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UNIVERSIDADE POTIGUAR

ALANNA MARIA MENDES FRAZÃO


RAFAELLA DE LOURDES DOS SANTOS RAMOS

ESPETACULARIZAÇÃO DO CRIME:
A EXPLORAÇÃO MIDIÁTICA DA CRIMINALIDADE E A
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA

NATAL/RN
2022
ALANNA MARIA MENDES FRAZÃO
RAFAELLA DE LOURDES DOS SANTOS RAMOS

ESPETACULARIZAÇÃO DO CRIME:
A EXPLORAÇÃO MIDIÁTICA DA CRIMINALIDADE E A APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Graduação da universidade
Potiguar como requisito parcial para obtenção
do título de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Esp. Gabriel Lucas de Moura Souza

NATAL/RN
2022
ALANNA MARIA MENDES FRAZÃO
RAFAELLA DE LOURDES DOS SANTOS RAMOS

ESPETACULARIZAÇÃO DO CRIME:
A EXPLORAÇÃO MIDIÁTICA DA CRIMINALIDADE E A APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi


julgado adequado à obtenção do título de
Bacharel e aprovado em sua forma final pelo
Curso de Graduação em Direito, da
Universidade Potiguar.

Natal/RN, de de 2022.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Esp. Gabriel Lucas de Moura Souza (Orientador)


Universidade Potiguar

Prof. (titulação: Esp., Me. ou Dr.)


Universidade Potiguar

Prof. (titulação: Esp., Msc. ou Dr.)


Instituição de Ensino
AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Deus e aos nossos familiares pelo apoio e incentivo à realização deste artigo.
RESUMO

O presente artigo destina-se a analisar a atual problemática referente à divulgação midiática dos
crimes cotidianos ao passo em que direciona o estudo aos reflexos desta disseminação à vida
do acusado, pessoa garantida pelo Princípio da Presunção de Inocência, positivado na
Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu art. 5º, inciso LVII. Para tanto, serão apontados
os efeitos conquistados pela indústria de entretenimento quanto esta inclina-se à
espetacularização de fatos delitivos e seus agentes; considerando, ainda, a relevância
constitucional da liberdade de expressão (art. 5º, IX, CF/88), da liberdade de imprensa (art. 220,
caput, CF/88) e seus limites quanto à dignidade do suspeito e à proteção do Processo Penal,
concluindo com a afirmação da importância em observar a Proporcionalidade no que se refere
ao Direito e a Mídia, de modo que a distribuição de informações não deva ser realizada
indiscriminadamente. Utilizou-se, na pesquisa, os métodos dedutivo e referencial bibliográfico,
respaldando-se a adoção de obras e da legislação que discorrem a respeito dos pontos
averiguados.

Palavras-chaves: Crime. Entretenimento. Princípio da Presunção de Inocência.


ABSTRACT

This article aims to analyze the current problem regarding the media dissemination of everyday
crimes while directing the study to the reflexes of this dissemination to the life of the accused,
a person guaranteed by the Principle of Presumption of Innocence, affirmed in the Brazilian
Federal Constitution of 1988. To this end, the effects achieved by the entertainment industry
will be pointed out when it tends to the spectacularization of criminal facts and their agents;
considering also the constitutional relevance of freedom of expression, freedom of the press
and their limits regarding the dignity of the suspect and the protection of the Criminal
Procedure, concluding with the affirmation of the importance of observing Proportionality with
regard to Law and the Media; so that the distribution of information should not be carried out
indiscriminately. In the research, the deductive method and the bibliographic reference were
used, supporting the adoption of works and legislation that discuss the investigated points.

Keyword: Crime. Entertainment. Principle of Presumption of Innocence.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7

1 A VEICULAÇÃO DE NOTÍCIAS CRIMINAIS ............................................................... 8

1.1 MÍDIA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA ................... 10

1.2 A FIGURA DO ACUSADO COMO EFEITO DO SENSACIONALISMO MIDIÁTICO


.................................................................................................................................................. 11

2 O SENTIMENTO DE VINGANÇA EM DETRIMENTO AO PRINCÍPIO DA


PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA .......................................................................................... 12

3 O CRIME COMO ESPETÁCULO ................................................................................... 14

4.1 CASO ESCOLA BASE ...................................................................................................... 15

4.2 CASO BOATE KISS – JULGAMENTO ........................................................................... 17

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 19

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 20
7

INTRODUÇÃO

No século atual, não se pode ignorar a importância da mídia à construção da consciência


social de cada indivíduo. Uma vez veiculada determinada informação, esta é difundida num
crescimento exponencial que alcança, até mesmo, aqueles que nem a procuraram. Com a
facilidade tecnológica adquirida pelo processo de globalização, hoje, as notícias chegam até as
pessoas quase que de maneira automatizada.
Desde o início da humanidade, a troca social é necessária para a evolução do indivíduo
como ser. Ainda que cada um carregue, dentro de si, seus princípios e valores, é inegável a
necessidade de tentar entender como o outro pensa e age no meio de convivência em comum.
Uma das maneiras que o homem encontrou a fim de adquirir informações foi exatamente
através da disseminação de notícias; assim, mesmo não tendo participado ativamente de
determinada situação, poderá tomar conhecimento do que aconteceu - formando seu próprio
juízo de valor. Entretanto, a expansão de pareceres midiáticos pode causar um desequilíbrio
comunitário: o ligeiro conflito entre repassar um episódio ao telespectador e a manipulação
sensacionalista sob a opinião pública dá início à certa desarmonia que atinge o Estado
Democrático de Direito e os sujeitos que lhe integram.
Para a ordem coletiva, onde atinge o perigo oferecido por qualquer irresponsabilidade da
imprensa criminal? Obviamente, nas Leis; são elas as encarregadas pela estruturação de um
sistema organizado ao qual nos submetemos em busca de paz global. Designados à manutenção
do organismo jurídico que nos rege, as regras e princípios funcionam como garantias
fundamentais inatas aos cidadãos. É fato, também, que o Processo como instrumento de
aplicabilidade jurídica obriga o respeito pelos preceitos constitucionais que o cercam.
Enfatizando que, no Brasil, a Ação Penal se inicia devendo reverência à Constituição
Federal no sentido de considerar não-culpado o réu que ainda não obteve sentença penal
condenatória transitada em julgado, este Princípio da Presunção de Inocência é veementemente
ferido, muitas vezes, antes do início processual – ainda no nascimento da notícia, quando se
trata de um caso repercutido. É onde mora a responsabilidade dos meios de comunicação sob a
integridade dos envolvidos.
Ao ser transformado, inconsequentemente, um caso criminoso em palco de exibição
nitidamente a fim de benefício lucrativo, o Direito Penal é ferido; não somente as prerrogativas
daquele que se vê na posição mais desfavorável, mas todo o conjunto positivado que lidera a
população. Sendo assim, a falta de supervisão à imparcialidade incumbida ao âmbito
8

jornalístico pode comprometer desfechos processuais? E quais são as chances de o indiciado,


posicionado desfavoravelmente e linchado pelo público, ter remediada sua figura perante a
nação? Qualquer um pode tornar-se vítima da imprensa, e ter, corrompida, sua garantia à
Justiça.
Diante disso, a proposta desse artigo é analisar a irresponsabilidade dos meios de
comunicação ao relatarem crimes os transformando num verdadeiro cenário de entretenimento;
além de, concomitantemente, empregar um urgente debate sobre o fato de ficarem em segundo
plano os direitos dos acusados no que tange, especialmente, ao Princípio da Presunção de
Inocência como abertura do processo. Princípio, este, a que todos os cidadãos estão
assegurados.
Por meio de pesquisa bibliográfica e utilização do método de abordagem dedutivo, o artigo
se desenrola em três partes: a primeira, analisa a relevância da comunicação social indo de
encontro ao Direito e como pode negativamente atingi-lo quanto aos aspectos jurídicos da
liberdade de expressão e liberdade de imprensa; descrevendo, ainda, a imagem do acusado
diante do Processo Penal como resultado do comportamento midiático. Posteriormente, a
segunda parte delimita-se à definição histórica do Princípio da Presunção de Inocência, um
marco jurídico que “desacorrentou” muitos indivíduos sujeitos a um sistema inquisitório – o
Absolutismo. Finalizando, a última parte do artigo debate a descrição do crime como indústria
de entretenimento financiada por grandes empresários do ramo jornalístico e publicitário,
mencionando exemplos significativos ao objeto de estudo: o caso Escola Base e o caso Boate
Kiss.

1 A VEICULAÇÃO DE NOTÍCIAS CRIMINAIS

Desde produções milionárias da indústria de entretenimento a programas sensacionalistas


nacionais, o crime é uma nítida obsessão global para audiência. As histórias de crimes e de seus
envolvidos, seja vitima ou acusado, fascinam os telespectadores, ainda que exista uma
discussão complexa sobre a ética em alimentar esse fascínio e onde ele pode chegar. Casos
com grande repercussão na mídia causam um verdadeiro clamor social, transformando-se numa
exigência para a solução do caso associada à necessidade de uma resposta imediata do poder
judiciário.
Os veículos de propagação das notícias formam, atualmente, um grupo detentor de grande
responsabilidade social: a formação da opinião pública. É bem verdade que, sustentados sob
9

grande poder de influência, distribuem ideias que interferem na vontade, no comportamento e


no convívio populacional. E o Direito Penal, como parte da estrutura que mantém a ordem
social, também é atingido pela mídia. Ao atribuírem e divulgarem seu próprio juízo de
reprovabilidade, os meios de comunicação, por vezes, atuam como “tribunais”, causando
grande preocupação àquele que se encontra na posição de acusado. Os cidadãos, naturalmente
e em ciclo, acompanham a disseminação de declarações que podem, por consequência, gerar
um julgamento a partir de presunções pessoais pautadas em posicionamentos que, às vezes,
violam preceitos do processo jurídico comum.
Diante desse cenário, a sentença, que em regra é proferida ao final do processo, é declarada
antes mesmo pela sociedade. Um claro exemplo, é o que ocorre nos Tribunais do Júri. De acordo
com o art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, é de competência do Tribunal do Júri
julgar os crimes dolosos contra à vida. Dessa forma, a natureza do crime, por si só, gera uma
forte comoção na sociedade, intensificada pela grande cobertura midiática do caso. Com isso,
o Júri, que deveria julgar de acordo com as provas apresentadas e/ou com as teses defendidas
pela acusação e defesa, julgam com o propósito de entregar a resposta esperada pela sociedade.
Sob enfoque histórico, é importante relembrar que, mesmo na Idade Antiga, período em que
se formaram as primeiras civilizações, as sanções já existiam como meio de manter a
comunidade protegida, uma vez que o ser humano, desde sempre, possui a capacidade de
prejudicar a si e aos seus semelhantes. Assim, o castigo era fruto de uma reação coletiva. À luz
de Cleber Masson1, a história das punições coincide com o início da existência da humanidade,
considerando, dessa forma, que a evolução de uma pena se desenvolve para atender às
necessidades de cada época. Destarte, num cenário em que a sociedade deseja, acima de
qualquer trâmite constitucional, retribuir o mal que outrem causou, o objetivo da sanção passa
a ser conectado a um sentimento esperado de vingança.
Faz-se necessário frisar que, na atualidade, o verdadeiro detentor do poder de punir é o
Estado, ainda que em nome do indivíduo que sofreu, outrora, violação ao seu bem jurídico.
Entretanto, ao passo em que o Estado deve resguardar direitos violados de um cidadão, deve,
também, resguardar os direitos fundamentais daquele que os violou. Conforme disposto no
texto da Constituição da República Federativa Brasileira, em seu artigo 5º, inciso LVII, o
Estado-Juiz somente executará o infrator após sentença penal condenatória irrecorrível; Este é

1 MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Rogério Masson – 4. ed. rev.,
atual., e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011.
10

o Princípio da Presunção de Inocência ou Não Culpabilidade, uma vedação constitucional em


confronto à ultrapassada vingança privada, aceita na Idade Antiga.

1.1 MÍDIA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA

Define-se “mídia” como o “meio através do qual as informações são divulgadas” (MÍDIA,
2021)2, ou seja, mídia é conjunto de meios de comunicação, como rádio, televisão, jornais,
imprensa, sites, entre outros. Entretanto, segundo Rodrigo Vilalba, a mídia, além de ser um
veículo de comunicação, atua, também, como um agente social, sendo, de acordo com Vilalba3,
“socialmente responsável pela organização de um discurso ideologicamente orientado e que
institucionalmente se apropria dos enunciados originais, preservando-os ou alterando-os de
modo variado”.
Em relação a liberdade de expressão, é um dos princípios fundamentais mais sagrados
garantido pela Constituição Federal. Então, a liberdade de expressão, mas especificamente a
liberdade de informação e de imprensa, é absoluta? De acordo com Ingo Sarlet 4, apesar da sua
extrema importância para um Estado democrático, a liberdade de expressão não é absoluta e é
limitada, inclusive, por outros direitos fundamentais. É inegável o importante papel da mídia,
sobretudo após o período obscuro vivido pelo Brasil durante a ditadura militar. Com isso, a
Constituição Federal de 1988, em diversos artigos, garante a liberdade de expressão em diversas
manifestações, como a liberdade de consciência e de crença (art. 5º., VI), a livre expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º., IX), a livre manifestação
do pensamento (art. 5º., IV), entre outros.
Contudo, é necessário cautela, principalmente, quando a imprensa está fazendo cobertura
de uma investigação criminal ou até mesmo de um processo em andamento, onde, em alguns
casos, pessoas são expostas, depoimentos que deveriam ser sigilosos são exibidos em rede
nacional, investigados são mostrados como “culpados” sem ao menos ter um processo penal
iniciado. Como supramencionado, a liberdade de imprensa, englobada na liberdade de
expressão, não tem caráter absoluto e deve respeitar outros princípios constitucionais, como o
Princípio da Presunção de Inocência e a Dignidade da Pessoa Humana.

2 MÍDIA. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2022. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/midia-2/. Acesso em: 17/04/2022.
3 VILABA, Rodrigo. Teoria da comunicação: conceitos básicos. São Paulo: Ática, 2006, p.34.
4 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel
Mitidiero. – 7. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
11

1.2 A FIGURA DO ACUSADO COMO EFEITO DO SENSACIONALISMO MIDIÁTICO

Na prática, a missão precípua dos meios de comunicação é repassar uma informação à


população em tempo hábil, auxiliados pelo recolhimento de fatos do acontecimento a ser
divulgado. Ao mesmo tempo, torna-se valioso observar, cautelosamente, os interesses desta
indústria de vertiginosas manchetes. O telespectador rapidamente toma conhecimento a respeito
de quem são os envolvidos na situação, alastrando-se, descomedidamente, informações
particulares tais como nomes, endereços e imagem dos cidadãos. Na modernidade, com o
advento do uso de redes sociais, as notícias já não são apenas veiculadas por um só meio, mas
por diversos, todos almejando lucro sob a venda de notícias a consumidores deste tipo de
conteúdo, que, para alguns tornou-se entretenimento.
Toda essa exibição, munida de detalhes, até interfere de maneira que parece positiva à
segurança pública, em contrapartida, quaisquer posicionamentos exagerados, caracterizados
pelo sensacionalismo da mídia, põem em risco a dignidade daquele que agiu em
desconformidade ao Código Penal. Entretanto, essa propagação desenfreada transforma,
precocemente, o acusado em condenado, que passa a receber a caracterização de bandido,
delinquente, criminoso, nocivo à convivência harmônica entre indivíduos. Esta é uma sequência
de claras violações aos direitos fundamentais de qualquer cidadão, até mesmo daquele que, em
minoria, cometeu ato delitivo.
Em vez de polemizar ainda mais um acontecimento que, por si, é uma questão de interesse
mútuo para a população, deve, a mídia, preocupar-se em preliminarmente apanhar as demandas
jurídicas que envolvem o caso, uma vez que estamos todos resguardados sob um direito
positivado, abarcado de rituais e dispositivos a serem considerados dependendo do caso
concreto. A imagem “vilanizada” de um indivíduo, estimula, para a coletividade, o desejo de
realizar a justiça antes mesmo do processo chegar às mãos do juiz. Por conseguinte, os
desconhecedores do processo penal como instrumento para aplicação da lei utilizam-se da
comunicação social para apresentar quais sejam suas sugestões acerca da execução da pena ao
passo em que pressionam a decisão do Poder Judiciário.
12

2 O SENTIMENTO DE VINGANÇA EM DETRIMENTO AO PRINCÍPIO DA


PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O Princípio da Presunção de Inocência estabelece, historicamente, seu marco em meados


do século XVIII – período conhecido pelo sistema político denominado Absolutismo –, quando
até mesmo a dúvida do inquisidor ensejava à condenação ao acusado. À época, as penas de
tortura e prisões arbitrárias advindas de um poder monárquico concentrado geravam, na
população, um desconhecimento quanto ao uso de ferramentas protetivas para o decorrer do
processo punitivo.
Com o início da Revolução Francesa e a ascensão do iluminismo, tal garantia fundamental
consagrou-se, no ano de 1789, à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu
artigo 9º definindo que “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se
julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser
severamente reprimido pela lei”; cristalina resposta àqueles que, ao conceberem a denominação
de infratores, viam, ao mesmo tempo, ser suprimido ou, até mesmo, ignorado os seus reais
direitos a defesa. No cenário brasileiro, promulgados em 1992 ao nosso ordenamento jurídico,
o Pacto Internacional sobre Direitos Civis de 1966 através do Decreto nº 592 e Convenção
Americana sobre Direitos Humanos de 1969 pelo Decreto nº 678 indicam, respectivamente,
que “toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto
não for legalmente comprovada sua culpa”5 e, ainda, “toda pessoa acusada de delito tem direito
a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”6. Destaca-se,
ainda, que após a Segunda Grande Guerra o princípio ficou estabelecido na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, em 1948, sob intermédio da ONU. Os referidos diplomas
legais, de relevância universal, ressalvam o reflexo da observância desta garantia para a
segurança não só do denunciado, mas de todo o esquema processual.
Constitucionalmente, o art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República Federativa do
Brasil positiva que “ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”7 reafirmando a necessária estruturação de um Estado Democrático de Direito ao

5 BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992.Decreto que promulga o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos/MRE. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, p. 8716. 07 jul. 1992. Seção 1
6 BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Decreto que promulga a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São Jose da Costa Rica) – MRE. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, p.
15562. 09 nov. 1992. Seção 1
7 BRASIL. Constituição (1988), Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Art. 5º
13

passo em que estipula a possível privação à liberdade de um cidadão unicamente baseada num
interesse processual, ainda que para suprir determinada demanda pública. Entretanto, para a
sociedade, existe uma linha tênue entre a satisfação da justiça executada pelo poder estatal e o
contentamento ao sentimento de vingança particular inerente a cada indivíduo. À luz de Cesare
Beccaria, em sua obra “Dos delitos e das penas”, merece destaque questionar: qual o
fundamento do direito de punir?
É bem verdade que, desde sempre, o “monstro do ódio” sobre fatos criminais alcança a
opinião pública de forma determinante: a população, motivada pelo ânimo psicológico, vê o
poder e a força como os meios ideais a se manter justiça. Entretanto, se não existissem
legisladores e juristas comprometidos à conservação do nosso sistema jurídico, a barbárie
estaria anunciada. Presumindo inocência como dever de tratamento, no início do processo,
àquele que fora acusado, preservam-se os direitos de todos os envolvidos no caso concreto; a
fim firmar, o Estado, seu principal objetivo no que tange à jurisdição, que é a manutenção da
ordem social. E muito embora não se deva esperar um crime acontecer para que seja combatido,
a prevenção também está na positivação das leis.
Ainda a título de manter a sociedade precavida em favor da segurança pública,
modernamente não se pode negar a notabilidade do papel jornalístico ao Estado; todavia, a
transmissão de cada caso deve ser translúcida, sob o risco de atingir princípios constitucionais,
sendo, um deles, o da presunção de inocência. Nesse sentido, a imprensa é conhecida como
“quarto poder”, em virtude da influência que exerce – associada aos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário – em impulsionar, por meio da veiculação jornalística, influência ao
comportamento dos cidadãos. Sendo considerada poder, mesmo que doutrinariamente, carrega
a grande responsabilidade moral e ética sobre tal manutenção de transparência opinativa.
Ao expor um cidadão de maneira ofensiva, o desrespeito ao princípio da presunção de
inocência se faz maior do que a urgência em noticiar. Não raro, se observa o conflito entre a
liberdade de informação jornalística e a preservação pela integridade social do denunciado –
ser humano, que como integrante do nosso meio comum, não merece ser condenado à exclusão.
Posteriormente, ao ser comprovado o dano, a retração e a indenização trarão de volta a
dignidade roubada? E, se ao fim do processo, ficar comprovada a inocência e seguinte
absolvição do réu?
É preciso que haja uma ponderação sobre o atual exercício midiático e dos meios de
comunicação virtuais acerca do Direito Penal, e, ainda, que se reforcem os efeitos da Carta
14

Magna e das Leis em busca do equilíbrio entre: noticiar quem é o infrator e a vítima ou criar
mais uma vítima dentro da mesma notícia, desta vez tendo a sociedade como agressora?
Sabe-se que a Proporcionalidade funciona como reguladora da aplicação dos demais
princípios constitucionais, evitando-se que haja alguma hierarquia entre eles. Logo, o
balanceamento, não obstante gradativo, entre o ânimo vingativo individual do ser humano em
conjunto ao incentivo do meio comunicativo, protegeria todo e qualquer cidadão dos
julgamentos arbitrários os quais nos livramos há muitas décadas.

3 O CRIME COMO ESPETÁCULO

O espetáculo8 é definido como uma apresentação pública que deslumbra, impressiona,


chama atenção de quem assiste, e possui a finalidade de entreter. Já o crime, segundo o autor
Cleber Masson9 é “toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens
jurídicos penalmente tutelados”, em conformidade com o critério material ou substancial.
Mas qual a relação entre ambos? Bem, percebe-se que o crime provoca fortes emoções
humanas, seja o medo, o espanto, a revolta, e esses sentimentos são intensificados dependendo
da ação delituosa que foi praticada, como crimes cometidos com violência, por exemplo. Em
razão dessa reação causada nas pessoas, a mídia, utilizando sua influência, transforma o crime
em um espetáculo, divulgando o fato e os agentes envolvidos no crime, de maneira massiva,
em busca de altos índices de audiência. Então, como acontece em um show de música, quanto
maior for o espetáculo, maior será a reação do público.
Por conseguinte, essa espetacularização do crime acarreta sérios prejuízos para ordem
social, uma vez que esses consumidores de conteúdos sobre criminalidade vão perdendo a
confiança no poder do Estado de proteger e julgar adequadamente. Pode-se citar como exemplo
dessa mobilização social, para realizar sua própria “justiça”, o fato ocorrido em 2014, quando
uma mulher, Fabiane, foi agredida pela população após uma notícia veiculada na internet, que
utilizava uma foto parecida com ela, informar que a mulher em questão, praticava magia negra
com crianças. Fabiana foi amarrada e agredida injustamente, sendo condenada à morte por um
delito que sequer praticou.

8 ESPETÁCULO. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2022. Disponível
em:https://www.dicio.com.br/espetaculo/. Acesso em: 06/05/2022.8
9 MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte geral – Vol. 1/ Cleber Rogério Masson. – 4º ed. – Rio
de Janeiro : Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 169.
15

Ademais, a forte influência da opinião pública em casos de grande repercussão social,


impulsiona o agir dos entes responsáveis pela investigação criminal e influenciam até mesmo
decisões judiciais, o que fere preceitos legais e gera insegurança jurídica. Neste contexto, essa
pressão pública por uma resposta severa do Estado ante o ato explorado midiaticamente, pode
ocasionar decisões tomadas de forma parcial, para saciar a sociedade, sem levar em
consideração o que a jurisprudência ou até a própria lei preconiza ao caso concreto, o que fere
preceitos constitucionais.
A seguir, serão expostos exemplos “famosos” de casos que claramente sofreram influência
com a espetacularização do fato tido como crime.

4.1 CASO ESCOLA BASE

Um caso histórico foi o da “Escola Base”. Segundo informações do Portal UOL, duas mães
de alunos do referente colégio da cidade de São Paulo, acusaram seis pessoas de praticar
“orgias” com seus filhos10, isso aconteceu em 1994.
Após notarem comportamentos atípicos em seus filhos, as mães buscaram a 6ª Delegacia,
no bairro do Cambuci, informando que “seus filhos de quatro e cinco anos estavam sendo
molestados sexualmente na escola, e talvez, levados numa Kombi para orgias num motel, onde
seriam fotografados e filmados11”. Além disso, sem maiores provas, as mães contactaram a
Rede Globo - que após duas décadas foi condenada a pagar indenização aos donos e motorista
da escola -12 e a partir desse momento as vidas de Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada
(proprietários da escola), Paula Milhim Alvarenga e seu marido Maurício Monteiro Alvarenga
(professora e motorista do transporte escolar das crianças) e do casal Saulo e Mara Nunes (pais
de um aluno) mudaram complemente.

10 BUONO, Vinicius. Caso Escola Base: A mentira que abalou o Brasil em 1994. UOL, 11 jun 2020. Disponível em:
<https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-o-que-foi-o-caso-escola-base-fake-news.phtml> Acesso
em 18/05/22.
11 LIMA, Raymundo de. Delação e escola: o caso da Escola Base. In Revista Espaço Acadêmico, Maringá, 2005, no
54,mensal – ISSN 1519.6186 – ano V. Disponível em:
<https://web.archive.org/web/20170225052142/https://www.espacoacademico.com.br/054/54lima.htm> Acesso em:
06/05/2022.
12 PRAGMATISMO POLÍTICO. Caso Escola Base: Rede Globo é condenada a pagar R$ 1,35 milhão. 17 dez 2012.
Disponível em: <https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/12/caso-escola-base-rede-globo-e-condenada-pagar-r-135-
milhao.html> Acesso em 18/05/2022
16

A imprensa, irresponsavelmente, explorou a história contada pelas mães com máxima


intensidade, antecipando a “condenação social” das pessoas envolvidas; a exemplo disso,
instituindo, inclusive, manchetes intituladas: “Kombi era motel na escolinha do sexo”13.
As investigações foram, incialmente, conduzidas pelos holofotes midiáticos, o que gerou
diversos prejuízos aos investigados, inclusive, a prisão arbitrária de Richard14, que não possuía
15
nenhuma ligação com o caso. De acordo com Aury Lopes Jr ., a existência do fommus
commissi delicti é requisito para decretar uma prisão cautelar, ou seja, é necessário a prova da
existência do crime e indícios suficientes de autoria, o que não foi, claramente, respeitado neste
caso.
Em razão disso, a população revoltada acompanhava com indignação o caso e perseguia os
supostos acusados, causando o fechamento da escola e, até mesmo, a depredação da casa de um
deles16.
Após a substituição do delegado, ficou constado que todos os acusados eram inocentes, e
os “culpados pela mídia” tornaram-se, agora, as vítimas - após o estrago causado em suas vidas,
tendo em vista toda a “demonização” incentivada pelos meios de comunicação televisivos17.
Ademais, como menciona Pacelli18, a instauração de uma investigação criminal, por si só, já
afeta a cidadania do investigado: na constituição de sua dignidade, de sua reputação social, além
de causar transtorno na sua tranquilidade.
A retratação da mídia não ocorreu na mesma proporção das acusações e os processos
movidos contra a imprensa e o Estado nunca serão suficientes para apagar os danos causados a
essas pessoas.

13 JUSTIFICANDO. Da Série “Julgamento históricos”: Escola Base, a condenação que não veio pelo judiciário. 10/12/14.
Disponível em: http://www.justificando.com/2014/12/10/da-serie-julgamentos-historicos-escola-base-a-condenacao-que-nao-
veio-pelo-judiciario/> Acesso em 18/05/2022
14 CANAL CIÊNCIAS CRIMINAIS. Como o caso Escola Base enterrou socialmente os envolvidos. 18/05/18. Disponível
em: <https://canalcienciascriminais.com.br/caso-escola-base/>
15 LOPES JR., Aury. Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 18. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.872.
16 JUSTIFICANDO. Da Série “Julgamento históricos”: Escola Base, a condenação que não veio pelo judiciário. 10/12/14.
Disponível em: http://www.justificando.com/2014/12/10/da-serie-julgamentos-historicos-escola-base-a-condenacao-que-nao-
veio-pelo-judiciario/> Acesso em 18/05/2022
17 JUSTIFICANDO. Da Série “Julgamento históricos”: Escola Base, a condenação que não veio pelo judiciário. 10/12/14.
Disponível em: http://www.justificando.com/2014/12/10/da-serie-julgamentos-historicos-escola-base-a-condenacao-que-nao-
veio-pelo-judiciario/> Acesso em 18/05/2022
18 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal/ Eugênio Pacelli de Oliveira. – 18. ed. rev. e ampl. atual. de
acordo com as leis nº 12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. – São Paulo : ATLAS, 2014, p. 55.
17

Sendo assim, o caso do educantário infantil Base deve ser visto como alerta para o poder
midiático; poder, este, que impacta não só as investigações ou os processos criminais, mas a
integridade psíquica e a qualidade de vida de pessoas, ferindo direitos fundamentais.

4.2 CASO BOATE KISS – JULGAMENTO

Em 27 de janeiro de 2013, conforme dados do portal G1 Rio Grande do Sul, um terrível


incêndio na Boate Kiss, localizada na cidade de Santa Maria/RS, matou cerca de 242 pessoas e
mais de 600 ficaram feridas19, onde a maioria das vítimas eram jovens universitários que
estavam no local para uma festa destinada a eles.
No dia do fato, a banda Gurizada Fandangueira se apresentava na boate e após um dos
integrantes da banda acender um artefato pirotécnico, iniciou-se a tragédia20.
Durante o processo criminal, os sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr e Mauro
Londero Hoffmann, o vocalista da banda Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor musical
Luciano Bonilha Leão foram pronunciados por homicídio simples (242 vezes consumados e
636 vezes tentado). Após 10 dias de julgamento, o Conselho de Sentença do Tribunal de Júri
condenou os 4 réus às penas que variam de 18 (dezoito) a 22 (vinte e dois) anos de reclusão21.
Aqui, cabe a interrogativa: o Juri decidiu somente baseado em convicções adquiridas no
decorrer do julgamento?
O Brasil e, por óbvio, cada jurado integrante deste Juri Popular, provavelmente acompanhou
toda repercussão causada à época; e é fato inegável que o infeliz acontecimento comoveu toda
a população, dada a forma como ocorreu e a quantificação de vítimas; numa comemoração
voltada a universitários desfrutando de sua jovialidade. Jamais imaginaram como terminaria
aquela noite.
Quiseram, os réus, que o nefasto resultado fosse alcançado? Não é ilógico acreditar que os
empresários e os músicos, propositalmente, prejudicariam centenas de vidas, incluindo as
próprias?

19 G1. Tragédia da boate Kiss completa 8 anos: ‘Todo janeiro passa um filme na cabeça’, diz sobrevivente. 27 jan.
2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/01/27/tragedia-da-boate-kiss-completa-8-anos-
todo-janeiro-passa-um-filme-na-cabeca-diz-sobrevivente.ghtml> Acesso em 16/05/22.
20 Caso Kiss: Condenados os quatro réus. TJRS, 2021. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br/novo/caso-
kiss/noticias/?idNoticia=78627>. Acesso em: 08/05/2022.
21 Caso Kiss: Condenados os quatro réus. TJRS, 2021. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br/novo/caso-
kiss/noticias/?idNoticia=78627>. Acesso em: 08/05/2022.
18

Todavia, antes de analisar o julgamento do caso da Boate Kiss, é necessário compreender a


diferença entre crime doloso e culposo, definida pela doutrina. De acordo com o autor Rogério
Sanches22, o crime doloso ocorre “sempre que o agente quiser o resultado (dolo direto) ou
assumir o risco de produzi-lo (dolo eventual)”. Já a culpa, é definida como “o crime cujo
resultado não for querido ou aceito pelo agente, mas que, previsível, seja proveniente de
inobservância dos deveres de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia)”.
Entretanto, neste caso, o mais importante é compreender a diferença entre dolo eventual e
culpa consciente, defendidos pela acusação e pelas defesas, respectivamente. De acordo com
Guilherme Nucci23, nas duas situações o agente prever o resultado que sua ação pode causar,
apesar de que na culpa consciente o agente não admita o resultado como possível, esperando,
sinceramente que não ocorra. Já no dolo eventual, o agente admite a possibilidade do resultado
se concretizar, sendo-lhe indiferente.
O caso gerou, na sociedade, a aflição por uma resposta – que, se realizou após 8 anos de
espera. A população brasileira, em sua maioria, entende que justiça, para o caso relatado, deve
ser sinônimo de condenação com a pena máxima. Ora, uma tragédia com 242 mortos e mais de
600 feridos não pode ser esquecida e seus responsáveis não podem “sair” impunes.
Para o Ministério Público, autor da ação, os réus assumiram o risco, “revelando total
indiferença e desprezo à vida humana24”, ao implantar espuma altamente inflamável e tóxica;
contratar show que sabiam que havia fogos de artifícios; por manter a casa noturna lotada e sem
condições de evacuação; por acionar o artefato que iniciou o incêndio e ainda por sair do local
sem alertar o público, mesmo estando com o microfone próximo.
25
Durante o julgamento, que pôde ser acompanhando ao vivo pela internet , restou
evidenciado que não houve o dolo na conduta dos réus, inclusive, três deles estavam dentro da
boate no momento do fato, correram os mesmos riscos que as vítimas, perderam amigos e entes
queridos na tragédia.

22 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte geral (arts. 1º ao 120)/ Rogério Sanches Cunha. – 8º
ed.rev. ampl. e atual – Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 198.
23 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado/ Guilherme de Souza Nucci – 18. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de
Janeiro: FORENSE, 2017, p. 189.
24JADER MARQUES. Razões de Apelação da Boate Kiss apresentadas (disponível no link da BIO). 15 mar. 2022.
Instagram: @jadermarquesadv. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CbIqwSAvdFB/>. Acesso em 14/05/2022.
25 UOL. Caso Boate Kiss: acompanhe o 1º dia de julgamento no TJ-RS ao vivo. Youtube, 012022. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=7Y1RAtISJiI>. Acesso em: 01/12/2022.
19

Conforme parecer, anexado nas razões de apelação do réu Elissandro Spohr, elaborado por
Alexandre Wunderkich e Marcelo Ruivo, a pedido do advogado Jader Marques, aponta que “o
fato é que a afirmação do eventual conhecimento de algum risco não significa, de maneira
alguma, aceitação de um perigo que extrapole os limites da culpa”. E ainda, “o conjunto de
provas permite somente permite a conclusão de que os acusados não previram o resultado como
provável e, portanto, não ‘consentiram’ com o resultado do acidente”.
Ademais, diante do comportamento da mídia, os jurados já estavam contaminados pela forte
opinião social, e decidindo baseados na emoção, no clamor dos familiares, no anseio da
população e não nas teses apresentadas pela defesa ou acusação.
Uma vez que o Tribunal do Juri funciona, para o réu, como um meio de demonstrar as
circunstâncias daquilo que lhe fora imputado; devem, os jurados, agir distantes de qualquer
influência externa ao tribunal. Essa garantia se dá pelo “Princípio da Incomunicabilidade” e
pela fiscalização dos oficiais de justiça durante o julgamento.
Conforme leciona Paulo Rangel, a incomunicabilidade amparada na lei é “para que o jurado
decida por si, sem influência estranha”26
27
Assim, a sentença condenatória lida pelo juiz Orlando Faccini Neto , resta clara a
observarmos que a condenação dos réus foi um meio de compensação, para trazer alivio àqueles
que sofreram, de forma direita ou indireta, com a tragédia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na inspeção para discernir e demarcar o papel da media class como quarto poder à nossa
estrutura social, foi preciso refletir sob uma reunião de problemáticas conflituosas ao Direito
Penal e ao Direito Processual Penal. De maneira generalizada, a imprensa funciona com
benemerência à Segurança Pública, sendo habilidosa ao fornecer dados informativos acerca de
crimes cotidianos. Restou demonstrada, portanto, a necessidade de reconhecer-se uma
emergência em confrontar a liberdade do meio de comunicação quando, este, arrodeia
indivíduos.

26 RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica / Paulo Rangel. – 6. ed., rev., atual. e
ampl. – São Paulo: Atlas, 2018.
27 Boate Kiss: Veja a íntegra da sentença que condenou quatro réus. Migalhas. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/quentes/356542/boate-kiss-veja-a-integra-da-sentenca-que-condenou-quatro-reus.>. Acesso
em: 14/12/2021.
20

Diante de um contexto moderno que, diariamente, normaliza a disseminação de


especulações e adentra à mentalidade dos telespectadores, é preciso pensar – cautelosamente –
no cuidado à integridade do acusado na notícia. Considerando a literatura aqui disposta,
destaca-se a inobservância ao Princípio da Proporcionalidade à distribuição das manchetes,
ensejadora da desordem informativa. Analisar a dinâmica deste princípio, que pilota o
enfrentamento de hierarquia entre os outros princípios existentes, é inevitável para que se
conduza a um jornalismo sensato, ponderado e de acordo com a verdadeira Justiça.
Entende-se que crimes naturalmente acontecem e os infratores devem, sim, ser incumbidos
de cumprir as devidas penas cominadas - entretanto, de maneira equilibrada e legítima - sendo
aplicadas por àqueles que conduzem o nosso Poder Judiciário. O que tem se visto, porém, é a
circulação de um “tribunal” formado pelos que acompanham programas policiais, jornais e
internet. E o combate a esta informalidade não pode cessar; estimular a construção de
“justiceiros” leigos jamais será mais digno que enunciar, diligentemente, o ocorrido.

REFERÊNCIAS

Boate Kiss: Veja a íntegra da sentença que condenou quatro réus. Migalhas, 2021.
Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/356542/boate-kiss-veja-a-integra-da-
sentenca-que-condenou-quatro-reus.>. Acesso em: 14/12/2021.

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-
1994/d0592.htm#:~:text=Toda%20crian%C3%A7a%20ter%C3%A1%20direito%2C%20sem,
da%20sociedade%20e%20do%20Estado> Acesso em 27/05/2022

BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Decreto que promulga a Convenção


Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São Jose da Costa Rica) – MRE. Diário Oficial
21

da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, p. 15562. 09 nov. 1992. Seção 1.


Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm#:~:text=Ningu%C3%A9m%20dev
e%20ser%20submetido%20a,passar%20da%20pessoa%20do%20delinq%C3%BCente.>
Acesso em 27/05/2022

BUONO, Vinicius. Caso Escola Base: A mentira que abalou o Brasil em 1994. UOL, 11 jun.
2020. Disponível em: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-o-
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Como o caso Escola Base enterrou socialmente os envolvidos. CANAL CIÊNCIAS


CRIMINAIS, 2018. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/caso-escola-
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POLÍTICO, 2012. Disponível em: <https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/12/caso-
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22

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23

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