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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ANDERSON CABRAL RODRIGUES

CRIMINOLOGIA CRÍTICA:
A INSUFICIÊNCIA DO MODELO DE PENSAMENTO MARXISTA PARA EXPLICAR
A OCORRÊNCIA DE CRIMES PATRIMONIAIS NA MICRORREGIÃO DE
CRICIÚMA

Palhoça

2018

ANDERSON CABRAL RODRIGUES


CRIMINOLOGIA CRÍTICA:
A INSUFICIÊNCIA DO MODELO DE PENSAMENTO MARXISTA PARA
EXPLICAR A OCORRÊNCIA DE CRIMES PATRIMONIAIS NA
MICRORREGIÃO DE CRICIÚMA

Projeto de pesquisa na área de Direito


Penal, Controle e Sistema de Justiça, da
linha de pesquisa “Justiça e Sociedade”,
apresentado ao curso de graduação em
Direito, da Universidade do Sul de Santa
Catarina, como requisito parcial para
aprovação na Unidade de Aprendizagem
Projeto de Trabalho de Curso em Direito.

Orientadora: Prof. Msc. Priscila de Azambuja Tagliari

Palhoça

2018

ANDERSON CABRAL RODRIGUES

2
CRIMINOLOGIA CRÍTICA:
A INSUFICIÊNCIA DO MODELO DE PENSAMENTO MARXISTA PARA
EXPLICAR A OCORRÊNCIA DE CRIMES PATRIMONIAIS NA
MICRORREGIÃO DE CRICIÚMA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi


julgado adequado à obtenção do título de
bacharel em Direito e aprovado em sua
forma final pelo Curso de Direito da
Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, _____ de ________de2018.

_________________________________________
Prof. eorientador Priscila de Azambuja Tagliari, Msc.
Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________
Profa.
Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________
Prof.
Universidade do Sul de Santa Catarina

3
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

TÍTULO DA MONOGRAFIA:
SUBTÍTULO DA MONOGRAFIA

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total


responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente
trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação
do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer
reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e


criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça, ____ de ____ de_____.

ANDERSON CABRAL RODRIGUES

4
Dedico este trabalho aos meus
sogros, Sr. Rubens de Braga e Sra.
Rosalina Maria Braga, sem os quais
este sonho seria impossível.

5
AGRADECIMENTOS

A conclusão de um trabalho monográfico simboliza o fim de um período


muito importante na vida acadêmica. Não se trata de um resumo dos últimos
anos, mas de um marco importante de mais um ciclo de estudos, o qual
assume a importância que tem talvez por simbolizar não o fim, mas o início de
uma nova etapa.

Assim considero este trabalho, que representa também a conclusão de


minha graduação em Direito. Sinto-me satisfeito. Capaz de realizar voos
maiores, de caminhar mais um passo em minha jornada.

Por isso sou grato. Agradeço a todas as pessoas que apoiaram a


realização de mais esta etapa na minha vida. Agradeço aos meus familiares, os
quais sempre depositaram grande confiança em minha capacidade e sem os
quais eu jamais teria conseguido chegar até aqui.

Em especial, agradeço a minha esposa, parceira de todos os sonhos.


Agradeço também ao meu filho, ao qual espero que isto lhe sirva minimamente
de inspiração para buscar o que acredita e de sempre se esforçar.

A todos os demais que não menciono aqui e que também de alguma


forma me apoiaram, também sou grato. Que minhas ações sejam símbolo
dessa gratidão e de minha amizade.

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RESUMO

Este trabalho monográfico pretende analisar em que medida a Criminologia


Crítica é capaz de avaliar o crescimento ou não da criminalidade na
Microrregião de Criciúma, nos anos de 2008 a 2010. O presente trabalho
apresentará um panorama histórico do desenvolvimento das escolas penais e
posteriormente se concentrará na análise da escola radical para o caso
concreto.

Palavras-chave: Criminologia, Escola Radical, Escola Crítica, Economia,


Crimes patrimoniais.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – População residente e situação de domicílio, comparativo


entre Santa Catarina, Mesorregião Sul e Microrregião de Criciúma, 2000
e 2010.......................................................................................................... 37
TABELA 2 – Indicadores gerais do mercado de trabalho e posição na
ocupação por microrregião* - Sul Catarinense/SC, 2000 e 2010................ 39
TABELA 3 – Índice IDH-M para os municípios da microrregião de
Criciúma (2000-2010).................................................................................. 40
TABELA 4 – Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (ano base
2013)............................................................................................................ 41
TABELA 5 – Ocorrências registradas de furtos e roubos de veículos nas
cidades da microrregião de Criciúma.......................................................... 44
TABELA 6 – Variações percentuais nos registros de furtos e roubos na
microrregião de Criciúma entre os anos de 2008-2009 e 2009-2010......... 46

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Comparativo de ocorrências registradas nas cidades da


microrregião de Criciúma (2008-2010)........................................................ 45
GRÁFICO 2 – Comparativo do IDH-M nas cidades da microrregião de
Criciúma (2000-2010).................................................................................. 47
GRÁFICO 3 – Comparativo do IFDM nas cidades da microrregião de
Criciúma (2008-2010).................................................................................. 48
GRÁFICO 4 – Tendência do IFDM e do registro de ocorrências de crimes
nas cidades da microrregião de Criciúma.................................................... 49

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11
2 A CRIMINOLOGIA CONTEMPORÂNEA .................................................. 13
2.1 CRIMINOLOGIA .................................................................................. 13
2.1.1 Conceito ....................................................................................... 13
2.1.2 Históriada criminologia ................................................................. 15
2.2 ESCOLAS CRIMINAIS ........................................................................ 17
2.2.1 Escola Clássica ............................................................................ 17
2.2.2 Escola Positiva ............................................................................. 18
2.2.3 Escola de Chicago ........................................................................ 20
3 MOVIMENTOS DE POLÍTICAS CRIMINAIS ............................................. 24
3.1 ABOLICIONISMO PENAL ................................................................... 25
3.2 MOVIMENTO DA LEI E DA ORDEM .................................................. 26
3.2.1 Conserto de Janelas Quebradas .................................................. 27
3.2.2 Tolerância Zero............................................................................. 28
3.2.3 Direito Penal do Inimigo ................................................................ 29
3.2.4 Direito Penal Mínimo .................................................................... 31
3.3 CRIMINOLOGIA CRÍTICA .................................................................. 32
3.4 A DIALÉTICA MARXISTA ................................................................... 34
4 O FATOR SOCIOECONÔMICO E OS CRIMES PATRIMONIAIS ............ 37
4.1 UMA VISÃO GERAL DA ECONOMIA DA MICROREGIÃO DE
CRICIÚMA .................................................................................................... 37
4.2 OS CRIMES PATRIMONIAIS NA MICRORREGIÃO DE CRICIÚMA.. 43
5 A INSUFICIÊNCIA DO PENSAMENTO MARXISTA ................................. 51
6 CONCLUSÃO ........................................................................................... 54

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como objeto de estudo uma análise


sobre os crimes patrimoniais na Microrregião de Criciúma e a relação entre o
sistema econômico capitalista e esses crimes, sob o ponto de vista da
Criminologia Crítica.
O estudo se faz pertinente, pois o crime como fenômeno social não
se traduz apenas no meio jurídico, de modo que embora exista um esforço
institucional para se combater a criminalidade, por outro, as taxas criminais
dificilmente decrescem ou, pelo menos, não o fazem numa proporção direta.
Esta afirmativa se fundamenta não na relação capital-trabalho, mas sim na
correlação de vários fenômenos sociais. De forma que, mesmo que uma piora
no quadro econômico de um espaço geográfico coincida também com o
aumento da criminalidade num determinado período, talvez a isto não possa
ser atribuído uma relação direta de causa e efeito.
Assim, pergunta-se, com fundamento na Criminologia Crítica, como
o fator socioeconômico na Microrregião de Criciúma influencia os crimes
patrimoniais? Quais políticas criminais e sociais podem promover a redução
desses crimes?
Pela lógica marxista, quanto mais bem sucedido é o capitalista
(ascensão do capital), mais intensa é a exclusão do proletariado (opressão da
classe trabalhadora).
Busca-se, então, analisar se a utilização do modelo marxista de luta
entre classes, utilizada pela Criminologia Crítica, é capaz de explicar de forma
satisfatória se (ou como) o crime patrimonial aumentou na Microrregião de
Criciúma entre os anos de 2008 e 2010.
O trabalho possui como objetivo verificar se a Criminologia Crítica é
suficiente para explicar o fenômeno criminal, ao menos no Brasil, sobretudo,
quanto aos crimes patrimoniais. Assim, procurou-se estudar a criminologia
contemporânea, analisar como o fator socioeconômico influencia a ocorrência
de crimes patrimoniais na Microrregião de Criciúma e, por fim, verificar se a
teoria da criminologia contemporânea baseada no pensamento dialético

11
marxista é suficiente para explicar a variação do número de ocorrências dos
crimes de furto e roubo de veículos.
Para o trabalho foi utilizado o método indutivo, partindo-se da
especificidade encontrada na Microrregião de Criciúma para uma análise geral
da teoria presente na Criminologia Crítica, com auxílio de indicadores
quantitativos sobre o crime e a economia.
O método de procedimento é o monográfico-estatístico, e as
técnicas de pesquisa, a bibliográfica, fundamentada nos estudos referentes à
Criminologia Crítica, e a documental, baseada em dados extraídos do Sistema
Integrado de Segurança Pública, da Secretaria de Segurança Pública do
Estado de Santa Catarina.
Assim, no capítulo dois é abordado o estudo da Criminologia
Contemporânea, sendo abordado seu conceito, histórico e principais escolas.
No capítulo seguinte, analisam-se os movimentos de políticas criminais, bem
como o papel da Criminologia na formação de políticas públicas. O capítulo
quatro aborda o fator socioeconômico e os crimes patrimoniais, analisando a
correlação existente entre os dois temas. O capítulo cinco trata do pensamento
marxista aplicado à criminologia e seus reflexos. Após, apresenta-se a
conclusão do trabalho.
Por fim, é importante destacar o papel fundamental que a ciência da
criminologia ocupa na sociedade. Serve, sobretudo, para entender o fenômeno
do crime e possibilitar o fortalecimento da justiça criminal. Partindo-se do
pressuposto de que a Criminologia está inserida numa relação triangular entre
a Política Criminal e o Direito Penal, imperioso entender o crime para que esse
sistema funcione de forma ajustada. Desse modo, políticas públicas
integradoras também podem ser utilizadas para redução da criminalidade,
evitando-se que o único viés para resolução dos conflitos sociais seja através
do sistema punitivo.

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2 A CRIMINOLOGIA CONTEMPORÂNEA

A Criminologia ocupa um espaço importante para a Ciência do


Direito e para as Ciências Sociais como um todo. Seu estudo se faz importante
para que seja construído um arcabouço teórico de como as variáveis
analisadas (objetos) geram conhecimento a respeito do fenômeno do crime.
Isso se faz importante, sobretudo, dada a interdisciplinaridade da criminologia
com outras ciências, como a econômica, para contribuir para a melhoria da
sociedade.

2.1 CRIMINOLOGIA

Quase que intuitivamente, associamos o termo criminologia ao termo


crime. Pacífico é o entendimento da existência de uma relação íntima, mas é
necessário ir além, é preciso conhecer os objetos e instrumentos de estudo da
criminologia.
O crime, por fazer parte da convivência social, é sempre tema recorrente
de debate em qualquer civilização. Trata-se, muitas vezes, da característica de
determinada sociedade a forma como ela conceitua e lida com a conduta tida
como criminosa. Neste ponto, interessante destacar as diferenças existentes
em diversas culturas quanto ao conceito de crime. A exemplo, uma
determinada conduta pode ser crime num país e não ser em outro.

Afinal, o que é Criminologia?

2.1.1 Conceito

Segundo FERNANDES (1995), Criminologia é o estudo do crime.


Etimologicamente, deriva da palavra de origem latina crimino (crime) e da
palavra de origem grega logos (estudo), assim; “estudo do crime”. Contudo, é
de se observar que o conceito de criminologia, no passado, já chegou a ser o
mesmo de criminalidade. De acordo com Afrânio Peixoto (1953 apud
SAMPAIO, 2012), a criminologia “é a ciência que estuda os crimes e os
criminosos, isto é, a criminalidade”.

13
Para Lira, a criminologia se enquadra na categoria de ciências sociais e
humanas (1964 apud YOSHIDA, 2008). Corroborando com esse entendimento,
Perrangeli e Zaffaroni enfatizam a importância prática da criminologia e seu
reflexo no controle social (1999 apud YOSHIDA, 2008). Já Elbert, afirma a
criminologia como disciplina científica, com métodos e objetos próprios (2000
apud YOSHIDA, 2008). Nesse mesmo ponto, Dias ressalta o caráter de
interdisciplinaridade da criminologia (1997 apud YOSHIDA, 2008). Por fim,
defendendo a positivação científica deste ramo de pesquisa, conceitua-se:

[...] ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do


crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do
comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação
válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais
do crime – contemplado este como problema individual e como
problema social -, assim como sobre os programas de prevenção
eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem
delinqüente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta do delito
(MOLINA, 2002 apud YOSHIDA, 2008).

Criminologia é ciência autônoma, pois possui métodos e objetos


próprios. É também ciência empírica (baseada na observação e na
experiência) e interdisciplinar (que se relaciona com diversos outros campos de
conhecimento). São objetos da Criminologia: o crime; o criminoso; a vítima, e; o
controle social (SAMPAIO, 2012).

A criminologia utiliza como os métodos biológico e sociológico para


fundamentação de suas teorias. Ambos métodos se complementam, pois
embora o método biológico, de observação e experiência, consiga proporcionar
o estudo do criminoso, não é suficiente para delimitar as causas da
criminalidade e, sob este viés, a metodologia sociológica o complementa
(SAMPAIO, 2012).

Dentre as diversas disciplinas que possuem relação com a criminologia,


podemos citar: o Direito; a Medicina Legal; a Sociologia Criminal; a Biologia
Criminal, e; a Psicologia Criminal(FERNANDES, 1995).

Para Antonio García Pablos Molina (2002), enquanto o Direito é uma


ciência do “dever ser”, de alta carga normativa e valorativa, a Criminologia
revela-se uma ciência do “ser”, que possui seus objetos concretamente
presentes no mundo real.Sob esse aspecto, Nestor Sampaio (2012) afirma:

14
[...] a criminologia vê o crime como um problema social, um
verdadeiro fenômeno comunitário, abrangendo quatro elementos
constitutivos, a saber: incidência massiva na população (não se pode
tipificar como crime um fato isolado); incidência aflitiva do fato
praticado (o crime deve causar dor à vítima e à comunidade);
persistência espaço-temporal do fato delituoso (é preciso que o delito
ocorra reiteradamente por um período significativo de tempo no
mesmo território) e consenso inequívoco acerca de sua etiologia e
técnicas de intervenção eficazes (a criminalização de condutas
depende de uma análise minuciosa desses elementos e sua
repercussão na sociedade).

Na criminologia, o crime é um problema social que deve ser entendido


em suas múltiplas facetas. Somente através de um diagnóstico qualificado e
conjuntural sobre o delito, o crime pode ser compreendido (SAMPAIO, 2012),
esta é a função da criminologia.

Conforme Nestor Sampaio (2012), pode também ser classificada como:


criminologia científica (conceitos e métodos sobre a criminalidade, o crime e o
criminoso, além da vítima e da justiça penal); criminologia aplicada (abrange a
porção científica e a prática dos operadores do direito); criminologia acadêmica
(sistematização de princípios para fins pedagógicos); criminologia analítica
(verificação do cumprimento do papel das ciências criminais e da política
criminal) e a criminologia crítica ou radical (negação do capitalismo e
apresentação do delinquente como vítima da sociedade, tem no marxismo suas
bases).

2.1.2 Históriada criminologia

Analisada a identidade e autonomia científicas da criminologia, cumpre


tratar agora sobre a sua evolução histórica. A criminologia como hoje é
conhecida é o resultado de diversas evoluções como ciência e, desde sua
gênese até os dias atuais, sofreu diversas modificações em seus objetos de
estudo. Inicialmente, preocupava-se apenas com o estudo do crime, passando
posteriormente a considerar também o estudo do criminoso, representando,
respectivamente, os períodos da Escola Clássica e da Escola Positiva. Em
meados do século XX passou a também estudar a vítima e os mecanismos de
controle social, assumindo uma feição pluridimencional e interacionista.

15
A doutrina não é pacífica quanto ao surgimento da criminologia
comociência, sendo certo, contudo, que houve uma importante fase pré-
científica (DIAS, 1997). Os primeiros estudos da criminologia como ciência, o
que doutrinariamente se convencionou denominar como Escola Clássica, teve
forte orientação teórica iluminista e do Direito Penal clássico, valendo-se de
ideais filosóficos e metafísicos para interpretação do racionalismo humano
(MOLINA, 2002). Assim, restava indagar a respeito da lei (DIAS, 1997).

Contudo, a percepção de que uma concentração de esforços na


dogmática penal e penitenciária não era capaz de explicar a diversificação
ainda maior na criminalidade, houve uma natural inquirição a respeito da
natureza e das causas do crime (DIAS, 1997). A mudança para o paradigma
etiológico se deu com a Escola Positiva, utilizando-se da observação e indução
para identificar o criminoso, distinguindo o delinqüente do não delinqüente, e
atentando-se para a prevenção da segurança na sociedade (MOLINA, 2002).

Cezar Roberto Bittencourt (2008, apud SAMPAIO, 2012), assim leciona:

No século XIX surgiram inúmeras correntes de pensamento


estruturadas de forma sistemática, segundo determinados princípios
fundamentais. Essas correntes, que se convencionou chamar de
Escolas Penais, foram definidas como ‘o corpo orgânico de
concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir,
sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanções’.

Nesse âmbito, a evolução da história da criminologia apresenta uma


sequência cronológica bastante intuitiva. Na medida em que cada tentativa de
explicar ou analisar o fenômeno criminal é impulsionado pela cultura científica
do período e do local, bem como se apoia nos resultados da construção teórica
do pensamento anterior. De modo simplificado, o movimento revolucionário
francês e o iluminismo conduziram a dogmática penal do qual surgiu a
criminologia clássica e esta serviu de base para os positivistas dinamizarem a
análise do fenômeno criminal para o agente criminoso, alterando-se o
paradigma.

Contudo, a análise centrada no agente criminoso também não era


suficiente para a ciência da criminologia avançar e explicar o crime. Percebe-se
em cada estrutura de pensamento de cada escola a mudança do foco central
do estudo: da lei e da ordem para o criminoso; do criminoso para o ambiente

16
em que ele é formado. Posteriormente, surgindo as teorias do labelling
approach, a qual se fundamenta na sociologia criminal.

Com a revisão do paradigma positivo (etiológico) no início do século XX,


causado por influências sociológicas, as teorias do labelling approach
ganharam força (ANDRADE, 2003).

Finalizando-se, assim, neste breve panorama histórico, os destaques às


escolas Clássica e Positiva, bem como o fundamento para o surgimento da
Escola Crítica, cuja origem está no labelling approach presente na Escola de
Chicago, sobre as quais discorreremos a seguir.

2.2 ESCOLAS CRIMINAIS

Três escolas criminais são importantes para o entendimento da evolução


da criminologia e para o estudo em análise, a saber: a Escola Clássica; a
Escola Positiva, e; a Escola de Chicago. Cada uma terá seus principais
pressupostos analisados a seguir.

2.2.1 Escola Clássica

O surgimento da criminologia moderna, como toda ciência, deve ser


estudado levando-se em consideração o contexto histórico em que foi
concebido.Neste sentido, importante frisar que a Escola Clássica – assim
denominada pelos autores autointitulados positivistas como forma de
diferenciação – teve grande influência do movimento iluminista e da revolução
francesa (SAMPAIO, 2012).

Com a burguesia em ascensão e a intenção de legitimar a existência de


um sistema de normas anterior e superior ao Estado, duas teorias distintas
serviram de ponto de partida para a Escola Clássica, sendo: o jusnaturalismo e
o contratualismo. De um lado, havia um direito natural e inerente ao ser
humano, algo de natureza eterna e imutável. E, de outro, um contrato social

17
que possibilitava aos homens viver em sociedade em troca de parcela de suas
liberdades e direitos individuais (SAMPAIO, 2012).

Segundo Nestor Sampaio (2012), conceito utilitarista está presente na


Escola Clássica, de modo que as ações humanas devem ser analisadas
conforme possibilitem mais ou menos prazer ao indivíduo e proporcionem
maior ou menor contribuição para satisfação do grupo social. Considera que o
ser humano é livre e racional para tomar decisões, devendo a responsabilidade
criminal de o criminoso ser auferida tendo-se em consideração sua
responsabilidade moral.

Em síntese, a Escola Clássica apoiou-se num sistema dogmático e


considerou o delito como algo de natureza jurídica e a pena como um mal
necessário à segurança jurídica (OLIVEIRA, 1996 apud PAULA, 2011). Assim,
ocorreu a consolidação da dogmática jurídico-penal, sustentada na ideologia da
defesa social e permeada pela problemática da criminalidade e da reação
social (ANDRADE, 2003 apud PAULA, 2011).

2.2.2 Escola Positiva

Na Europa do início do século XIX, com influência dos fisiocratas e


iluministas do século anterior, surge a Escola Positiva.

A Escola Positiva possui três fases distintas representadas, cada uma,


por seus principais autores. São elas: a fase antropológica (CesareLombroso,
1835-1909); a fase sociológica (Enrico Ferri, 1856-1929), e; a fase jurídica
(Rafael Garófalo, 1851-1934) (SAMPAIO, 2012).

Com a publicação de “O homem delinquente”, em 1876, Lombroso deu


início a um período científico de estudos criminológicos. Munido de dados
estatísticos e com base em ideais fisionomistas conseguiu traçar um perfil dos
criminosos e criar uma teoria do criminoso nato (SAMPAIO, 2012).

Considerado o pai da “Antropologia Criminal”, Lombroso defendia que o


crime era um fenômeno biológico, não uma entidade jurídica, como pensavam

18
os Clássicos. Utilizava-se do método empírico-indutivo para observar o
fenômeno do crime e fundamentar suas teorias, conformando-as ao causalismo
explicativo defendido pelo positivismo (SAMPAIO, 2012).

Para ele, embora houvesse fatores exógenos motivadores de condutas


criminosas, o determinismo biológico era preponderante para a prática
delituosa. Segundo Nestor Sampaio (2012), as premissas básicas de sua teoria
são: atavismo, degeneração epilética e delinquente nato. Possuindo o
delinquente nato as seguintes características: fronte fugida, crânio assimétrico,
rosto largo e achatado, canhotismo, rigidez, robustez, olhar errante, etc.

A sociologia criminal, cuja criação deve-se a Enrico Ferri, discípulo de


Lombroso, considerava que a criminalidade não era apenas um fenômeno
antropológico, mas também tinha influência física e cultural. Ou seja, os
fenômenos físicos e culturais também contribuíam a delinquência. Por este
motivo, para Ferri, o livre-arbítrio não servia como base para a imputabilidade
(SAMPAIO, 2012).

No mesmo sentido, para o professor Giovani de Paula, a Escola Positiva


considerava o crime um fenômeno natural e social produzido pelo homem e a
pena não mais apenas como um meio de castigo, mas de defesa social,
negando o livre arbítrio e a liberdade social (OLIVEIRA, 1996 apud PAULA,
2011).

Para a sociologia criminal, a responsabilidade moral deveria ser


substituída pela responsabilidade social, sendo a defesa social a razão da
punição. Ferri classificou os criminosos em natos, loucos, habituais, de ocasião
e por paixão (SAMPAIO, 2012).

Rafael Garófalo era jurista e por este motivo suas teorias possuíam esse
viés. Acreditava que o crime estava presente no homem e se manifestava com
sua degeneração. Assim, cada um possuía um nível de periculosidade, sendo
este o propulsor do delinquente e a porção de maldade que deve se temer em
face deste. Garófalo também defendeu a aplicação de outra forma de
intervenção penal, sendo esta a medida de segurança. Para ele os criminosos

19
eram classificados em natos, fortuitos e de defeito moral especial (SAMPAIO,
2012).

Para os positivistas a pena tinha um fim prático e imediato, o da


prevenção geral ou especial do crime, ou seja, servia como um instrumento de
defesa social com o objetivo de reajustar ou tornar sem efeito o homem
delinqüente (PAULA, 2011).

Em síntese, Escola Positiva trazia para o centro do debate a figura da


pessoa que cometia crimes (o delinquente), deixando a problemática da
criminalidade em plano secundário, alterando a análise realizada pela Escola
Clássica (BARATTA, 2002 apud XAVIER, 2008). Para os positivistas, o
delinqüente possui características próprias que o definem e o diferenciam do
restante da sociedade. O problema não reside, portanto, no Direito Penal, mas
sim nos indivíduos que o violam (ANDRADE, 2003 apud XAVIER, 2008).

Desta forma, os principais postulados da Escola Positiva são: o direito


penal é obra humana; a responsabilidade social decorre do determinismo
social; o delito é um fenômeno natural e social (fatores biológicos, físicos e
sociais); a pena é um instrumento de defesa social (prevenção geral); utilização
do método indutivo-experimental; os objetos da ciência penal são o crime, o
criminoso, a pena e o processo.

2.2.3 Escola de Chicago

Com a evolução da Escola Positiva desenvolveu-se a sociologia


criminal. Assim, além dos aspectos individuais do indivíduo delinquente,
passou-se também a ser considerado o aspecto sociológico. Sendo este último,
na sociologia criminal moderna, preponderante na formação do criminoso.

O paradigma etiológico vinha sofrendo, desde o século XX, sobretudo a


partir dos anos 1960, uma desconstrução em favor das teorias do labelling
aproach, como consequência das influências da sociologia cultural e de
correntes de origem fenomenológicas da criminologia norte americana
(ANDRADE, 2003 apud XAVIER, 2008). No entendimento de Giovani de Paula

20
(2011), houve uma nova mudança de paradigma, passando-se a conceber o
crime, a criminalidade e o sistema penal segundo novos pressupostos,
fundados, principalmente, nos processos de criminalização.

Seguindo esse processo evolutivo, de acordo com Nestor Sampaio


(2012), a teoria moderna de sociologia criminal é analisada sob a égide de
duas teorias macrossociológicas, sob enfoques consensuais ou de conflito. As
teorias de consenso entendem que a pacificação social possui como
engrenagem central a cooperação entre os indivíduos e instituições, tendo
como postulados a perenidade, a integralidade, a funcionalidade e a
estabilidade dos elementos que compõem a sociedade. Por outro lado, as
teorias de conflito entendem que a harmonia social decorre da imposição e da
coerção, tendo como postulados a instabilidade, a dissolução e a luta entre
classes.

Dentre as teorias sociológicas explicativas do crime, está a teoria


consensualista da Escola de Chicago. Esta escola criminal surgiu nos Estados
Unidos, na Universidade de Chicago, com a observação dos fenômenos
causados pelo crescimento desordenado da cidade, que se expandiu do centro
para a periferia. O movimento circular centrífugo do crescimento da cidade de
Chicago acarretou diversos problemas sociais, dentre os quais o aumento da
criminalidade (SAMPAIO, 2012).

Para a Escola de Chicago os controles informais do convívio em


sociedade representam importante característica do baixo índice de
criminalidade. Observou-se em Chicago que o crescimento desordenado em
direção à periferia da cidade, aliado à diminuição dos controles informais
devido ao aumento da mobilidade social (mudança de emprego, endereço,
ascensão ou queda social) e fluidez urbana (avanço tecnológico dos meios de
transporte), criou zonas de criminalidade bem delimitadas (SAMPAIO, 2012).

Assim surgiu a teoria ecológica da criminalidade. Como leciona Nestor


Sampaio (2012), nesta teoria o efeito criminógeno ocorre através da ideia de
“desorganização social” e da identificação de “áreas de criminalidade” (que
seguem uma gradienttendency). Por um lado, o crescimento desordenado
torna as pessoas anônimas e isoladas, diminuindo os controles informais

21
(família, igreja, associações comunitárias). Por outro, vão se formando ao
entorno do centro econômico produtivo da cidade áreas concêntricas, onde a
criminalidade se desenvolve em diferentes níveis (teoria das Zonas
Concêntricas).

Para Shecaira (2008apud SAMPAIO, 2012),

Uma cidade desenvolve-se, de acordo com a idéia central dos


principais autores da teoria ecológica, segundo círculos concêntricos,
por meio de um conjunto de zonas ou anéis a partir de uma área
central. No mais central desses anéis estava o Loop, zona comercial
com os seus grandes bancos, armazéns, lojas de departamento, a
administração da cidade, fábricas, estações ferroviárias, etc. A
segunda zona, chamada de zona de transição, situa-se exatamente
entre as zonas residenciais (3ª zona) e a anterior (1ª zona), que
concentra o comércio e a indústria. Como zona intersticial, está
sujeita à invasão do crescimento da zona anterior e, por isso, é objeto
de degradação constante.

Nessa configuração social, a 1ª zona representa a força motriz da


economia da cidade, a 2ª zona é onde o crime se concentra e as demais zonas
mostram-se como locais de habitação das diferentes camadas sociais, de
modo que quanto mais afastados da zona de transição (degradada), mais alto
é o nível social (SAMPAIO, 2012).

Nesse contexto, o processo de criminalização é alimentado, de modo


que os controles informais (comunidade, escola, igreja) e formais (Poder
Legislativo, Poder Judiciário, Polícia) contribuem para a seleção de condutas
desviadas e para o etiquetamento daqueles a serem rotulados como
delinquentes.

O professor Giovani de Paula afirmando os ensinamentos da professora


Vera Andrade (2011; 2003), assim explica:

O labelling tem como fundamento e tese central de que o desvio e a


criminalidade não são uma qualidade intrínseca da conduta ou uma
entidade ontológica pré-constituída à reação social e penal, mas uma
qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de
complexos processos de interação social, isto é, de processos
formais e informais de definição e seleção.

Em conclusão, o crime é produto da reação social e a criminalidade uma


construção seletiva e desigual, nesse aspecto, aborda-se o processo de
criminalização e o criminalizado (ANDRADE, 2003 apud XAVIER, 2008).

22
Dessa forma, analisando as Escolas Criminais, seus fundamentos
teóricos e evolução histórica, é possível compreender que a Criminologia é o
resultado de diversas influências da dogmática penal e dos movimentos
sociais. Agora, mister se faz, portanto, entender em que medida ocorre a
interação entre os sistemas de criminalização e de justiça.

23
3 MOVIMENTOS DE POLÍTICAS CRIMINAIS

A política criminal pode ser definida como o conjunto de procedimentos


através dos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal
(MARTY, 1992 apud HAUSER, 2010). Ela deve ser interpretada sob uma
perspectiva mais ampla do que apenas relacionada ao conjunto de práticas
punitivas, vinculada apenas ao campo do direito penal.
Para Delmas Marty (1992 apud HAUSER, 2010), a política criminal deve
ser conceituada sob uma perspectiva ampliada que analise o fenômeno
criminal sob diversos ângulos: “dos procedimentos apenas repressivos para
todos os outros procedimentos, principalmente aqueles à base da reparação ou
da mediação: do Estado para todo o corpo social [...] o que exclui a
possibilidade de uma resposta totalmente isolada”. Busca-se,
então,complementar a resposta reacional (a posteriori) com a resposta
preventiva (a priori).
Neste sentido, a política criminal constitui-se no estudo e sistematização
das estratégias, instrumentos e meios de controle social da criminalidade,
sejam eles penais ou não penais. Enquanto campo de conhecimento, se ocupa
em compreender e avaliar as estratégias utilizadas para o controle de situações
sociais conflitivas e/ou violentas, propondo, a partir desta análise, novas
estratégias para o enfrentamento de tais situações.
Diante dos elementos expostos, resta clara a íntima relação entre a
criminologia e a política criminal. Ambas, juntamente com o direito penal,
representam o tripé sobre o qual deve-se sustentar a resposta social para o
fenômeno do crime.
Os postulados da Política Criminal devem ter como base a
criminologia. Hoje se pode reputar amplamente compartilhada a
opinião de que a criminologia tem que subministrar uma valiosa
informação científica à Política Criminal sobre o delinqüente, o delito,
a vítima e o controle social; informação que esta última deve
transformar em opções, fórmulas e programas que, depois, já com o
aval da ciência do Direito Penal, se transformarão em proposições
normativas obrigatórias (Direito Penal objetivo) (Gomes; Pablos de
Molina; Bianchini, 2007, p. 250).
Por fazer parte de um sistema dinâmico, a política criminal também
sobre variações. Essas são denominadas de movimentos de política criminal,

24
podendo haver maior ou menor grau de intervencionismo como forma de
reação ao delito.
Quanto maior a intervenção estatal, maior é a utilização do direito penal
como instrumento de controle social. Ao passo que quanto menor; mais são
usados mecanismos informais de controle social.
Por conseguinte, os diferentes níveis de crença no controle estatal,
formal, criam movimentos de política criminal que “deslegitimam” ou “re-
legitimam” o direito penal (GOMES; BIANCHINI, 2013). Nesse contexto, os
movimentos de política criminal dividem-se entre dois grandes grupos: os
movimentos político-criminais punitivistas/repressivistas e os movimentos não
intervencionistas ou não repressivistas (HAUSER, 2010).

3.1 ABOLICIONISMO PENAL

Dentre os movimentos não intervencionistas, destaca-se o abolicionismo


penal.O qual afirma-se como uma corrente de pensamento que defende que a
pena e o próprio Direito Penal possuem mais efeitos negativos que positivos,
advogando, portanto, a eliminação ou a radical redução do controle
“penal/formal” do delito, cuja solução deveria ser buscada em espaços
informais (HAUSER, 2010).
Para Zaffaroni (1990 apud GOMES; BIANCHINI, 2013) eliminação total
(presente e futura) de qualquer espécie de controle “formal” decorrente do
delito, que deve dar lugar a outros modelos informais de solução de conflitos. O
autor, assim como diversos autores latino-americanos, buscou inspiração para
sua teoria e seu livro En busca de las penas perdidas (1990) no trabalho de
Louk Hulsman1, para o qual as penas são perdidas principalmente por
representarem um sofrimento inútil.
No mesmo sentido, para Ferrajoli, a aplicação das penas não se justifica
no direito penal, mas numa decisão política. Por isso não está legitimado e
deve ser eliminado, “as vantagens proporcionadas por ele são inferiores ao
custo da tríplice constrição que produz: a limitação da liberdade de ação para
os cumpridores da lei, o submetimento a juízo de todos os suspeitos de não a

Em 1982 LoukHulsman e Jacqueline Bernat de Celis publicaram a obra Penas Perdidas – O


1

Sistema Penal em Questão. Obra que serviu de inspiração para muitos autores, dentre eles
Eugenio RaúlZaffaroni.

25
cumprir e o castigo de quantos se julguem que a descumpriram” (GOMES;
BIANCHINI, 2013).
O sistema penal é incontrolável, desigual, seletivo, estigmatizador,
expropriador dos direitos das vítimas, além de distribuir sofrimentos
desnecessários a todos. Para fundamentar sua perspectiva abolicionista
sugere que a prisão como pena seja avaliada a partir de “um olhar de dentro”
(HAUSER, 2010).
O mesmo autor assim preleciona:
Analisando as cifras-ocultas da criminalidade, Hulsmann observa que
a lógica de operacionalidade do sistema penal é a impunidade e não
a criminalização. Isso significa que a maior parte dos
comportamentos criminosos realizados não são punidos, o que indica
que “a criminalização efetiva é um evento raro e excepcional”.
Partindo desta premissa (a da baixa funcionalidade do sistema penal)
sustenta ser possível a utilização de reações diversas, distintas da
punição, como a compensação, a mediação, a terapia, a educação,
entre outros (HULSMANN, 1993 apud HAUSER, 2010).

A prisão não é útil, despersonaliza e dessocializa o preso; o sistema


penal, de outro lado, é muito burocratizado; só se interessa por um
acontecimento isolado, um “flash”, dando pouca importância para o contexto
biopsicossociológico do agente (GOMES; BIANCHINI, 2013).
Para o abolicionismo penal a aplicação da pena, cujo caráter é punitivo,
não produz efeitos positivos para a redução do fenômeno criminógeno, ao
invés, estigmatiza o infrator e proporciona grandes malefícios para a sociedade
através do efeito multiplicador do sofrimento daquele que é encarcerado. Por
não ser eficaz, deve ser abolido.

3.2 MOVIMENTO DA LEI E DA ORDEM

De outro modo, os movimentos político-criminais punitivistas ou


repressivistas acreditam ser o direito penal o mais eficaz (e necessário)
instrumento de controle social. Para esta corrente de pensamento, o direito
penal surge como primeiro instrumento a ser utilizado em favor da proteção de
bens jurídicos ou de manutenção da ordem social (HAUSER, 2010).
Deste modo, advogam em favor de um modelo de política criminal que
tem como preceito fundamental um sistema penal máximo, que significa, em
síntese, mais proibições, maior rigor punitivo, redução de garantias penais e
processuais. Dentre os movimentos punitivistas, duas classificações se
26
destacam: os retributivos e os preventivos. Os primeiros reforçam ou retomam
as concepções meramente retributivas da pena, enquanto os segundos ainda
defendem a força preventiva (intimidatória, dissuasória) da punição (HAUSER,
2010).
Atualmente, os movimentos político-criminais repressivistas de maior
destaque são os movimentos de Lei e Ordem (o qual encontra fundamento na
Teoria das Janelas Quebradas), a Política Criminal de tolerância zero e o
Direito Penal do Inimigo. Serão estes os movimentos político-criminais
apresentados a seguir.

3.2.1 Conserto de Janelas Quebradas

O movimento da Lei e Ordem e da Tolerância Zero é decorrente da


Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory), inspirada pela
escola de Chicago, na qual era dado grande enfoque aos espaços públicos
(SAMPAIO, 2012).
Em 1982, foi publicado nos Estados Unidos por dois criminólogos
americanos, James Wilson e George Kelling, um artigo apresentando a Broken
Windows Theory. Essa teoria parte da premissa de que existe uma forte
relação entre desordem e criminalidade, numa relação de causa e efeito.
Segundo Sampaio (2012), a teoria foi concebida a partir do experimento
realizado por Philip Zimbardo, psicólogo da Universidade de Stanford, com um
automóvel deixado em um bairro de classe alta e outro deixado em um de
classe de baixa renda. Neste último, o veículo foi “depenado” em menos de
uma hora; no local de classe alta, o carro permaneceu intacto por uma semana.
Dando continuidade ao experimento,o pesquisador quebrou uma das janelas
do carro que havia permanecido intacto. Observou que, com a percepção da
janela estar quebrada,o carro foi depredado em pouco tempo, conforme
acontecera no local de classe mais baixa. Assim, comprovou a relação entre
desordem e criminalidade, que deveria ser aplicada aos espaços urbanos a fim
de prevenir a propagação da delinquência.
Então, transpondo este estudo para um exemplo de um espaço urbano
no qual um prédio apresente janelas quebradas, sendo este um “convite” para
que transeuntes atirem pedras e quebrem outras janelas, os autores

27
formularam a teoria das janelas quebradas (SAMPAIO, 2012). Porquanto um
espaço urbano seja preservado em ordem, esta ordem deve se manter com
mais facilidade, afastando-se ou reduzindo a possibilidade de delinquência no
local.
Nesta perspectiva, a eficiência do combate à criminalidade exige a
eliminação das pequenas infrações cometidas no dia a dia, pois “é lutando
passo a passo contra os pequenos distúrbios cotidianos que se faz recuar as
grandes patologias criminais” (WAQUANT, 2001apud HAUSER, 2010).

3.2.2 Tolerância Zero

A teoria das janelas quebradas serviu de fundamento teórico à aplicação


da política de tolerância zero na cidade de Nova Iorque, nos anos de 1994 a
2002. Lá, o prefeito local aplicou uma série de medidas específicas
fortalecendo o aparato estatal para a fiscalização e punição de pequenos
delitos, a fim de coibir a proliferação da criminalidade.
Segundo Hauser (2010), dentre as medidas específicas listam-se: a)
fortalecimento da polícia, com o aumento do número de policiais nas ruas; b)
aquisição e modernização de equipamentos; c) instalação de um sistema
informatizado de controle de índices de criminalidade; d) atribuição de novas
funções aos policiais, como a fiscalização ostensiva das áreas consideradas de
perigo.
Embora tenha ocorrido redução da criminalidade e este efeito tenha sido
amplamente divulgado e copiado em diversos outros locais, alguns
pesquisadores e autores criticam esta política. Dentre os argumentos está a
possibilidade de um mascaramento da arbitrariedade policial, a substituição do
Estado Social por um estado policial e penitenciário, a sobrecarga do sistema
judicial, a superlotação dos presídios, reforço à seletividade e à ideologia da
sustentação do direito penal e a identificação entre pobreza e criminalidade
(HAUSER, 2010).
Acrescenta-se que
ao selecionar prioritariamente como sua clientela membros da classe
pobre, negros ou indivíduos envolvidos com a criminalidade
convencional (furtos, roubos), o sistema penal busca manter sob
controle a população economicamente excluída. Com isso pretende
garantir a segurança daqueles que participam ativamente da
sociedade de consumo, buscando livrá-los da presença indesejável

28
da pobreza queincomoda ou daquela parcela da população que
causa incidentes, desordens e que, por isso, é vista como a
responsável por toda a insegurança social (HAUSER, 2010).

Registra-se, ainda, por oportuno, que nos Estados Unidos as


penitenciárias são privatizadas e existe uma economia formal que depende de
um sistema punitivo.
No Brasil, segundo Hauser (2010), percebe-se a influência deste
movimento de política criminal na década de 1990, com participação da mídia e
de campanhas políticas na busca por meios midiáticos de combate à violência,
o que resultou em leis penais e processuais mais rigorosas, como por exemplo
a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90). Observa-se, contudo, que a
política da tolerância zero no Brasil encontra limite legal na Constituição da
República de 1988, em seu artigo 98, que faz distinção ao tratamento nos
crimes de menor potencial ofensivo, bem como em princípios penais, como o
da insignificância.

3.2.3 Direito Penal do Inimigo

A expressão Direito Penal do Inimigo foi cunhada pelo penalista alemão


GüntherJakobs na segunda metade da década de 1990, trata-se de uma
exasperação ainda maior do Direito Penal Máximo (GRECO, 2012). Na visão
de Jakobs, devem coexistir dois sistemas penais distintos: o Direito Penal do
Cidadão e o do Inimigo.
Para o doutrinador, é necessária a distinção entre o criminoso comum
(cidadão) e o criminoso inimigo do Estado. Para este último as regras do direito
penal devem ser aplicadas de maneira diferente, não devendo incidir as
mesmas garantias do direito penal presentes na reação ao crime praticado pelo
cidadão (HAUSER, 2010; GRECO, 2012). Para Jakobs, contra grupos
terroristas ou organizações criminosas não existem outras alternativas de
reação.
Assim, o Direito Penal do Cidadão seria o direito penal de garantias,
fundado nos princípios da legalidade, da lesividade, da proporcionalidade, da
jurisdicionalidade, entre outros, destinado a ser aplicado apenas aos cidadãos
que praticam acidental e/ou esporadicamente crimes (JAKOBS, 2007 apud
HAUSER, 2010). Para estes indivíduos seriam resguardados todos os direitos

29
e garantias inerentes ao Direito Penal liberal, índole garantista. Logo, destinar-
se-ia aquele indivíduo que mesmo cometendo crime teria condições mínimas
de garantir que voltaria a agir em obediência aos conteúdos de proibição das
normas penais (HAUSER, 2010).
No entanto, o Direito Penal do Inimigo seria aquele em que não há
assegurada aplicação de garantias penais e processuais. Destinar-se-ia
aquelas pessoas contrárias ao Estado Democrático de Direito, aqueles que
optaram pela delinquência como princípio e violam sistematicamente as
normas. Segundo Hauser (2010), o fundamento para aplicação do direito penal
do inimigo seria a eliminação de um perigo e não a vigência da norma, como
ocorreria na aplicação do direito penal para o cidadão.
Greco (2012) afirma que, em se tratando do Direito Penal do Inimigo,
existem dois pólos de regulações: por um lado, o trato com o cidadão, em se
espera até que este exteriorize seu fato (crime) para reagir, com o fim de
proteção da norma e da sociedade, e, por outro, o trato com o inimigo, que é
interceptado prontamente em seu estágio prévio e que se combate por sua
periculosidade. Trata-se de um estado de guerra, no qual não se espera o
ataque do inimigo para reagir.
Caracterizado pelo adiantamento da punibilidade, pelas penas
desproporcionalmente altas e pela relativização ou supressão de garantias
processuais (MELIÁ, 2007 apud GRECO, 2012), o Direito Penal do Inimigo no
Brasil se relaciona ao direito penal de terceira velocidade.
Na visão de Rogério Greco (2012):
Embora ainda com certa resistência, tem-se procurado entender o
Direito Penal do Inimigo como uma terceira velocidade. Seria,
portanto, uma velocidade híbrida, ou seja, com a finalidade de aplicar
penas privativas de liberdade (primeira velocidade), com uma
minimização das garantias necessárias a esse fim (segunda
velocidade).

Por fim, embora venha ganhando espaço também em países


democráticos a aplicação de medidas próprias deste modelo de política
criminal – o que tem conduzido ao incremento da prisão como pena; ao
desenvolvimento de práticas arbitrárias e a alterações normativas visando a
eliminação/supressão de garantias penais e processuais consagradas nos
textos constitucionais (HAUSER, 2010) – é oportuno tecer algumas críticas ao
Direito Penal do Inimigo.

30
Trata-se de aproximação, perigosa, como fora na Alemanha nazista, do
Direito Penal do autor e não do fato (GRECO, 2012). Além disso, fundamenta a
aplicação da pena na periculosidade (e não na culpabilidade), possibilidade a
aplicação de penas desproporcionais e afasta o conceito da pessoa humana
como fim do direito (HAUSER, 2010). No mesmo sentido, Zaffaroni (apud
HAUSER, 2010) alerta para a migração para um Estado de Polícia.

3.2.4 Direito Penal Mínimo

Com a crise de legitimidade do sistema penal contemporâneo, surgem


alternativas de política criminal não repressiva. Neste sentido, destacam-se as
obras de Alessandro Baratta e Luigi Ferrajoli, maiores expoentes do
minimalismo penal.
Através de um enfoque crítico e sociológico, Baratta cria um modelo
minimalista para discutir a legitimidade do controle penal. O autor tem como
fundamento de sua construção teórica de um modelo penal de intervenção
mínima que o direito dos apenados deve ser resguardado e que deve ser
contida a violência punitiva do Estado (HAUSER, 2010).
Segundo o autor, a minimização do poder punitivo e o incremento das
garantias jurídicas próprias do Estado de Direito podem combater no curto e
médio prazo os malefícios da violência estatal. Pretende, mesmo que
utopicamente, a superação cultural e política do modelo punitivo de controle
através de medidas de cunho político (HAUSER, 2010). Seu minimalismo penal
se aproxima do abolicionismo, uma vez que, embora contemple a utilização do
Direito Penal, não deixa de pretender que a resolução dos conflitos sociais seja
combatida sem mecanismos punitivos.
De modo diverso, Ferrajoli fundamenta seu minimalismo penal em uma
base teórica que abrange dois enfoques para discutir a legitimidade do controle
punitivo: de um lato um enfoque ético-político e, de outro; um jurídico. Justifica
a necessidade da intervenção punitiva estatal através de um fundamento ético-
jurídico que abrange o minimalismo penal fundado em um utilitarismo penal
reformado (HAUSER, 2010).
Em sua abordagem jurídica, Ferrajoli destaca a importância do princípio
da legalidade estrita enquanto princípio limitador do poder proibitivo e punitivo

31
do Estado. Contempla, ainda, ser este o princípio responsável pela constituição
da estrutura normativa dos Estados Constitucionais de Direito (HAUSER,
2010).
Na visão de Hauser (2010),
enquanto o modelo de Ferrajoli nega o abolicionismo, a partir de
critérios ético-políticos, reafirmando a racionalidade e, portanto, a
legitimidade do Direito Penal e da intervenção punitiva estatal
mínima, o modelo proposto por Baratta aparece como uma resposta
política criminal alternativa para a crise de legitimidade que assola os
sistemas penais contemporâneos que, não obstante defenda a ideia
da intervenção penal mínima, não nega a possibilidade de se chegar,
a longo prazo, a outros instrumentos de resolução de conflitos, menos
violentos e mais eficazes que o Direito Penal.

Dessa forma, o modelo proposto por Ferrajoli também está intimamente


relacionado com o abolicionismo penal, contudo, numa perspectiva inversa à
proposta por Baratta. Para Ferrajoli, o Estado e Direito Penal exercem papel
fundamental na intermediação dos conflitos e para o controle da violência na
sociedade, mesmo que isso deva ocorrer de forma minimalista.

3.3 CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Inspirada no conceito de direito penal mínimo como objetivo imediato e


orientado pela ideia de abolição do sistema penal como objetivo final, a
Criminologia Crítica surge como um programa de política criminal alternativa
(SANTOS, 2005).
De acordo com Lopes (2002), desde o início da contraposição à
ideologia positivista da defesa social as teorias de uma criminologia liberal
contemporânea agiram de modo setorial e parcial, sem conseguir formar um
corpo teórico único, sistemático e homogêneo.Mesmo o labelling approach não
foi capaz de transcender as características fundamentais da criminologia
ortodoxa, não conseguiu romper com a criminologia liberal (TAYLOR;
WALTON; YOUNG, 1980 apud LOPES, 2002).
O labelling priorizou estudos em certos setores do desvio sobre os quais
se concentra o processo seletivo de etiquetamento nas camadas sociais mais
marginalizadas. Tal atitude teórica contribuiu para o estereótipo dominante do
crime como um comportamento normal dessa parcela marginalizada
socialmente, deixando de lado acriminalidade dos grupos dominantes da
sociedade (BARATTA, 1999 apud LOPES, 2002).

32
Segundo Baratta, as teorias conflituais dividem-se em marxistas e não-
marxistas, de modo que as teorias conflituais não-marxistastratam-se de
sociologia criminal liberal, com avanços em relação às concepções positivistas,
mas ainda presas ao pensamento tradicional (LOPES, 2002).
Nesse contexto, ocorreu uma mudança gradual no pensamento
criminológico, tem-se a passagem para as análises críticas, as quais não
representam uma solução de continuidade (LOPES, 2002).A análise crítica se
diferencia do pensamento liberal pois trata do conflito como luta de classes
(conforme os modos de produção e infraestrutura socioeconômica da
sociedade capitalista) e contesta os processos discriminatórios de seleção de
condutas desviadas (BARATTA, 1999 apud LOPES, 2002).
Nesse viés, o labelling approach representa condição necessária, mas
insuficiente para formação da criminologia crítica (SANTOS, 2005). Santos
(2005) define com perfeição o conceito de criminologia crítica:
a Criminologia crítica é construída pela mudança do objeto de estudo
e do método de estudo do objeto: o objeto é deslocado da
criminalidade, como dado ontológico, para a criminalização, como
realidade construída, mostrando o crime como qualidade atribuída a
comportamentos ou pessoas pelo sistema de justiçacriminal, que
constitui a criminalidade por processos seletivos fundados em
estereótipos, preconceitos e outras idiossincrasias pessoais,
desencadeados por indicadores sociais negativos de marginalização,
desemprego, pobreza, moradia em favelas etc; o estudo do objeto
não emprega o método etiológico das determinações causais de
objetos naturais empregado pela Criminologia tradicional, mas um
duplo método adaptado à natureza de objetos sociais: o método
interacionista de construção social do crime e da criminalidade,
responsável pela mudança de foco do indivíduo para o sistema de
justiça criminal, e o método dialético que insere a construção social
do crime e da criminalidade no contexto da contradição
capital/trabalho assalariado, que define as instituições básicas das
sociedades capitalistas.

Segundo o autor, a mediação de uma teoria estrutural (marxismo) por


uma teoria da linguagem (labelling) projetou nova luz sobre a complexa relação
sujeito/objeto: tornava possível identificar o comportamento criminoso como
consequência da aplicação de regras e sanções pelo sistema penal e, através
de processos objetivos estruturais e ideológicos das relações sociais de
produção da vida material, definidos pela teoria marxista, possibilita a
identificação do conflito existente na sociedade entre as classes dominantes e
dominadas (SANTOS, 2005).

33
Para a criminologia crítica há uma economia política do crime, com uma
teoria materialista do desvio e da criminalização. O capitalismo contemporâneo
e suas estruturas legais são determinantes das mudanças normativas, as quais
tem por objetivo regular a manutenção da divisão entre classes. Assim, a
justiça penal é manipulada pelas classes dominantes em detrimento das
classes trabalhadoras, servindo apenas como administradora da criminologia
(LOPES, 2002). O direito penal está a serviço da parcela social detentora de
poder político-econômico, sendo o crime um subproduto do processo de
criação e aplicação das leis.

3.4 A DIALÉTICA MARXISTA

É importante registrar que Karl Marx escreveu pouco ou quase nada


sobre criminologia. Contudo, o seu pensamento repercute importante
incremento para a ciência da criminologia, mais especificamente na
criminologia crítica, através da dialética marxista. Na criminologia crítica, o
ponto central absorvido da dialética marxista é a interdependência entre sujeito
e objeto fundamentado no conflito entre classes (LOPES, 2002).

Assim, o pensamento marxista possui como premissa que qualquer


análise social deve ter como ponto central o próprio homem, raiz da relação
social. Sendo o homem inseparável da sociedade e sendo o crime um
fenômeno social, faz-se necessário um exame da própria posição do homem
na sociedade (TAYLOR; WALTON; YOUNG, 1980 apud LOPES, 2002).

Na dialética materialista de Marx, os movimentos históricos ocorrem de


acordo com a condições materiais da vida. Estando o homem inserido na
sociedade e produzindo materialmente nela, essa interação propaga mudanças
qualitativas nas relações sociais sem, contudo, alterar suas espécies. Ou seja,
continuando a existir o conflito (de classes) inerente à sociedade (KOSÍK,
1976).

Diferentemente do idealismo, onde o subjetivo é separado do objeto que


é influenciado por ele, em Marx as duas coisas se fundem. Daí a questão da
dialética: os contraditórios que são, em sua essência, a mesma coisa. No
pensamento marxista, não há uma transformação para a síntese de contrários,

34
mas uma transformação essencial do objeto, uma mudança de qualidade
(KOSÍK, 1976).

De acordo com esse prisma, o destaque da análise está nos processos,


havendo nestes uma mudança qualitativa e não de espécie (MARX, 1988). A
exemplo, as forças produtivas da sociedade transformam-se ao longo da
história, da utilização do escravagismo para a servil, depois para o uso do
proletariado. As formas de exploração se modificam, ora sendo exploradores
os nobres, ora os burgueses, mas essa mudança é apenas qualitativa, sua
essência é a mesma, destacando-se o processo. Assim, o impulso das
mudanças está sempre na base, na organização produtiva, material,
interpretada pelo modo de produção juntamente com a política(KOSÍK, 1976).

No pensamento marxista é a economia política (modo de produção


material e a política) que forma a infraestrutura social e que determina a
superestrutura social (MARX, 1983).Dessa forma, todas as formas de
pensamento, como a ideologia dominante, as formas institucionais, o direito, a
ética e as leis, a cultura, as artes, os movimentos sociais, são condicionadas
pela produção material na sociedade. Trata-se de dois aspectos da mesma
coisa: matéria (objetiva) e ideia (subjetiva).

Registra-se, ainda, como outro ponto no pensamento marxista que as


transformações político-econômicas que historicamente se sucedem ocorrem
devido as contradições (de classes sociais) inerentes a este processo de
criação social, essas contradições é o que se denomina “luta de classes”, as
quais, por sua vez, são consideradas por Marx como o motor da História
(KOSÍK, 1976).

Segundo Lopes (2002), na criminologia crítica o enfoque materialista de


punição serve de subsídio teórico às proposições deslegitimadoras do sistema
penal. Nesse contexto, são proposições críticas: o direito penal não defende
todos os bens essenciais de todos os cidadãos, a lei não é igual para todos,
sendo o status de criminoso distribuído de modo desigual entre as pessoas
(LOPES, 2002).

Deste modo, os principais pressupostos das dialética marxista referem-


se ao (1) o material condicionar o subjetivo, a produção material (portanto,

35
capitalista) é relevante para a formação da estrutura social, (2) o foco está nos
processos, sendo as mudanças de qualidade e não de espécie ao longo da
história e (3) há uma unidade de contrários, sendo aspectos diferentes de um
mesmo evento.

36
4 O FATOR SOCIOECONÔMICO E OS CRIMES
PATRIMONIAIS

Uma vez estudada a evolução científica da criminologia e os postulados


teóricos dos movimentos de políticas criminais, faz-se importante analisar a
Microrregião de Criciúma. Nesse sentido, avaliaremos os fatores
socioeconômicos e os crimes patrimoniais da região.

Para o desenvolvimento desta análise utilizaremos dados do IBGE2


referente aos censos demográficos de 2000 e 2010, bem como dados do IPEA3
e órgãos do governo relacionados ao trabalho4. Importante destacar a
importância da análise desses dados para contextualizar a formação
socioeconômico recente da região, onde observa-se a expansão da indústria
da transformação, frente a derrocada da extração de carvão, e o crescimento
da população urbana simultaneamente a redução da população rural.

Quanto a análise dos crimes patrimoniais, verificaremos a incidência dos


crimes de furtos e roubos de veículos segundo os registros de boletins de
ocorrência na região objeto de estudo com base nos dados do Sistema
Integrado da Segurança Pública (SISP), bem como faremos ao longo da
análise um paralelo com o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP)no Atlas da Violência5.

4.1 UMA VISÃO GERAL DA ECONOMIA DA MICROREGIÃO DE


CRICIÚMA

A Microrregião de Criciúma se encontra na Mesorregião Sul do Estado


de Santa Catarina. Está sendo dividida entre as microrregiões de Tubarão,
Criciúma e Araranguá.A microrregião de Criciúma é composta pelas cidades de
Criciúma, Içara, Urussanga, Forquilhinha, Morro da Fumaça, Cocal do Sul,
Lauro Muller, Siderópolis, Treviso e Nova Veneza.
2
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (https://www.ibge.gov.br).
3
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (http://www.ipea.gov.br).
4
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e
Habitação (SST).
5
Encontrado em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/>. Acesso em 04 junho 2018.

37
O Sul Catarinense teve destaque econômico a partir da colonização não
açoriana, no final do século XIX, com a vinda de imigrantes italianos e alemães.
Após a década de 1880, a região começou a ganhar maior importância
econômica devido a extração de carvão e a construção da ferrovia. De modo
que entender a economia do carvão é importante pois se trata de uma
atividade dinamizadora da economia local/regional até um período bem
recente, a qual tem forte influência no processo de organização social e
econômica da região(NIEDERLE; GUILARDI, 2013).
A região também apresenta expressiva agricultura familiar, a qual se
desenvolveu e hoje representa um dos principais complexos de produção de
arroz do Brasil. Na região também é representativa a indústria da
transformação, na qual se destaca o setor cerâmico.
Segundo dados do IBGE, a população da mesorregião Sulde Santa
Catarina representa 15% da população total do estado, tendo crescido na
década de 2000 a uma taxa média anual de 1,2%. Observa-se, contudo, a
diminuição da população rural, a qual decresceu no mesmo período 19,8%
enquanto a população urbana cresceu 23,8%.
Na microrregião de Criciúma esses números são ainda mais
expressivos. A variação percentual da população entre os anos de 2000 e 2010
foi de 13,75%, enquanto o crescimento da população urbana foi de 23,75% e a
redução da população rural,33,63%.

TABELA 1 – População residente e situação de domicílio, comparativo


entre Santa Catarina, Mesorregião Sul e Microrregião de Criciúma, 2000 e
2010.

Situação do Var. %
2000 2010
domicílio 2000/2010
Total 5.356.360 6.248.436 16,70
Santa
Urbana 4.217.931 5.247.913 24,40
Catarina
Rural 1.138.429 1.000.523 -12,10
Total 822.671 925.065 12,45
Sul
Urbana 608.230 753.156 23,83
Catarinense
Rural 214.441 171.909 -19,83
Total 234.747 369.398 13,75
Microrregião
Urbana 268.172 331.850 23,75
de Criciúma
Rural 56.575 37.548 -33,63
Fonte: IBGE (elaboração do autor).

38
Dentre as microrregiões do Sul Catarinense, a de Criciúma foi a que
registrou a maior variação populacional urbana (acréscimo) e rural
(decréscimo), sendo a que mais contribuiu para que a mesorregião Sul
registrasse aproximadamente 81% da população residente em área urbana no
ano de 2010 (BRASIL, 2010).
Quanto aos aspectos econômicos, a região do Sul Catarinense é a
quinta mais rica do estado, tendo representado cerca de 10,8% do PIB
catarinense em 2010. Observa-se, contudo, que no período de 2000-2010
houve redução da participação da região no PIB de todo estado, que em 2000
era de 12,8% (SANTA CATARINA, 2013).
Em termos setoriais o comportamento do PIB da região Sul Catarinense
se manteve sem grandes oscilações durante a década de 2000, representando,
em 2010, na participação do Valor Adicionado Bruto, 7% na Agropecuária, 36%
na Indústria e 57% em Serviços (SANTA CATARINA, 2013).
Com relação à distribuição do desempenho desses setores nas
microrregiões (Tubarão, Criciúma e Araranguá), comportamento do Sul
Catarinense no período de 2000-2010 foi marcado por uma tendência de
desconcentração regional. A microrregião de Criciúma, que chegou a
representar 52% do PIB do Sul Catarinense no início do período, teve sua
participação reduzida em 6% ao final dele, concentrando 46% do PIB (BRASIL,
2010 e SANTA CATARINA, 2013).
Além do quanto é produzido e da distribuição desta produção, é
importante ser analisado o aspecto do mercado de trabalho na região. Através
de indicadores econômicos como população em idade ativa (PIA6), população
economicamente ativa (PEA7) e taxa da ocupação da mão-de-obra é possível
verificar o impacto do desempenho econômico no mercado de trabalho.
Através dos dados da população economicamente ativa e da população
ocupada é possível calcular a taxa da população que se encontra desocupada
(taxa de desemprego). Este é um dos principais indicadores macroeconômicos

6
Compreende a população economicamente ativa e a população não economicamente ativa (IBGE).
7
Compreende o potencial de mão-de-obra com que pode contar o setor produtivo, isto é, a população
ocupada e a população desocupada, assim definidas: população ocupada - aquelas pessoas que, num
determinado período de referência, trabalharam ou tinham trabalho mas não trabalharam (por exemplo,
pessoas em férias) (IBGE).

39
monitorados pelo governo, ao lado da taxa de inflação e crescimento da
produção.
Entre os anos de 2000 e 2010, a população economicamente ativa na
microrregião de Criciúma como um todo cresceu 34,2% e o montante de
pessoas ocupadas cresceu 44,9%, taxas bem superiores ao aumento da
população em idade ativa (de dez anos ou mais de idade) que cresceu 20,8%
no período. Quanto à proporção de pessoas desempregadas, a microrregiãode
Criciúma apresentou também bom desempenho no período, alterando o
percentual de 11,3% de taxa de desocupação em 2000 para 4,2, em 2010.A
microrregião que apresenta a maior taxa de desemprego no período é a de
Criciúma, sendo também a que teve a maior redução (SANTA CATARINA,
2013).

TABELA 2 – Indicadores gerais do mercado de trabalho e posição na


ocupação por microrregião* - Sul Catarinense/SC, 2000 e 2010.

PIA, PEA e Taxa Tubarão Criciúma Araranguá Sul Catarinense


de Ocupação 2000 2010 Var.% 2000 2010 Var.% 2000 2010 Var.% 2000 2010 Var.%
PIA 279 327 17,2 265 321 20,8 130 155 19,2 675 804 19,0
PEA 162 201 24,5 153 205 34,2 80 102 27,3 395 509 28,8
Ocupados 145 194 33,4 135 196 44,9 72 98 36,0 354 489 38,4
Desocupação
10,0 3,6 - 11,3 4,2 - 10,0 3,8 - 10,5 3,9 -
(%)

*Valores aproximados em milhares.


Fonte: IBGE (elaboração do autor).

Quanto à dinâmica de crescimento no período entre os anos 2000 e


2010, na região sul como um todo, o montante de trabalhadores aumentou em
todas as seções de atividade econômica. O setor que concentra a maior parte
dos trabalhadores com vínculo formal é o da Indústria da Transformação, com
uma participação de 25,7% do total de empregos na microrregião de Criciúma
(BRASIL, 2010). Destaca-se, nesse setor, a indústria cerâmica, que movimenta
a produção mineral não-metálica na região, concentrando 5,5% da mão-de-
obra empregada na indústria da transformação (SANTA CATARINA, 2013).
De um modo geral, houve, na década de 2000, na microrregião de
Criciúma, redução do desemprego, aumento da produção, incluindo também o
PIB per capita, e alteração da dinâmica dos setores produtivos, com o
incremento da indústria da transformação. Pode-se também ressaltar o maior

40
crescimento populacional se comparado às demais microrregiões do Sul
Catarinense, destacando-se a grande redução da população rural nesse
período.
Por outro lado, ainda que seja possível analisar a economia da
microrregião de Criciúma e afirmar que houve melhora em diversos índices
econômicos, isso não garante que houve desenvolvimento. Ou seja, apenas a
dimensão econômica do desenvolvimento não assegura que houve melhora de
vida para as pessoas.
Nesse sentido, indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) e o Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) auxiliam na
análise sobre o desenvolvimento de determinada região. Apresentam-se como
verdadeiro contraponto às análises puramente econômicas do PIB per capita e
taxa de ocupação da mão-de-obra, levando também em consideração fatores
sociais como expectativa de vida, educação e saúde, além da renda.
O IDH municipal (IDH-M) em todas as cidades da microrregião de
Criciúma apresentou variação positiva no período 2000-2010. Índices que
foram superiores à média nacional no mesmo período, que era de 0,727. A
cidade de Criciúma, seguindo a tendência apresentada na economia,
apresenta o maior IDH-M da região, sendo de 0,788.

TABELA 3 – Índice IDH-M para os municípios da microrregião de Criciúma


(2000-2010).

IDHM IDHM IDHM IDHM IDHM IDHM


IDHM IDHM
Renda Renda Longevida Longevida Educação Educaçã
2000 2010
2000 2010 de 2000 de 2010 2000 o 2010
Brasil 0,612 0,727 0,692 0,739 0,727 0,816 0,456 0,637
Cocal do Sul 0,695 0,780 0,682 0,747 0,822 0,859 0,600 0,74
Criciúma 0,703 0,788 0,741 0,786 0,800 0,846 0,586 0,737
Forquilhinha 0,641 0,753 0,696 0,754 0,796 0,861 0,476 0,657
Içara 0,616 0,741 0,65 0,732 0,785 0,861 0,458 0,645
Lauro Muller 0,64 0,735 0,647 0,714 0,793 0,822 0,511 0,677
Morro da
Fumaça 0,617 0,738 0,681 0,732 0,808 0,825 0,426 0,665
Nova Veneza 0,659 0,768 0,704 0,741 0,8 0,869 0,509 0,703
Siderópolis 0,669 0,774 0,704 0,751 0,785 0,88 0,541 0,701
Treviso 0,612 0,774 0,657 0,737 0,793 0,882 0,439 0,714
Urussanga 0,698 0,772 0,713 0,756 0,858 0,876 0,557 0,695

41
8
Fonte: PNUD .

O índice FIRJAN de desenvolvimento municipal apresenta a mesma


tendência do IDH, destacando-se Içara à frente de Criciúma no último resultado
publicado, em 2013. Esta diferença, que altera apenas três posições no ranking
estadual, está relacionada ao componente saúde, onde Içara possui índice
superior de 0,8466, contra 0,8084 de Criciúma.

TABELA 4 – Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (ano base


2013).

Emprego
SC IFDM Educação Saúde
& Renda
IFDM Microrregião de Criciúma 0,7441 0,7023 0,7615 0,7684

Mediana dos Municípios 0,7656 0,6780 0,8450 0,7922

Máximo dos Municípios 0,8248 0,7857 0,8828 0,8711

Mínimo dos Municípios 0,6850 0,5303 0,7986 0,7137

Ranking IFDM Geral


Emprego
UF Município IFDM Educação Saúde
& Renda
Nacional Estadual

228º 20º SC Içara 0,8248 0,7857 0,8422 0,8466

233º 23º SC Criciúma 0,8240 0,7853 0,8782 0,8084


Cocal do
602º 78º SC 0,7849 0,6218 0,8828 0,8500
Sul
705º 90º SC Urussanga 0,7765 0,6790 0,8547 0,7959

827º 102º SC Treviso 0,7672 0,6971 0,8159 0,7886

869º 108º SC Lauro Muller 0,7641 0,6226 0,7986 0,8711


Nova
905º 113º SC 0,7614 0,7193 0,8479 0,7170
Veneza
1065º 132º SC Siderópolis 0,7511 0,6770 0,8013 0,7749

1375º 165º SC Forquilhinha 0,7338 0,6158 0,8478 0,7379


Morro da
2300º 238º SC 0,6850 0,5303 0,8110 0,7137
Fumaça
9
Fonte: FIRJAN .

8
Encontrado em: <http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/consulta/>. Acesso em: 03 junho 2018.
9
Encontrado em:
<http://www.firjan.com.br/data/files/A6/B7/D9/A0/733615101BF66415F8A809C2/An%C3%A1lise%20
Especial%20SC.pdf>. Acesso em: 03 junho 2018.

42
Assim, os municípios da microrregião de Criciúma apresentam índices
de qualidade de vida superiores à média nacional. Evidenciando que os
aspectos socioeconômicos possuem relação positiva às condições de vida na
região. Em resumo, pode-se dizer que ocorreu na microrregião de Criciúma:
aumento da população urbana; redução da população rural; aumento da
participação da indústria da transformação na formação do PIB; redução da
participação da formação do PIB regional; queda da taxa de desemprego;
melhora dos índices que medem a qualidade de vida. Realizada esta síntese,
devemos analisar os crimes.

4.2 OS CRIMES PATRIMONIAIS NA MICRORREGIÃO DE CRICIÚMA

Os crimes patrimoniais estão disciplinados na parte especial do Código


Penal Brasileiro (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), em seu
Título II, artigos 155 ao 183. O bem jurídico tutelado nesses tipos penais é o
patrimônio do indivíduo, aquilo que é de sua propriedade. Trata-se de intenção
do legislador em manter a ordem social através do direito à propriedade e do
dever jurídico de abstenção de ato daquele que não é titular do bem.
Embora não assuma importância central na tutela penal dos bens
jurídicos e tenha forte relação com o ramo do direito civil, muitos crimes
patrimoniais envolvem violência à pessoa e por isso ganham destaque. Seja
utilizada como meio ou como forma de garantia da subtração, a violência
frequentemente está associada aos crimes patrimoniais.
Outro aspecto interessante a ser destacado é se tratar de um crime que
ocorre tipicamente em áreas urbanas, onde o automóvel tem grande relevância
e é frequentemente objeto do crime. Os crimes de furto e roubo de veículos
tornaram-se tão comuns no Brasil que assumiram a característica de indicar o
nível de criminalidade de determinada região. Por este motivo é uma estatística
acompanhada pelo IPEA no Atlas da Violência10 e é o objeto de análise deste
capítulo.

10
Encontra do em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/redirecionamento/8/crimes-violentos-contra-o-
patrimonio>. Acesso em: 03 jun. 2018.

43
Conforme os dados do Atlas da Violência11 dos crimes contra o
patrimônio, furto e roubo de veículos são os que possuem maior representação
em números absolutos. No ano de 2010, a taxa de roubos de veículo em Santa
Catarina para cada cem mil veículos era de 52,8. No ano de 2016, o mesmo
índice era de mais de 75 veículos roubados para cada cem mil. No período de
2008 a 2010, a variação percentual nos roubos de carros foi de 30%.
No mesmo período, entre furtos e roubos de veículos, foram registrados
159512 ocorrências na microrregião de Criciúma. Os dados do Sistema
Integrado de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina revelam que os
números totais de registros desses crimes nos anos de 2008 a 2010 é
crescente. Houve um total de 397 registros no ano de 2008; 429 em 2009 e;
769 em 2010. Repercutindo numa variação de 8% entre 2008-2009 e quase
80% entre 2009-2010.
A cidade com maior número de registros é Criciúma, concentrando, em
média, 58% dos crimes (de furtos e roubos de veículos) registrados na região.
Em Criciúma, foram registrados Boletins de Ocorrência de furto e roubo,
respectivamente, nos quantitativos de 209 e 10 em 2008; 224 e 24 em 2009 e;
427 e 39 em 2010. Perfazendo um total de 219 ocorrências em 2008, 248 em
2009 e 466 em 2010.

11
O Atlas da Violência, ferramenta mantida em colaboração pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), possui dados de furtos de veículos
somente a partir de 2013.
12
Registros de Boletins de Ocorrência.

44
TABELA 5 – Ocorrências registradas de furtos e roubos de veículos nas
cidades da microrregião de Criciúma.

2008 2009 2010 Total


Municípios
Furto Roubo Total Furto Roubo Total Furto Roubo Total Crimes Var. %
Cocal do Sul 10 0 10 5 0 5 24 1 25 40 2,5
Criciúma 209 10 219 224 24 248 427 39 466 933 58,4
Forquilhinha 22 1 23 18 3 21 33 3 36 86 5,39
Içara 72 6 78 77 9 86 123 13 136 30 18,8
Lauro Muller 8 0 8 12 0 12 8 1 9 29 1,8
Morro da
19 2 21 15 0 15 12 5 17 53 3,32
Fumaça
Nova
9 0 9 7 1 8 10 0 10 27 1,7
Veneza
Siderópolis 6 0 6 9 0 9 7 3 10 25 1,5
Treviso 2 0 2 1 0 1 1 0 1 4 0,2
Urussanga 19 2 21 21 3 24 58 1 59 104 6,5
Total 376 21 397 389 40 429 703 66 769 1595 100
Fonte: Sistema Integrado da Segurança Pública de SC (elaboração do autor).

Os dados revelam também que as cidades da microrregião que


sucedem a Criciúma no número de registros de forma mais expressiva são
Içara, Urussanga, Forquilhinha e Morro da Fumaça, representando no período,
em média, 19%, 6%, 5% e 4% da distribuição dos registros, respectivamente.

GRÁFICO 1 – Comparativo de ocorrências registradas nas cidades da


microrregião de Criciúma (2008-2010).

500
450
2008
400
2009
350 2010
300
250
200
150
100
50
0

Fonte: Sistema Integrado da Segurança Pública de SC (elaboração do autor).

45
Embora haja grande concentração da ocorrência de crimes em Criciúma,
o que, de certa forma, acompanha os indicadores econômicos que apontam a
mesma cidade como força motriz da região, as variações percentuais da
incidência dos registros no período em análise não apontam a mesma
coerência para as demais cidades. Entre os anos de 2008 e 2009, houve
redução dos registros em metade das cidades da microrregião, com
percentuais que variaram de 8% a 50%. Entre os anos de 2009 e 2010, apenas
Lauro Miller apresentou redução (25%), destacando-se os grandes aumentos
de Cocal do Sul (400%), Criciúma (87,9%), Forquilhinha (71%) e Içara (58%).

TABELA 6 – Variações percentuais nos registros de furtos e roubos na


microrregião de Criciúma entre os anos de 2008-2009 e 2009-2010.

Municípios 2008-2009 2009-2010


Cocal do Sul -50,00% 400,00%
Criciúma 13,24% 87,90%
Forquilhinha -8,70% 71,43%
Içara 10,26% 58,14%
Lauro Muller 50,00% -25,00%
Morro da Fumaça -28,57% 13,33%
Nova Veneza -11,11% 25,00%
Siderópolis 50,00% 11,11%
Treviso -50,00% 0,00%
Urussanga 14,29% 145,83%
Total 8,06% 79,25%
Fonte: SISP(elaboração do autor).

Alguns dados econômicos explicam, em parte, os reflexos do


desenvolvimento de Santa Catarina quando a criminalidade é comparada com
outros estados brasileiros. Como ilustração, conforme dados do Atlas da
Violência, dos trinta municípios brasileiros mais pacíficos, os primeiros dois
colocados situam-se em Santa Catarina e dos trinta mais violentos, nenhum
está em Santa Catarina13.
Contudo, por não ser possível uma relação direita entre o desempenho
econômico da região e a criminalidade, outros indicadores são importantes.

13
Dados com relação aos crimes de homicídio.

46
Conforme já mencionado neste capítulo, indicadores socioeconômicos que
levam em consideração o nível de educação, expectativa de vida e saúde
auxiliam na análise comparativa entre crime e desenvolvimento econômico.
Neste sentido, faz-se importante verificar os índices de IDH e IDMF dos
municípios na microrregião de Criciúma em relação à variação dos registros de
crimes de furtos e roubos de veículos no período de 2008 a 2010.
Os dados do IDH-M, por serem censitários, ocorrendo a cada década,
dentro do período de estudo, apresentam apenas os índices para o ano de
2010, devendo ser este o parâmetro para análise. Contudo, vale destacar que
de 2000 a 2010 todos os municípios da microrregião obtiveram variação
positiva, ou seja, segundo o índice de desenvolvimento humano, houve
melhora da qualidade de vida entre o início e final da década de 2000 em todos
os municípios.

GRÁFICO 2 – Comparativo do IDH-M nas cidades da microrregião de


Criciúma (2000-2010).

0,9
0,78 0,788 0,768 0,774 0,774 0,772
0,8 0,753 0,741 0,735 0,738
0,695 0,703 0,698
0,641 0,659 0,669
0,7 0,616 0,64 0,617 0,612
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0

2000 2010

Fonte: PNUD (elaboração do autor).

Por outro lado, com relação ao índice FIRJAN (IFDM), a mesma


consistência não pôde ser observada nos anos de 2008 a 2010. Uma possível
explicação para este resultado é o fato de se tratar de uma série histórica muito

47
mais curta. Contudo, na maior parte dos municípios analisados, houve melhora
do índice que leva em conta a saúde e a educação, havendo variação negativa
entre 2008 e 2010 apenas nos municípios de Forquilhinha, Lauro Muller e
Treviso.

GRÁFICO 3 – Comparativo do IFDM nas cidades da microrregião de


Criciúma (2008-2010).

0,90 0,81
0,77 0,75 0,77 0,78
0,80 0,73 0,73
0,73 0,72 0,72
0,72 0,74
0,73 0,72
0,70
0,67 0,70
0,67 0,68 0,69
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00

2008 2010

Fonte: FIRJAN (elaboração do autor).

Conclui-se, portanto, que de modo geral a microrregião de Criciúma


obteve aumento dos índices referentes a qualidade de vida no período de 2008
a 2010. E as reduções apresentadas pelo IFDM não podem ser vinculadas aos
crimes em análise, pois os municípios que apresentaram redução neste
indicador tiveram variações muito diferentes (ver tabela 6). Ou seja, as
variações do IDH-M e IFDM não explicam as taxas de aumento ou redução nos
registros dos crimes de furtos ou roubos de veículos.
Contudo, embora não seja possível fazer uma correlação com o registro
de crimes e os índices que medem a qualidade de vida nos municípios devido
não possuírem uma relação linear, é possível analisar a tendência dos
resultados registrados no período em análise. Por ser medido anualmente, o
IFDM se apresenta como mais adequado para este fim, demonstrando que
tanto ele quanto o registro de crimes possuem inclinação positiva

48
(crescimento). Ocorrendo nos crimes um crescimento mais acentuado no
período.

GRÁFICO 4 – Tendência do IFDM e do registro de ocorrências de crimes


nas cidades da microrregião de Criciúma.

Tendência IFDM e crimes

Média IFDM
Média Crimes*
Linear (Média IFDM)
Linear (Média Crimes*)

2008 2009 2010

Fonte: FIRJAN e SISP (elaboração do autor).

Assim, ainda que seja perceptível a melhora de indicadores


socioeconômicos na região, não é possível inferir correlação direta entre estes
e a ocorrência de crimes envolvendo furto e roubo de veículos, podendo-se
apenas afirmar que ambos apresentaram crescimento. Por conseguinte, faz-se
importante verificar os canais pelos quais o desempenho econômico pode
afetar a taxa de criminalidade nas cidades.
Conforme Cerqueira (2017), os principais meios de interferência do
desempenho econômico nas cidades brasileiras estão relacionados ao
mercado de trabalho, aos mercados ilícitos, à desorganização social e à
qualidade da política pública.
O crescimento econômico faz aumentar a oferta de postos de trabalho,
enquanto eleva o salário real do trabalhador(CERQUEIRA, 2017). Havendo
oferta de empregos o custo de oportunidade de entrar para o exercício de uma
atividade criminosa aumenta, entre se arriscar no cometimento de crimes ou

49
aceitar uma proposta de trabalho lícito, deverá existir uma tendência à esta
última.
Por outro lado, o aumento da renda aumenta também a possibilidade de
ganhos com mercados ilícitos. Isto evidencia-se, sobretudo, nas pequenas
cidades, onde o aumento da renda torna economicamente possível negócios
ilícitos como o tráfico de drogas e a receptação de veículos furtados ou
roubados.
Como terceiro canal, junto com emprego e mercados ilícitos, há a
desorganização social causada pelo crescimento populacional. O aumento de
emprego e renda gera oportunidades e esse desempenho econômico está
intimamente relacionado com a alteração dos espaços urbanos. A
desorganização social gera para o criminoso três aspectos positivos para o
cometimento do ato ilícito, sendo o aumento das oportunidades, a possibilidade
de anonimato e a possibilidade de fuga (CERQUEIRA, 2017).
Por consequência da alteração desordenada do espaço urbano, as
políticas públicas assumem o quarto canal de explicação de como o
desempenho econômico se relaciona com a criminalidade nas cidades
(CERQUEIRA, 2017). A falta da qualidade das políticas públicas afeta não
somente a segurança pública, mas também o ordenamento urbano e a
prevenção social (saúde, educação, assistência). A ausência do Estado e a
consequente diminuição dos controles sociais faz aumentar a criminalidade.

50
5 A INSUFICIÊNCIA DO PENSAMENTO MARXISTA

Agora que analisamos nos dois últimos capítulos os movimentos de


política criminal, mais especificamente a teoria da criminologia crítica, e a
microrregião de Criciúma quanto seus aspectos socioeconômicos e quanto aos
crimes de furtos e roubos de veículos, podemos buscar enxergar os
acontecimentos relatados à luz do pensamento marxista presente na
criminologia crítica.
Por ser ciência que utiliza o método indutivo, a criminologia se adequa
de forma bastante fácil ao materialismo histórico, ambas análises seguem na
investigação dos processos sociais o sentido do material para o ideal. O
pressuposto de que são as mudanças materiais na sociedade que condicionam
a cultura, a arte e a ética se encaixa bem ao pensamento de que o direito penal
(ideal/subjetivo) é também condicionado pelas alterações originadas no
sistema produtivo (material/objetivo).
Desse modo, a deslegitimação do direito penal como instrumento
necessário e viável ao controle do fenômeno criminal passa a fazer bastante
sentido, pois se há conflito entre classes e há mecanismo de controle entre
opressores e oprimidos no sistema produtivo (capitalismo), do qual se originam
as instituições, é natural que estas também contenham esse cerne.
A criminologia crítica, seguindo a corrente de pensamento do
abolicionismo penal e com o fito de realçar a deslegitimação do direito penal,
buscou no materialismo dialético de Marx o fundamento teórico para justificar o
funcionamento imperfeito do sistema de justiça criminal. Recordando o início
deste trabalho, quando afirmamos a justiça criminal ser formada pelo tripé
política criminal, direito penal e criminologia, temos no direito penal o aspecto
executório/administrativo da justiça criminal. Nesse viés, segundo o
pensamento marxista, há uma desigualdade material entre classes que faz com
que uma se sobreponha a outra e utilize esse sistema de modo a fazer a
manutenção de seu status.
É muito clara a noção de que há classes em conflito no pensamento
marxista, onde uma subjuga a outra e utiliza de seu poder para construir
formas de controle e manutenção de um aparato estatal capaz de manter a

51
segregação social. Nesta linha de pensamento, existe apenas uma separação
formal entre economia e política, nela a figura que detém o poder econômico é
a mesma que detém o poder político.
Contudo, há de ser feita uma reflexão a respeito do período histórico no
qual a teoria marxista foi concebida e seus motivos determinantes. Marx viveu
na Europa do século XIX, num período pós-revolução industrial e francesa,
onde o liberalismo promoveu o fortalecimento da classe burguesa e
proporcionou as bases para o capitalismo moderno. Ele viu de perto a
ascensão da burguesia e presenciou o impacto da revolução industrial na vida
cotidiana. Foi neste ambiente revolucionário e de conflitos oriundos do novo
sistema produtivo (que deixara de ser feudal) que ocorreu a gestação do
materialismo dialético do pensamento marxista (SILVA, 2014).
Ao longo de sua evolução como pensador, sua visão sobre os
movimentos sociais e a necessidade de uma resposta aos conflitos em que a
classe trabalhadora era constantemente sobrepujada, o fez migrar para o
materialismo e para o campo da economia. Sua vertente revolucionária em prol
da classe operária e sua crítica à classe burguesa tem início na Alemanha pré-
industrial, onde a lenha proporcionada pelas florestas era insumo essencial e a
qual foi apropriada pela aristocracia com apoio do Estado. Servindo essa
passagem em Marx também de exemplo de como o direito servia para proteger
interesses privados em sua teoria (SILVA, 2014).
O próprio Direito, na visão de Marx, era visto como mecanismo para
atender à sociedade burguesa, onde apenas a igualdade formal é possível,
assim é com o instituto da propriedade. A propriedade no pensamento marxista
serve para reforçar a relação de exploração entre aqueles que detêm os meios
de produção frente àqueles que são explorados. Por consequência, o mesmo
ocorre com o direito penal, existindo como mecanismo de segregação social. Aí
reside, na criminologia crítica, uma explicação para a criminalização da
pobreza.
Mas isto se trata de reducionismo econômico. O capitalismo pode
agravar o crime, mas este não tem sua origem naquele. Diversos outros
aspectos contribuem para o fenômeno criminal, de modo que o aspecto
econômico é insuficiente para explicá-lo. Neste sentido, também o é o
materialismo dialético do pensamento marxista.

52
Através da análise de dados socioeconômicos da microrregião de
Criciúma nos anos de 2008, 2009 e 2010 foi possível constatar o crescimento
econômico dentro dos parâmetros do sistema capitalista. Contudo, embora
tenha havido também crescimento do número de registros de crimes de furtos
e roubos relacionados a veículos, não pôde ser evidenciada nenhuma relação
de causa e efeito entre os dois fenômenos.
Em termos socioeconômicos, podemos avaliar a evolução de
indicadores que medem a qualidade de vida, em parte, como indicativo de
sucesso do sistema produtivo em vigência. Por mais que nesses indicadores
não seja comportado o aspecto da segurança pública na sua formação, em
alguma medida eles representam melhora. Entretanto, não há relação linear
entre os crimes registrados e a evolução dos índices dessa melhora, havendo
cidades que na mesma região e período apresentaram resultados muito
divergentes quanto à criminalidade. Tais resultados, provavelmente, estando
muito mais ligados ao crescimento populacional e às políticas públicas locais.
Se assim não fosse, pela visão simplista do conflito entre classes e de
que a avolução do capitalismo poderia gerar mais segregação social e, por
conseguinte, mais crimes, poderíamos chegar à conclusão de quanto mais
emprego, maior será a criminalidade. No mesmo sentido, é também nítido que
o crime não incide de modo a selecionar suas vítimas de acordo com uma
divisão de classes.
Embora tal pensamento pareça se encaixar como justificativa para
deslegitimar o direito penal, cuja aplicação por vezes encontra maior
embasamento político do que jurídico, não serve para explicar o acontecimento
do crime.
De fato, o direito penal pode ser visto como instrumento de proteção a
interesses individuais e, em certa medida, isso possa explicar a criminalização
de parcela da população. Mas isso não deve ser entendido como forma de
explicar o fenômeno criminal. Em verdade, a inquirição de se tratar de crime
porque é protegido ou é protegido porque se trata de crime é inócua. O
fundamento econômico do materialismo dialético presente na criminologia
crítica é insuficiente para explicar o fenômeno criminal pois reduz a análise ao
seu aspecto econômico e limita seus agentes à classes em conflito.

53
6 CONCLUSÃO

No presente trabalho foi possível analisar o conceito de criminologia


como ciência, bem como sua evolução histórica. Abordamos como a ciência se
constituiu ao longo da história e destacamos as principais escolas penais,
como a Escola Clássica, a Escola Positivista e a Escola de Chicago.
Contextualizamos a criminologia contemporânea aos movimentos de
políticas criminais e observamos como essas políticas influenciam o meio
social e determinam o caráter do direito penal. Verificamos os movimentos do
abolicionismo penal e também do movimento da lei e ordem, bem como de que
forma a criminologia crítica aborda o fenômeno criminal.
Estudamos a criminologia crítica e o pensamento marxista, de modo a
analisar a incorporação de um pelo outro. Verificamos de qual modo a dialética
marxista é utilizada pela criminologia crítica para entender o fenômeno criminal,
fazendo uma breve revisão da dialética marxista.
Analisamos os dados da microrregião de Criciúma quanto a economia e
aos crimes patrimoniais envolvendo furto e roubo de veículos nos anos de
2008, 2009 e 2010. Verificamos a melhora de indicadores econômicos e sociais
simultaneamente ao crescimento da criminalidade. Observamos, ainda, as
variações percentuais de aumento e redução da ocorrência de crimes nas
diversas cidades que compõem a região, bem como a independência deste
fato a melhora dos indicadores socioeconômicos.
Desse modo, foi possível analisar os aspectos jurídico e econômico da
criminologia crítica aplicada na microrregião de Criciúma. Verificamos que
embora a dialética materialista de Marx seja importante para evolução do
pensamento econômico e do entendimento sobre o capitalismo, ela é
insuficiente para explicar o fenômeno criminal. O crime é classificado como tal
e ocorre não devido a uma luta entre classes definida pela base do sistema
capitalista, mas devido a uma série de fatores sociais, incluindo o econômico.
Destaca-se, dessa forma, a interdisciplinaridade da ciência criminal, uma
de suas características mais importantes. A criminologia deve ser pautada por
uma abordagem múltipla de como os fenômenos sociais (político, econômico,
cultural etc.) moldam a ocorrência dos crimes. O fenômeno econômico contribui

54
para o fenômeno criminal, mas não é o bastante para solucioná-lo. Sob o risco
de não serem analisadas outras abordagens que causem impacto positivo
maior na redução dos crimes em nossa sociedade, por mais imperfeito que
seja o sistema de justiça criminal, não devemos considerar o fator econômico
em detrimento de outros.

55
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