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OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA:
UMA ANÁLISE DA (IN)APLICABILIDADE E (IN)EFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA NOS CASOS DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL NOS DANOS
CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE
Tubarão
2020
JULIA ROBERG CRISPIM
OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA:
UMA ANÁLISE DA (IN)APLICABILIDADE E (IN)EFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA NOS CASOS DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL NOS DANOS
CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE
Tubarão
2020
Para meu pais, Araildo e Marli, e minha irmã,
Amanda, que são minhas verdadeiras
inspirações, meus maiores e melhores
orientadores na vida, e as pessoas que possuem
todo meu amor e admiração.
AGRADECIMENTOS
Antes de tudo, gostaria de agradecer aos meus pais, pelo apoio incondicional em todos
os momentos difíceis da minha trajetória acadêmica. Agradeço por serem pais excepcionais,
pilares da minha formação como ser humano, e por sempre me proporcionarem as melhores
oportunidades da vida. Sem eles nada seria possível, pois esta monografia é a prova de que todo
seu investimento e dedicação valeram a pena.
A minha irmã e ao meu cunhado, por sempre depositarem toda confiança em mim e, em
momento algum, duvidarem da minha capacidade. Minha irmã, Amanda, é a pessoa que mais
acredita em mim, e eu a agradeço por isso. Sem você, eu não chegaria tão longe.
Aos meus amigos que me acompanharam em toda a caminhada acadêmica, pelo apoio
e suporte que me deram em todo o curso e pelas incontáveis horas de ajuda dedicadas a esta
monografia.
Agradeço aos integrantes dos meus estágios, primeiramente à Defensoria Pública de
Tubarão, onde tive meu primeiro contato com o Direito e onde tanto me ensinaram sobre ser
humano, bem como ao Ministério Público de Capivari de Baixo, por me ensinar a matéria
jurídica de modo ímpar.
Por fim, à minha orientadora e professora, Marília de Fátima Bueno Záquera, pela
paciência e dedicação, pois colaborou muito para a realização deste trabalho.
“Vivemos em uma época perigosa. O homem domina a natureza antes que tenha
aprendido a dominar a si mesmo”. (Albert Schweitzer)
RESUMO
This monographic work aims to analyze the (in) presence and the (in) liability of environmental
liability in cases of programmed obsolescence, considering it as one of the most impacting
marketing strategies in the environmental area. The stimulation of programmed obsolescence
in relation to consumption will also be analyzed, with a difference from its existing types, as
well as the environmental principles that the technique affects. Nevertheless, the work will
cover the types of civil liability in the legal system, verifying the environmental impacts caused
by this phenomenon and demonstrating, at the end, an application of environmental civil
liability in the specific cases of programmed obsolescence. The methodology used in this
monograph, regarding the approach, is the qualitative method; as for the level of research,
characterizes as exploratory and as for the procedure, uses the bibliographic and documentary
methods, based mainly on doctrinal and jurisprudential foundations. In effect, the result
obtained in the study was a discovery that, although broad comprehensive legislation on the
subject, is not considered responsible for the practice of obsolescence programmed under
Environmental Law, only in the sphere of consumer law. Therefore, restore the inapplicability
and ineffectiveness of the legal provisions of environmental liability of this technique. In view
of this, it was possible to conclude that programmed obsolescence is a phenomenon that affects
environmental rights and even though there is legislation contrary to its guidelines, which even
brings the possibility of environmental responsibility, its application in the Brazilian legal
sphere is scarce. In this way, it is necessary to review the current forms of consumption and
production, in addition to considering the socioenvironmental consequences, as a warning for
paradigm changes, as well as the human being and the environment, applying, therefore, as
substantiated norms and the indicated principles not as a form of guidance, but with an effective
application in specific cases.
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11
1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA ............................................................. 12
1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ............................................................................. 14
1.3 HIPÓTESE .................................................................................................................. 14
1.4 DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS OPERACIONAIS ................................................... 15
1.5 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................ 15
1.6 OBJETIVOS................................................................................................................ 16
1.6.1 Geral ........................................................................................................................ 16
1.6.2 Específicos ............................................................................................................... 16
1.7 DELINEAMENTO DA PESQUISA ............................................................................ 17
1.8 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS .......... 18
2 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA ........................................................................ 19
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA: ASPECTOS DA RELAÇÃO DO HOMEM COM O MEIO
AMBIENTE ........................................................................................................................ 20
2.1.1 Transformação da sociedade de produtores para sociedade consumerista .......... 23
2.2 CONCEITO DOUTRINÁRIO E CLASSIFICAÇÃO DA OBSOLESCÊNCIA
PROGRAMADA ................................................................................................................. 25
2.3 A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E A DEGRADAÇÃO DO MEIO
AMBIENTE......................................................................................................................... 28
3 RESPONSABILIDADE CIVIL APLICADA .............................................................. 32
3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL ................. 32
3.1.1 Princípios do Direito Ambiental ............................................................................. 35
3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL OBJETIVA E A TEORIA DO RISCO
INTEGRAL ......................................................................................................................... 40
3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL COMPARTILHADA ......................... 43
4 IMPACTOS DECORRENTES DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E
ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
AMBIENTAL..................................................................................................................... 48
4.1 IMPACTOS AMBIENTAIS DECORRENTES DA OBSOLESCÊNCIA
PROGRAMADA ................................................................................................................. 49
4.1.1 Da Rio92 à Rio+20: Debate acerca do meio ambiente ........................................... 52
4.2 LEI DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS ..................................... 54
4.3 ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA IMPRESCINDIBILIDADE DA
REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL ........................................................................... 57
4.3.1 Recurso Especial n. 984.106 – SC: A responsabilização civil diante da obsolescência
programada ........................................................................................................................ 60
4.3.2 Ação coletiva contra a empresa Apple no Direito brasileiro e no Direito francês 64
5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 70
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 72
11
1 INTRODUÇÃO
A obsolescência programada é uma grande ameaça nos dias de hoje para o meio
ambiente, no entanto, para melhor compreender seus impactos no presente e no futuro, é
necessário analisar seu passado.
Segundo Miragem (2013, p. 325), a obsolescência programada é uma redução artificial
da durabilidade de produtos para que seja forçada a recompra prematura. Essa redução não
significa apenas uma menor duração do produto, mas sim a perda de sua utilidade em um
período já determinado por essas empresas, objetivando, assim, o descarte dessas mercadorias
“velhas” e o consumo de novas.
Embora o conceito de obsolescência planejada conhecido atualmente tenha surgido
apenas no século XX, historiadores relatam o surgimento da sua prática já no século XIX,
quando o primeiro cartel mundial de que se tem notícia, conhecido como Phoebus, formado por
fabricantes de lâmpadas de todo o mundo, decidiu que a vida útil de seus produtos deveria ser
deliberadamente reduzida por meio de novas tecnologias, obrigando os consumidores a
adquirirem novas lâmpadas, aumentando, assim, o índice de vendas (MORAES, 2015, p. 52).
Já na segunda metade do século XX, consolidou-se a Sociedade do Consumo,
caracterizada pelo acesso aos bens e produtos necessários, mas também ao excesso de desejo e
consumismo. Neste momento, a obsolescência programada ganhou força e se inseriu de vez no
mercado econômico (MORAES, 2015).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu pela abusividade da prática da
obsolescência programada no julgamento do Recurso Especial n. 984106/SC, em 04 de outubro
de 2012 (BRASIL, 2012).
Na oportunidade, o Tribunal trouxe os seguintes exemplos de ocorrência do fenômeno:
São exemplos desse fenômeno: a reduzida vida útil de componentes eletrônicos (como
baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico inflacionamento do
preço do mencionado componente, para que seja mais vantajoso a recompra do
conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar
o consumidor a atualizar por completo o produto (por exemplo, softwares); o produtor
que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a fabricação de
insumos ou peças necessárias à antiga. (BRASIL, 2012)
Para melhor entendimento do tema, insta salientar que um dos marcos da obsolescência
programada ou também, como é conhecida, obsolescência planejada, é a Lei de Moore. Esse
fenômeno surgiu em 1965 e foi criado por Gordon Earl Moore. Segundo o cientista, em quase
todos os casos, a eletrônica integrada demonstra alta confiabilidade. Mesmo no atual nível de
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produção baixa - em comparação com a dos componentes discretos - reduz o custo dos sistemas
e, em muitos casos, melhora o desempenho do produto (MOORE, 1965, p. 2).
Trata basicamente do aumento de densidade dos dispositivos semicondutores nos chips,
influenciando diretamente na estratégia de ação dos fabricantes. (BRAGA, 2013). Assim, por
exemplo, um celular que possui uma determinada quantidade de gigabytes, logo seria
ultrapassado por uma nova geração de aparelhos com um sistema de armazenamento mais
avançado que o anterior.
Dessa forma, mesmo que um aparelho estivesse em perfeitas condições de
funcionamento, teria que ser trocado por outro, uma vez que não seria mais capaz de suportar
o armazenamento do antigo aparelho. Tal fato evidencia, assim, uma violação do direito
fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado garantido pelo artigo 225, caput, da
Constituição Federal de 1998: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações” (BRASIL, 1988).
Por outro lado, há quem defenda essa técnica sob o fundamento de que a obsolescência
originada pela melhora na função não é objeto de violação, pois é um resultado de avanço no
mundo tecnológico, e o que deve ser, inclusive, apoiado e incentivado pelo poder público.
Sabe-se que essa técnica atinge inúmeros consumidores, no entanto, o objetivo deste
trabalho é demonstrar os danos ambientais causados pela prática da obsolescência programada
e analisar a eficácia ou a falta dela na responsabilização civil ambiental de acordo com a norma
brasileira e julgados. Ainda, verificar se a obsolescência programada é uma técnica ilegal ou
legítima para o meio ambiente, e se a legislação brasileira prevê o tratamento jurídico adequado
nesse âmbito.
Para isso, o Princípio 8 da Declaração das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Rio-
92, dispõe que “para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualidade de vida para
todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo e
promover políticas demográficas adequadas” (ONU, 1992).
Porquanto, ainda que proteja o direito dos consumidores, não resguarda totalmente o
direito fundamental ao meio ambiente ecológico. Conforme Moraes (2015), quando a utilização
de recursos ou geração de dejetos é maior do que a capacidade do ecossistema de reciclá-los,
depara-se com a poluição do meio ambiente e uma crise ambiental, exatamente o que os padrões
de produção e consumo da sociedade estão ocasionando.
14
1.3 HIPÓTESE
Pelo fato de todos serem responsáveis pela destinação correta dos produtos, por terem
sido proprietários deles pelo menos uma vez, seja ao adquiri-los como insumos, matérias-
primas ou bens de consumo, a Lei n. 12.305/10 instituiu a responsabilidade compartilhada para
todos aqueles que participaram do “ciclo de vida do produto”. No entanto, diante dessa
responsabilização, é necessária uma maior fiscalização do poder público para a aplicação da
lei.
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1.5 JUSTIFICATIVA
Ainda, após uma pesquisa no Repositório Institucional (RIUNI), percebe-se que o único
trabalho que abrange o Direito Ambiental e a obsolescência programada é a “Obsolescência
planejada e suas implicações no âmbito do Direito Ambiental e do Consumidor” (CARNEIRO,
2018), tendo todas as outras como objeto principal o Direito do Consumidor. No entanto,
nenhum dos trabalhos encontrados teve apenas como objeto de estudo o Direito Ambiental,
sendo o foco desta monografia, portanto, mais aprofundado neste tema. Além disso, o
diferencial desta pesquisa é verificar se há possibilidade de aplicar a responsabilidade e de que
forma aconteceria.
Nesse sentido, é de extrema importância pesquisar e analisar o impacto que isso está
causando para o planeta, analisando a classificação e tipos de obsolescência programada, o
tempo de vida útil dos produtos em que essa técnica é aplicada, os efeitos e impactos no meio
ambiente, e outras questões que decorrem desse fenômeno.
1.6 OBJETIVOS
1.6.1 Geral
1.6.2 Específicos
Tocante à abordagem, ela é qualitativa, uma vez que o objetivo não é contabilizar
quantidades e resultados, mas sim compreender as causas e consequências da técnica
apresentada e analisar sua aplicabilidade no âmbito jurídico, de acordo com doutrinas e
jurisprudências.
Quanto ao procedimento utilizado para análise de dados, a problemática da pesquisa irá
se embasar pelos fundamentos doutrinários e jurisprudenciais, a fim de analisar a existência e
eficácia da responsabilização civil ambiental nos casos da técnica apresentada.
Ainda, tomará como referência os seguintes elementos: a construção histórica da
obsolescência programada; a caracterização diante dos tipos existentes; a análise da ilegalidade
da técnica frente aos princípios ambientais; o estímulo da técnica frente ao consumismo e a
análise da aplicação da responsabilidade civil em casos concretos.
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2 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA
Novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas
necessidades e desejo; o advento do consumismo inaugura uma era de ‘obsolescência
embutida’ dos bens oferecidos no mercado e assinala um aumento espetacular na
indústria da remoção do lixo.
das áreas utilizadas pela agricultura e valorização dos recursos hídricos do planeta (PHILIPPI
JR; ALVES, 2005).
Não obstante, juntamente com os fatores positivos vieram os negativos, isto é, a
agricultura passou a sujeitar o meio ambiente a grandes pressões, trazendo desgastes ao solo e
a ocorrência de desmatamento nas florestas (MORAES, 2015).
Além disso, outro fator significativo para a relação do homem com a natureza foram as
interferências religiosas ao longo da história, marcadas pelas religiões judaica, cristã e islâmica.
Segundo Ost (1995, p. 35), as religiões trouxeram uma visão relativa da natureza, deixando
claro que o Criador era omnipotente e havia entregado ao homem um bem maior para usufruto.
Assim, o ser humano entendia que a natureza era submissa a seus interesses e que havia sido
criada para satisfazer suas vontades.
De acordo com Corbisier (1988, p. 188), Deus é onipresente, não porque ocupa um
corpo ou lugar, mas sim porque é ele quem dá ao ser todas as coisas. Desse modo, assim como
a alma está em todas as partes do corpo, Deus está em todos os seres e em cada um em particular.
Nota-se a importância da religião na história do homem, visto que este passou a ter outra
visão sobre o mundo após sua influência.
Seguindo a linha histórica, foi uma questão de tempo até que os grupos, que antes eram
agrícolas, evoluíssem e criassem algo maior e mais complexo: as cidades. Nesse momento, o
homem migra do meio rural para o meio urbano, transformando o modelo de sobrevivência da
agricultura para o comércio (MORAES, 2015, p. 27).
No entanto, com o crescimento populacional acelerado, o mercado de trabalho não
conseguiu absorver todos os trabalhadores, principalmente pela falta de qualificação
profissional dos homens que haviam saído do campo e migrado para a cidade.
Segundo Moraes (2002, p. 10), a questão ambiental deve ser trabalhada não como
resultante de um relacionamento entre homens e a natureza, mas como uma faceta das relações
entre os homens, isto é, como um objeto econômico, político e cultural.
Nesse contexto, após a saída do campo para a cidade, a relação do homem com a
natureza passou a ser uma consequência das ações do ser humano. Isso porque o crescimento
populacional trouxe diversos impactos para a natureza, como o aumento de lixo, a criação de
favelas em áreas ilegais, a poluição e outros fenômenos.
No entanto, foi no século XV que houve a mudança mais significativa da visão do
homem sobre a natureza, com o início do movimento que se chamou de Modernidade. Dentro
desse processo nasceu o movimento Renascentista, no qual o homem estava liberto dos vínculos
naturais que o faziam pensar ser um lugar fixo e imutável no Universo, e a partir desse momento
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Obcecado por Deus, o homem não se via porque só tinha olhos para Deus no qual não
podia ver refletida a sua imagem. Como poderia o finito refletir o infinito?
Reconciliado com ele mesmo, o homem precisava ver-se, conhecer-se, inclusive em
sua dimensão física, material, em seu corpo, em seu rosto, de frente, de perfil e na
expressão de seu olhar. E é o espelho que traz essa possibilidade, de ver-se a si mesmo,
como só os outros, até então, podiam vê-lo. (1988, p. 278)
Portanto, tendo em vista que a partir desse pensamento o homem começou a valorizar-
se e priorizar seus interesses em relação ao uso da natureza, esse movimento teve grande
influência nos impactos atuais.
Posteriormente, no século XVIII, o mundo se deparou com uma nova fase: o movimento
iluminista. Também conhecido como século das luzes, esse movimento trouxe características
que eram inexistentes até então, como: liberdade, progresso, fraternidade, governo
constitucional e separação da Igreja-Estado.
Nesse momento, o homem já havia conquistado a liberdade de pensamento, no entanto,
com o movimento, conseguiu buscar uma capacidade nunca vista na história: fazer uso da
própria razão independentemente da direção de outrem, e principalmente da direção de Deus.
A liberdade individual se torna o centro da discussão sobre política à medida que a
filosofia política iluminista promovia a centralidade dos direitos individuais, diferenciando os
compromissos dos antigos e medievais da ordem e hierarquia. Nesse sentido, pode-se afirmar
que o Iluminismo teve sua primeira expressão teórica, mais concentrada, em fins do século
XVII, com o inglês John Locke – considerado o pai do liberalismo –, preocupado em
“modificar” a concepção de súditos da coroa britânica para cidadãos. Defenderia a liberdade e
a tolerância religiosa (MELLO; DONATO, 2011, p. 253).
De acordo com Crescenzo (2012, p. 5), a primeira fase da filosofia moderna ainda sofria
a influência dos séculos obscuros, uma vez que quem comandava as ideias era a Igreja, sendo
dirigida pelos padres. Com a chegada da segunda fase, o mundo dividiu-se em dois hemisférios
distintos: de um lado estavam aqueles que gostavam de raciocinar e de outro, aqueles que
preferiam crer na Igreja.
Assim, iniciou-se o movimento que abriu portas para o pensamento e trouxe liberdade
para o homem agir pelas próprias razões. Com todo esse crescimento, a relação do homem com
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a natureza mudou drasticamente, fazendo com que este tomasse propriedade e liberdade para
usufruir da natureza sem algum problema.
Como visto anteriormente, a relação do homem com a natureza iniciou-se logo com o
aparecimento da humanidade. Desde então, o ser humano passou por diversas mudanças, tanto
decorrentes da forma de pensar como das necessidades naturais que a sobrevivência impôs.
Contudo, da mesma maneira que a relação do homem com a natureza se transformou ao longo
do tempo, houve também uma mudança significativa na forma em que o consumo se faz.
O fenômeno chamado de consumo e denominado como ato de “adquirir e utilizar bens
e serviços para atender às necessidades” (LEONARD, 2011, p. 158) fez com que a sociedade
deixasse de ser uma sociedade de produtores, para se tornar uma sociedade consumerista.
De acordo com Bustamante (2007, p. 9, apud MORAES, 2015, p. 31), é necessário
classificar as necessidades que são embasadas pelo consumo como: básicas, culturais e do
sistema produtivo.
As primeiras, chamadas de necessidades básicas, a autora denomina “[...] como as
necessidades de alimentação e segurança, por exemplo, são insubstituíveis e imprescindíveis
para a manutenção da vida humana” (p. 31). Assim, percebe-se que essa é uma forma de
consumo necessária a sobrevivência do homem, ao qual sem ela seria impossível viver.
Quanto às necessidades culturais, “[...] são aquelas necessidades vinculadas ao sentido
de pertença à determinada classe/comunidade ou relacionadas a hábitos, podendo ser reais ou
induzidas” (p. 31). Aqui, tem-se a distinção entre a alta cultura, baseada nos padrões clássicos,
e a baixa cultura, baseada nas tradições populares. No entanto, ambas se relacionam por serem
necessidades decorrentes da cultura de cada sociedade.
Por fim, denomina as necessidades de consumo advindas do sistema produtivo como as
que “[...] se referem tanto aos insumos por eles utilizados quanto ao consumo do que foi
produzido, o que, como se verá a diante, acarreta na criação artificial de necessidades nos
consumidores” (p. 31). Assim, nota-se que essa é uma necessidade criada diretamente pelo
consumo, de modo que tornou mercadorias - que antes não eram necessárias - agora
indispensáveis para a vida humana.
Acerca do tema, importante ressaltar que:
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Na sequência, a modernidade entra na fase líquida, a qual teve como marco histórico o
fim da Segunda Guerra Mundial. No entanto, tendo em vista a alta capacidade de produção e a
escassez de capital, causadas pela fase anterior, foi nesse momento que o ideal consumerista
despencou.
Silva caracteriza a sociedade consumista da seguinte forma:
Nesse período, tem-se como referência o empresário Henry Ford, segundo Leonard
(2011, p. 96), o homem desenvolveu uma técnica cuja finalidade era dobrar o salário de seus
funcionários e reduzir suas jornadas de trabalho. Desse modo, os empregados teriam mais
tempo e dinheiro para poder consumir.
Neste preâmbulo, os homens eram a chave do mercado, isto é, era necessário mantê-los
trabalhando e consumindo. O trabalho já não era mais o foco principal, servia apenas para que
ganhassem dinheiro e após pudessem gastá-lo no mercado afora.
Conforme explica Silva (2014, p. 12), “a cultura consumista e individualista está tão
profundamente enraizada em nosso comportamento diário que, na maioria das vezes, não
percebemos o quanto vivemos sob a ditadura do ter”.
Dessa forma, percebe-se o quanto a transformação da sociedade se fez pela influência
do consumismo e de suas técnicas implementadas, não só na época, como até o momento.
De acordo com Slade (2007, p. 58), Justus George Frederick foi o homem que
reconheceu a técnica pela primeira vez em um artigo publicado na revista Advertising and
Selling. Para ele, esse fenômeno era chamado de “obsolescência progressiva” e significava
comprar para se atualizar, para estar moderno, dentro das regras de estilo, e não para utilizar o
produto até seu total desgaste.
O autor explica que a ideia era estimular a compra de novos produtos, mais eficientes,
atualizados e de novo estilo, em substituição ao antigo pensamento de usar os produtos até seu
desgaste. Além disso, os produtores tentaram mascarar o conceito de obsolescência, reduzindo
seus aspectos negativos e destacando o conceito de uma técnica “progressista” para o mercado
(SLADE, 2007, p. 58).
Com efeito, apesar de poucas obras bibliográficas nessa época, a técnica estava em
constante crescimento, de forma mascarada. E foi a partir desse artigo publicado que
começaram a nomeá-la como “obsoletismo” e “obsolescência programada” (MORAES, 2015,
p. 59).
Após esse período, os autores trouxeram um novo conceito para essa estratégia
consumerista. No entender de Vieira e Rezende (2015, p. 67):
Tal desejo constante por objetos com tecnologias mais avançadas faz com o que as
produções anteriores se tornem ultrapassadas num curto prazo, o que implica em
desperdício, com consequentes e drásticos impactos ao meio ambiente. Isso porque a
busca pelos recursos naturais é cada vez maior em função da estratégia empresarial
denominada obsolescência programada.
Segundo o autor, essa técnica é “louvável”, pois “todos aplaudimos quando podemos
discar um número a centenas de milhas de distância ao invés de fazer a ligação por intermédio
de telefonistas” (PACKARD, 1965, p. 51).
De fato, essa técnica pode ser benéfica se os produtos lançados forem mais tecnológicos,
fáceis de serem decompostos, menos poluentes e possíveis de reciclagem. No entanto, outras
questões devem ser analisadas, uma vez que o lançamento de novos produtos com tanta
frequência acaba intensificando a exploração dos recursos naturais e consequentemente a crise
socioambiental.
O segundo método é a obsolescência de qualidade, a qual, conforme Packard (1965, p.
51) acontece quando um produto é projetado para quebrar ou ser gasto em um tempo menor do
que levaria normalmente.
Para o desenvolvimento dessa estratégia, inicialmente, a indústria teria que praticar três
ações: o aumento das vendas, a elevação dos preços e a utilização de estratégias que pudessem
assegurar que os consumidores voltassem ao mercado para adquirir novos produtos antes do
que seria normalmente necessário (PAKARD, 1965, p. 88). Contudo, para garantir o êxito da
técnica, a indústria de mercado impôs o alto custo para a conservação e conserto dos bens de
consumo (PACKARD, 1965, p. 122).
As lâmpadas foram as primeiras vítimas desse fenômeno. Estudiosos relatam o
surgimento da sua prática já no século XIX, quando o cartel conhecido como Phoebus decidiu
que a vida útil de seus produtos (lâmpadas) deveria ser reduzida por meio de novas tecnologias,
a fim de obrigar os consumidores a adquirirem novas lâmpadas, aumentando assim as vendas
(MORAES, 2015, p. 52).
Foi a partir desse fato que os produtores começaram a perceber o quão benéfico para o
mercado seria implementar tecnologias que reduzissem o tempo de vida útil de seus produtos.
Por fim, tem-se a obsolescência de desejabilidade, a qual tem como objetivo tornar o
produto ultrapassado em razão do estilo. Nos dizeres de Packard (1965, p. 51), “[...] o produto
torna-se gasto em nossa mente porque um aprimoramento de estilo ou outra modificação faz
com que fique menos desejável”.
Com efeito, a invenção de marcas e a publicidade têm desempenhado um papel
fundamental no desenvolvimento da atual sociedade de consumo, tendo em vista que essa tática
visa a influenciar a compra de novos produtos em virtude de seu design “desejável” e moderno,
deixando de lado a análise de sua qualidade.
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Para Latouche (2009, p. 18), “[...] a publicidade nos faz desejar o que não temos e
desprezar aquilo de que já desfrutamos. Ela cria e recria a insatisfação e a tensão do desejo
frustrado”.
Além disso, Moraes (2015, p. 53) explica que “[...] em 1932, a obsolescência planejada
pela desejabilidade era a regra para os produtores de carros americanos, e essa estratégia foi tão
bem-sucedida neste ramo que se espalhou rapidamente para várias outras indústrias, tais como
de relógios e rádios”.
A propósito, a respeito das técnicas apresentadas, insta salientar que, de acordo com o
que escreve Magera (2013, p. 97-98), os países comunistas não chegaram a aplicá-las:
Nesse sentido, Bauman (2003, p. 99) descreve essa relação como um ciclo vicioso:
Ora, atualmente não é difícil o consumidor considerar o produto que tem em casa, velho
e ultrapassado, haja vista que novos modelos são lançados a toda hora. Percebe-se que, na
maioria dos casos, o modelo sucessor do produto já é implementado no mercado no ano
seguinte, ou antes, o que acaba desvalorizando os modelos anteriores e estimulando a troca,
mesmo que o produto a ser substituído não possua defeitos.
Como exemplo dessa situação, tem-se o caso do lançamento do iPad 4, da empresa
Apple, que lançou a versão poucos meses depois de ter colocado em circulação o iPad 3. Os
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usuários, embora a nova versão não apresentasse mudanças técnicas, viram o seu produto como
ultrapassado e procuraram comprar a nova versão (PENA, 2020).
De acordo com Andrade e Lima (2018, p. 1246):
A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem
do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de
responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo
meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o
dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo
social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana
(STOCO, 2007, p. 114).
De acordo com o artigo 927, caput, do Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts.
186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. O artigo 186 do Código Civil
define como ato ilícito “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral” (BRASIL,
2002).
Além disso, o artigo 187 do Código Civil dispõe que “também comete ato ilícito o titular
de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002).
Portanto, verifica-se que o primeiro elemento essencial para responsabilização civil é a
conduta humana, comissiva ou omissiva, e causadora de um dano ou prejuízo. No entendimento
de Maria Helena Diniz a conduta é:
Nesse norte, no Direito atual, a tendência é não deixar a vítima da conduta sem
ressarcimento, de forma a reparar seus danos, tanto morais quanto patrimoniais. Assim elucida
Carlos Alberto Bittar:
O ato ilícito nunca será aquilo que os penalistas chamam de crime de mera conduta;
será sempre um delito material, com resultado de dano. Sem dano pode haver
responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil. Indenização sem dano
importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e
pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é
reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava
antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda
evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum a praticamente todos
os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também,
determinante do dever de indenizar (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 71).
34
Outrossim, Moraes (2003, p. 143-145) explica que dano patrimonial é a diferença entre
o que se tem e o que se teria, não fosse o evento danoso. O próprio significado da palavra
indenizar provém do latim in dene, que significa devolver o patrimônio ao estado anterior, isto
é, eliminar o prejuízo e suas consequências.
Desse modo, nota-se que o dano patrimonial pode ser dividido entre danos emergentes,
com a diminuição de seu patrimônio ou por lucros cessantes, quando a vítima é prejudicada em
uma atividade que lhe traria vantagem econômica.
Por outro lado, segundo Guedes (2019), o dano moral é uma lesão de interesse não
patrimonial, uma violação a um estado psíquico do indivíduo. Ainda que seja normalmente
vinculado à dor, ao sofrimento, à tristeza, o dano moral não está restrito a estes elementos.
Carlos Roberto Gonçalves, ao tratar sobre o tema, assevera que:
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É
lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade,
intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X,
da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e
humilhação (GONÇALVES, 2008, p. 359).
35
Da mesma maneira, para Cupis (1996), o dano moral não se esgota na dor, pois, como
lesão de um interesse não patrimonial, está intimamente ligado à violação do direito de
personalidade em forma e maneira tal que a prova de sua violação contém a prova de sua
existência.
Dessa forma, é certo afirmar que a dignidade da pessoa humana está diretamente ligada
ao dano, uma vez que é na sua extensão que a ordem encontra seu próprio sentido,
estabelecendo a origem e os limites da interpretação e da aplicação normativa (PIOVESAN,
2000, p. 90).
O terceiro elemento constitutivo da responsabilidade civil é o nexo causal. No Direito
brasileiro, Tepedino (2001, p. 3) entende que em todas as espécies de responsabilidade civil “o
dever de reparar depende da presença do nexo causal entre o ato culposo ou a atividade
objetivamente considerada, e o dano, a ser demonstrado”, especialmente, “por quem o alega
(onus probandi incubit ei qui dicit, non qui negat), salvo nas hipóteses de inversão do ônus da
prova previstas expressamente na lei, para situações específicas”.
Estabelecer o nexo causal é fundamental para qualquer tipo de responsabilização,
sobretudo na seara ambiental, visto que o nexo causal possui dupla função: é tanto elemento de
imputação de responsabilidade quanto delimitador do valor reparatório (CRUZ, 2005).
Ainda, destaca Alsina (1995, p. 217), que o nexo de causalidade “é um elemento
objetivo, pois relaciona, por meio de um vínculo externo entre o dano e o fato da pessoa ou
coisa”.
Nessa perspectiva, percebe-se que o nexo causal consiste no liame lógico entre os fatos
em uma relação de causa e de consequência. Na responsabilidade civil, a causa é sempre uma
conduta humana, uma vez que os eventos gerados pela natureza não ocasionam
responsabilização. A consequência, por outro lado, é sempre o dano sofrido por uma pessoa,
seja na área patrimonial ou moral (AYRÃO, 2010).
(DELGADO, 2005, p. 184). Além disso, consoante o ensinamento de Di Pietro (2010, p. 66),
“princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam
todas as estruturações subsequentes”.
Na opinião de Canotilho (1999, p. 122), os princípios servem como critério de
interpretação e de integração do sistema jurídico, e desempenham um papel imediato ao serem
aplicados diretamente a uma relação jurídica. Para o autor, as três funções principais dos
princípios são impedir o surgimento de regras que lhes sejam contrárias, compatibilizar a
interpretação das regras e dirimir diretamente o caso concreto frente à ausência de outras regras.
Inicialmente, vale ressaltar que o presente trabalho visa a apresentar alguns dos
princípios que regem o Direito Ambiental brasileiro, pois exauri-los é tarefa árdua que não pode
ser realizada em tão poucas páginas, portanto, abordados aqui somente os principais para o
entendimento do objeto da obra: a obsolescência programada.
O meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais
que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração
busca assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos recursos naturais e
culturais (SILVA, 2002, p. 2).
De acordo com o artigo 225, da Carta Magna, o meio ambiente ecologicamente em
equilíbrio é um direito de todos, um direito fundamental, do qual irradiam todas as demais
interpretações que devem ter as normas ambientais. Observe-se o disposto no referido artigo:
“Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL,
1988).
Assim, ao dispor sobre o meio ambiente em seu artigo 225, a Constituição Federal
elenca dois princípios como fundamentais para o meio ambiente: o desenvolvimento
sustentável e a prevenção. Fiorillo (2009, p. 28) conceitua o princípio do desenvolvimento
sustentável da seguinte forma:
Além disso, o artigo 170, inciso VI, da Magna Carta contempla o princípio do
desenvolvimento de forma sustentável dentre aqueles da ordem econômica. Veja-se: “VI -
defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.” (BRASIL,
1988)
Dessa forma, percebe-se que o princípio do desenvolvimento sustentável tem previsão
constitucional e ressalta a função interventiva do Estado na economia tanto no aspecto da
exploração direta da atividade econômica pelo Estado quanto pelo aspecto indireto por meio da
normatização e regulação da atividade econômica.
Outro princípio previsto na Constituição Federal, também mencionado no artigo 225, é
o princípio da prevenção. “É aquele que determina a adoção de políticas públicas de defesa dos
recursos ambientais como uma forma de cautela em relação à degradação ambiental” (ROCHA,
2003, p. 56-57).
Prevenir significa agir antecipadamente e, para que essa atuação seja possível, é
necessário que se tenha pesquisa e informação organizada, que se alteram de acordo com o
desenvolvimento tecnológico de cada país. (MACHADO, 2009, p. 92).
O princípio da prevenção consiste no dever jurídico, genérico e abstrato, de evitar o
impacto negativo sobre o meio ambiente. Neste sentido, caso haja conhecimento da
superveniência de um dano ambiental, deve, ele, ser evitado na perspectiva do princípio da
prevenção. Por outro lado, se existir apenas uma possibilidade, um perigo incerto de um dano,
a atividade também necessita ser prevenida, contudo, através da noção do princípio da
precaução, posteriormente analisado (TESSLER, 2004, p. 115-116).
O professor Paulo Affonso Machado divide em cinco itens a aplicação do princípio em
exame:
Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da
poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização
dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta
o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.
(ONU, 1992)
Benjamin (1993, p. 227) afirma que o princípio do poluidor-pagador visa a fazer com
que o empreendedor inclua nos custos de sua atividade todos as despesas relativas à proteção
ambiental. Assim, mesmo que indiretamente, todos os produtores irão arcar com o custo
decorrente da poluição.
Por outro lado, a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento também dispõe sobre outro princípio, o princípio da responsabilidade, ao
estabelecer em seu princípio 13 que:
De acordo com Milaré (2001, p. 114), esse princípio “resulta das intervenções
necessárias à manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua
utilização racional e disponibilidade permanente”.
Desse modo, o advento em questão é de suma importância para o Direito Ambiental e
consiste na atuação do poder público, por meio de seu poder de polícia administrativa, para
limitar a atuação individual de utilização do meio ambiente, e, assim, assegurar o equilíbrio da
natureza.
Portanto, os princípios exercem uma função especialmente importante frente às outras
fontes do Direito Ambiental, visto que além de incidir como regra de aplicação, também
influenciam na produção das demais fontes do Direito.
indivíduo, não pode ser inserida no contexto de proteção social do meio ambiente,
direito e responsabilidade de todos, governo e sociedade.
A teoria do risco integral preconiza o pagamento pelos danos causados, mesmo tratando-
se de atos regulares, intencionais ou não, praticados por agentes no exercício regular de suas
funções (CRETELLA, 1972, p. 69).
Em outra vertente, sobre a aplicação da teoria do risco integral na responsabilidade civil
por dano ambiental, colhe-se da doutrina de Milaré (2001, p. 428):
Por outro lado, há doutrinadores, como Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, que rogam
severas críticas à admissão da Teoria do Risco Integral no Direito brasileiro, as quais merecem
transcrição como se segue:
[…] não se pode considerar correta a afirmação simplista e precipitada de que a teoria
do risco administrativo suscita obrigação indenizatória só do ato lesivo e injusto
causado à vítima. Bem diversos são os fundamentos dessa teoria. A responsabilidade
objetiva pela teoria do risco administrativo exige a ocorrência do nexo de causalidade
entre a atividade do Estado e o dano causado como conseqüência. Se não houver esse
nexo, exigir-se-á o Estado de qualquer responsabilidade. Porém, na concepção
43
defender e preservar o meio ambiente, tanto para a presente quanto para as futuras gerações
(BRASIL, 1988).
Posteriormente, a responsabilidade compartilhada foi elencada pela Lei n. 12.305/2010,
também conhecida como “Política Nacional de Resíduos Sólidos” (PNPS), em seu inciso XVII,
do artigo 3º, e inciso VII, do artigo 6º. Veja-se:
Portanto, tendo em vista que todos os indivíduos que passaram pelo ciclo de vida do
produto são responsáveis pela destinação correta destes, o gerador de resíduos só terá sua
responsabilidade suspensa a partir do momento em que lhes der a destinação final
ambientalmente adequada.
A autora Maria Carolina de Melo Santos explica o instrumento da seguinte forma:
[...] observa-se que, se para que haja relação de consumo é necessária a presença de
ambos (fornecedor e consumidor), para que se evite ou repare os danos ambientais
oriundos de tal prática deve-se exigir, na mesma medida, a participação de ambas as
partes. Com efeito, a PNRS considera como geradores de resíduos todas as pessoas,
físicas ou jurídicas, particulares ou públicas, que, por meio de suas atividades,
produzem resíduos, advertindo, a lei, que aqui se encontra incluído o consumo.
45
Art. 30 [...]
Parágrafo único. A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos
tem por objetivo:
I - compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de
gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo
estratégias sustentáveis;
II - promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia
produtiva ou para outras cadeias produtivas;
III - reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os
danos ambientais;
IV - incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de
maior sustentabilidade;
V - estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos
derivados de materiais reciclados e recicláveis;
VI - propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade;
VII - incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental. (BRASIL, 2010)
Além disso, o artigo 31 da lei em questão estabelece que os sujeitos indicados terão
responsabilidade nos seguintes casos:
De acordo com o inciso I, do artigo 31, os sujeitos destacados têm total responsabilidade
no investimento, no desenvolvimento, na fabricação e na colocação do produto no mercado.
Extrai-se, pois, deste artigo, a possibilidade de responsabilização da obsolescência programada,
uma vez que a técnica tem sido desenvolvida para estimular o consumo em razão da diminuição
da durabilidade dos produtos.
Ademais, as alíneas “a” e “b” do inciso I determinam que a responsabilidade abrange a
reutilização, reciclagem e que o uso do produto gere a menor quantidade de resíduos sólidos
possíveis. Contudo, ao contrário disso, a obsolescência programada aumenta significativamente
a quantidade de resíduos sólidos e se torna impossível de reutilização, visto que o produto é
criado com o objetivo de ficar obsoleto antes do tempo e ser descartado sem possibilidade de
conserto.
Outrossim, o artigo 33, do dispositivo que instituiu a PNRS, determina que os
responsáveis são obrigados a estruturar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos
produtos após o uso pelo consumidor. Nesse viés, o inciso VI destaca que os produtos
eletroeletrônicos e seus componentes devem contar com essas medidas:
Nesse contexto, considerando ser o Brasil um país no qual se faz presente tanto o
incentivo aos desenvolvimentos industrial e tecnológico quanto as desigualdades
(econômica, social e educacional), a preocupação com normas e procedimentos que
tracem balizas à exploração dos recursos naturais, e do meio ambiente de forma geral,
é ainda mais urgente. A PNRS é um dos instrumentos voltados a tais fins. Responsável
por regulamentar o manejo e gerenciamento de diversos tipos de resíduos produzidos
pelas atividades humanas, o referido diploma legal desempenha um papel
fundamental na proteção e recuperação do meio natural.
Eco (1993 apud AMORIM, 2008, p. 67) afirma que “encontramos o meio de eliminar a
sujeira, mas não de eliminar os resíduos. Porque a sujeira nascia da indigência, que podia ser
reduzida, ao passo que os resíduos [...] nascem do bem-estar que ninguém quer mais perder”.
Dessa forma, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos exige
atitudes individualizadas e encadeadas de cada um dos agentes envolvidos, é um importante
instrumento na solução de um dos maiores desafios que a sociedade encara atualmente em
relação à geração excessiva de resíduos, e sua criação trouxe a possibilidade de punir os sujeitos
responsáveis por essa técnica que já se mostrou prejudicial ao meio ambiente.
Cada um tem seu papel a cumprir, mas para isso é necessário que cada indivíduo saiba
o que deve ou não fazer. Para que a responsabilidade compartilhada seja possível, é
imprescindível que haja informação e orientação. Desse modo, fornecer o máximo de
informação possível ajuda a entender os impactos decorrentes desse fenômeno e, assim,
diminuir a prática da obsolescência programada.
48
Novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas
necessidades e desejos; o advento do consumismo augura uma era de ‘obsolescência
embutida’ dos bens oferecidos no mercado e assinala um aumento espetacular na
indústria da remoção do lixo.
Vieira e Rezende (2015, p. 74) explicam que “não restam dúvidas de que a estratégia
empresarial de programar a diminuição da vida útil do produto é danosa ao meio ambiente, e
portanto, deve sofrer retaliação, imputando a responsabilidade civil ambiental decorrente do
dano ambiental”.
Assim, sabendo que o meio ambiente é um direito fundamental garantido a todos, e que
deve ser preservado e sustentado de forma a resguardá-lo, importante entender quais os
impactos que a técnica vem causando ao planeta e como os tribunais responsabilizam os autores
desse fenômeno.
49
O relatório revela o valor anual de lixo eletrônico global como superior a 62,5 bilhões
de dólares, mais que o PIB [Produto Interno Bruto] de muitos países. Mais de 44
milhões de toneladas de lixo eletrônico e elétrico foram produzidas globalmente em
2017 – equivalente a mais de 6 quilos para cada habitante do planeta. Isto é o
equivalente ao peso de todos os aviões comerciais já produzidos. Menos de 20% do
lixo eletrônico é formalmente reciclado, com os 80% restantes indo para aterros ou
sendo informalmente reciclados – em grande parte manualmente em países em
desenvolvimento, expondo trabalhadores a substâncias perigosas e cancerígenas como
mercúrio, chumbo e cádmio. A presença de lixo eletrônico em aterros contamina o
solo e os lençóis freáticos, colocando em risco sistemas de fornecimento de alimentos
e recursos hídricos.
Ademais, importante frisar que “além de impactos à saúde e poluição, gestão imprópria
de lixo eletrônico está resultando em uma perda significativa de materiais brutos escassos e
valiosos, como ouro, platina, cobalto e elementos terrestres raros” e ainda que “até 7% do ouro
do mundo podem estar atualmente em lixo eletrônico, com 100 vezes mais ouro em uma
50
tonelada de lixo eletrônico do que em uma tonelada de minério de ouro” (NAÇÕES UNIDAS
BRASIL, 2019).
Pois bem, nota-se que inúmeros são os impactos dos lixos eletrônicos, desde a
contaminação de solo e lenções freáticos, colocando em risco o sistema de fornecimento de
alimentos e água, até a perda de materiais valiosos e escassos, como, por exemplo, o ouro.
Ao longo do trabalho, verifica-se que o consumo exagerado, estimulado pelo fenômeno
da obsolescência programada, é um dos causadores de lixos eletrônicos. No entanto, o ato de
consumir em si não é o problema. O consumo é necessário para a sobrevivência de toda e
qualquer espécie. O problema é quando o consumo de bens e serviços sucede de forma
exagerada, levando à exploração excessiva de recursos naturais, interferindo no equilíbrio do
planeta.
A publicidade tem grande importância neste dilema, pois sua função é persuadir visando
a um consumo dirigido e direcionado. Contudo, ela acabou sendo utilizada por grandes
empresas como um instrumento de estímulo ao descarte de produtos que, tecnicamente estavam
em condições perfeitas de uso, mas visualmente se tornavam obsoletos para a sociedade. Essa
técnica é chamada de obsolescência programada de desejabilidade.
Outrossim, a obsolescência programada de qualidade também é um dos fenômenos
causadores do lixo eletrônico. No presente trabalho restou demonstrada a utilização dessa
técnica para diminuir a vida útil dos produtos e acelerar a compra de novas mercadorias. Dessa
forma, grandes empresas descobriram uma forma de fazer com que as pessoas busquem novos
itens em um curto tempo de uso, acarretando descarte de lixos eletrônicos sem necessidade,
pois poderiam ser utilizados por mais tempo.
Ao relacionar o fenômeno da obsolescência programada ao meio ambiente, Bergstein
(2014, p. 3) alerta:
Do mesmo modo, acerca dos impactos ambientais decorrentes desse fenômeno, elucida
Santos (2017, p. 8-9):
Além disso, acerca do papel do Governo neste combate, o documento (ONU, 1992, p.
24) elucida que:
Após a Agenda 21, 10 (dez) anos depois foi realizada em Joanesburgo, no ano de 2002,
a Rio+10, a qual resultou em dois documentos, a “Declaração Política” e o “Plano de
Implementação”, o primeiro para admitir que os objetivos traçados pela Rio92 não haviam sido
cumpridos e o segundo com metas para se alcançar o desenvolvimento sustentável. (LEFT,
2006, p. 138).
Assim, no capítulo III, o Plano de Implementação de Joanesburgo propôs o incentivo e
a promoção de um programa de 10 (dez) anos para apoiar as iniciativas regionais e nacionais
de aceleração do processo de alteração dos padrões de produção e consumo (ONU, 2002, p. 6).
Seguindo nessa evolução da discussão acerca dos padrões de produção e consumo, 10
(dez) anos depois da Conferência da Rio92, a cidade do Rio de Janeiro, em 2012, sediou a
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20), cujos resultados
não foram nada positivos.
54
Após 21 (vinte e um) anos de tramitação no Congresso Nacional, a PNRS foi instituída
pela Lei n. 12.305/10 e denominou os princípios, objetivos, instrumentos e as diretrizes relativas
à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, bem com as responsabilidades dos
geradores e do poder público (BRASIL, 2010).
Importante ressaltar que, embora a lei trate de uma política voltada para a gestão dos
resíduos sólidos de forma coerente, mostra uma visão sistemática ao tratar de questões
englobando todo o ciclo de vida dos produtos e deixa clara, em seus objetivos, a necessidade
de priorizar a não geração e a redução da produção de resíduos sólidos (MORAES, 2015, p.
146-147).
De plano, insta salientar que o artigo 6º da referida lei consigna expressamente como
princípios da PNRS, por exemplo, o princípio da prevenção e precaução, do poluidor-pagador,
do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos
produtos (BRASIL, 2010).
Em decorrência desses princípios, a lei define como alguns dos seus objetivos:
55
Além de instituí-la em seu artigo 6º, inciso VII, como um princípio da PNRS, a lei
reservou a seção II, especialmente o artigo 30, para essa responsabilidade, dispondo como
objetivos:
Art. 30. É instituída a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos,
a ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos
serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, consoante as
atribuições e procedimentos previstos nesta Seção.
Parágrafo único. A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos
tem por objetivo:
I - compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de
gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo
estratégias sustentáveis;
II - promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia
produtiva ou para outras cadeias produtivas;
III - reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os
danos ambientais;
IV - incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de
maior sustentabilidade;
V - estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos
derivados de materiais reciclados e recicláveis;
VI - propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade;
VII - incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental. (BRASIL, 2010)
[...] a informação clara sobre a previsão de durabilidade do produto seria uma forma
de auxiliar os consumidores a escolherem produtos que durem mais, por exemplo. O
alerta sobre as consequências ambientais do produto em todas as etapas de seu ciclo
de vida, bem como do consumismo em propagandas de bens de consumo seria,
também, outra forma de conscientizar os consumidores a primarem por uma
valorização de manutenção dos bens que já possuem, substituindo a lógica da
efemeridade e do desperdício, pela desmaterialização da felicidade e o elogio à
suficiência.
minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica
exigida pelo órgão público competente, na forma da lei” (BRASIL, 1988).
Para tanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, no dia 20 de abril de 2020,
como matéria de repercussão geral, a imprescindibilidade da pretensão de reparação civil de
dano ambiental. O tema é objeto do Recurso Extraordinário n. 654.833, que trata de dano
ambiental causado por madeireiros na exploração de terras indígenas no Acre nos anos 1980, e
no qual se busca afastar a tese da imprescindibilidade.
Na decisão, o tribunal, por maioria, apreciando o tema 999 da repercussão geral,
extinguiu o processo com julgamento de mérito com base no artigo 487, inciso III, alínea “b”,
do Código de Processo Civil (CPC), ficando prejudicado o recurso extraordinário nos termos
do voto do Relator Alexandre de Moraes, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio
e Dias Toffoli, que davam provimento ao recurso.
No julgamento, o STF proferiu a seguinte ementa:
Dessa forma, verifica-se que reparação do dano ambiental deve sempre conduzir o meio
ambiente a uma situação, na medida do possível, equivalente àquela de que seria beneficiado
se o dano não tivesse sido causado. E, nessa matéria, o princípio da reparação integral do dano
tem inteira aplicação, devendo-se levar em consideração não só o dano causado imediatamente
como também toda a extensão dos danos produzidos em consequência do fato à qualidade
ambiental, incluindo o dano moral ambiental verificado.
Segundo Albergaria (2009, p. 136), “só o fato de exercer uma atividade que cause um
dano já é condição para se acionar a justiça. O risco é integral e absoluto, segundo boa parte da
doutrina, e sequer admite qualquer tipo de exclusão da responsabilidade civil”.
Analisado por Silva (2007, p. 299):
Dano ecológico é qualquer lesão ao meio ambiente causada por condutas ou atividades
de pessoa física ou jurídica de Direito Público ou de Direito Privado. Esse conceito
harmoniza-se com o disposto no art. 225, §3°, da Constituição da República, segundo
o qual as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
interdependentes da obrigação de reparar os danos causados.
59
Neste sentido, importante destacar a decisão do STJ (BRASIL, 2014) sobre um acidente
ambiental ocorrido no estado de Minas Gerais:
Sobre o assunto, Delgado (2008, p. 103) afirma que “falar em dano moral ambiental
ainda pode deixar muitos leitores surpresos, sendo um assunto desconhecido pela maioria da
sociedade. Afinal, coerente pensar onde estaria o sentimento de dor, angústia, desgosto e aflição
no âmbito do meio ambiente”.
No entanto, nota-se a consignação a partir desse julgado de que não há necessidade da
coletividade sentir dor, indignação ou qualquer sentimento do tipo para configurar o dano
moral. Tão somente é necessário que a coletividade sofra ofensa à honra, à dignidade, à história
e à seu direito ao meio ambiente equilibrado, para configurar o dano.
São exemplos desse fenômeno: a reduzida vida útil de componentes eletrônicos (como
baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico inflacionamento do
preço do mencionado componente, para que seja mais vantajoso a recompra do
conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar
o consumidor a atualizar por completo o produto (por exemplo, softwares); o produtor
que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a fabricação de
insumos ou peças necessárias à antiga. (BRASIL, 2012)
Consumidor tem direito à reparação de falha oculta até o fim da vida útil do produto
e não só durante garantia. O prazo para o consumidor reclamar de defeito ou vício
oculto de fabricação, não decorrentes do uso regular do produto, começa a contar a
partir da descoberta do problema, desde que o bem ainda esteja em sua vida útil,
independentemente da garantia. (BRASIL, 2012)
O processo acima envolvia uma fornecedora de tratores agrícolas movendo uma ação
de cobrança contra um consumidor que, após três anos e quatro meses da aquisição, realizou
serviços necessários para o reparo do bem vendido, contudo, a garantia contratual era de oito
meses ou 10.000 (dez mil) horas de uso, requeria, portanto, o ressarcimento pelos serviços
prestados, que totalizavam R$ 6.811, 97 (seis mil, oitocentos e onze reais e noventa e sete
centavos).
Segundo o acórdão, o fornecedor do produto alegava que o defeito havia surgido após a
expiração do prazo de garantia do produto e o problema apresentado decorria da natureza do
bem, que deveria ser considerado como desgaste natural. Entretanto, ficou demonstrado no
início do processo que a durabilidade do produto, de acordo com as normas técnicas, era três
vezes maior que aquela definida pelo fabricante.
Nesse caso, o Tribunal reconheceu se tratar de um típico caso de obsolescência
programada, a obsolescência de qualidade:
Ressalte-se, também, que desde a década de 20 - e hoje, mais do que nunca, em razão
de uma sociedade massificada e consumista -, tem-se falado em obsolescência
programada, consistente na redução artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo
63
de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura. (BRASIL,
2012)
fatores do acúmulo de lixo eletrônico, trazendo dano ao meio ambiental, no entanto, será que
já há julgados sobre isso?
4.3.2 Ação coletiva contra a empresa Apple no Direito brasileiro e no Direito francês
O consumo sempre foi uma atividade praticada pelo homem, ocorre que ao longo do
tempo, juntamente com as mudanças sofridas na sociedade, também passou por uma
transformação. Antes o consumo era destinado a atingir as necessidades simples e de
subsistência, mas chega ao contexto atual como significado de vida do indivíduo (MORAES,
2015).
Um grande exemplo é a empresa Apple, a qual está envolvida em uma das primeiras
demandas judiciais abrangendo a problemática da obsolescência programada. Distribuída em
06 de fevereiro de 2013, na 12ª Vara Cível de Brasília, sob o n. 2013.01.1.016885-2, cuida-se
de uma Ação Civil Coletiva, proposta pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito da
Informática (IBDI), em desfavor da fornecedora Apple, cujo objeto da ação é a acusação de
prática comercial abusiva, através da obsolescência planejada, configurada a partir do momento
que a empresa, após 05 (cinco) meses de ter lançado o seu produto iPad 3 em território nacional,
lançou o iPad 4, que sem ter apresentado muitas inovações tecnológicas, fez do produto
65
antecessor algo obsoleto, afirmando que a Fornecedora poderia ter lançado o iPad 3 com os
recursos tecnológicos do modelo 4, mas, propositalmente, não o fez (BRASIL, 2017).
Por estas razões de direito, o IBDI pede a condenação da Apple para que, sem qualquer
custo adicional, troque todos os iPads 3 adquiridos pelos brasileiros. Requerendo ainda
indenização pela prática da técnica da obsolescência planejada em dois parâmetros, um
individual, no que se refere ao dano causado a cada consumidor vitimado pela prática da
obsolescência, no valor de 50% (cinquenta por cento) do valor do produto; e outra pelo dano
coletivo, correspondente ao valor médio de 30% (trinta por cento) calculado sobre cada unidade
do iPad 3 vendida no país. Atualmente o processo está suspenso por depender do julgamento
de outra ação (BRASIL, 2017).
Colhe-se da jurisprudência:
Não se pode exigir que o mercado tenha uma visão social, pois a sua visão é
preponderantemente de vantagem individual própria (lucro). Sem este ânimo não há
mercado. Porém, não é a soma das vontades individuais que forma a vontade coletiva.
São necessários instrumentos que resguardem e promovam uma atitude social. E o
direito econômico deve, como uma norma social, que é a norma jurídica, garantir tais
interesses. A natureza pública das suas normas e os poderes privados a que se dirigem
formam os dois polos do direito econômico.
A empresa não está fazendo muitos favores por ser um pouco opaca. É claro que
controvérsias como essa - sustentadas por teorias da conspiração em torno da
obsolescência planejada - surgem porque existe uma falta de comunicação entre
fabricantes de dispositivos como Apple e consumidores. Também está claro que a
Apple, que dificulta sua abertura e reparo, pode fazer um trabalho melhor ajudando
os consumidores a entender os benefícios da substituição da bateria. Isso é algo que a
empresa parece menos inclinada a fazer quando pode significar renunciar à venda de
um novo iPhone a cada 12 a 24 meses.
entanto, fica a dúvida se a Apple não poderia ter sido mais transparente, divulgando claramente
que o problema existia. A lentidão faz os usuários perguntarem se eles deveriam comprar um
iPhone novo e não uma bateria nova, quando o aparelho estiver mais lento, o que acaba gerando
o consumo excessivo.
Por outro lado, importante destacar que a técnica realizada pela Apple foi devidamente
reconhecida e responsabilizada em outros países. Na França, por exemplo, no ano de 2018, a
DGCCRF (agência francesa de vigilância contra fraudes de consumidores) entrou na justiça
contra a empresa. Porém, na França, a situação é ainda mais grave, uma vez que reduzir
deliberadamente o tempo de vida de um produto para aumentar a taxa de substituição é ilegal
(MOBILE TIME, 2020).
O site jornalístico Mobile Time (2020) explica que a decisão saiu no presente ano,
condenando a Apple ao pagamento de uma multa de 25 (vinte e cinco) milhões de euros para o
governo francês por obsolescência programada nos iPhones. A principal falha da Apple foi em
não alertar os usuários que o Sistema Operacional (OS) deixaria seus celulares mais lentos.
Como resultado, vários usuários foram obrigados a trocar a bateria ou até os smartphones, o
que gerou diversos impactos ambientais por conta dos lixos eletrônicos.
A este propósito: “Na decisão publicada no dia 7 de fevereiro de 2020, a DGCCRF –
órgão similar ao brasileiro Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] – confirmou
que a Apple deixou os iphones 6,7 e SE mais lentos depois de atualizar o sistema operacional
para versões 10.2.1 e 11.2” (MOBILE TIME, 2020).
Além disso, segundo o site Mobile Time (2020): “Vale lembrar que esta não é a primeira
multa recebida pela Apple por obsolescência programada. Em outubro de 2018, a empresa
recebeu uma punição de 10 milhões de euros do governo italiano pelo mesmo problema:
lentidão em handsets após atualização do iOS”.
Dessa forma, verifica-se a diferença de tratamento jurídico da obsolescência
programada no Brasil para os países afora, pois nesses últimos a técnica é penalizada não
somente na esfera cível como também na esfera criminal, com o objetivo de combater os efeitos
negativos causados ao meio ambiente. Assim, embora a legislação disponha sobre a
sustentabilidade e o direito a um meio ambiente equilibrado a todos, o presente estudo se fez
necessário em razão da ausência de responsabilização ambiental no Brasil nos casos de
obsolescência programada.
Além disso, a comparação feita neste último tópico demonstrou a flexibilização das
normas jurídicas brasileiras quando comparadas às estrangeiras, pois de nada adianta ter leis
firmes se elas não forem cumpridas e aplicadas no caso concreto. Destarte, além da informação
69
5 CONCLUSÃO
aqueles que participaram do ciclo de vida do produto, esta seria a mais eficaz no combate à
obsolescência programada, e que para isso seria necessária uma maior fiscalização do poder
público para aplicação da lei, foi confirmada. Verificou-se, também, no presente estudo, a
necessidade de compatibilização entre direito, sustentabilidade e educação, visto que combater
a obsolescência programada é, além de proteger o consumidor, proteger o direito fundamental
a um meio ambiente saudável a todos.
72
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