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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

CURSO DE DIREITO

CÁSSIO CLARINDA DA CUNHA

LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE NA ÓTICA DO


CONDOMÍNIO EDILÍCIO DADO AO USO NOCIVO DA PROPRIEDADE

CRICIÚMA SC
2022
CÁSSIO CLARINDA DA CUNHA

LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE NA ÓTICA DO


CONDOMÍNIO EDILÍCIO DADO AO USO NOCIVO DA PROPRIEDADE

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado


para obtenção do grau de bacharel no curso de
Direito da Universidade do Extremo Sul
Catarinense, UNESC.

Orientador: Prof. Geraldo Machado Cota Júnior

CRICIÚMA SC
2022
CÁSSIO CLARINDA DA CUNHA

LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE NA ÓTICA DO


CONDOMÍNIO EDILÍCIO DADO AO USO NOCIVO DA PROPRIEDADE

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela


Banca Examinadora para obtenção do Grau de
bacharel no Curso de Direito da Universidade do
Extremo Sul Catarinense, UNESC.

Criciúma, xx de ..............de 2022. (data da defesa)

BANCA EXAMINADORA

Prof. Geraldo Machado Cota Júnior - Orientador

Prof. XXXXXXXXX

Prof. XXXXXXXX
Dedico esse trabalho à minha esposa, e
aos meus pais, pela compreensão e
incentivo durante todos os momentos
desta etapa na minha vida.
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus que iluminou o meu caminho durante


esta caminhada. Agradeço também a minha esposa, que de forma especial e
carinhosa me deu força e coragem, me apoiando nos momentos de dificuldades.
E não deixando de agradecer de forma grata e grandiosa aos meus pais
Rita e Alexandre a quem eu rogo todas as noites a minha existência, pois estão em
todos os momentos, me apoiando e incentivando em meus projetos.
Agradeço aos meus professores que seus ensinamentos foram muito além
dos conteúdos em sala de aula. Tive muito aprendizados importantes para a vida. As
suas missões vão muito além de serem professores, vocês souberam despertar a
minha admiração de um modo único.
Muito obrigado pela sua dedicação, paciência e carinho ao lecionar.
Agradeço por terem feito parte da minha vida, a vocês, toda a minha gratidão e
carinho!
Por fim, agradeço à Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC,
por me proporcionar mais um sonho a se realizar. Há pessoas que marcam a nossa
vida, que despertam algo especial em nós, que abrem nossos olhos de modo
irreversível e transformam à nossa maneira de ver o mundo. Vocês foram uma dessas
pessoas! Obrigado!

.
“Em matéria de propriedade, o direito
do primeiro ocupante é incerto e pouco
seguro. O direito de conquista, pelo
contrário, assenta em fundamentos
sólidos. Ele é respeitável porque é o
único que se faz respeitar. ”

Anatole France
RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso vem abordar a exclusão do condômino no âmbito


do condomínio edilício por prática de conduta antissocial, através de uma análise
jurisprudencial da limitação do exercício do direito da propriedade, em função do
direito de vizinhança e do condomínio edilício. Levanta-se o problema de que se pode,
ou não, o condômino considerado nocivo à vizinhança ser excluído pela assembleia
de condôminos do direito de habitar em sua propriedade. Através do estudo do direito
de propriedade e suas limitações; do exame dos condomínios edilícios, sua
organização e normas aplicáveis e a verificar as decisões dos Tribunais de Justiça
referente a expulsão do condômino antissocial, se objetivou analisar a possibilidade
da exclusão do condômino antissocial do condomínio edilício, conforme jurisprudência
do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Paraná. Dentro deste contexto, a
metodologia utilizada foi a de análise partindo da observação da legislação brasileira,
uma revisão bibliográfica foi empregada em relação ao nível, pesquisa exploratória,
pois permite identificar as variáveis que envolvem o objeto pesquisado, buscando
proporcionar maior intimidade com o problema. Quanto à abordagem aplicada, foi a
quali-quantitativa, utilizada para que se realize uma análise mais aprofundada sobre
a questão de propriedade. A escolha do presente tema decorreu em função das
constantes lides que ocorrem em virtude de diferentes pontos de vistas referentes ao
assunto. Os atos considerados antissociais não formam um rol fechado e taxativo. Por
fim, conclui-se de que, se de um lado, sustenta-se que a ausência de previsão legal é
óbice à exclusão do condômino social e que não pode haver interpretação ampliativa
de norma restritiva do direito de propriedade. Também o direito à moradia e a
dignidade humana impediriam o afastamento compulsório do condômino antissocial.
De outro lado, deve-se prestigiar os paradigmas da sociabilidade, de forma a se
permitir a exclusão do condômino antissocial. Portanto, em hipóteses excepcionais,
admite-se a exclusão do condômino antissocial, em prol do sossego, da segurança e
da saúde dos demais vizinhos.

Palavras-chave: Condomínio Social. Direito de propriedade. Tribunal de Justiça.


ABSTRACT

This course conclusion work addresses the exclusion of the joint owner within the
scope of the building condominium due to the practice of antisocial conduct, through a
jurisprudential analysis of the limitation of the exercise of the right to property,
depending on the right of neighborhood and the building condominium. The problem
arises of whether, or not, the unit owner considered harmful to the neighborhood can
be excluded by the assembly of condominium owners from the right to live on their
property. Through the study of property law and its limitations; of the examination of
the condominiums, their organization and applicable norms and to verify the decisions
of the Courts of Justice regarding the expulsion of the antisocial condominium, the
objective was to analyze the possibility of the exclusion of the antisocial condominium
from the building condominium, according to the jurisprudence of the Court of Justice
of São Paulo and from Paraná. Within this context, the methodology used was the
analysis starting from the observation of Brazilian legislation, a bibliographic review
was used in relation to the level, exploratory research, as it allows identifying the
variables that involve the researched object, seeking to provide greater intimacy with
the problem. As for the approach applied, it was the quali-quantitative one, used to
carry out a more in-depth analysis of the property issue. The choice of this theme was
due to the constant disputes that occur due to different points of view regarding the
subject. The acts considered antisocial do not form a closed and exhaustive list.
Finally, it is concluded that, on the one hand, it is argued that the absence of a legal
provision is an obstacle to the exclusion of the social condominium and that there can
be no broad interpretation of a restrictive rule of property rights. Also the right to
housing and human dignity would prevent the compulsory removal of the antisocial
condominium. On the other hand, the paradigms of sociability must be honored, in
order to allow the exclusion of the antisocial condominium. Therefore, in exceptional
cases, the exclusion of the antisocial unit owner is allowed, for the sake of peace,
safety and the health of other neighbors.

Keywords: Social Condominium. Property right. Court of justice.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 O DIREITO DE PROPRIEDADE E VIZINHANÇA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
.................................................................................................................................. 15
2.1 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DE PROPRIEDADE ................. 18
2.2 O DIREITO DE VIZINHANÇA E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE........ 19
2.3 A INSERÇÃO DO CONDOMÍNIO NO CONTEXTO JURÍDICO ATUAL .............. 24
3 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM O CONDOMÍNIO EDILÍCIO ...................... 27
3.1 O CONDOMÍNIO EDILÍCIO E SEUS INSTRUMENTOS NORMATIVOS ............ 27
3.2 INSTITUIÇÃO DE CONDÔMINO PROPRIEDADE INDIVIDUAL E COLETIVA .. 31
3.3 CONVENÇÃO E O REGIMENTO INTERNO DO CONDOMÍNIO ....................... 33
4. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL DO
CONDOMÍNIO EDILÍCIO .......................................................................................... 36
4.1 ANALISE JURISPRUDENCIAL E DOUTRINARIA QUANTO A DEFINIÇÃO DE
CONDÔMINO ANTISSOCIAL ................................................................................... 39
4.2 A DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA SOBRE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
INTRÍNSECO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ......................................................... 41
4.3 ESTUDO JURISPRUDENCIAL DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
E PARANÁ. ............................................................................................................... 44
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 49
REFERENCIAS......................................................................................................... 52
11

1 INTRODUÇÃO

O direito à propriedade privada é uma premissa constitucional que garante


ao cidadão a apropriação patrimonial sobre bens. No entanto, mesmo consagrado
como um pilar do indivíduo, cada vez mais se submete a uma função social, impondo
a lei diversas restrições ao seu exercício.
Impera colocar que atualmente sobrepõe-se a proteção à coletividade ante a
proteção individual do proprietário, devendo o proprietário exercer seus poderes de
dono, sempre consoante com as normas regulatórias de proteção e respeito aos seus
vizinhos.
O convívio em sociedade raramente é pacífico. Levando em consideração a
limitação de bens, a existência de inúmeras culturas, cada qual com sua ideologia,
com suas opiniões divergentes, na vida em em si, existem diversas possibilidades para
o surgimento de conflitos de interesses.
O mesmo ocorre quando do exercício de um direito que, ainda que de natureza
privada, sempre estará submetido à observância de alguma norma de ordem pública.
As relações jurídicas advindas do direito de propriedade são exemplos de situação
em que podem florescer desentendimentos entre as pessoas, sobretudo no âmbito do
condomínio edilício. Este trabalho pretende analisar a situação conflituosa resultante
do comportamento do condômino nocivo e seus desdobramentos, especificamente
quanto à possibilidade de sua expulsão do condomínio, eis que se trata de sanção
não prevista em lei.
Cresceu consideravelmente ao longo dos anos a convivência de pessoas em
espaços limitados, através da moradia em condomínios, sobretudo em médias e
grandes cidades. Houve uma evolução através dos tempos de normas pacificadoras
dessa convivência, sobretudo aquelas que dispõem sobre a vizinhança e também
quanto ao condomínio edilício.
No condomínio edilício, pelo fato de haver partes que são de uso comuns, as
quais são compartilhadas, como a portaria, vigilância, academia, piscinas, livings,
entre outras inúmeras criações para o aprimoramento de determinado
empreendimento. Existe a obrigatoriedade de convivência entre os condôminos em
razão da propriedade em comum com os outros moradores. Essa convivência tende
a ocasionar diversos problemas relativos à administração do condomínio, aos direitos
12

de vizinhança e também os próprios do convívio diário entre pessoas que em geral


não se conhecem.
Com o surgimento dos problemas é preciso requerer a adoção de sanções,
devendo as medidas serem aplicadas conforme os graus de gravidade. Partindo de
simples advertência e caminhando por diversos graus de multas pecuniárias. Em caso
de reincidência, devem ser aplicadas medidas mais duras e em casos mais extremos,
aplicação de soluções drásticas.
Surge então a possibilidade de exclusão do condômino no âmbito do
condomínio edilício por prática de conduta antissocial: análise jurisprudencial da
limitação do exercício do direito da propriedade, em função do direito de vizinhança e
do condomínio edilício. O tema é recorrente em função das constantes lides que
ocorrem em virtude de diferentes pontos de vistas referentes ao assunto. Os atos que
são considerados antissociais não formam um rol taxativo.
A vida em condomínio apresenta diferenças que não são adaptáveis a todos,
em especial aos que se recusam a aceitar limitações ao seu direito de proprietário
dentro de um condomínio. A abordagem do cotidiano condominial é importante, uma
vez que se trata de instituto jurídico único.
Quando estudamos a possibilidade de exclusão do condômino antissocial, é
necessário trazer correntes doutrinárias e jurisprudências que defendem e as que são
contra a expulsão do condômino que possui comportamento nocivo, dentro do
condomínio edilício, de forma principal. Antes de chegar ao tema central, é preciso
estudar o fenômeno da constitucionalização do direito civil na propriedade, adentrando
na função social da propriedade, no direito a vizinhança e no importante direito de
propriedade.
A problemática acerca do tema é o fato da dúvida em haver ou não no
ordenamento lei que possibilite a expulsão do condômino antissocial e que diga de
que maneira poderia ocorrer. A doutrina é dividida entre os que entendem ser cabível
a expulsão e os que entendem não ser. O Código Civil instituiu no inciso IV do artigo
1.336, os direitos de vizinhança relativos ao condomínio edilício, vedando o uso da
propriedade condominial com fins de prejudicar a saúde, a segurança, o sossego, a
salubridade e o bem estar dos demais moradores.
O método dedutivo foi utilizado nesta pesquisa de tipo qualitativa e teórica
empregando a técnica bibliográfica objetivando uma análise das fontes encontradas
em obras publicadas de especialistas sobre o tema (revistas científicas, artigos e a
13

própria legislação referenciadas na Constituição Federal vigente e o Código Civil


Brasileiro). Devido a amplitude da questão, focaliza-se aspectos relacionados à
possibilidade da exclusão do condômino antissocial do condomínio edilício
referenciada pelas observações feitas pelos autores pesquisados.
Cabe aos condôminos adequar-se a um padrão e agir de maneira compatível
para manter a harmonia no condomínio em edifícios. A relevância do tema, para quem
mora em condomínios, é extrema e será demonstrado em entendimentos e decisões
dos Tribunais de Justiça. O trabalho é fundamentado na obra de Soares (2016) e à
Maria Helena Diniz (2018) no que diz respeito ao direito das coisas e atualizada de
acordo com o novo Código Civil e o Projeto de Lei n. 6.960/02 que analisa o instituto
jurídico e suas nuances com propriedade exclusiva e autônoma.
Sílvio de Salvo Venosa (2020) também é uma referência importante quando
trata o tema jurídico proveniente da autonomia privada da vontade coletiva, onde as
normas postas na convenção tornam-se obrigatórias para todos. Embora os autores
possam, de alguma maneira enfatizar as regras disciplinadas na convenção, todos
reafirmam a soberania da Constituição Federal do Brasil (1988), obra de indiscutível
valor para bases teóricas deste estudo.
Pela problemática da análise, pode o condômino considerado nocivo à
vizinhança ser excluído pela assembleia de condôminos do direito de habitar em sua
propriedade, de acordo com decisões de determinados tribunais é possível a exclusão
do condômino antissocial. De acordo com Franco (2018), o direito de propriedade,
previsto na Constituição, dá ao proprietário da coisa, o direito de usar, dispor e reaver
o bem, contudo, o artigo 5º, inciso XXIII, determinando que a propriedade deva
atender a sua função social, ou seja, a função social impõe limites ao direito de
propriedade, para garantir que o exercício deste direito não seja prejudicial ao bem
coletivo. Assim, o condômino que reiteradas vezes agir de forma nociva, não estará
cumprindo com a obrigação social da propriedade.
Entretanto, o ordenamento jurídico não prevê a possibilidade de exclusão do
condômino antissocial. A sanção máxima prevista para o condômino que não cumpre
com suas obrigações é o pagamento de até um décuplo do valor atribuído à
contribuição para as despesas condominiais, conforme prevê o parágrafo único do
artigo 1.337 do Código Civil. Nesse sentido, deve ser observado o princípio da
legalidade, contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que dispõe que as
pessoas só podem ser compelidas a agir ou deixar de agir por força de lei, portanto,
14

omissa a lei, não se poderia cominar ao particular a sanção de sua exclusão do


condomínio edilício (SOARES, 2016).
15

2 O DIREITO DE PROPRIEDADE E VIZINHANÇA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A noção de propriedade vem sofrendo alterações ao longo da história ao passo


que acompanha as mudanças sociais, políticas, econômicas e religiosas. Dentre as
principais modificações sofridas pelo instituto em questão, inicialmente, para os
romanos, a propriedade era vista como coletiva e, com o passar do tempo, se tornou
extremamente individualista, de forma que o proprietário detinha do poder absoluto e
ilimitado sobre o bem imóvel. Em período histórico posterior, na era feudalista, passou-
se a existir uma dualidade de domínio da propriedade, onde o proprietário detinha o
domínio direto do bem e autorizava outrem a explorar suas terras mediante pagamento
(DANTAS JUNIOR, 2003).
A atual ideia de propriedade foi tomando forma no século XIII, com o
posicionamento da igreja católica através da concepção trazida por Santo Tomás de
Aquino, que inseriu e defendia os valores de cunho social, de forma que a propriedade
era individual mas deveria ser usada no interesse de todos, entendimento este que
tem semelhança ao modelo atual utilizado pelo ordenamento jurídico brasileiro no que
desrespeito a sua função social, cuja propriedade é individual mas deve atender a
função social (DANTAS JUNIOR, 2003).
Em sentido amplo, a propriedade pode ser definida como o domínio ou qualquer
direito patrimonial. Esse conceito vem do direito das coisas, pois as regras da
propriedade estão ligadas diretamente ao direito das coisas, sendo um direito sobre
as coisas corpóreas, a propriedade literária, científica e industrial. O titular pode então
utilizar a coisa, ou destruí-la, gravá-la ou praticar outros atos de sua disposição.
Pensando no sentido estrito máximo, a propriedade pode ser definida como só
domínio. (MIRANDA, 2012, p. 66-70).
Clóvis Beviláqua, em seu livro, revela que se pode definir a propriedade
juridicamente como o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens de
vida psíquica e moral. Esse regime da propriedade é modificado conforme a evolução
da sociedade. Respaldado na doutrina preferível, o fundamento da propriedade é a
busca pela conservação, gerando na conduta humana o apoderar-se das coisas que
lhe servem. Estando de frente o interesse social e o individual, Clóvis aborda que deve
prevalecer o interesse individual, pois a sociedade é o meio em que o homem vive.
Não há homem fora da sociedade, pois o indivíduo é o elemento que compõe a
sociedade. (BEVILAQUA, 2003).
16

Orlando Gomes conceitua a propriedade com base em três critérios: o sintético,


o analítico e o descritivo. Ao definir o critério sintético, aponta-o como a submissão de
uma coisa, em todas as suas relações, à uma pessoa. O critério analítico trata do
direito de usar, fruir e dispor do bem, e ainda poder reavê-lo de quem injustamente o
possua. O último critério refere-se ao descritivo, isto é, o direito complexo, absoluto,
perpétuo e exclusivo, do qual uma coisa é subordinada com as limitações da lei à
rompante de uma pessoa. Essa complexidade se dá de forma unitária, formando um
feixe de direitos reunidos nas faculdades de usar, gozar e dispor e reivindicar a coisa.
Essa forma absoluta também é caracterizada porque por meio dela o titular pode tomar
a decisão de usar ou não a coisa, de resolver abandoná-la, aliená-la, destruí-la, e, se
escolher, pode limitar por desmembramento outros direitos reais. (GOMES, 2012).
Tartuce aponta que o conceito elaborado por Orlando Gomes é o mais
atualizado e profundo sobre a propriedade entre os doutrinadores modernos. Ao dar
seu conceito de propriedade, Tartuce o define como um direito em relação a um bem
determinado, esclarecendo que esse direito é fundamental, protegido e que a
propriedade deve preencher alguns atributos (TARTUCE, 2017).
Zuliani (2020, p. 126) comenta que “a propriedade constitui modalidade de
direito real com definição e regime jurídico determinados pela legislação civil”. No caso
do ordenamento brasileiro, o art. 1.228 do Código Civil institui os elementos nucleares
da propriedade, definindo-a como a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o
direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Nos termos do direito civil, em regra, é titular da propriedade em sua plenitude aquele
que detém o poder para exercer todos os atributos definidos no preceito legal.
Estabelecendo a premissa de que as limitações ao direito de propriedade nos
condomínios edilícios podem ter sua legalidade verificada pela análise, ainda que em
última instância, a constitucionalidade de seu conteúdo se incluí na necessidade de
respeito à função social da propriedade.

Sem deixar de ser um direito, com as características de facultas, a


propriedade deve ser exercida em sentido social. É o exercício daquele direito
que se subordina ao interesse público, e a função social é integrante menos
da definição do direito do que ligada ao seu exercício. Toda vez que se
esboça um conflito entre o individual e o social, entre o direito de um dono e
a conveniência da coletividade, o legislador terá forçosamente de resolve-lo
neste último sentido, ainda que com o sacrifico do direito subjetivo. A
utilização dos bens apropriáveis estará, na linha de equilíbrio entre a
faculdade reconhecida e a conveniência de todos. (ZULIANI, 2020, p. 131).
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As questões de legalidade das normas de condomínios edilícios afetam o


direito de vizinhança. O direito de vizinhança é composto de normas que ordenam a
abstenção da prática de certos atos e que implicam a sujeição do proprietário a uma
invasão de sua órbita dominial.
Os direitos de vizinhança estão dispostos no Capítulo V do Código Civil, nos
artigos 1277 e seguintes, corroborando com a definição da lei, sobre o que vem a ser
vizinho, Penteado ensina que:

Vizinho é todo aquele que pode afetar ou ser afetado pela utilização (isto é,
pelo exercício da faculdade de uso) de um outro imóvel. A noção básica para
a configuração da abrangência da vizinhança é a de todo o espaço que pode
ser atingido por interferência. Deste modo, é impossível estabelecer, de um
ponto de vista apriorístico, qual seja sua exata delimitação física ou espacial
em termos quantitativos. Desloca-se o conceito para uma categoria
qualitativa: é a região passível de interferência. Havendo real possibilidade
de interferência em um imóvel através do uso ou da fruição exercida em
outro, haverá a figuração de uma relação vicinitária e, havendo conflito, a
possibilidade de sua composição. A ideia de vizinhança, portanto, em termos
jurídicos, é relacional. Trata-se de verificar a abrangência das interferências
recíprocas que a utilização de imóveis pode provocar, para tutelar alguns
valores como a paz, o bem-estar social e manter a harmonia entre os
vizinhos. (Penteado, 2014, p. 429).

Utilizando como exemplo um velho ditado popular, “seu direito acaba quando
começa o direito do outro”, consegue-se entender a principal ideia do que seria o uso
anormal da propriedade, previsto nos artigos 1.277 a 1.281 do CC. O uso normal da
propriedade é aquele que gera incômodos aos vizinhos.
Observa-se que a regra não é a mesma para todos os locais, já que devem ser
considerados todos os envolvidos: um hospital com grande frequência de
ambulâncias, por exemplo, não pode ser punido por sua própria natureza, assim como
um aeroporto, não pode ser punido pelo barulho das aeronaves.
Coelho (2019), usa um exemplo de atuação em Direito Imobiliário no tema dos
direitos de vizinhança é a questão do barulho, em especial de estabelecimentos
comerciais, como bares. É comum que bares gerem ruídos acima do permitido pela
legislação local, se estendendo pela noite e incomodando a vizinhança. Nesses casos,
é possível notificar o estabelecimento e, caso não seja cessado a ruído, ajuizar uma
ação com essa finalidade. Também é muito comum haver casos envolvendo
a necessidade de realizar ou de cessar alguma obra que possa estar gerando prejuízo
aos vizinhos.
18

Dispõe o Código Civil, nos artigos 1277 a 1284, sobre o uso anormal da
propriedade pelo uso que viola o princípio da função social da propriedade. No que
trata dos direitos de vizinhança, o uso anormal da propriedade é aquele que perturba
a saúde, a segurança e o sossego daqueles que possuem propriedade vizinha. Para
Diniz (2015, p. 90) “existem três maneiras que o direito de vizinhança pode se
apresentar: restrição ao direito de propriedade, limitações legais ao domínio e
contiguidade entre dois imóveis”. O conceito de vizinhança se estende até onde o ato
praticado em um prédio possa produzir consequências em outro e, havendo
interferência, sem importar a distância, acaba por caracterizar conflito de vizinhança.

2.1 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DE PROPRIEDADE

Para Diniz (2015), os elementos constitutivos da propriedade dizem respeito


aos poderes elementares que indicam a relação jurídica do proprietário e a coisa, e
são enunciados no art. 1.228 do Código Civil 2002:

 Direito de uso (jus utendi);


 Direito de gozar ou usufruir (jus fruendi);
 Direito de dispor da coisa (jus abutendi);
 Direito de reaver a coisa (rei vindicatio).

Ao respeito do direito de uso da coisa (jus utendi), os elementos constitutivos


da propriedade correspondem aos direitos essenciais que integram a relação jurídica
que se estabelece entre o proprietário e a coisa, quais sejam, usar, gozar, dispor e
reaver, conforme dispõe o art. 1.228, caput, do Código Civil de 2002 Tal poder
concerne ao proprietário a faculdade de servir-se da coisa e utilizar da maneira que
entender mais conveniente, sem, no entanto, alterar-lhe a substância.

No direito romano a propriedade se baseava e três características que


consistiam no direito de usar (jus utendi), gozar (jus fruendi) e abusar (jus
abutendi) das coisas, possibilitando ao proprietário destruir a coisa caso
queira. Possuía caráter personalista, oponível a todos, podendo ser
assegurada por ação própria no “jus civile” que era a “rei vindicatio”. (SILVA,
2017, p. 100).
19

Para Abbi (2016), o direito de propriedade deve ser exercido em consonância


com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais,
o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição
do ar e das águas.
Segundo Cristovam (2019), no direito de gozar ou usufruir (jus fruendi), é o
poder que tem o proprietário de receber os frutos naturais e civis da coisa e aproveitar
economicamente os seus produtos. Já pelo direito de dispor da coisa (jus abutendi),
o poder do proprietário está em transferir a coisa, gravar ônus e de alienar a outrem a
qualquer título, sempre condicionando o uso da propriedade a função social, não
sendo permitido ao proprietário no exercício do domínio (dominus) abusar da coisa
destruindo-a gratuitamente, em prejuízo alheio.
De acordo com Viana (2013), o direito de dispor da coisa é o mais importante,
visto que, se sobressai ao direito de usar e gozar da coisa. No ‘rei vindicatio’, o direito
de reaver a coisa, o elemento constitutivo da propriedade, dá poderes ao proprietário
de reivindicá-la das mãos de quem injustamente a possua ou detenha, perfazendo-se
através da ação reivindicatória, por força do direito de sequela.

2.2 O DIREITO DE VIZINHANÇA E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Maria Helena Diniz afirma que a função social da propriedade é essencial para
garantir o básico das condições de convivência social. Diniz também afirma que a
propriedade é direito garantido pela Constituição, e que esse direito deve ser exercido
ecoando na função social da propriedade. Está ligada à função social da propriedade,
ao exercício da propriedade e não ao direito de propriedade em si. Esse exercício deve
ser efetivo e socialmente harmônico ao uso do bem ao qual reflete a propriedade,
buscando o equilíbrio entre o direito de propriedade, que é de satisfação particular e a
sua devida função social, que busca o interesse público e a satisfação da sociedade
com os deveres cumpridos. (DINIZ, 2009).
A função social da propriedade, está prevista no artigo 5º, inciso XXIII, da
Constituição Federal, e como já mencionado também está contemplada no artigo
1.228, §§ 1º e 2º, do Código Civil vigente, que dispõe:
20

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,


e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,
de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,
bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar
outrem.

A função social pode se confundir com a própria definição de propriedade por


ter um caráter inafastável de acompanhamento. Desse modo, a propriedade sempre
buscará atender aos interesses sociais, almejando o bem comum. Para Tartuce, a
função social é componente não só da propriedade rural ou agrária, mas também da
propriedade urbana. Entende-se a função social da propriedade com dupla
intervenção: limitadora e impulsionadora. A norma geral civil brasileira foi além de
abordar a função social, pois consagrou também a função socioambiental da
propriedade. Existe tanto uma preocupação com o ambiente natural, como com o
ambiente cultural (TARTUCE, 2020).
A propriedade que não cumpre sua função social perde seu caráter de
intangível. Melhor dizendo, o ordenamento jurídico não aceita como legítima a
propriedade que não cumpre sua função social e, assim, o Estado se vê munido dos
fundamentos para a imposição do uso adequado, ou de outra destinação que implique
na perda da propriedade. Sejamos sucintos: a concepção de função social nasceu da
noção de que, enquanto vivente em sociedade, o homem deve empregar esforços no
sentido de dar sua contribuição ao bem-estar da coletividade em detrimento dos
interesses unicamente individuais. Neste contexto, erige- se a teoria da função social,
segundo a qual “todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada
atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física, moral e
intelectual, para com isso cumprir sua função social da melhor maneira”
(FIGUEIREDO, 2008, p. 83).
As relações de vizinhança são subordinadas pelo princípio geral de que o
proprietário não pode exercitar o seu direito de forma que prejudique a segurança, o
sossego e a saúde dos moradores do prédio vizinho. A regulamentação do uso nocivo
da propriedade encontra forma nos artigos 1.277 a 1.281 do CC, adotando a regra da
normalidade na utilização dos bens, coisas ou objetos fixados na vizinhança.
Caracterizando a exceção, portanto, como a anormalidade do uso, para a qual detém
21

os vizinhos, contíguos ou próximos, de remédios e sanções. A definição de uso nocivo


da propriedade se determina de forma relativa, mas não está condicionada à intenção
do ato praticado pelo proprietário. Os atos abusivos são os praticados no exercício
culposo do direito do proprietário, em que ele frustra a destinação econômica e social,
e dos quais resultam prejuízo ao vizinho. Os atos excessivos, que se realizam com
finalidade legítima, mas que geram dano anormal. Dessa forma, a anormalidade em
relação à vizinhança não diz respeito somente ao exercício do direito de propriedade,
mas também às consequências do uso, ao prejuízo ou ao incômodo que o proprietário
venha a causar ao vizinho. (GOMES, 2012)
A ideia de vizinhança não pressupõe a contiguidade, mas a localização de
propriedades em áreas próximas, de tal forma que o uso de uma possa influenciar no
de outras. Mediante normas proibitivas, o Jus Positum impede que a má utilização da
propriedade inviabilize a ocupação, por pessoas diversas, de imóveis situados em
uma base geográfica (NADER, 2016).
Os direitos de vizinhança podem aparecer tão ligados à propriedade que
parecem emanações do domínio, de modo que, para o seu exercício, se deduz em
juízo o próprio domínio, ou na sua manifestação, a posse; assim, se o proprietário
vizinho abre a janela a menos de metro e meio do terreno vizinho, o que se deduz em
juízo é o próprio direito de propriedade: o direito de vizinhança se diz então
incorporado ao domínio (MALUF, 2020).
Outras vezes eles aparecem com inteira autonomia; assim, quando o prédio de
determinado proprietário se acha encravado entre os dos vizinhos, a lei impõe a esses
o dever de dar passagem (CC art. 1285), que não é servidão, mas um direito de
vizinhança, suficientemente destacado do domínio para que se possa exercê-lo com
direito autônomo.
Portanto, há direitos de vizinhança que são meras projeções do domínio, a
ponto de parecerem confundidos entre os poderes que tem o proprietário sobre a
coisa, e os há que, visivelmente, são acréscimos, faculdades alheias ao direito de
propriedade. (DINIZ, 2015).
Os prédios não precisam ser contíguos ou vicinais, porém a atividade exercida
possa de alguma forma repercutir em outro prédio. Para efeitos legais, quem sofrer
a repercussão nociva, será reputado vizinho, independentemente de confrontar com
o prédio ou não. O instituto da propriedade talvez seja um dos mais importantes da
civilização, sendo este aglutinador de direitos e deveres modulados no decorrer do
22

tempo. Gomes (2014, p.81), comenta que “o conceito de propriedade, no entanto,


sofreu várias alterações ao longo do tempo”.
No direito romano antigo, a propriedade era absoluta, podendo o proprietário,
inclusive, abusá-la deliberadamente, o que hoje não se permite (Elias Filho, 2020, p.
99). Atualmente, o legislador brasileiro adotou a percepção de que a propriedade não
deveria ser absoluta, mas que deveria servir a um fim, ter uma finalidade a ser
atingida.
Gonçalves (2017), diz que o direito de ser proprietário de algum bem ou coisa
atrai para si não só o direito, mas também responsabilidades sobre o bem ou coisa e
também do bem ou coisa perante a sociedade. Jean Jaques Rousseau1 (1712-1778),
já classificava a propriedade como “a origem da desigualdade entre os homens”
quando diz em sua obra ‘O Contrato Social’ que o primeiro que, tendo cercado um
terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para
o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras,
assassínios, misérias e horrores não ter ia poupado ao gênero humano aquele que,
arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes:
‘Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos
são de todos, e a terra de ninguém.
O direito de vizinhança é uma restrição ou limitação ao direito de propriedade
em benefício do direito privado. Para que haja conflito de vizinhança é sempre
necessário que um ato praticado pelo possuidor de um prédio, ou o estado de coisas
por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo
ao próprio imóvel ou incômodos ao seu morador (SOARES, 2016). Os direitos de
vizinhança são criados por lei e, não visam aumentar a utilidade do prédio, mas sim
reputados necessários para a coexistência pacífica entre os vizinhos.
Estas duas características distinguem o direito de vizinhança do direito real
sobre coisa alheia denominado de servidão predial, cuja regulamentação se
encontra nos arts. 1378 até 1389 do C. C./2002. O direito de preservação da pessoa
contra a utilização da posse ou da propriedade alheia de modo a não causar dano à
segurança ou sossego ou a saúde, é exercido ainda em caráter de reciprocidade
(VENOSA, 2020).

1
Importante filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata genebrino. É considerado um
dos principais filósofos do iluminismo e um precursor do romantismo.
23

É sabido que o uso regular de um direito reconhecido não constitui ato ilícito,
conforme se verifica da análise do art. 188, I do Código Civil. Desta forma, o exercício
irregular de um direito enseja o ato ilícito denominado tecnicamente de abuso de
direito. Alguns doutrinadores apontam que o abuso de direito, a priori não se revela
como ilícito, mas com o tempo e, por infringir a esfera jurídica de outrem, passa a se
configurara como ato ilícito (SOARES, 2014).
Para Diniz (2018), abusa do direito de propriedade de imóvel quem a utiliza
nocivamente, pondo em risco ou afetando a segurança, o sossego e a saúde dos
donos dos prédios vizinhos. Portanto, define-se o uso da propriedade conforme
prevê o art. 1.228 do Código Civil. Privilegiando sua função social com efetivo
interesse dói proprietário ou a sua comodidade e, nunca sendo utilizada como
instrumento de vingança, capricho ou com o fito de perturbar ou causar dano a
outrem.
É abuso de direito, por exemplo, construir muro altíssimo apenas para fazer
sombra sobre o prédio vizinho ou para atrapalhar a navegação aérea; ou construir
um poço profundo para suprimir as águas dos demais adquirentes do lote, ou não
permitir a passagem forçada para o proprietário que necessite escoar sua produção
agrícola, encontrando-se a estrada pública em péssimas condições, entre outros
comportamentos igualmente reprováveis (DINIZ, 2018).
Todavia, há casos que se tem que tolerar as interferências à propriedade em
razão do interesse público (art. 1.1278 Código Civil) podendo requerer a qualquer
tempo a redução ou a própria cessação da atividade considerada como nociva, basta
que se prove que tal fato não traria prejuízo à atividade em prol do interesse público.
Segundo Dantas (2019), o fundamento da responsabilidade nessa seara, não
se esteia na culpa e assenta-se efetivamente na responsabilidade objetiva. Assim,
se o ato praticado no imóvel vizinho repercute de modo prejudicial e danoso ao outro,
impõe-se o dever de remover o mal causado ou indenizar o dano experimentado, a
exemplo da construção de um imóvel em terreno contíguo, cujo sistema de
estaqueamento cause trincas, fissuras, rachaduras no imóvel vizinho.
O próprio código civil brasileiro de 2002 limita, sem, no entanto, estabelecer
punição direta, o proprietário, nos atos produzidos por sua propriedade ao bem estar
dos seus vizinhos, no parágrafo segundo do art. 1.228:
§2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade,
ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
24

Nesta definição de outrem se entende que todas as pessoas devem ser


protegidas face ao uso nocivo da propriedade, especialmente aqueles que ocupam
imóveis vizinhos.

2.3 A INSERÇÃO DO CONDOMÍNIO NO CONTEXTO JURÍDICO ATUAL

Dantas (2019), comenta que o entendimento dominante, quando se fala de


condomínio edilício, é da ausência de sua personalidade jurídica, não podendo atuar
de “per si”, razão pela qual se observam incongruências no pensamento científico
atual sobre o tema. Apesar de existência de diplomas normativos responsáveis pela
regulação do instituto, em especial a Lei nº 4.591/64, alterada pela Lei nº 4.864/65,
além do vigente Código Civil de 2002, é fato que a legislação não esgota todas as
nuances que envolvem a figura em questão.
Como o condomínio não é pessoa física nem jurídica, sua natureza é
considerada anômala. Por definição, condomínio é um “coletivo de cidadãos, pessoas
físicas com interesses comuns que partem da aquisição da propriedade e sua
conseqüente manutenção” O condomínio edilício ficaria então em um “limbo
normativo”, pois não teria personalidade jurídica, mas poderia praticar atos inerentes
a quem possuísse personalidade jurídica. Diante desta antítese, cada vez mais o
Poder Judiciário é chamado a intervir em diversos aspectos que envolvem o tema,
dentre os quais se optou pela análise da doação realizada ao condomínio edilício pela
empreendedora negocial de área imóvel de interesse do todo condominial (SOARES,
2018).
Para Chaves (2017), a modernidade negocial e a inserção da figura do
condomínio edilício em seu contexto, lhe dá o formato fático de pessoa jurídica, razão
pela qual, a fim de evitar uma grave lacuna normativa, cabe à doutrina e ao Poder
Judiciário seu reconhecimento como uma realidade jurídica. De início, interessa
diferenciar a situação jurídica da habitação em condomínio edilício, da moradia que
não se dá em unidades condominiais.
Os denominados materialistas, ou realistas, diriam que a diferença está no fato
de que no condomínio edilício temos partes que são de propriedade exclusiva, que
seriam as unidades residenciais e partes que são de propriedade comum dos
condôminos (sendo essa, inclusive a distinção feita pelo art. 1331 do Código Civil), o
25

que não ocorre para aqueles que não moram em condomínio, já que a moradia, em
sua totalidade, é de propriedade do dono do imóvel (NADER, 2016).
Portanto, ao decidir habitar em condomínio edilício, o interessado deve saber,
de antemão, que terá deveres não apenas patrimoniais, ou seja, inerentes à
manutenção e conservação do bem imóvel, as denominadas obrigações protper rem,
mas também deveres extra-patrimoniais, materializados na adoção de atitudes
socialmente compatíveis com a convivência em comum (MIRANDA, 2020).
Tanto isso é verdade, que no inciso IV do Art. 1336 do Código Civil, o legislador
estabelece expressamente como um dos deveres dos condôminos o dever de não
utilizar sua propriedade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança
dos demais.
Por isso que o capítulo do Código Civil que regula esse instituto não deveria se
chamar simplesmente “Do condomínio edilício”. Melhor seria que fosse intitulado “Do
condomínio e da convivência edilícia”, já que não regula apenas e tão somente o
exercício comum do direito de propriedade, mas, também e principalmente a forma de
convivência entre os condôminos.
Então, na medida em que se destaca esse dever de convivência, constata-se
que o condomínio acaba sendo uma pequena amostra da vida em sociedade,
possuindo, inclusive, uma complexa estrutura que o torna quase numa reprodução de
uma pequena cidade. Com efeito, o condomínio possui a sua ‘lei orgânica’, que vem
a ser a convenção, detém um “prefeito” personificado na figura do síndico, possui um
“Tribunal de Contas”, traduzido no conselho fiscal e tem até “território”, que vem a ser
os limites espaciais em que se expande o condomínio (NEHME; IRIBURE, 2019).
E precisamente por ser uma célula da vida em sociedade, um verdadeiro
microcosmo jurídico, o condomínio não pode se colocar nem à margem dessa mesma
sociedade, nem como uma ilha dentro do próprio ordenamento jurídico. E isso nos
leva naturalmente a dizer, que a interpretação das regras que regulam o condomínio
há de ser feita levando-se em consideração o todo, ou seja, todo o arcabouço jurídico
do Estado, por amor à unidade do sistema (MUCCILLO, 2018)..
E se a regulamentação existente para o condomínio não se apresenta tão clara
sobre a possibilidade de exclusão do condômino antissocial, há que se sair do
particular e ir para o geral, analisando-se o ordenamento jurídico e suas peculiares
características, para que, a partir desse levantamento, se possam extrair importantes
efeitos em relação ao tema.
26

Em 2021, o Senado aprovou projeto de lei que altera o Código Civil para dar
aos condomínios edilícios o direito de adquirir a qualidade de pessoa jurídica. O PL
3.461/19, a partir do registro, o condomínio já adquire diversas obrigações legais,
como o cadastro na Receita Federal a fim de obter o CNPJ, o dever de recolher
contribuições sociais e preencher livros fiscais, por exemplo. Além disso, pode entrar
com ação na Justiça representado pelo seu administrador ou síndico, mas ainda não
tem o reconhecimento de personalidade jurídica.
Assim, de acordo com Machado (2017), se garante segurança jurídica ao
prever legalmente condomínio no rol das pessoas jurídicas de direito privado
elencadas no Código Civil. Já existe, na perspectiva social, a visão do condomínio
edilício como sujeito de direitos e deveres. Ato contínuo, a doutrina e jurisprudência
vêm consolidando o entendimento do condomínio como pessoa jurídica, desta forma,
assegurando personalidade jurídica ao mesmo. Pelo texto, a transformação em
pessoa jurídica ocorrerá quando o condomínio registrar, em Cartório de Registro Civil
das Pessoas Jurídicas, o documento da criação, a convenção e a ata da decisão pela
constituição da pessoa jurídica, com o voto favorável dos titulares de, no mínimo, dois
terços das frações ideais.
Desta maneira, se resolveria problemas burocráticos que alguns condomínios
têm enfrentado, especialmente na questão patrimonial. Segundo Muccillo (2018), não
há, na lei brasileira, um regime jurídico totalmente adequado para enquadrar os
condomínios e o projeto faz uma escolha que considero adequada, já que o regime
das pessoas jurídicas é o que mais se aproxima da realidade dessas entidades sui
generis.
A proposição altera também a Lei dos Registros Públicos 6.015/75, para
determinar a possibilidade de registro do ato, da convenção do condomínio, e da ata
com a decisão pela constituição da pessoa jurídica no Cartório de Registro Civil de
Pessoas Jurídicas. De acordo com o novo artigo inserido no texto, os valores cobrados
para inscrição do condomínio no Registro Civil de Pessoas Jurídicas não podem tornar
impeditiva a inscrição de condomínios formados por pessoas de menor poder
aquisitivo (NEHME; IRIBURE, 2019).
27

3 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM O CONDOMÍNIO EDILÍCIO

O condomínio edilício está contemplado no capítulo VII do Código Civil de 2002,


e somente será constituído após o registro no Cartório de Registro de Imóveis,
conforme prevê o artigo 1332, conforme segue:

Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou


testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar
daquele ato, além do disposto em lei especial:
I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade
exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;
II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente
ao terreno e partes comuns;
III - o fim a que as unidades se destinam.

Os condomínios edilícios se caracterizam por apresentar uma propriedade


singular dos apartamentos e andares, ao lado de uma comunhão necessária e
inexorável do terreno e das partes comuns do prédio. As partes divididas e privativas,
a propriedade é singular e exclusiva, entretanto, aquilo que surge como substrato do
sistema ou que deve por todos ser usado, assim como terreno, as colunas-mestras, a
estrutura do prédio, ou os corredores, escadas, elevadores, pátio, vestíbulo e etc, é
necessariamente comum, por se apresentar como condição de existência e do
funcionamento do sistema (DANTAS, 2019).
Diniz (2015), comenta que não se pode conceber um regime de condomínio
edilício se não pertencer a todos os condôminos, sendo que a coisa comum a
compropriedade é perpetua, pois elas são inalienáveis separadamente das unidades
autônomas. Os direitos condominiais sobre as partes comuns são acessórios que
acompanham irrefutavelmente o domínio sobre as partes privativas (art. 1.331 do
Código Civil de 2002).

3.1 O CONDOMÍNIO EDILÍCIO E SEUS INSTRUMENTOS NORMATIVOS

Para Gomes (2014), a expressão ‘condomínio edilício’ passou a ser adotada


pelo novo Código Civil, representando os condomínios conhecidos de prédios
constituídos por unidades autônomas com áreas privativas e comuns. Cada
proprietário de fração autônoma pode usar livremente das partes comuns, consoante
sua destinação, de modo a que não prejudique a comunhão. Várias teorias tendem a
28

explicar a natureza jurídica das relações que estabelecem entre os proprietários dos
vários apartamentos. Há teoria mais acertada é a que veem no condomínio em
edifícios de apartamentos uma mistura de propriedade individual e de condomínio.
Também há a teoria que inclui tais relações jurídicas quando se fala de
servidões. Para outros, ainda ocorre a existência de pessoa coletiva ou jurídica,
proveniente da reunião dos vários proprietários, teoria essa que veio a ser transição
para outra, a da sociedade ou associação de fato. Entretanto, doutrina mais em voga
prefere vislumbrar uma comunidade de direito, de que são titulares várias pessoas,
incidindo sobre o mesmo objeto (NEHME; IRIBURE, 2019).

A propriedade exclusiva ou privativa constitui-se pelas unidades ou


apartamentos autônomos, delimitados pelas paredes divisórias. Cada
proprietário tem domínio único e exclusivo sobre suas peças ou
dependências. Tem por objeto a unidade autônoma sendo lícito ao seu titular
não só ceder com esta o uso das partes comuns a estranho e imiti-lo na sua
posse, mas também alienar ou gravar de ônus real cada unidade, sem o
consentimento dos demais condôminos (art. 1.331, § § 1º e 5º do Código
Civil). Conclui-se que, tudo que não for objeto de propriedade exclusiva
pertence em condomínio aos donos de apartamentos, por ser complemento
indispensável da propriedade de cada um. (MALUF, 2020, p. 207).

Para efeitos tributários, cada autônoma será tratada como prédio isolado,
contribuindo o condômino, diretamente com as importâncias relativas aos impostos e
taxas federais, estaduais e municipais, na forma dos respectivos lançamentos (art. 11
da Lei nº 4.591/64). Com isso, seus direitos são quase tão completos, quase tão
absolutos, quanto os do proprietário único de sua casa (MALUF, 2020).
Miranda (2020), colabora afirmando que a nova lei civil perdeu a oportunidade
de dar personalidade jurídica ao condomínio, tão necessária a esse instituto, que dela
precisa para poder interagir com maior desenvoltura no mundo jurídico, principalmente
no que tange a aquisição de bens imóveis que se possam incorporar ao prédio já
existente. O condomínio é uma ficção jurídica que existe na órbita do direito. Baseado
na doutrina é uma quase pessoa, que infelizmente, pela nova lei civil, vai continuar
sem personalidade jurídica.

O Código Civil Brasileiro, responsável pelo regramento dos condomínios


edilícios, especificamente nada dispõe sobre a permissibilidade ou não dos
animais de estimação, se não existem regras que proíbem, então é permitido.
Na propriedade horizontal, por força da legislação que a disciplinava (Lei
4.591/64) e do Código Civil de 2002, mesmo que a propriedade seja exclusiva
29

de seus titulares, devem estes sempre utilizar e gozar dentro dos limites da
Convenção Condominial e da lei. (DINIZ, 2018, p. 217).

Para Bueno (2020), o condomínio edilício se diferencia do condomínio geral,


pois naqueles há partes comuns e partes exclusivas, ao passo que o condomínio geral
existe vários proprietários onde todos detêm a propriedade em comum, sem
individualizações. O condômino que não se adapta a vida em condomínio assume
uma postura incompatível com as regras do instituto jurídico enquadrando-se na figura
do condômino antissocial. A necessidade de viver com mais segurança motiva as
pessoas a buscarem casa a venda em condomínios fechados, que podem facilmente
ser confundidos com um condomínio.
Os loteamentos têm diversas nomenclaturas nas mais diversas legislações
municipais, como, por exemplo, bolsões residenciais, loteamentos encrustados,
loteamentos fechados, células residenciais ou loteamento controlado. O que a
coletividade vislumbra ao instituir esta espécie de empreendimento é a melhoria da
condição de vida dentro de seu perímetro urbano, evitando a violência e suprimindo-
se a carência dos serviços municipais (BUENO, 2020).
Segundo Venosa (2020), existe uma diferença desta espécie de
empreendimento para os condomínios edilícios, os condomínios propriamente ditos
que, nos loteamentos fechados, não existe a fração ideal, nem a área comum da forma
como existe nos condomínios edilícios, como nos prédios e numa minoria de
condomínios de casas. Já a semelhança marcante, ou até a mais importante, é que,
em ambos os casos, os moradores se reúnem em assembleia para aprovar e ratear
as despesas referentes ao bem comum da comunidade que vive em ambas as formas
de empreendimentos imobiliários. O importante é saber que condomínio e loteamento
têm leis específicas.
Os loteamentos são regulados pela lei do Parcelamento de Solo Urbano, Lei
6.766/79, e pela legislação municipal vigente onde o loteador pretender implantar o
loteamento. Enquanto que, para a criação do condomínio a lei a ser seguida pelo
incorporador é a Lei 4.597/64, que determina os requisitos que o incorporador deve
seguir para proceder com o registro de seu empreendimento.
Para Bueno (2020), os loteamentos fechados são o que a doutrina moderna
convencionou chamar de “condomínios” de fato, atípicos ou fechados sendo estes
regidos em sua grande maioria pelo decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937, e,
posteriormente regulamentados pela lei 6.766/79, a Lei do parcelamento do solo,
30

implantados como qualquer loteamento aberto, que, por meio de autorização de uma
lei municipal, tem o seu perímetro fechado, e com isso, tem o acesso controlado aos
seus limites.
Ao adquirir um terreno em loteamento fechado, você só terá direito sobre seu
próprio lote, pois, quando a prefeitura aprova o sistema viário, o acesso é livre à
população. O que poderá ocorrer é um controle de circulação, ou seja, para quem não
reside ou trabalha no loteamento fechado, a entrada é liberada mediante
apresentação de documentos (LOPES, 2019).
Quando um loteamento fechado é aprovado é criada também uma associação,
com a qual a prefeitura poderá assinar o contrato de comodato para o fechamento do
loteamento e autorizar a instalação de portaria para controlar o acesso. Dessa forma,
a responsabilidade pela manutenção do sistema viário passa ao loteamento enquanto
vigorar a concessão de uso (LOPES, 2019).
De acordo com Soares (2014), quanto ao condomínio fechado, existe a
obrigatoriedade do pagamento da taxa de condomínio para a manutenção das áreas
comuns. O condômino que deixar de efetuar o pagamento de infraestrutura de uso
comum dos condôminos, o condomínio precisa ter uma administração para controlar
a arrecadação da taxa mensal e gerenciar os serviços de manutenção. No loteamento,
a figura do administrador existe quando há uma associação encarregada de prestar
serviços aos proprietários (GONÇALVES, 2017).
Os moradores de condomínio têm que seguir o que for decidido em convenção
e o que estiver contido no regulamento interno. Já os moradores de loteamento
fechado seguem os dispositivos do estatuto social. Para o morador causador de
problemas algumas condutas são passíveis de juízo, tais como: ruídos excessivos,
gritarias e brigas no recinto do condomínio, guarda ou porte de substâncias tóxicas
nas unidades autônomas ou o uso das mesmas nas áreas comuns do condomínio
(CHAVES, 2017). Também podemos acrescentar o furto ou roubo praticado em áreas
comuns, crimes contra a honra, calúnia e injúria, violência sexual, alteração da
destinação do edifício, em detrimento da qualidade pretendida originalmente pelos
condôminos e a falta de pagamento das despesas de condomínio são infrações que,
ainda que indenizáveis patrimonialmente tornam insuportável a continuidade da vida
em condomínio com o infrator (ABBI, 2016).
Portanto, condomínio geral aplica-se a qualquer coisa, seja ela móvel ou
imóvel, que possua mais de um dono, e condomínio edilício, por sua vez, são apenas
31

os edifícios (residenciais ou comerciais) nos quais se identifique partes que são


propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum. A controvérsia acontece
quando existirem regras antagônicas nos condomínios edilícios. Para casos deste
tipo, é possível socorrer-se ao Judiciário para garantir os direitos. Se não há proibição
pela lei geral, não é permitido à convenção do condomínio fazê-lo. A Constituição
Federal, que garante em seu art. 5, XXII o direito de propriedade; e na Lei nº 4.591/64,
art. 19, que tem a seguinte redação:

Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de
sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses,
condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar
as partes e coisas comuns de maneira a não causar danos ou incômodo aos
demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso
das mesmas partes por todos. (BRASIL, 2016).

Deve vigorar entre os moradores de condomínios edilícios o bom senso e a


razão. Caso contrário, medidas judiciais podem ser tomadas para garantir o direito de
propriedade daqueles que os desejam possuir em suas unidades autônomas, desde
que respeitando, sempre, o direito das demais partes (NEHME; IRIBURE, 2019).

3.2 INSTITUIÇÃO DE CONDÔMINO PROPRIEDADE INDIVIDUAL E COLETIVA

O condomínio edilício surgiu no Brasil após a guerra mundial em 1914-1918.


Com a consequentemente crise habitacional que fez desaparecer a oferta e a procura
e que ainda se teve agravada com a lei de inquilinato, a qual restringia o número de
construções, não restou outra saída senão a construção de apartamentos em edifícios,
que teve desde logo grande aceitação, em virtude de vários fatores favoráveis. Tais
fatores eram tidos como: melhor aproveitamento do solo, consequente barateamento
das construções, que evitou, na época, o crescimento do custo de vida, aquisição da
moradia própria e por último, possibilitou a aquisição das imediações dos locais de
trabalho (MONTEIRO, 2003).
De uma forma simples, pode-se afirmar que a origem dos condomínios
decorre do êxodo rural e do grande conglomerado de pessoas nos grandes centros.
Em razão disso surgiram as vilas e posteriormente pequenos prédios com 2, 5, 10,
andares, etc, consequentemente, o Poder Público se viu obrigado a disciplinar
legislativamente essas relações jurídicas. O Código Civil de 2002 prevê, no âmbito
32

da função social da posse e da propriedade, a proteção da convivência coletiva. No


entanto, a relação entre o direito de propriedade e as regras de convivência nos
condomínios residenciais nem sempre é tranquila (NEHME; IRIBURE, 2019).
Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), "em se tratando de condomínio
edilício, o legislador, atento à realidade das coisas e ciente de que a convivência nesse
ambiente especial tem muitas peculiaridades, promoveu regramento específico,
limitando o direito de propriedade, visto que a harmonia exige espírito de cooperação,
solidariedade, mútuo respeito e tolerância, que deve nortear o comportamento dos
condôminos". O código estabelece um rol exemplificativo do que pode ser estipulado
por convenção condominial, a qual pode regular as relações entre os condôminos, a
forma de administração e a competência das assembleias, entre outros aspectos
(DINIZ, 2018).
Para ingressarem individualmente no mundo do Direito, obrigatoriamente terá
que ser instituído o condomínio, que será registrada no Registro de Imóveis. Esta
instituição poderá ser feita por ato entre vivos ou por via testamentária. No momento
em que se fixa residência no condomínio de um prédio, é automática e implícita a
adesão às suas normas internas, às quais se submetem todos, para a manutenção
da higidez das relações de vizinhança. O momento do imóvel ser administrado pelos
seus condôminos. O primeiro passo da incorporadora responsável é instituir o
condomínio, conhecido também como edilício por ter sido resultado de um ato de
edificação (SOARES, 2018).

Juridicamente a instituição discrimina a fração ideal do condomínio que


representa a parte destinada ao dono do apartamento em relação ao terreno
do prédio e a fração autônoma, a área privada. A área comum
ou propriedade coletiva é o espaço que pode ser utilizado por todos
os condôminos de maneira igual, pois todos são proprietários dele. A área
privada, propriedade individual ou propriedade exclusiva é o espaço que só
pode ser utilizado pelo proprietário. (ELIAS FILHO, 2020, p. 117).

A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos


titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo,
obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas
tenham posse ou detenção. Portanto, institui-se o condomínio edilício por ato entre
vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar
daquele ato, além do disposto em lei especial:
33

 A discriminação e individualização das unidades de propriedade


exclusiva, estremada uma das outras e das partes comuns;
 A determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente
ao terreno e partes comuns;
 A finalidade a que as unidades se destinam (MIRANDA, 2020).

Para se instituir um condomínio, é necessário que haja uma área de uso


comum e área de uso particular, ou seja, se não houver nenhuma área de uso
comum não há como se instituir um condomínio. Com a instituição de condomínio,
de acordo com o Código Civil, há a definição da autonomia dos proprietários sobre
os seus imóveis, da convivência dos condôminos na área coletiva do prédio, dos
direitos de cada um em relação ao terreno, às áreas comuns, dos deveres, do
repasse da administração. No momento que se dá a instituição do condomínio
ocorrerá a averbação da construção do empreendimento no Cartório de Registro de
Imóveis (MIRANDA, 2020).
Por exemplo, uma pessoa que constrói um prédio de 10 andares, com dois
apartamentos por andar, é proprietário de um único imóvel. Apesar de materialmente
existir 20 apartamentos, no mundo jurídico há apenas um imóvel. Com a instituição
do condomínio, obrigatoriamente registrada no registro imobiliário, nascem as
unidades autônomas sempre vinculadas a uma fração ideal do terreno.
No processo da instituição de condomínio, depois da averbação da
construção do empreendimento, é registrada a instituição do condomínio, as
matrículas individualizadas de cada unidade autônoma, e em seguida a convenção
do condomínio, estipulando as normas gerais do condomínio, cuja existência se dá
a partir do momento da concretização do registro no cartório de Registro de Imóveis.
Para Gonçalves (2017, p. 72), “a instituição de condomínio pode ser realizada por
instrumento público ou particular”.

3.3 CONVENÇÃO E O REGIMENTO INTERNO DO CONDOMÍNIO

A convenção de condomínio e o regimento interno são instrumentos


fundamentais tanto para uma eficiente gestão quanto para promover a boa
34

convivência entre os moradores. Afinal, eles contêm normas que devem ser seguidos
por todos tendo como o objetivo a manutenção da ordem e o bem-estar coletivo.
A convenção condominial é considerada como a “lei do condomínio” porque
tem a função de manter uma boa relação entre as partes, para que o ambiente entre
os condôminos seja o mais agradável possível (BERNARDO, 2003).
Segundo Muccillo (2018), a convenção de condomínio é o documento mais
importante de um condomínio, pois funciona como uma espécie de constituição que
reúne as regras sobre a convivência e a administração. Desse modo, seu foco é
garantir uma rotina pacífica e uma gestão eficaz e transparente. Sua elaboração é
obrigatória e deve ser registrada no cartório de registro de imóveis, acompanhando a
matrícula do imóvel e deve ter, ao menos, os requisitos do artigo 1.334 do Código
Civil:

 Quota proporcional e a forma de pagamento das taxas do condomínio;


 Forma de administração;
 Questões sobre as assembleias (competências, forma de convocação e
quórum de deliberações);
 Regimento interno;
 Sanções aos condôminos ou inquilinos (NEHME; IRIBURE, 2019).

Para Bueno (2020), na necessidade de atualizar a convenção, se convoca uma


assembleia e expor a necessidade. Então, sua alteração depende da aprovação de
2/3 dos votos. Em seguida, deverá ser novamente registrada no cartório. O regimento
interno faz parte da Convenção de Condomínio. Dessa maneira, sua finalidade é
detalhar as normas, abordando com maior ênfase as regras de convivência que
influenciam diretamente no relacionamento entre vizinhos. Assim como ocorre com a
alteração da Convenção, a aprovação do regimento interno depende da aceitação em
assembleia de 2/3 dos votos. Nele, devem constar regras como:

 Horários e formas de utilização das áreas comuns (elevadores, piscina,


academia, salão de festas, por exemplo);
 Normas sobre a Lei do silêncio2;

2
A expressão lei do silêncio faz referência a leis que estabelecem restrições objetivas para a geração
de ruídos durante dia e noite. Sons em volume elevado são danosos à saúde humana e animais. Art.
35

 Condições para a realização de mudanças e para o recebimento de


encomendas, principalmente de grande porte;
 Permanência de animais de estimação nos espaços de circulação;
 Procedimentos de segurança (BUENO, 2020).

É fundamental ter o regimento elaborado de acordo com a realidade e


necessidade de cada condomínio. Tanto na convenção de condomínio quanto no
regimento interno, ambos servem para normatizar o convívio e a administração do
condomínio. No entanto, há diferenças entre eles. A convenção é um documento
público e obrigatório e que reúne as normas gerais sobre a estrutura do
empreendimento, divisão das despesas, cobrança dos inadimplentes, formas de
gestão, além dos direitos e deveres dos condôminos (NEHME; IRIBURE, 2019).
Por sua vez, o regimento interno não é obrigatório. Porém, é altamente
recomendado, pois se ocupa principalmente das questões do dia a dia, referentes à
conduta dos moradores. Outra diferença é que, normalmente, a Convenção é
essencial para que o condomínio exista legalmente (SOARES, 2016).
Portanto, são normas e regras criadas para a organização dos condomínios e
para ajudar a manter a boa convivência entre os moradores, a convenção e o
regimento interno têm finalidades distintas e não podem ser contraditórias ou tratar do
mesmo assunto. É importante lembrar que tanto a Convenção quanto o Regimento,
quando registrados, não são aplicáveis apenas aos moradores, como também a todos
os que estejam no condomínio, como moradores, gestores, visitantes e funcionários
(SILVA, 2017). Em caso de conflito entre ambas, a Convenção do Condomínio deve
prevalecer por ser devidamente aprovada em assembleia de condôminos e registrada
em cartório.

2º É proibido perturbar o sossego e o bem-estar público da população pela emissão de sons e ruídos
por quaisquer fontes ou atividades que ultrapassem os níveis máximos de intensidade fixados
nesta Lei.
36

4. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL DO


CONDOMÍNIO EDILÍCIO

O artigo 1.337 do Código Civil Brasileiro diz: “o condômino, ou possuidor, que


não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por
deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa
correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas
condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das
perdas e danos que se apurem (DINIZ, 2015).
Diniz (2015), em parágrafo único: “o condômino ou possuidor que, por
seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com
os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa
correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas
condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.”
Sendo a única sanção imposta ao condômino que possui comportamento
reiteradamente antissocial é de natureza pecuniária, resultante na aplicação de multa.
A sanção se mostra ineficaz e a realidade é que a norma gera incentivo às condutas
que colocam em risco a convivência harmônica, acabando por tornar insuportável a
vida dos condôminos. Primeiramente, devido à dificuldade de aplicar a pena, pela
necessária aprovação de 3/4 dos condôminos restantes para imposição da sanção. O
Quórum é muito difícil de ser alcançado, em especial nos condomínios que reúnem
centenas de moradores, onde muitos têm medo de votar pela aplicação da multa, por
receio de sofrer eventuais retaliações por parte do condômino nocivo. (PEREIRA,
2021).
Outra problemática se faz presente quando a sanção consegue ser aplicada e
quando o condômino punido paga a multa, entretanto, continua com o comportamento
nocivo. Há mais uma circunstância que traduz a ineficácia da norma: quando o
condômino se recusa a pagar as multas aplicadas e o condomínio resolve fazer a
cobrança pela via judicial, se arrastando por longo período, levando a via crucis o
condomínio, exaltando mais os conflitos. Seria melhor o legislador estipular uma pena
de interdição temporária ou definitiva, excluindo da convivência dos demais
condôminos o causador de condutas que geram prejuízo em várias esferas
condominiais. (PEREIRA, 2021).
37

Antissocial também é habitualmente associado à uma pessoa introvertida.


Todavia, não vemos espaço para esse significado, pois, ao nosso ver, o Código Civil
não criaria uma multa para punir uma característica que compõe um direito de
personalidade do condômino. Os condomínios devem ser construídos para o bem e
longe viver, para o residir, o trabalhar e o recrear-se com sossego, segurança e
saúde. Com este parâmetro tríplice, devem ser analisadas as questões pertinentes
às situações sociais de vizinhança construídas para exercerem sua função social
(CRISTOVAM, 2019).
De acordo com Soares (2018), o comportamento antissocial é o que se afasta
dos padrões de normalidade e desrespeita os convencionalismos sociais, os
princípios éticos, alcançando até prática contravencional ou delituosa; é a forma
abusiva, deseducada, sem respeito, egoísta, sem disciplina, que provoca
constrangimento, violadora das normas regulamentares de um condomínio edilício.
As obrigações estipuladas na convenção de condomínio devem respeitar as
normas decorrentes do direito de vizinhança, coibindo a utilização anormal do bem.
Assim a legislação prevê no art. 1.337 do Código Civil, a possibilidade de aplicação
de multa condominial. De acordo com a interpretação literal dos dispositivos legais do
Código Civil, a exclusão do condômino antissocial ainda é uma impossibilidade
jurídica (SOARES, 2016).
A multa condominial, em caso de conduta antissocial reiterada, pode vir a gerar
incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Para a possibilidade da
exclusão do condômino antissocial, o entrave é o de reconhecimento e na ausência
de um ornamento legal para tanto (CRISTOVAM, 2019).
Mesmo se o condômino excluído, não sofre uma desapropriação, apenas
perderia o direito ao uso do imóvel, permanecendo com os outros poderes inerentes
à propriedade. O princípio da legalidade, que constitui direito fundamental, dispõe que
as pessoas só podem ser compelidas a agir ou deixar de agir por força de lei. Com
isso, não haveria omissão no que toca à exclusão do condômino antissocial (NADER,
2016).
Para Abbi (2016), o Código Processual Civil não dá ao condomínio o direito de
excluir um condômino de maneira extrajudicial, porém, não proíbe que a exclusão se
dê através de meios judiciais. A exclusão do condômino, ainda que motivada por
condutas graves e reiteradas, atentaria contra o direito social à moradia, previsto no
artigo 6º da Carta Magna de 1988: ao se afastar o condômino de sua residência
38

habitual se estaria privando seu direito à moradia e a dignidade humana, prevista na


Constituição Federal. A exclusão deve ser admitida como último recurso, caso todas
as multas não produzam efeito.
Contra o argumento de que a exclusão do condômino antissocial feriria o direito
à moradia, salienta-se que o direito à moradia não representa somente o direito ao
bem instituído como ‘residência’, mas o direito à moradia digna e tranquila. A retirada
compulsória do condômino antissocial, privilegia o direito à moradia sossegada,
saudável e segura de todos os demais. A legislação deve ser interpretada de forma
teleológica, para atingir os fins a que se propõe. Na hipótese em que a multa não seja
suficiente para coibir o ato abusivo, não é razoável impor à comunidade que suporte
a convivência com a anormalidade (CRISTOVAM, 2019).
Nesse caso deve ser limitado o direito individual para satisfazer os legítimos
interesses coletivo. Na ausência de dispositivo expresso no sentido de permitir a
exclusão do condômino antissocial, a legalidade estrita não pode amparar em outras
situações. Para Lopes (2019, p. 92), “a sociabilidade é o objetivo do novo Código Civil
com o intuito de superar o manifesto caráter individual da lei atual”. Não resta dúvidas
que a exclusão do condômino antissocial em situações excepcionais valoriza a função
social da propriedade em detrimento do caráter patrimonialista do direito de
propriedade. A exclusão do condômino antissocial pode constituir, na prática, o único
meio viável para se assegurar o sossego, segurança e bem estar dos vizinhos. Cabe
ao operador da Lei buscar a solução mais adequada. A solução nem sempre é exposta
por normas genéricas ou cláusulas gerais.
O afastamento do condômino nocivo favorece a dignidade humana dos demais
condôminos. O indivíduo antissocial, após a imposição de multa, teve a oportunidade
para se adequar ao convívio condominial e não o fazendo, escolhe um embate obvio
com os demais (CRISTOVAM, 2019). Alguns tribunais têm tomado como medida, o
afastamento do condômino antissocial de sua propriedade, conforme decisão
jurisprudencial abaixo:

SÃO PAULO. Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo. Apelação Cível


1000553-93.2019.8.26.0477. Condomínio edilício. Ação de obrigação de
fazer ajuizada com a finalidade de remoção da corré, condômina, privando-
lhe o direito de uso da coisa. – Inicial indeferida, sob o fundamento de que
falta ao autor interesse processual – Apelo do autor – Iterativa jurisprudência
deste C. Tribunal, fundamentada em abalizada doutrina, vem se
manifestando no sentido de que embora mantida a propriedade da unidade
condominial, é possível retirar do condômino o direito de usar a coisa
(exatamente o que pretende o apelante), desde que, claro, provadas, sob o
39

crivo do contraditório, as alegadas condutas antissociais e reiteração de


comportamento inadequado. Destarte, não há que se cogitar de falta de
interesse processual por parte do autor/apelante. Realmente, o pleito de
obrigação de fazer deduzido pelo apelante, em tese, é apto a produzir a
correção da suposta lesão de direito arguida na inicial. Destarte, a anulação
da r. sentença, é medida que se impõe. Não há que se cogitar, todavia, na
espécie, de aplicação da teoria da causa madura. Discussão suscitada pelo
apelante reclama dilação probatória, a ser efetuada sob o crivo do
contraditório. Sentença anulada com determinação de retorno dos autos à
origem, para regular prosseguimento. Recurso provido. Apelante:
Condomínio Edifício Punta Del Este. Apelados: Carlos Eduardo Rodrigues
Pires e outro. Relator: Neto Barbosa Ferreira. 29ª Câmara de Direito Privado,
16/09/2021. (SÃO PAULO, 2020).

Conforme demonstra uma das decisões, quando há por reiteradas vezes o


comportamento antissocial do condômino, bem como a regularidade na aplicação das
penalidades impostas nos termos do art. 1.337 do Código Civil, ou seja, quando já
exauridos os meios administrativos para conter o comportamento nocivo aos demais
moradores, é possível sim a exclusão do condômino que possui comportamento
antissocial.

4.1 ANALISE JURISPRUDENCIAL E DOUTRINARIA QUANTO A DEFINIÇÃO DE


CONDÔMINO ANTISSOCIAL

A vida condominial exige o cumprimento das regras impostas pelo condomínio


que estabelecem os direitos e deveres dos condôminos, como forma de preservar a
harmonia e o bem-estar social. O condômino que infringir as normas condominiais,
deve, via de regra ser notificado previamente sobre a conduta praticada e em caso de
reiteração, o condômino será multado. Caso a multa aplicada não surta efeito, o
Código Civil, estabelece em seus artigos uma gradação para aplicação das multas no
caso de reincidência, podendo a multa alcançar o patamar ao décuplo do valor da cota
condominial, pelo reiterado comportamento antissocial (CRISTOVAM, 2019).
Nesse passo, o cerne da questão a respeito da possibilidade de exclusão do
condômino antissocial é a ausência de previsão na lei sobre tal possibilidade, no
entanto, apesar da omissão na lei, a doutrina e a jurisprudência têm se encarregado
de aclarar a questão. O legislador Deve ser prolixo em utilizar as chamadas cláusulas
abertas, isto é, termos vagos e abstratos que demandarão construção doutrinária e
jurisprudencial que delineie seu real significado e delimite sua extensão.
40

Para Zuliani (2020), o artigo 1.337 do Código Civil, por exemplo, possui
diversas cláusulas abertas: “reiteradamente”, “gravidade das faltas”, “reiterado
comportamento antissocial”, “incompatibilidade de convivência”. Viana (2013),
comenta que ao examinarmos este artigo, concluímos que o dispositivo faculta que
o síndico aplique multa ao condômino ou ao possuidor de reiterado comportamento
antissocial, limitada a 10 (dez) vezes o valor da contribuição das despesas
condominiais, independentemente de sua previsão na Convenção ou de prévia
deliberação assemblear dos demais condôminos.
A medida tem caráter excepcional, devendo ser utilizada com muita cautela e
ponderação, apenas quando presente situação de extrema gravidade no âmbito do
condomínio, em que haja urgência da repressão para se preservar a vida, a
integridade física ou assegurar a convivência comum. Da análise de tais
características, vale frisar, não bastar que a conduta seja antissocial, hábil a causar
profundo desgosto, mal-estar ou constrangimento coletivo. Deve haver, também,
uma reiteração da prática faltosa (FRANCO, 2018). Como exemplos de
comportamento antissocial de condôminos, podemos relacionar:

 Alterações estruturais amplas, idôneas a colocar em risco a saúde da


edificação e segurança de seus habitantes;
 Manutenção de casa de tolerância na unidade autônoma;
 Atentado violento ao pudor;
 Deficiência mental que traga riscos aos condôminos;
 Vida sexual escandalosa;
 Exercício de atividade profissional nociva em imóvel residencial;
 República de estudantes, superuso da unidade autônoma,
toxicomania;
 Brigas ruidosas e constantes;
 Guarda de animais em condições incompatíveis com a habitação
humana etc (FRANCO, 2018).

Soares (2018), afirma que no entendimento do Superior Tribunal de Justiça,


para que exista o dever de punição e multa ao condômino antissocial, deverá antes
este ser notificado. Em um caso discutido recente, a cobrança da multa foi afastada
pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao fundamento de que sua aplicação seria
41

inviável sem prévia notificação do proprietário. Além disso, segundo o acórdão, o


assunto nem sequer foi mencionado no edital de convocação da assembleia, que
tomou a decisão sem a presença do proprietário, o qual recebeu apenas a
notificação para pagamento.
Para Venosa (2020, p. 133), “no STJ, o condomínio alegou que a multa não
tem como pressuposto a notificação prévia do condômino”. Bastaria o reiterado
descumprimento de deveres condominiais, capaz de gerar incompatibilidade de
convivência. Entretanto, para o relator, a aplicação de punição sem nenhuma
possibilidade de defesa viola garantias constitucionais.
O relator apontou a existência de correntes doutrinárias que, com base no
artigo 1.337, admitem a possibilidade de pena ainda mais drástica quando as multas
não forem suficientes para a cessação de abusos: a expulsão do condômino. Tal
circunstância, segundo o ministro, põe em maior evidência a importância do
contraditório.
Soares (2018), quanto à exclusão do condômino, cabe ao juiz tal decisão,
ante certos acontecimentos no microcosmo condominial. Por se tratar de punição
por conduta contrária ao direito, acrescentou o relator que, “deve-se reconhecer a
aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações
entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que
também devem incidir nas relações condominiais para assegurar, na medida do
possível, a ampla defesa e o contraditório”.
O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial
gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores,
poderá ser constrangido a pagar correspondente ao décuplo do valor atribuído à
contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia
ou mesmo ser forçado a se retirar do condomínio, em prol da paz social e direito de
convivência (DANTAS, 2019).

4.2 A DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA SOBRE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE


INTRÍNSECO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Na seara constitucional, os conhecimentos extraídos do conceito genérico de


princípios não apresentam grandes modificações quando transportados para o Direito,
42

na medida em que se caracterizam como pensamento diretivo que serve de


fundamento para as formações das disposições do próprio sistema jurídico, de um
código, bem como do Direito Positivo (VENOSA, 2018).
Na época em que a norma não era necessariamente escrita, mas sim
consuetudinária (costumeira), a simples manifestação volitiva do Soberano era o que
ditava toda e qualquer regra aos súditos. Nesse período as inseguranças jurídicas e
mais ainda, as injustiças eram muito presentes. As graves e injustas praticas Estatais
trouxeram serias consequências sociais e como resultado das inúmeras violações dos
direitos mais básicos do ser humano, o povo se viu forçado a impor limites legais
contra o Poder público, o que para nossos dias atuais representa grande avanço e
desenvolvimento: “O mais celebre desses pactos é a magna carta, que consubstancia
o acordo entre João sem Terra3 e seus súditos revoltados, sobre direitos a serem
respeitados pela coroa (CRISTOVAM, 2019).
O Princípio da Legalidade pode ser rastreado até a carta Magna de João sem-
terra em 1215, e na Bill of Rigths. Não dá para negar que foi exatamente nesse
momento supracitado que a lei se tornou expressão da vontade popular contra as
injustiças Estatais. Cabe ressaltar também que muito embora a lei começasse a ser
aplicada como forma de controle, demorou para se generalizar. No entanto seus
fundamentos e suas contribuições se enraizaram de tal maneira que se fazem
positivamente presente nos dias atuais (CRISTOVAM, 2019).
De acordo com Maluf (2020), a sujeição do próprio Estado a lei escrita foi
resultado de enorme processo evolutivo. Pois a princípio o próprio poder Estatal
detinha sobre si amplos poderes, as consequências disso foram os enormes abusos
frente aso direitos fundamentais. Hoje com o princípio da legalidade, não mais o
estado é sujeito a suas próprias liberalidades, deve ele antes de mais nada. Se sujeitar
a própria soberania popular, manifestada na forma da lei.
Em termos jurídicos, é por meio da lei escrita que a sociedade melhor se
organiza. A própria lei democrática representa nada menos que os anseios da
sociedade que o povo estabelece suas leis, suas próprias regras de convivência. Na
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, ficou consignado

3
João (1166-1216), também conhecido como João Sem-Terra, foi o Rei da Inglaterra de 1199 até sua
morte. João perdeu o Ducado da Normandia e muitas de suas outras possessões para o rei Filipe II em
1204, resultando na queda de quase todo Império Angevino e contribuindo para o crescimento da
dinastia Capetiana no século XIII.
43

eternamente, nos termos de seu art. 6º, que “A lei é a expressão da vontade geral.
Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente, ou pelos seus
representantes, à sua formação. Nesse sentido a lei é fundamental para o controle e
prevenção de possíveis arbitrariedades. É com ela que temos assegurado inúmeros
direitos (DINIZ, 2018).
Esse processo está intimamente ligado a constitucionalização anterior do
Direito Administrativo e a descodificação das diversas áreas do Direito, com a edição
de diversas leis esparsas, na qual verificou-se a necessidade de encontrar um
fundamento de validade para esses microssistemas, que neste cenário seria a Carta
Constitucional.
A constitucionalização do direito administrativo se propõe a manter o constante
diálogo entre essa disciplina e o Direito Constitucional, verificando uma verdadeira
revolução copernicana do Direito”, pois a “Constituição passa a ocupar definitivamente
o centro do ordenamento jurídico e os demais ramos do direito circulam ao seu redor”,
por isso devem ser interpretados e aplicados a luz da Constituição (DINIZ, 2018).
Para Machado (2017), os princípios constitucionais não proclamam tão
somente uma natureza jurídica, mas também política, ideológica e social,
características estas que se encontram normativamente predominantes, e devem ser
entendidas como a concretização do Direito no sentido mais amplo possível, alçando
as diversas organizações e procedimentos vigentes. Assim, os princípios
constitucionais se caracterizam por um espírito primitivo, antecedente, governante do
sistema normativo fundamental do Estado, dotados de originalidade e superioridade
material sobre os conteúdos que formam o ordenamento jurídico inferior,
apresentando-se como função fundamentadora, interpretativa e supletiva.
Na Constituição Federal de 1988 encontram-se mencionados explicitamente os
princípios que devem reger a Administração Pública (COELHO, 2019). O
embasamento Direito Público é composto por um regime de Direito Público. Trata-se
de um complexo regido especificamente por princípios denominados Princípios de
Direito Público.
44

4.3 ESTUDO JURISPRUDENCIAL DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


E PARANÁ.

A jurisprudência a seguir colacionada foi colhida por amostragem, mais com o


intuito de apresentar alguns aspectos já enfrentados nos diversos tribunais pátrios
acerca da responsabilidade civil em condomínios edilícios. Entretanto, não tem,
portanto, a pretensão de esgotar o assunto, nem o compromisso de trazer
posicionamentos predominantes na jurisprudência, mesmo porque, dada a dinâmica
de acontecimentos no campo condominial, a cada dia se apresentam novas e
inusitadas questões a serem enfrentadas pelos operadores do Direito (LOPES, 2019).
Assim, apresenta-se algumas decisões que chama a atenção, quer pelo
conteúdo jurídico, quer pela infinidade de aspectos práticos que a vida em sociedade
impõe, os quais desafiam a todo instante o nosso raciocínio jurídico. A Constituição
Federal fixa uma escala progressiva de sanções até chegar à perda do direito de
propriedade, que começa com o parcelamento ou edificação compulsória, passa pela
fixação de IPTU progressivo no tempo, concluindo com a desapropriação mediante
pagamento com títulos da dívida pública (LOPES, 2019).
Para Soares (2014), o condômino possui conduta nociva quando suas atitudes
são causadoras de prejuízos, dano ou mal à pluralidade do condomínio em que reside.
Condômino nocivo é o coproprietário de um imóvel instituído em regime de
condomínio em edifício cuja conduta, por ação ou omissão, prejudica a tranquilidade,
o sossego, a saúde e o equilíbrio psíquico, social e econômico dos demais.
O condômino antissocial é aquele que não só utiliza a propriedade de forma
nociva, como também não cumpre reiteradamente seus deveres. Os principais
deveres não cumpridos pelos condôminos são os do rateio de despesas condominiais,
a inadimplência que onera os demais condôminos etc. Ressalta-se que, as causas
geradoras de conflitos no condomínio edilício em virtude do uso nocivo, incômodo,
danoso, imoral, insalubre, perigoso e proibido por Lei e pela convenção de
condomínio, já deliberado em tópicos anteriores (CRISTOVAM, 2019).
Neste contexto, para se formalizar uma conduta nociva por parte do condômino,
sempre deverá ser analisado o que foi violado e sua interferência nos direitos dos
outros condôminos. Ratifica-se a questão do direito de defesa na aplicação das
sanções ao condômino antissocial o acórdão do Superior Tribunal de Justiça que
segue:
45

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA DE


MULTA CONVENCIONAL. ATO ANTISSOCIAL (ART. 1.337, PARÁGRAFO ÚNICO,
DO CÓDIGO CIVIL). FALTA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO CONDÔMINO
PUNIDO. DIREITO DE DEFESA. NECESSIDADE. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS. PENALIDADE ANULADA.
1. O art. 1.337 do Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que
reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir,
em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento
antissocial, verbis: „O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento
antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou
possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do
valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação
o da assembleia‟.
2. Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da
visão civil constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos
princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a
reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir
nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e
o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas
relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de todo o
ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações
particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do
STF.
3. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art.
1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem
que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo.
4. Na hipótese, a assembleia extraordinária, com quórum qualificado, apenou o
recorrido pelo seu comportamento nocivo, sem, no entanto, notificá-lo para fins de
apresentação de defesa. Ocorre que a gravidade da punição do condômino
antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar consideravelmente o
suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que
46

seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida
e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade.
5. Recurso especial a que se nega provimento. Importante pontuar que, em ato de
infração por parte do locatário, a responsabilidade poderá ser solidária com o locador-
proprietário, onde o proprietário que loca, a terceiro, imóvel em condomínio responde
pelas consequências do uso nocivo ou perigoso atribuído a seu inquilino. É o que
decorre da regra inserta no inciso III do artigo 10, combinado com seu parágrafo 1o,
da Lei no 4.591, de 16 de dezembro de 1964
Neste sentido, e com base em decisão jurisprudencial. Retirada do acórdão do STJ.
REsp. 254.520–PR, Rel. Min. Barros Monteiro (PARANÁ, 2019).

Portanto, ao decidir habitar em condomínio edilício, o interessado deve saber,


de antemão, que terá deveres não apenas patrimoniais, ou seja, inerentes à
manutenção e conservação do bem imóvel, as denominadas obrigações propter rem,
mas também deveres extrapatrimonial, materializados na adoção de atitudes
socialmente compatíveis com a convivência em comum. Tal obrigação surge no
momento em que o titular do direito real é obrigado, devido a sua condição, a
satisfazer certa prestação. Tanto isso é verdade que, no inciso IV do Art. 1.336 do
Código Civil, o legislador estabelece expressamente como um dos deveres dos
condôminos o de não utilizar sua propriedade de maneira prejudicial ao sossego,
salubridade e segurança dos demais (MIRANDA, 2020).
Cabe reiterar que o condômino que não se adapta a vida em condomínio
assume uma postura incompatível com as regras do instituto jurídico e mesmo com
sanções aplicadas para que fossem observadas as normas condominiais, as quais
constam no artigo 1.336 e 1.337 do Código Civil, o morador continua a ofender bens
econômicos e causar situações desagradáveis aos imóveis e moradores vizinhos,
estando, com isso, enquadrado na figura do Condômino Antissocial, trazida pelo
parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil.
A jurisprudência também vem admitindo a exclusão do condômino antissocial
diante da reiteração e da gravidade de seu comportamento. O Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento 70065533911,
manteve a decisão interlocutória que deferiu a exclusão do condômino antissocial. No
caso em tela, o relator narra que foram apresentadas pelo condomínio provas
documentais representadas por registro de ocorrências referentes à perturbação do
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sossego com marretadas na parede durante o período noturno, ameaçar de morte,


xingar com palavras de baixo calão, aparecer desnudo na janela, agredir fisicamente
com cuspidas e arremesso de ovos e objetos nos moradores, danificar a propriedade
alheia quebrando os vidros das janelas das residências e furando pneus dos carros,
dentre outras, veja-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CONDÔMINO


ANTISSOCIAL. TUTELA ANTECIPADA. DEFERIMENTO. POSSIBILIDADE.
Verossimilhança dos fatos alegados, tendo em vista que o agravado comprova, de
forma inequívoca, o comportamento antissocial do demandado a impedir a convencia
pacífica com os demais moradores. Receio de dano irreparável ou de difícil reparação,
uma vez que a permanência do réu no condomínio coloca em risco à segurança e à
integridade dos demais moradores. Manutenção da decisão que deferiu a tutela
antecipada de exclusão do condômino, nos termos do art. 273, I, do CPC. NEGARAM
SEGUIMENTO ao recurso, por decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº
70065533911, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do SP, Relator:
Nelson José Gonzaga, Julgado em 13/08/2019 (SÃO PAULO, 2020).

Em uma análise à jurisprudência acima, verifica-se que é possível a remoção


judicial do condômino antissocial em casos graves, nos quais as condutas gravosas
tenham persistido mesmo após a aplicação de multas gradativas, sendo, portanto,
uma medida excepcional admitida pela doutrina e jurisprudência, apesar de não existir
tal possibilidade na lei. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, asseverou
no julgamento da apelação nº 0.280.101-94.2019.8.26.0000: "Para impor multa a
condômino por reiterado comportamento antissocial exige-se, do síndico, notificação
com descrição objetiva do fato que corresponda ao comportamento nocivo, além de
prazo razoável para defesa. Exige-se, mais, 'ulterior deliberação da assembleia' com
quórum 'de três quartos dos condôminos restantes'. Ausentes tais requisitos formais,
anula-se a sanção imposta, repelindo-se, antes, as preliminares."
É de fundamental importância, sob pena de nulidade, que o condômino dito
antissocial possa exercer o seu direito ao contraditório e ampla defesa, inclusive
podendo estar acompanhado por seu advogado na assembleia condominial
convocada para deliberar sobre sua expulsão. Dessa forma, excepcionalmente, nas
situações em que a multa aplicada com a devida observância ao contraditório, não
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surtir efeito prático, a jurisprudência tem admitido a exclusão do condômino


antissocial, após cumprimento de todos os trâmites, quais sejam, realização da
notificação, aplicação de multa, majoração da multa com a observância do
contraditório e votação em assembleia sobre a possível exclusão do condômino
antissocial (CRISTOVAM, 2019).
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O término deste estudo deve-se prestigiar os paradigmas da sociabilidade, de


forma a se permitir a exclusão do condômino antissocial. Portanto, em hipóteses
excepcionais, admite-se a exclusão do condômino antissocial, em prol do sossego, da
segurança e da saúde dos demais vizinhos.
Notamos que a propriedade não é estática, ela subsiste, assim vem sendo
modificada conforme a evolução histórica da sociedade. Não sendo apenas um retrato
material de um imóvel com características físicas, mas sim com aspecto econômico,
social de que todas as questões jurídicas o refletem. Não se justificando o direito de
propriedade apenas com o intuito de proteção, exclusivamente, a seu titular, mas
também para a realização de interesses de toda a sociedade. Assim, a função social
tomou lugar importante dentro da propriedade, podendo até ser confundida com a
própria definição de propriedade.
O convívio dentro do condomínio será regido pela convenção do condomínio e
pelo direito de vizinhança. Essa junção de normas de convívio entre os titulares de
direito de propriedade ou de posse de imóveis que se encontrem próximos uns dos
outros, possuem caráter de ordem pública. Quanto ao uso anormal da propriedade,
as relações de vizinhança são subordinadas pelo princípio geral de que o proprietário
não pode exercitar o seu direito de forma que prejudique a segurança, o sossego e a
saúde dos moradores vizinhos, pois deve ser sempre levado em consideração a
função social da propriedade
Há de se considerar que a propriedade é um direito e uma garantia
constitucional do estado ao cidadão, devendo ser respeitada e consagrada, sobretudo
quando o proprietário exerce seus direitos em consonância com a sociedade, a
coletividade, mantendo a harmonia, zelo, e os bons princípios dentro da vizinhança a
qual está inserido.
Porém, o exercício do direito de propriedade hoje encontra entraves na função
social. Os poderes inerentes ao domínio devem se manifestar sempre de forma ética
e não abusiva. Essas limitações são ainda mais claras quando se trata de condomínio
edilício, pois a convivência em coletividade se torna mais comum pelo fato de o espaço
ocupado pelos condôminos serem praticamente os mesmos.
50

A moradia constitui uma das formas do cumprimento da função social da


propriedade por meio da ocupação do solo e da criação de mecanismos que protegem
o direito à habitação. O grande problema habitacional enfrentado no Brasil e a
inserção no texto constitucional do direito à moradia são fatores determinantes para
uma ação progressiva do Estado.
A produção social do direito à moradia, regra e não exceção nas cidades
brasileiras, logrou seu reconhecimento pelo Direito Positivo, tirando da “ilegalidade” a
maior parte da população brasileira que vive em territórios informais, à margem da lei.
Neste sentido, a ação estatal, seja o exercício da função administrativa, legislativa ou
judicial para as favelas, e todos os assentamentos informais de baixa renda, deve ser
revista, dirimindo qualquer conflito entre a lei e o direito à moradia, em favor deste.
A condição econômica, que determina a informalidade do uso e ocupação do
solo pela população de menor renda, de “problema de polícia” foi elevada a
fundamento das políticas públicas urbanas. Depreende-se da breve introdução ao
tema acima que o Direito de Propriedade, assunto amplo, um tanto filosófico, marcado
por princípios como sua função social, possível de ser desapropriado também em
função de necessidade e interesses coletivos. No condomínio edilício, dada a
proximidade das unidades autônomas e da necessária convivência dos vizinhos das
partes comuns, sobressai a necessidade de observância dos deveres condominiais.
A questão que se coloca é que medidas podem ser adotadas caso o condômino
descumpra, reiterada e gravemente, as normas condominiais. Aqui surge a figura do
“condômino antissocial”. Ainda que não haja balizas precisas do que possa ser
considerado “antissocial”, fato é que há condutas que, analisadas sob o enfoque na
razoabilidade, não são toleráveis. Para esses casos o ordenamento permite a
cominação de multa ao condômino nocivo. Por força da ausência de previsão legal,
há divergência na doutrina e na jurisprudência acerca da possibilidade de exclusão do
condômino antissocial do condomínio edilício.
De um lado, sustenta-se que a ausência de previsão legal é óbice à exclusão
do condômino social e que não pode haver interpretação ampliativa de norma restritiva
do direito de propriedade. Também o direito à moradia e a dignidade humana
impediriam o afastamento compulsório do condômino antissocial. De outro lado, deve-
se prestigiar os paradigmas da sociabilidade e operabilidade, de forma a se permitir a
exclusão do condômino antissocial. Tal medida só poderá ser determinada por
autoridade judicial, mediante decisão precedida de contraditório e ampla defesa.
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Dessa forma, em que pede a existência de doutrina e jurisprudência em sentido


contrário, deve prevalecer o entendimento segundo o qual, em hipóteses
excepcionais, admite-se a exclusão do condômino antissocial, em prol do sossego, da
segurança e da saúde dos demais vizinhos.
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