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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
DIREITO

Luiz Eduardo Ferreira de Almeida

Princípio da Eficiência e Inteligência Artificial

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

São Paulo
2022
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Luiz Eduardo Ferreira de Almeida

Princípio da Eficiência e Inteligência Artificial

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como requisito parcial para
obtenção do título de BACHAREL em Direito, sob a
orientação do Prof. Dr. Jacintho Silveira D. A. Câmera.

São Paulo
2022
Para meus pais, Luís Carlos e Janie
Para meus irmãos, Júlia e Pedro
Este trabalho foi financiado por meio de bolsa dissídio, com apoio da Fundação de São Paulo.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Prof. Dr. Luís Carlos Ferreira de Almeida e a Profa. Dra. Janie
Maria de Almeida que sempre me apoiaram durante a graduação e que me proporcionaram
estudar em uma das melhores faculdades do país.

Ao meu irmão Pedro Luiz Ferreira de Almeida pelos valiosos conselhos e ajuda durante
toda a vida.

Ao Professor Jacintho Arruda Câmara que despertou meu interesse em Direito


Administrativo, seus ensinamentos foram importantes para que eu continuasse meus estudos na
área.

Aos meus amigos de infância, Bruno Baradel e Victor Queiroz, que foram suportes
essenciais durante toda a minha trajetória no curso de Direito da PUC-SP. Amizades que mesmo
com a distância nunca deixaram de apoiar e estarem presente em minha vida.

As minhas amigas Ana Melo e Érica Park, por toda a paciência e suporte durante a
graduação e conclusão do curso. Melhores amigas que tornaram meus dias mais engraçados e
leves.

Agradeço meus amigos Caio Macedo, Pietro Nastari e Davi Conte, mesmo com a minha
ida para o matutino nossa amizade nunca diminuiu, pelo contrário, apenas fortaleceu esse
vínculo que espero levar para a vida toda. A faculdade não teria sido 1% do que foi sem vocês.

Aos meus amigos João Dias, Matheus Juliani e Vitor Marques, fica meu agradecimento,
me acolheram quando mudei para o matutino e foram pessoas extremamente importantes para
meu crescimento e suas amizades serão levadas para a vida toda.

Ao meu amigo Matheus Pace pelas inúmeras risadas e apoio durante os últimos anos da
graduação.
Não posso deixar de falar do meu amigo Vinicius Brandão Crespschi. Sua amizade teve
papel importante não apenas para finalizar esse trabalho, mas também para terminar a
faculdade. O fim desse ciclo teve contribuição direta dele e por isso sou extremamente grato.

Um agradecimento especial aos amigos que fiz durante a graduação. A vida e a


faculdade sem amigos não têm graça. Um especial para aqueles que de alguma forma ou de
outras foram essenciais para encerrar esse capítulo: Ana Sharovsky, Barbara Fogaça, Carl
Victor, Gabriela Martins, Isabella Zaccariotto, Marcella Saleta.

Agradeço especialmente ao Bruno Rizzi pelos importantes ensinamentos no âmbito da


Inteligência Artificial, sem ele com certeza esse trabalho não teria sido possível.

Finalmente agradeço o apoio dos colegas de trabalho, Stephanie Pereira, Filipe Nesi e
Vinicius Moreira por todo a ajuda durante a graduação e ensinamentos que levo para a vida.
If a machine, a terminator, can learn the value of human life, maybe we can, too.
Sarah Connor
RESUMO

A pesquisa busca demonstrar como a Administração Pública vem se utilizando de tecnologias


computacionais, com enfoque em Inteligência Artificial para satisfazer o Princípio da
Eficiência. Para tanto, é feita uma análise abordando o conceito de princípio jurídico.
Posteriormente, é analisado em qual contexto foi positivado o Princípio da Eficiência,
abordando quais instrumentos a Administração vem se utilizando. Destacando entre esses
Instrumentos a Inteligência Artificial, na qual será explicada o que é, como se dá seu
funcionamento e como a legislação aborda sobre o assunto. Por fim, é apresentado casos
práticos em que a Administração Pública se utilizou da Inteligência Artificial para ser mais
eficiente.

Palavras chaves: Administração Pública. Princípio da Eficiência. Inteligência Artificial.


Tribunal de Contas da União.
ABSTRACT

The research aims to demonstrate how Public Administration has been using computational
technologies, with a focus on Artificial Intelligence to satisfy the Efficiency Principle. Thus, an
analysis is made approaching the concept of principle. Subsequently, it is analyzed in which
context the Efficiency Principle was incorporated by written law, approaching which
instruments the Administration has been using. standing out among these instruments, there is
Artificial Intelligence, in which it will be explained what it is, how it works and how the
legislation approaches the subject. Finally, practical cases are presented in which the Public
Administration used Artificial Intelligence to be more efficient.

Keywords: Public administration. Principle of Efficiency. Artificial intelligence. Federal Court


of Audits.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Diagrama de Venn demonstrando como se relacionam os elementos da Inteligência


Artificial....................................................................................................................................27

Figura 2 – 9 Eixos Temáticos.....................................................................................................31


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 10
1.1 Justificativa do Tema ................................................................................................................ 11
1.2 Metodologia ............................................................................................................................... 12
1.3 Objetivos .................................................................................................................................... 12
2 CONCEITO DE PRINCÍPIOS NO DIREITO .............................................................................. 14
3 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ....................................................................................................... 18
4 CONCEITO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ........................................................................ 24
5 TRATAMENTO NORMATIVO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO BRASIL ............... 29
6 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA SATISFAZER O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ..... 34
7 CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 39
8 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 40
10

1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade o ser humano vem buscando formas de tornar mais
eficiente suas atividades praticadas. A Primeira Revolução Industrial trouxe as máquinas a
vapor com o intuito de aumentar a eficiência de um trabalho que antes era exercido
normalmente por seres humanos. A Segunda revolução, durante a segunda metade do século
XIX até meados do século XX, popularizou o uso de petróleo como fonte de energia e a
substituição do ferro pelo aço nas cadeias produtivas. Na segunda metade do século XX ocorreu
a Terceira revolução, com a introdução da computação e da automação para fazerem trabalhos
minuciosos e que necessitassem de grande capacidade de processamento de dados.
Por fim, temos a Quarta revolução industrial, que ocorre hodiernamente tratando-se da
era das tecnologias, isso é, a aplicação da inteligência artificial pelo uso de machine learning,
no qual, por meio de algoritmos, exercem atividades intelectuais que antes eram exercidas pelos
humanos, tais como pesquisas, elaboração de planilhas, controle de prazos judiciais, entre
inúmero outros trabalhos. Ou seja, durante a primeira revolução buscava-se substituir a força
física do homem pela mecânica das máquinas, ao passo que na última busca-se substituir a força
intelectual do homem pela dos computadores.
Verifica-se que cada revolução sempre inovava os processos que existiam
anteriormente. Nesta dinâmica de evolução não somente os processos de produção eram
alterados, mas também se exigia que as relações de trabalho, sociais e econômicas se alterassem
igualmente, por conseguinte o direito também precisou evoluir frente às novas realidades que
surgiam.
Neste passo, a última grande revolução, aquela que envolve o uso de tecnologias, como
a Inteligência Artificial em vários setores da ciência, será o foco deste estudo. O direito, como
uma ciência social aplicada, na figura do Poder Público, pode – e deve – utilizar-se dessas
inovações, a qual destaco o uso da Inteligência Artificial.
Na ausência de uma definição legal de Inteligência Artificial, iremos nos valer da
definição utilizada em outros campos de estudo além do direito. A definição utilizada pelo
pioneiro da Inteligência Artificial, Edward Feigenbaum1 pode ser assim descrita:

“Inteligência artificial é a parte da ciência da


computação voltada para o desenvolvimento de

1
FERNANDES, Anita Maria da Rocha. Inteligência Artificial: noções gerais. Florianópolis: Visual
Books, 2003.
11

sistemas de computadores inteligentes, ou seja,


sistemas que exibem características, as quais se
relacionam com a inteligência no comportamento do
homem.”

Dessa forma, as técnicas relacionadas à Inteligência Artificial podem ter amplas


aplicações no direito como um todo, no qual enfatizaremos o Direito Administrativo. Em que,
considerando os Princípios Administrativos, especialmente na busca de uma maior eficiência
da Administração Pública, o uso da Inteligência Artificial pode contribuir para a efetivação
desses princípios, na medida em que as máquinas podem trabalhar com um grande volume de
dados e informações que um servidor público não conseguiria no devido tempo e, ainda,
eliminaria relações que não sempre são evidentes ao ser humano. Cito, como exemplo, o uso
de Inteligência Artificial na forma dos robôs Alice, Sofia e Mônica2 pelo Tribunal de Contas da
União no auxílio aos auditores e fiscais.
Destarte, o presente Trabalho de Conclusão de Curso visa mostrar como se dá o uso da
Inteligência Artificial na Administração Público e de como esse uso contribui para o
cumprimento do Princípio da eficiência administrativa na sua integralidade.

1.1 Justificativa do Tema

Este projeto tem como objetivo principal analisar como ocorre o uso da Inteligência
Artificial pela Administração Pública, especialmente em que medida o Princípio da eficiência
administrativa se relaciona a esse conceito. Para tanto, iremos analisar a extensão da
aplicabilidade desse referido conceito ao princípio e como isso tem sido feito.
O presente tema se mostra extremamente pertinente na medida em que a informática
dominou a vida do ser humano, por consequência de alguns seres humanos serem servidores da
Administração Pública, esse fenômeno faz parte da Administração. Assim, é essencial
analisarmos em que medida o uso dessas tecnologias podem ser benéficas e como elas
interagem com o Princípio da eficiência administrativa, focando apenas nesse princípio
positivado na Constituição Federal. Não abordando os princípios criados pela doutrina, uma
vez que são muitos e de difícil limitação teórica.
Logo, é indiscutível a relevância do estudo acerca do impacto da Inteligência Artificial
gerada na atuação da Administração Pública, em observância aos Princípios que a norteiam.

2
Cada nome corresponde aos acrônimos “Análise de Licitações e Editais”, “Sistema de Orientação
sobre Fatos e Indícios” e “Monitoramento Integrado para Controle de Aquisições” respectivamente.
12

Invariavelmente, a finalidade da pesquisa será também a de analisar de que forma a


Administração Pública tem se utilizado da Inteligência Artificial como uma ferramenta para
seus deveres. Além disso, o presente trabalho busca trazer novos paradigmas para o debate
jurídico de um tema pouco explorado em relação a outros que foram incansavelmente estudados
pela doutrina.
Portanto, visto a relevância jurídica e social desse tema, conforme demonstrado acima,
não há razões para não escrever e aprofundar a discussão proposta.

1.2 Metodologia

Primeiramente, como referencial teórico, será utilizada a doutrina jurídica em termos


gerais. Diante do enfoque multidisciplinar do projeto, englobando o Direito Administrativo e
uso de Inteligência Artificial, indicamos que serão utilizados ampla doutrina jurídica
especializada sobre Princípios Administrativos, presente nos artigos e nas obras próprias, e,
para a Inteligência Artificial, será utilizado a literatura do campo de estudo das ciências da
computação, mas apenas com o intuito de definir essa ferramenta
Será utilizada também como referencial teórico para os estudos, a jurisprudência dos
tribunais brasileiros sobre o tema. Nesse sentido, a pesquisa será focada nas decisões do
Tribunal de Contas da União. Também fará parte da pesquisa a análise dos casos concretos em
que se utilizou a Inteligência Artificial como instrumento para auxiliar a atividade da
Administração Pública.
Em síntese, o presente projeto se fundamentará na doutrina jurídica em termos amplos,
na jurisprudência dos tribunais de contas e na análise de casos concretos, de modo a concluir o
entendimento inicialmente proposto.

1.3 Objetivos

Para tanto, o presente Trabalho de Conclusão de Curso irá expor a evolução do conceito
de Princípios e qual dessas concepção será utilizada no trabalho, em qual contexto o Princípio
da Eficiência foi positivado na Constituição Federal de 1988 e o que se extrai dessa ideia de
eficiência dentro da Administração Pública. Além de tratarmos da incorporação de novas
tecnologias ao cotidiano dos servidores públicos.
13

Também será falado como a Inteligência Artificial foi concebida e como tem sido o
tratamento normativo acerca dessa tecnologia e, por fim, como ocorre esse uso com enfoque no
Tribunal de Contas da União.

Todos esses pontos visam demonstrar como a Administração Pública faz uso da
Inteligência Artificial para satisfazer o Princípio da Eficiência.

Dessa forma, todos esses pontos visam demonstrar como a Administração Pública faz
uso da Inteligência Artificial e como essa ferramenta propícia a satisfação do Princípio da
Eficiência na maior medida possível, esse que é o norteador de toda a atividade da
Administração Pública.
14

2 CONCEITO DE PRINCÍPIOS NO DIREITO

Em um primeiro momento é importante nos manifestarmos acerca das inúmeras


concepções acerca dos Princípios e como eles devem ser interpretados para o presente trabalho,
como seu objetivo e aplicações perante a instrumentalidade da inteligência artificial.
Tal como afirma o eminente jurista e professor Celso Antônio Bandeira de Mello3,
ninguém é dono das palavras, pode-se atribuir este mesmo rótulo a outro objetos mentáveis”,
dessa forma temos que não há uma conceituação correta ou incorreta sobre o que são os
Princípios Administrativos.
A evolução do conceito de princípios não segue uma linha reta ou possui respostas
corretas para sua definição, tal como o direito, é algo de constantes evoluções, cabendo ao
operador em encontrar a melhor definição para esse instituto no caso concreto ou em seu
objetivo de pesquisa.
Nesse sentido, dissertar sobre a evolução do conceito de princípios exige trabalho e um
amplo estudo focado nesse aspecto, o que não é a proposta deste trabalho. À vista disso, iremos
apresentar - resumidamente - a evolução e os inúmeros conceitos de princípio jurídico e o
conceito adotado para o presente trabalho.
A evolução doutrinária sobre a força normativa dos princípios passara por três fases
distintas. Na primeira, conhecida como Jusnaturalista, era considerado que os princípios não
possuem força normativa, representando ideias dependentes de regras concretas para sua
concretização.
Ao passo que na segunda, Juspositivista, os princípios possuem normatividade
subsidiária, atuando como “válvula de segurança”, que garantem a aplicação das leis, isto é,
suplementar elas. Nery Júnior afirma que os princípios não são regras, mas sim normas “que
têm conteúdo normativo e que são fontes criadoras de direitos e obrigações”.
Por último, na fase pós-positivista, os princípios são positivados na Constituição,
acentuando seu caráter valorativo e pilares de todo o ordenamento jurídico. É nessa fase que
são desenvolvidas as técnicas de ponderação de interesses, para serem aplicadas em casos
concretos frente a aplicação simultânea de dois princípios que estejam em conflito entre si.
Ferraz tece comentários acerca dessa fase:
Depreende-se que os princípios, na atual fase de constitucionalização, não se
resumiram apenas a suprir as lacunas legislativas, mas se desenvolveram como parte

3
Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 31. Ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2014. p. 54, nota de rodapé.
15

integrante das normas constitucionais, explícitos ou não, na medida em que servem


de base para a construção do ordenamento jurídico.4

Com a postura humanística e teleológica do direito, advém a perspectiva pós-positivista,


a partir da segunda metade do século XX, que é a chamada fase de constitucionalização dos
princípios, em que sua aplicação não ocorre somente quando houver lacunas no ordenamento,
mas, a partir de então, sua previsão consta no texto constitucional, incidindo como fonte para
qualquer tipo de julgamento.
Há também a classificação exposta nas valiosas lições de Ricardo Marcondes5, no qual
afirma que o conceito dos princípios passou por 3 fases durante a história da Ciência do Direito.
A primeira fase tinha como concepção de princípios os aspectos mais importantes de
uma determinada área do direito. Marcondes cita como exemplo prático dessa época a
publicação de livros que tinham por assunto os principais e mais importantes do direito. Ficando
evidente que nessa primeira fase os autores não se davam o trabalho de trazer uma definição do
conceito de princípios, mas sim em trazer os aspectos mais relevantes da matéria, no caso, do
direito administrativo. Citando de exemplo os livros do Ruy Cirne Lima “Princípios de Direito
Administrativo” e do Oswaldo Bandeira de Mello com sua obra “Princípios Gerais de Direito
Administrativo”.
Em um segundo momento, influenciado pelas ideias de Ricardo Marcondes, o cientista
do direito, Pedro Almeida6, resumiu esses ensinamentos, no sentido de que os princípios
adquiriram uma conceituação técnica, isto é, passaram a ser enunciados do direito positivo com
o intuito de explicar o sistema jurídico.
Passando a ter, além dessa conceituação técnica explicada por Pedro Almeida, um
conteúdo normativo, uma vez que, por fazerem parte do sistema jurídico, são norteadores de
interpretação de todas as normas jurídicas do sistema, mas não são autônomas.
Nessa mesma conceituação, Miguel Reale apresenta importantíssima lição no sentido
de que os princípios são pressupostos e premissas de uma determinada ciência, ou nas palavras
do eminente jurista, “verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia

4
FERRAZ, Danilo Santos; SOUSA, Thaís Cruz. Princípios constitucionais: do jusnaturalismo ao póspositivismo
à luz da hermenêutica constitucional. In: XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010, Fortaleza, Anais do XIX
Encontro Nacional do CONPEDI, Florianópolis: Fundação José Boiteux, 2010, p. 5886
5
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
p. 27-28.
6
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
p. 27-28. Apud ALMEIDA, Pedro Luiz Ferreira de. Improbidade Administrativa e o Princípio da Insignificância.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020
16

de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada


porção da realidade7”
Nessa mesma lógica, Celso Antônio Bandeira de Mello traz definição que bem define
essa segunda fase:

Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro


alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.8

Dessa forma, nos valendo mais uma vez dos ensinamentos de Pedro Almeida, essa
segunda fase pode ser assim definida pelos conceitos expostos, é evidente o caráter normativo
e axiológico dos princípios jurídicos. Essa noção foi, inclusive, recepcionada pela CF, que
positivou uma gama de princípios jurídicos, tornando sua observância impositiva.
Por fim, na terceira fase os princípios são passíveis de aplicação direta por possuírem
uma estrutura lógica de normas jurídicas, consistindo de manifestações irredutíveis do
deôntico9.
Robert Alexy10 diferencia os princípios das regras pela sua estrutura, no primeiro são
tratados como normas que ordenam a realização de algo na maior medida possível, ao passo
que as regras são normas exigentes de cumprimento pleno, sendo comente cumpridas ou
descumpridas. Podendo ser resumida na forma que os princípios são normas que estabelecem
um fim a ser atingido e as regras são os meios para que esse fim seja alcançado. Ou seja, o
princípio é o mandamento de otimização de todo o sistema jurídico em que está inserido11.
Dessa forma, os princípios possuem caráter axiológico ao expor um valor priorizado
pelo ordenamento jurídico e atualmente possuem um caráter normativo e, por conta de serem
normas jurídicas, são vinculantes. Entretanto, em razão de sua abstração, via de regra, não
podem ser aplicados sozinhos, pois, como dito, estabelecem um fim a ser atingido de modo que

7
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 60.
8
Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 31. Ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2014. p. 987. Apud ALMEIDA, Pedro Luiz Ferreira de. Improbidade Administrativa e o Princípio da
Insignificância. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020
9
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência apud MARTINS,
Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008
10
ALEXY, Robert. Sitema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. apud MARTINS, Ricardo Marcondes.
Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008
11
ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Apud ALMEIDA, Pedro Luiz Ferreira de. Improbidade
Administrativa e o Princípio da Insignificância. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
17

as normas jurídicas são os meios para se chegar a esse fim, de tal maneira a aplicação dos
princípios incide sobre casos concretos, não devendo ser uma atribuição exclusiva do poder
legislativo, o poder executivo deve nortear sua atuação conforme estabelecido pelos princípios.
É interessante destacarmos que uma nova conceituação de princípios não significa a
supressão da anterior, pelo contrário, há um dever do operador e do estudioso do direito em ter
um cuidado no momento que for optar por uma das conceituações para o caso prático ou o
objeto a ser estudado.
Nesse mesmo giro semântico, uma vez exposto as inúmeras conceituações de princípios,
o trabalho tomará como base a segunda conceituação exposta por Ricardo Marcondes, na qual,
conceitua o princípio como norteadores da aplicação do direito e, por consequência do Princípio
da Legalidade, a atuação da Administração Pública.
Passaremos a expor a respeito do Princípio da Eficiência, o que se extrai de seu
significado prático e em qual contexto a Administração Pública se encontrava para que
ocorresse a sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro, embora já tivesse indícios de
sua positivação e aplicação.
A adoção dessa metodologia se dá, principalmente, pela enorme quantidade de
princípios estampados em normas infralegais e outros criados por doutrinadores. Assim, um
afunilamento dos princípios - isto é, tratar apenas do Princípio da Eficiência - se dá como
medida mais segura e correta para analisarmos sob a luz da Inteligência Artificial.
18

3 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

A supressão do Estado Liberal no começo do século XIX, aliada ao inchamento da


máquina estatal, demonstrou que era uma tarefa inviável para a Administração Pública arcar
com todos os custos necessários para manter serviços públicos e afins, situação essa que
perdurou até o final da década de 8012.
Isso posto, diante da grande demanda e incapacidade do Estado gerir de forma eficiente
a execução de serviços públicos, esse modelo de administração demonstrou não ser o mais
adequado. Esse formato de governo somente tinha sucesso porque sua função era garantir a
propriedade e os contratos. De forma que a eficiência da Administração Pública não era uma
preocupação do gestor público, passando a ter um status de essencialidade13 somente quando
ela tomou para si o gerenciamento de serviços sociais e o controle intenso nas relações
econômicas - por meio de regulação do sistema econômico -, da mesma forma no fornecimento
dos serviços públicos.
Nesse contexto, a Reforma Administrativa ganhou força, com o intuito de incentivar a
transferência da execução dos serviços públicos para entes privados, exonerando o Estado do
gasto de recursos financeiros.
Porém, antes da reforma ocorrer de fato, já existia a edição de normas visando afastar
algumas atividades das mãos do Estado, buscando, principalmente, um aumento da eficiência
estatal, em momentos anteriores a reforma já dava indícios dessa intenção, com a Lei nº
8.031/1990 - posteriormente alterada pela Lei 9.491/1997 -, cujo objetivo era instituir um Plano
Nacional de Desestatização. Importante ressaltar que, desde os anos 60, mais precisamente em
1967, a eficiência administrativa já era tratada com enfoque na Administração Indireta, a
positivação ocorreu por meio do Decreto-Lei 200/196714, no qual elevou a eficiência
administrativa como norte a ser alcançado.

12
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Os primeiros passos da reforma gerencial do Estado de 1995. Revista
Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Salvador, n. 16, p. 1-36. dez.-fev. 2009. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/43782444_Os_primeiros_passos_da_reforma_gerencial_do_Estado_de
_1995. Acesso em: 17 out. 2022.
13
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reflexões sobre a reforma gerencial brasileira de 1995. Revista do Serviço
Público. Brasília. v. 50, n. 4, p. 5-29.out-dez 1999. Disponível em:
<https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/354>. Acesso em: 17 out. 2022.
14
Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão ministerial visará a assegurar, essencialmente:
[...]
III – A eficiência administrativa: (BRASIL. Decreto-lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe
sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa
e dá outras providências. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0200.htm. Acesso em:
11 out. 2022
19

Assim, o legislador e o administrador procuraram mudar a forma de gerenciamento da


Administração Pública, incentivando a transferência de algumas atividades para os particulares,
para que o Estado pudesse se reestruturar e prestar seus deveres com a maior eficiência possível.
Restando cristalino o interesse do Estado em buscar os melhores resultados, aliados a uma boa
gestão de recursos financeiros, de modo que a Emenda Constitucional nº 19/1998 surgiu
justamente para instaurar o conceito de eficiência.
A Emenda Constitucional n.º 19/1998 positivou o princípio da eficiência, passando a
integrar como um dos norteadores da atuação da Administração Pública, como extraímos do
caput do artigo 37 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:15

A inclusão desse ao rol de princípios apenas positivou uma situação que já se esperava
da Administração - em especial dos agentes públicos - isto é, a busca da maior eficiência em
suas atribuições.
Tal como o princípio da moralidade, a eficiência é rodeada de uma aura de abstração,
trata-se de uma tarefa árdua para o estudioso de direito fazer uma definição precisa e objetiva
acerca desse princípio.
Celso Antônio Bandeira de Mello traz valiosa lição acerca desse aspecto abstrato do
princípio da eficiência. Vejamos:

Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se,


evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e
de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno
agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto.
De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é
demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois
jamais suma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever
administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é
uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no
Direito italiano: o princípio da ‘boa administração’16

15
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, [2016]
16
Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 31. Ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2014. p. 111.
20

Essa eficiência - ou “boa administração” como dizem os italianos - implica dizer que a
atividade da administração deve ser feita com maestria, respeitando a proporção entre o custo
da satisfação das atividades públicas e a intensidade da utilidade decorrente delas. Nesse sentido
exponho excerto da estimada jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro17:

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado


em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor
desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em
relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública,
também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do
serviço público.

Destarte, por todo o exposto, a eficiência deve ser analisada de modo amplo, isto é,
visando ser aplicada em todos as situações em que a Administração Pública faça parte, desde
contratações de projetos de infraestrutura de altos valores a simples atividades do cotidiano de
um servidor público no exercício de sua função.
Nessa lógica, como ensinado por Gabardo18, a eficiência não deve ficar restrita somente
ao aspecto econômico - em uma ideia de se alocar o melhor uso aos recursos financeiros -, esse
aspecto deve ser uma das consequências dos quatros atributos que o autor usa para definir a
eficiência. Quais sejam: racionalização, produtividade, economicidade e celeridade, ao ponto
do primeiro ser o alicerce de todos os outros. Isso é dizer que a eficiência é um ideal de
racionalização da ação humana, de modo que, a partir da análise dos atributos, a racionalização
é “como um processo de busca de modo ótimo ou do melhor modo possível na realização do
fim19”
A Reforma Administrativa de 1995 e, por consequência, a Emenda Constitucional n.º
19/1998, demonstrou as intenções do Estado em romper com o antigo modelo gerencial,
baseado em uma atividade totalmente controlada e burocratizada, a qual era demasiadamente
lenta e exigia um investimento financeiro tão grande quanto.

17
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
18
GABARDO, Emerson. A eficiência no desenvolvimento do Estado brasileiro: uma questão política e
administrativa. In: MARRARA, Thiago (Org.). Princípios de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p.
327-351.
19
GABARDO, Emerson. Princípio da eficiência. In: NUNES JUNIOR, Vidal Serrano et al. Enciclopédia Jurídica
da PUCSP, tomo II (recurso eletrônico): direito administrativo e constitucional. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/82/edicao-2/principio-
da-eficiencia> Acesso em 10. out. 2022.
21

Ao passo que a atual, busca justamente o contrário, uma Administração mais produtiva
e imediatista, ou seja, uma Administração Gerencial, a qual cito Daniela Mello Coelho20 que
bem define tal modelo:

A administração gerencial caracteriza-se pela existência de formas modernas de


gestão pública, modificando os critérios de aplicação do controle dos serviços
públicos, as relações estabelecidas entre o Poder Público e seus servidores e alterando,
também, a própria atuação da administração, que passa a enfatizar a eficiência, a
qualidade e a efetiva concretização do regime democrático, mediante a participação
mais intensa dos cidadãos.

E não só, buscando melhorar ainda mais a eficiência há também o conceito de


Administração Pública 4.021, a qual se utiliza de ferramentas ainda mais vantajosas como a
intensificação do uso de recursos computacionais e tecnológicos para tanto.
A substituição de algumas atividades que antes eram feitas exclusivamente com papel
passaram a serem feitas por intermédio de novas tecnologias, desde exemplos banais do
cotidiano como o uso de assinaturas eletrônicas quanto a procedimentos administrativos, como
a atualização da documentação de veículos automotores, nos quais era necessário a entrega de
inúmeros documentos de forma presencial e agora podem ser feitos a partir da própria
residência casa com documentos digitais.
Essa situação ficou ainda mais evidenciada durante a pandemia causada pelo COVID-
19. Atividades que antes eram realizadas quase que exclusivamente de modo presencial, como
as audiências, passaram a adotar a videoconferência como uma alternativa e, passado o período
de restrições de mobilidade, foi adotado como modelo padrão, justamente por ser mais eficiente,
demonstrando, assim, que a Administração Pública também foi beneficiada com a adoção de
metodologias que foram introduzidas durante a pandemia e se mantiveram após o fim dela.
Ainda nesse contexto de incorporação de novas tecnologias para uma maior satisfação
do Princípio da Eficiência, é importante destacarmos o uso da Inteligência Artificial22.
Ademais, esse novo modelo de gestão pública tem sido objeto de estudos averiguando
em qual medida pode ser útil para um ganho de eficácia dentro da máquina pública:

20
MELLO COELHO, Daniela. Elementos essenciais ao conceito de administração gerencial. Revista de
informação legislativa, v. 37, nº. 147, pág 257-262, jul./set. 2000 Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/622> Acesso em 30. set. 2022
21
ANTUNES DE SOUZA. Alexandre Magno. Administração pública 4.0 - a mudança por meio da blockchain e
da inteligência artificial. In: SADDY, André (coord). Inteligência Artificial e Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: CEEJ, 2022, pág. 54
22
Esse é o objeto do presente trabalho e que será melhor explorada no próximo capítulo.
22

O fenômeno que está provocando mudanças profundas em alguns governos ganhou


um nome: digitalização. O termo passou a fazer parte do vocabulário de gestores
públicos em todo o mundo nos últimos anos e virou tábua de salvação para uma
administração inchada, ineficiente e cara. Estimativas da consultoria McKinsey
apontam que a adoção de tecnologias para a digitalização dos governos representa
globalmente uma oportunidade de economia de 1 trilhão de dólares por ano. Outro
estudo, da consultoria Accenture, calcula que 1% de avanço na digitalização do setor
público poderia gerar um acréscimo de 0,5% no produto interno bruto dos países e de
quase 2% na receita de comércio exterior.23

Dessa forma, a integração dessas novas tecnologias se faz necessária não somente pela
satisfação do princípio da eficiência, mas, também, para uma melhora na economia - refletido
no aumento no PIB -, bem como o papel de romper com a antiga forma de administração, como
uma clara necessidade de a Administração Pública incorporar novas tecnologias conforme elas
são criadas.
Nesse sentido, Alexandre Magno, citando os ensinamentos de Joseph Schumpeter,
mostra a necessidade de aderir a essas tecnologias.

O processo de avanço tecnológico sucede de forma disruptiva em conformidade


daquilo que Joseph Schumpeter chamou de destruição criativa. A cada inovação
trazida há o rompimento da tecnologia anterior, tornando obsoleto os métodos que
não acompanham a evolução. Apesar de a teoria do economista austríaco ter sido
pensada para explicar como o capitalismo se renova com a criação de um novo método
industrial ou descoberta de uma nova tecnologia, ela serve para ilustrar acerca da
necessidade que a Administração Pública tem de acompanhar as mudanças
tecnológicas.24

Como amplamente exposto, o princípio da eficiência foi positivado dentro do contexto


da reforma administrativa que buscava diminuir a atuação da Administração Pública em todas
as áreas, de modo que suas tarefas foram transformadas pelo uso de tecnologias.

23
Fabiane Stefano, de Talim, André Jankavski, de Copenhague, e Ernesto Yoshida. 2019. “A hora e vez do
Governo 4.0”. Exame, 23/05/2019.
24
SOUZA. Alexandre Magno Antunes de. Administração pública 4.0 - a mudança por meio da blockchain e da
inteligência artificial. In: SADDY, André (coord). Inteligência Artificial e Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
CEEJ, 2022 apud SCHUMPETER, Joseph. Capitalism, Socialism, and Democracy. New York: Harper, 1950.
23

A Inteligência Artificial representa uma dessas tecnologias que, ao buscar os melhores


resultados com o menor dispêndio de recursos financeiros. Substitui a racionalização do ser
humano pela das máquinas. Essa tecnologia passará a ser explorada no próximo capítulo.
24

4 CONCEITO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A Inteligência Artificial é rodeada por uma aura de mistérios e inseguranças, mas ao


mesmo tempo desperta um interesse muito grande da população em geral por se tratar de uma
criação, que ao contrário de outras máquinas, pode pensar e tomar decisões por conta própria.
Tamanho é esse fascínio que a indústria cinematográfica utiliza e abusa desse conceito em
inúmeros filmes de ficção científica.
Dentre esses filmes, é importante destacar clássicos como Blade Runner25 (1982) e o
Exterminador do Futuro 2 – O julgamento final26 (1991), que em suas respectivas realidades,
demonstraram a presença de personagens robóticos com a possibilidade de pensarem, tomarem
suas próprias decisões e se passarem por humanos.
Fora da magia do cinema, a Inteligência Artificial teve como marco inicial de seus
estudos os artigos de Warren McCulloch e Walter Pitts que visavam simular o comportamento
do neurônio natural, sendo batizado “redes neurais artificiais"27.
Posteriormente, nos anos 50, o pai da ciência da computação - Alan Turing - publicou
o artigo mais relevante sobre o tema “Computing Machinery and Intelligence”28, com o intuito
de responder se as máquinas podiam pensar e ter uma conversa por escrito se passando por
humanos.
Tal questão levou a criação da “Teste de Turing”, que testava a capacidade de uma
máquina exibir comportamentos inteligentes da mesma forma que um ser humano. Porém, as
máquinas demonstravam esses comportamentos porque eram ensinadas e aprendiam conforme
fossem programadas, trazendo, ainda, a comparação que os computadores poderiam aprender
coisas da mesma forma de um ser humano em idade infantil e não descartou a possibilidade dos
computadores se tornarem autônomos em seus aprendizados - não mais dependendo de seres
humanos para ensiná-lo29.

25
BLADE RUNNER. Direção: Ridley Scott. Produção de Michael Deeley. Estados Unidos: Warner Bros Pictures,
1982. 1 VHS.
26
O EXTERMINADOR DO FUTURO 2 - O JULGAMENTO FINAL. Direção: James Cameron. Produção de
James Cameron. Estados Unidos: TriStar Pictures, 1991. 1 VHS.
27
Há duas linhas de pensamento em que a Inteligência Artificial pode ser abordada, a primeira se trata da “baseada
em regras”, no qual é utilizada a lógica e a abordagem das redes neurais. - WEID, Irene von der. Inteligência
artificial: análise do mapeamento tecnológico do setor através das patentes depositadas no Brasil. Rio de Janeiro:
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Brasil) – INPI, Diretoria de Patentes, Programas de Computador e
Topografia Circuitos Integrados – DIRPA, Coordenação Geral de Estudos, Projetos e Disseminação da Informação
Tecnológica – CEPIT e Divisão de Estudos e Projetos – DIESP, 2020, p.8.
28
TURING, A. M. Computing Machinery and Intelligence. Mind a Quarterly Review of Psychology and
Philosophy. Vol. LIX. nº. 236. October 1950.
29
Nas palavras de Alan Turing: “An important feature of a learning machine is that its teacher will often be very
largely ignorant of quite what is going on inside, although he may still be able to some extent to predict his pupil's
behavior. This should apply most strongly to the later education of a machine arising from a child machine of
25

Essa possibilidade de os computadores aprenderem, sem serem instruídos pelos seres


humanos, é o que chamamos de “machine learning”, e - como citado por Turing - essa
capacidade de serem educados permite que uma máquina afaste limitações humanas - tais como
falta de atenção, cansaço e, principalmente, tempo -, de modo a resolverem problemas no menor
tempo possível e sem erros.
Como sintetizado por Alexandre Magno30, o cientista da computação Alan Turing se
utilizou do termo “educar” porque o computador somente faz atividades que poderiam ser
realizadas por um ser humano. Isso é, um computador precisa de 3 elementos para resolver um
determinado problema, sendo eles: (i) Armazenamento de dados (“Store”); (ii) Unidade
executiva (“Executive Unit”) e; (iii) Controle (“Control”).
O primeiro são os dados armazenados em sua memória, o segundo trata-se do modo
como a máquina irá realizar as atividades atribuídas a ela e, finalmente o terceiro seriam os
parâmetros que a máquina deve respeitar como se fossem um livro de regras31.
Dessa forma, o machine learning - ou aprendizado de máquinas -, a partir da educação
dada pelos seres humanos, tem como característica aprender sem a necessidade de serem
programados para todas as suas atividades.
O aprendizado dependerá exclusivamente da máquina que se valerá dos algoritmos32,
cujo objetivo é capacitá-las a aprenderem sozinhas por meio de dados. Se diferenciando de

well-tried design (or programme). This is in clear contrast with normal procedure when using a machine to do
computations one's object is then to have a clear mental picture of the state of the machine at each moment in the
computation. This object can only be achieved with a struggle. The view that "the machine can only do what we
know how to order it to do,"appears strange in face of this. Most of the programmes which we can put into the
machine will result in it’s doing something that we cannot make sense (if at all, or which we regard as completely
random behaviour. Intelligent behaviour presumably consists in a departure from the completely disciplined
behaviour involved in computation, but a rather slight one, which does not give rise to random behaviour, or to
pointless repetitive loops. Another important result of preparing our machine for its part in the imitation game by
a process of teaching and learning is that "human fallibility" is likely to be omitted in a rather natural way, i.e.,
without special "coaching." (The reader should reconcile this with the point of view on pages 23 and 24.) Processes
that are learnt do not produce a hundred per cent certainty of result; if they did they could not be unlearnt. [...]
We may hope that machines will eventually compete with men in all purely intellectual fields.” TURING, A. M.
Computing Machinery and Intelligence. 1950.
30
SOUZA. Alexandre Magno Antunes. Administração pública 4.0 - a mudança por meio da blockchain e da
inteligência artificial. In: SADDY, André (coord). Inteligência Artificial e Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
CEEJ, 2022, pág 68
31
Alan Turing chama de tabela de instruções (“table of instructions”) - TURING, A. M. Computing Machinery
and Intelligence. 1950. Disponível em https://www.csee.umbc.edu/courses/471/papers/turing.pdf.
32
Nas palavras de Paulo Sá Elias: Algoritmo (algorithm), em sentido amplo, é um conjunto de instruções, como
uma receita de bolo, instruções para se jogar um jogo, etc. É uma sequência de regras ou operações que, aplicada
a um número de dados, permite solucionar classes semelhantes de problemas. Na informática e telemática, o
conjunto de regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um
número de etapas. Em outras palavras mais claras: são as diretrizes seguidas por uma máquina. Na essência, os
algoritmos são apenas uma forma de representar matematicamente um processo estruturado para a realização de
uma tarefa. Mais ou menos como as regras e fluxos de trabalho, aquele passo-a-passo que encontramos nos
processos de tomada de decisão em uma empresa, por exemplo. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/dl/algoritmos-inteligencia-artificial.pdf.> Acesso em: 11 out. 2022.
26

outros programas, nos quais o programador deve escrever códigos para que o software faça
determinada tarefa, o aprendizado nada mais é do que um treinamento, que é realizado a partir
de uma grande quantidade de informações que são inseridas no algoritmo, permitindo que ele
se desenvolva e melhore seus resultados.
Em relação a esse treinamento, há várias formas em que o aprendizado de máquina pode
ocorrer, sendo as mais utilizadas: (i) supervisionada, quando existe uma classificação criada
pelo programador, ou seja, por meio de dados rotulado; e (ii) não supervisionada, na qual não
depende de dados rotulados, de maneira que a distinção de ambos recai na forma em que os
dados são carregados como input no sistema33.
A título exemplificativo, trago o exemplo trazido por Paulo Sá Elias34 que bem define o
treinamento supervisionado:

Exemplo: o aprendizado de máquina foi utilizado para melhorar


significativamente a visão por computadores (a capacidade de uma
máquina reconhecer um objeto em uma imagem ou vídeo). Os seres
humanos podem marcar imagens que têm um gato versus aquelas que
não os possuem. O algoritmo tenta construir um modelo que pode
marcar com precisão uma imagem como contendo um gato ou não,
assim como um ser humano. Uma vez que o nível de precisão é alto o
suficiente, a máquina agora “aprendeu” como é um gato, como ele se
parece.

Ao passo que não supervisionado pode ser assim definido:

Em contraste, a aprendizagem não supervisionada ocorre quando não há


categorização ou rotulação dos dados. A máquina não terá ideia do conceito
de fruta, por isso não pode etiquetar os objetos. No entanto, pode agrupá-los
de acordo com suas cores, tamanhos, formas e diferenças. A máquina agrupa
as coisas de acordo com semelhanças, encontrando estruturas e padrões
ocultos em dados não rotulados. Não existe caminho certo ou errado, e
nenhum professor. Não há resultados, apenas uma análise pura dos dados.35

33
SADDY, André. GALIL, João Victor Tavares. O processo de tomada de decisão administrativa e o uso da
Inteligência Artificial. In: SADDY, André (coord). Inteligência Artificial e Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
CEEJ, 2022, pág. 150
34
ELIAS, Paulo Sá. Algoritmos, Inteligência Artificial e o Direito. pág. 2. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/dl/algoritmos-inteligencia-artificial.pdf.> Acesso em: 11 out. 2022.
35
Obtido em <https://www.tibco.com/pt-br/reference-center/what-is-unsupervised-learning> acesso em 12. out.
2022
27

Dentre as inúmeras formas de treinamentos da máquina36, é importante destacar a


técnica de deep learning, no que se refere ao uso de redes neurais artificiais com múltiplas
camadas. Essas redes neurais pegam por base o funcionamento de um cérebro humano37, nelas
existem neurônios que possuem camadas (layers) e conexões com outros neurônios. De forma
que cada uma dessas layers possuem uma atribuição específica, permitindo a extração e análise
de dados de maneira autônoma.
Assim, o deep learning tem sido o método do aprendizado de máquinas mais utilizado,
uma vez que tem capacidade de funcionar com grande quantidade de dados e seus resultados
são superiores38 frente às outras técnicas.
A figura 1 abaixo exemplifica como a machine learning é uma área da inteligência
artificial e o deep learning é uma técnica de aprendizado de máquina.

Figura 1 – Diagrama de Venn demonstrando como se relacionam os elementos da Inteligência


Artificial

Fonte: IBM Cloud Education

36
Nos ensinamentos de Paulo Sá Elias: Outras abordagens incluem aprendizagem por meio de árvores de decisão
(decision tree learning), programação de lógica indutiva (inductive logic programming), agrupamento (clustering),
aprendizagem de reforço (reinforcement learning), redes bayesianas (Bayesian networks), entre outros. Disponível
em: <https://www.conjur.com.br/dl/algoritmos-inteligencia-artificial.pdf.> Acesso em: 11 out. 2022.
37
ELIAS, Paulo Sá. Algoritmos, Inteligência Artificial e o Direito. pág. 2. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/dl/algoritmos-inteligencia-artificial.pdf.> Acesso em: 11 out. 2022.
38
Como explicado por Danubia Desordi e Carla Della Bona apud PORTO, Fábio Ribeiro. O impacto da utilização
da inteligência artificial no executivo fiscal. Estudo de caso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. In:
FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de (Coord.). Tecnologia jurídica
& direito digital: II Congresso Internacional de Direito, Governo e Tecnologia. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p.
109-144.
28

A junção desses aspectos da machine learning e do deep learning - por consequência,


as redes neurais artificiais - contribuem para a popularidade da Inteligência Artificial, podendo
ser explicado pela World Intellectual Property Organization:

“Artificial intelligence (AI)” is a discipline of computer science that is aimed


at developing machines and systems that can carry out tasks considered to
require human intelligence, with limited or no human intervention.39

Por fim, apesar das ideias trazidas serem superficiais, elas servem apenas para mostrar
como a Inteligência Artificial funciona e como podem auxiliar os seres humanos - e, por
conseguinte a Administração Pública - em tarefas rotineiras. O seu uso prático será aprofundado
nos capítulos seguintes.

39
WIPO, “Revised Issues Paper on Intellectual Property Policy and Artificial Intelligence” (WIPO, May 21, 2020)
<https://www.wipo.int/edocs/mdocs/mdocs/en/wipo_ip_ai_2_ge_20/wipo_ip_ai_2_ge_20_1_rev.pdf.> p. 3.
Acesso em: 11. out. 2022.
29

5 TRATAMENTO NORMATIVO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Diante da grande importância e aumento do interesse pelo uso da Inteligência Artificial


– em razão de suas aplicações práticas – é esperado que ocorram debates acerca da
regulamentação do uso dessa tecnologia. Entretanto, por mais que haja interesse nesse ramo, é
esparsa a legislação que trata sobre esse tema com poucas leis específicas e, quando existem,
não lidam de maneira adequada que ele exige.
Como adiantado no Capítulo 1, o Brasil não possui tratamento normativo acerca do uso
da Inteligência Artificial, muito em razão da complexidade do assunto e de tecnologia recente,
indo muito além do campo científico do direito, de modo a ser difícil sua conceituação de forma
adequada, que pode ser detectada nas tentativas de regulamentação da matéria.
Ainda, esse capítulo se faz necessário por conta da incidência do Princípio da
Legalidade. Sem embargos que não seja o objeto principal da monografia, é importante
destacarmos esse aspecto porque a Administração Pública, nas palavras de Celso Antônio
Bandeira de Mello, “só pode ser exercida na conformidade da lei40”.
Desse modo, trata-se de tarefa complexa para o administrador público implementar
essas tecnologias - no caso em apreço das aplicações da Inteligência Artificial -, uma vez que
não basta uma simples mudança, é necessário todo um processo legislativo para isso. É de se
frisar que, para a satisfação do Princípio da Eficiência, é necessário que o Princípio da
Legalidade seja satisfeito preliminarmente.
Destarte, passo a expor as tentativas de regulamentação em âmbito federal, como os
Projeto de Lei n.º 5.051 e 5.691, ambos de 2019, de autoria do Senador Styvenson Valentim, -
com o objetivo de estabelecer os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil -, no
qual encontram-se hodiernamente em tramitação.
Entretanto, é importante constatarmos que pela análise das justificativas e artigos do
projeto ambos os projetos são vagos e genéricos, devida a complexidade já mencionada do
assunto abordado.
Inclusive, em relação a isso Tepedino traz curiosa consideração acerca desse aspecto:
Não seria possível lidar com tantas e tão velozes inovações com base
exclusivamente em regras codificadas ou estabelecidas em leis especiais. Isto
porque a técnica regulamentar, por mais detalhada que seja, mostra-se
insuficiente para solucionar problemas que, a cada dia, desafiam a imaginação
do legislador e do magistrado. Daí a importância das cláusulas gerais e dos
princípios que, de modo mais abrangente, permitem ao intérprete estabelecer
padrões de comportamento coerentes com a tábua de valores do ordenamento.

40
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31ª edição. São Paulo: Malheiros, 2014.
pág. 91
30

Esse processo de unificação do sistema jurídico só é possível mediante a


aplicação direta das normas constitucionais. Somente estas, por sua posição
hierarquicamente superior a todas as demais leis, conseguem exercer o papel
de centralidade para a harmonização das fontes normativas, oferecendo
segurança jurídica e preservando a unidade sistemática que caracteriza a
própria noção de ordenamento.41

Assim, para o autor, fica claro que é necessário a aplicação de cláusulas gerais e dos
princípios para iniciarmos o tratamento dessas novas tecnologias que constantemente são
objetos de evoluções.
No âmbito internacional, em 2019, o Brasil aderiu aos princípios da OCDE
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para administrar de forma
responsável o uso da tecnologia da Inteligência Artificial, sendo, inclusive, este um dos
primeiros documentos transnacionais a abordar diretrizes para que os governos adotassem a
tecnologia da Inteligência Artificial respeitando os direitos humanos e a democracia 42. Os
cincos princípios afirmam, de forma resumida, o seguinte:

1. AI should benefit people and the planet by driving inclusive growth,


sustainable development and well- being. 2. AI systems should be designed in
a way that respects the rule of law, human rights, democratic values and
diversity, and they should include appropriate safeguards – for example,
enabling human intervention where necessary – to ensure a fair and just
society. 3. There should be transparency and responsible disclosure around
AI systems to ensure that people understand when they are engaging with them
and can challenge outcomes. 4. AI systems must function in a robust, secure
and safe way throughout their lifetimes, and potential risks should be
continually assessed and managed. 5. Organizations and individuals
developing, deploying or operating AI systems should be held accountable for
their proper functioning in line with the above principles.43

Interessante visualizar que tanto nos projetos de lei, quanto nos princípios da OCDE, há
um cuidado em definir os fins da Inteligência Artificial, bem como os limites de suas atuações
que devem ser baseadas na transparência, segurança, responsabilização por seus atos e
prestação de contas.

41
TEPEDINO, Gustavo. As tecnologias e a renovação do Direito Civil. Publicado em 12 de junho de 2019.
Disponível em: <http://www.oabrj.org.br/colunistas/gustavo-tepedino/as-tecnologias-renovacao-direito-
civil?fbclid=IwAR1PumT-lccIeKgJQzAbrV6o1Odgqzh1CkrA_va5UsHbu3RWyYgTkrn2V9M> Acesso em: 12
out. 2022.
42
TEFFÉ, Chiara Spadaccini de; MEDON, Filipe. Responsabilidade Civil e Regulação de Novas Tecnologias:
Questões acerca da Utilização de Inteligência Artificial na Tomada de Decisões Empresariais. Revista Estudos
Institucionais, v. 6, n. 1, jan./abr. 2020, p. 307.
43
OECD, Organization for Economic Co-operation and Development. Principles on Artificial Intelligence.
Publicado em 21 de maio de 2019 Disponível em: <https://www.oecd.org/digital/artificial-intelligence/>. Acesso
em 12 out. 2022.
31

Destaco a Portaria nº 1.122, de 19 de março de 2020, do Ministério da Ciência,


Tecnologia, Inovações e Comunicações (“MCTIC”), que possui como finalidade definir as
prioridades no que se refere ao desenvolvimento de tecnologia. Mais precisamente o inciso I
do artigo 4º da referida portaria que dentre a área de Tecnologias Habilitadores contempla entre
vários setores especificamente a Inteligência Artificial.
Como resultado dessa portaria foi elaborada a Estratégia Brasileira de Inteligência
Artificial (“EBIA”)44, cujo objetivo é nortear as ações do Estado brasileiro em prol do
desenvolvimento das ações, sempre visando estimular a pesquisa, inovação, e desenvolvimento
de soluções no uso da Inteligência Artificial, bem com o seu uso consciente e ético, tendo como
nove eixos temáticos, seis deles com relação ao próprio uso em si e três deles transversais a
esses usos, no qual destaco: Legislação, regulação e uso ético; Governança de IA; e Aspectos
Internacionais. Esses eixos, possuem o intuito de organizar, à luz das diretrizes da OCDE, o
debate a respeito da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial. (Figura 2).

Figura 2 – 9 Eixos temáticos

Fonte: Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – EBIA

Diante dessa ausência de legislações específicas, alguns setores trouxeram


regulamentação própria para o tema.
Assim temos a Resolução nº 332/2020 do Conselho Nacional de Justiça45, que regula o
tratamento da criação e uso de Inteligência Artificial no âmbito do Poder Judiciário. Sendo o

44
BRASIL, Governo Federal, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Estratégia
Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA). Brasília. Disponível em: < https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-
o-mcti/transformacaodigital/arquivosinteligenciaartificial/ia_estrategia_diagramacao_4-979_2021.pdf>.
45
Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429.> Acesso em 17. out. 2022
32

título normativo que melhor definiu o uso dessa tecnologia, tratando-se de um marco para o
tratamento normativo da aplicação da Inteligência Artificial, pois foi a primeira norma nacional
a tratar esse tema de forma específica.
Pela leitura da citada Resolução é possível identificar que as aplicações da Inteligência
Artificial, dentro do Poder Judiciário, têm objetivos bem definidos como estabelecido no seu
segundo artigo, no qual positiva o dever de promover o bem-estar dos jurisdicionados, a
prestação equitativa da jurisdição, bem como incentivar a descoberta de novos métodos e
práticas para alcançar o seu fim pretendido.
Relevante apontar que a norma ainda trouxe restrições e limitações para essa tecnologia
dentro do âmbito judiciário, tal como o respeito ao direitos fundamentais durante o
desenvolvimento, implantação e uso da Inteligência Artificial, bem como o uso dessa tecnologia
no contexto de reconhecimento facial, nesse caso é exigido a prévia anuência do CNJ para sua
implementação e uso46. Como visto no artigo 22, § 2º da Resolução em comento, in verbis:

Art. 22. Iniciada a pesquisa, desenvolvimento ou implantação de modelos de


Inteligência Artificial, os tribunais deverão comunicar imediatamente ao Conselho
Nacional de Justiça e velar por sua continuidade.
§ 2º Não se enquadram no caput deste artigo a utilização de modelos de Inteligência
Artificial que utilizem técnicas de reconhecimento facial, os quais exigirão prévia
autorização do Conselho Nacional de Justiça para implementação.

Dessa forma, indubitável o destaque que essa Resolução merece, justamente por
apresentar um trabalho muito minucioso em comparação aos Projetos de Lei e, também, por
buscarem regulamentar a Inteligência Artificial dentro de suas competências.
Embora haja inúmeras tentativas de nacionais de colocarem uma luz acerca da
regulamentação do uso da Inteligência Artificial na Administração, fato é que nenhuma
conseguiu fazer isso de forma concreta e eficaz, muito em razão do baixo interesse da população
brasileira.
É certo que há um desafio enorme em regulamentar essa matéria, não somente no âmbito
nacional, mas também no internacional. Apesar dessas tentativas realmente serem passos na
direção correta, é possível identificar que o tratamento normativo ainda se encontra em um
estágio prematuro, devendo os legisladores e, principalmente, a população, desenvolverem um
amadurecimento no tratamento para que se alcance uma regulamentação especializada na
mesma proporção que sua importância exige.
33

Imprescindível ainda apontar os desafios que a regulação pode enfrentar durante o


processo de regulamentação dessa matéria. Como dito anteriormente, o direito demora em
alcançar as mudanças fáticas na sociedade e dentre essas mudanças, as inovações tecnológicas
são os principais desafios. Assim, é necessária uma legislação que trate de maneira acertada e
aprofundada sobre os aspectos da utilização da Inteligência Artificial.
Por fim, outros setores da sociedade devem fazer parte, não somente de maneira indireta
- por meios de seus representantes -, mas ativamente, desde a definição do conceito do que é
propriamente a Inteligência Artificial, e também de que maneira ela deve ser utilizada e, a
responsabilidade aos agentes responsáveis por ela.
Demonstrada a insuficiência de tratamentos normativos desse tema, passo a expor como
as aplicações da Inteligência Artificial podem ser úteis para a Administração Pública na busca
por uma maior eficiência de suas atividades.
34

6 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA SATISFAZER O PRINCÍPIO DA


EFICIÊNCIA

No tocante à relação existente entre o princípio da eficiência e a inteligência artificial,


cumpre ressaltar que a utilização dessa tecnologia pela Administração Pública tem por objetivo
otimizar os gastos públicos, além de outras atividades, gerando resultados mais precisos num
menor tempo em relação a um servidor humano. Essa eficácia superior se dá em razão da
possibilidade das máquinas processarem uma infinidade de dados num tempo mais curto e
cruzar com outras informações para alcançar o resultado desejado.
Como consequência lógica dessa maior rapidez e eficiência, o uso da Inteligência
Artificial na Administração Pública tem a capacidade de viabilizar a satisfação do Princípio da
Eficiência em maior medida do que aqueles alcançados pelo ser humano.
Essa capacidade decorre do fato que muitas vezes nos deparamos com situações em que
há problemas para satisfação das atividades públicas, tendo como origem o fato dos servidores
públicos serem humanos. Apesar da obviedade que essa afirmação possa trazer, mister
expormos as razões pela qual o fato de seres humanos trazerem dificuldades para o
cumprimento do princípio da eficiência.
Há questões como escassez de recursos financeiros para contratação de novos
funcionários, déficit de pessoas aptas a trabalhar, bem como a possibilidade de pessoas má
intencionadas desviarem recursos ou não exercerem suas atividades com o zelo que se espera,
justificando o aumento do uso da Inteligência Artificial dentro da Administração Pública.
A utilização de Inteligência Artificial não é algo novo no Brasil o Tribunal de Contas
da União levantou um estudo avaliando o uso da Inteligência Artificial pelo Governo Federal47,
chegando às seguintes conclusões:

• O TCU realizou, sob a relatoria do ministro Aroldo Cedraz, levantamento


para avaliar o estágio atual e perspectivas da Inteligência Artificial (IA) na
administração federal.
• Mais de um terço (38%) das organizações federais estão no nível zero de
maturidade em IA, ou seja, não utilizam e sequer planejam utilizar essa tecnologia
exponencial.
• Um outro terço da APF (33,5%) se encontra no nível 1. Isso significa que já
estão tendo conversas internas sobre a inteligência artificial, mas de modo ainda
especulativo.
• Cerca de três em cada dez instituições da APF (28,5%) se localizam nos
níveis 2, 3 ou 4 de maturidade em IA.
• A fiscalização apontou falhas no modelo de vinculação lógica entre
problemas, ações e resultados das soluções em inteligência artificial.

47
Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-avalia-uso-de-inteligencia-artificial-pelo-
governo-federal.htm>. Acesso em 13. out. 2022
35

Nota-se que mais do que um terço das organizações federais sequer utilizam essa
tecnologia para melhorar sua eficiência, ao passo que praticamente na mesma proporção há
instituições com alto nível de maturidade no uso da Inteligência Artificial.
O uso da Inteligência Artificial pode ocorrer tanto no âmbito operacional interno, quanto
no externo da Administração Pública. No primeiro, os meios informáticos podem ser utilizados
tanto em atividades informativas, que dizem respeito ao tráfego de informações entre os
sistemas, bem como em atividades decisórias, na qual a atuação humana é deixada de lado em
detrimento dessas tecnologias exercerem essas competências48.
Já no âmbito externo temos alguns serviços que não podem ser prestados mediante
sistemas informáticos, a Inteligência Artificial se mostra como uma tecnologia que pode agir
como uma ponte entre a administração e administrado quanto acesso a dados e serviços
públicos49.
Cabe destaque ao Tribunal de Contas da União que foi um dos precursores no
experimento do uso de Inteligência Artificial50, especialmente no procedimento de tomada de
contas, ocorrendo justamente no âmbito operacional interno - no qual o Tribunal de Contas atua
-, conforme estabelecido no artigo 71 da Constituição Federal. In verbis:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante
parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e
sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que
derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário
público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a
qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em
comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões,
ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato
concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de
Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil,

48
BREGA, José Fernando Ferreira. Governo eletrônico e direito administrativo. 2012. 336 f. Tese (Doutorado em
Direito do Estado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-06062013-154559/
publico/TESE_FINAL_Jose_Fernando_Ferreira_Brega.pdf>. Acesso em 19 out. 2022.
49
DESORDI, D.; BONA, C. D. A inteligência artificial e a eficiência na administração pública. Revista de Direito,
[S. l.], v. 12, n. 02, p. 01–22, 2020. DOI: 10.32361/202012029112. Disponível em:
https://periodicos.ufv.br/revistadir/article/view/9112. Acesso em: 10 set. 2022.
50
TEMER, Milena Cirqueira. Utilização da inteligência artificial - ia na atividade de fiscalização dos tribunais de
contas. In: SADDY, André (coord). Inteligência Artificial e Direito Administrativo. Rio de Janeiro: CEEJ, 2022,
pág. 510
36

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos


Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a
União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante
convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito
Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de
suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e
inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade
de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações,
multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao
exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à
Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso
Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não
efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão
eficácia de título executivo.
§ 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente,
relatório de suas atividades.
(...)51

A Inteligência Artificial utilizada pelo TCU, visando um aumento de eficiência em suas


atividades, se dá por meio do robô denominado Alice, acrônimo para Análise de Licitações e
Editais, que conta com a ajuda de outros três robôs, Adele, Sofia e Mônica52, que fiscalizam a
existência de fraudes em licitações53.
Esses robôs possuem a função de detectar possíveis irregularidades dentro do processo
de contratações públicas, auxiliando o agente de fiscalização. A Alice tem como objetivo a
leitura dos editais, verificando pontos específicos buscando não conformidades. É imperioso
ressaltar que essas não conformidades não tratadas, a princípio, como irregularidades, mas sim
indícios. Uma vez constatado esses indícios, a informação será repassada ao agente público que
empregará sua atenção apenas nesses aspectos levantados pela Inteligência Artificial,
empregando menos esforços e um espaço de tempo menor também.
Por sua vez, a Sofia atua como uma revisora dos relatórios de auditoria e instruções,
além de procurar padrões nas informações coletadas para o agente público. Por exemplo, a Sofia

51
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, 2016
52
Sofia e Mônica são acrônimos de “Sistema de orientações sobre fatos e indícios” e "Monitoramento
integrado para controle de Aquisições” respectivamente.
53
Disponível em: <https://bpoadvogados.com.br/robos-tribunal-contas-uniao/> Acesso em 19. out. 2022
37

vasculha as informações associadas aos CNPJs indicados neste documento e verifica se já foram
alvo de sanções ou de responsabilização em processos em trâmite no Tribunal de Contas.54
O robô Mônica é um painel que contempla informações sobre as compras dos três
Poderes da União - Executivo, Legislativo e Judiciário -, além do Ministério Público Federal,
bem como aquelas ignoradas pelo Alice, como contratações diretas e inexigibilidades de
licitação55.
Por fim, o Adele tem como função analisar pregões eletrônicos, aplicando filtros de
modo a analisar a ordem cronológicas dos lances, bem como informações das empresas
participantes, tais como composição societária e ramo de atuação), além de verificar se o IP
(Internet Protocol)56 de mais de uma licitante são iguais, visando coibir fraudes e conluios entre
os participantes do certame licitatório.
Todos esses robôs fazem parte de um sistema ainda maior, o Laboratório de Informações
de Controle (Labcontas) que integra 96 bases de dados e 55 organizações de controle, os quais
auxiliam no cruzamento de informações entre as bases de dados que a compõem. Essa base de
dados é obtida por meio de contratos de fornecimento, acordos de cooperação e acesso a sites
públicos do governo.
Esses dados obtidos por meio dessa base auxiliam como subsídios para os auditores do
TCU durante o exercício de suas funções. Ou seja, esses robôs - e por consequência lógica o
Labcontas - tem como função apenas auxiliar e facilitar o entendimento e o serviço dos
auditores através da leitura de editais. Fato é que a discricionariedade existente no ser humano,
nesse caso o auditor, para validar - bem como tomar a decisão de aceitar ou não a licitação -,
não é passível de ser feita pela Inteligência Artificial. Isso porque a atividade cognitiva do ser
humano é imprescindível na análise do caso concreto57.
Os robôs utilizados pelo Tribunal de Contas da União são exemplos práticos da
utilização da Inteligência Artificial visando a satisfação do Princípio da Eficiência,
principalmente no âmbito operacional interno, no que tange às tarefas de cunho decisório. Mas

54
COSTA, Marcos Bemquerer. BASTOS, Patrícia Reis Leitão. Alice, Monica, Adele, Sofia, Carina e Ágata: o
uso da inteligência artificial pelo Tribunal de Contas da União. Controle Externo: Revista do Tribunal de Contas
do Estado de Goiás, Belo Horizonte, ano 2, n. 3, p. 3, jan./jun. 2020.
55
DESORDI, D.; BONA, C. D. A inteligência artificial e a eficiência na administração pública. Revista de Direito,
[S. l.], v. 12, n. 02, p. 01–22, 2020. DOI: 10.32361/202012029112. Disponível em:
https://periodicos.ufv.br/revistadir/article/view/9112. Acesso em: 20 out. 2022.
56
Um endereço de Protocolo da Internet, do inglês Internet Protocol address, é um rótulo numérico atribuído a
cada dispositivo conectado a uma rede de computadores que utiliza o Protocolo de Internet para comunicação.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Endereço_IP
57
Embora haja debates acerca da possibilidade de a Inteligência Artificial tomar decisões finais, não é essa a
proposta do trabalho. A proposta é apenas demonstrar como essa tecnologia pode ajudar na satisfação do princípio
da eficiência.
38

não só, essa tecnologia é aplicada igualmente no âmbito operacional externo, auxiliando a
população na prestação de serviços públicos com mais eficácia.
Dentro do Tribunal de Contas temos o robô Zello58, criado em 26 de julho de 2018,
consiste em um assistente virtual do tribunal que dialoga com os cidadãos por meio de
mensagens de texto, podendo consultar contas irregulares para fins eleitorais por meio do nome
ou CPF, consulta de processos, emissão de certidões, bem como respostas às principais dúvidas
recebidas pela ouvidoria. O uso da Inteligência Artificial ocorre meio da detecção das intenções
do cidadão extraídas das conversas e pela predição do fluxo do diálogo59.
Por fim, o emprego da Inteligência Artificial na administração pública é uma tendência
e, se baseando nos exemplos acima, é de se esperar que cada vez mais essa tecnologia seja
absorvida no dia a dia do administrador. O emprego desses robôs, concomitante a uma forte
regulação visando afastar treinamentos em que as máquinas possam se desvirtuar, tendem
apenas a agregar à população, reduzindo o tempo e a burocracia visando uma prestação de
serviços de forma mais eficiente.
Dessa forma, são evidentes os ganhos de eficiência que a utilização da Inteligência
Artificial pode gerar para a Administração Pública. Por outro lado, a exigência de uma
regulação firme se dá pela possibilidade dos dados em que a Inteligência Artificial se baseia,
bem como as interações dela com os usuários, podem vir a se tornarem lesivos ao ordenamento
jurídico, como o aprendizado de tratamentos racistas, por exemplo.60
O uso da Inteligência Artificial deve ser pautado em todos os outros princípios
administrativos que norteiam a Administração Pública, não somente os constitucionais, mas
também os infralegais, de modo que a popularização dessa tecnologia se dê de maneira saudável
e em respeito aos direitos dos cidadãos.

58
O nome foi dado em homenagem ao Inocêncio Serzedello Corrêa e é um jogo de palavras com a palavra “zelo”.
59
FELISDÓRIO, Rodrigo César Santos; SILVA, Luís Andre Dutra e. Inteligência artificial como ativo estratégico
para a Administração Pública. In: FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; CARVALHO, Angelo Gamba Prata
de (Coord.). Tecnologia jurídica & direito digital: II Congresso Internacional de Direito, Governo e Tecnologia.
Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 95-100.
60
Como visto em: https://teletime.com.br/12/05/2022/inteligencia-artificial-precisa-evitar-vies-racista-e-
discriminatorio-afirmam-especialistas/ Acesso em 21 out. 2022
39

7 CONCLUSÃO

Os princípios tiveram inúmeras concepções no decorrer da história, desde uma ideia de


algo que seria as principais caracterizações de uma área do direito ao passo que a última e atual
tem a possibilidade de aplicar diretamente por possuírem uma estrutura lógica de normas
jurídicas. Neste trabalho a conceituação de princípio foi aquela em que trata os princípios como
norteadores da aplicação das normas, agindo como verdadeiros guias na atuação Legislativa e,
principalmente, na atuação da Administração Pública.
Nesta condição é em que estudamos o Princípio da Eficiência, sendo ele representado
como a busca dos melhores resultados dentro do menor tempo e com o menor dispêndio de
recursos financeiros possível. Essa ideia de buscar um aumento da produtividade na satisfação
de serviços públicos decorreu da adoção de uma administração pública gerencial que visou
substituir o antigo modelo, esse que era lento e demasiadamente burocrático.
Um dos meios para se alcançar esse fim é o uso de tecnologias computacionais, dentre
essas tecnologias que permitem que a Administração Pública possa dar um salto em eficiência
visando satisfazer esse princípio é preciso destacar a da utilização da Inteligência Artificial. Em
linhas gerais essa tecnologia visa reproduzir o intelecto humano dentro de um computador sem
haver a necessidade de um ser humano esteja presente a todo o momento, isso é a machine
learning que, se valendo de algoritmos para tanto e por meio da técnica deep learning, permite
que o computador aprenda e se desenvolva de acordo com os dados e interações que faça.
Diante disso, a Administração Pública incorporou esses robôs que possuem a
capacidade de aprenderem e se desenvolverem sozinhos. No âmbito do Tribunal de Conta da
União é onde temos grandes exemplos práticos de como a Inteligência Artificial satisfaz na
maior medida possível o Princípio da Eficiência, por meio dos robôs Adele, Sofia e Mônica na
esfera operacional interna, auxiliando no combate à fraude em licitações, e na esfera
operacional externa, através do chatbot Zello que auxilia a população fornecendo informações
e certidões de maneira mais prática e eficaz.
Sendo assim, pode-se afirmar que o uso de recursos computacionais, com ênfase em
Inteligência Artificial, pela Administração Pública é um importante instrumento para se
alcançar a satisfação do Princípio da Eficiência que lhe foi atribuído pela reforma
administrativa, uma vez que o uso desses robôs - como visto nos exemplos práticos do TCU -
podem auxiliar a Administração, desde fiscalização de editais de licitações até a aproximação
com a população para a simples consulta de dados cadastrais.
40

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