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Araranguá
2022
BRUNO ALESSIO NICHELE
Araranguá
2022
BRUNO ALESSIO NICHELE
______________________________________________________
Professora Rejane da Silva Johansson, Esp.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. Arnildo Steckert Junior, Esp.
Universidade do Sul de Santa Catarina
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a
Orientadora de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em
caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.
____________________________________
BRUNO ALESSIO NICHELE
RESUMO
O presente trabalho tem como foco analisar a (in)aplicabilidade das medidas de suspensão da
carteira nacional de habilitação, do cancelamento dos cartões de débito e de crédito e da
apreensão do passaporte do devedor em ações de cobrança, com fundamento no artigo 139,
inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015.Para a elaboração, utilizou-se tanto da
pesquisa bibliográfica como da documental. O trabalho foi dividido em quatro capítulos: o
primeiro trata dos princípios constitucionais inseridos no ordenamento jurídico brasileiro; o
segundo, tem como finalidade a análise do processo de conhecimento, após, do cumprimento
de sentença e do processo de execução, e, na sequência, analisamos as diferenças entre o
cumprimento de sentença e o processo de execução; no terceiro, analisamos se são feridos
princípios e garantias assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro ao determinar-se as
supracitadas medidas, bem como identificamos quais os limites das medidas conferidas ao
magistrado como forma de garantir a efetividade do cumprimento da ordem; por fim, no
último capítulo, analisamos decisões judiciais proferidas acerca do tema. Concluiu-se que tais
medidas devem ser adotadas de forma subsidiária, apenas quando esgotados os meios de
execução típicos e quando constatada a má-fé do devedor, de modo a se ponderar a
proporcionalidade e a razoabilidade da decisão com a finalidade almejada por meio do
processo de execução.
The present paper focuses on analyzing the (in)applicability of the measures of suspension of
the national driver's license, cancellation of debit and credit cards and the seizure of the
debtor's passport in collection actions, based on article 139, item IV, of the Civil Procedure
Code of 2015. For the elaboration, both bibliographic and documentary research were used.
The work was divided into three chapters: the first deals with the constitutional principles
inserted in the Brazilian legal system; the second chapter aims to analyze the knowledge
process, after the execution of the sentence and the execution process, and, subsequently, we
analyze the differences between the execution of the sentence and the execution process;
finally, in the third, we analyze whether principles and guarantees guaranteed by the Brazilian
legal system are violated when determining the aforementioned measures, as well as
identifying the limits of the measures conferred on the magistrate as a way of guaranteeing the
effectiveness of compliance with the order.It was concluded that such measures should be
adopted in a subsidiary way, only when the typical means of execution are exhausted and
when the bad faith of the debtor is verified, in order to consider the proportionality and
reasonableness of the decision with the desired purpose through the execution process.
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 8
2 DOS PRINCÍPIOS INSERIDOS NO PROCESSO CIVIL .......................................... 12
2.1 DO CONCEITO DE PRINCÍPIO .................................................................................... 12
2.1.1 Princípio do devido processo legal ............................................................................. 13
2.1.2 Princípio da dignidade da pessoa humana................................................................ 14
2.1.3 Princípio do contraditório e da ampla defesa ........................................................... 16
2.1.4 Princípio da razoável duração do processo .............................................................. 17
2.1.5 Princípio da proporcionalidade ................................................................................. 18
2.1.6 Princípio da boa-fé executiva e processual ............................................................... 19
2.1.7 Princípio da patrimonialidade ................................................................................... 20
2.1.8 Princípio da efetividade da execução ou do resultado ............................................. 22
2.1.9 Princípio da menor onerosidade do devedor ............................................................ 23
2.1.10 Princípio da disponibilidade da execução ................................................................. 24
3 DO PROCESSO DE CONHECIMENTO, DA FASE DE CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA E DA EXECUÇÃO .......................................................................................... 26
3.1 DO PROCESSO DE CONHECIMENTO ....................................................................... 26
3.2 DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ......................................................................... 28
3.3 DO PROCESSO DE EXECUÇÃO ................................................................................. 30
3.4 ARTIGO 139, INCISO IV, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015,
NAS AÇÕES PECUNIÁRIAS ................................................................................................. 34
4 APLICAÇÃO DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO PROCESSO DE
EXECUÇÃO CÍVEL.............................................................................................................. 38
4.1 CONFLITO COM OS PRINCÍPIOS E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS ........ 38
4.1.1 Da corrente instrumentalista...................................................................................... 41
4.1.2 Da corrente garantista ................................................................................................ 42
5 DECISÕES JUDICIAIS ACERCA DO TEMA............................................................. 44
5.1 DECISÕES DESFAVORÁVEIS..................................................................................... 44
5.1.1 Agravo de Instrumento n. 5013406-28.2021.8.24.0000do Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina ...................................................................................................... 44
5.1.2 Agravo de Instrumento n. 4027792-51.2019.8.24.0000 do Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina ...................................................................................................... 45
5.1.3 Agravo de Instrumento n. 5035194-35.2020.8.24.0000 do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina ........................................................................................................................ 46
5.1.4 Recurso Especial n. 1.896.421 de São Paulo ............................................................. 47
5.1.5 Agravo de instrumento n. 5008994-88.2020.8.24.0000do Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina ...................................................................................................... 48
5.2 DECISÕES FAVORÁVEIS ............................................................................................ 49
5.2.1 Agravo de Instrumento n. 4031481-06.2019.8.24.0000 do Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina ...................................................................................................... 49
5.2.2 Agravos de Instrumento n. 70084002286e n. 70084444538do Tribunal de
Justiçado Estado do Rio Grande do Sul ............................................................................... 50
5.2.3 Agravo de Instrumento n. 4004189-12.2020.8.24.0000do Tribunal de Justiça
Catarinense ............................................................................................................................. 51
5.2.4 Habeas Corpus n. 711.194 do Superior Tribunal de Justiça ................................... 52
5.2.5 Agravo Interno no Recurso em Mandado de Segurança n. 62.210 do Estado de
Minas Gerais ........................................................................................................................... 54
5.3 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 5.941 DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL ........................................................................................................... 55
6 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 58
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 61
8
1 INTRODUÇÃO
respeitados na forma como estipulados, seja no dia a dia da sociedade, ou, ainda, no âmbito
do processo (DONIZETTI, 2019, p. 122).
Assim, os princípios são diretrizes gerais de todo o ordenamento jurídico
brasileiro, na medida que servem como vetores aos operadores do Direito, seja ao
fundamentar, ou, ainda, ao interpretar as demais normas previstas no ordenamento. Cumpre
registrar, outrossim, que os princípios se originam nos aspectos políticos, econômicos e
sociais da sociedade em que criados, tais como as demais fontes do ordenamento jurídico
correspondente, ou seja, são criados também com a finalidade de adequar a vida em
sociedade, seja no âmbito individual ou coletivo (DONIZETTI, 2019, p. 122).
Ainda, conforme ensina Veras, os princípios são “um enunciado que ocupa uma
posição de supremacia que vincula o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que
com eles estão interligados, e corresponde ao alicerce do sistema jurídico.” (2015, p. 11)
Portanto, considerando a importância da observância dos princípios
constitucionais e infraconstitucionais no dia a dia do poder judiciário brasileiro, demonstrada
está a necessidade da análise dos princípios aplicáveis ao Direito Processual Civil no presente
trabalho, sobretudo os aplicáveis nas demandas que tem como finalidade a cobrança de
dívidas.
que ninguém será punido sem a observância do que está disposto na Lei, sejam direitos ou
obrigações impostas.
No mesmo sentido, acerca do princípio do devido processo legal, Gilmar Ferreira
Mendes e Paulo Gomes Branco ensinam que:
A ideia expressa no dispositivo é a de que somente a lei pode criar regras jurídicas
(Rechtsgesetze), no sentido de interferir na esfera jurídica dos indivíduos de forma
inovadora. Toda novidade modificativa do ordenamento jurídico está reservada à lei.
É inegável, nesse sentido, o conteúdo material da expressão “em virtude de lei” na
Constituição de 1988. A lei é a regra de direito (Rechtssatz) ou norma jurídica
(Rechtsnorm) que tem por objeto a condição jurídica dos cidadãos, ou seja, que é
capaz de interferir na esfera jurídica dos indivíduos, criando direitos e obrigações. A
lei deve ser igualmente geral e abstrata, uma disposição normativa válida em face de
todos os indivíduos (de forma impessoal) e que regule todos os casos que nela se
subsumam no presente e no futuro. Trata-se também de um conceito material de lei
como ratio e ethos do Estado de Direito, que leva em conta o conteúdo e a finalidade
do ato legislativo, sua conformidade a princípios e valores compartilhados em
sociedade, assim fortalecendo o necessário liame entre legalidade e legitimidade
(Mendes; Branco, 2021, p. 451).
Portanto, dos citados julgados, se extrai que, o magistrado deve observar, além
dos demais princípios aplicáveis ao caso concreto, o princípio da dignidade da pessoa
humana, de modo a assegurar o direito à liberdade de locomoção, assegurado pela
Constituição Federal de 1988.
16
tenha ciência de todo o processo e que, assim, possa se defender como bem entender e lhe
convier.
Processo Civil, responderá por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou
interveniente (BRASIL, CPC, 2015).
Conforme ensina Donizetti, os deveres de boa-fé e de lealdade processual “[...]são
inerentes a todos aqueles que influenciam na condução do processo: magistrados, membros do
Ministério Público, partes, advogados, peritos, serventuários da justiça e testemunhas” (2019,
p. 271).
Dessa maneira, poderá o magistrado, com fundamento nos incisos do artigo 80 do
Código de Processo Civil, constatar a má-fé daquele que (a) deduzir pretensão ou defesa
contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; (b) alterar a verdade dos fatos; (c) usar do
processo para conseguir objetivo ilegal; (d) opuser resistência injustificada ao andamento do
processo; (e) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (f)
provocar incidente manifestamente infundado; e (g) interpuser recurso com intuito
manifestamente protelatório (BRASIL, CPC, 2015).
Constatando-se os mencionados atos de má-fé, como forma de punir a parte que
agiu de forma desleal, e com fulcro no artigo 81 do Código de Processo Civil, o magistrado
poderá adotar a seguinte medida:
restrições previstas em Lei, o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros
para o cumprimento de suas obrigações (BRASIL, CPC, 2015).
Nesse sentido, o artigo 790 do Código de Processo Civil elenca os bens passíveis
de execução, a saber:
Embora se deva garantir ao credor tudo aquilo a que tem direito, nem sempre isso se
faz possível. Nas obrigações de fazer e não fazer, por exemplo, há um limite à
execução, segundo o qual ninguém pode ser coagido a prestar um fato; vale dizer,
por meio de atos coercitivos, impele-se o cumprimento da obrigação pelo devedor,
porém, inobservada a determinação judicial, não pode o Estado compelir
materialmente o devedor à prática ou à abstenção do ato (2019, p. 1038).
involuntariamente, que realmente não detém recursos suficientes para cumprir aquilo a que se
obrigou (DONIZETTI, 2015, p. 141).
Nesse sentido, inclusive, colhe-se do Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense,
decisão em que, aplicando-se o princípio da menor onerosidade do devedor e da
proporcionalidade, reconheceu que a adoção de medidas atípicas, tais como a suspensão da
carteira nacional de habilitação do executado, é medida subsidiária, devendo ser determinada
quando o devedor possui bens capazes de responder pela dívida, mas envida manobras para
evadir-se de sua responsabilidade patrimonial, vejamos:
trâmite processual, e por meio do magistrado, dirá o direito, decidindo de qual lado está a
razão, se com a parte autora ou a parte ré, vejamos:
Há casos em que o processo tem natureza condenatória, nos quais o autor formula
uma pretensão de impor ao réu uma obrigação, que ele deveria ter satisfeito
voluntariamente, mas não satisfez e não quer satisfazer. A obrigação pode ser de
pagar determinada quantia, ou de entregar coisa certa ou incerta, ou de cumprir
obrigação de fazer ou não fazer. Nesse caso, a satisfação do credor não decorre
automaticamente da prolação da decisão definitiva, pois é preciso que o devedor
cumpra a ordem nela contida. Enquanto não há o cumprimento pelo devedor, a
obrigação remanesce insatisfeita. Se o devedor cumpre voluntariamente a sua
obrigação, não será preciso prosseguir, nem sequer terá início a fase de cumprimento
de sentença. Mas, se ele não o faz, é preciso solicitar ainda a intervenção do
Judiciário para que faça valer, para que torne concreto, aquilo que consta da decisão
judicial. Com isso, terá início a fase de cumprimento de sentença (2018, p.18).
O cumprimento de sentença, por sua vez, é uma fase executiva que deriva do
processo de conhecimento, na medida em que surge, mediante requerimento do credor, após a
prolação de uma sentença condenatória, transitada em julgado, quando o devedor não cumpriu
a ordem judicial voluntariamente.
É nesse sentido que o § 1º do Código de Processo Civil de 2015, dispõe que "o
cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo,
far-se-á a requerimento do exequente” (BRASIL, CPC, 2015).
No mesmo sentido Humberto Theodoro Junior ensina que
Nota-se, contudo, que o atual Código, que foi expresso quanto à matéria na
disciplina do cumprimento de sentença relativa a obrigação de quantia certa,
silenciou-se, a seu respeito, quando regulou a execução de sentença relacionada às
obrigações de fazer, não fazer e entregar coisas. O que permitiria a conclusão, já
adotada em doutrina, de que nessas últimas hipóteses, a diligência de fazer cumprir a
condenação seria um consectário automático da própria sentença, a dispensar
qualquer impulso da parte vencedora (2020, p. 786).
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com
os artigos previstos neste Título:
I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de
obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;
II - a decisão homologatória de autocomposição judicial;
III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;
IV - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante,
aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal;
V - o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários
tiverem sido aprovados por decisão judicial;
VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado;
VII - a sentença arbitral;
VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
IX - a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta
rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;
X - (VETADO) (BRASIL, CPC, 2015. Grifo nosso).
[...]
I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos;
II - Por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria
Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese
do inciso IV;
III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246, não tiver procurador
constituído nos autos
IV - Por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de
conhecimento (BRASIL, CPC, 2015).
Processo Civil de 2015, o que, todavia, não é necessário, pois pode optar por ingressar com o
processo de execução.
Isso porque, no processo de execução, a parte autora, ora credora, detém um título
executivo extrajudicial, o qual deve corresponder à uma obrigação certa, líquida e exigível,
nos termos do que prevê o artigo 783 do Código de Processo Civil de 2015.
São títulos executivos extrajudiciais, de acordo com o artigo 784 do Código de
Processo Civil de 2015,
não será alcançado, a obrigação deverá ser convertida em perdas e danos (GONÇALVES,
2018, p. 18).
Com a finalidade de satisfazer a obrigação, o magistrado pode utilizar os
mecanismos de coerção e de sub-rogação. Aplicando os mecanismos de coerção, o Estado
impõe medidas de pressão, tais como a imposição de multa diária pelo atraso no pagamento.
Aplicando os mecanismos de sub-rogação, por outro lado, o Estado substitui-se ao devedor no
cumprimento da obrigação, como por exemplo a apreensão de bens, a venda em leilão judicial
e, com o resultado, efetua o pagamento ao exequente (GONÇALVES, 2018, p. 30)
Registra-se, no entanto, que, conforme expressa previsão do artigo 833 do Código
de Processo Civil de 2015, em regra, não estão sujeitos à execução, porquanto impenhoráveis
ou inalienáveis, os seguintes bens e valores:
3.4 ARTIGO 139, INCISO IV, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015,
NAS AÇÕES PECUNIÁRIAS
Registra-se, ademais, que, antes mesmo da inovação conferida pelo artigo 139,
inciso IV, do Código de Processo Civil, de 2015, o magistrado, na condução do processo de
execução, já poderia adotar medidas com a finalidade de impelir o devedor a cumprir a
obrigação não satisfeita voluntariamente.
Exemplo disso é o artigo 523 do Código de Processo Civil, que autoriza o
magistrado a, no caso de o devedor não efetuar o pagamento da dívida no prazo de 15
(quinze) dias, acrescer ao débito devido multa de dez por cento e, também, de honorários de
advogado de dez por cento, além de expedir mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os
atos de expropriação, vejamos:
No entanto, tais medidas, na grande maioria dos casos, não são suficientes para
compelir o devedor a cumprir a obrigação devida, razão pela qual o Código de Processo Civil
de 2015 inovou ao, além das medidas executivas típicas, conferir ao magistrado o poder de
determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham
por objeto prestação pecuniária.
Além das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de
Processo Civil de 2015, há também as medidas atípicas nos artigos 297, 536, § 1º, e no artigo
773, todos do mesmo Códex, que podem ser adotadas pelo magistrado condutor do processo
para garantir a satisfação da obrigação devida, in verbis:
36
Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para
efetivação da tutela provisória.
[...]
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação
de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a
efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático
equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras
medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas,
o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso
necessário, requisitar o auxílio de força policial.
[...]
Art. 773. O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias ao cumprimento da ordem de entrega de documentos e dados.
Embora existam os supracitados dispositivos, ainda assim o artigo 139, inciso IV,
do Código de Processo Civil de 2015, inovou ao conferir ao magistrado o poder amplo e
genérico de, na condução do processo, “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial,
inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” (BRASIL, CPC, 2015).
Ora, com fundamento no supracitado dispositivo legal, alguns magistrados, como
forma de efetivação ao cumprimento de decisões judiciais, vêm determinando a suspensão da
carteira nacional de habilitação, o cancelamento dos cartões de débito e de crédito e a
apreensão do passaporte do devedor/executado no âmbito das ações de cobrança, além de
outras medidas executivas atípicas, como, por exemplo, a proibição de participação de
concursos públicos e de licitações.
Afinal, além de o magistrado ter o poder de determinar as referidas medidas de
ofício, ou seja, sem a necessidade de qualquer provocação da parte autora, o supracitado
dispositivo legal não é regulado por qualquer outro que expressamente determine o alcance de
sua aplicação.
Segundo Gonçalves,
Da leitura do dispositivo resulta que a lei muniu o juiz de poderes para valer-se não
apenas das medidas executivas típicas, expressamente previstas em lei, mas também
de quaisquer outras, que se mostrem efetivas, para alcançar o resultado pretendido.
Mas a esse poder deve contrapor-se a necessidade de observar o princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade. Além disso, a medida deve guardar relação
com o objeto pretendido, mantendo com ele algum tipo de correlação. Não parece
razoável, assim, a prática de, no intuito de alcançar o cumprimento de obrigação
patrimonial, determinar-se a cassação do passaporte do devedor, ou a retenção de
sua carteira de habilitação, ressalvada a hipótese de eventual peculiaridade do caso
concreto (2018, p.159).
Bueno, Gouvêa, Fonseca e Bondioli, por sua vez, ensinam que "tipicidade
corresponde à exigência de previsão legal dos meios executórios. Atipicidade significa que,
37
além dos legalmente previstos, o juiz pode adotar outros meios coativos, de acordo com as
necessidades do caso concreto." (2020, p. 267).
O Enunciado n. 48 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados (ENFAM) preceitua que “o art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de
efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de
qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de
execução baseado em títulos extrajudiciais” (MAGITRADOS, 2022, p.5).
De igual maneira, o Enunciado n. 12 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis (FPPC), prevê que as medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de
Processo Civil, de 2015, são cabíveis tanto na fase de cumprimento de sentença como também
na execução de título executivo extrajudicial, mas devem ser aplicadas de forma subsidiária,
com a observação do contraditório, ainda que diferido, in verbis:
O direito à vida, antes do direito à liberdade, é o maior dos direitos, colocado como
indisponível e oponível erga omnes, por excelência, a tal ponto que não se pode
39
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
XV. é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens
(BRASIL, CRFB, 1988).
Logo, e conforme leciona Sofia Dontos, “para alguns autores, toda e qualquer
restrição que não incida exclusivamente sobre o patrimônio do devedor será inconstitucional.
Para outros, a previsão é constitucional e consiste em meio hábil a resolver a problemática da
efetivação da tutela jurisdicional” (2018, p. 1).
Assim, verifica-se que os conflitos de entendimento acerca da aplicabilidade ou
não das medidas executivas atípicas possibilitadas ao magistrado na condução do processo de
execução, com fundamento no artigo 139, inciso IV, do Código Processo Civil, ainda não
encontraram solução, sobretudo porque ainda se encontra pendente de julgamento a Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 5.941, com pedido de medida cautelar, que tramita no
Supremo Tribunal Federal, e foi proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT), visando a
declaração de inconstitucionalidade do artigo 139, inciso IV, assim como do artigo 297, do
artigo 390, parágrafo único, do artigo 400, parágrafo único, do artigo 403, parágrafo único, do
artigo 536, caput, e § 1º, e do artigo 773, todos do Código de Processo Civil de 2015.
44
Do citado julgado, se extrai, portanto, que o magistrado deve observar, além dos
demais princípios aplicáveis ao caso concreto, o princípio da menor onerosidade do devedor,
com a finalidade de aplicar as medidas atípicas conferidas pelo artigo 139 do Código de
Processo Civil, somente em caráter subsidiários, ou seja, quando constatar que o devedor
possui bens capazes de responder pela dívida, mas adota manobras para evadir-se de sua
responsabilidade patrimonial.
Logo, de acordo com o referido entendimento jurisprudencial, o magistrado, sob
pena de não alcançar o fim pretendido pela lei e de assumir indevido caráter punitivo, não
deve aplicar as medidas atípicas conferidas pelo artigo 139 do Código de Processo Civil,
quando o devedor não possui bens que sirvam à satisfação integral do débito, sob pena de
ofender o princípio da menor onerosidade do devedor e da proporcionalidade.
Por outro lado, também do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, extrai-
se jurisprudência favorável à aplicação da medida atípica de suspensão da Carteira Nacional
de Habilitação do devedor no âmbito de ação de execução de alimentos, vejamos:
econômica, estão livres e poderão ser objeto de penhora válida, ônus que igualmente
cabe ao paciente.
5- O oferecimento à penhora de parte dos rendimentos advindos de aposentadoria e
pensão por morte recebidos pelo devedor somente será relevante para o fim de
viabilizar o desbloqueio de seu passaporte se os valores obtidos a partir dessa
modalidade executiva forem suficientes para o adimplemento integral da obrigação
em tempo razoável.
6- As medidas coercitivas atípicas não modificam a natureza patrimonial da
execução, mas, ao revés, servem apenas para causar ao devedor determinados
incômodos pessoais que o convençam ser mais vantajoso adimplir a obrigação do
que sofrer as referidas restrições impostas pelo juiz, de modo que a retenção do
passaporte do devedor deve perdurar pelo tempo necessário para que se verifique, na
prática, a efetividade da medida e a sua capacidade de dobrar a renitência do
devedor, sobretudo quando existente indícios de ocultação de patrimônio.
7- Na hipótese em exame, os elementos obtidos neste habeas corpus e nos demais
processos e recursos que envolveram a paciente e os demais co-executados que
foram submetidos ao exame desta Corte demonstram que: (i) trata-se de dívida de
honorários advocatícios sucumbenciais inadimplida desde 2006, ou seja, há mais de
dezessete anos; (ii) o esgotamento das medidas executivas típicas está
suficientemente evidenciado; (iii) há indícios suficientes de ocultação patrimonial da
paciente e dos demais co-executados, sua filha e seu genro; (iv) é absolutamente
razoável inferir que as cotas sociais das pessoas jurídicas de que a paciente é sócia
não possuem expressão econômica, não estão livres e não são suscetíveis de
penhora, inclusive diante da existência de inúmeras outras execuções fiscais e
trabalhistas; (v) os rendimentos de aposentadoria e pensão oferecidos à penhora são
insignificantes diante do valor da dívida, que, nesse contexto, somente seria quitada
daqui a mais de cinquenta anos; (vi) o oferecimento de bem à penhora após
dezesseis anos de execução infrutífera, ainda que claramente insignificante diante de
seu contexto patrimonial e nitidamente insuficiente para adimplir a dívida, é
evidência de que a retenção do passaporte do devedor está lhe causando o necessário
incômodo pretendido por ocasião do deferimento da medida coercitiva atípica.
8- Ordem denegada. (DISTRITO FEDERAL, STJ, 2022).
Além disso, a Corte asseverou que as medidas devem perdurar pelo tempo
necessário para a verificação da sua efetividade, isto é, que não têm prazo de duração,
sobretudo quando existente indícios de ocultação de patrimônio por parte do devedor.
Ainda, ressaltou que aquele que pretende a revogação de medida coercitiva atípica
deve comprovar a inexistência de esgotamento das medidas executivas típicas, assim como
que a medida coercitiva atípica é inútil, ineficaz, desnecessária ou se reveste de penalidade.
No caso em tela, portanto, considerando que trata-se de dívida inadimplida há
mais de dezessete anos, que o esgotamento das medidas executivas típicas está evidenciado,
que há indícios suficientes de ocultação patrimonial, que os rendimentos de aposentadoria e
pensão oferecidos à penhora são insignificantes diante do valor da dívida, que o oferecimento
de bem à penhora após dezesseis anos de execução infrutífera é evidência de que a retenção
do passaporte do devedor está lhe causando o necessário incômodo pretendido por ocasião do
deferimento da medida coercitiva atípica, o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão
que apreendeu o passaporte da devedora.
3- Embora a medida sub-rogatória atípica decretada com base no art. 139, IV, do
CPC/15 seja drástica, tratou-se da medida efetivamente necessária diante das
peculiaridades da hipótese, em que existem inúmeros e fortes indícios de ocultação e
de transferência de patrimônio entre familiares, especialmente porque verificadas as
condições estabelecidas pela jurisprudência: existência de indícios de que o devedor
possua patrimônio expropriável, adoção das medidas em caráter subsidiário, decisão
com fundamentação adequada às especificidades da hipótese e observância do
contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. Precedente.
4- O bloqueio de 30% apenas sobre recebíveis por cartões de crédito e débito se
revela razoável e proporcional, na medida em que se trata de uma das formas de
recebimento dos serviços prestados pela agravante (que recebe, também, por
transferências bancárias e dinheiro, por exemplo), correspondendo a percentual
apropriado e que bem equaliza a efetividade da tutela executiva sem
comprometimento da atividade empresarial.
5- Agravo interno desprovido. (DISTRITO FEDERAL, STJ, 2021).
A Câmara dos Deputados, por sua vez, aduziu que o Projeto de Lei n. 8.406/2010,
que deu origem à Lei n. 13.105/2015, foi realizado observando-se os trâmites constitucionais
e regimentais.
A Advocacia-Geral da União, no mérito, defendeu a constitucionalidade das
normas combatidas, ressaltando que, se observados os critérios da proporcionalidade e
respeito às garantias fundamentais, as normas se adequam ao texto constitucional.
O Senado Federal opinou pelo não conhecimento da ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores e, no mérito, de igual modo, se
manifestou pelo integral desprovimento dos pedidos.
Posteriormente, a parte autora requereu a rejeição das preliminares apontadas pela
Advocacia-Geral da União e, subsidiariamente, a concessão de prazo para regularização, com
fundamento no artigo 76 do Código de Processo Civil.
A Procuradoria-Geral da República, ao seu turno, opinou pela procedência do
pleito formulado pelo Partido dos Trabalhadores, para que, embora o magistrado continue
detendo o poder de aplicar, subsidiariamente e fundamentadamente, medidas atípicas de
caráter estritamente patrimonial, não mais possa adotar as que restrinjam as liberdades
individuais, tais como a apreensão de carteira nacional de habilitação e do passaporte, a
suspensão do direito de dirigir, a proibição de participação em certames e de licitações
públicas, de modo a evitar que invadam a esfera de autonomia pública e privada do devedor.
Em consulta ao portal do Supremo Tribunal Federal, verificou-se que a Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 5.941, até o presente momento, contudo, se encontra
pendente de julgamento.
58
6 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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