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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

ALVARO LUIZ PRIMÃO LOPES

ÉTICA E DIREITO NO MUNDO DIGITAL

CURITIBA
2021
ALVARO LUIZ PRIMÃO LOPES

ÉTICA E DIREITO NO MUNDO DIGITAL

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro
Universitário Curitiba.

Orientador: Professor Edimar Inocêncio Brígido

CURITIBA
2021
ALVARO LUIZ PRIMÃO LOPES

ÉTICA E DIREITO NO MUNDO DIGITAL

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel


em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos
professores:

Orientador: Professor Edimar Inocêncio Brígido

Professora Doutora Edna Campos Felício


Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2021
DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia ao meu bisavô, in memorian, Cerilo Primão, que sempre
esteve presente para apoiar e dar seus dois centavos de opinião em relação a vida e
como deixa-la mais bela, independente das dificuldades.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus por estar guiando minha vida, minhas escolhas
e principalmente, iluminar meu caminho para realizar o que é certo e bom, sem
nenhum tipo de distinção.

Aos meus pais, Luiz e Cassia, por sempre me apoiarem e me instruírem a ser
correto, com carinho e atenção, amor e suporte.

Ao meu orientador, Professor Edimar Inocêncio Brígido, por aceitar esse projeto
de pesquisa, pela atenção e paciência durante a elaboração desta monografia,
destacando e orientando o que tinha que ser corrigido ou melhorado.

Ao meu amigo, Valter Junior, que me incentivou a escrever sobre um tema que
tem um grau de dificuldade bem elevado, mas que sempre deu seus dois centavos de
informação que levaram a várias vertentes de pesquisa e que algumas foram
escolhidas a estar presente neste trabalho.

Por fim, porém não menos importante, ao meu melhor amigo e irmão, Lucas
Rocha Hashimoto, que sempre esteve comigo desde 2007, independentemente da
distância, sempre me apoiando e me incentivando a ser mais que somente uma
pessoa melhor, e sim, ser A PESSOA MELHOR. A ele sou grato eternamente, por ter
sido meu amigo na época, e hoje ser meu irmão, minha segunda família, se é que
existe isso, pois família não tem distinção de sangue. Meu irmão de coração. Sempre
estaremos juntos e sempre vai ter um ‘kept you waiting, hum?’.
Aqueles que abrem mão da liberdade essencial
por um pouco de segurança temporária não
merecem nem liberdade nem segurança –
Benjamin Franklin
Não há fatos, apenas interpretações – Friedrich
Nietzsche
RESUMO

A presente monografia tem como objetivo compreender as implicações éticas


decorrentes do avanço do Direito digital. Para tal, foi adotado a análise sob o prisma
do Direito brasileiro em conjunto com a Ética, relacionando a evolução tecnológica
vinda do pós-guerra até os dias atuais, juntamente com o desenvolvimento das leis
relacionadas ao tema, com suas devidas análises e críticas. Além disso, demonstra
como a Inteligência Artificial está nos principais pilares da justiça brasileira,
apresentando seu funcionamento e seu objetivo dentro do sistema judiciário.
Verificou-se nesse trabalho que a evolução tecnológica, a Ética e o Direito brasileiro,
vislumbram dilemas presumidos antes do auge tecnológico e novas teorias após essa
evolução, sob os quais questionam se a tecnologia em ascensão pode substituir a
figura do operador do Direito. Nisso, o Direito, em seu aspecto digital, em encontro
com a Ética, vem explicar seu entendimento e demonstrar que a introdução da
Inteligência Artificial no âmbito jurídico, é uma nova forma de evoluir e facilitar o
serviço daqueles que operam os pilares da Justiça.
Palavras-chave: Ética; Direito; Justiça; Mundo Digital; Inteligência Artificial
ABSTRACT

This monograph aims to understand the ethical implications arising from the
advancement of digital law. To this end, the analysis was adopted from the perspective
of Brazilian law in conjunction with Ethics, relating the technological evolution from the
post-war to the present day, together with the development of laws related to the
theme, with their due analysis and criticism. In addition, it demonstrates how Artificial
Intelligence is in the main pillars of Brazilian justice, presenting its functioning and its
objective within the judicial system. It was verified in this work that the technological
evolution, the Ethics and the Brazilian Law, glimpse presumed dilemmas before the
technological peak and new theories after this evolution, under which they question
whether the rising technology can replace the figure of the Law operator. In this, Law,
in its digital aspect, in a meeting with Ethics, explains its understanding and
demonstrates that the introduction of Artificial Intelligence in the legal sphere, is a new
way to evolve and facilitate the service of those who operate the pillars of Justice.
Keywords: Ethic; Right; Justice; Digital World; Artificial Intelligence
LISTA DE SIGLAS

CPC - Código de Processo Civil


CPF - Cadastro de Pessoa Física
IA - Inteligência Artificial
IBM - International Business Machines Corporation
LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
TCP/IP - Protocolo de Controle de Transmissão
ONU - Organização das Nações Unidas
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TCU - Tribunal de Contas da União
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................12
2. ÉTICA E A DISCUSSÃO NO MUNDO DIGITAL.....................................................14
2.1 A MÁQUINA DE TURING E SUA EVOLUÇÃO.....................................................14
3. AS REGRAS ESTABELECIDAS NO MUNDO DIGITAL........................................17
3.1 O QUE VOCÊ VÊ E O QUE TE OFERECEM?......................................................17
3.2 A RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E O MUNDO DIGITAL.............................................19
4. AS PRINCIPAIS FERRAMENTAS UTILIZADAS PELO DIREITO
BRASILEIRO.............................................................................................................22
4.1 SISTEMA VICTOR................................................................................................22
4.2 PROJETO SÓCRATES........................................................................................24
4.3 SISTEMAS ALICE, SOFIA E MONICA.................................................................26
5. AS PRINCIPAIS LEIS VIGENTES DO DIREITO DIGITAL.....................................28
5.1 MARCO CIVIL DA INTERNET..............................................................................28
5.1.1 A Guarda Dos Registros De Conexão e Sua Utilização......................................31
5.1.2 O Artigo 15 e a Ausência De Limite De Ampliação De Prazo Superior Ao Previsto
No Parágrafo Segundo...............................................................................................34
5.1.2.1 Os Três Problemas Do Parágrafo Terceiro.....................................................37
5.1.3 A Responsabilidade Por Danos Causados Por Terceiros Segundo o Artigo
19...............................................................................................................................38
5.1.4 Artigo 20: Preconceito Contra as Culturas?........................................................40
5.2 LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS..........................................42
5.2.1 Evolução Histórica e Suas Leis Setoriais...........................................................43
5.2.2 Considerações Iniciais e Aplicabilidade.............................................................45
5.2.2.1 Exceções de aplicabilidade.............................................................................47
5.2.2.2 Privacidade paradigmática..............................................................................48
5.2.2.3 Segurança da informação e dos dados...........................................................52
6. OS LIMITES ÉTICOS PARA A APLICAÇÃO DAS IAs NO MUNDO E NO DIREITO
DIGITAL.....................................................................................................................56
6.1 A ÉTICA E A RESPONSABILIDADE DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL.................56
6.2 A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INCLUÍDA NA JUSTIÇA E NA PROFISSÃO
JURÍDICA...................................................................................................................60
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................65
REFERÊNCIAS..........................................................................................................67
12

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como tema a discussão sobre a Ética e a


responsabilidade, que visa no quanto o avanço tecnológico será atrelado a
independência que a máquina possa ter sem a necessidade do fator humano. O
ordenamento jurídico brasileiro está evoluindo com o advento da tecnologia, seja na
elaboração e inovação das Leis, quanto em sua aplicação. Com isso, novas formas
de estabelecer regras e entendimentos jurisprudenciais tomam rumos antes não
explorados.

Diante destas mudanças ocorridas a partir do século XXI, o estudo do Direito


brasileiro tem maior relevância, tendo em vista que com um único clique é possível
alterar entendimentos de sentenças e/ou decisões, observando a crescente evolução
da Internet e a Inteligência Artificial, sendo assim, capaz de analisar com propriedade
e tomar melhores entendimentos do que a mente humana. Nisso, o impacto causado
acarretará em mudanças e inovações tanto em procedimentos de mero expediente,
como também em procedimentos que asseguram ao processo sua celeridade e
efetividade em todas as áreas do Direito.

Dentre as inovações trazidas, destacam-se o Marco Civil da Internet, o qual tem


por objetivo garantir a privacidade e proteção de dados pessoais, mas garantindo
também a disponibilização de dados mediante ordem judicial; e a Lei Geral de
Proteção de Dados Pessoais (LGPD), com o objetivo de criar um cenário de
segurança jurídica, “com a padronização de normas e práticas, para promover a
proteção, de forma igualitária e dentro do país e no mundo, aos dados pessoais de
todo cidadão que esteja no Brasil”1.

Diante da relevância que o assunto apresenta, seu estudo é pertinente, tendo


em vista que esta evolução traz consigo questionamentos éticos, visto que não será
somente um operador do Direito a aplicar as legislações vigentes, e sim um sistema
capaz de filtrar e selecionar o entendimento para a aplicação do Direito, modificando,

1
Define que há alguns desses dados sujeitos a cuidados ainda mais específicos, como os sensíveis e
os sobre crianças e adolescentes, e que dados tratados tanto nos meios físicos como nos digitais estão
sujeitos à regulação. Disponível em: http://www.serpro.gov.br/lgpd/menu/a-lgpd/o-que-muda-com-a-
lgpd/
13

assim, a forma de se interpretar o entendimento jurisprudencial. Sendo assim, é


necessário um maior aprofundamento teórico, para que assim seja possível entender
o limite ético da aplicação das Leis no mundo digital pelos operadores do Direito.

Para isso, é necessário analisar os adventos trazidos pela evolução tecnológica


no âmbito jurídico pela regulamentação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014)
e pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), a fim de
conseguir alcançar o entendimento aos limites éticos devidos ao caso.

Esta monografia encontra-se dividida em sete capítulos, sendo este primeiro


atribuído a introduzir o tema tratado mediante a descrição da formulação do problema,
justificativa do estudo, dos objetivos gerais e específicos, dos procedimentos
metodológicos e estrutura do trabalho. O segundo capítulo tem como objetivo traçar
uma discussão da Ética no mundo digital, através do desenvolvimento da tecnologia
por Alan Turing, que desencadeia o terceiro capítulo, que vem explicar as regras que
são estabelecidas no mundo digital, o que é oferecido e sua relação entre a Ética e o
mundo digital. O quarto capítulo apresenta as ferramentas utilizadas no âmbito
judiciário pelo Direito brasileiro, explicando para que são utilizados e suas
especificidades, assim gerando o quinto capítulo, apresentando as principais leis
vigentes do Direito Digital, explicando sua evolução histórica, seus pontos mais
importantes e suas falhas. Com essa apresentação, o sexto capítulo objetiva
estabelecer os limites éticos para a aplicação das Inteligências Artificiais no mundo e
no Direito Digital, a Ética e sua responsabilidade aplicadas, e sua inclusão na justiça
e na profissão jurídica. Por fim, o sétimo capítulo será apresentado as considerações
finais alcançadas após os estudos das normas e doutrinas referentes ao tema do
presente trabalho.
14

2. ÉTICA E A DISCUSSÃO NO MUNDO DIGITAL

2.1 A MÁQUINA DE TURING E SUA EVOLUÇÃO

No contexto do mundo digital, para poder analisar o questionamento ético, deve-


se voltar ao início da criação da tecnologia.

O conceito de máquina de Turing, criado em 1936, figura uma nova ciência na


época, uma ciência cognitiva e na biologia teórica, não apenas na matemática e na
ciência da computação2. Seu criador, Alan Turing, questionou se uma máquina seria
capaz de pensar. Seu artigo de 1950, “Computing Machinery and Intelligence”,
constitui o início de todo o entendimento da teoria da inteligência artificial com o
chamado “Jogo da Imitação3”. O modelo de Turing é o de uma mente humana em
ação. Hodges4 afirma que o matemático “alega que um repertório finito de símbolos
de fato permite uma infinidade contável de símbolos, mas não uma infinidade de
símbolos imediatamente reconhecíveis”, ou seja, o comportamento do computador5
será determinado pelos símbolos que se observa e por seu ‘estado mental’ naquele
momento.

2 HODGES, Andrew. Turing: um filósofo da natureza; tradução Marcos Barbosa de Oliveira. – São
Paulo: Editora UNESP, 2001. (Coleção grandes filósofos) p. 7.
3 A nova forma do problema pode ser descrita em termos de um jogo que chamamos de 'jogo da

imitação ". É jogado com três pessoas, um homem (A), uma mulher (B) e um interrogador (C) que pode
ser de qualquer sexo. O interrogador fica em uma sala separada em frente aos outros dois. O objetivo
do jogo para o interrogador é determinar qual dos outros dois é o homem e qual é a mulher. Ele os
conhece pelos rótulos X e Y, e no final do jogo ele diz "X é A e Y é B" ou "X é B e Y é A." O interrogador
pode fazer perguntas a A e B assim: C: X, por favor, pode me dizer o comprimento de seu cabelo?
Agora, suponha que X seja realmente A, então A deve responder. O objetivo de A no jogo é tentar fazer
com que C faça a identificação errada. Sua resposta pode ser:
"Meu cabelo tem cascalho e os fios mais longos têm cerca de vinte centímetros de comprimento."
Para que os tons de voz não ajudem o interrogador, as respostas devem ser escritas, ou melhor,
datilografadas. O arranjo ideal é ter um teleimpressor comunicando as duas salas. Alternativamente, a
pergunta e as respostas podem ser repetidas por um intermediário. O objetivo do jogo para o terceiro
jogador (B) é ajudar o interrogador. A melhor estratégia para ela provavelmente é dar respostas
verdadeiras. Ela pode acrescentar coisas como "Eu sou a mulher, não dê ouvidos a ele!" às suas
respostas, mas de nada valerá, já que o homem pode fazer comentários semelhantes.
Agora fazemos a pergunta: "O que acontecerá quando uma máquina fizer o papel de A neste jogo?"
Será que o interrogador decidirá erroneamente com a mesma frequência quando o jogo é disputado
dessa forma ou quando o jogo é disputado entre um homem e uma mulher? Essas perguntas
substituem nosso original, "As máquinas podem pensar?"
4
HODGES, 2001. p. 10.
5 Turing interpreta a palavra “computador” como uma pessoa dedicando-se a computação.
15

No contexto da época, a segunda guerra mundial, a máquina desenvolvida por


Turing fora os primórdios do desenvolvimento da chamada Inteligência Artificial. Uma
máquina capaz de decifrar os códigos nazistas criptografados. Considerado a primeira
forma de inteligência artificial, fora responsável pela alteração do curso da segunda
guerra mundial, tendo seu desenvolvimento aprimorado com o decurso do tempo.

O avanço tecnológico iniciado pelo matemático ocasionou uma nova forma de


revolução industrial, a terceira revolução industrial – revolução técnico-científica – em
que áreas como robótica, informática, telecomunicações, assumiram destaques no
desenvolvimento do campo científico, trazendo grandes avanços tecnológicos vistos
no século XX, tanto no âmbito militar, o qual era mais utilizado a tecnologia da
informação para defesa do país, quanto no âmbito civil, no caso, com o
desenvolvimento do primeiro computador pessoal pela IBM e pelo primeiro sistema
operacional com interface gráfica pela Xerox.

Com a virada do século, surgiu o ápice da evolução tecnológica, a chamada


quarta revolução industrial, também conhecida como indústria 4.0. Klaus Schwab 6
caracteriza essa revolução digital “por uma internet mais ubíqua e móvel, por sensores
menores e mais poderosos que se tornaram mais baratos pela inteligência artificial e
aprendizagem automática”.

A evolução e inovações ocasionadas pela quarta revolução industrial, estão


redefinindo o significado de ser humano, pois estão ultrapassando os limites da
longevidade do ser vivo através de um sistema inteligente capaz de servir interesses
especiais. Segundo Schwab7, afirma e questiona que:

Enquanto o impacto a curto prazo da IA depende de quem a controla, o


impacto a longo prazo dependerá de ela poder ser controlada... Todos nós
devemos nos perguntar o que podemos fazer agora para melhorar as
chances de colhermos os benefícios e evitarmos os riscos.

Visto que a inteligência artificial está contribuindo com a melhoria da saúde das
pessoas, com novas formas de erradicar doenças e a melhoria na qualidade de vida,

6 SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial/ tradução Daniel Moreira Miranda. São Paulo:
Edipro, 2016, p. 19.
7 HAWKINGS, 2014, apud SCHWAB, 2016, p. 104.
16

o ponto contraditório torna-se evidente a partir da tomada de decisões independentes


do consentimento humano. Com isso, até que ponto esses limites são lícitos e quais
são?
17

3. AS REGRAS ESTABELECIDAS NO MUNDO DIGITAL

3.1 O QUE VOCÊ VÊ E O QUE TE OFERECEM?

A Internet, no sentido técnico, é uma rede formada pela conexão entre máquinas,
ligadas por diversos cabos de redes ao redor do mundo, conectando e possibilitando
a troca de dados entre sistemas. Esse processo é realizado pela utilização do
protocolo TCP/IP8.

No entanto, a identificação pelo IP não se resume somente em ligar um usuário


com suas características pessoais de comportamento online. Para isso, nos
primórdios da popularização da internet, desenvolveu-se uma tecnologia que
propiciou uma nova forma de oferta e procura para comerciantes e consumidores, o
chamado cookie9.

Para proteger os usuários acerca da necessidade de consentimento prévio e


informado acerca da utilização dos cookies, o Artigo 5.3 da Diretiva 2002/58/CE (e-
Privacy Directive), emendado com a Diretiva 2009/136/CE, da Comissão Europeia,
prevê que esse consentimento não é necessário desde que a forma para utilização
seja com “finalidade exclusiva de efetuar ou facilitar a transmissão de uma
comunicação através de uma rede de comunicações eletrônicas”, ou para quando
seja necessário “para fornecer um serviço no âmbito da sociedade de informação que
tenha sido explicitamente solicitado pelo assinante ou pelo utilizador”. 10

8 [...] um computador envia solicitações, como carregar uma página da web, a um outro computador. O
TCP (Protocolo de Controle de Transmissão) é o responsável por quebrar uma mensagem em partes
menores, enviando-as pela internet. O computador que recebe esses pacotes de informação utiliza
outra ferramenta do TCP para reunir estes dados na mensagem original. Disponível em:
http://www.canaltech.com.br/produtos/o-que-e-o-protocolo-tcpip/.
9 Os cookies são pequenos arquivos criados por sites visitados e que são salvos no computador do

usuário, por meio do navegador. Esses arquivos contêm informações que servem para identificar o
visitante, seja para personalizar a página de acordo com o perfil ou para facilitar o transporte de dados
entre as páginas de um mesmo site. Cookies são também comumente relacionados a casos de violação
de privacidade na web. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2018/10/o-que-sao-
cookies-entenda-os-dados-que-os-sites-guardam-sobre-voce.ghtml.
10 Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de julho de 2002 relativa ao

tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações electrónicas,


2002. Jornal Oficial das Comunidades Europeias, L 201/37. Disponível em
https://edps.europa.eu/sites/edp/files/publication/dir_2002_58_pt.pdf.
18

Se com o protocolo TCP/IP e os cookies já é possível realizar uma previsão do


que um usuário poderá se interessar, com base em suas pesquisas nos navegadores
de internet, através de seu histórico de navegação, com o desenvolvimento a passos
largos da inteligência artificial, será possível, através dos algoritmos especificar e
indicar tal produto e/ou informação com ótima precisão, além de prever o próximo
passo e realizar as melhores decisões antes mesmo do usuário escolher.11

Visto que os avanços tecnológicos tendem a levar as pessoas as fronteiras da


ética, Klaus Schwab12 questiona a imposição que a inteligência artificial proporciona
perante questões complexas e fronteiriças:

Considere a possibilidade de máquinas que antecipem nossos pensamentos


ou até mesmo os ultrapassem. A Amazon e a Netflix já possuem algoritmos
que preveem quais filmes e livros você talvez queira ver e ler. Sites de namoro
e de colocação profissional sugerem parceiros e empregos [...] que seus
sistemas imaginam que serão mais convenientes para nós. O que faremos?
Confiar no conselho dado por um algoritmo ou naquele oferecido por
familiares, amigos ou colegas? Consultaríamos um médico-robô controlado
por IA que poderia dar diagnósticos corretos, perfeitos ou quase perfeitos –
ou ficaríamos com o médico humano que nos conhece há anos e mantem
aquele comportamento tranquilizador ao lado da cama?

A possibilidade de antecipação e/ou previsão através dos algoritmos tende a


implantar no ser humano o comodismo, o impedindo de sair de sua zona de conforto,
pois aquilo que ora previsto pela máquina é o que é necessário para seu próprio
usufruto, tornando-o suscetível, de forma análoga, ao efeito boiling frog.13

Assim como Turing usou sua máquina para decifrar os códigos nazistas durante
a segunda guerra mundial, referenciando como computador as pessoas que se
dedicam a computação, assim, dando início ao desenvolvimento de máquinas cada

11 Em dezembro de 2017, o programa de xadrez AlphaZero foi criado para substituir as técnicas de
“handcrafted knowledge and domain-specific augmentations used in traditional game-playing programs
with deep neural networks and a tabula rasa reinforcement learning algorithm” (SILVER et al., Mastering
Chess and Shogi by SelfPlay with a General Reinforcement Learning Algorithm, 2017, p.1, disponível
em https://arxiv.org/abs/1712.01815. Praticou contra si mesmo por 4 horas, sabendo apenas as regras
do jogo, e enfrentou o programa mais avançado já criado, Stockfish, derrotando-o em 100 partidas,
sem perder nenhuma. Stockfish possui um rating ELO (método de comparar a força relativa de
enxadristas) de 3400, enquanto que o maior rating alcançado por um ser humano foi de 2882.
12
SCHWAB, 2016. p. 105-106.
13 O sapo fervente é uma fábula que descreve um sapo sendo lentamente fervido vivo. A premissa é

que, se um sapo for colocado repentinamente em água fervente, ele saltará, mas se o sapo for colocado
em água morna que depois for levada a ferver lentamente, ele não perceberá o perigo e será cozido
até a morte.
19

vez mais eficazes, em âmbito militar ou civil, ainda assim, havia presente o fator
humano para a tomada de decisões perante a ética. O século XXI, com seu avanço
tecnológico, está possibilitando uma nova forma de integração e interação entre a
inteligência artificial e o ser humano. É possível encontrar essa interação com o
sistema Siri, da Apple; Cortana, da Microsoft; aplicativos como Waze; buscadores
como Google; Bing; Yahoo; redes sociais, como o Facebook; Twitter; Instagram;
YouTube; além de aplicativos de comunicação, como o WhatsApp, com sua aplicação
WhatsApp Business; Telegram.

Com o aumento da capacidade de escolha dos usuários sobre o que será


exposto na rede, além do aumento da capacidade dos provedores de aplicação de
escolher ao que os usuários poderão ser expostos a partir de rastros deixados pela
rede pelo usuário, os algoritmos estabelecerão padrões mais precisos do que será
ofertado e sugerido.

Essa forma de “pensar” que os algoritmos da inteligência artificial utilizam para


entender os padrões do ser humano de pensar, escolher e pesquisar, Braga e
Chaves14 explicam que:

A tentativa de entender o funcionamento da mente a partir do funcionamento


dos computadores permitiu sugerir que a mente fosse semelhante a um
computador que poderia ser descrito como a execução de um software. Essa
ideia foi adotada por uma abordagem de psicologia conhecida como “ciência
cognitiva”.

Se essa tentativa permitiu essa sugestão de que a mente humana poderia ser
descrita como uma execução de um software, então o questionamento para tal ato
seria sobre a relação que se deve fazer entre a ética e o mundo digital.

3.2 A RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E O MUNDO DIGITAL

14
BRAGA, Adriana Andrade; CHAVES, Mônica. A dimensão metafísica da Inteligência Artificial.
Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 119, p. 99-120, set. 2019.
20

A imersão do mundo digital está mais que presente no cotidiano do ser humano.
Com um clique é possível registrar uma conta nas redes sociais, mas também com o
mesmo clique é possível disseminar notícias e informações falsas.

A Organização das Nações Unidas (ONU), em meio à crise mundial do COVID-


19, convidou “participantes de redes sociais a refletirem antes de compartilhar
postagens para evitar a disseminação de notícias falsas sobre a Covid-19”15

A transmissão de fake news tornou-se um verdadeiro problema para a liberdade


de expressão, visto que, por falta de aprofundamento da suposta notícia, ocorre a
disseminação de informações inverídicas no mundo digital, tornando isso um
problema ético a ser discutido. Zygmund Bauman16 explica que:

Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro


virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem
reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades
esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável.

Para quem dissemina notícias falsas, o que importa é quantas pessoas


receberão e transmitirão para outras. Pela ótica de Bauman, aqueles que recebem as
fake news são mercadorias que, se alcançarem as capacidades esperadas, tornam-
se consumidores e retransmissores desse tipo de notícias, podendo ser transformado
em um moto perpétuo17.

A falta da ética no mundo digital poderia dar vazão a insegurança para quem
navega pela Internet, com o acesso irrestrito a dados pessoais para o
compartilhamento e vendas ilegais desses. Além dos crimes cibernéticos, tais como

15 A iniciativa é um convite à reflexão de usuários para que possam se certificar de que o material que
divulgam é verdadeiro e de fonte fidedigna combatendo assim as notícias falsas ou “fake news”. A
iniciativa Pause #TakeCarebeforeyouShare ou Pare para Pensar antes de Compartilhar, numa
tradução livre, é parte da campanha “Verificado”, lançada pelo Departamento de Comunicação Global
da ONU em parceria com empresas privadas. Disponível em
https://news.un.org/pt/story/2020/06/1718572
16
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias;
tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p. 20.
17 Máquinas hipotéticas que reutilizariam infinitamente a energia gerada por seu próprio movimento.

Disponível em https://super.abril.com.br/ciencia/o-que-sao-maquinas-de-movimento-perpetuo/.
21

bullying, crime de falsa identidade, estelionato, divulgação de fotos e dados, entre


outros. Susan N. Herman18 explica que:

O Crime cibernético (“computer crime”) possui, em alguns aspectos, caráter


frequentemente diferente dos crimes tradicionais abrangidos por leis
proibindo condutas como roubo ou fraude. Crimes cometidos por meio de
computador não estão restritos por limites físicos ou, até mesmo, temporais
da mesma forma que o crime tradicional normalmente o é.

Estabelecendo essa relação entre ética e mundo digital, é possível compreender


os limites éticos e sua utilização em conjunto com a Inteligência Artificial para
aplicação em conjunto com o Direito.

18
HERMAN, Susan N. Os Desafios do Crime Cibernético. Revista Eletrônica De Direito Penal e
Política Criminal – UFRGS VOL. 1, N.º 1, 2013.
22

4. AS PRINCIPAIS FERRAMENTAS UTILIZADAS PELO DIREITO


BRASILEIRO

4.1. SISTEMA VICTOR

O sistema de inteligência artificial VICTOR, desenvolvido por pesquisadores da


Universidade de Brasília (UnB) e utilizado pelo Supremo Tribunal Federal, teve por
objetivo a tomada de decisões referentes a casos que fossem enquadrados em temas
que houvessem repercussão geral, auxiliando os analistas da Suprema Corte,
interpretando recursos e os separando por temas, os quais são identificados,
classificados os tipos de peças do processo e demais funcionalidades para auxiliar o
manuseio processual19.

O sistema é utilizado na execução de atividades de conversão de imagens em


textos no processo digital, separação de um documento pertencente ao processo em
todo o acervo do Tribunal, além da separação e classificação das peças processuais
mais utilizadas nas atividades do STF e a detecção e identificação dos temas de
repercussão geral de maior incidência. No entanto, esse sistema não tem a
possibilidade de julgar ou decidir processos, cabendo ainda necessária a intervenção
humana.

Segundo o STF20, o sistema reportou um nível de precisão de tais ferramentas


elevadíssimos, superiores em comparação da mesma atividade tivesse sido realizada
por seres humanos, de forma manual e individual, sem o uso dessas tecnologias, além

19 A ferramenta será utilizada na execução de quatro atividades: conversão de imagens em textos no


processo digital, separação do começo e do fim de um documento (peça processual, decisão, etc) em
todo o acervo do Tribunal, separação e classificação das peças processuais mais utilizadas nas
atividades do STF e a identificação dos temas de repercussão geral de maior incidência. Disponível
em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388443
20 A ministra destacou que, para classificar e analisar os cerca de 42 mil processos que chegaram ao

STF no primeiro semestre, seriam necessárias quase 22 mil horas de trabalho de servidores e
estagiários. Lembrou, ainda, que o tempo que os servidores dedicavam a essas tarefas de
classificação, organização e digitalização dos processos será transferido para etapas mais complexas
do processamento judicial. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388443
23

de que existe menções de que haverá a possibilidade de que a mesma tecnologia


utilizada para realizar essa classificação seja usada para redigir propostas de votos21.

Para Bruno Meyerhof Salama22:

A padronização e a burocracia que caracterizam uma parte importante do


processo judicial brasileiro – o chamado “contencioso de massa”,
caracterizado por uma litigância repetitiva – funcionam como um demand pull;
ou seja, incitam a demanda por tecnologias que possam otimizar
procedimentos e reduzir custos, dirigidas tanto aos jurisdicionados como ao
próprio Poder Judiciário.

Como a demanda de processo aumentou devido ao desenvolvimento da


tecnologia e ao processo virtual, uma nova forma de operar o Direito fora necessária
para acompanhar a demanda. Visto que o serviço de uma máquina tende a ser
superior no quesito análise de dados em menor tempo e custos, de forma aprimorada
e otimizada, Salama explica e afirma que para o melhor aproveitamento, deve ser
incentivado a criação de “ferramentas que otimizem o burocrático trabalho de redigir
decisões judiciais muito parecidas”23

A triagem de processos para a identificação dos temas de repercussão geral


pelo VICTOR, juntamente com a admissão ou não de recursos, foi indicada como de
precisão de 84%, podendo chegar a 95%24. Nisso, o sistema não adquiriu controle
próprio para analisar e tomar decisões sem a intervenção humana, apenas utilizou
seus algoritmos para que possa “o tema de repercussão geral veiculado em cada
processo e o [indique] ao presidente do STF, para o fim de devolução do recurso à
origem ou rejeição do processo”25. Ou seja, ocorre um pré-processamento dos

21 O Tribunal Superior do Trabalho, em parceria com a UnB, está desenvolvendo o seu programa de
inteligência artificial que fará a triagem automática de processos, com a apresentação de julgados
relativos à questão jurídica discutida, para a sugestão do voto a ser proferido pelo julgador. Disponível
em: https://www.jota.info/justica/judiciario-desenvolve-tecnologia-de-voto-assistido-por-maquinas-
05012018
22 SALAMA, Bruno M. O Demand Pull por Tecnologia no Direito Brasileiro. Distrito – Legaltech

Mining Report, p. 36, out. 2018.


23 SALAMA, 2018. p. 36.
24 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO: O USO DA TECNOLOGIA NA GESTÃO DO PROCESSO

NO SISTEMA BRASILEIRO DE PRECEDENTES. Revista de Direito e as Novas Tecnologias | vol.


3/2019 | Abr - Jun / 2019 DTR\2019\35395. p. 9.
25 A ideia é que o VICTOR seja aproveitado por outros órgãos, como os tribunais de segunda instância,

e que seja ampliado para executar outras tarefas de auxílio ao trabalho dos ministros do STF, como a
identificação de jurisprudência, por exemplo. Disponível em:
[www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=390818].
24

recursos extraordinários após sua interposição, antecipando assim o juízo de


admissibilidade quanto aos temas de repercussão geral.

O Ministro Luiz Fux declarou que o sistema, ao identificar os temas mais comuns
de repercussão geral, poderá dar rápida solução a aproximadamente dez mil
processos por ano, visto que grande maioria desses sequer chegaram ao STF, mas
que seriam processados de forma muito mais lenta e burocrática26.

4.2. PROJETO SÓCRATES

O projeto SÓCRATES, concebido para fornecer informações relevantes aos


ministros relatores e acelerar a identificação de demandas com temas repetitivos, para
contribuir para a política de incentivo a esse mecanismo do CPC, a qual identifica
grupos de processos que possuem acórdãos semelhantes, contribuindo para
aprimorar a política de incentivo ao instituto dos recursos repetitivos27.

A primeira versão denominada Sócrates 1.0 fora iniciada em maio de 2019,


estando em operação em 21 gabinetes de ministros, realiza a analise semântica das
peças processuais para facilitar a triagem de processos, identificando casos com
matérias semelhantes, além de que é capaz de pesquisar “julgamentos do tribunal
que possam servir como precedente para o processo em exame.”28

26 No tocante ao quarto ponto, outra demonstração de sucesso de tal iniciativa diz respeito ao potencial
auxílio na resolução de cerca de 1/8 dos REs que chegam ao STF. Dos aproximadamente 80 mil
recursos que chegam ao Supremo a cada ano, 40 mil, em média, são devolvidos aos tribunais de
origem. Desses, metade (20 mil) volta por não atender a requisitos formais de admissibilidade e a outra
metade (20 mil) por se enquadrar em algum tema de repercussão geral definido pelo STF. Tendo em
vista o fato de o Victor ter sido ensinado a identificar os 27 temas mais comuns, que dizem respeito a
cerca de 50% de todos os casos entre os 1020 temas com repercussão geral, a tecnologia pode dar
solução para, em média, 10 mil processos a cada ano. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-
especiais/inova-e-acao/stf-aposta-inteligencia-artificial-celeridade-processos-11122018
27 O STJ chega aos seus 30 anos em um momento no qual o mundo derruba barreiras tecnológicas e

caminha definitivamente para a virtualização da vida, ao mesmo tempo em que a humanidade exige
respeito às diferenças, atenção às questões ambientais e justiça social. Para um novo tempo, um novo
Tribunal: trabalhamos por um STJ que julgue cada vez melhor e em menos tempo, que ofereça
oportunidades iguais para homens e mulheres, e que cumpra seu papel na gestão sustentável do
planeta. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/documentos/noticias/Relat%C3%B3rio%20de%20gest%
C3%A3o.pdf
28 Embora o ato de julgar não dispense o olhar humano e a análise criteriosa do magistrado, o uso de

ferramentas tecnológicas oferece oportunidades ilimitadas em termos de triagem e classificação


processual, gestão de precedentes qualificados e até de leitura automática de peças processuais e
25

Visto que a versão inicial trouxe resultados positivos com maior facilidade a
análise de informações e classificação dos temas, houve também um novo desafio
encontrado nos gabinetes ministeriais, o de identificar de forma antecipada de
controvérsias jurídicas do recurso especial.

Diante desse novo desafio, a equipe de IA do tribunal em conjunto com o Núcleo


de Admissibilidade e Recursos Repetitivos projetou e apresentou o Sócrates 2.0, no
qual ”identifica as palavras mais relevantes no recurso especial e no agravo em
recurso especial e as apresenta ao usuário na forma de "nuvem de palavras",
permitindo a rápida identificação do conteúdo do recurso.”29 O sistema também
poderá sugerir e identificar as controvérsias jurídicas afetadas pelo STJ ao rito dos
recursos repetitivos. Para o Ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva sobre o uso
da Inteligência Artificial:

A IA pode aumentar muito a produtividade do Judiciário por meio de métodos


de automação e de fluxos de trabalho mais racionais, previsíveis e precisos.
Já existem hoje, por exemplo, alguns sistemas de triagens de processos com
um nível de precisão muito maior do que aquela que era feita por seres
humanos. Em um futuro próximo será possível produzir minutas de decisão
automatizadas e propor ao magistrado minutas com base naquilo que já foi
julgado sobre a matéria. O STJ já tem um sistema, chamado Sócrates, que
faz a triagem e classificação dos processos e recursos que entram. O nível
de acurácia do sistema é cada vez maior, porque ele aprende com a prática.
Realizamos recentemente dois seminários sobre IA e o presidente criou uma
secretaria especial de Inteligência Artificial30.

comparação entre textos para auxiliar na tomada de decisão. Disponível em:


https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/23082020-Revolucao-tecnologica-
e-desafios-da-pandemia-marcaram-gestao-do-ministro-Noronha-na-presidencia-do-STJ.aspx
29 Validadas essas informações pelo usuário, a ferramenta oferece a indicação dos itens

potencialmente inadmissíveis, o que permitirá a confecção da minuta do relatório. Disponível em:


https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/23082020-Revolucao-tecnologica-
e-desafios-da-pandemia-marcaram-gestao-do-ministro-Noronha-na-presidencia-do-STJ.aspx
30 Dessa análise, sairão informações relevantes aos relatores, como por exemplo: se o caso se

enquadra nos repetitivos do tribunal, a legislação aplicada e até mesmo processos semelhantes com
sugestões de decisões. Disponível em: https://blog.sajadv.com.br/inteligencia-artificial-justica/
26

Com a utilização da segunda versão do sistema, utilizando as linhas e


linguagens de programação Python31, Elastic32 e Gensin33, é possível relacionar
processos que se assemelhem ao processo em pauta com eficácia acima de 95 por
cento de similaridade, conforme demonstra Luiz Anísio Vieira Batitucci e Amilar
Domingos Moreira Martins34.

4.3. SISTEMAS ALICE, SOFIA E MONICA

Os sistemas ALICE (Análise de Licitações e Editais), SOFIA (Sistema de


Orientação sobre Fatos e Indícios para o Auditor) e MONICA (Monitoramento
Integrado para Controle de Aquisições), utilizados no Tribunal de Contas da União,
desenvolvidos pela Controladoria Geral da União, auxiliam o trabalho desenvolvido
pelo TCU na tarefa de fiscalização de existência de fraudes em licitações, as quais
analisam diariamente os editais, contratações públicas e auxiliam os auditores na
elaboração dos textos da análise35.

31 Python é uma linguagem de programação criada por Guido van Rossum em 1991. Os objetivos do
projeto da linguagem eram: produtividade e legibilidade. Em outras palavras, Python é uma linguagem
que foi criada para produzir código bom e fácil de manter de maneira rápida. Entre as características
da linguagem que ressaltam esses objetivos estão: baixo uso de caracteres especiais, o que torna a
linguagem muito parecida com pseudo-código executável; o uso de identação para marcar blocos;
quase nenhum uso de palavras-chave voltadas para a compilação; coletor de lixo para gerenciar
automaticamente o uso da memória; etc.
32 O Elasticsearch é um mecanismo de busca e análise de dados distribuído e open source para todos

os tipos de dados, incluindo textuais, numéricos, geoespaciais, estruturados e não estruturados. O


Elasticsearch é desenvolvido sobre o Apache Lucene e foi lançado pela primeira vez em 2010 pela
Elasticsearch N.V.
33 É um projeto especificamente para lidar com grandes coleções de texto digitais brutos e não

estruturados, usando streaming de dados e algoritmos incrementais eficientes, como Análise


Semântica Latente, Alocação de Dirichlet Latente e Projeções Aleatórias, descoberta da estrutura
semântica dos documentos examinando padrões estáticos de ocorrência da palavras dentro de um
corpus de documentos de treinamento. Esses algoritmos não são supervisionados, o que significa que
nenhuma entrada humana é necessária, necessitando apenas de um corpus de documentos de texto
simples, o que o diferencia da maioria dos outros pacotes de software científicos que visam somente o
processamento em lote de memória.
34 Apesar das facilidades proporcionadas pelo processo eletrônico, ainda hoje é necessária a

mobilização de um grande contingente de colaboradores durante as etapas de tramitação dos


processos. Estudos realizados pela TI apontam para a necessidade de investimento em inovação e
implantação de novas tecnologias como a Inteligência Artificial – IA para reduzir custos, aumentar a
produtividade e a segurança jurídica. Disponível em: http://www.jf.gov.br/cjf/corregedoria-da-justica-
federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/eventos/eventos-cej/2019/stj-apresentacao-enastic-junho-
2019-2.pdf
35 O robô faz um trabalho mensal de obtenção de dados, com exceção das informações sobre pregões

que são atualizadas semanalmente. Além disso, a tecnologia permite que sejam feitas buscas rápidas
27

O sistema ALICE é capaz de ler as licitações e editais publicados nos Diários


Oficiais, relatando aos membros do TCU o número de processos por estado e,
também, o valor dos riscos de cada um, podendo também apontar caso haja indícios
de fraudes nas licitações e editais. SOFIA é um corretor que aponta possíveis erros e
até sugere informações relacionadas às partes envolvidas ao tema tratado, além de
criar alertas com dados de validade de um CPF registrado, a existência e a validade
de contratos de uma entidade, se existe registro de óbito sobre determinada pessoa
e se há cadastro de empresa ou cidadão no sistema do TCU. MONICA é capaz de
trazer informações sobre compras públicas na esfera federal, incluindo os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público.

por palavras-chave no objeto das aquisições. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jun-


02/tres-robos-auxiliam-trabalho-tribunal-contas-uniao.
28

5. AS PRINCIPAIS LEIS VIGENTES DO DIREITO DIGITAL

5.1. MARCO CIVIL DA INTERNET

A Lei nº 12.965/2014, também conhecida como Marco Civil da Internet define e


tem por objetivo, conforme estabelece em seu preambulo e em conjunto com seu
artigo primeiro, estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para uso da
Internet no Brasil, em que determina diretrizes para atuação da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.

O legislador, ao estabelecer o comando do referido artigo primeiro, resultou em


equívoco e dissonância do sistema jurídico em que se insere, visto que quem
estabelece esses comandos é a Constituição Federal do Brasil, enquanto o Marco
Civil é tão somente uma legislação infraconstitucional, na qual deveria implementar e
regulamentar a Carta Magna. Victor Hugo Pereira Gonçalves36 explica que:

O Marco Civil gastou tintas e tintas para reeditar princípios e regulamentações


já existentes no ordenamento jurídico e que, invariavelmente, já eram
utilizadas para resolver questões e problemas de internet, como a vasta
jurisprudência trazida neste trabalho. Ao constatar esse problema do Marco
Civil, é necessário se indagar quais as perspectivas imaginadas pelo
legislador ao se regular a internet. Repisar modelos já prontos e desgastados
não responde às problematizações surgidas pela exclusão digital,
vigilantismo de governos e empresas, convergência da internet com as
telecomunicações, crimes informáticos, manipulação de dados, uso
indiscriminado de banco de dados, infrações de direitos autorais, produção
de provas, devido processo legal, criptografia de dados etc.

No Marco civil, a definição de internet, presente no art. 5°, I como: “o sistema


constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso
público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre
terminais por meio de diferentes redes”, não segue a melhor definição possível,

36
GONÇALVES, Victor Hugo Pereira. Marco civil da internet comentado - 1. ed. – São Paulo: Atlas
2017. p. 1-2.
29

primeiramente por não dever se tratar de internet, e sim por tecnologias de informação
e comunicação, deixando de lado o conceito formulado na década de 1990 37.

Com o equívoco, se fixou somente regular o uso da ferramenta, regulando


apenas o meio, a Internet, deixando a deriva os fins, que são as pessoas e seus
valores. Sendo um lugar de redes físicas para a interação de pessoas, a rede mundial
de computadores (world wide web) tornou-se algo a mais do que somente uma
ferramenta e protocolos que identificam e viabilizam conexões entre pessoas com o
objetivo de informação, comunicação e produtores de conhecimento e ideias, mas sim
num meio infinito de possibilidades e realizações humanas sem um fim e si mesmo.
Damásio de Jesus explica que antes do Marco Civil “não se dispunha de uma
legislação que protegesse o cidadão em face da violação de sua privacidade ou dados
pessoais”38, nisso toda demanda de violações na Internet era resolvida
extrajudicialmente, não tendo uma segurança jurídica e o mesmo tema ser decidido
de formas distintas em lides semelhantes.

Essa Lei pressupõe que o princípio a rege é o da liberdade de expressão, sendo


a fundação conceitual do meio de comunicação internet. Tendo essa linha
principiológica, consequentemente surge o espaço para os diálogos, unindo assim a
liberdade de expressão e democracia, abrindo assim uma dimensão extrínseca da
democracia digital. É dever do Marco Civil garantir e disciplinar regras e normas para
essa nova Ágora grega. Bobbio alerta que pior que não ter democracia é o excesso
dela.39 Juntamente com a ideia de liberdade de expressão, ocorre uma ramificação
de liberdades, nas quais reportam-se os pontos falhos pelo legislador. São eles a

37 A web pode ser definida como um conjunto de recursos que possibilita navegar na Internet por meio
de textos hipersensíveis com hiper-referências em forma de palavras, títulos, imagens ou fotos, ligando
páginas de um mesmo computador ou de computadores diferentes. A web é o segmento que mais
cresce na internet e a cada dia ocupa espaços de antigas interfaces da rede. VILHA, Anapatrícia
Morales; DI AGUSTINI, Carlos Alberto. E-marketing para bens de consumo durável. Rio de Janeiro.
Editora FGV. 2002, p. 20.
38 JESUS, Damásio de. Marco Civil da Internet: comentários à Lei n. 12.965/14 - São Paulo: Saraiva,

2014, p. 22.
39 A hipótese de que a futura computadorcracia, como tem sido chamada, permita o exercício da

democracia direta, isto é, dê a cada cidadão a possibilidade de transmitir o próprio voto a um cérebro
eletrônico, é uma hipótese absolutamente pueril. A julgar pelas leis promulgadas a cada ano na Itália,
o bom cidadão deveria ser convocado para exprimir o seu próprio voto ao menos uma vez por dia. O
excesso de participação, produto do fenômeno que Dahrendorf chamou depreciativamente de cidadão
total, pode ter como efeito à saciedade de política e o aumento da apatia eleitoral. O preço que se deve
pagar pelo empenho de poucos é frequentemente a indiferença de muitos. Nada ameaça mais matar
a democracia que o excesso de democracia. (BOBBIO, Norberto. Futuro da democracia: uma defesa
das regras do jogo. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1984, p. 39).
30

liberdade de pensamento; a liberdade de pensamento e proteção de dados; e a


liberdade de expressão e exclusão digital.

A liberdade de pensamento dispõe de um problema jus filosófico que não foi


enfrentado na lei e não visto pelo legislador. Enquanto que a liberdade de expressão,
bem como ensina José Afonso da Silva40, é somente o aspecto externo da liberdade
de pensamento, englobando as liberdades de comunicação, religião, expressão
intelectual, artística, cientifica e cultural e de transmissão e recepção de
conhecimento. No entanto, essa opção que fora escolhida pelo legislador afastou a
liberdade do pensamento como uma dimensão intrínseca ao ser humano, viabilizada
pela internet. Segundo Gonçalves41:

O âmbito esquecido pelo Marco Civil é o da “liberdade de pensamento em si


mesmo, enquanto o homem não manifesta exteriormente, enquanto o não
comunica, está fora de todo poder social, até então é do domínio somente do
próprio homem, de sua inteligência e de Deus”

Visto que há uma ausência da liberdade do pensamento por não resguardar a


representação lógica dos pensamentos internos, ou seja, aqueles não transmitidos ou
exteriorizados na internet, restou ligada a registros e dados construídos nas
tecnologias de informação e comunicação. A proteção de dados, metadados,
informações, registros de conexões, geolocalizações e tudo aquilo que pode ser
representados por essas tecnologias devem ser resguardados e protegidos pela lei.
A omissão do Marco Civil em relação à liberdade de pensamento, “restringe a
complexidade que a liberdade de expressão, (...) protege do vigilantismo estatal e do
tratamento de dados por empresas, bem como antecipa em relação a uma posterior
lei de proteção de dados pessoais”42.

Com o advento da internet, diferentemente da Ágora grega séculos antes,


ocorreu um fenômeno em que existe a liberdade de expressão, porém com um
desequilíbrio causado pela exclusão digital, em que se vê que a maioria dos cidadãos

40 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25ª Ed. Malheiros Editores. São
Paulo. 2005. p. 246.
41 SILVA, 2005 apud GONÇALVES, 2017, p. 246.
42 GONÇALVES, 2017, p. 7.
31

são excluídos dela.43 Com isso, os excluídos digitais ficam impossibilitados de exercer
seu direito à liberdade de expressão nem de pensamento. Em contrapartida, existe
aqueles que estão incluídos no mundo digital, porém não podem desfrutar da sua
liberdade de expressão por não terem cultura, educação ou, meramente, são
impedidos pelo vigilantismo estatal, privado44 ou judicial45.

5.1.1. A Guarda Dos Registros De Conexão e Sua Utilização

A guarda desses registros de informações dos usuários na rede, conforme define


a Lei 12.965/2014, em seu artigo 13, deverá ser mantido pelo prazo de um ano:

Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema


autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo,
em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos
termos do regulamento. § 1º A responsabilidade pela manutenção dos
registros de conexão não poderá ser transferida a terceiros. § 2º A autoridade
policial ou administrativa ou o Ministério Público poderá requerer
cautelarmente que os registros de conexão sejam guardados por prazo
superior ao previsto no caput. § 3º Na hipótese do § 2º, a autoridade
requerente terá o prazo de 60 (sessenta) dias, contados a partir do
requerimento, para ingressar com o pedido de autorização judicial de acesso
aos registros previstos no caput. § 4º O provedor responsável pela guarda
dos registros deverá manter sigilo em relação ao requerimento previsto no §
2º, que perderá sua eficácia caso o pedido de autorização judicial seja
indeferido ou não tenha sido protocolado no prazo previsto no § 3º. § 5º Em
qualquer hipótese, a disponibilização ao requerente dos registros de que trata
este artigo deverá ser precedida de autorização judicial, conforme disposto
na Seção IV deste Capítulo. § 6º Na aplicação de sanções pelo
descumprimento ao disposto neste artigo, serão considerados a natureza e a
gravidade da infração, os danos dela resultantes, eventual vantagem auferida

43O uso da Internet continua a crescer globalmente. Atualmente, 4,1 bilhões de pessoas utilizam a rede
mundial. O número de usuários corresponde a 53,6% da população de todos o mundo. Segundo a
União Internacional de Telecomunicações, UIT, 3,6 bilhões de pessoas continuam excluídas da
comunicação online. Disponível em:
https://news.un.org/pt/story/2019/11/1693711#:~:text=Atualmente%2C%204%2C1%20bilh%C3%B5e
s%20de,continuam%20exclu%C3%ADdas%20da%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20online.
44 O Google admitiu que rastreia e-mails privados de usuários do seu serviço Gmail para vender

publicidade. A empresa utilizava as informações trocadas e armazenadas no serviço (Google Apps for
Education) para oferecer publicidade dirigida a seus usuários – assim como acontece com o restante
dos usuários de serviços Google. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/tec/2014/04/1447589-
google-deixara-de-rastrear-e-mails-de-estudantes-por-publicidade-dirigida.shtml>
45 As informações a serem guardadas deverão estar não necessariamente criptografadas, mas

codificadas a ponto de um usuário não ter acesso a elas. Só deverá ter acesso a autoridade, judicial
ou não, que a requerer, delimitado o prazo de seis meses, mas que podem ser mais. GONÇALVES,
2017, p. 123.
32

pelo infrator, as circunstâncias agravantes, os antecedentes do infrator e a


reincidência46.

O prazo de um ano para a guarda dos registros determina a identificação do


acesso, a data, de qual maquina ocorreu o acesso e quanto tempo manteve-se
conectado à internet. Essas informações, em casos de ilícitos, são cruciais para
determinar o autor ou autores de tais infrações, pois mantem salvas as informações
dos usuários, desde o endereço IP do usuário até o registro MAC Address 47,
facilitando assim a forma de agir perante as infrações. Porém, com a falta de
regulamentação, e da possibilidade de o prazo se estender para mais de um ano, por
requisição de autoridade policial ou administrativa, infringe riscos de ataques “aos
direitos à privacidade, intimidade, vida privada e sigilo, pessoal e comercial, (...) com
essa falta de critérios e normas”48. Há críticas na jurisprudência49 perante este artigo
13, em que se alega a inefetividade do referido artigo perante as empresas.

Nos parágrafos 2º e 3º do referido artigo, há previsão de que a autoridade


policial, administrativa ou o Ministério Público poderá requerer cautelarmente que os
registros de conexão sejam guardados por prazo superior ao previsto no caput.
Gonçalves explica que essa previsão é incompatível e antiética perante ao perfil do

46
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres
para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l12965.htm
47 Quando falamos em endereço físico estamo-nos a referir ao endereço MAC (Media Access Control)

que é composto por 48 bits (12 caracteres hexadecimais). Numa LAN, uma vez que o meio físico é
partilhado por todas as máquinas e estas trocam tramas (PDU da camada 2 do modelo OSI) entre si,
o endereço MAC é que identifica a máquina de destino. Disponível em:
https://pplware.sapo.pt/tutoriais/networking/redes-afinal-endereco-mac-mac-address/
48 GONÇALVES, 2017. p. 115.
49 BRASIL, TJ-SP, Agravo de Instrumento no: 2114774-24.2014, Relator: Salles Rossi, Data de

Julgamento: 1o-9-2014, 8a Câmara de Direito Privado. RESPONSABILIDADE CIVIL EXIBIÇÃO DE


DOCUMENTOS Autora que pretende, com a presente medida, a exibição dos IP’s dos perfis indicados
na inicial e conversas promovidas pelo aplicativo Whatsapp dos grupos que também indica.
Deferimento ‘Conversas’ que apresentam conteúdo difamatório com relação à autora (inclusive
montagem de fotografias de cunho pornográfico). Alegação da agravante de que não possui gerência
sobre o Whatsapp (que, por seu turno, possui sede nos EUA). Descabimento. Notória a aquisição, pelo
FACEBOOK (ora agravante) do referido aplicativo (que no Brasil, conta com mais de 30 milhões de
usuários). Alegação de que o Whatsapp não possui representação em território nacional não impede o
ajuizamento da medida em face do FACEBOOK (pessoa jurídica que possui representação no país,
com registro na JUCESP e, como já dito, adquiriu o aplicativo referido). Serviço do Whatsapp
amplamente difundido no Brasil Medida que, ademais, se restringe ao fornecimento dos IP’s dos perfis
indicados pela autora, bem como o teor de conversas dos grupos (ATLÉTICA CHORUME e LIXO
MACKENZISTA), no período indicado na inicial e relativos a notícias envolvendo a autora – Medida
passível de cumprimento. Obrigatoriedade de armazenamento dessas informações que decorre do art.
13 da Lei 12.965/14 Decisão mantida Recurso improvido.
33

marco regulatório, violando a primeira parte do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição
da República, o que expressa que ninguém será privado da liberdade sem o devido
processo legal.

A proteção de dados pessoas, defesa de privacidade, intimidade e vida


privada não combinam, (...) com períodos indefinidos de acesso à registros
de conexão de internet. Pior, os registros de conexão não são dados
cadastrais não sensíveis. São dados pessoais que identificam e
individualizam quem está acessando a internet com esse determinado
endereço IP.50

Outro ponto que se discute em que se gera controvérsias é o sigilo dos


requerimentos feitos pelas autoridades policiais e administrativas, visto que se refere
ao que é público e privado nos procedimentos judiciais e extrajudiciais, gerando a
problematização do público e privado no âmbito dos inquéritos policiais e
administrativos. Com a informatização e digitalização dos processos, houve a
facilitação ao acesso de dados pessoais e processuais, pois o processo físico gerava
um fator impeditivo a maioria das pessoas de comparecer ao fórum e requerer um
processo público de alguém. Além da diversidade de informações e o acumulo de
dados, muitas vezes fragmentados, impedia o cruzamento de dados deles e a
consequente realização de perfil. Contudo, o fato do processo ser público e acessível
era uma proteção da cidadania contra o arbítrio.

A digitalização e a informatização dos processos romperam os obstáculos de


informações e localização espacial, tornando o acesso muito mais fácil, simples e
direto, permitindo utilizar as ferramentas para analisar todos os conteúdos e
informações existentes em cada processo. No entanto, com o advento da internet,
processos que antes eram públicos tornaram-se privados sem a justificativa da
proteção de dados pessoais das partes. A priori, efetivou uma segurança jurídica para
os tribunais, tornando mais célere os processos, contudo, para as autoridades policiais
e administrativas esse método ainda não se aplica, visto que é necessário para isso
a presença do elemento humano para averiguação das informações.

50 GONÇALVES, 2017. p. 116.


34

Os critérios para a aplicação de sanções previsto no parágrafo 6º, direciona para


os magistrados considerar a natureza e a gravidade da infração, os danos que
resultaram, a vantagem auferida pelo infrator, os agravantes, antecedentes e a
reincidência. Mediante a isso, supõe que seja justo a aplicação, porém são
considerados critérios indeterminados e altamente discricionários, pois “não há
segurança jurídica necessária para que os seus dados, mesmo que vazados, sejam
recuperados ou que possa se responsabilizar quem cometeu o ilícito” 51. Gonçalves
explica e crítica os critérios utilizados para orientar os magistrados:

Por outro lado, qualquer infração que envolva dados pessoais, privacidade,
intimidade e vida privada de uma pessoa é gravíssima e deve ser coibida em
alta monta para o infrator. (...) O antecedente será um benefício (...), mesmo
tendo cometido algo tão grave. E o mesmo pensamento pode se aplicar ao
critério de reincidência. Diariamente, vemos empresas que têm os seus
dados furtados, sem falar na administração pública. 52

5.1.2. O Artigo 15 e a Ausência De Limite De Ampliação De Prazo Superior Ao


Previsto No Parágrafo Segundo

O caput do artigo 15 do Marco Civil declara que o provedor de aplicações de


internet é constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de
forma organizada:

Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa


jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente
e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a
aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança,
pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.
§ 1º Ordem judicial poderá obrigar, por tempo certo, os provedores de
aplicações de internet que não estão sujeitos ao disposto no caput a
guardarem registros de acesso a aplicações de internet, desde que se trate
de registros relativos a fatos específicos em período determinado.
§ 2º A autoridade policial ou administrativa ou o Ministério Público poderão
requerer cautelarmente a qualquer provedor de aplicações de internet que os
registros de acesso a aplicações de internet sejam guardados, inclusive por

51 GONÇALVES, 2017, p. 119.


52 GONÇALVES, loc. cit.
35

prazo superior ao previsto no caput, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do


art. 13.
§ 3º Em qualquer hipótese, a disponibilização ao requerente dos registros de
que trata este artigo deverá ser precedida de autorização judicial, conforme
disposto na Seção IV deste Capítulo.
§ 4º Na aplicação de sanções pelo descumprimento ao disposto neste artigo,
serão considerados a natureza e a gravidade da infração, os danos dela
resultantes, eventual vantagem auferida pelo infrator, as circunstâncias
agravantes, os antecedentes do infrator e a reincidência. 53

Para este artigo, a obrigação se direciona aos provedores de aplicação de


internet, àqueles que oferecem serviços na Word Wide Web, devendo guardar os
registros de acesso às aplicações pelo prazo de seis meses, contados do evento
gerador do registro. Contudo, essas disposições contrariaram o entendimento firmado
pelo Superior Tribunal de Justiça54, o qual estabeleceu que os provedores de serviços
deveriam guardar os Registros por três anos.

53 BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres
para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l12965.htm
54 BRASIL, Recurso Especial nº1.398.985 MG, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento:

19/11/2013. CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. CDC. INCIDÊNCIA.


PROVEDOR DE CONTEÚDO. USUÁRIOS. IDENTIFICAÇÃO. DEVER. GUARDA DOS DADOS.
OBRIGAÇÃO. PRAZO. 03 ANOS APÓS CANCELAMENTO DO SERVIÇO. OBTENÇÃO DE DADOS
FRENTE A TERCEIROS. DESCABIMENTO. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 5º, IV,
DA CF/88; 6º, III, e 17 DO CDC; 206, §3º, V, E 1.194 DO CC/02; E 358, I, DO CPC.
1. Ação ajuizada em 17.05.2010. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 25.09.2013.
2. Recurso especial que discute a responsabilidade dos gerenciadores de fóruns de discussão virtual
pelo fornecimento dos dados dos respectivos usuários.
3. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.
Precedentes.
4. O gerenciador de fóruns de discussão virtual constitui uma espécie do gênero provedor de conteúdo,
pois esses sites se limitam a abrigar e oferecer ferramentas para edição dos fóruns criados e mantidos
por terceiros, sem exercer nenhum controle editorial sobre as mensagens postadas pelos usuários.
5. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários divulguem livremente suas
opiniões, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar
cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada imagem uma autoria certa e
determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, do dever de informação e do
princípio da transparência, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias
específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob
pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.
6. As informações necessárias à identificação do usuário devem ser armazenadas pelo provedor de
conteúdo por um prazo mínimo de 03 anos, a contar do dia em que o usuário cancela o serviço.
7. Não há como exigir do provedor de conteúdo que diligencie junto a terceiros para obter os dados
que inadvertidamente tenha apagado dos seus arquivos, não apenas pelo fato dessa medida não estar
inserida nas providências cabíveis em sede ação de exibição de documentos, mas sobretudo porque
a empresa não dispõe de poder de polícia para exigir o repasse dessas informações. Por se tratar de
medida cautelar de natureza meramente satisfativa, não há outro caminho senão reconhecer a
impossibilidade de exibição do documento, sem prejuízo, porém, do direito da parte de buscar a
reparação dos prejuízos decorrentes da conduta desidiosa.
8. Recurso especial parcialmente provido.
36

O Provedor de Aplicações é a pessoa jurídica que “presta serviços ou


comercializa produtos nas redes de informação e comunicação que não envolvam
acesso e conexão lógica de usuários”55. O objetivo intencionado pelo legislador foi de
estipular regras para os prestadores de serviços de internet com ou sem aplicações.

As informações relativas recebidas dos usuários da internet que acessem o seu


domínio, deverão ser guardadas pelo prazo de seis meses, conforme descreve o
caput. No entanto, o referido artigo não estipula quais informações deverão ser
mantidas sob sigilo e quais devem ser protegidas, tornando preocupante, visto que
por não haver uma delimitação de quais dados deverão ser protegidos e quais serão
apenas cadastrais. Por segurança, todas as informações devem ser guardadas,
codificadas a ponto de um usuário não ter acesso a elas, para evitar sanções por parte
do Poder Judiciário, no entanto, esse posicionamento gera incontáveis conflitos para
a efetividade do que a lei pretende, gerando assim: a) custos econômicos para se
manter uma estrutura para atender essa demanda, que serão repassados para o
preço dos serviços, tornando-os menos competitivos; b) e podem acarretar problemas
para a proteção da privacidade dos usuários, que estarão sob riscos de terem
informações sensíveis atacadas ou usadas por estas empresas.

A autoridade policial, administrativa ou o Ministério Público tem autorização a


pedir informações, sem a imposição de limites legais aos mecanismos de investigação
para defender os usuários do vigilantismo e dos desvios à privacidade. O professor
Gonçalves56 explica e critica:

O Marco Civil, no § 2o do art. 15, é porta de entrada para uma série de


possibilidades que não estariam no escopo inicial do projeto participativo,
construído socialmente. O discurso de busca de igualdade social não se vê
espelhado no texto desse artigo, que se distancia das lutas que ensejaram
esta “constituição” da internet.

A ausência de limitação de ampliação de prazo para a guarda dos prazos por


mais de seis meses gera um acumulo de informações cruciais para o usuário,
causando riscos desenfreados a integridade das informações, visto que a Autoridade

55 GONÇALVES, 2017, p. 124.


56
GONÇALVES, loc. cit.
37

Administrativa pode requerer a guarda de dados por um Provedor de Aplicações por


anos e anos, sem restrições. Com isso, o Estado de Vigilância perante o cidadão
cercá-lo-á por uma malha de poderes, que o circundarão, sem ter acesso aos
processos de investigação e de decisão, suas fundamentações, ou mesmo, sua
legalidade, fazendo-o reviver a angustia de Josef K., do livro O processo, de Franz
Kafka, em cada cidadão57.

5.1.2.1. Os Três Problemas Do Parágrafo Terceiro

A estrutura técnica e tecnológica de apoio ao magistrado não enseja garantia


efetiva para o cidadão, visto que não existe a garantia de que não ocorrerão desvios.
Embora o Poder Judiciário tenha construído o Procedimento Eletrônico, fica
impossibilitado por “não ter condições materiais e formais para decidir sobre questões
relativas às tecnologias de informação e comunicação”58.

O primeiro problema, segundo Gonçalves, é o próprio magistrado, pois não tem


conhecimento técnico mínimo para poder conduzir e entender o que seria uma prova
válida judicialmente, pois ela é produzida totalmente em sistemas informatizados 59,
não podendo distinguir o que é fato ou falso, impedindo-o de buscar a verdade
processual e material. Para contornar essa situação, assumem como verdadeiros atos
das autoridades policiais e administrativas, sem realizar análises mais aprofundadas,
somente pelo respeito institucional, sob os quais “estão envoltos em suposta lisura
institucional que a autoridade carrega consigo. Em questões estritamente técnicas,

57 O prazo indeterminado de guarda dos dados nos remete à investigação do jovem Josef K., do livro
O processo, de Franz Kafka, ao questionar os guardas pela investigação que se iniciava: “Que deseja?
Porventura acredita que poderá acelerar o curso de seu maldito processo discutindo conosco, que
somos apenas guardas, sobre os seus documentos de identidade e a ordem de prisão? Nós somos
apenas empregados inferiores que pouco sabemos de documentos já que nossa missão neste assunto
consiste somente em montar guarda junto a você durante dez horas diárias e cobrar nosso soldo por
isso. Aí está tudo o que somos; contudo, compreendemos bem que as altas autoridades a cujo serviço
estamos, antes de ordenar uma detenção, examinam muito cuidadosamente os motivos da prisão e
investigam a conduta do detido. Não pode existir nenhum erro. A autoridade a cujo serviço estamos, e
da qual unicamente conheço os graus inferiores, não indaga os delitos dos habitantes, senão que,
como o determina a lei, é atraída pelo delito e então somos enviados, os guardas. Assim é a lei, como
poderia haver algum erro?”
58 GONÇALVES, 2017, p. 129.
59
GONÇALVES, loc. cit.
38

estes pré-conceitos institucionais inviabilizam a pacificação social e a busca da


verdade.60”

O segundo problema reflete ao Poder Judiciário que não tem estruturas


adequadas para garantir a lisura das provas produzidas no processo eletrônico
tenham condições de serem analisadas, respeitando os princípios do contraditório,
ampla defesa e o devido processo legal. Além disso, a ausência de orientações ou
procedimentos para ser periciados o objeto da lide, os softwares necessários para se
obter a prova pretendida, consequentemente a falta de peritos de sistemas
informatizados com formação acadêmica necessária para realizar a perícia, são as
causas que tornam dúbias as provas.

O terceiro problema visa a falta no procedimento eletrônico de um lugar físico ou


lógico construído e arquitetado para ser a cadeia de custódia das pericias em sistemas
informatizados. Sem isso, não há como o magistrado decidir sem ser questionado da
lisura e incorruptibilidade da prova por fatores exógenos, capazes de definir o caso.
Sem isso, “não há como prender ou condenar alguém que cometeu ilícitos por meio
das tecnologias de informação e comunicação.61”

5.1.3. A Responsabilidade Por Danos Causados Por Terceiros Segundo o Artigo


19

Antes da elaboração da lei do Marco Civil da Internet, as decisões judiciais em


que condenavam provedores de serviços com base em conteúdo gerado por terceiros
eram inúmeras, mesmo tendo a colaboração com a autoridade judicial em identificar
a autoria do crime eletrônico e removê-la do ar. Jesus explica que:

Em muitos casos, mesmo colaborando com a autoridade judicial,


identificando a autoria do crime eletrônico e removendo o conteúdo do ar,
ainda assim provedores eram condenados, por terem “disponibilizado o meio”
para a divulgação do conteúdo ou mesmo por “não terem fiscalizado os

60 GONÇALVES, loc. cit.


61 JESUS, 2014, p. 129.
39

conteúdos que hospedavam”, o que hoje, sabe- se, é tarefa difícil de ser
realizada.62

Com a elaboração do Marco Civil, pretendia-se resolver a dificuldade enfrentada


pelos provedores de serviços, em que só poderia ser responsabilizado por conteúdo
gerado por terceiros se, e somente se, após a emissão de ordem judicial, não
tomassem medidas para indisponibilizar o referido conteúdo. Contudo, o artigo não
expressa se o provedor poderia ser responsabilizado caso não fornecesse os registros
necessários à apuração da autoria do delito após a emissão de ordem judicial. Junior
explica que:

O serviço não será defeituoso, nem tampouco o provedor de acesso ou


proprietário do site terá faltado com seu dever de informação e segurança, se
procurou diligenciar no sentido de se cercar de todos os cuidados que a
ciência da técnica poderia propiciar, para colocar à disposição um ambiente
o mais seguro possível ao seu cliente. Para efeito de se aferir esse fato,
deverá ser levada em consideração a época em que ocorrer o evento danoso,
principalmente em razão do rápido avanço da tecnologia da informática63.

No mesmo sentido, Marcel Leonardi leciona:

Responsabilizar objetivamente qualquer provedor de serviços de Internet


pelos atos de seus usuários traria, como consequência imediata, o
estabelecimento de políticas agressivas de censura da conduta de tais
usuários, configurando uma injusta limitação à privacidade e à liberdade de
expressão destes.64

Os pedidos pelos advogados, para que seja expedido mandado judicial contra
os provedores, em grande maioria, são mal formulados, visto o desconhecimento do
funcionamento dos serviços oferecidos e a internet, tanto que, nas decisões judiciais,
ao determinar o cumprimento ao provedor de retirar determinado conteúdo, ignoram
o funcionamento do serviço, implicando sobre o seu funcionamento tecnológico,

62 JESUS, 2014, p. 65.


63JÚNIOR, Antônio Lago. Responsabilidade civil por atos ilícitos na internet. São Paulo: LTr, 2001,
p. 94.
64 LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de internet. Editora Juarez de

Oliveira, 2005. p. 49.


40

afetando principalmente quem são os responsáveis pelo serviço, procedimentos


técnico jurídicos para a implementação da medida, além do risco de violar os direitos
humanos dos investigados e se será cumprida a finalidade proposta pela medida. Para
um melhor aproveitamento, o mandado judicial deverá ser limitado pelas questões
técnicas e pelas normas jurídicas, não podendo perpetuar uma ofensa aos direitos
fundamentais do investigado, apenas na finalidade da persecução investigativa, nos
limites técnicos dos serviços fornecidos pelo provedor e nos direitos fundamentais do
usuário, construindo assim uma moldura investigativa que seja clara e transparente.

Um problema encontrado nesse artigo fica evidenciado no parágrafo terceiro, ao


inovar e trazer para os Juizados Especiais Cíveis a competência para julgar casos de
internet, colocando em risco as garantias e direitos constitucionais dos usuários de
internet, pois as provas digitais divergem do Enunciado nº 12 do Fórum Permanente
de Coordenadores dos Juizados Especiais do Brasil, o qual dispõe: “a perícia informal
é admissível na hipótese do artigo 35 da lei 9.099/95”65. O professor Humberto
Theodoro Junior entende que:

A prova técnica é admissível no Juizado Especial, quando o exame do fato


controvertido a exigir. Não assumirá, porém, a forma de uma perícia, nos
moldes habituais do Código de Processo Civil. O perito escolhido pelo Juiz,
será convocado para a audiência, onde prestará as informações solicitadas
pelo instrutor da causa (art. 35, caput). Se não for possível solucionar a lide
à base de simples esclarecimentos do técnico em audiência, a causa deverá
ser considerada complexa. O feito será encerrado no âmbito do Juizado
Especial, sem julgamento do mérito, e as partes serão remetidas à justiça
comum. Isto porque os Juizados Especiais, por mandamento constitucional,
são destinados apenas a compor ‘causas cíveis de menor complexidade’ (CF,
art. 98, inc. I).66

5.1.4. Artigo 20: Preconceito Contra as Culturas?

A redação do artigo 20 relata que o titular do conteúdo deverá ser avisado e


comunicado sobre todos os detalhes que resultaram na remoção de seu conteúdo do

65Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a
apresentação de parecer técnico. Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou
a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa
de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado.
66 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2007, v. III, p. 436.


41

ar, tendo a possibilidade de exercer o contraditório e ampla defesa, salvo se a decisão


judicial determinar em sentido contrário. À primeira vista, o disposto pelo artigo não
gera confusão, porém, ao aprofundar o entendimento, gera confusão quando se
interpreta, pois se torna nebuloso qual será a função do provedor nessa situação. Ao
interpretar essa determinação, poderá dar permissão ao provedor a uma atitude
proativa, a fim de realizar censura prévia em seu conteúdo e informar o usuário sobre
as atividades por ele realizadas, ocorrendo, assim, uma dúbia interpretação do artigo.

Diante disso, o que recorrente acontece é a retirada de conteúdo por infração


aos Termos de Uso e de Privacidade, disposto pelos maiores provedores de aplicação
do mundo, tais como Google, Facebook e Twitter, por exemplo. Embora tenha milhões
de pessoas que façam parte de pelo menos um desses provedores, apenas uma
pequena parcela lê esses termos, porém, esses usuários jamais deixariam de utilizar
os serviços por conta dos termos de uso67. Não existe orientação no Marco Civil de
como fazer o procedimento da prática de retirada de conteúdo estabelecidas nos
Termos de Uso e de Privacidade dos provedores de aplicação de internet,
ocasionando assim um preconceito contra a cultura.

Para exemplificar o preconceito do artigo 20, uma publicação do Ministério da


Cultura fora censurada pelo Facebook, pois na publicação estava a foto de uma índia
botocuda que estava numa árvore com os seios à mostra. Para as diretrizes da rede
social, tal foto viola os termos por se tratar de pornografia, contudo o Ministério
reclamou com a retirada arbitrária e totalmente descabida, visto que não se trata de
pornografia, e sim acervo histórico do país 68. Outro caso que demonstra esse
preconceito é em relação as campanhas de prevenção contra o câncer de mama 69.

67 Existem projetos na internet que tentam melhorar a percepção dos usuários aos termos de uso e
privacidade. Um deles é o Terms of Service; Didn’t Read (Termos de serviço que não lemos. Disponível
em: <https://tosdr.org/>). Esse serviço possui um aplicativo que informa quais são os pontos fortes e
fracos dos termos de uso e de privacidade dos sites que o usuário está acessando.
68 Disse o Ministro Juca Ferreira: “Para nós é grave, porque é uma agressão à nossa soberania, à

nossa legislação. É um desrespeito à nossa diversidade cultural e aos índios do Brasil. Se os índios
não podem aparecer como são, o recado é que precisam se travestir de não indígenas, o que é uma
crueldade muito grande – afirmou o ministro da Cultura, Juca Ferreira, acrescentando: – Em nenhum
momento, o Facebook recebeu o aval para censurar o Estado brasileiro ou o Ministério da Cultura.”
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/midia/ministerio-da-cultura-vai-entrar-na--justica-
contra-facebook-por-foto-de-india-bloqueada-1-15910229>.
69 Uma ONG argentina de combate à doença lançou um vídeo bem-humorado, criativo e muito irônico

onde ensina a identificar possíveis anormalidades nos seios e axilas. No entanto, como as redes sociais
não permitem a exposição de seios nem mesmo por esta ótima causa, a campanha avisa:
“Encontramos um par de tetas incensuráveis: as do Henrique!”. Disponível em:
42

Embora seja uma campanha argentina, está implícito a censura feita, mesmo o tema
seja de relevância mundial.

Com isso, a evidência de violações dos direitos humanos contra a cultura torna
evidente o preconceito contra a cultura de um país e de um mal que acomete as
mulheres de todo o mundo, tão somente por não adequar os princípios de direitos
humanos em suas práticas tecnológicas e nos Termos de Uso e Privacidade. Virgílio
Afonso da Silva argumenta sobre um julgado do STF sobre o sentido de defender a
aplicação dos princípios de direitos humanos aos sujeitos de direito privado:

Segundo o ministro (Marco Aurélio de Mello), ‘a garantia da ampla defesa


está insculpida em preceito de ordem pública’, razão pela qual não pode ser
desobedecida em nenhum âmbito. A aplicação direta do direito à ampla
defesa no caso em questão conferiu um direito subjetivo aos associados
expulsos da cooperativa a serem a ela reintegrados e serem julgados mais
uma vez, respeitando-se, então, esse direito fundamental. O caso,
originariamente um simples caso de direito privado, visto que houvera um
desrespeito a uma norma estatutária da cooperativa, que previa um
determinado procedimento para a expulsão de associados, transforma-se,
com as decisões de instâncias inferiores favoráveis à cooperativa, um caso
envolvendo direitos fundamentais – daí a propositura do recurso
extraordinário.70

Nesse sentido, os direitos humanos não devem ser aplicados de forma absoluta,
e sim analisados pelo provedor ao aplicar as sanções presentes em seus termos de
uso, de forma a ser condição primordial, segundo o Marco Civil, o respeito aos direitos
humanos, para o atendimento e execução das práticas de retirada de conteúdo,
informando sobre a possível infração, para que seja instaurado o devido processo
legal, contraditório e ampla defesa, sendo ressalvado que a não ocorrência gerará
responsabilização do provedor por abuso de direito.

5.2. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

https://www.hypeness.com.br/2016/10/campanha-usa-humor-e-criatividade-para-burlar-censura-a-
seios-nas-redes-sociais-e-falar-sobre-cancer-de-mama/.
70SILVA, Virgílio Afonso. Constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93.
43

A Lei nº 13.709/2018, inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados


europeu, objetiva em seu artigo primeiro sobre o tratamento de dados pessoais por
pessoas naturais ou por pessoas jurídicas de direito público ou privado, inclusive nos
meios digitais, a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e
o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Para melhor compreensão sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais,


será realizado uma breve análise sobre a evolução histórica e das legislações
correlatas, apresentando algumas considerações a respeito da referida lei, seus
objetivos, fundamentos, aplicabilidade e princípios.

5.2.1. Evolução Histórica e Suas Leis Setoriais

Ao longo dos anos, diversos modelos de organização social foram passados pela
sociedade, sendo que, em cada período, segundo Bioni, “existiu um elemento central
para o seu desenvolvimento, sendo o modo pelo qual ele se estruturou o fator
determinante para se estabelecer os seus respectivos marcos históricos” 71. Após a
Segunda Guerra Mundial, as informações pessoais dos cidadãos ganharam
relevância para a programação de ações com o intuito de um crescimento constante72.

Com isso, em conjunto com a globalização e o avanço tecnológico, houve uma


dependência cada vez maior de bases de dados pessoais, diante do avanço dos
negócios em torno da economia digital73. Com um cenário de desigualdade perante o
direito de proteção da privacidade e intimidade das pessoas com o aumento no
processamento de dados, devido ao aumento em progressão geométrica do
compartilhamento de informações e no progresso da inteligência artificial, o elemento
central passou a solicitar normas para a proteção de dados pessoais74.

Antes de ser publicado e vigorar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais,


havia apenas normas setoriais sobre a proteção de dados pessoais, destacadas por

71 BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de Dados Pessoais: A função e os limites do consentimento.


Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019, p. 3.
72 SILVA, 2008. p. 113.
73 PINHEIRO, Patrícia Peck. Proteção de dados pessoais: comentários à Lei n. 13.709/2018 LGPD.

São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 17.


74 BIONI, 2019, p. 4.
44

meio da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor, da Lei do


Cadastro Positivo, a Lei de Acesso à informação, Lei Carolina Dieckmann, Marco Civil
da Internet e outras legislações esparsas.

A Carta Magna assegurou em seu artigo 5º, inciso X, a inviolabilidade da


intimidade, vida privada, honra e a imagem das pessoas, sendo assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação. Além disso,
estabeleceu, no inciso LXXII, a possibilidade de impetrar habeas data a fim de
assegurar o conhecimento de informações relacionadas à pessoa do impetrante,
presentes nos bancos de dados ou registros de entidades governamentais ou de
caráter público75.

Acerca do banco de dados de informações de consumidores, o Código de


Defesa do Consumidor optou por conceder direitos como acesso, retificação,
cancelamento, bem como princípios relacionados com a transparência e limitação
temporal para que o consumidor possa exercer o controle de suas informações, tendo
uma autodeterminação informacional76.

Para determinar procedimentos a serem observados pelos órgãos públicos, a


Lei de Acesso à Informação veio cumprir o objetivo de garantir o acesso a informações
a todos, conforme previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal. 77 A
fim de formar banco de dados de adimplentes para a finalidade de concessão de
créditos, surgiu a Lei do Cadastro Positivo, que dentre os direitos previstos, o titular
dos dados pessoais possui o dever de gerenciá-los, tendo o referencial da
autodeterminação informacional78.

Diante do caso midiático de exposição de fotografias íntimas da atriz Carolina


Dieckmann, o qual repercutiu por causa da invasão de dispositivo informático, a Lei

75 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Presidência da República, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
76 BIONI, 2019, p. 127.
77 OLIVEIRA; Marco Aurélio Belizze; LOPES, Isabela Maria Pereira. Os princípios norteadores da

proteção de dados pessoais no Brasil e sua otimização pela Lei 13.709/2018. In: TEPEDINO,
Gustavo; FRAZÃO, Ana; OLIVA, Milena Donato. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas
repercussões no Direito Brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 65.
78 BIONI, op. cit. p. 129.
45

12.737 de 2012 tipificou como crime a invasão de dispositivo informático alheio,


gerando o aumento da proteção da privacidade dos usuários79.

Por causa de uma denúncia realizada por Snowden, no escândalo de


espionagem do governo americano, entrou em vigor o Marco Civil da Internet,
estabelecendo direitos e garantias do cidadão para uso da internet no Brasil.

Mesmo com a proteção dos dados pessoais estarem em leis esparsas, houve a
necessidade da criação de uma norma capaz de observar os princípios
internacionalmente aderidos. O tema repercutiu na União Europeia, ocorrendo a
aprovação do Regulamento Geral de Proteção de Dados, versando sobre a proteção
de dados pessoais das pessoas físicas e o modo de como é realizada as operações
com tais informações.

5.2.2. Considerações Iniciais e Aplicabilidade

De acordo com o artigo 2º da LGPD, a fundamentação da matéria de proteção


de dados pessoais possui relação com o texto constitucional no que diz respeito à
proteção aos direitos fundamentais, garantindo a privacidade, intimidade, honra,
imagem e dignidade, sendo elucidado que o respeito à privacidade está relacionado
em que seja oportunizado que a pessoa tenha o controle do que está permitindo na
sua vida privada, decidindo sobre a inclusão ou não de terceiros, sendo, para isso,
necessário à autodeterminação informativa. Nisso:

(...) o fundamento da autodeterminação informada soma a possibilidade de


manifestação de vontade do titular, que não poderá ser impedida por
terceiros, com a obrigação do controle em prestar informações sobre os seus
dados80.

Cabe ainda que, se for violado os direitos de terceiros, acerca das operações
não permitidas de dados pessoais, deve-se dar a prioridade para a proteção da

79 COTS, Márcio; OLIVEIRA, Ricardo. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Comentada. 2. ed.
São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 35.
80 COTS, OLIVEIRA, 2019. p. 49.
46

privacidade. A inviolabilidade da intimidade, honra e imagem, estão associados à


personalidade. Alonso ensina que:

A intimidade é o âmbito interior da pessoa mais profundo, mais recôndito,


secreto ou escondido dentro dela. É, assim, algo inacessível, invisível, que
só ela conhece, onde ela só elabora ou constrói livremente seu próprio agir e
onde se processa sua via interior. Na intimidade a pessoa constrói-se e
descobre-se a si mesma81.

O artigo 3º da LGPD estabelece a delimitação da aplicabilidade:

Art. 3º Esta Lei aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por


pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado,
independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam
localizados os dados, desde que:
I - a operação de tratamento seja realizada no território nacional;
II - a atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de
bens ou serviços ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no
território nacional; ou
III - os dados pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados no
território nacional.
§ 1º Consideram-se coletados no território nacional os dados pessoais cujo
titular nele se encontre no momento da coleta.
[...]82.

Essa Lei possui abrangência quanto aos seus destinatários, vez que sua
aplicação incidirá em qualquer operação de tratamento de dados realizados por
pessoa natural ou jurídica de direito privado ou público na qualidade de controladora
ou operadora, recaindo, ainda, sua aplicação independente do meio o qual os dados
estejam alocados e operados. Ou seja, a lei incidirá até mesmo no meio físico, off-
line, não apenas nos meios digitais como estabelece o Marco Civil da Internet83. A

81 ALONSO, 2005 apud COTS, OLIVEIRA, 2019, p. 52.


82 BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Brasília, DF: Presidente da República, 2018. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm
83 MENEZES, Joyceane Bezerra de; COLAÇO, Hian Silva. Quando a lei geral de proteção de dados

não se aplica. In: TEPEDINO, Gustavo; FRAZÃO, Ana; OLIVA, Milena Donato. Lei Geral de Proteção
de Dados Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
2019. p. 192.
47

aplicação da lei não dependerá da localização da sede da empresa ou da proveniência


dos dados, ou seja, caso alguma das etapas tenham sido realizadas em território
nacional, tanto a coleta quanto o processamento, terão como norma a LGPD84. Ainda,
acerca da atividade de oferta ou fornecimento de bens ou serviços, incidirá essa lei,
independentemente se a empresa armazene os dados fora do país, terão que cumprir
as exigências da LGPD85.

5.2.2.1. Exceções De Aplicabilidade

Para garantir a privacidade da pessoa natural em relação aos agentes


econômicos e do Estado, a LGPD elencou em seu artigo 4º exceções quanto a
aplicabilidade da Lei ao tratamento de dados pessoais realizado por pessoa natural
para fins exclusivamente particulares e não econômicos; exclusivamente jornalísticos,
artísticos ou acadêmicos; fins de interesse público especifico; e tratados fora do
território nacional. Porém, a alegação de inaplicabilidade da lei não é possível sem
resultar em dano moral ou, ainda, em ilícito penal86.

As atividades de cunho artístico, entende-se que expressa o direito de


personalidade, com efeito da capacidade criativa, sendo protegidas pelo artigo 7º da
Lei de Direito Autoral, sendo incluída na listagem de obras intelectuais protegidas pela
criatividade do espirito humano87.

A fiscalização, no que se refere à finalidade exclusivamente acadêmica, cuja


autonomia encontra-se prevista no artigo 207 da Carta Magna, é realizada pelos
comitês de ética e pelas vias comuns, não necessitando do controle da LGPD. No
entanto, a lei menciona a aplicação dos artigos 7º e 11 quanto às hipóteses legais do
tratamento de dados pessoais e de dados pessoais sensíveis, de forma reduzida a
ser aplicada88. Nesse sentido, Cots e Oliveira89 explicam que:

84 MENEZES, COLAÇO, loc. cit.


85 PINHEIRO, 2018, p. 30.
86 MENEZES; COLAÇO, op. cit. p. 195.
87 BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre

direitos autorias e dá outras providências. Brasília, DF: Presidente da República, 1998. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm
88 COTS, OLIVEIRA, 2019, p. 66.
89 Ibid., p. 67.
48

O Legislador, ao nosso ver, havia pretendido conter o ímpeto da iniciativa


privada, que poderia se dedicar ao tratamento de dados pessoais sob o
manto da produção acadêmica, mas com finalidades meramente comerciais.
Um bom exemplo poderia ser estudos acadêmicos relativos ao
desenvolvimento de novos medicamentos ou técnicas em saúde, com
formação de banco de dados pessoais que poderia ser utilizado,
indevidamente, em detrimento dos titulares.

A terceira hipótese refere-se ao tratamento de dados pessoais de atividades de


interesse público específico, para fins exclusivos da segurança pública, defesa
nacional, repressão de infrações penais, segurança do Estado e atividades de
investigação. Contudo, no ato da identificação da prática do crime, será tutelada pela
lei em que se encontrar escrito a Conduta Típica Antijurídica de Culpabilidade, não
mais pela LGPD.

A última hipótese prevista pela lei refere-se ao tratamento de dados realizado no


exterior que não sejam manuseados e nem referentes a pessoas localizadas em
território nacional. Nesse caso, o tratamento de dados fora do território nacional
deverá ser interpretado de forma restritiva, pois a regra é que caso ocorra no Brasil
alguma das etapas do tratamento de dados, mesmo que seja oriundo do exterior, a lei
brasileira é a que prevalecerá90.

5.2.2.2. Privacidade Paradigmática

Na perspectiva histórica, o atual excesso de conectividade da vida moderna


compartilhados pela Internet e dispositivos eletrônicos podem ser vistos como uma
anomalia. Como regra, a vida social humana estava confinada às comunidades
limitadas em sua maior parte rurais, sendo a urbanização o fator recente, o que
aglutinou a população mais perto de onde as interações se tornaram mais frenéticas,
e que integraram o que criou a necessidade crescente de proteger a intimidade se
esfacelava à medida que a vida urbana concentrava mais e mais pessoas. Por se

90 BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Brasília, DF: Presidente da República, 2018. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm
49

tratar de um problema nativamente moderno, encontramos uma maior preocupação


com a privacidade por juristas em um mundo pós Revolução industrial, onde a onda
de urbanização de fato tomou propulsão.

O marco do avanço da discussão sobre o direito de privacidade teve como


origem no termo cunhado pelo juiz americano Thomas Cooley, que expressou a frase
“the right to be let alone” em 1880, cujo termo foi expandido por Samuel D. Warren e
Louis D. Brandeis com o artigo intitulado “The Right to Privacy”, em que os autores
evidenciaram a ocorrência de transformações sociais, políticas e econômicas, bem
como o surgimento de novos inventos que contribuíram para a ocorrência de violações
da vida privada das pessoas91. Para eles, a criação desse novo modo de difusão da
informação proporcionados pelas novas tecnologias causariam um tipo de “sofrimento
espiritual”, ao invadirem a intimidade de outrem, e uma angustia que extrapolam os
meros danos pessoais92.

A questão principal neste artigo na discussão em andamento sobre privacidade


é observando que o progresso tecnológico já era um motivo para consideração legal
que eles poderiam vir a apresentar alguma forma de perigo à privacidade do indivíduo.
Ainda mais verdadeiro na realidade de hoje, onde as informações são capturadas e
armazenadas tornou-se um modelo de negócios padrão, privando o indivíduo sua
capacidade de reagir, pois, por muitas vezes, os agentes que retém suas informações
são conglomerados econômicos ou até mesmo impossíveis de serem identificados
por meio de jogadas burocráticas, desinformação e a própria ignorância sobre como
seus dados são utilizados que muitas vezes é promovido por empresas por meio de
atitudes questionáveis, contratos muito volumosos e vagos quando são obrigatória a
utilização do serviço prestado.

Deve-se levar em conta que o sigilo também visa proteger aspectos mais
utilizáveis como informações, senhas e segredos que se expostos podem causar
danos ou por a vítima em alguma situação desfavorável, e é este paradigma da
privacidade: a proteção do indivíduo contra invasões para roubo de informações que
possam ser usadas ou que possam gerar vantagem ardilosa para terceiros. Com o

91 ZANINI, L. E. (2015). O surgimento e o desenvolvimento do right of privacy nos Estados Unidos.


Revista Brasileira de Direito Civil.
92 FORTES, V. B. (2016). Os direitos de privacidade e a proteção de dados pessoais na internet. Rio

de Janeiro: Lumen Juris.


50

avanço tecnológico, a capacidade de captação quase infinita e de armazenamento de


informações se tornou, de certa forma, o maior perigo a privacidade atualmente,
moldando-se de forma que não mais se assemelha ao método anterior, em que o
agente invadia para obter informação. Hoje, o próprio individuo cede seus dados de
forma irresponsável, as vezes exigida, a terceiros de forma legitima, travestidos de
cadastros, assinaturas ou até de pesquisas de opinião na qual, ao final, para “validar”
a resposta é necessária a inserção de dados pessoais.

Nisso, o atual paradigma da privacidade, em perspectiva contextualizada, não


só deve lidar com os ilícitos do passado, como os métodos lícitos atuais.

Em perspectiva histórica mais recente, Tapper (1973) identifica duas


maneiras de violação de privacidade. A primeira consiste na coleta de
informações pessoais a segunda concentra-se no seu uso. O primeiro modo
de violação da privacidade pode ser realizado de dois modos: ilícito, quando
clandestinamente, alguém coleta informações pessoais, a fim de descobrir
aquelas que ainda não se tornaram públicas; lícito quando voluntariamente
um indivíduo fornece informações pessoais para uma finalidade e, sem seu
consentimento, tais informações são disponibilizadas para finalidade
diversa.93

Vale ressaltar que a modernidade trouxe novas maneiras de cometer atos


ilícitos, burlando o direito constitucionalmente assegurado da privacidade, sendo
essencial que, se realize a análise para a averiguação de que as leis vigentes no
ordenamento jurídico atual são suficientes e capazes de suprir a necessidade de
proteção à privacidade ensejada pelos avanços tecnológicos. Destaca-se que para
uma possível análise mais precisa, para produzir resultados relevantes para o quadro
atual na privacidade das pessoas que se encontram, é necessário a compreensão de
que existe certo conflito de entendimento acerca do próprio conceito de privacidade,
em que assume duas ideias distintas que se complementam: a privacidade
propriamente dita e a confidencialidade.

Estas duas faces, muitas vezes confundidas, conjuntamente formam aquilo que
se entende a privacidade em lato sensu, unindo duas frentes distintas sobre os dados
pessoais: o acesso e a circulação. “Essa confusão de duas ideias bem diferentes. A

93FORTES, V. B. (2016). Os direitos de privacidade e a proteção de dados pessoais na internet. Rio


de Janeiro: Lumen Juris.
51

primeira é o controle de acesso à pessoa. Isso é privacidade. A segunda é o controle


de fluxo de informações sobre a pessoa. Isso é a confidencialidade”.94 Ainda mais
perigosa se torna esta situação ao se averiguar que o atual paradigma da privacidade
se dá justamente sobre o campo da circulação desenfreada das informações, em que
grandes corporações e entidades governamentais se utilizam das redes de conexão
e capacidade de processamento para tornar o fluxo de informações trocadas e
compartilhadas mais aceleradas.

Para a confidencialidade, as tecnologias que mais preocupam são as


capacidades de armazenamento e análise de informações. As bases de
dados disponíveis hoje estão em uma escala exponencialmente maior do que
aquelas disponíveis até alguns anos atrás, e só estão crescendo. Os dados
podem ser copiados, transferidos, armazenados, arquivados, ou baixado em
todo mundo. Pode ser difícil rastrear para onde os dados foram e as ameaças
à segurança de dados estão se tornando cada vez mais sofisticadas. 95

O conceito de privacidade desde a criação objetiva sobre a necessidade de se


criar sistemas que desde sua concepção integrem em sua arquitetura mecanismos,
métodos e funcionalidades que venham garantir a privacidade de algum aparelho ou
aplicação, que leve em conta a atual conjuntura de coleta e processamento de dados,
de forma que se consiga garantir a máxima experiencia ao usuário e que preserve
seus dados pessoais.

A privacidade também deve ser abordada a partir da mesma perspectiva do


pensamento de design. A privacidade deve ser incorporada aos sistemas e
tecnologias de dados em rede, por padrão. A privacidade deve se tornar parte
integrante das prioridades organizacionais, objetivos do projeto, processos
de design e operações de planejamento. A privacidade deve ser incorporada
em todos os padrões, protocolos e processos que afetam nossas vidas. Este
documento visa tornar isso possível, esforçando-se para estabelecer uma

94 “This confusion of two quite diferrent ideas. The first is controlo of access to the person. This is privacy.
The second is the control of the flow of information about the person. This is confidenciality”. FRANCIS,
L. (2013). On privacy. In: J. M. ADEODATO, Human rights and the problem of legal justice (p. 163-175).
São Paulo: Neoses.
95 “For confidentiality, the technologies of greatest concern are capabilities for information storage and

analysis. Data bases avaliable today are on an exponentially grander scale the those avaliable even
few years ago, and are only growing. Data can be copied, transferred, stored, erased, or downloaded
worldwide. It may be difficult or impossible to trace where data have gone and threats to data security
are becoming ever-more sophisticated.” FRANCIS, L. (2013). On privacy. In: J. M. ADEODATO, Human
rights and the problem of legal justice (p. 163-175). São Paulo: Neoses.
52

estrutura universal para a proteção da privacidade mais forte disponível na


era moderna.96

5.2.2.3. Segurança da informação e dos dados

Os dados pessoais das pessoas são tão valiosos para o mercado que elas
mesmo não percebem, até o momento que uma simples falha de segurança as deixa
vulneráveis. Algoritmos são alimentados diariamente com informações pessoais que
indicam o modo de pensar e o desejo das pessoas, elaborando perfis de consumo
dos usuários, com fins de publicidade direcionada e venda desses dados para outras
empresas. De acordo com Ricardo:

Nesse sentido, a proteção da privacidade passa pela proliferação dessas


práticas comerciais de “big data”, “targeting” e “profiling” dos usuários,
deixando as pessoas presas dentro de uma realidade on-line customizada
(“tailored reality”).97

O direito à eliminação de dados está previsto no artigo 18 da LGPD, que


estabelece que o titular poderá solicitar ao controlador, a qualquer momento e
mediante requisição:

Art. 18. O titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em
relação aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante
requisição:
I - confirmação da existência de tratamento;
II - acesso aos dados;

96 “Privacy, too, must be approached from the same design-thinking perspective. Privacy must be
incorporated into networked data systems and technologies, by default. Privacy must become integral
to organizational priorities, project objectives, design processes, and planning operations. Privacy must
be embedded into every standard, protocol and process that touches our lives. This document seeks to
make this possible by striving to establish a universal framework for the strongest protection of privacy
available in the modern era” CAVOUKIAN, A. Privacy by design: the 7 foundational principles -
implementation and mapping of fair information practicies. Disponível em Internet Achitecture
Board: https://iab.org/wpcontent/IAB-uploads/2011/03/fred_carter.pdf.
97 RICARDO, Sérgio. A regulação jurídica da proteção de dados pessoais no Brasil. Monografia

de pós-graduação – Curso de Direito da propriedade intelectual da PUC- Rio, Pontifícia Universidade


Católica do Rio de janeiro. Rio de Janeiro, 2018.
53

III - correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados;


IV - anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários,
excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto nesta Lei;
V - portabilidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou produto,
mediante requisição expressa, de acordo com a regulamentação da
autoridade nacional, observados os segredos comercial e industrial;
VI - eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular,
exceto nas hipóteses previstas no art. 16 desta Lei;
VII - informação das entidades públicas e privadas com as quais o controlador
realizou uso compartilhado de dados;
VIII - informação sobre a possibilidade de não fornecer consentimento e sobre
as consequências da negativa;
IX - revogação do consentimento, nos termos do § 5º do art. 8º desta Lei

Essa regra é estabelecida pelo fato de que milhões de vidas estão conectadas e
são numeradas com esses algoritmos automatizados, sendo a grande maioria deles
feitos por inteligência artificial. As organizações que trabalham com os dados pessoais
devem observar o disposto na Lei, pois para elas é obrigatório está de acordo com as
normas e implantar os procedimentos necessários para garantir a segurança, para
evitar as penalidades sancionadoras previstas.

Quando ocorre um incidente em que há vazamento de dados pessoais, as


consequências para quem é vítima é de insegurança, e as sanções para a empresa
que por negligência e inobservância da norma estão asseguradas na Lei de Proteção
de Dados. Para evitar que ocorram vazamentos ou incidentes que coloquem em risco
a proteção e a integridade desses dados, a empresa mantem um banco de dados,
que devem ser mantidos em segurança, o qual contém uma série de informações
pessoais dos seus clientes ou colaboradores.

Para a segurança da informação, os processos e procedimentos deverão


assegurar a disponibilidade, integridade e confidencialidade de todas as formas de
informação, ao longo de todo o ciclo de vida do dado. Assim, caberá aos agentes
responsáveis pelo tratamento adotar as medidas de segurança técnicas adequadas e
especificas para assegurar de maneira eficiente e suficiente a lisura desses dados.
Conforme previsto no artigo 47 da LGPD, será de responsabilidade solidária dos
agentes de tratamento ou de qualquer outra pessoa que venha a intervir em uma das
fases do tratamento, garantindo a segurança dos procedimentos para a preservação
para fins de apuração em auditoria.
54

Para uma abordagem correta sobre incidentes de segurança, deverá ser


elaborado previamente um plano de respostas a incidentes, tendo a devida
comunicação a autoridade nacional e titulares e a aplicação de medidas que mitiguem
ou que possam neutralizar os riscos ou danos causados. Para o plano de resposta a
incidentes, deverá englobar a todos os funcionários da empresa, mesmo aqueles de
baixo escalão, visto que devem informar sobre qualquer tipo de irregularidade
operacional relacionada a proteção de dados. Caso não haja a notificação, poderá
sofrer penalidades, sendo necessário criar um fluxo de comunicações que facilitem a
chegada da informação sobre o vazamento de dados, para que as medidas possam
ser tomadas, devendo também estar integrados ao plano os prestadores de serviços
que processam os dados.

A autoridade nacional de proteção de dados e titulares deverão ser comunicados


quanto a qualquer incidente e vazamentos de dados pessoais, devendo o controlador
em conjunto com a autoridade nacional analisar qual será as medidas necessárias
para neutralizar os riscos causados pelos incidentes, devendo ser o mais transparente
possível e de forma estratégica.

De acordo com o artigo 38 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais:

Art. 38. A autoridade nacional poderá determinar ao controlador que elabore


relatório de impacto à proteção de dados pessoais, inclusive de dados
sensíveis, referente a suas operações de tratamento de dados, nos termos
de regulamento, observados os segredos comercial e industrial. Parágrafo
único. Observado o disposto no caput deste artigo, o relatório deverá conter,
no mínimo, a descrição dos tipos de dados coletados, a metodologia utilizada
para a coleta e para a garantia da segurança das informações e a análise do
controlador com relação a medidas, salvaguardas e mecanismos de
mitigação de risco adotados98.

Segundo Alves, o encarregado responsável pela proteção de dados poderá ser


alguém da área de Tecnologia da Informação, advocacia ou alguém que for
encarregado, importando apenas que as pessoas que auxiliarem esse encarregado

98
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Brasília, DF: Presidente da República, 2018. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm
55

formem uma equipe de assessoria técnica multidisciplinar, para que a organização


possa ter uma adequação mais efetiva da legislação99.

99É necessária uma adequação mais efetiva da legislação para que haja uma multipluralidade dentro
de uma organização. Para isso, é necessário que sejam indicadas pessoas com especialidade em
áreas pilares da LGPD, como segurança da informação, tecnologia da informação, administração,
comunicação e jurídico. ALVES, Fabrício. Proteção de dados pessoais é a evolução da privacidade.
2019. Disponível em: https://www.serpro.gov.br/lgpd/noticias/protecao-dados-evolucao-privacidade.
56

6. OS LIMITES ÉTICOS PARA A APLICAÇÃO DAS IAs NO MUNDO E NO


DIREITO DIGITAL

6.1. A ÉTICA E A RESPONSABILIDADE DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A discussão sobre a Ética e a responsabilidade visa no quanto o avanço


tecnológico será atrelado a independência que a máquina possa ter sem a
necessidade do fator humano. Embora as decisões humanas sejam dotadas de
vieses, muitas vezes subjetivas, a inteligência artificial cria mecanismos capazes de
“pensar” e agir de forma cada vez mais autônoma, podendo, assim, ocorrer uma
ruptura de paradigmas epistemológicas e ontológicas. Segundo Marco Aurélio Castro
Junior:

É lícito afirmar que se outro ente for encontrado dotado desses mesmos
elementos a conclusão lógica é a de se lhe atribuir o mesmo status jurídico
de pessoa. [...] Hoje as legislações vigentes em Portugal e no Brasil aboliram
adjetivos dos seus conceitos de pessoa, abrindo a porta para que se
compreenda como pessoa, como dotado de personalidade jurídica, não
apenas o Homem, mas à moda da visão oriental sobre a equiparação da
dignidade de todos os seres com o Homem, dando chances à teoria do direito
animal e, assim, também a do direito robótico para que um robô seja
juridicamente qualificado como Pessoa.100

Com isso, seguindo a mesma linha de pensamento do professor, o Parlamento


Europeu editou uma resolução com recomendações da Comissão Europeia101, em
que propõe a criação de uma personalidade eletrônica para robôs inteligentes, porém

100 CASTRO JÚNIOR, Marco Aurélio de. Personalidade jurídica do robô e sua efetividade no
direito. (Tese) – Doutorado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. p. 205.
101 Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, que contém recomendações à

Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica (2015/2103(INL)), em que cria um estatuto
jurídico específico para os robôs a longo prazo, de modo a que, pelo menos, os robôs autónomos mais
sofisticados possam ser determinados como detentores do estatuto de pessoas eletrônicas
responsáveis por sanar quaisquer danos que possam causar e, eventualmente, aplicar a personalidade
eletrônica a casos em que os robôs tomam decisões autónomas ou em que interagem por qualquer
outro modo com terceiros de forma independente. Disponível em:
[http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P8-TA-2017-
0051+0+DOC+XML+V0//PT].
57

tal proposição deve ser acompanhada de perto por um debate ético e jurídico maduro
e inclusivo nas esferas públicas.

Visto que não existe um sistema de inteligência artificial totalmente autônomo e


sem a interferência humana, a criação de tais máquinas capazes de tomar decisões
de forma cada vez mais autônomas levanta questões sobre de quem será a
responsabilidade pelo resultado de suas ações e eventuais danos gerados. Hoje, por
não ser reconhecida a Inteligência Artificial como um sujeito de direito, não pode ser
considerada individualmente responsável pelos potenciais danos que pode causar,
visto que é pautado como uma ferramenta que não possui vontade própria.

Observando pelo ângulo de que a máquina adquire responsabilidade, essa será


atribuída ao seu produtor, usuários e programadores que foram responsáveis pelo seu
“treinamento”. A responsabilidade civil, segundo George S. Cole102, trata de quatro
tipos: (i) a responsabilidade por produto, (ii) a responsabilidade por serviço, (iii)
imperícia, e (iv) negligência. Ainda afirma que a disciplina da responsabilidade de
produto é apenas parcialmente aplicável.

Se um ato doloso ou negligêncial de Inteligência Artificial causar danos, seja por


defeito de fabricação ou falha de design de uma programação deficiente, as regras
existentes de responsabilidade recairiam sob os seus criadores. Visto que pelo fato
de o comportamento de uma IA não ser totalmente previsível, as dificuldades de
encontrar o nexo causal podem ser extremas, entre o dano gerado e a ação de um
ser humano ou pessoa jurídica103.

102 COLE, George S. Tort Liability For Artificial Intelligence And Expert Systems. Computer/Law
Journal, v. 10, n. 2, 1990.
103 Caitlin Sampaio Mulholland abordou a problemática da irresponsabilidade distribuída (denominação

atribuída no presente trabalho para se referir ao efeito decorrente da falta de identificação do nexo
causal entre a conduta do agente e o dano produzido) em sua tese sobre presunção de causalidade.
Em arejada análise, Caitlin Mulholland enfrenta o cenário de falta de clareza no nexo causal entre os
agentes reforçando o conceito de “causalidade alternativa”. O conceito de casualidade alternativa
permite identificar que o dano foi causado por uma única conduta que, devido à característica de coesão
do grupo, resta impossível de atestar. O objetivo desta responsabilidade é buscar o ressarcimento da
vítima, presumindo-se o nexo de causalidade. Segundo Mulholland: “No caso de existirem várias
atividades, sendo que cada uma delas, por si só, teria sido suficiente para produzir o dano, mas em
que persiste incerteza sobre qual efetivamente o causou, cada uma será considerada como causa do
dano até o limite correspondente à probabilidade de o ter causado. [...] existe um único nexo causal
que não pode ser identificado de forma direta. Daí a sua presunção em relação ao grupo como um
todo. [...] O que se busca com a causalidade alternativa é possibilitar a reparação dos danos causados
através da facilitação do ônus probatório. Ao invés de a vítima ter que provar que determinada pessoa
através de sua conduta causou o dano que a afligiu, poderá contar com a presunção da causalidade,
sendo suficiente que prove que sofreu um dano e que o dano foi consequência de determinada
atividade realizada por um determinado grupo”. A tese defendida por Mulholland vai além, portanto,
58

Segundo relatório da UNESCO sobre “robotics ethics”:

O desenvolvimento rápido de robôs autônomos altamente inteligentes,


provavelmente desafiará nossa classificação atual de seres de acordo com
seu status moral, da mesma forma, ou talvez, mais profundamente, que
aconteceu com animais não humanos por intermédio do movimento pelos
direitos dos animais. Pode até mesmo alterar a forma como o status moral
humano é atualmente percebido. Embora ainda pareça especulação futurista,
questões como essas não devem ser descartadas, especialmente tendo em
vista que a ‘divisão homem-máquina’ está desaparecendo gradualmente e a
probabilidade de aparência futura de híbridos humano-máquina ou animal-
máquina ou cyborgs (robôs integrados com organismos biológicos ou pelo
menos contendo alguns componentes biológicos). [...] Em todos esses casos,
parece haver uma responsabilidade ‘compartilhada’ ou ‘distribuída’ entre
designers de robôs, engenheiros, programadores, fabricantes, investidores,
vendedores e usuários. Nenhum desses agentes pode ser indicado como a
última fonte de ação. Ao mesmo tempo, esta solução tende a diluir
completamente a noção de responsabilidade: se todos tiverem uma parte na
responsabilidade total, ninguém será completamente responsável. Este
problema é conhecido como o ‘problema de muitas mãos’. [...] Os robôs
podem ser usados para fins destinados por seus designers, mas também
para outros fins, especialmente se o seu ‘comportamento’ puder ser
‘pirateado’ ou ‘reprogramado’ por seus usuários finais. Os robôs podem
apresentar implicações muito além das intenções de seus desenvolvedores.
É impossível para os roboticistas preverem inteiramente como seu trabalho
poderá afetar a sociedade.104.

dos casos de: (a) responsabilidade solidária entre os imputados causadores do dano; (b)
responsabilidade atribuída de acordo com a contribuição causal de cada agente para a obtenção do
resultado danoso; (c) a responsabilidade atribuída somente a um dos agentes, quando for possível
identificar o rompimento do nexo de causalidade entre as condutas sucessivas. Quando pensamos, no
entanto, nos danos causados dentro de sistemas sociotécnicos, temos uma aplicação de nexo causal
e de responsabilidade ainda mais complexo. Isso porque estamos falando muitas vezes da ação
causada por um somatório de agências de seres humanos, instituições e coisas inteligentes com
autonomia e poder de agência próprio. Nesse caso, o foco no grupo econômico, apesar de conseguir
responder a diversos casos de dano, pode não ser suficiente para a atribuição justa de responsabilidade
na era de IoT e de Inteligência Artificial forte. MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade
civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ, 2010.
104 “The rapid development of highly intelligent autonomous robots, then, is likely to challenge our

current classification of beings according to their moral status, in the same or maybe even more
profound way as it happened with non-human animals through the animal rights movement. It may
even alter the way in which human moral status is currently perceived. Although still resembling
futuristic speculations, questions like these should not be dismissed lightly, specially in view of the fact
that the ‘human-machine divide’ is gradually disappearing and the likelihood of future appearance of
human-machine or animal-machine hybrids or cyborgs (robots integrated with biological organisms or
at least containing some biological components). […] In all of these
cases, there seems to be a ‘shared’ or ‘distributed’ responsibility between robot designers, engineers,
programmers, manufacturers, investors, sellers and users. None of these agents can be indicated as
the ultimate source of action. At the same time, this solution tends to dilute the notion of responsibility
altogether: if everybody has a part in the total responsibility, no one is fully responsible. This problem is
known as the ‘problem of the many hands’. […] Robots may be used for purposes intended by their
designers, but they may also be used for a variety of other purposes, especially if their ‘behaviour’ can
be ‘hacked’ or ‘reprogrammed’ by their end-users. Robots might have implications far beyond the
intentions of their developers. It is impossible for roboticists to predict entirely how their work might affect
society.” Disponível em: [http://unesdoc.unesco.org/images/0025/002539/253952E.pdf].
59

Nesse contexto, as falhas encontradas podem ser consideradas desejáveis para


aprimorar com mais celeridade o artefato técnico, para melhor desenvolver e gerenciar
sob a ótica de proteção dos direitos fundamentais, sendo essencial que se tenha
amplos debates acerca de diretrizes éticas para estar presentes na construção dessas
máquinas.

Num caminho alternativo, o Parlamento Europeu editou uma resolução com


recomendações da Comissão Europeia sobre regras de civil law em robótica em que
argui pela criação de uma agencia Europeia para robótica e Inteligência Artificial, em
que propõe, considerar a introdução de um status jurídico específico para robôs
inteligentes a longo prazo, a criação de um sistema de seguro ou de fundo
compensatório, objetivado na criação de sistema de proteção para o emprego de
máquinas inteligentes.

Na doutrina jurídica brasileira, Castro defende a possibilidade de IAs se


enquadrarem no conceito de “pessoa”, visto que está em constante evolução e
mutável.

Descobertos os elementos que, reunidos ou isoladamente resultam na


personalidade do indivíduo jurisdicizada, é lícito afirmar que, se outro ente for
encontrado dotado desses mesmos elementos, a conclusão lógica é a de se
atribuir o mesmo status jurídico de pessoa. [...] Cérebro e computador não se
equivalem, o que pouco importa, pois, se a sua manifestação for um efeito ou
ato inteligente, o que o causar haverá de ser inteligente, pois o que
permanece no pensamento não pode ser de forma alguma avaliado, apenas
seu resultado. O que acontece no interior de um computador, quando em
funcionamento, muitas vezes é um mistério insondável, como ainda é o
mistério do que ocorre no cérebro quando pensamos105.

Com o avanço da tecnologia, a complexidade e a sofisticação dos produtos


usados e de interação humana aumentaram. As tarefas que antes demandavam
várias pessoas para executar passam a ser substituídas pelas máquinas. “Um ser
humano deve transformar informação em inteligência ou conhecimento. Tendemos a
esquecer que nenhum computador jamais fará uma nova pergunta”106.
Do ponto de vista jurídico, não basta somente tornar os agentes computacionais
responsáveis, e sim a forma de aplicar a responsabilidade de maneira justa, pensando

105 CASTRO JUNIOR, 2009. p. 209.


106 Grace Hopper, cientista da computação pioneira em programação.
60

numa responsabilização compartilhada entre os diferentes actantes atuantes e sobre


os demais agentes.
A doutrina, desde a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, tem
defendido a configuração de uma cláusula geral de tutela e promoção da pessoa
humana como valor máximo do ordenamento jurídico107, sendo assim, a
personalidade seria caracterizada pela expressão maior dos valores constitucionais
pelos quais são capazes de superar a ordem jurídica a novos critérios de
legitimidade108. Na aplicação das IAs, essa atribuição não parece ser possível àquelas
conferidas as pessoas jurídicas, visto que, por maior que seja sua autonomia, não há
como enquadrá-la como pessoa, pelo fato de ser algo criado pelo ser humano, não
sendo confundido com a pessoa natural.

6.2. A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INCLUÍDA NA JUSTIÇA E NA PROFISSÃO


JURÍDICA

A necessidade de automação e utilização da Inteligência Artificial no âmbito


jurídico tem sido essencial para a celeridade na entrega do serviço jurídico, tanto por
parte dos advogados quanto pelos magistrados. A informatização do poder judiciário
ocorridas pelas Leis 11.419/2006 e 12.527/2011, permitiram inovar o Direito brasileiro
na prática da advocacia digital. O artigo 133 da Constituição Federal de 1988 prevê
que o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus
atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Contudo, com o
avanço tecnológico, surgiu na esfera jurídica a advocacia digital.
Peck e Rocha indagaram quanto aos problemas a serem enfrentados do ponto
de vista ético e da pessoalidade na prestação do serviço advocatício que utilizam as
tecnologias de Inteligência Artificial aplicado ao Direito no Brasil:

107 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p. 764. Cf, também, TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do
direito civil. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 22.
108 TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnicas legislativa na parte geral do

Código Civil de 2002. Disponível em:


http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/anexos/32350-38875-1-PB.pdf]. Ainda nesse
ponto não se pode deixar de lado a importante distinção da personalidade na sua acepção subjetiva e
objetiva. No sentido subjetivo, a personalidade é encarada como a capacidade abstrata de ser titular
de poderes e deveres jurídicos, isto é, capacidade de ter direitos e obrigações, enquanto que na
acepção objetiva consiste no conjunto de atributos axiológicos que compõem a própria condição de
pessoa. Sobre o tema, cf. TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-
constitucional brasileiro. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 27.
61

Como ficará a previsão do art. 133 da Constituição Federal, estabelecendo


que o advogado é indispensável à administração da Justiça?
Como ficará a previsão no Estatuto da Advocacia de que o exercício da
profissão exige a pessoalidade se puder haver um atendimento por robô (ex.:
chatbot)? Ou se puder participar de uma mediação on-line totalmente
robotizada (ODR sem uso de mediadores humanos, apenas software)?
Quais seriam os limites do uso da tecnologia de Inteligência Artificial e da
automação na advocacia? E no Poder Judiciário? E quem ditará esse limite
(a lei, a OAB, os Tribunais, o “mercado”, a sociedade, o cidadão que é o
cliente da Justiça)?
As mesmas limitações éticas aplicadas aos advogados brasileiros em termos
de condutas seriam aplicadas às máquinas (robôs)? 109

Para responder estes questionamentos, Vesting explica que a IA mudou as


condições necessárias de comunicação da sociedade em geral. Os algoritmos e big
data110 alteraram o cerne da comunicação, fazendo com que os computadores sejam
capazes de aprender, nascendo assim novas formas de relacionamento, podendo
gerar violações aos direitos de personalidade nas redes sociais. “Nesse contexto
também deve ser aceito que o controle parcial do Estado pode funcionar apenas nas
bases de uma auto-organização social e tecnológica abrangente [...]111”
Segundo Mário Losano112, propõe o que chama de jus cibernética, a qual
abordaria os seguintes aspectos:

a) o de que o mundo do Direito, na sua totalidade, deve ser considerado "um


subsistema em relação ao sistema social" e, por isso, devem ser "estudadas
as inter-relações entre os dois, conforme um modelo cibernético";
b) no mundo do Direito estudado como um sistema normativo, dinâmico e
auto regulador, cabe inserir os problemas gerados pelo uso da informática;
c) os modelos jurídicos cibernéticos, em geral, deveriam ser idealizados
tendo em vista a sua utilização em máquinas cibernéticas.

As regras jurídicas, segundo Losano, imprimem a evolução tecnológica,


tornando um direito em constante modificação e que exigiria esforço constante dos
pensadores jurídicos para a sua atualização. O computador com inteligência artificial,
segundo Cruz, “tem se mostrado indispensável à advocacia, auxiliando no processo

109 PECK, Patrícia; ROCHA, Henrique. Direito digital. São Paulo: Ed. RT, 2018. p. 129.
110 É um conjunto de dados maior e mais complexo, especialmente de novas fontes de dados. Esses
conjuntos de dados são tão volumosos que o software tradicional de processamento de dados
simplesmente não consegue gerenciá-los. No entanto, esses grandes volumes de dados podem ser
usados para resolver problemas de negócios que você não conseguiria resolver antes. Disponível em:
https://www.oracle.com/br/big-data/what-is-big-data.html
111 VESTING, Thomas. A mudança da esfera pública pela Inteligência Artificial. In: ABBOUDY,

Georges; NERY JUNIOR, Nelson; CAMPOS, Ricardo. Fake news e regulação. São Paulo: Ed. RT,
2018. p. 106.
112
LOSANO, Mário. Informática Jurídica, Univ. de São Paulo, Saraiva, SP, 1976. p. 352.
62

de automação das tarefas, não descartando, porém, a inteligência humana, guiada


pela ética e pelo bom senso”113. O uso dessa tecnologia fez-se necessária não
somente para a utilização da Inteligência Artificial para dizer o Direito, mas para
auxiliar na organização e agilidade da rotina de trabalho do jurisconsulto, tornando
efetivo e assertivo, sendo mais viável para conduzir determinado caso, com melhor
custo-benefício. Segundo Sperandio:

Não se trata da substituição do advogado, e sim da otimização de algumas


de suas tarefas que sejam parametrizáveis liberando seu tempo para funções
mais estratégicas. Esse movimento está alinhado com a demanda dos
clientes por redução de custos. A necessidade de manutenção da qualidade
de serviços por preços cada vez mais competitivos, aliada à pressão exercida
por novos competidores, como grandes empresas de consultoria prestando
serviços paralegais, representa um grande incentivo para que sejam
encontradas formas alternativas da realização do trabalho dos advogados.
Esse movimento corrobora a urgência pela busca de apoio na tecnologia que
tem sido respondida, por várias legal techs, com sistemas inteligentes que
utilizam IA. Assim como as máquinas trouxeram grandes benefícios para
produtos em geral, a IA poderá trazer transformações para o universo jurídico
de diversas maneiras ‒ como na redução de custo do acesso à informação,
na forma como a lei é elaborada e publicizada ou na otimização do trabalho
dos advogados.114

A capacidade de o computador guardar mais informações, poder relacioná-las


com diversos casos que se assemelham, como o Projeto Sócrates do STJ, propiciarão
uma união entre o operador do Direito e a máquina. Enquanto o operador se
sobressair no senso comum, moral, imaginação, abstração, dilemas, sonhos,
generalização, os sistemas de inteligência artificial vão propiciar maior acurácia em
identificação de padrões, linguagem natural, machine learning, eliminação de
preconceitos e capacidade de tratamento de grandes volumes de dados. Elon
Musk115, criador da Tesla e Space X, defende a regulamentação da Inteligência
Artificial.
Turing ao desenvolver sua máquina capaz de decifrar os códigos alemães
durante a Segunda Grande Guerra, não imaginou que sua criação fosse o início de

113 Artificial Intelligence: the Limits of Technology Use and Automation in Advocacy Revista dos
Tribunais | vol. 1006/2019 | p. 357 - 373 | Ago / 2019 DTR\2019\37648.
114 SPERANDIO, Henrique. Desafios da inteligência artificial para a profissão jurídica. 2018. p. 99.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, São
Paulo.
115 “Inteligência artificial é um caso raro em que precisamos ser proativos na regulamentação em vez

de reativos. Porque penso que quando estivermos reativos na regulamentação da IA, será muito tarde”.
Disponível em: https://www.theenemy.com.br/tech/elon-musk-pede-por-regulamentacao-de-
inteligencias-artificiais-antes-que-seja-tarde-demais
63

todo um desenvolvimento de aprendizado para uma nova forma de reinventar o


mundo, mas por isso, tornou capaz de trazer a celeridade e novas formas de resolver
questões que outrora levariam décadas e milhares de pessoas, em questão de
minutos.
O impacto da Inteligência artificial na advocacia surgiu em 2017, onde um
escritório dos Estados Unidos, Baker & Hosteler, contratou a Inteligência Artificial
Ross, para tratar de assuntos sobre falência. O programa pertencente ao computador
Watson, da IBM, foi projetado para compreender a linguagem humana, dispor de
respostas a determinadas perguntas, além de elaborar hipóteses e monitorar
desenvolvimentos no sistema legal, permitindo aos advogados fazerem perguntas
sobre as questões jurídicas em linguagem natural, sendo respondidos de forma
célere, com a reunião de provas, de modo altamente relevante e com base em
evidencias, com citações e análises.116
Para Hogemann, a tecnologia, com base na inteligência artificial, não vem para
destruir profissões inteiras de uma só vez. O que ocasionará será uma mudança de
funções e atividades que estes profissionais realizam, unicamente modificando a
forma como as tarefas serão executadas, não havendo a substituição das máquinas
no lugar dos humanos nas profissões de advogados, contadores ou médicos.117 Com
isso, realmente existe a possibilidade de perda de mão-de-obra pelas máquinas ou
essa ferramenta, em constante avanço tecnológico, somente surgiu para facilitar e
trabalhar em conjunto com as pessoas?
Algumas funções que antes necessitavam de pessoas capacitadas – por
exemplo, o datilógrafo – deixaram de existir, e outras que necessitam do conjunto de
ser humano e tecnologia – por exemplo, o arquivista – ainda resistem com o tempo,
pois um dependerá do outro enquanto existirem arquivos físicos para serem mantidos.
Diante do exposto, mesmo com o avanço da tecnologia, possibilitando vários dilemas
éticos, uma vez que se discute muito o alcance e os limites da técnica na pratica
jurídica, não houve uma injustiça nem falta de ética perante ao avanço tecnológico
para o trabalhador, o operador do Direito e o cidadão. O que ocorreu foi apenas uma
evolução na forma de exercer uma profissão, sem corromper a essência do

116 TRANSFORMAÇÃO DIGITAL. Ross, o primeiro robô advogado do mundo. 06.06.2018b.


Disponível em: [https://transformacaodigital.com/advogado-4-0-quarta-revolucao-industrial-
impactando-advocacia/].
117 HOGEMANN, Edna Raquel. O futuro do Direito e do ensino jurídico diante das novas

tecnologias. Disponível em: [http://revistas.faa.edu.br/index. php/FDV/article/view/487/364].


64

profissional, e sim tornando-o mais ágil, prático e capacitado ao desenvolvimento


tecnológico das coisas.
65

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a evolução da tecnologia, novas formas de pensar o Direito trouxeram


inovações e dificuldades perante a moralidade e a eticidade de como deve ser
analisado os direitos e deveres. Inovações como o Marco Civil da Internet, que
estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para uso da Internet no Brasil,
determinando diretrizes para a atuação da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios em relação a matéria; e a Lei Geral de Proteção ao Dados Pessoais,
inicialmente inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados europeu, passou
a proteger os direitos de liberdade e privacidade, bem como o livre desenvolvimento
da personalidade da pessoa natural.

Juntamente com o Marco Civil e a LGPD, novos sistemas judiciários


incrementaram a forma de julgar e influenciar na forma de pensar os limites éticos de
como julgar e o que julgar. VICTOR, SOCRATES, ALICE, SOFIA e MONICA, sistemas
utilizados pelo STF, STJ e TCU, respectivamente, para auxiliar a tramitação e
realização de análises das lides de forma autônoma e automatizadas, visto que o
número de processos aumentou em progressão geométrica, enquanto o número de
pessoas responsáveis por tais atos aumentou em progressão aritmética.

Com o uso da Inteligência Artificial no Direito Digital, trouxeram ao Direito


brasileiro inovações que, antes da década de 2000, não eram discutidos pela Ética,
tornando assim mais ampla a forma de interpretar o Direito. Além de que, com uma
autonomia progressiva das IAs e tornando-se independente nas decisões, o
questionamento de quem é a responsabilidade por eventuais equívocos causados
pela ação não-humana tornam-se mais evidentes. Junto a isso, questionamentos de
que essa evolução poderia eliminar o espaço do ser humano no mercado de trabalho,
podendo, no âmbito jurídico, eliminar a necessidade de advogados, juízes,
procuradores e promotores para julgar uma lide, o que era inimaginável, pode se
tornar realidade.

Perante isso, houve uma evolução da tecnologia em que tornou o acesso a


informação e outras formas de integração ao trabalho mais táteis, práticas e menos
onerosas, desde a pessoa comum aos operadores do Direito. Como a tendência é
cada vez mais a tecnologia evoluir, na atual situação, mesmo em período pandêmico,
66

a união entre máquina e ser humano é cada vez mais próxima, mesmo havendo
discussões éticas e morais perante a independência das IAs.
67

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73

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de Julgamento: 1o-9-2014, 8a Câmara de Direito Privado. Disponível em: https://tj-
sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/137121283/agravo-de-instrumento-ai-
21147742420148260000-sp-2114774-2420148260000 Acesso em: 17 out. 2020
“RESPONSABILIDADE CIVIL EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS Autora que
pretende, com a presente medida, a exibição dos IP’s dos perfis indicados na inicial e
conversas promovidas pelo aplicativo Whatsapp dos grupos que também indica.
Deferimento ‘Conversas’ que apresentam conteúdo difamatório com relação à autora
(inclusive montagem de fotografias de cunho pornográfico). Alegação da agravante
de que não possui gerência sobre o Whatsapp (que, por seu turno, possui sede nos
EUA). Descabimento. Notória a aquisição, pelo FACEBOOK (ora agravante) do
referido aplicativo (que no Brasil, conta com mais de 30 milhões de usuários).
Alegação de que o Whatsapp não possui representação em território nacional não
impede o ajuizamento da medida em face do FACEBOOK (pessoa jurídica que possui
representação no país, com registro na JUCESP e, como já dito, adquiriu o aplicativo
referido). Serviço do Whatsapp amplamente difundido no Brasil Medida que, ademais,
se restringe ao fornecimento dos IP’s dos perfis indicados pela autora, bem como o
teor de conversas dos grupos (ATLÉTICA CHORUME e LIXO MACKENZISTA), no
período indicado na inicial e relativos a notícias envolvendo a autora – Medida passível
de cumprimento. Obrigatoriedade de armazenamento dessas informações que
decorre do art. 13 da Lei 12.965/14 Decisão mantida Recurso improvido.”
STJ, Recurso Especial nº1.398.985 MG, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data
de Julgamento: 19/11/2013. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201302735178
&dt_publicacao=26/11/2013 Acesso em: 20 out. 2020
CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. CDC.
INCIDÊNCIA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. USUÁRIOS. IDENTIFICAÇÃO. DEVER.
GUARDA DOS DADOS. OBRIGAÇÃO. PRAZO. 03 ANOS APÓS CANCELAMENTO
DO SERVIÇO. OBTENÇÃO DE DADOS FRENTE A TERCEIROS. DESCABIMENTO.
DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 5º, IV, DA CF/88; 6º, III, e 17 DO CDC;
206, §3º, V, E 1.194 DO CC/02; E 358, I, DO CPC.
1. Ação ajuizada em 17.05.2010. Recurso especial concluso ao gabinete da
Relatora em 25.09.2013.
2. Recurso especial que discute a responsabilidade dos gerenciadores de fóruns
de discussão virtual pelo fornecimento dos dados dos respectivos usuários.
3. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí
advindas à Lei nº 8.078/90. Precedentes.
4. O gerenciador de fóruns de discussão virtual constitui uma espécie do gênero
provedor de conteúdo, pois esses sites se limitam a abrigar e oferecer ferramentas
para edição dos fóruns criados e mantidos por terceiros, sem exercer nenhum controle
editorial sobre as mensagens postadas pelos usuários.
5. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários
divulguem livremente suas opiniões, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de
propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o
74

anonimato e atribuindo a cada imagem uma autoria certa e determinada. Sob a ótica
da diligência média que se espera do provedor, do dever de informação e do princípio
da transparência, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias
específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos
usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.
6. As informações necessárias à identificação do usuário devem ser
armazenadas pelo provedor de conteúdo por um prazo mínimo de 03 anos, a contar
do dia em que o usuário cancela o serviço.
7. Não há como exigir do provedor de conteúdo que diligencie junto a terceiros
para obter os dados que inadvertidamente tenha apagado dos seus arquivos, não
apenas pelo fato dessa medida não estar inserida nas providências cabíveis em sede
ação de exibição de documentos, mas sobretudo porque a empresa não dispõe de
poder de polícia para exigir o repasse dessas informações. Por se tratar de medida
cautelar de natureza meramente satisfativa, não há outro caminho senão reconhecer
a impossibilidade de exibição do documento, sem prejuízo, porém, do direito da parte
de buscar a reparação dos prejuízos decorrentes da conduta desidiosa.
8. Recurso especial parcialmente provido.

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