
os antropocentristas, o vocábulo referir-se-ia tão somente aos seres humanos, visto que
legítimos destinatários da norma, acrescido ao fato de que o Princípio Fundamental da
Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no inc. III, art. 1º, da CRFB/88, é fonte axiológica
de todo o ordenamento constitucional e infraconstitucional. Para os não-antropocentristas, o
vocábulo procura abranger todas as formas de vida, incluindo-se aí, os seres humanos, não-
humanos, bióticos e abióticos, em uma visão holística e globalizante, na qual todos os
elementos são igualmente relevantes para a manutenção do equilíbrio dinâmico do
ecossistema.
Neste sentido, Benjamin faz a seguinte pontuação:
65
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 136.
41
Com efeito, incluir-se-iam, ainda, neste rol, além do direito à educação [art. 205,
caput], o direito à saúde [art.196, caput] e à cultura [art. 215, caput], igualmente insertos no
Título VIII, que trata da Ordem Social, os quais preveem a titularidade de todos os indivíduos,
humanos, aos respectivos direitos.
No que concerne à expressão ecologicamente equilibrado, pode-se dizer que recebeu
notória influência – além da Declaração de Estocolmo e dos diversos instrumentos
internacionais - da Constituição Portuguesa de 1976, promulgada após longo período
ditatorial, a qual estabelece em seu Título III [Direitos e deveres econômicos, sociais e
culturais], Capítulo II [Direitos e deveres sociais], art. 66 [Ambiente e qualidade de vida] o
seguinte: 1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente
equilibrado e o dever de o defender. 67 Trata-se de conceito jurídico indeterminado que
reconhece o meio ambiente como um sistema aberto e dinâmico, composto de diversas
variáveis, de ordem física, química, biológica, entre outras, que se encontram em constante
movimento na busca por seu equilíbrio. 68
Quanto ao conceito de bem ambiental como bem de uso comum do povo, cumpre
ressaltar que não se iguala ao do Código Civil de 2002, verbis: Art. 99. São bens públicos: I -
os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. Neste, os bens de
uso comum do povo são de domínio público do Estado, destinados à utilização da população
em geral, sem necessidade de permissão especial, os quais se inserem na clássica dicotomia
público-privado.
O bem de uso comum do povo a que o art. 225 se refere, caracteriza-se como bem de
titularidade difusa, que pertence a todos e a ninguém ao mesmo tempo. É dizer, ainda que
determinado bem ambiental se configure, a priori, como de domínio privado, poderá sofrer
limitações quanto a sua livre disposição pelo particular, na medida em que exerce papel
fundamental na regulação do equilíbrio ecológico, indispensável à manutenção das bases
naturais da vida. 69
66
Ibid., p. 132.
67
PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em: <http://www.fd.uc.pt/CI/
CEE/OI/Constituicao_Portuguesa.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013.
68
Cf. item 1.2, supra.
69
Expressão utilizada por Michael Kloepfer, em artigo intitulado A caminho do Estado Ambiental? A
transformação do sistema político e econômico da República Federal da Alemanha através da proteção ambiental
especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. Trad. Carlos Alberto Molinaro. In: SARLET, Ingo
42
Wolfgang [org.]. Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.
44.
70
[...] A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar
dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade
econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais,
àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ [CF, art. 170, VI], que traduz conceito amplo e abrangente das
noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial [espaço urbano] e de
meio ambiente laboral. [...] [grifos nossos] In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC 3.540/DF.
Procurador Geral da República versus Presidente da República. Tribunal Pleno. Rel. Min. Celso de Mello.
Publicado em 03 de fevereiro de 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em:
15 jun. 2013.
71
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional brasileiro, p. 134.
43
este, vez que detentor dos poderes de polícia e regulamentar], quanto à coletividade, como
corolário do Princípio Ambiental da Participação Democrática, o que caracteriza a sua dupla
natureza jurídica: como direito público subjetivo da personalidade, e direito fundamental em
sua dimensão objetiva – capaz de produzir direitos subjetivos a medidas de proteção, 72 vez
que vincula o Estado em suas três esferas de atuação: executiva, legislativa e judiciária.
A transindividualidade está presente em todos os direitos fundamentais em sua
perspectiva objetiva, e é esta condição que limita seu caráter absoluto. É dizer, os direitos
coletivos lato sensu impõem o estabelecimento de determinadas limitações aos direitos
individuais da personalidade, bem como aos demais direitos fundamentais, tanto no que diz
com seu conteúdo, quanto no que se refere à sua abrangência, 73 haja vista a preeminência da
proteção dos direitos e interesses da coletividade.
Outra característica que merece destaque no exame do caput, do art. 225, é no que
diz com os Princípios da Equidade ou Solidariedade Intra e Intergeracional, Sustentabilidade e
Precaução ali identificados: [...] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Aqui constata-se mais um
notável progresso: o constituinte além de firmar um dever para com os semelhantes,
brasileiros e estrangeiros, reporta-se a um direito ao futuro, que em muito se diferencia do
clássico direito de sucessão previsto no Código Civil de 2002: Art. 1.798. Legitimam-se a
suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
Enquanto neste, reconhece-se o direito à sucessão apenas às gerações presentes,
naquele o direito ao meio ambiente equilibrado é garantido também às gerações vindouras,
sob pena de expor à risco perpetuidade da espécie humana.
A propósito, reporta-se o leitor ao Enunciado 267, da III Jornada de Direito Civil,
realizada no ano de 2004, o qual ampliou a abrangência do art. 1.798 do CC/02 ao legitimar à
sucessão, embriões formados a partir de técnicas de reprodução assistida, verbis: 267 – Art.
1.798: A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados
mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação
hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras
previstas para a petição da herança. 74
72
Cf. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental. Do individual ao coletivo
extrapatrimonial. Teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 88-9.
73
SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 146.
74
In: BRASIL. Conselho da Justiça Federal. III Jornada de Direito Civil, 03 dez. 2004. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-
civil/jornadas-de-direito-civil-enunciados-aprovados>. Acesso em: 10 jun. 2013.
44
75
Cf. A favor: KISS, Alexandre. Os direitos e interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In:
VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros [orgs. e co-autores]. Princípio da precaução. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. [Direito ambiental em debate]; JONAS, Hans. O princípio responsabilidade. Ensaio
de uma ética para a civilização tecnológica. Trad. Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro:
Contraponto: PUC-Rio, 2006. Contra: NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos:
contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1998;
GOMES, Carla Amado. De que falamos quando falamos de dano ambiental? Direito, mentiras e crítica. In:
Revista eletrônica Actualidad Juridica Ambiental, 03 mar. 2010. Disponível em:
<http://www.actualidadjuridicaambiental.com/wp-content/uploads/2010/03/AMADOGOMES150320103.pdf>.
Acesso em: 20 jul. 2013.
76
Cf. FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 63-9.
77
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 136.
45
Nas palavras de Benjamin, [...] a tutela legal do ambiente, no Brasil, teve início, de
modo fragmentário, na década de 30, ganhou fôlego nos anos 60, e consolidou-se nas
décadas de 80 e 90. 79 Desta forma, como grande marco na legislação ambiental brasileira,
coube à Lei n. 6.938/81, definir pela primeira vez o conceito de meio ambiente, in verbis: Art
3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.
A partir da análise literal do dispositivo, constata-se que o legislador optou por um
conceito bastante genérico, também conhecido como conceito jurídico indeterminado. E esta
escolha não foi casuística: recebeu influxo da Declaração de Estocolmo, e teve por finalidade
ampliar a aplicabilidade da norma, a fim de que ela atinja máxima efetividade no momento de
sua valoração pelo operador do direito.
Contudo, a crítica que se faz ao referido dispositivo é a de que deixou de contemplar
o aspecto social, atributo de grande destaque na temática ambiental, atendo-se tão somente
aos fatores biológicos - o que imputar-se-ia ao contexto histórico, no qual a ideia de bem
ambiental detinha outros contornos, notadamente quanto à ausência da noção de titularidade
difusa, merecedora de tutela autônoma. 80 Não obstante, a PNMA conferiu legitimidade ativa
ao Ministério Público da União e dos Estados para propor ação de responsabilidade civil e
78
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de
30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: ______; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito
constitucional ambiental brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 27.
79
BENJAMIN, A. H. V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In:
CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 113.
80
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, p. 71.
46
criminal, por danos causados ao meio ambiente [art. 14, § 1º], antecipando-se à Lei da Ação
Civil Pública.
Vale ressaltar, ainda, que no item em que dispõe acerca dos objetivos da PNMA, o
legislador deu ênfase aos aspectos preservacionistas, in verbis:
81
BENJAMIN, A. H. V. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso, p. 162.
82
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. Proteção jurídica da diversidade biológica e
cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005, p. 40-1.
47
Culturais – PIDESC, adotado pela Assembleia Geral da ONU no ano de 1966, e ratificado
pelo Brasil no ano de 1992, tem por mote a consolidação dos direitos humanos associada aos
valores sustentados por um modelo inclusivo de proteção dos direitos fundamentais, 83 o qual
é capaz de proporcionar o desenvolvimento humano em padrões sustentáveis em razão de sua
vertente ecológico-ambiental. 84
É o que se infere, v.g., do Anexo I, da Resolução Conama n. 306/2002, que
estabeleceu os requisitos mínimos e o termo de referência para a realização de auditorias
ambientais: adequando-se à nova tendência, tratou de incluir as dimensões social, cultural e
urbanística no conceito de meio ambiente: XII - Meio ambiente: conjunto de condições, leis,
influência e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. 85
No contexto contemporâneo, que se inicia a partir da segunda metade do séc. XX,
marcado pela crise ambiental e pela sociedade de risco, 86 não há como desconsiderar-se a
variável dos direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui o direito ao meio ambiente
equilibrado, decisivo na conformação do Estado Pós-Social.
Há que se destacar, neste ponto, a contribuição de Cappelletti e Garth, nas décadas de
60 e 70, ao apontarem as ondas renovatórias do direito, particularmente, as segunda e terceira
ondas, como reformas tendentes a proporcionar a devida representação dos interesses difusos,
com ênfase nas áreas de proteção ambiental e defesa do consumidor, e o novo enfoque de
acesso à justiça: uma tentativa de atacar as barreiras que impedem a tutela efetiva dos direitos
de modo articulado e compreensivo, 87 tema que será revisitado adiante.
Sob ingerência do modelo preservacionista, portanto, a Política Nacional do Meio
Ambiente foi recepcionada pela Constituição de 1988 e, desde sua edição, tem sofrido
diversas alterações, sendo a mais expressiva realizada pela Lei n. 11.284/06, que acrescentou
instrumentos econômicos à PNMA, como a concessão florestal, servidão ambiental, seguro
ambiental, entre outros [art. 9º, inc. XIII], e a mais recente, operada pela Lei n. 12.651/12, que
alterou os dispositivos referentes à servidão ambiental. 88
83
Cf. WALUCHOW, Wilfrid J. Inclusive legal positivism. USA: Oxford University Press, 1994.
84
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p. 42-9.
85
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução Conama n. 306, de 05 de julho de 2002. Publicada no
DOU n. 138, de 19 de julho de 2002, Seção I, páginas 75-76. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=306>. Acesso em: 20 jul. 2013.
86
Cf. BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. São
Paulo: Editora 34, 2010.
87
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Norhtfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 49-73.
88
Renúncia voluntária feita por um proprietário de área rural do direito de exploração de parte ou da
integralidade da área, permanente ou temporária, em favor de benefícios de ordem econômica.
48
89
Cf. Exposição de motivos do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ7E3E5AAEITEMID736B189700174E618C00EF8DA589D98CPTBRIE.
htm>. Acesso em: 20 jul. de 2013.
49
Publicada no ano 2000, a Lei n. 9.985, regulamenta os incisos I, II, III e VII, do § 1º,
do art. 225, da CRFB/88, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza – SNUC, e dá outras providências. Em seu art. 2º, traz diversas definições, com
destaque para as expressões conservação da natureza, recurso ambiental, preservação e uso
sustentável. Contempla, de forma concomitante, unidades de proteção integral, de viés
preservacionista, e unidades de uso sustentável, de caráter conservacionista [art. 7º, incisos e
parágrafos].
O destaque desta Lei vai para o art. 26 [regulamentado pelo Capítulo III, do Decreto
n. 4.320/02], o qual prevê a gestão integrada e participativa de um complexo de unidades de
conservação heterogêneas ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, de modo que
constituam um mosaico. Este dispositivo coloca em evidência a preocupação do legislador
infraconstitucional em harmonizar os direitos e interesses, também expressos na Constituição,
de proteção integral do meio ambiente e desenvolvimento econômico sustentável, de caráter
antropocêntrico mitigado e também, em certa medida, antropocêntrico puro.
Outra norma que merece registro é a Lei n. 10.257/01 - Estatuto da Cidade, que
regulamenta os arts. 182 e 183 da CRFB/88, estabelece diretrizes gerais da política urbana e
dá outras providências. Para o que interessa ao presente estudo, merecem nota os incisos I e II
do art. 2º, que estabelecem como diretrizes gerais da Política Urbana, a garantia do direito a
cidades sustentáveis para as presentes e futuras gerações e a gestão democrática nos planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano.
Não poder-se-ia deixar de mencionar a regulamentação do Plano Diretor, previsto
constitucionalmente como instrumento que visa garantir a função social da propriedade
urbana, de caráter obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes [art. 41, inc. I],
que deverá contar com a participação da população e de associações através da promoção de
audiências públicas em seu processo de elaboração e fiscalização de sua implementação [art.
40, § 4º , inc. I]. 90
No Capítulo IV, do Estatuto, que trata da Gestão Democrática da Cidade, mais uma
vez o legislador ressalta a importância da realização de debates, audiências e consultas
públicas, inclusive no que se refere à gestão orçamentária participativa, bem como permite a
iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano, numa clara referência ao Princípio Ambiental da Participação Democrática, com
características do antropocentrismo mitigado.
90
As disposições contidas no Estatuto da Cidade referentes ao Plano Diretor [Capítulo III], receberem recentes
alterações, introduzidas pela Lei n. 12.608/2012.
51
91
Cf. <http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html>. Acesso em: 20 jul. 2013.
52
sociedade civil não foi contemplada de forma expressa, o que colocaria em xeque o Princípio
Ambiental da Participação Democrática. Outra crítica que se faz, diz respeito ao termo
tipologia, estabelecido pela alínea h, inc. XIV, do art. 7º, que permitiria a criação de novos
tipos ou novas licenças ambientais por mero ato do Executivo, verbis:
Ressalte-se que os §§ 2º, 3º e 4º, do art. 10, e o § 1º, do art. 11, da PNMA, que
dispunham acerca da repartição de competências para emissão de licenciamento, foram
revogados pela nova lei. Para Antunes, a ‘estadualização’ do licenciamento ambiental
corresponde à salutar medida de descentralização administrativa e de consequente economia
de recursos públicos e privados, 92 vez que anteriormente à edição da LC n. 140/2011, havia a
prevalência da atuação do órgão federal, Ibama, sobre os demais, de modo a gerar uma
delonga burocrática que trazia prejuízos de variadas ordens, em especial, aos interesses
econômicos e sociais.
A Lei n. 12.651/2012, chamada de Novo Código Florestal, revogou o antigo texto da
Lei n. 4.771/1965, também chamado de novo, vez que revogou o Decreto nº 23.793/1934,
primeiro Código Florestal brasileiro. O embate entre ruralistas e ambientalistas foi grande
para a aprovação da nova lei e alguns pontos ainda são considerados polêmicos, mesmo após
os vetos da Presidência e a publicação da Lei n. 12.727/2012, resultado da conversão da
Medida Provisória n. 571/2012.
Os maiores conflitos ficaram por conta da redução das faixas mínimas de
preservação previstas para as Áreas de Preservação Permanentes – APP’s [art. 4º], diminuição
das zonas de Reserva Legal [em especial, §5º, do art. 12], bem como a anistia referente às
multas aplicadas após o advento da Lei n. 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais, quanto às
áreas já consolidadas quando da entrada em vigor da referida lei [22 de julho de 2008].
Atualmente, tais matérias se encontram em discussão no Supremo Tribunal Federal,
em virtude da propositura de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade com pedido de
Medida Cautelar [ADI’s 4901, 4902 e 4903], distribuídas em janeiro de 2013 e subscritas pela
Procuradora-Geral da República em exercício à época, Sandra Cureau, as quais estão sob
92
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, p. 219.
53
relatoria do Min. Luiz Fux. Vale ressaltar, a admissão, até a presente data, de três amici
curiae nestas ações: a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica
– APINE; a Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE; e o Partido do
Movimento Democrático do Brasil – PMDB. Em razão do deferimento do pedido de rito
abreviado previsto no art. 12, da Lei n. 9.868/99, espera-se que o julgamento dê-se tão logo
quanto possível, encerrando de forma definitiva o impasse.
Na presente lei, verificam-se influências de três das correntes ético-filosóficas, na
medida em que o legislador previu, v.g., nos incs. I, II e III, do parágrafo único, do art. 1º-A, o
seguinte:
Noções como a proposta no inc. I, de preservação das suas florestas e demais formas
de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e da
integridade do sistema climático, para o bem estar das presentes e futuras gerações, integram
as três correntes éticas, assim como os conceitos de sustentabilidade e crescimento econômico
contidos no inc. II. O destaque fica com o inc. III que propõe a compatibilização e
harmonização entre o uso produtivo da terra e a preservação da água, do solo e da
vegetação, em verdadeira concordância com os princípios e as correntes que informam todo o
sistema jurídico ambiental.
Feita esta breve análise das principais leis ambientais que conformam a ordem
infraconstitucional, tem-se que há uma nítida intenção do legislador ordinário em procurar
harmonizar, de forma concomitante, referências antropocêntricas puras, mitigadas e não
antropocêntricas, de modo a compatibilizar os direitos e interesses econômicos, sociais,
54
93
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental, p. 101.
55
94
Expressão utilizada por Luiz Guilherme Marinoni, in: Curso de processo civil. Teoria Geral do Processo. 6.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, V. 1, passim.
56
julgada subjetiva com possibilidade de seu transporte in utilibus para demandas individuais,
entre outros.
Na contramão das correntes que propõem um minimalismo judicial,95 verificam-se
pressões econômicas e desenvolvimentistas, exercidas por determinados setores da sociedade
e, comumente, pelo próprio Poder Público, levantando situações de grande conflituosidade
quando confrontadas com o direito fundamental ao meio ambiente – o que torna a análise de
tais questões pelo Judiciário bastante recorrente e, por vezes, imprescindível, em razão das
particularidades que revestem o direito ambiental, sob pena de restar aos direitos e interesses
transindividuais, tão somente, a tutela compensatória [também chamada de tutela pelo
equivalente monetário].
A partir da análise sistemática do texto constitucional e da legislação em vigor,
verifica-se a abertura necessária para o desenvolvimento dessa nova perspectiva, bastando
apenas que se trabalhem as possibilidades a partir de escolhas democráticas, capazes de
legitimar as decisões jurisdicionais, em uma conformação adequada da ordem jurídica aos
preceitos constitucionais.
Desta forma, no capítulo corrente, apresentar-se-á um exame da tutela jurisdicional
coletiva conferida ao meio ambiente pelo ordenamento brasileiro, bem como seus
consectários nas esferas civil e processual civil, para no capítulo subsequente, alcançar-se a
questão nodal da presente pesquisa, qual seja, a premente necessidade e possibilidade de
intervenção do amicus curiae no processo coletivo ambiental.
Para tanto, examinar-se-ão: a evolução da tutela dos direitos e interesses
transindividuais, bem como sua categorização no sistema brasileiro; os legitimados ativos e
passivos nas ações de tutela do meio ambiente; a ocorrência do dano ambiental e a proteção
ofertada pela legislação constitucional e infraconstitucional; e por fim, não obstante a
complexidade com a qual o tema se apresenta, e ainda, a iminência do advento de nova
legislação, optou-se por uma breve análise de um aspecto processual de extrema relevância na
proteção do bem ambiental: a tutela específica da obrigação.
95
Cf. SUSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. New York: Oxford University Press, 1996.
57
A partir de meados do século XX, com o fim da Segunda Grande Guerra, observou-
se a formação da denominada sociedade de massa, na qual os bens, particularmente de
natureza difusa, passaram a ser objeto de maior preocupação pela comunidade científica, o
que repercutiu, igualmente, de modo notório, nas ciências jurídicas e sociais aplicadas.
Logo, neste subitem, analisar-se-ão, alguns dos aspectos mais relevantes para a atual
constituição dos direitos e interesses transindividuais, desde sua formação e seu papel junto à
sociedade contemporânea aos seus conceitos em suas mais variadas vertentes.
Neste aspecto, imprescindível se faz a referência à expressiva pesquisa realizada por
Cappelletti e Garth, nas décadas de 60 e 70. O ensaio intitulado Access to Justice: The
Worldwide Movement to Make Rigths Effective. A General Report. foi publicado no ano de
1978, fruto de amplos e longos estudos chefiados pelos juristas Mauro Cappelletti [Itália] e
Bryant Garth [Estados Unidos], traduzido para língua portuguesa em 1988, pela ex-ministra
do STF, Ellen Gracie Northfleet. 96
À época de sua elaboração, os juristas utilizaram-se dos dados do denominado
Projeto Florença para identificar a evolução do conceito de acesso à justiça; as diversas
barreiras que impediam o seu acesso efetivo; a propositura de soluções práticas, considerados
os modelos de diversos países, notadamente, dos mais desenvolvidos [localizados no
hemisfério norte - inclusive Japão], e da Austrália; assim como a importância da utilização de
um Novo Enfoque de Acesso à Justiça.
É o que doravante passar-se-á a apreciar.
Concebido pelos autores como o mais básico dos direitos humanos, na medida em
que se configura como último patamar na efetivação dos direitos civis e sociais [ponto
pacífico na processualística contemporânea], o efetivo acesso à justiça, a despeito de todos os
esforços, pelo menos no que tange à realidade brasileira, ainda se depara, em parte, com os
mesmos entraves, identificados há quase meio século: elevadas custas judiciais; altos
honorários; delonga na conclusão das demandas [vantagem pela qual se sobrepõem os mais
abastados e as grandes organizações]; a falta de instrução e disposição da população carente
96
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Norhtfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988.
58
para o reconhecimento de seus direitos, em especial, no que diz com aqueles não tradicionais,
como o direito ambiental; a preeminência dos litigantes habituais [grandes empresas] em face
dos eventuais, entre outros. 97
Como forma de superar tais entraves, estabeleceram as denominadas ondas
renovatórias, capazes de produzir soluções imediatas e versáteis às principais dificuldades
enfrentadas pela coletividade na concretização de seus direitos.
A primeira onda renovatória trata da assistência judiciária aos pobres [reconhecidos
estes em sua acepção jurídica]; a segunda onda, diz respeito às reformas tendentes a
proporcionar a devida representação dos interesses difusos, com ênfase nas áreas de proteção
ambiental e defesa do consumidor, que começavam a despontar à época; e finalmente, a
terceira onda, denominada de novo enfoque de acesso à justiça, a qual inclui os
posicionamentos anteriores e vai mais além, numa tentativa de aplacar os elencados
obstáculos, simultaneamente, de modo ágil e flexível. 98
No que mais importa ao presente item [direitos e interesses transindividuais ou
coletivos lato sensu], os pesquisadores, num primeiro momento, descrevem a problemática
enfrentada pelos titulares desses direitos: a) em sua maioria, o prêmio individual é pequeno
demais; b) indenizam-se apenas os prejuízos particulares e não os públicos; c) a demanda
individual é insuficiente para o cumprimento da lei, ressaltando a necessidade de conexão de
processos; d) as partes estão dispersas, desinformadas e sem estratégia comum, o que impede
uma ação coordenada de grupo a fim de que o pedido seja expresso e unificado; e) muitos
países confiam apenas na máquina governamental para defesa dos interesses difusos,
impedindo qualquer ação privada 99 – fato que representa um dos maiores obstáculos, sabido
que por diversas vezes os interesses públicos estatais [interesses secundários ou fazendários100
do Estado] vão diretamente de encontro aos interesses públicos da coletividade [interesses
públicos propriamente ditos, ou primários, do Estado]. Nestas circunstâncias, Mello atenta
para o fato de que [...] o Estado, [...] só poderá defender seus próprios interesses privados
quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam
com a realização deles. 101
97
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 09-26.
98
Ibid., p. 31-73.
99
Ibid., p. 26-8.
100
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. Conceito e legitimação para agir. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013, p. 30. Nesta expressão, Mancuso refere-se ao administrativista italiano Renato
Alessi, em sua obra Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano. 3. ed. Milão: Giuffrè, 1960, p. 197-
8.
101
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2011, p. 66.
59
102
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 29.
103
Ibid., p. 50-1.
104
Ibid., p. 51-5.
105
Ibid., p. 55.
60
fortalecimento desses grupos, o que é evidenciado, pela perspectiva dos autores, no modelo
norte-americano.
Este destaque é resultado da junção de instrumentos processuais e entidades
particulares e públicas: as class actions [ações coletivas], as ações de interesse público,
sociedades [frise-se, particulares] de advogados de interesse público, somada à assessoria
pública [ou advogado público]. 106
Finalmente, os pesquisadores concluem que, em razão das vantagens e desvantagens
apresentadas por cada uma das opções, uma solução pluralística ou mista representaria a
melhor resposta para o complexo tema da representação dos interesses difusos, mormente em
razão das dificuldades práticas e financeiras para a reunião permanente de grupos de
indivíduos na defesa de seus direitos. Para sua adequada representação, haveria necessidade
de uma eficiente ação de grupos particulares, sempre que possível. 107 A barreira decorrente
desta eficiente ação de grupos poderia ser, desta forma, suplantada através da combinação
integrada das diversas propostas.
Todavia, sem embargo das relevantes constatações no que tange à efetiva
representatividade dos interesses difusos, o ponto alto do ensaio configura-se no
reconhecimento da imprescindibilidade de um Novo Enfoque de Acesso à Justiça [terceira
onda renovatória]: a concepção de métodos alternativos, instituições e procedimentos
especiais, judiciais e extrajudiciais, capazes de satisfazer de forma adequada e eficiente e, até
mesmo, prevenir, os litígios decorrentes dos novos direitos [em especial, do consumidor e
ambiental], com vistas à superação do paradigma do processo civil clássico, fundado nos
valores do Estado Liberal, que tem como um de seus principais corolários a estrita legalidade,
adequando-o às disputas oriundas das sociedades modernas. 108
Por conseguinte, relacionam e exemplificam, exaustivamente, as tendências no uso
do Enfoque do Acesso à Justiça, as quais, em termos gerais, referem-se à: a) reformas dos
procedimentos judiciais [oralidade; livre apreciação da prova; concentração do procedimento;
contato imediato entre as partes; juízos de instrução]; b) métodos alternativos de solução de
conflitos judiciais [juízo arbitral; conciliação; incentivos econômicos]; c) especialização de
instituições e procedimentos judiciais com foco na justiça social [procedimentos para
pequenas causas; tribunais de vizinhança; tribunais especiais para demandas de consumidores;
e mecanismos especializados com ênfase, nos direitos do consumidor e ambiental e também,
106
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 56-65.
107
Ibid., p. 66-7.
108
Ibid., p. 67-73.
61
109
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 75-159.
110
Sobre o tema, cf. TWINING, William. General jurisprudence: understanding law from the global
perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
111
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B., op. cit., p. 164.
112
Ibid., p. 165.
113
Ibid., p. 161-5.
62
114
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang [org.]. Direitos fundamentais, informática e comunicação. Algumas
aproximações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. E ainda: HARTMANN, Ivar Alberto Martins.
Ecodemocracia. A proteção do meio ambiente no ciberespaço. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
115
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça, p. 165.
116
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 44.
117
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 39, em referência à explanação feita por Fábio Konder
Comparato.
63
118
SOARES JÚNIOR, Jarbas; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza; PITOMBEIRA, Sheila Cavalcante.
Efetividade da tutela ambiental. Textos extraídos das palestras proferidas durante o VII Congresso Brasileiro do
Ministério Público de Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 27. Para estudo mais acurado, cf.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo. Superação da summa divisio direito público e direito
privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
64
119
Para tanto, cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos
coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado. 2 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, passim.
120
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 47.
121
Vide as seguintes obras, respectivamente: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo.
24. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, passim; MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, passim.
65
122
DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo,
7. ed., V. 4. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 75. Em referência a classificação feita por Barbosa Moreira.
123
Cf. MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 97 et seq.
124
Ibid., p. 99.
125
Ibid., p. 104.
126
Idem.
66
127
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 105-6.
128
Ibid., p. 111-12.
67
129
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 111.
130
DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, p. 77.
131
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 722.
Em referência a decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 137.889/SP e REsp n.
108.249/SP, ambos recursos julgados pela 2ª turma do referido Tribunal, em abril do ano de 2000, de relatoria do
Min. Peçanha Martins.
68
132
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre as ações coletivas no
Brasil – presente e futuro. In: ASSIS, Araken de; et al. Processo coletivo e outros temas de direito processual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 612.
133
DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, p. 77.
69
possibilidade de auto exclusão da demanda [right to opt out], modalidade não prevista, por
exemplo, nos países europeus. 134
A natural proximidade entre os direitos de natureza coletiva lato sensu pode levar a
situações não raras em que uma mesma conduta viole direitos afirmados difusos, coletivos e
individuais homogêneos. É o que exemplifica Hugo Nigro Mazzilli:
Com efeito, um acontecimento de tais dimensões é capaz de dar origem a uma ação
coletiva a reclamar os direitos e interesses difusos representados pelo meio ambiente como
macrobem, prejudicado pelo vazamento de óleo, na seara patrimonial e extrapatrimonial, com
valores destinados ao Ibama; aos direitos coletivos, representados, v.g., por uma associação de
pescadores, como a Feperj – Federação dos Pescadores do Rio de Janeiro, entre outras; e aos
direitos individuais homogêneos, representados por pescadores e demais moradores
ribeirinhos que tenham sido prejudicados em suas atividades pela contaminação das águas e
das áreas de manguezais.
134
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos
países de civil law e common law, p. 305; e DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de
direito processual civil, p. 56-7.
135
MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 59.
136
Baía de Guanabara: vazamento da Petrobrás completa 14 anos.
<http://www.oeco.org.br/reportagens/28021baia-de-guanabara-vazamento-da-petrobras-completa-14-anos>
Acesso em: 28 mar 2014. Por Fabíola Ortiz.
70
137
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 126 et seq.
138
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 48.
71
pertinência temática aplicável aos grupos e associações [art. 5º, inc. V, b, da Lei n.
7.347/85]; 139 b) o ‘acesso direto’ dos interesses difusos aos centros de decisão, ao que objeta-
se sua legitimação concorrente e disjuntiva; a existência não apenas de uma democracia
representativa, mas também, participativa, conforme diversos instrumentos constantes da
Constituição como o plebiscito, o referendo, os projetos de iniciativa popular, a propositura de
ação popular pelo cidadão eleitor; e ainda, a jurisdição compartilhada, que abre espaços à
participação, através de ferramentas como o amicus curiae, a repercussão geral de questão
constitucional discutida in casu [§3º, do art. 102, da CF, c/c §6º, do art. 543-A, do CPC], a
revisão ou cancelamento de súmula vinculante [§2º, do art. 3º, da Lei n. 11.417/06], etc; e c) o
risco de ‘desequilíbrio da tripartição dos poderes, com o ‘superdimensionamento’ do
Judiciário e as ‘novas dimensões’ da ação e do processo, ao que o autor contesta:
Ora, quando a lei não se ocupa dos interesses difusos [...]; quando também
não o faça a Administração [...], é claro que, sobrevindo controvérsia a
respeito [o megaconflito], legitima-se a intervenção do Judiciário, como
instância substitutiva que atua por provocação e responde no limite dela. 140
E ainda:
139
Nos EUA existe a figura do ideological plaintiff, na qual uma pessoa ou grupo trabalha como porta-voz de
diversos indivíduos abrangidos por uma situação homogênea. Cf. MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p.
131.
140
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 142.
141
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 143.
72
Antonio Carlos Biscaia [PT/RJ], o projeto foi rejeitado no mérito pelo relator Dep. José
Carlos Aleluia [DEM/BA]. 142
No ano de 2012, houve a apresentação de três Projetos de Lei do Senado [PLS’s]
para atualização do Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.078/1990, todos de autoria do
Sen. José Sarney [PMDB/AP]. As propostas foram apresentadas aos senadores em meados de
de 2011, na forma de anteprojeto, por uma comissão de juristas 143 e têm por escopo principal
atualizar o Código de Defesa do Consumidor em três áreas: comércio eletrônico [PLS
281/2012]; ações coletivas [PLS 282/2012]; e por fim, crédito e superendividamento do
consumidor [PLS 283/2012]. Referidos projetos estão aguardando inclusão na ordem do dia
para votação no Senado. 144
No que tange às ações coletivas, o PLS 282/2012 traz um conceito diferenciado para
os direitos individuais homogêneos, embora bastante semelhante ao proposto no PL n.
5.139/2009 do Poder Executivo, in verbis:
Art. 81
§ 1º A ação coletiva será exercida quando se tratar de:
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos
aqueles decorrentes de origem comum, de fato ou de direito, que
recomendem tratamento conjunto pela utilidade coletiva da tutela, aferida
por critérios como a facilitação do acesso à Justiça para os sujeitos
vulneráveis, a proteção efetiva do interesse social, a numerosidade dos
membros do grupo, a dificuldade na formação do litisconsórcio ou a
necessidade de decisões uniformes. 145
142
Projeto de Lei 5.139/2009, da Câmara dos Deputados. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=432485>. Acesso em: 20 nov.
2012.
143
Comissão nomeada pelo Senado Federal e formada pelo Ministro Antonio Herman Benjamin, pelas
professoras Ada Pellegrini Grinover e Cláudia Lima Marques, pelo Promotor de Justiça do MP/DFT, Leonardo
Bessa, e pelo diretor geral do Procon de São Paulo, Roberto Pfeifer. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI
JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo Coletivo. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, V. 4,
p. 67.
144
A Comissão Especial Interna do Senado para reforma do CDC tem como Presidente o Sen. Rodrigo
Rollemberg [PSB/DF]; Vice-Presidente Sen. Paulo Bauer [PSDB/SC]; e Relator Sen. Ricardo Ferraço
[PMDB/ES]. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/comissoes/comissao.asp?origem=SF&com=1604>. Acesso em: 10 mar.
2014.
145
DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, V. 4, p.525.
73
146
Alexy atribui aos direitos de liberdade uma prioridade prima facie que poderá ser suplantada diante das
circunstâncias do caso concreto, desde que acompanhada de uma racionalidade argumentativa capaz de
demonstrar a necessidade de proteção do direito fundamental. In: ALEXY, Robert. Teoría de los derechos
fundamentales apud MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. Teoria geral do processo. 6. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, V. 1, p. 101.
147
Cf. MARINONI, L. G. Curso de processo civil, V. 1, p. 172 et seq.
74
processum [representação para a causa]. E este aspecto dá ensejo há alguns debates sobre a
natureza dessa legitimidade.
Alguns defendem a legitimação extraordinária por substituição processual, outros a
legitimação ordinária decorrente de uma leitura ampla do art. 6º do CPC e, outros ainda, a
legitimação autônoma para a condução do processo, uma espécie de legitimação
extraordinária. 148
Os conceitos de legitimação extraordinária e substituição processual são bastante
próximos. Todavia na substituição processual, além da necessidade de autorização legislativa,
mostra-se imprescindível a ausência do titular do direito de modo a se fazer representar como
parte principal.
Nas palavras de Fiorillo,
148
DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, V. 4, p. 198.
149
FIORILLO, C. A.P. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 535-6.
150
Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. Exposição sistemática do
procedimento. 29. ed. São Paulo: Forense, 2012.
75
Por fim, a última corrente, defendida por Nelson Nery Junior e Antonio Gidi, a qual
pugna por uma legitimação autônoma nas ações coletivas. Nesta, a doutrina defende uma
separação entre legitimação para condução do processo e a legitimidade do direito material
objeto da demanda. Logo, funda-se, na autorização pelo direito objetivo, a condução do
processo por um terceiro que não tenha relação direta com o interesse posto em juízo. 151
Luiz Manoel Gomes Júnior propõe uma nova classificação, na qual identifica, no
âmbito na tutela coletiva, uma legitimação processual coletiva, que procura afastar a
classificação fundamentada somente no tipo de interesse protegido. 152
Como fundamento para essa denominação, o autor argumenta que, nas ações
coletivas estará sempre presente uma legitimação processual coletiva, que é, em última
análise, a possibilidade de almejar a proteção dos direitos coletivos lato sensu, ainda que
haja coincidência entre os interesses próprios de quem atua com os daqueles que serão, em
tese, beneficiados com a decisão a ser prolatada.
Destarte, diversas são as correntes que procuram identificar a natureza jurídica da
legitimação nas ações coletivas. Contudo e a despeito dos notáveis fundamentos de cada uma
delas, majoritária doutrina propõe a seguinte classificação: a) extraordinária, pois haverá
sempre a substituição processual da coletividade [o legitimado extraordinário que irá pleitear,
em nome próprio, direito alheio]; b) autônoma, na medida em que a presença do legitimado
ordinário em juízo é dispensada em face total autonomia do legitimado extraordinário para
atuar em juízo; c) exclusiva, visto que o rol de legitimados é taxativo, conforme ver-se-á a
seguir; d) concorrente, relativamente aos representantes adequados, razão pela qual qualquer
um pode propor a ação independentemente dos demais; e por fim, e) disjuntiva, isto é, um
legitimado não exclui o outro – o litisconsórcio eventualmente formado será sempre
facultativo. 153
Superada esta distinção, passar-se-á à análise do Microssistema de Processo Coletivo
Brasileiro que é composto, basicamente, pela Lei da Ação Civil Pública – Lei n. 7.347/85 e
pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078/90.
A legislação infraconstitucional é relativamente vasta no que tange à tutela dos
interesses coletivos e outras leis podem aqui ser referenciadas para além do referido
Microssistema, tais como, a Lei da Ação Popular [Lei n. 4.747/85]; Lei do Mandado de
151
Cf, por tudo, DIDIER JÚNIOR, F.; ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, V. 4, p. 197-204.
152
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual coletivo. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.34-5.
153
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. Em defesa do meio ambienta, do patrimônio cultural e
dos consumidores – Lei 7.347/85 e legislação complementar. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
120. Em referência à classificação feita por Pedro Lenza.
76
Não obstante, outros autores justificam a prova da cidadania ativa pelo caráter
político da referida ação:
154
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 233.
155
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 161.
156
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular. Proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade
administrativa e do meio ambiente. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 190. Em referência a
considerações feitas por Pedro da Silva Dinamarco.
77
Importante ressaltar que a LAP prevê em seu art. 9º que o Parquet poderá prosseguir
na ação em caso de desistência do seu titular, mesmo porque esta condição é prevista
constitucionalmente, como uma das funções do Ministério Público. De outra forma, ele
atuaria apenas como custos legis, apurando possíveis responsabilidades daqueles que tiverem
agido de forma ilícita.
Entretanto, embora muito se discuta acerca da amplitude do conceito técnico-jurídico
de cidadão, acredita-se que este fator não deva ser relevante para sua determinação processual,
na medida em que o alargamento desta definição facilita aos cidadãos o cumprimento de seu
dever fundamental de proteção do meio ambiente. Destaque-se que o autor popular estará
isento do pagamento de custas e ônus sucumbenciais, conforme previsão do inc. LXXIII, do
art. 5º, da CRFB/88, salvo comprovada má-fé.
Os legitimados passivos estão previstos do art. 6º da referida Lei [pessoas públicas
ou privadas], dentre os quais se incluem as entidades referidas no art. 1º, havendo inclusive,
possibilidade de formação de litisconsórcio passivo necessário, em razão da responsabilidade
objetiva e solidária na reparação do dano ambiental. Portanto, em termos gerais, qualquer
entidade que se enquadre no conceito de poluidor previsto no inc. IV, do art. 3º, da Lei
6.938/81, poderá ser responsabilizada.
Quanto à Ação Civil Pública os legitimados ativos para sua propositura estão
elencados no art. 5º e incisos, da Lei 7.347/85, com redação determinada pela Lei 11.448/07,
a saber: o Ministério Público, a Defensoria Pública, a administração direta e indireta e as
associações. É dizer, trata-se de legitimação ope legis, por força de lei, na qual consta rol
exaustivo.
No entanto, por vezes, como no caso das associações e entidades da administração
pública indireta, a legitimidade poderá ser ope iudicis, ou seja, aferida judicialmente,
mediante controle da representatividade adequada da entidade, que inclui constituição há pelo
menos um ano e pertinência temática – causa de pedir relacionada às finalidades institucionais
[conforme disposto nas alíneas a e b, do inc. V, do art. 5º, da LACP].
Vale ressaltar que comunidades e organizações indígenas também possuem
legitimidade ativa para propositura de ação coletiva, com fundamento no que prevê o art. 232,
da CRFB/88, cumulado ao que dispõe o Título III do CDC.
Quanto à legitimidade passiva, assim como na Ação Popular, caberá a todo aquele
que se enquadre no conceito de poluidor, previsto no art. 3º, inc. IV, da Lei n. 6.938/81.
Interessante questão a ser colacionada refere-se à legitimação ativa da Defensoria
Pública na defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Tema recente – a
78
LACP foi alterada em 2007, pela Lei n. 11.448, para sua inclusão no rol de legitimados – tem
gerado controvérsia entre alguns doutrinadores quanto à hipossuficiência econômica de
alguns grupos e associações. 157
Contudo, não há dúvidas de que a alteração legislativa foi realizada com vistas a
ampliar o acesso à justiça ao maior número de indivíduos possível, numa visão moderna e
igualitária do processo civil, também conhecida como direito ao fair trail, 158 de forma a
garantir o direito fundamental ao acesso à ordem jurídica justa, previsto no art. 5º da
Constituição da República.
Neste sentido tem-se encaminhado a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Vide trecho do voto de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, in verbis:
157
Cf. MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 320. E ainda, DIDIER JÚNIOR, F.;
ZANETI JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil, V. 4, p. 218-22.
158
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 699 et seq.
159
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. REsp n. 805.277/RS. Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Sul versus Unimed Porto Alegre Cooperativa de Trabalho Médico. Rel. Min. Nancy Andrighi.
Julgado em 23 set. 2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10 set. 2013.
160
Também denominado por Paulo Bonavides de Estado Democrático Participativo. Cf. BONAVIDES, Paulo.
Teoria constitucional da democracia participativa. Por um direito constitucional de luta e resistência, por uma
nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, passim.
79
Por fim, ressalte-se apenas que, caso o Ministério Público não intervenha como parte
integrante do processo, deverá obrigatoriamente atuar como fiscal da lei, conforme expressa
previsão do §1º, do artigo 5º, da Lei 7.347/85.
Embora sem previsão expressa no Microssistema de Processo Coletivo, entende-se
de suma importância a menção aos legitimados à impetração de Mandado de Segurança
Coletivo, na medida em que bastante utilizado para defesa de direitos individuais homogêneos
na seara do direito ambiental do trabalho.
Previsto constitucionalmente no art. 5º, inc. LXX, da CRFB/88 e também na
legislação infraconstitucional, na recente Lei n. 12.016/09, o Mandado de Segurança Coletivo
destina-se a proteger direito líquido e certo não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data,
quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.
A diferença principal entre o Mandado de Segurança individual e o Mandado de
Segurança coletivo está na legitimação ativa e no objeto da tutela: em um os interesses são
individuais e, noutro, os interesses tutelados são coletivos lato sensu.
Quanto à legitimação, os legitimados ativos são aqueles constantes do rol do inc.
LXX, no art. 5º, CRFB/88, alíneas “a” e “b”: partido político com representação no
Congresso Nacional [basta apenas um representante]; organização sindical; entidade de classe
ou associação legalmente constituída em funcionamento há pelo menos um ano, com
pertinência temática, dispensada a autorização especial em Estatuto.
Muitos autores defendem que este rol não é taxativo [ope iudicis], podendo-se
conferir legitimidade ao Ministério Público, principalmente quando vise à proteção de
questões ligadas à tutela do meio ambiente.
Trata-se a coisa julgada de ficção jurídica criada pelo legislador com o intuito de
trazer segurança jurídica às decisões jurisdicionais de mérito. Não fosse a certeza conferida às
sentenças, passado o trânsito em julgado, viver-se-ia em situação de constante vulnerabilidade
dada a possibilidade de indefinida modificação das decisões, algo incabível considerando-se o
perfil da sociedade contemporânea e a própria estrutura do Poder Judiciário.
Quando se faz menção à coisa julgada, logo vêm à mente as duas espécies previstas
no CPC/73, as quais conformam a tutela de interesses individuais e, também, a tutela coletiva
80
161
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. Processo de
Conhecimento. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. V. 2, p. 634.
162
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1984.
81
das provas], esta não ficará indiscutível. Para que a autoridade da coisa julgada se estenda a
uma questão prejudicial de mérito, é preciso utilizar-se da ação declaratória incidental. 163
Por fim, o modo de produção da coisa julgada que, para fins didáticos, é analisado a
partir de dois aspectos: segundo a natureza do interesse e segundo o resultado do processo.
Em se tratando de direitos ou interesses difusos ou individuais homogêneos, a
sentença de procedência sempre terá eficácia erga omnes, conforme dicção dos incs. I e III do
art. 103, do CDC. Já no caso dos direitos coletivos stricto sensu, a sentença de procedência
terá eficácia ultra partes, é dizer, limitadamente ao grupo, categoria ou classe de indivíduos,
conforme previsão do inc. II, do mesmo art. 103, do CDC.
Em caso de sentença de improcedência, há duas questões a se considerar: a
improcedência por insuficiência probatória e a improcedência por motivo diverso. Nas três
categorias de direitos transindividuais, quando houver sentença de improcedência por
insuficiência probatória, não há que se falar em eficácia de sentença erga omnes ou ultra
partes, havendo apenas coisa julgada formal.
Em contrapartida, se a sentença de improcedência se der por outro motivo, que não a
falta de provas, estar-se-á, no caso de direitos difusos e individuais homogêneos, frente a
eficácia erga omnes da sentença, e ultra partes, na hipótese de direitos coletivos stricto sensu.
Esta é a análise cabível segundo a natureza do interesse discutido na lide [se direitos
difusos, coletivos ou individuais homogêneos].
Todavia, quando se está a falar sobre a coisa julgada segundo o resultado do
processo [secundum evetum litis], ou em relação ao grupo atingido nas ações civis públicas e
coletivas, tem-se que a sentença de procedência, beneficiará todos os lesados, observadas as
condições do art. 104 do CDC. É dizer, quando se tratarem de direitos coletivos e individuais
homogêneos, as ações coletivas não induzirão litispendência para as ações individuais, a
menos que seja requerida a suspensão das ações individuais no prazo de 30 [trinta] dias a
contar da ciência nos autos no ajuizamento da ação coletiva, com o fito de evitar a sentença
non liquet.
Na hipótese de sentença de improcedência por insuficiência probatória, não haverá
prejuízo aos lesados. Todavia, se a improcedência se der por motivo diverso, esta prejudicará
aos lesados, exceto em matéria de interesses individuais homogêneos, ocasião em que deverá
ser dada ampla divulgação por meio de publicação de edital no órgão oficial e pelos meios de
comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor [art. 94, do CDC].
163
MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 593-4.
82
164
MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 291.
83
A partir deste momento, passa-se a uma breve análise do conceito de dano ambiental
e as formas processuais de tutela ofertadas pelo ordenamento jurídico.
Inúmeras são as leis ambientais que trazem em seu bojo a responsabilização por dano
ambiental. Contudo, a fim de que se possa empreender uma compreensão geral de como se
estabelece a tutela processual em virtude dos danos causados ao meio ambiente,
imprescindível remeter o leitor à Lei n. 6.938/81, na qual se encontram expressos os
conceitos, de poluição:
Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...] III - poluição,
a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou
sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo
com os padrões ambientais estabelecidos;
167
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 151.
86
Destaque-se a necessidade do dano ambiental ser atual e concreto, haja vista que,
salvo determinação legal, não há que se falar em dano presumido, devendo sua ocorrência ser
comprovada, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça. 169
O dano ambiental, por sua vez, constitui uma expressão ambivalente que pode
designar tanto alterações nocivas ao meio ambiente, quanto os efeitos que tal alteração
provoca na saúde das pessoas e em seus interesses. Devido a esta dificuldade em identificar a
concepção de dano ambiental, Leite faz três classificações no que tange a esta modalidade de
dano: a) quanto à amplitude do bem protegido; b) quanto à reparabilidade e ao interesse
jurídico envolvido; e c) quanto à sua extensão e, d) ao interesse objetivado. 170
Quanto à amplitude do conceito de dano ambiental, ter-se-ia: o a.1) dano ecológico
puro, no qual se considera apenas a conceituação restrita de meio ambiente, ou seja,
relacionada tão somente aos componentes naturais do ecossistema e não ao patrimônio
cultural ou artificial; o a.2) dano ambiental lato sensu, como aquele concernente aos interesses
difusos da coletividade, no qual estariam sendo protegidos o meio ambiente e todos os seus
componentes, isto é, o macrobem ambiental; e por fim, o a.3) dano individual ambiental ou
reflexo, conectado ao meio ambiente, que é, de fato, um dano individual, pois o objetivo
primordial não é a tutela dos valores ambientais, mas sim, dos interesses próprios do lesado,
relativos ao microbem ambiental.
Quanto à reparabilidade e ao interesse jurídico envolvido, este se divide em b.1) dano
ambiental de reparabilidade direta e b.2) de reparabilidade indireta. No primeiro, o interessado
168
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental. Do individual ao coletivo
extrapatrimonial. Teoria e prática,. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 96.
169
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO
CARACTERIZADA - MANUTENÇÃO DE AVES SILVESTRES EM CATIVEIRO - RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO AGENTE POLUIDOR - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA -
RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO AMBIENTAL NÃO COMPROVADO. 1. Não ocorre ofensa ao art.
535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da
lide. 2. A responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de
dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento
do direito de reparação. 3. Em regra, o descumprimento de norma administrativa não configura dano ambiental
presumido. 4. Ressalva-se a possibilidade de se manejar ação própria para condenar o particular nas sanções por
desatendimento de exigências administrativas, ou eventual cometimento de infração penal ambiental. 5. Recurso
especial não provido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp n. 1.140.549/MG. Ministério
Público do Estado de Minas Gerais versus Antônio Custódio da Silva. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgado em 06
abr. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
170
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental. Do individual ao coletivo
extrapatrimonial. Teoria e prática,. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 92-3.
87
que sofre lesão será diretamente indenizado. Em contrapartida, no segundo caso, tratam-se de
direitos difusos, coletivos stricto sensu e eventualmente individuais de dimensão coletiva e
por isso, a reparabilidade é feita de modo indireto, com vistas a resguardar o bem coletivo,
descartando assim, a ressarcibilidade de interesses próprios, individuais.
Quanto à extensão, tem-se o c.1) dano patrimonial ambiental, relativamente à
restituição, à recuperação, ou à indenização do bem lesado. E aqui, a nova tese proposta pelo
eminente Professor, de c.2) dano extrapatrimonial ou moral ambiental, referente à tudo que
diz respeito à sensação de dor experimentada ou conceito equivalente em seu mais amplo
significado ou todo prejuízo não patrimonial ocasionado à sociedade ou ao indivíduo, em
virtude da lesão ao meio ambiente. 171 E ainda:
171
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 94.
172
Ibid., p. 273.
173
Ibid., p. 279-80.
174
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 1002.
88
A ação popular é um writ constitucional que teve sua origem com a promulgação da
Constituição da República de 1934 [fortemente influenciada pela Constituição Alemã de
Weimar, de 1919, de caráter eminentemente social], regulamentada, posteriormente, pela Lei
4.717/65, com escopo principal de proteção ao patrimônio público. Em 1977, a Lei 6.513
alterou o §1º, do art. 1º, da Lei 4.717/65, e incluiu na definição de patrimônio público, os bens
e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
Na atual Constituição, possui previsão expressa no artigo 5º, inciso LXXIII, o qual
ampliou seu objeto em relação à Lei de 1965, in verbis:
175
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 1003
176
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p.94.
177
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. Individual e Coletiva. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, passim.
89
Art. 5º [...]:
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
178
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 156.
179
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente no direito brasileiro.
São Paulo: Letras Jurídicas, 2011, p. 232-3.
180
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 986. E, ainda: EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO
POPULAR. INTERESSE DE AGIR. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. 1. O recurso especial não é a via adequada para análise da suscitada afronta ao art. 5º,
LXXIV e LV, da CF, cujo exame é da competência exclusiva da Suprema Corte,
a teor do contido no art. 103 da Carta Magna. 2. As condições gerais da ação popular são as mesmas para
qualquer ação: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade para a causa. 3. A ação popular
pode ser ajuizada por qualquer cidadão que tenha por objetivo anular judicialmente atos lesivos ou ilegais aos
interesses garantidos constitucionalmente, quais sejam, ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. 4. A ação popular é
o instrumento jurídico que deve ser utilizado para impugnar atos administrativos omissivos ou comissivos que
possam causar danos ao meio ambiente. 5. Pode ser proposta ação popular ante a omissão do Estado em
promover condições de melhoria na coleta do esgoto da Penitenciária Presidente Bernardes, de modo a que
90
cesse o despejo de elementos poluentes no Córrego Guarucaia (obrigação de não fazer), a fim de evitar danos
ao meio ambiente. 6. A prova pericial cumpre a função de suprir a falta ou insuficiência de conhecimento técnico
do magistrado acerca de matéria extra-jurídica, todavia, se o juiz entender suficientes as provas trazidas aos
autos, pode dispensar a prova pericial, mesmo que requeridas pelas partes. 7. Recurso especial conhecido em
parte e não provido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp n. 889.766/SP. Fazenda do
Estado de São Paulo versus José Francisco Medina e outro. Rel. Min. Castro Meira. Julgado em 04 out. 2007.
Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10 mar. 2014. [grifos nossos]
181
FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 595.
182
A ação popular possui algumas limitações: [...] não se presta ela à prevenção, à correção ou à reparação de
lesões decorrentes de atividades ou omissões atribuídas exclusivamente aos particulares, ou à prevenção e à
reparação de danos que não se vinculem à prévia invalidação de atos administrativos. In: MIRRA, A. L. V.
Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 238.
91
danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva
contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.
Portanto, caso o ente ambiental tenha outorgado licença de operação que desatenda a
legislação ambiental, culminando a atividade do empreendedor em danos ao meio ambiente, a
simples desconstituição do ato não restaurará o status quo ante. Assim, mostrar-se-á cabível a
cominação de reparar o dano ambiental.
Quanto à legitimidade ativa para a propositura de ação popular, conferida ao cidadão
eleitor [§3º, do art. 1º, da Lei 4.717/65], esta tem sido motivos de críticas pela doutrina:
183
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 233. Nesse sentido também,
Leite: “[...] se for ponderado que a cidadania ambiental hoje é atinente a questões transfronteiriças, dada a
dimensão do problema, chega-se à conclusão de que, tratando-se de patrimônio público, mas conecto com o
meio ambiente, não haveria óbice para que a defesa popular fosse exercida pelo estrangeiro, residente no país.”
In: LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 161.
184
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ELEITOR COM DOMICÍLIO ELEITORAL EM
MUNICÍPIO ESTRANHO ÀQUELE EM QUE OCORRERAM OS FATOS CONTROVERSOS.
IRRELEVÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CIDADÃO. TÍTULO DE ELEITOR. MERO MEIO DE PROVA.
1. Tem-se, no início, ação popular ajuizada por cidadão residente e eleitor em Itaquaíra/MS em razão de fatos
ocorridos em Eldorado/MS. O magistrado de primeiro grau entendeu que esta circunstância seria irrelevante para
fins de caracterização da legitimidade ativa ad causam, posição esta mantida pelo acórdão recorrido - proferido
em agravo de instrumento. 2. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 1º,
caput e § 3°, da Lei n. 4.717/65 e 42, p. único, do Código Eleitoral, ao argumento de que a ação popular foi
movida por eleitor de Município outro que não aquele onde se processaram as alegadas ilegalidades. 3. A
Constituição da República vigente, em seu art. 5º, inc. LXXIII, inserindo no âmbito de uma democracia de cunho
representativo eminentemente indireto um instituto próprio de democracias representativas diretas, prevê que
"qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência" (destaque acrescentado). 4. Note-se que a legitimidade ativa é deferida a cidadão. A afirmativa é
importante porque, ao contrário do que pretende o recorrente, a legitimidade ativa não é do eleitor, mas do
cidadão. 5. O que ocorre é que a Lei n. 4717/65, por seu art. 1º, § 3º, define que a cidadania será provada por
título de eleitor. 6. Vê-se, portanto, que a condição de eleitor não é condição de legitimidade ativa, mas apenas
e tão-só meio de prova documental da cidadania, daí porque pouco importa qual o domicílio eleitoral do autor
da ação popular. Aliás, trata-se de uma exceção à regra da liberdade probatória (sob a lógica tanto da
atipicidade como da não-taxatividade dos meios de provas) previsto no art. 332, CPC. 7. O art. 42, p. único, do
Código Eleitoral estipula um requisito para o exercício da cidadania ativa em determinada circunscrição
eleitoral, nada tendo a ver com prova da cidadania. Aliás, a redação é clara no sentido de que aquela disposição é
apenas para efeitos de inscrição eleitoral, de alistamento eleitoral, e nada mais. 8. Aquele que não é eleitor em
certa circunscrição eleitoral não necessariamente deixa de ser eleitor, podendo apenas exercer sua cidadania em
92
outra circunscrição. Se for eleitor, é cidadão para fins de ajuizamento de ação popular. 9. O indivíduo não é
cidadão de tal ou qual Município, é "apenas" cidadão, bastando, para tanto, ser eleitor. 10. Não custa mesmo
asseverar que o instituto do "domicílio eleitoral" não guarda tanta sintonia com o exercício da cidadania, e sim
com a necessidade de organização e fiscalização eleitorais. 11. É que é entendimento pacífico em doutrina e
jurisprudência que a fixação inicial do domicílio eleitoral não exige qualquer vínculo especialmente qualificado
do indivíduo com a circunscrição eleitoral em que pretende se alistar (o art. 42, p. único, da Lei n. 4.737/65 exige
tão-só ou o domicílio ou a simples residência , mas a jurisprudência eleitoral é mais abrangente na interpretação
desta cláusula legal, conforme abaixo demonstrado) - aqui, portanto, dando-se ênfase à organização eleitoral. 12.
Ainda de acordo com lições doutrinárias e jurisprudenciais, somente no que tange a eventuais transferências de
domicílio é que a lei eleitoral exige algum tipo de procedimento mais pormenorizado, com demonstração de
algum tipo de vínculo qualificado do eleitor que pretende a transferência com o novo local de alistamento (v. art.
55 da Lei n. 4.737/65) - aqui, portanto, dando-se ênfase à fiscalização para evitação de fraude eleitoral. 13.
Conjugando estas premissas, nota-se que, mesmo que determinado indivíduo mude de domicílio/residência, pode
ele manter seu alistamento eleitoral no local de seu domicílio/residência original. 14. Neste sentido, é
esclarecedor o REspE 15.241/GO, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJU 11.6.1999. 15. Se é assim - vale dizer, se
não é possível obrigar que à transferência de domicílio/residência siga a transferência de domicílio eleitoral -, é
fácil concluir que, inclusive para fins eleitorais, o domicílio/residência de um indivíduo não é critério suficiente
para determinar sua condição de eleitor de certa circunscrição. 16. Então, se até para fins eleitorais esta relação
domicílio-alistamento é tênue, quanto mais para fins processuais de prova da cidadania, pois, onde o
constituinte e o legislador não distinguiram, não cabe ao Judiciário fazê-lo - mormente para restringir
legitimidade ativa de ação popular, instituto dos mais caros à participação social e ao controle efetivo dos
indivíduos no controle da Administração Pública. 17. Recurso especial não provido. In: BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp n. 1.242.800/MS. Mara Elisa Navacchi Caseiro versus Nelson de Miranda.
Interessados: Município de Eldorado; Paulo Junges Advogados Associados; e Ignácio Carlos Pinto. Rel. Min.
Mauro Campbell. Julgado em 07 jun. 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso
em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
93
Conforme já citado acima, a ação civil pública é disciplinada pela Lei n. 7.347/85,
que é a norma geral sobre o tema, conquanto essa garantia fundamental para proteção do meio
ambiente já fosse prevista, no §1º, do artigo 14, da Lei 6.938/81, que instituiu a Política
Nacional do Meio Ambiente.
Possui ainda previsão constitucional, como uma das [principais] funções
institucionais do Ministério Público: Art. 129. São funções institucionais do Ministério
Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
O regime jurídico da ação civil pública é complementado pelo Título III, do Código
de Defesa do Consumidor, formando-se assim, um microssistema processual coletivo, que
permite a aplicação integrada de ambas as leis.
Eventualmente, as lacunas existentes neste microssistema poderão ser supridas, de
forma subsidiária, pelas normas constantes no Código de Processo Civil: ainda que este
diploma seja responsável pela tutela dos direitos individuais, estabelece também regras gerais
de procedimento. Desta forma, as disposições do Código de Processo Civil, com fortes
características do Estado Liberal, apenas serão aplicadas supletivamente, no que couber, pois
contêm regras e princípios geralmente relacionados aos direitos individuais disponíveis, o que
faz com que alguns dispositivos mostrem-se incompatíveis com o processo civil coletivo.
No que tange à legitimidade ativa para propositura de ação civil pública, esta é
concorrente [qualquer dos legitimados pode intentar a ação]; disjuntiva [um legitimado não
elimina o outro]; e ope legis [por força de lei, na qual consta rol exaustivo]. Por vezes, como
no caso das associações e entidades da administração pública indireta, a legitimidade poderá
ser ope judicis, ou seja, aferida judicialmente, mediante controle da representatividade
adequada da entidade, consoante alíneas “a” e “b”, do inc. V, do art. 5º, da Lei 7.347/85, que inclui
94
185
Recentemente, a alínea “b”, do inc. V, do art. 5º, da Lei n. 7.347/85, sofreu alteração em sua redação para
inclusão de instituições que tratem da proteção aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos [Lei n.
12.966/2014].
186
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. GARIMPO ILEGAL DE OURO EM ÁREA
DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. ARTS. 4º, VII, E 14, §
1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO
POLUIDOR-PAGADOR. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA
DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE.
INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DAS NORMAS AMBIENTAIS. 1. A legislação de amparo dos
sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais
favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi de sua
garantia. 2. Na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não
introduz alternativa excludente. 3. No Direito brasileiro, vigora o princípio da reparação in integrum ao dano
ambiental, que é multifacetário (ética, temporal e ecologicamente falando, mas também quanto ao vasto
universo das vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos
ecológicos em si mesmos considerados). 4. Se a restauração ao status quo ante do bem lesado pelo degradador
for imediata e completa, não há falar, como regra, em indenização. 5. A reparação ambiental deve ser feita da
forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de
indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio
ambiente afetado (= dano interino ou intermediário ), bem como pelo dano moral coletivo e pelo dano residual
(= degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de restauração). 6. A obrigação de
recuperar in natura o meio ambiente degradado é compatível e cumulável com indenização pecuniária por
eventuais prejuízos sofridos. Precedentes do STJ. 7. Além disso, devem reverter à coletividade os benefícios
econômicos que o degradador auferiu com a exploração ilegal de recursos ambientais, “bem de uso comum do
povo”, nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal, quando realizada em local ou circunstâncias
impróprias, sem licença regularmente expedida ou em desacordo com os seus termos e condicionantes. 8. Ao
STJ descabe, como regra, perquirir a existência de dano no caso concreto. Análise que esbarra, ressalvadas
situações excepcionais, na Súmula 7/STJ. Tal juízo fático é de competência das instâncias a quo, diante da prova
carreada aos autos. 9. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de
cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem
95
lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e
para fixar o eventual quantum debeatur. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp n.
1.114.893/MG. Ministério Público de Minas Gerais versus Vale do Rio Sul Mineradora Ltda. Rel. Min. Herman
Benjamin. Julgado em 02 dez. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10
mai. 2014. [grifos nossos]
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO
CARACTERIZADA – DANO AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA –
RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA – REPOSIÇÃO NATURAL: OBRIGAÇÃO DE FAZER E
INDENIZAÇÃO – CABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide,
fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Tratando-se de direito difuso, a reparação
civil ambiental assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do
degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente
da culpa do agente causador do dano. 3. A condenação do poluidor em obrigação de fazer, com o intuito de
recuperar a área degradada pode não ser suficiente para eximi-lo de também pagar uma indenização, se não for
suficiente a reposição natural para compor o dano ambiental. 4. Sem descartar a possibilidade de haver
concomitantemente na recomposição do dano ambiental a imposição de uma obrigação de fazer e também a
complementação com uma obrigação de pagar uma indenização, descarta-se a tese de que a reposição natural
exige sempre e sempre uma complementação. 5. As instâncias ordinárias pautaram-se no laudo pericial que
considerou suficiente a reposição mediante o reflorestamento, obrigação de fazer. 6. Recurso especial
improvido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp 1.165.281/MG. Ministério Público do
Estado de Minas Gerais versus Geraldo Magela da Silva. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgado em 06 mai. 2010.
Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
187
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 993.
188
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA:
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. In:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. RE n. 645.508 AgR/SP. Ministério Público Federal versus
Associação de Denvolvimento do Leste do Guarujá – Adelg. Interessados: Estado de São Paulo e Minicípio
de Guarujá. Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgado em 22 nov. 2011. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/>. Acesso em: 10 mai. 2014.
96
dispositivo é complementado pelo art. 103 e incisos da Lei n. 8.078/90, que também
contemplam a coisa julgada nas ações coletivas.
Por fim, ressalte-se apenas que, caso o Ministério Público não intervenha como parte
integrante do processo, deverá obrigatoriamente atuar como fiscal da lei, conforme expressa
previsão do §1º, do artigo 5º, da Lei 7.347/85.
189
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 14 de junho de 1992. Disponível
em: <http://www.onu.org.br/ rio20/img/2012/ 01/rio92.pdf>. Acesso em: 10 Jul. 2012.
190
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 984, em referência às lições de Cunha Barreto.
98
A conduta do poluidor poderá ainda ser comissiva ou omissiva. Neste último caso,
que também dispensa a análise da culpa [negligência], é preciso que o agente tenha o dever de
atuar para evitar a ocorrência do dano ambiental, em decorrência de previsão legal, contratual
ou por um comportamento anterior que tenha criado ou majorado um risco ambiental. 192
Quanto ao nexo causal, Leite leciona o seguinte:
No que tange ao nexo causal – vínculo que une conduta e resultado lesivo –
sua determinação poderá variar de acordo com a teoria que se adote.
Configura-se este, indispensável para toda a responsabilização civil, mesmo
a objetiva, fundada na Teoria do Risco Integral. A despeito das inúmeras
teorias que visam elucidar o tema, à luz da legislação ambiental brasileira,
que responsabiliza civilmente tanto o poluidor direto quanto o indireto, crê-
se que é possível adotar-se teorias diversas [dos danos diretos e da
equivalência das condições causais] para a delimitação do nexo causal de
ambos. 193
191
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 986.
192
Cf. PAULA, Jônatas Moreira de. Direito processual ambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009, p.
70-1.
193
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 120.
194
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL –
CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA – ARTS. 3º,
INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 – IRRETROATIVIDADE DA LEI – PREQUESTIONAMENTO
AUSENTE: SÚMULA 282/STF – PRESCRIÇÃO – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA
284/STF – INADMISSIBILIDADE. 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não
exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. 2. Excetuam-se à
regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado
porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo
proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. 3. A solidariedade nessa hipótese decorre da
dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano,
ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado. 5. Comprovado que a empresa Furnas
foi responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente a ela cabe a reparação, apesar de o imóvel já ser de propriedade
de outra pessoa jurídica. 6. É inadmissível discutir em recurso especial questão não decidida pelo Tribunal de
origem, pela ausência de prequestionamento. 7. É deficiente a fundamentação do especial que não demonstra
contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não
provido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp 1.056.540/GO. Furnas Centrais Elétricas
S/A versus Ministério Público do Estado de Goiás. Interessado: Alvorada Administração e Participações S/A.
Rel. Min. Eliana Calmon. Julgado em 25/08/2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>.
Acesso em: 10 mai. 2014.
99
Art. 14 [...]:
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar
ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá
legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por
danos causados ao meio ambiente.
195
Cf. FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 126.
196
LEITE, J. R. M; AYALA, P. de A. Dano ambiental, p. 133, em referência aos posicionamentos de Helita
Barreira Custódio e Eulalia Moreno Trujillo. Neste sentido também, BENJAMIN, Antonio Herman. A
responsabilidade civil pelo dano ambiental no direito brasileiro e as lições do direito comparado. Biblioteca
Digital Jurídica do STJ – BDJur. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/handle/2011/8632>. Acesso em:
20 mai. 2014.
100
Note-se que, caso a sentença penal absolutória seja fundada na inexistência de fato
ou de autoria, esta também vinculará o juízo cível, tal como dispõe o art. 935 do CC.
Ao longo dos tempos, a crescente necessidade de proteção ambiental fez com que,
além de serem mantidas as funções básicas do instituto da responsabilidade civil, as demais
fossem ampliadas. Assim, versando a demanda sobre a imposição de sanção jurídica
decorrente de responsabilidade ambiental, há que se atentar pela incessante busca da tutela
específica.
Em sua obra, Luiz Guilherme Marinoni 198 adverte que as tutelas de direitos voltadas
a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, bem como a tutela voltada para a
remoção um ato ilícito de eficácia continuada, não são tutelas dirigidas contra o dano, ou
mesmo contra a sua probabilidade; são, na verdade, tutelas preocupadas em prevenir ou
remover o ilícito, independentemente do fato de ele poder ocasionar o dano, ou mesmo de este
já ter sido produzido.
Em decorrência disso, Marinoni denuncia a insuficiência da classificação trinária das
tutelas jurisdicionais clássicas – declaratória, condenatória, constitutiva [positiva ou negativa].
197
STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil, p. 989. Cf. ainda: MUKAI, Toshio. Responsabilidade civil
objetiva por dano ambiental com base no risco criado. Fórum de direito urbano e ambiental, n. 4, p. 334-6,
jul/ago 2002.
198
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. Individual e coletiva. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, passim.
101
Tal concepção da tutela jurisdicional não se revela adequada para os novos valores sociais e o
modelo que se impõe ao Estado, em especial para a tutela dos direitos coletivos lato sensu.
Assim, torna-se necessário aplicar e reconceituar uma quarta espécie de tutela, a
mandamental, eis que a ordem dela proveniente e a aplicação da multa para fins de
adimplemento revelam o efetivo uso da força estatal contida no mandamento.
Para tanto, os artigos 461, do CPC: Na ação que tenha por objeto o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento; e 84 do CDC: Na ação que tenha por objeto o cumprimento
da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento
- aplicáveis às ações civis públicas por força do artigo 21, da Lei n. 7.347/85, se apresentam
como modelo jurídico para a tutela específica adequada, especialmente ao direito material
ambiental, afastando-se da tutela cautelar, inadequada para inibir o ilícito ou o dano, ou para
removê-los.
Por esse motivo, Marinoni propõe a compreensão de que o processo deve dar aos
direitos subjetivos a máxima efetividade das técnicas processuais, pois essas técnicas,
incluindo a mandamental, visam permitir a efetividade das tutelas necessárias para a proteção
das várias situações de direito substancial.
Paula também leciona acerca do tema, in verbis:
199
PAULA, J. L. M. de. Direito processual ambiental, p. 171.
102
Sobre a obrigação de dar quantia determinada, Marinoni leciona que, o certo é que
não se pode admitir, no campo do direito ambiental, a troca da tutela específica e preventiva
do bem tutelado pela tutela ressarcitória sob pena de admitir-se, implicitamente, uma lógica
perversa, que justificaria o poluo mas pago. 200 Desta forma, a ação civil pública mostra-se
como instrumento de tutela adequada, quando nela postular-se a condenação do réu à multa
ambiental, segundo o artigo 13, da Lei n. 7.347/85, cuja redação não deixa qualquer dúvida: a
multa irá compor um fundo [Fundos dos Direitos Difusos] cujo recurso será destinado à
reconstituição dos bens lesados.
Integra também a concepção da tutela específica, a técnica reintegratória, que
permite o restabelecimento da situação que era anterior ao ato contrário ao direito, ou ainda,
que se estabeleça a situação que deveria estar vigorando caso a norma tivesse sido observada.
Na forma específica, a tutela reintegratória é voltada contra o ilícito, ao passo que a
tutela ressarcitória incide sobre o dano. A instalação de determinada tecnologia pela empresa
ré, a fim de evitar a produção de poluição, se apresenta como exemplo de tutela jurisdicional
reintegratória pela forma específica.
Em vistas das técnicas processuais que possibilitam a efetivação do direito material
pelo modo específico, há que se despertar pela preocupação pela reparação não monetizada
do dano ambiental. 201 Considerando-se o meio ambiente como bem jurídico de titularidade
difusa e procurando resguardar as prestações normativas e fáticas necessárias e suficientes
como o mínimo ecológico de existência 202 para a vida humana, verifica-se a impossibilidade
de se transformar em pecúnia a reparação pela ofensa ao meio ambiente como forma de
satisfação pelo ilícito cometido.
Desta forma, como dever fundamental constante da Constituição, cabe ao Poder
Público primariamente e, ainda, aos cidadãos, à sociedade civil organizada e aos órgãos
públicos, a busca pela reparação na forma específica do meio ambiente degradado, evitando-
se a simples conversão em perdas e danos, sob pena de haver prosseguimento da ilicitude ou
do dano ambiental.
Os artigos 461, do CPC, e 84, do CDC, passam a ter importância primordial para
evitar a monetização da tutela jurisdicional ambiental. Sendo assim, para as demandas
ambientais, e até mesmo para bem caracterizá-las, torna-se necessário o largo uso e difusão
200
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 81.
201
PAULA, J. L. M. de. Direito processual ambiental, p. 172.
202
AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e direito fundamental ao meio ambiente. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 179.
103
das tutelas reintegratórias de direito, sejam elas destinadas a inibir a prática do ilícito ou a
remover o agente causador do dano.
Não obstante as dificuldades existentes, a melhor doutrina aponta para a necessidade
de um trato peculiar autônomo do dano ao meio ambiente, suscitando a renovação dos
instrumentos jurisdicionais de reparação e recuperação do meio ambiente degradado, que
venham fazer face às exigências sociais da coletividade.
Passa-se então à análise da tutela inibitória, típico exemplo de tutela preventiva e
reintegratória, cuja aplicação fundamenta-se precipuamente no risco ambiental.
ou negativa) que se apoie na dignidade humana (CF, art. 1º, III) e propicie
o acesso à justiça diante da ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV). 203
Não é correto falar de preferência de uma espécie de tutela, mas é indiscutível, que
mesmo naquelas situações em que cabível a tutela reparatória, pode a parte, sempre que
possível, optar pela tutela inibitória – ou ainda, pela cumulação de ambas, conforme será
exposto adiante. A tese da tutela inibitória funda-se na exata definição de ato ilícito, cuja
prática se pretende evitar.
Durante muito tempo condicionou-se a prestação da tutela jurisdicional a existência
de um dano, o que até se justificava a época em que se imaginava ser a tutela reparatória a
única existente. A dificuldade pode ser facilmente percebida pelo artigo 186 do Código Civil:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, que ao conceituar
o ato ilícito indica a necessidade da presença de três elementos: contrariedade ao direito, culpa
ou dolo, e dano.
Para Marinoni,
Dessa forma, a tutela reparatória, sempre voltada para o passado, buscará a reparação
do prejudicado, demandando ao menos dois elementos: ato contrário ao direito e dano -
considerando-se que, mesmo na tutela reparatória, a culpa ou o dolo podem ser dispensados
na hipótese de responsabilidade objetiva.
Já a tutela inibitória, sempre voltada para o futuro, buscará evitar a prática do ato
ilícito, preocupando-se exclusivamente com o ato contrário ao direito, sendo-lhe irrelevante a
culpa ou o dolo, e o dano. Característica esta, que se apresenta de extrema relevância para o
Direito Ambiental, mormente quando tratarem-se de riscos ambientais desconhecidos e
condições de incerteza científica.
203
PAULA, J. L. M. de. Direito processual ambiental, p. 189.
204
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 41.
105
205
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 32.
206
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 107.
106
E prossegue:
Daí Marinoni constatar que a tutela inibitória se configura como tutela preventiva,
com vistas a prevenir a ocorrência do ilícito, assim, apresentando-se como uma tutela anterior
à sua prática, e não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela
reparatória. Isso significa que, a tutela inibitória é manejada para impedir a prática, a
continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida para a reparação do dano – o
que a torna uma espécie de tutela jurisdicional voltada para o futuro.
Interessante destacar, inclusive, que a tutela inibitória e a tutela reparatória podem
ser objeto de pretensão de um mesmo demandante num mesmo processo. O Ministério
Público poderá requerer, por exemplo, a condenação do réu a parar com a poluição e também,
a reparar o meio ambiente já lesado pela prática do ato ilícito.
Esta possibilidade - de cumulação das tutelas inibitória e ressarcitória - tem sido
aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, numa franca tentativa de conferir maior efetividade à
ação civil pública. 208
207
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 107.
208
PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO
AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, E NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, §
3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC.
PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. 1. O
sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e
infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do
poluidor-pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres
e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer),
bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas
que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. 2. A ação civil pública é o instrumento
processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III). Como todo instrumento, submete-
se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano
jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material. Somente assim será instrumento adequado e útil. 3.
É por isso que, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou” deve ser considerada com o
sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de
alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins). É conclusão
107
Nesta decisão acerca do tema, o Min. Teori Albino Zavascki, relator para o acórdão,
deixa claro que a intenção do legislador ao estabelecer no art. 3º, da Lei 7.347/85, que a ação
civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, não foi a de indicar alternatividade, mas sim de dar ênfase às formas de tutela
possíveis, podendo-se inclusive, interpretar gramaticalmente a expressão ou como e também.
Muito embora, reafirme em seu voto, que a interpretação sistemática e teleológica da LACP
combinada ao CDC, é a mais adequada ao caso.
No segundo caso exposto, não obstante a Empresa Recorrida tenha tido êxito em seu
recurso [colacionou-se apenas parte da decisão], fica evidenciado também a possibilidade de
imposta, outrossim, por interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de
Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.") e, ainda, pelo art.
25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a ação
civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente
(...)”. 4. Exigir, para cada espécie de prestação, uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os
princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias
para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum
(medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de
natureza diversa. A proibição de cumular pedidos dessa natureza não existe no procedimento comum, e não teria
sentido negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos
direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito. 5. Recurso
especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n.
605.323/MG. MetalsiderLtda versus Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Rel. Min. José Delgado
(vencido). Rel. para acórdão: Min. Teori Albino Zavascki. Julgado em 18/08/2005. Disponível em: <
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 14 jun. 2012.
E ainda: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. ACÓRDÃO QUE CONFIRMOU A REDUÇÃO DE
MULTA APLICADA. PRETENSÃO DE ENQUADRAMENTO NA CONDUTA DESCRITA NO ART. 37 DO
DECRETO 3.179/99. REVOLVIMENTO FÁTICO. SÚMULA 7/STJ. RECURSO A QUE SE NEGA
SEGUIMENTO. DECISÃO Vistos. Cuida-de de recurso especial interposto pelo INSTITUTO BRASILEIRO
DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, com fundamento no art.
105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
que negou provimento à apelação interposta, mantendo sentença que reduziu o valor de multa interposta, após
novo enquadramento da infração ambiental praticada pela parte recorrida. Eis a ementa do julgado:
"ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. DANO AMBIENTAL CAUSADO POR DESTRUIÇÃO DE
ÁREA DE RESTINGA, FIXADORA DE DUNAS - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.
ANULAÇÃO DE TERMO DE EMBARGO E DE AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADOS PELO IBAMA.
CONDENAÇÃO À RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA E À OBRIGAÇÃO DE NÃO CONSTRUIR.
COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. CABIMENTO.
PREQUESTIONAMENTO. 1. Comprovado se tratar de área de preservação permanente, sem a devida
autorização legal, e que a obra representa dano ambiental e social irreparável à vegetação de restinga, às
condições de vida social e paisagística (possibilidade de atingir interesses coletivos ou individuais
homogêneos), assim como diante da irreversibilidade dos efeitos do evento danoso, impõe-se a sua proteção não
só por meio de uma tutela reparatória, mas pela tutela jurisdicional inibitória, com a previsão de determinação
de uma obrigação de fazer ou de não fazer, sob pena de multa, em sede de antecipação de tutela ou na própria
sentença (arts.11 e 12 da Lei n.º 7.347/1985).
2. A fixação de multa cominatória é instrumento processual de caráter punitivo necessário à garantia do efetivo
cumprimento das obrigações impostas, sendo que, considerando o escopo de estimular o cumprimento da
decisão judicial e dissuadir a parte ré à degradação ambiental, a multa deve ser fixada em patamar suficiente
para tanto. [...] In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.379.969/SC. Ibama versus Corbetta
Construções e Empreendimentos Imobiliários Ltda. Interessados: MPF, Município de Içara e a União. Rel. Min.
Humberto Martins. Julgado em 31 mar 2014. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/>. Acesso
em: 10 mai. 2014. [grifos nossos]
108
209
MARINONI, L. G. Tutela inibitória, p. 50 et seq.
109
reparação futura, de forma a permitir às gerações vindouras o desfrute das mesmas condições
ambientais hoje experimentadas.
Conforme já demonstrado, a admissibilidade da tutela inibitória decorre da
possibilidade de distinguir os conceitos de ilícito e dano. Nesse compasso, a tutela inibitória
assume, inegavelmente, um caráter preventivo. Seja pelo fato de incidir o princípio da
obrigatoriedade da intervenção pública na conservação do meio ambiente, seja porque, a
compreensão da natureza preventiva da prestação é fundamental para a formação de um juízo
adequado.
Por isso, a tutela inibitória consiste na inibição da prática de um ato [negativa] ou no
prosseguimento deste [positiva], visto que sua maior característica é a intolerabilidade.
A expressão tutela inibitória sugere a atuação no sentido de que se impeça a
ocorrência de algo, ou seja, inibir implica em determinar um não fazer. Contudo, Eduardo
Talamini 210 a considera inapta a obrigar alguém a fazer algo, ainda que tal conduta tenha por
finalidade impedir a concretização do ilícito. Para o autor, tanto na Itália, quanto no Brasil, a
inibitória tem o condão de obstar a prática do ato que configura o ilícito, mas não de
determinar a adoção de conduta destinada a impedir a sua concretização.
Contrariando o posicionamento de Eduardo Talamini, Marinoni revela em seus
estudos a dualidade da inibitória, ao defender a sua aplicabilidade na fixação de uma conduta
positiva, ou seja, a imposição de um fazer. Para este autor,
210
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 232.
211
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória, p. 119.
110
A tese defendida por Luiz Guilherme Marinoni diferencia tutela inibitória da tutela
de remoção do ilícito, embora reconheça que ambas são tutelas preventivas, voltadas para o
futuro. 212 Para o processualista paranaense existe uma diferença entre efeitos continuados do
ato ilícito e a prática continuada do ilícito.
Na hipótese de o ato ser continuado, é possível imaginar uma tutela que impeça sua
continuação, sendo o caso de tutela inibitória. Por outro lado, é possível que o ato ilícito faça
parte do passado, não mais existindo, o que não se pode afirmar quanto aos seus efeitos, que
continuam a ser gerados.
Nesta última hipótese, não se pode falar em evitar a continuação do ato porque o ato
ilícito já foi praticado na sua totalidade, por exemplo, no caso da contaminação de um rio por
produtos químicos que já foi realizada e continua a gerar seus efeitos. Será então, o caso de
tutela de remoção do ilícito.
Assim, o autor reforça sua tese:
212
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. As ações inibitória e de remoção do ilícito (na dimensão do direito
ambiental). Instituto O Direito Por Um Planeta Verde, São Paulo. Disponível em:
<http://www.planetaverde.org/biblioteca-virtual/artigos-juridicos/p:3>. Acesso em: 10 mai. 2014.
213
MARINONI, L. G. As ações inibitória e de remoção do ilícito (na dimensão do direito ambiental). Instituto O
Direito Por Um Planeta Verde, São Paulo. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/biblioteca-
virtual/artigos-juridicos/p:3>. Acesso em: 10 mai. 2014, p. 15.
111
preceito; 461-A: Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a
tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação; e 796: O procedimento
cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre
dependente, representaram significativo avanço.
Contudo, embora tenham características de prevenção, não são tidas como
tipicamente preventivas, visto que não tem por função prevenir o ato contrário ao direito.
Ademais, não possuem natureza autônoma, visto que deverão ser confirmadas por sentença de
mérito proferida no processo principal.
A efetividade da inibitória reside, sobretudo, no fato de se tratar de processo único
que, embora de conhecimento, pode, em sede de antecipação de tutela, impedir a prática do
ilícito. Difere da ação cautelar neste ponto, na medida em que aquela não é apenas
instrumental, ou seja, dispensa a propositura de ação principal.
Vale ressaltar que o Princípio Ambiental da Prevenção está a informar a concessão da
tutela inbitiória, inclusive em sede de liminares, ação civil pública e ação popular, ou em
qualquer ação de conhecimento, por meio de tutela antecipatória, sempre que presente a
urgência de uma contra-prestação jurisdicional.
Esse Princípio decorre da constatação de que as agressões ao meio ambiente são, em
regra, de difícil ou impossível reparação, isto é, uma vez consumada a degradação ao meio
ambiente, a sua reparação é sempre incerta, e quando possível, excessivamente custosa. Daí a
necessidade de ação preventiva para que se consiga evitar os danos ambientais.
Na seara do direito material, o estudo de impacto ambiental, previsto no art. 225, §1º,
IV, da CRFB/88, bem como a redação de seu inc. V, segundo o qual incumbe ao Poder
Público controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, qualidade de vida e o meio ambiente, são
exemplos desta orientação preventiva.
Considerada a difícil reparação dos prejuízos ecológicos, justifica-se toda uma atuação
estatal com o fito de antecipar a ocorrência de danos ambientais, o que se faz plenamente
possível através do conceito da tutela inibitória.
Dar-se-á continuidade ao presente estudo, no capítulo subsequente, a partir do exame
da aplicabilidade do instituto processual do amicus curiae como ferramenta de efetivação do
Estado Democrático Participativo e de democratização da jurisdição na tutela coletiva do
meio ambiente.
113
214
In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 22.164/SP. Antonio de Andrade Ribeiro Junqueira versus
Presidente da República. Tribunal Pleno. Relator Min. Celso de Mello. Publicado em 17 de novembro de 1995.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 15 jun. 2013.
215
PEREIRA, Milton Luiz. Amicus curiae – intervenção de terceiros. Revista Jurídica do Centro de Estudos
Judiciários – CEJ, v. 6, n. 18, jul/set 2002, p. 85. Disponível em:
<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/32>. Acesso em: 28 mai 2014.
114
Destarte, esta espécie de intervenção fundada no interesse público, vem, nos últimos
tempos, ganhando importância no ordenamento brasileiro, principalmente nos casos em que
as decisões projetam-se para além do interesse das partes, alcançando, de forma direta ou
indireta, coletividades estranhas à relação processual.
Todavia, não obstante o reconhecido valor de tal instituto, este ainda carece de
regulamentação [o que se espera esteja em vias de solução a partir da aprovação e entrada em
vigor do Novo Código de Processo Civil Brasileiro - PL da Câmara n. 8.046/2010],216 bem
como apresenta diversas limitações, mormente no que se refere à amplitude de sua
aplicabilidade, o que se propõe a desenvolver e debater no presente estudo, de modo a sugerir
sua utilização no âmbito da tutela coletiva do meio ambiente.
Após uma década, a Declaração do Rio, não obstante sua ênfase na questão do
desenvolvimento sustentável, mencionado por diversas vezes em seus Princípios [ex vi dos
Princípios 1, 4, 5, 7, 8, 9, 12, 20, 21, 22 e 27], 218 trouxe, importantes conceitos relacionados à
216
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>.
Acesso em: 15 mai. 2014.
217
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas, de 28 de outubro de
1982. Resolução 37/7 - Carta Mundial da Natureza. Disponível em:
<http://www.un.org/documents/ga/res/37/a37r007.htm>. Acesso em: 15 mai. 2012.
218
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 14 de junho de 1992. In:
115
Vale ressaltar ainda, considerando sua importância no cenário mundial, que tal
Declaração foi adotada por consenso e é um texto de conteúdo político-jurídico que
contribuiu com a consagração de certos princípios do direito ambiental internacional como
regras costumeiras e fomentou a adoção de outros princípios em tratados ambientais
multilaterais e na legislação interna dos países. 221
No ano de 1998, realizou-se importante Convenção na Dinamarca: a Convenção
sobre o acesso à informação, a participação do público nos processos decisórios e o acesso à
justiça em matéria ambiental, também conhecida como Convenção de Aarhus. 222 Esta
Convenção - que não teve tamanha repercussão quanto a ECO-92, pois foi um tratado de
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183 et seq.
219
Cf. ANTUNES, P. de B.. Direito ambiental, p. 27-30; MACHADO, P. A. L. Direito ambiental brasileiro, p.
129-37; MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. In: MILARÉ, Édis;
MACHADO, Paulo Affonso Leme [orgs.]. Doutrinas Essenciais. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, V. 1, p. 348-9; MILARÉ, Edis. Princípios fundamentais do direito do ambiente. In: ______;
MACHADO, Paulo Affonso Leme [orgs.]. Doutrinas Essenciais. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, V. 1, p. 390-1.
220
Legislação de direito internacional. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz
Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 184.
221
SILVA, Solange Teles da. O direito ambiental internacional. Leonardo Nemer Caldeira [coord.]. Belo
Horizonte: Del Rey, 2009. [Coleção para Entender]
222
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público
no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente. Aarhus, Dinamarca. 25 de
junho de 1998. Disponível em: <http://www.unece.org/fileadmin/DAM/env/pp/acig.pdf>. Acesso em: 02 jun
2014.
116
Desde então, a importância da participação pública tem sido reiterada nos principais
fóruns internacionais de discussão, com grande aceitação por parte dos países membros,
dentre os quais o Brasil país faz parte, a exemplo da Declaração de Joanesburgo, realizada no
ano de 2002, cujo Plano de Implementação previu a participação de grupos principais, e do
Relatório Final da Rio+20, que em seu parágrafo 76, alínea h, dispôs acerca da ampla
participação do público e de parcerias para implementar o desenvolvimento sustentável. 224
No âmbito nacional, a Lei n. 4.717/65, Lei da Ação Popular, foi a primeira lei a
possibilitar ao cidadão comum [eleitor], a possibilidade de proteção do meio ambiente. 225
Com redação dada pela Lei n. 6.513/77, a norma passou a considerar como patrimônio
público, também, os bens e direitos de valor turístico [§1º, do art. 1º], incluindo-se aí,
portanto, o bem ambiental.
223
MAZZUOLI, Valério de Oliveira; AYALA, Patryck de Araújo. Cooperação internacional para a preservação
do meio ambiente: o direito brasileiro e a Convenção de Aarhus. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 16,
n. 62, p. 223-263, abr/jun, 2011.
224
I. Participation of major groups. 168. Enhance partnerships between governmental and non-governmental
actors, including all major groups, as well as volunteer groups, on programmes and activities for the achievement
of sustainable development at all levels. 169. Acknowledge the consideration being given to the possible
relationship between environment and human rights, including the right to development, with full and
transparent participation of Member States of the United Nations and observer States. 170. Promote and support
youth participation in programmes and activities relating to sustainable development through, for example,
supporting local youth councils or their equivalent, and by encouraging their establishment where they do not
exist. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável –
Conferência de Joanesburgo. Joanesburgo. África do Sul. 04 de setembro de 2002. Disponível em:
<www.un.org/esa/sustdev/.../WSSD_PlanImpl.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014. E ainda: 76. [...] (h) Enhance the
participation and effective engagement of civil society and other relevant stakeholders in the relevant
international forums and in this regard promote transparency and broad public participation and partnerships to
implement sustainable development; In: ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Conferências das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20. Relatório O Futuro Que Queremos. Rio de Janeiro. Brasil.
20 a 22 de junho de 2012. Disponível em: <http://sustainabledevelopment.un.org/futurewewant.html>. Acesso
em: 10 jun. 2014.
225
Alguns doutrinadores reconhecem a prescindibilidade da condição de cidadão eleitor para a propositura da
Ação Popular, visto ser um direito de todos, conforme exposto no Capítulo 2, p. 77-8, supra.
117
226
Recentemente, a alínea b, do inc. V, do art. 5º, da Lei n. 7.347/85, sofreu alteração em sua redação para
inclusão de instituições que tratem da proteção aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos [Lei n.
12.966/2014].
118
A realização deste princípio se faz presente também por meio da intervenção das
associações ambientais nos processos de controle concentrado de constitucionalidade,
inconstitucionalidade e arguição de violação de preceito fundamental, na condição de amicus
curiae, conforme permissivo do art. 7º, §2º, da Lei n. 9.868/99, e §1º, do art. 6º, da Lei n.
9.882/99, respectivamente, assim como na consulta pública no âmbito do processo
administrativo federal, nos termos do art. 31, da Lei n. 9.784/99.
Desta forma, fica claramente configurada a indissociabilidade dos temas participação
popular e defesa do meio ambiente, 227 que devem ser analisados de forma integrada, vez que
todos os processos decisórios relativos ao meio ambiente, irão irremediavelmente interferir na
qualidade de vida de um número indeterminado de indivíduos, considerando-se o caráter intra
e intergeracional do direito ambiental.
Por esta razão é que a participação popular ganha maior importância na temática
ambiental em detrimento de outras áreas que também digam respeito a interesses
metaindividuais, como v.g., o direito do consumidor: em virtude de sua preeminência e
fundamentalidade, em respeito à salvaguarda dos recursos naturais e da sadia qualidade de
vida para as presentes e futuras gerações. 228
Reconhecida que está a importância da participação pública e da informação nos
processos decisórios relativos as questões ambientais, passa-se a análise da democracia
participativa no Estado brasileiro no âmbito nos poderes constituídos: executivo, legislativo e
judiciário.
Nesta quadra da história, tem-se visto uma sociedade que vindica pela participação
cada vez mais significativa nos centros de poder e nos processos de tomada de decisão em
suas mais diversas áreas: política, econômica, social, cultural, da saúde, ambiental, entre
outras. E o ordenamento jurídico brasileiro, caracterizado que é por um Estado Democrático
Participativo, conforme previsão no inc. V, do art. 1º, e parágrafo único da CRFB/88, verbis:
227
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 72.
228
Cf. BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição
brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato [orgs.]. Direito constitucional
ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 103-4.
120
[...]
V – o pluralismo político
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição;
E ainda, no art. 14: A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I -
plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular; proclama a soberania popular e garante a
possibilidade de participação direta e concreta dos cidadãos nas decisões estatais, em todas as
esferas de poder.
Para melhor compreensão do conceito de democracia participativa, colaciona-se o
entendimento de Calmon de Passos:
229
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo [coords.].
Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. p. 95.
230
MIRRA, A. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente no direito brasileiro, p. 88.
121
231
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. Por um direito constitucional de
luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 22, com primeira edição publicada no ano de 2001.
232
Em relação a [...] crítica, de que poderes do Congresso Nacional foram subtraídos, é importante pontuar que o
Decreto restringe sua disciplina aos órgãos da Administração Federal, cuja disciplina da organização e
funcionamento é competência privativa do Presidente da República que pode dispor sobre a matéria mediante
Decreto. Nossa Constituição disciplina a matéria em seu art. 84, inc. VI, alínea a, vejamos:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
122
VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação
ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).
Assim a Constituição Federal confere ao Presidente da República a possibilidade de disciplinar a organização e
funcionamento da Administração Pública Federal segundo critérios de conveniência e oportunidade. In:
DEMIDOFF, Alexandre de Oliveira. Considerações sobre o Decreto n. 8.243/14 que cria a Política Nacional de
Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social. Blog da Escola Brasileira de Ensino Jurídico
da Internet – Ebeji. Disponível em: <www.blog.ebeji.com.br>. Acesso em: 24 jun 2014.
233
MANCUSO, R. de C. Interesses difusos, p. 49.
123
diversos de seus aspectos, desde sua evolução legislativa até sua caracterização como
instrumento de legitimação da sociedade aberta de intérpretes da Constituição, teoria do
constitucionalista alemão Peter Häberle.
A relevância das modalidades participativas legislativa e administrativa, na esfera
ambiental, encontra-se já, de certa forma, bastante sedimentada. Contudo, a participação
popular na esfera judicial, pelo processo e no processo [endoprocessual], ainda é bastante
incipiente. Tal parcimônia, encontrada principalmente na jurisprudência, deve ser dissipada
ante os benefícios da participação do amicus curiae no processo coletivo ambiental, dentre os
quais está a criação de um canal direto de comunicação do juízo com a sociedade e a
pluralização do debate jurisdicional.
Em breves considerações procurou-se fundamentar a importância do Estado
Democrático Participativo e da participação popular judicial em questões coletivas ambientais
como forma de ampliar o acesso à ordem jurídica justa, de modo a permitir a pacificação com
justiça e a realização dos direitos fundamentais políticos e sociais.
Passar-se-á, a partir deste momento, ao exame da importância e eficácia da
instrumentalização e flexibilização das formas procedimentais, em especial na tutela coletiva
do meio ambiente, que demanda um procedimento adequado à suas particularidades.
237
A utilização de técnicas procedimentais especializadas são reflexos da terceira onda renovatória, a qual
Cappelletti e Garth nominaram de novo enfoque de acesso à justiça. Cf. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,
Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Norhtfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 65 et seq.
125
238
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
Primeira edição publicada no ano de 1987. E ainda: CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada
Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 27. Ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
Primeira edição publicada no ano de 1974.
239
MARINONI, L. G. Curso de processo civil, V. 1, p. 111-3. Primeira edição publicada no ano de 2006.
240
Ibid., p. 113.
241
Ibid., p. 155.
126
242
MARINONI, L. G. Curso de processo civil, V. 1, p. 413.
243
Cf. BONAVIDES, P. Teoria constitucional da democracia participativa. Por um direito constitucional de
luta e resistência. Por uma nova hermenêutica. Por uma repolitização da legitimidade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008; SARLET, I. W. [Org.]. Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010; SILVA, Vasco Pereira da. Verde cor de direito: lições de direito do ambiente. Coimbra:
Almedina, 2002.
244
Cf. BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. Rio de
Janeiro, Editora 34, 2010.
245
DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo, p. 39.
246
Ibid., p. 41.
127
247
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental, p. 57 et seq.
248
MARINONI, L. G. Curso de processo civil, V. 1, p. 410.
249
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro [Decreto-Lei n. 4.657/42], em seu art. 5o , dá ensejo a tal
possibilidade, in verbis: Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
128
250
Concessão de tutela antecipada em ação cautelar inibitória: Ementa da decisão recorrida: AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CAUTELAR INIBITÓRIA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS.
PROLONGAMENTO DA AVENIDA LITORÂNEA. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. RELATÓRIO
DE IMPACTO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS QUE COMPROVEM A LEGALIDADE.
INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE. Havendo indício de irregularidade no procedimento de licenciamento
ambiental, sobretudo no Estudo de Impacto Ambiental - EIA e no Relatório de Impacto Ambiental, do
prolongamento da Avenida Litorânea, torna-se necessária a suspensão dos atos posteriores. Os atos praticados no
sentido de comprovar irregularidades da Administração Pública, visam resguardar a legalidade do procedimento
de licenciamento ambiental, assim como a supremacia do interesse público. Agravo conhecido e improvido" In:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Suspensão de liminar e de sentença nº 1524/MA(2012/0029011-3).
Município de São Luís do Maranhão versus Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Interessado: Ministério
Público Estadual. Decisão monocrática Min. Ari Pargendler. Julgado em 28 fev. 2012. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/> Acesso em: 12 mar. 2013.
Ônus dinâmico da prova: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS.
6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN
DUBIO PRO NATURA. 10. Recurso Especial não provido. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª
Turma. REsp n. 883656/RS (2006/0145139-9. Alberto Pasqualini REFAP S/A versus Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul. Interessada: Petróleo Brasileiro S/A Petrobrás. Relator Min. Herman Benjamin.
Julgado em 28 fev. 2012.Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/> Acesso em: 12 mar. 2013.
Amicus curiae em ação civil pública: Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo,
interposto contra decisão que, em sede de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal,
indeferindo pedido do IBAMA para intervir no processo na condição de “amicus curiae", concluiu pela
intervenção do ente federal na condição de assistente do Ministério Público. Pedido de efeito suspensivo
deferido. In: BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. 3ª Turma. Agravo de Instrumento nº 5005060-
31.2011.404.0000/RS. Relator Des. Fernando Quadros da Silva. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e Ministério Público Federal versus Hiroshi Onishi e outro. Julgado em
25 jun. 2011. Disponível em: <http://www2.trf4.jus.br/>. Acesso em: 12 mar. 2013.
251
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 53.
129
Acredita-se que a participação mais ativa, tanto das partes quanto do juiz, na
conformação do procedimento às necessidades do direito material, proporcionará maior
aceitabilidade da decisão final [pelas partes e pela coletividade], visto que será trabalhada e
construída em conjunto por todos, de modo cooperativo, inclusive com a ordenada
participação da sociedade, de modo a conferir legitimidade ao processo.
Nesse sentido, as lições de Santos:
252
SANTOS, Igor Raatz dos. Processo, igualdade e colaboração. Os deveres de esclarecimento, prevenção,
consulta e auxílio como meio de redução das desigualdades no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, v.
192, ano 36, p. 65-6, 2011.
253
BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira.
In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. [orgs.]. Op. cit., p.103 et seq.
130
Nesse contexto, afirma-se que, as regras que compõem o sistema processual coletivo
atual devem ser reformuladas e adequadas ao contexto da sociedade de risco contemporânea,
o que se acredita esteja em vias de realizar-se a partir da aprovação do Novo Código de
Processo Civil e das alterações legislativas previstas para o Código de Defesa do Consumidor.
Conforme dito, o ordenamento jurídico brasileiro é composto por normas que
permitem a instrumentalização ou funcionalização do procedimento, em razão da previsão de
cláusulas processuais abertas, conceitos jurídicos indeterminados, e da possibilidade de
participação mais ativa do magistrado, garantindo maior isonomia entre as partes na relação
jurídico-processual.
Isto posto, surge a figura do amicus curiae com o potencial de pluralizar o debate das
questões trazidas a juízo, assim como elevar o patamar de legitimidade das decisões por ele
proferidas. Conforme restou demonstrado, informação e participação são fundamentos da
temática ambiental, e o amicus mostra-se, de forma evidente, como mecanismo apto a ensejar
a abertura para a realização de tais condições mediante a possibilidade de participação de
terceiros no processo coletivo, cujo caráter, embora não se configure como puramente
objetivo, cuida de questões políticas e sociais relevantes, porque judicializadas e, portanto, de
interesse da coletividade, mormente quando se tratam de direitos difusos e individuais
homogêneos. 254
A instrumentalização não é incompatível com o fator legitimante do procedimento,
pelo contrário, até aumenta o poder de conformação das partes com a decisão proferida, vez
que além de participarem da formação da decisão via contraditório, também participam da
formação dos meios que levaram à decisão. 255
254
Neste aspecto, vale ressaltar as lições de Dirley da Cunha Júnior acerca da diferenciação entre os processos
subjetivo e objetivo: [...] Verifica-se, desse modo, que o controle incidental ou concreto de constitucionalidade
tem por finalidade a defesa de um interesse ou direito subjetivo da parte que o suscita, ao passo que o controle
principal ou abstrato destina-se à defesa objetiva da Constituição. Em consequência disto, leciona-se, com
frequência, que o processo de controle incidental ou concreto de constitucionalidade é subjetivo e o processo de
controle principal ou abstrato de constitucionalidade é objetivo, haja vista que, enquanto aquele está direcionado
à resolução de controvérsia ou litígio travado entre as partes definidas ante um caso concreto, este está
vocacionado, pura e simplesmente, à defesa da supremacia da constitucional, objetivamente de interesse de toda
coletividade. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. A intervenção de terceiros no processo de controle abstrato de
constitucionalidade – a intervenção do particular, do co-legitimado e do amicus curiae na Adin, ADC e ADPF.
In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [coords.]. Aspectos polêmicos e atuais sobre os
terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 151-2.
255
Forte tendência do processo civil contemporâneo, encampada por diversos autores, dentre os quais:
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2010; DINAMARCO, Cândido Rangel; A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2007; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo
civil. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. V. 1.
131
Nessa medida, tal instrumentalização garante que novas técnicas sejam introduzidas
no sistema, a fim de resguardar a legitimidade do direito material tutelado. E neste aspecto, o
amicus curiae desponta como instituto hábil na efetivação do caráter participativo do Direito
Ambiental, pois possibilita ampla atividade e cooperação das partes interessadas, bem como a
condução ao juízo de informações técnicas que, muitas das vezes, não seriam ventiladas não
fosse a especialização, a tecnicidade e vivência prática ofertada por aqueles que têm a matéria
controvertida bastante presente em seu cotidiano.
Verifica-se, assim, a adequação do procedimento como modo de garantia de
efetividade às normas de Direito Ambiental, de modo a aproximar o processo às reais
necessidades do caso concreto que, na seara ambiental, não prescinde de decisões céleres,
justas e com forte participação da coletividade. Passa-se, portanto, a análise do instituto do
amicus curiae no ordenamento jurídico brasileiro.
256
BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2 ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p.87-8.
257
No âmbito da Suprema Corte dos Estados Unidos, a origem do instituto transcende a ideia de stare decisis, na
medida em que surgiu em virtude da reivindicação dos litigantes que estavam insatisfeitos com a aplicação do
precedente em seus casos concretos, alegando que o precedente não apresentava as características peculiares que
lide possuía. Assim, por meio da realização de lobby perante os Ministros da Suprema Corte, começou-se a
apresentar os argumentos para compor, de maneira abstrata, os fundamentos do precedente a ser aplicado de
forma geral e vinculante mediante o stare decisis. In: GONTIJO, André Pires; SILVA, Chirstine Oliveira Peter
da. O papel do amicus curiae no estado constitucional: mecanismo de acesso da transdisciplinaridade no
processo de tomada de decisão constitucional. Anais do XIX Encontro Nacional do Conpedi realizado em
132
Não há menção expressa ao termo amicus curiae, o que não impede que a doutrina
identifique essa modalidade diferenciada de intervenção de terceiros na legislação
infraconstitucional.
A primeira lei brasileira a trazer essa modalidade de instrumento processual foi a Lei
n. 6.386/76, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores
Mobiliários. Em seu art. 31, incluído pela Lei n. 6.616/78, no Capítulo que trata das
disposições finais e transitórias, estabeleceu que: Nos processos judiciários que tenham por
objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta
sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de
quinze dias a contar da intimação.
A redação do dispositivo permite que se verifique a possibilidade de intervenção de
terceiro interessado para participar do processo, com vistas a uma melhor elucidação dos fatos
postos em juízo, in casu, relativamente ao mercado de capitais. 259
A partir de então, outras instituições criaram entidades semelhantes à Comissão de
Valores Mobiliários, com o fito de fiscalizar suas atividades, a exemplo do art. 89 da Lei n.
8.884/94, que transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica em autarquia,
Fortaleza-CE, nos dias 09, 10, 11 e 12 de junho de 2010. Disponível em: <www.conpedi.org.br>. Acesso em 20
jun 2014.
258
AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus Curiae. Salvador: JusPodivm, 2005, p. 12.
259
Cf. BUENO, Cássio Scarpninella. Amicus curiae no processo civil brasileiro. Um terceiro enigmático. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 271 et seq.
133
Outro exemplo é ofertado pela Lei n. 9.279/96 que regula os direitos e obrigações
relativos à propriedade industrial, e ao mesmo tempo traz disposições de direito material e
processual. Em seu art. 57 prevê que, A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da
Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito. Do mesmo modo, preveem
seus arts. 118, acerca da ação de nulidade de registro de desenho industrial, e 173: A ação de
nulidade poderá ser proposta pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse. 260
Além da hipótese de intervenção da União e das pessoas jurídicas de direito público
prevista no art. 5º e parágrafo único da Lei n. 9.469/97, existem as possibilidades previstas na
legislação mais recente, a saber: atuação do amicus no controle concentrado de
constitucionalidade – quando presentes cumulativamente os requisitos de relevância da
matéria e representatividade adequada dos postulantes, conforme art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99;
no incidente de inconstitucionalidade [§§ 1º, 2º e 3º do art. 482 do CPC, com redação dada
pela Lei n. 9.868/99]; no procedimento de edição, revisão e cancelamento de enunciado de
súmula vinculante pelo STF [§2º, do art. 3º, da Lei 11.417/06]; na análise da repercussão
geral pelo STF quando do julgamento de recurso extraordinário [§6º, do art. 543-A, do CPC,
com redação dada pela Lei n. 11.418/06]; no pedido de uniformização de jurisprudência
perante os Juizados Especiais Federais [§7º, do art. 14, da Lei n. 10.259/01].
Todavia, a despeito de todas as particularidades acerca do tema, balizada doutrina
afirma a possibilidade de admissão de pedidos de intervenção de amicus curiae no processo
260
Ibid., p. 291 et seq.
134
coletivo, mesmo sem expressa previsão legal. Nessa esteira, o entendimento do professor
Leonel:
261
LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
263.
135
A natureza jurídica deste instituto tem caráter polêmico. Parte da doutrina encampa a
corrente de que se trata, o amicus curiae, de forma de assistência qualificada por um
requisito de admissibilidade específico, qual seja, a representatividade do órgão ou
entidade. 263
Outros indicam ser uma intervenção atípica, 264 e a grande maioria da doutrina
reconhece o instrumento como terceiro partícipe da relação processual, atribuindo-lhe
naturezas jurídicas diversas, a saber: intervenção anômala, quanto àquela prevista no
parágrafo único, do art. 5º, da Lei n. 9.469/97; 265 terceiro especial – Dirley da Cunha Júnior
afirma tratar-se, o amicus curiae, de um terceiro especial que pode intervir no feito para
auxiliar a Corte, desde que demonstre um interesse objetivo relativamente à questão jurídico-
constitucional em discussão; 266 e ainda, terceiro enigmático - conforme entendimento de
Bueno, que afirma como referenciais mais próximos do amicus curiae na Civil Law, o
Ministério Público, quando atua como custos legis, o assistente e o perito. 267
Del Prá identifica três espécies de intervenção do amicus:
262
MEDINA, Damares. Amicus curiae. Amigo da corte ou amigo da parte? São Paulo: Saraiva, 2010. [Série
IDP], p. 17.
263
BUENO FILHO, Edgard Silveira. Amicus curiae – a democratização do debate nos processos de controle de
constitucionalidade. Revista Jurídica do Centro de Estudos Judiciários – CEJ, v. 6, n. 19, out/dez 2002, p. 88.
Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/33>. Acesso em: 28 mai 2014.
264
DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo.
7. ed. Salvador: Juspodivm, p. 262. Na mesma linha, Carneiro, para quem a atuação do amicus curiae seria uma
espécie de intervenção de terceiros atípica, na medida em que não precisa demonstrar interesse jurídico, mas
representatividade adequada e suficiente. In: CARNEIRO, Athos Gusmão. Mandado de segurança. Assistência e
amicus curiae, Revista de Processo, v.112, 2004, p.219.
265
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. Processo de
Conhecimento. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 188-90. Em contraposição, CUNHA,
Leonardo José Carneiro da. Intervenção anômala: a intervenção de terceiro pelas pessoas jurídicas de direito
pública prevista no parágrafo único do art. 5º da Lei 9.469/1997. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim [coords.]. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos
afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 623, verbis: Essa modalidade de terceiros [prevista no
parágrafo único, do art. 5º, da Lei 9.469/97], poderia ser confundida com a figura do amicus curiae, existente no
controle concentrado de constitucionalidade das leis. Muito embora possa, eventualmente, haver pontos de
contato entre as figuras jurídicas, é bem de ver que não se confundem. Isso porque o amicus curiae desponta
como auxiliar da justiça criado para contribuir com o aprimoramento técnico da decisão judicial, enquanto a
intervenção anômala decorre de um interesse econômico da Fazenda Pública, que pretende ver o êxito de uma
das partes.
266
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. A intervenção de terceiros no processo de controle abstrato de
constitucionalidade – a intervenção do particular, do co-legitimado e do amicus curiae na Adin, ADC e ADPF.
In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [coords.]. Aspectos polêmicos e atuais sobre os
terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 157.
267
BUENO, C. S. Amicus curiae no processo civil brasileiro, p. 423.
136
[...] (a) aqueles que participam do processo por impulso do juiz (art. 9º e
art. 20 da LADIn, e art. 6º, §1º, da LADPF; (b) aqueles cuja participação é
decorrência de poder de polícia, e cuja intimação é requisito de
regularidade do procedimento (intervenção do CADE ou da CVM); e (c)
aqueles que intervêm voluntariamente, exercício a direito próprio de
manifestação (art. 7º, §2º, LADIn, art. 6º, §2º, LADPF, art. 14, §7º,
LJEF). 268
[...] não se confunde o amicus curiae com a prefalada assistência. Pois esta
depende da evidência de risco jurídico significativo, enquanto que aquele se
habilita, excepcionalmente, no exercício de suas funções públicas e quando
avulta a necessidade de defender o interesse público, seja em relação à
qualidade dos serviços, seja em referência aos sinais de aspectos
econômicos negativos. 269
De fato, terceiro é aquele que não é parte. 270 Todavia, o instituto do amicus curiae
não se confunde com nenhuma das hipóteses previstas no CPC, originalmente formuladas
para a participação no processo individual e condicionadas a intervenção à presença de um
interesse jurídico específico, quais sejam: a oposição [art. 56], nomeação à autoria [art. 62],
denunciação da lide [art. 70], e chamamento ao processo [art. 77]. Também não há que ser
confundido com a figura do assistente, com quem possui maior proximidade, a despeito da
divergência consistente no interesse que legitima tais intervenções, conforme ressaltado
acima, nas lições do Ministro do STJ, Milton Luiz Pereira.
268
DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Breves considerações sobre o amicus curiae na Adin e sua
legitimidade recursal. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [coords.]. Aspectos
polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
p. 62.
269
PEREIRA, Milton Luiz. Amicus curiae – intervenção de terceiros. Revista Jurídica do Centro de Estudos
Judiciários – CEJ, v. 6, n. 18, jul/set 2002, p. 85. Disponível em:
<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/32>. Acesso em: 28 mai 2014.
270
Partes, na definição de Liebman, são os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz. Destaque-se ainda,
o conceito de Chiovenda: Parte é aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandada) a
atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada. In: MARINONI, L. G. Curso
de processo civil, V. 2, p. 161. Já para este autor, é o grau de interesse jurídico que atribui ao sujeito a condição
de parte legítima, de terceiro interessado ou, ainda, de terceiro indiferente. Esse grau de interesse é medido não
com base no direito processual, mas sim de acordo com critérios de direito material, segundo os reflexos da
decisão da causa sobre a esfera jurídica do sujeito. E finaliza: [...] será parte no processo aquele que demandar
em seu nome (ou em nome de quem for demandada) a atuação de uma ação de direito material e aquele outro em
face de quem essa ação deva ser atuada. Ib., p. 163.
137
271
BUENO, C. S. Amicus curiae no processo civil brasileiro, p. 508.
272
Ibid., p. 507.
273
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO
AMICUS CURIAE. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO POLÍTICO-
JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO
138
Na seara ambiental, cita-se a ADPF 101, de relatoria da Min. Carmem Lúcia, a qual
vedou a importação de pneus usados, e em cujo julgamento foi permitida a participação de
mais de uma dezena de amici curiae, entre eles: Associação Brasileira de Pneus Remoldados
– Abip; Associação Nacional da Indústria de Pneumático – Anip; Pneuback Indústria e
Comércio de Pneus Ltda; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – Ibama; Remoldagem de Pneus Ltda; BS Colway Pneus Ltda; Conectas Direitos
Humanos; Justiça Global; Associação de Proteção do Meio Ambiente de Cianorte – Apromac;
Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus; Associação de Defesa da
Concorrência Legal e dos Consumidores Brasileiros – Adcl; Líder Remoldagem de Pneus
Ltda; Ribor Importação, Exportação, Comércio e Representações Ltda.
Tal posicionamento do STF apenas evidencia o caráter legitimante da participação de
terceiros interessados. Quanto à importância dessa diversificada participação, Coelho:
140
274
COELHO, Inocênio Mártires. As ideias de Peter Häberle e a abertura da interpretação constitucional no
direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, n. 137, jan/mar 2008, p. 158.
275
EMENTA: “AMICUS CURIAE”. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGITIMIDADE
DEMOCRÁTICA. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO “mediador entre as diferentes forças com
legitimação no processo constitucional” (GILMAR MENDES). POSSIBILIDADE DA INTERVENÇÃO DE
TERCEIROS, NA CONDIÇÃO DE “AMICUS CURIAE”, EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. NECESSIDADE, CONTUDO, DE PREENCHIMENTO,
PELA ENTIDADE INTERESSADA, DO PRÉ-REQUISITO CONCERNENTE À REPRESENTATIVIDADE
ADEQUADA. DOUTRINA. CONDIÇÃO NÃO OSTENTADA POR PESSOA FÍSICA OU NATURAL.
CONSEQUENTE INADMISSIBILIDADE DE SEU INGRESSO, NA QUALIDADE DE “AMICUS CURIAE”,
EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PRECEDENTES.
PEDIDO INDEFERIDO. DECISÃO: Irineo Giacomolli, invocando a sua condição de viúvo de servidora pública
estadual e sustentando ser, em razão de seu estado vidual, beneficiário de pensão por morte devida pelo IPERGS,
parte ora recorrente, requer “seja admitido como ‘amicus curiae’, nos autos do Recurso Extraordinário em
epígrafe (...)” (fls. 196/202). Tenho enfatizado, em diversas decisões proferidas nesta Suprema Corte, que a
intervenção processual do “amicus curiae” tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional,
permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e
necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave
questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Corte, quando no desempenho de seu
extraordinário poder de efetuar o controle de constitucionalidade, especialmente em sede abstrata, tal como
destacam, em pronunciamento sobre o tema, eminentes doutrinadores (GUSTAVO BINENBOJM, “A Nova
Jurisdição Constitucional Brasileira”, 2ª ed., 2004, Renovar; ANDRÉ RAMOS TAVARES, “Tribunal e
Jurisdição Constitucional”, p. 71/94, 1998, Celso Bastos Editor; ALEXANDRE DE MORAES, “Jurisdição
Constitucional e Tribunais Constitucionais”, p. 64/81, 2000, Atlas; DAMARES MEDINA, “Amicus Curiae:
Amigo da Corte ou Amigo da Parte?”, 2010, Saraiva, v.g.). Valioso, a propósito dessa particular questão, o
magistério expendido pelo eminente Ministro GILMAR MENDES (“Direitos Fundamentais e Controle de
Constitucionalidade”, p. 503/504, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor), em passagem na qual põe em destaque o
entendimento de PETER HÄBERLE, para quem o Tribunal “há de desempenhar um papel de intermediário ou
de mediador entre as diferentes forças com legitimação no processo constitucional” (p. 498), em ordem a
pluralizar, em abordagem que deriva da abertura material da Constituição, o próprio debate em torno da
controvérsia constitucional, conferindo-se, desse modo, expressão real e efetiva ao princípio democrático, sob
pena de se instaurar, no âmbito do controle de constitucionalidade, um indesejável “deficit” de legitimidade das
decisões que o Supremo Tribunal Federal venha a pronunciar no exercício dos poderes inerentes à jurisdição
constitucional. Na verdade, consoante ressalta PAOLO BIANCHI, em estudo sobre o tema (“Un’Amicizia
Interessata: L’amicus curiae Davanti Alla Corte Suprema Degli Stati Uniti”, “in” “Giurisprudenza
Costituzionale”, Fasc. 6, nov/dez de 1995, Ano XI, Giuffré), a admissão do terceiro, na condição de “amicus
curiae”, notadamente no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de
legitimação social das decisões do Tribunal Constitucional, viabilizando, em obséquio ao postulado democrático,
141
Destarte, apesar de todo o embate acerca da natureza jurídica do amicus curiae, certo
é que a sociedade evoluiu, assim como também evoluíram seus conflitos, de modo que o
ordenamento jurídico não pode ficar estagnado ante essa nova realidade. Em um Estado
Democrático Participativo, que permite a participação dos cidadãos em todas as esferas de
poder, e que pugna pela proteção do bem ambiental como direito fundamental das presentes e
futuras gerações, fato é que a figura do amicus curiae no processo coletivo só tem a qualificar
e garantir a legitimidade das decisões, aproximando a sociedade dos processos de tomada de
decisão, especialmente no âmbito judicial.
A dúvida que paira acerca de sua natureza jurídica, e os verdadeiros contornos dessa
intervenção processual devem ser clarificados pela doutrina e adaptados ao ordenamento
jurídico nacional, ante sua extensa e exitosa utilização no direito estrangeiro.
Passa-se, por conseguinte, à análise do amicus curiae como instrumento de
concretização da sociedade aberta de intérpretes, de Peter Häberle.
277
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Trad.
Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 48.
143
Para chegar a tal desfecho, o autor divide seu texto em basicamente cinco capítulos.
No primeiro capítulo, analisa sua tese fundamental, através da observação da situação atual da
teoria da interpretação constitucional. O autor destaca que a teoria da interpretação
constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma sociedade
fechada, na medida em que seu âmbito de investigação concentra-se na interpretação
constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados. 278
Para tanto, propõe a seguinte tese: [...] no processo de interpretação constitucional
estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos
os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com
numerus clausus de intérpretes da Constituição. 279 Isto porque, na sua ótica, toda a
coletividade é democraticamente apta a realizar a atividade interpretativa, na medida em que a
interpretação deve ser tida como um processo aberto, no qual a ampliação do círculo de
intérpretes é consequência da necessidade de integração da realidade no processo de
interpretação, que realizar-se-á pelos legítimos destinatários da norma constitucional.
No capítulo segundo, faz considerações acerca dos participantes do processo de
interpretação constitucional, ao estabelecer um catálogo sistemático [provisório], dividido em
quatro grupos: no primeiro, as funções estatais representadas pela decisão vinculante da Corte
Constitucional e pelos órgãos estatais com poder de decisão vinculante; no segundo, os
participantes do processo de decisão - que não são, necessariamente, órgãos do Estado [autor
e réu; aqueles que têm direito de manifestação ou de integração à lide ou convocados pela
Corte Constitucional; pareceristas ou experts; peritos e representantes de interesses nas
audiências públicas, associações, partidos políticos; grupos de pressão organizados; partes nos
procedimentos administrativos de caráter participativo]; a opinião pública democrática e
pluralista [imprensa, rádio, televisão, as iniciativas dos cidadãos, associações, partidos
políticos fora do âmbito de atuação organizada, igrejas, teatros, editoras, escolas, pedagogos,
associações de pais]; e por fim, a doutrina constitucional, passível de participação em todos os
níveis supracitados. 280
Ao encerrar este item, o autor reconhece que, [...] A interpretação constitucional é,
todavia, uma atividade que, potencialmente, diz respeito a todos. Os grupos mencionados e o
próprio indivíduo podem ser considerados intérpretes constitucionais indiretos ou a longo
278
HÄBERLE, P. Hermenêutica Constitucional, p. 12.
279
Ibid., p. 13.
280
Ibid., p. 20-3.
144
prazo. 281 Ressalte-se que o rol exposto pelo autor é meramente exemplificativo, podendo ser
ampliado para outras instâncias.
No terceiro capítulo, Häberle acena para possíveis objeções e críticas a partir da
análise desenvolvida, e propõe uma legitimação sob a ótica da teoria do direito, da teoria da
norma, da teoria da interpretação e decorrente das reflexões teorético-constitucionais:
[...] qualquer intérprete é orientado pela teoria e pela práxis. Todavia, essa
práxis não é, essencialmente, conformada pelos intérpretes oficiais da
Constituição. 282 [...] a integração, pelo menos indireta, da res publica na
interpretação constitucional em geral é expressão e consequência da
orientação constitucional aberta no campo de tensão do possível, do real e
do necessário (in das Spannungsfeld des Möglichen, Wirklichen und
Notwendigen gestellten Verfassungsverständisses). Uma Constituição, [...]
não pode tratar as forças sociais e privadas como mero objetos. Ela deve
integrá-las ativamente enquanto sujeitos. 283
281
HÄBERLE, P. Hermenêutica Constitucional, p. 24.
282
Ibid., p. 31.
283
Ibid., p. 33. Em acréscimo, Coelho em referência a Konrad Hesse: [...] à medida que asseguram o dissenso
hermenêutico e racionalizam as divergências de interpretação em torno da Constituição, ideias como a de Peter
Häberle colaboram, decisivamente, para preservar a unidade política e manter a ordem jurídica, que são
objetivos fundamentais de toda Constituição. In: COELHO, Inocênio Mártires. As ideias de Peter Häberle e a
abertura da interpretação constitucional no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35,
n. 137, jan/mar 2008, p. 158.
284
Dicho eso, es posible afirmar que el status negativus, passivo, característico del individualismo liberal-
burgués, no se presenta más como suficiente para satisfacer las demandas inherentes a esta nueva realidad
abierta, plural y compleja, aparecendo, entonces, el concepto – revisado – del status activus processualis como el
status fundamental de la vida em común democrática, que se caracteriza por um derecho constitucional
identificado por um caráter marcadamente procesal y procedimental, vinculado, sobre todo, al derecho de
participación (Teilhaberecht) – participación em y delante del Estado, lo que se podría designar, en última
instancia, como due process fundamental. In: HENNIG LEAL, Mônia Clarissa. La noción de constitución
abierta de Peter Häberle como fundamento de una jurisdicción constitucional abierta y como presupuesto para la
intervención del amicus curiae en el derecho brasileño. Estudios Constitucionales, Santiago, v. 08, n. 01, p. 289,
2010. Disponível em: <www.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em: 10 mai. 2012.
145
Com isso, a Corte Constitucional reveste as suas decisões de substrato oriundo dos
anseios do corpo social, podendo atuar amparada nas ideias e aspirações daqueles que são os
verdadeiros intérpretes da Constituição e titulares do poder que as constituiu.
Por fim, no capítulo quarto, expõe as consequências para a hermenêutica
constitucional jurídica, consubstanciada na relativização da interpretação jurídica, e na
expansão da atividade jurisdicional da Corte, a partir de novas formas de participação das
potências públicas pluralistas, de modo a legitimar a jurisdição constitucional no contexto
democrático em decorrência de um refinamento da atividade interpretativa do direito
constitucional processual. 287
A teoria de Häberle em torno do pluralismo hermenêutico justifica-se em razão de
que este jurista concebe a Constituição como instrumento resultante do contexto social, isto é,
conformada pelos cidadãos e, paralelamente, direcionada a eles, de modo que não se restringe
a um documento ao qual se relacionam apenas questões jurídicas, mas um texto no qual é
representada a situação social, política e cultural de um povo. Sendo assim, os cidadãos
285
HÄBERLE, P. Hermenêutica Constitucional, p. 36.
286
MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. A influência do pensamento de Peter Häberle no STF.
Consultor Jurídico, São Paulo, abr/2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-
peter-haberle-jurisprudencia-supremo-tribunal-federal>. Acesso em: 27 mai 2014.
287
HÄBERLE, P. op. cit., p. 48-9.
146
acabam por deter a legitimidade, vale dizer, uma legitimidade social, para interpretação da
Carta Magna.
Ao último item [V], resta a elaboração de novas indagações ou propostas para a
teoria constitucional, dentre as quais: a existência de diferentes objetivos e utilização de
diversos métodos de interpretação, de modo a abrigar o conteúdo da controvérsia dentro
desses diferentes métodos; e a ampliação da doutrina constitucional a fim de integrar também
a teoria da legislação, admitindo-se como interlocutora do legislador – a teoria constitucional
enquanto teoria de legislação deveria pesquisar [...] as peculiaridades da interpretação
constitucional levada a efeito pelo legislador, contemplando-se a relevância do Direito
Parlamentar. 288
Destarte, o autor pugna pela noção de sociedade participativa, como detentora do
conjunto de qualidades que a habilitaria a colaborar no processo de interpretação
constitucional, conferindo maior legitimidade às decisões produzidas em juízo em razão da
pluralização do debate, contexto no qual se encaixa perfeitamente a figura do amicus curiae,
como instrumento apto a possibilitar a democratização das discussões trazidas à juízo.
Somente a ampliação do debate permitirá a abertura para a defesa dos direitos e
garantias fundamentais das minorias, de modo a evitar a ditadura do parlamento. Conforme
visto, pugna o autor pela tese de que cidadãos, órgãos estatais, as potências públicas, grupos
de interesses, partidos políticos, e demais entidades representativas, configuram-se, todos,
como forças produtivas de interpretação do texto constitucional.
288
HÄBERLE, P. Hermenêutica Constitucional, p. 53-4.
147
exercitem o controle sobre a adequada atuação daqueles atores no caso concreto, ou seja,
sobre a representatividade adequada do legitimado ativo no processo instaurado, diante de
eventual ineficiência ou inidoneidade deste na defesa judicial do direito de todos ao meio
ambiente.
Quanto à legitimação dos entes intermediários, Mirra,
289
MIRRA, Á. L. V. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, p. 268.
148
290
HENNIG LEAL, M. C. La noción de constitución aberta de Peter Häberle como fundamento de una
jurisdicción constitucional aberta y como presupuesto para la intervención del amicus curiae em el derecho
brasileño. Estudios Constitucionales, vol. 8, n. 1, 2010, p. 290, Santiago, Chile. Disponível em:
<http://www.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em: 10 mai 2013.
291
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional, p. 13.
149
292
Ibid., p. 32.
293
Ibid., p. 13.
294
MENDES, Aluisio de Castro. O anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos: visão geral e
pontos sensíveis. In: ______; GRINOVER, Ada Pellegrini; Watanabe, Kazuo. Direito processual coletivo e o
anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 23.
150
295
O art. 930 do PL n. 8.046/2010, da Câmara dos Deputados, assim estabelece: Art. 930. É admissível o
incidente de demandas repetitivas sempre que identificar controvérsia com potencial de gerar relevante
multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica,
decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.
296
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>.
Acesso em: 10 mai 2014.
151
CONCLUSÃO
dispensa tais excludentes, e ainda, tem o dano e o nexo causal como seus principais
fundamentos.
Ressaltou-se também, a importância da tutela específica da obrigação. Acredita-se
que, por intermédio da tutela inibitória, constante dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, torna-se
possível a regulação dos riscos ambientais pelo viés jurisdicional, que surgirá como uma
resposta do Estado a fim de inibir que uma ameaça ao meio ambiente sadio e equilibrado se
converta em danos irreversíveis às futuras gerações.
Os artigos 461, do CPC, e 84, do CDC, passam a ter importância primordial para
evitar a monetização da tutela jurisdicional ambiental. Sendo assim, para as demandas
ambientais, e até mesmo para bem caracterizá-las, torna-se necessário o largo uso e difusão
das tutelas reintegratórias de direito, corolários do Princípio Ambiental da Prevenção - sejam
elas destinadas a inibir a prática do ilícito ou a remover o agente causador do dano.
Após os necessários esclarecimentos do bem ambiental como direito fundamental
dos cidadãos, e dos contornos que a tutela coletiva do meio ambiente possui no ordenamento
jurídico brasileiro, adentra-se ao tema principal deste estudo que é a possibilidade e
necessidade de participação do amicus curiae no processo coletivo em nosso país.
Instituto previsto em diversas leis esparsas no ordenamento jurídico brasileiro, ganha
ênfase a partir da edição da Lei n. 9.868/99, que trata da ação direta de inconstitucionalidade e
ação declaratória de constitucionalidade, na qual existe a previsão da intervenção de terceiros
no controle concentrado de constitucionalidade, com a exigência de dois requisitos: relevância
da matéria e a representatividade adequada dos postulantes [art. 7º, § 2º].
Contudo, parte da doutrina e a jurisprudência também, admite essa intervenção no
processo coletivo, justamente pelo fato de que essas ações discutem questões de extrema
relevância, em especial quando diz respeito ao direito ao meio ambiente, como um direito
fundamental dos indivíduos e da coletividade, de forma a permitir a participação mais ativa
dos cidadãos nas decisões que venham influenciar direta ou indiretamente o seu bem-estar
social e a sadia qualidade de vida.
Essa participação no processo coletivo ambiental, através do instituto do amicus, tem
natureza jurídica de caráter controverso conforme foi explicitado no texto - assistência
qualificada; intervenção atípica; intervenção anômala; terceiro especial; terceiro enigmático.
Todavia, fato é, que intervem no processo, sem a qualidade de parte, de modo a
reforçar as argumentações jurídicas ali constantes, bem como oferecer elementos técnicos ou
dados sobre fatos, possibilitando assim, a inibição de ações ou omissões estatais ou de
particulares que sejam consideradas ilegais ou inconstitucionais e até mesmo a correção ou
155
alteração da atuação do poder estatal nas políticas ambientais ou nos rumos dessas políticas.
Sem mencionar o fato de que irá contribuir para efetivação do Estado Democrático
Participativo.
O Estado Democrático Participativo é aquele que busca não somente reafirmar os
direitos sociais e a necessidade da garantia dos direitos e liberdades individuais, como
também agregar a estas duas categorias, os direitos de 3ª geração [novos direitos, direitos
transindividuais ou direitos de solidariedade] nos quais se inclui o direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, e os direitos de 4ª geração, dentre os quais está o direito à
democracia [com uma expansão dos direitos políticos, ou seja, para além do direito de apenas
votar e ser votado], assim como o direito à informação e ao pluralismo político.
Essa democracia-participativa, prevista no inc. V [pluralismo político], e parágrafo
único, do art. 1º da Constituição, deve ser exercida, via de regra, dentro das três funções
estatais – legislativa, executiva [administrativa] e judiciária. Contudo, pretendeu-se limitar o
estudo da efetivação deste modelo estatal ao âmbito judicial, através do instituto do amicus
curiae, especificamente no processo coletivo ambiental.
No item 3.3 ressaltou-se a existência de diversos benefícios advindos do que pode se
considerar uma instrumentalização do procedimento, ou seja, a introdução de novas técnicas
no ordenamento jurídico. E uma delas, é a possibilidade de participação do amicus curiae no
processo coletivo ambiental, como um canal de comunicação entre o judiciário e a
coletividade, o que possibilita a pluralização e democratização do debate das questões trazidas
a juízo, através da tutela coletiva de direitos, especialmente da tutela coletiva do direito
fundamental ao meio ambiente.
Importante ressaltar que essa participação permite a condução ao juízo de
informações técnicas que, muitas das vezes, não seriam ventiladas, não fosse a
especialização, a tecnicidade e a vivência prática, ofertada por aqueles que têm a matéria
controvertida bastante presentes em seu cotidiano.
Apesar de resultar de pressões oriundas da própria sociedade civil, a expansão da
função jurisdicional contribui para o reconhecimento da legitimidade política do Poder
Judiciário no desempenho de suas atividades. Verifica-se, nesta medida, uma qualificação,
legitimação e democratização das decisões jurisdicionais, e que tem com um de seus reflexos
diretos a maior aceitabilidade das decisões por parte de seus destinatários, visto que lhes foi
concedida oportunidade de colaborar com a jurisdição e com as partes diretamente envolvidas
na demanda.
156
REFERÊNCIAS
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Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).