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NÍKOLAS KELLER DE OLIVEIRA SILVA

O EXPANSIONISMO DO DIREITO PENAL:


CONTORNOS, CONSEQUÊNCIAS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES
NO CENÁRIO PÁTRIO

LAVRAS-MG
2020
NÍKOLAS KELLER DE OLIVEIRA SILVA

O EXPANSIONISMO DO DIREITO PENAL: CONTORNOS, CONSEQUÊNCIAS E


POSSÍVEIS SOLUÇÕES NO CENÁRIO PÁTRIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Federal de Lavras, como parte
das exigências do Curso de Graduação em
Direito, para a obtenção do título de Bacharel.

Prof. Dr. Ricardo Augusto de Araújo Teixeira


Orientador

LAVRAS-MG
2020
NÍKOLAS KELLER DE OLIVEIRA SILVA

O EXPANSIONISMO DO DIREITO PENAL: CONTORNOS, CONSEQUÊNCIAS E


POSSÍVEIS SOLUÇÕES NO CENÁRIO PÁTRIO

THE EXPANSIONISM OF CRIMINAL LAW: CONTOURS, CONSEQUENCES AND


POSSIBLE SOLUTIONS IN THE HOME SCENARIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Federal de Lavras, como parte
das exigências do Curso de Graduação em
Direito, para a obtenção do título de Bacharel.

APROVADO em ___ de ___________ de 2020.


Dr. Ricardo Augusto de Araújo Teixiera – UFLA.
Dr. Marcel Abdou Obeid Alves

Prof. Dr. Ricardo Augusto de Araújo Teixeira


Orientador

LAVRAS-MG
2020
À Deus, por ser morada em todos os momentos e à minha família por demonstrar o amor em
sua forma mais genuína. O caminho até aqui traçado é obra, também, de vocês.
Dedico.
AGRADECIMENTOS

Precipuamente à Deus por todas as bênçãos derramadas em minha vida e por permitir
que eu chegasse até aqui.
Aos meus pais, que jamais mediram esforços para proporcionar os melhores cenários
em minha vida. Por jamais permitirem que a palavra “desistência” existisse em meus planos e
por serem significado de apoio incondicional durante esta trajetória.
À minha irmã pelo companheirismo e amor de sempre.
À todas as instituições que me proporcionaram crescimento profissional durante o curso.
Aos meus amigos da graduação e de Lavras.
Ao meu orientador Prof. Dr. Ricardo Augusto de Araújo Teixeira, por todo auxílio e
esforço investidos neste trabalho conjuntamente.
A todos: os meus mais sinceros agradecimentos!
RESUMO

O cenário atual do país demonstra a existência de patente clamor no que diz respeito à expansão
do Direito Penal. São variados os motivos pelos quais surge tal demanda, contudo o que se
percebe é que o principal deles advém da frequente propagação de insegurança gerada pelos
meios de comunicação, os quais disseminam um pânico social, apresentando como solução a
tipificação desenfreada de condutas e o enrijecimento das penas. O presente trabalho busca
traçar os limites do expansionismo penal, tendo como modelo a crise social brasileira, tentando
ainda explicitar os elementos capazes de legitimar a expansão jurídico-penal.

Palavras-chave: Expansionismo Penal. Limites. Legitimidade.


ABSTRACT

The current scenario in the country demonstrates the existence of a clamor for the expansion of
criminal law. The reasons for which such demand arises are varied, however what is perceived
is that the main one arises from the frequent spread of insecurity generated by the media, which
disseminate a social panic, presenting as a solution the unrestrained typification of conducts
and the stiffening of the feathers. The present work seeks to trace the limits of penal
expansionism, using the Brazilian social crisis as a model, trying to explain the elements
capable of legitimizing the legal-penal expansion.

Keywords: Penal expansionism. Limits. Legitimacy.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 8
2 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA .......................................................... 10

3 DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO ............................................................................... 11

4 BEM JURÍDICO PENAL .......................................................................................... 12

4.1 Conceito de bem jurídico penal ................................................................................. 12

5 SOCIEDADE DO RISCO....................................................................................................... 15

5.1 Direito penal simbólico como resposta .................................................................................. 15

6 VISÃO GERAL SOBRE O EXPANSIONISMO PENAL ................................................... 17

7 POSSÍVEIS CAMINHOS A SEREM TRILHADOS FRENTE À EXPANSÃO DO


DIREITO PENAL ................................................................................................................... 19

7.1 Direito penal de duas velocidades .......................................................................................... 19

7.2 Direito penal de intervenção ................................................................................................... 20

8 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 22

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 24


8

1 INTRODUÇÃO

É certo que com a evolução da sociedade, suas percepções não se mantêm estáticas. O
pensamento coletivo evolui e, desta forma, novas visões surgem, vindo a modificar os cenários
político-sociais. Além disso, esta modificação é um fenômeno natural e necessário, servindo de
consolidação de uma nova base para a evolução do próprio direito. No direito penal, o panorama
se mostra ainda mais importante, vez que as demandas sociais interferem de maneira direta em
sua manutenção, sendo que os anseios sociais por vezes têm forçado uma revisão e novação
legislativa. Para além, trata-se de ramo jurídico que tutela os bens considerados primordiais
para a garantia do bem-estar social, podendo valer-se até mesmo da privação da liberdade para
tanto.
Ressalta-se que essas mudanças não legitimam, em hipótese alguma, a banalização dos
princípios e uma aplicação do direito à la carte, de modo que os limites existentes no
ordenamento pátrio devem ser analisados e levados em consideração antes da elaboração ou
aplicação de normas.
O presente artigo mostra-se relevante ao tratar de uma situação que se perpetua no
tempo, de um fenômeno atemporal. Ora, as mudanças sociais e econômicas permanecerão
ocorrendo, vez que vivemos a era dos avanços tecnológicos e científicos. Desta forma o direito
seguirá se adequando às alterações e necessidades que sobrevierem, de forma a responder às
novas demandas que surgirem ao longo do processo evolutivo social.
A seara penal não se mostra diferente. O crime também é um fenômeno social que se
encontra em constante transformação, sendo esta evolução ponto chave para a discussão da
expansão em apreço. Em um breve e sucinto exemplo podemos notar que em período passado
os crimes possuíam caráter primordialmente patrimoniais e de simples complexidade, o que
tornava o trabalho do legislados menos complexo e mais restritivo. Lado outro, nos dias atuais
nos deparamos com os mais variados ilícitos penais, os quais, com o advento da globalização,
já alcançaram há alguns anos o campo das novas tecnologias, impulsionando, assim, a
necessidade de tutela de novas condutas pelo direito penal.
É incontroversa a afirmativa de que novas situações, como a exposta anteriormente à
título de exemplo, irão novamente ocorrer. Diante disso é que surge a imprescindibilidade do
debate acerca do expansionismo penal, mormente por se tratar de fenômeno atual e contínuo o
qual, deve ocorrer de maneira “limitada”, é dizer, respeitando o caráter de ultima ratio do direito
penal.
9

Isto posto, constata-se a imprescindibilidade de abordar a manutenção do direito penal,


mormente na linha tênue existente entre sua disposição como última ratio em contraposição
com as demandas sociais pela criminalização de novas condutas.
Pelo fato do direito em si estar em constante construção é necessário que o Legislador
se atente não somente às novas condutas a serem tuteladas, mas, da mesma forma, àquelas
tipificações que não mais se justificam dentro da sociedade, de modo a evitar uma
“acomodação” jurídico-penal, que culminaria na perpetuação de determinada prática como
crime, mesmo diante da inexistência de fatores que ensejem sua manutenção no ordenamento
penal.
O presente trabalho propõe uma análise estrutural acerca do expansionismo penal no
cenário brasileiro, buscando, ainda, possíveis soluções para que não se incorra em uma
banalização do direito penal. Para efetivação da discussão faz-se necessária, a priori, uma
abordagem do fenômeno do expansionismo penal em si, tratando de princípios e fatores que o
constituem. Em seguida, parte-se para uma análise do quadro pátrio, contextualizando as
questões sociais e suas implicações, a atuação do legislador e as teorias que emergem como
possíveis soluções para a temática em apreço.
Dessa forma, através de uma racionalidade lógica, pretende-se aqui dispor acerca da
legitimação do expansionismo penal, ao mesmo tempo em que se buscará expor seu limite de
atuação frente às liberdades e garantias constitucionais e seu caráter de ultima ratio.
10

2 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

O direito penal pátrio é ensejado à luz de diversos princípios, sendo necessário, a priori,
tratar especificamente de um destes, o qual consolida o caráter de ultima ratio da esfera penal.
O princípio da intervenção mínima vem sendo frequentemente banalizado em função da
demanda social por punição, segurança e um ideal conturbado de justiça. Cresce na sociedade
o sentimento de insegurança e o anseio por punições penais para atos que não estão revestidos
de relevância suficiente para essa tutela. Nesse sentido, à luz da Constituição Federal e dos
ensinamentos doutrinários, é imperioso entender que a criminalização de determinada conduta
apenas ocorrerá quando os demais ramos do direito não forem capazes de tutelá-la. Nas palavras
de Rogério Greco (2016, p. 77):
(...) o princípio da intervenção mínima deixa de entrever a necessidade de o
Direito Penal ser aplicado de forma subsidiária, tendo em vista a drasticidade
de sua resposta, permitindo, assim, ancorado no princípio da dignidade da
pessoa humana, que outros ramos do ordenamento jurídico, com primazia,
procurem fazer a proteção dos bens jurídicos, somente sendo necessária a
interferência do Direito Penal quando esses outros ramos demonstrarem que
são ineficazes ou insuficientes à sua proteção.

No mesmo sentido, preceitua Damásio de Jesus que o princípio em apreço tem a


finalidade de:
(...) restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a
definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas
ou cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade,
só devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os
outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita. (DE
JESUS, 2011, p. 52).

Outrossim, é inegável que com a evolução da coletividade, os padrões também venham


a se alterar. Um exemplo clássico e sempre utilizado, com a mera finalidade de melhor
ilustração, diz respeito à questão do adultério matrimonial – conduta punível em tempos
passados, que, com o advento do Código Civil de 2002, veio a perder tal caráter.
No Direito Penal a demanda por mudanças se perpetua, resultado da constante alteração
social no que diz respeito à importância dada ou não a determinados bens jurídicos. Isto posto,
é inconteste que o operador do direito penal esteja atento às alterações dos anseios sociais, sem,
contudo, ceder à um punitivismo as cegas.
Isto posto, faz-se mister, ab initio, à tratativa do direito penal frente à uma das garantias
individuais de maior relevância e consagrada constitucionalmente, qual seja a liberdade.
11

3 DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO

A liberdade é uma garantia fundamental dos seres humanos, sendo que o que existe
dentro do ordenamento é uma simples abstenção de parte dessa para que se garanta o bem-estar
da totalidade. Contudo, isso não significa que a o legislador possa cercear a liberdade diante de
toda e qualquer situação que cause um distúrbio social. A privação dessa garantia fundamental
se dará em caráter extremamente excepcional, quando as demais áreas do direito não possuírem
condição de tutelar determinado bem e diante da relevância deste último.
À luz dos preceitos constitucionais pátrios, temos que as liberdades asseguradas na carta
magna, apesar de não possuírem caráter absoluto, devem constituir regra dentro de nosso
ordenamento, de modo que sua restrição ocorra, como já exposto, somente em cenário
excepcional, como bem colocado pelo autor Luciano Anderson (2007, p. 88):
A premissa norteadora da análise em foco é a de que a criminalização de
condutas deve ser uma exceção, não por escolhas doutrinárias ou políticas, de
ordem momentânea, mas por imposição constitucional, reflexo, portanto, da
escolha política perene, que funda a sociedade e o Estado. [...] E isto porque a
Carta Política apresenta-se, de um lado como o pressuposto legitimador de
existência, e de outro como o limite mais rigoroso do poder punitivo estatal.
O gravoso poder do Estado de intervir jurídico-criminalmente na sociedade,
ou seja, de exercer o ius puniendi, é antes de tudo limitado pelo diploma por
excelência das liberdades públicas.

Assim sendo, resta claro que a Carta Magna, na mesma medida em que legitima a
atuação do legislador penal, impõe limites para tanto. O poder exercido pelo Estado deve se dar
com a finalidade de guardar a ordem pública, tendo como verdadeiro norte o princípio da
proporcionalidade, que garante uma pena proporcional ao bem jurídico tutelado e à conduta
praticada, como bem alude Damásio (2011, p. 53): “Chamado também ‘princípio da proibição de
excesso’, determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato.
Significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor. Daí dizer-se que a culpabilidade é a
medida da pena.
Isto posto, mostra-se importante tratar, nesse momento, do bem jurídico penal, vez que
possui caráter fundamental no momento em que o legislador realiza sua atividade, pois seu grau
de relevância é imprescindível para determinação da tipificação ou não de certa conduta.
12

4 BEM JURÍDICO PENAL

O bem jurídico na seara penal é um dos conceitos mais relevantes para a tratativa do
tema abordado no presente trabalho. Tal fato se enseja no entendimento praticamente uníssono
entre os doutrinadores de que o delito consiste na lesão ou perigo de se lesionar bem jurídico
relevante. É essencial, desta forma, que se discorra acerca do conceito de bem jurídico e de que
forma este será considerado relevante o suficiente para que mereça a tutela penal pelo
legislador.
De início, em uma breve contextualização histórica, é importante recordar que a
expressão “bem-jurídico” não se fez presente em toda a trajetória do direito penal. No período
pré-iluminista os delitos eram considerados, antes de mais nada, uma afronta aos ensinamentos
e mandamentos religiosos, ou seja, eram considerados como pecados cometidos em desacordo
com os preceitos e orientações ensinados pela Igreja. Esse cenário apenas veio a ser modificado
com o desenvolvimento e difusão do pensamento iluminista, que trouxe uma ótica diferente
para a temática. Nesse contexto, passou-se a considerar delito todas as ações que, como
consequência, violavam o contrato social, trazendo uma desarmonia dentro da sociedade.
A partir desse pensamento, foi construída uma teoria acerca do delito, a qual aduz que
este está diretamente ligado à uma violação de um direito subjetivo. Este marco teórico
demonstra extrema relevância para a posterior inserção do termo “bem jurídico” dentro da
esfera criminal, pois em prima facie traz que “o delito é, assim, entendido como a conduta que
transgride um direito alheio, proibida pela lei penal, a qual tem por finalidade a proteção dos
direitos dos indivíduos e do Estado” (PRADO, 2019, p. 09). Assim sendo, com o evoluir dos
estudos que abarcam o delito, finalmente se chegou à inclusão do termo bem jurídico na teoria
do delito, o qual se mantêm até os dias de hoje. Entretanto, é importante distinguir e
contextualizar o bem jurídico penal.

4.1 Conceito de bem jurídico penal

Como já bem explicitado, o bem jurídico se tornou questão indispensável quando da


tratativa do expansionismo penal e seus alcances, vez que este é o que legitima a tutela de novos
interesses, quando demonstra extrema relevância dentro da sociedade, principalmente em face
das liberdades e garantias individuais, que além da população, alcança também o Estado.
Desta forma é necessário discorrer sobre o conceito de bem jurídico. Contudo, já de
antemão, é relevante dizer que os posicionamentos doutrinários acerca deste conceito não
13

possuem uniformidade, fato que impossibilita uma definição concreta e objetiva do bem
jurídico.
No entendimento do autor Welzel (2003, p. 15) trata-se de “bem vital da comunidade
ou do indivíduo, que por sua significação social é protegido juridicamente”. Já na visão de
Roxin, o bem jurídico é formado por:
pressupostos imprescindíveis para a existência em comum, que se
caracterizam numa série de situações valiosas, como, por exemplo, a vida, a
integridade física, a liberdade de atuação, ou a propriedade, que toda a gente
conhece, e, na sua opinião, o Estado social deve também proteger penalmente
(ROXIN, 1986, p. 27-28).

No posicionamento do doutrinador Fragoso:


o bem jurídico não é apenas um esquema conceitual visando proporcionar uma
solução técnica de nossa questão: é o bem humano ou da vida social que se
procura preservar, cuja natureza e qualidade dependem, sem dúvida, do
sentido que a norma tem ou que a ela é atribuído, constituindo, em qualquer
caso, uma realidade contemplada pelo direito. Bem jurídico é um bem
protegido pelo direito: é, portanto, um valor da vida humana que o direito
reconhece, e a cuja preservação é disposta a norma (FRAGOSO, 1985, p. 277-
278).

Não obstante exista divergência quanto ao conceito de bem jurídico penal, destoam-se
algumas semelhanças abordadas pelos autores, se fazendo presentes em boa parte das
conceituações. Pode-se afirmar ser quase um consenso que o bem deve ser de extrema
relevância social e possuir grande valoração às pessoas cada qual em sua individualidade. A
fim de exemplificar, Roxin (1986, p. 27-28) utiliza alguns exemplos como a vida, a integridade
física e as liberdades, como já exposto acima.
Desta forma, é notório constatar a necessidade de coexistência entre o bem jurídico e o
direito penal. Este último, com fulcro nos princípios históricos em que se debruça, deve ser
capaz de instituir uma política criminal que selecione apenas os bens jurídicos de maiores
relevâncias para que sejam tutelados. Nas palavras de Luiz Régis Prado (2019, p. 54):
Em um Estado democrático e social de Direito, a tutela penal não pode vir
dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada legítima, sob a
ótica constitucional, quando socialmente necessária. Isso vale dizer: quando
imprescindível para assegurar as condições de vida, o desenvolvimento e a
paz social, tendo em vista o postulado maior da liberdade – verdadeira
presunção de liberdade – e da dignidade da pessoa humana.

A óptica jurídico-penal deve se voltar não apenas àqueles bens imprescindíveis


individualmente, ou seja, aqueles relevantes em caráter singular e íntimo à cada pessoa.
Hodiernamente, com a constante reconstrução da ordem social moderna, é necessário que a
seara penal abranja os bens coletivos e difusos.
14

A tutela dos bens metaindividuais é necessária para que se efetive, justamente, as


liberdades individuais, visto que determinadas ações podem interferir em um bem, tal qual o
meio ambiente, que atinja um número indeterminado de indivíduos, sem, contudo, deixar de
atingir cada qual em sua individualidade.
No exemplo apresentado (meio-ambiente) é notório tratar-se de bem indispensável à
vida de cada um dos integrantes da sociedade, de forma que se torna imprescindível a tutela do
direito penal. Tal fato se vislumbra em diversas outras vertentes sociais, consolidando, desta
forma, a necessidade da seara penal em amparar interesses além daqueles essenciais à
individualidade, mas também os bens jurídicos que se demonstram relevantes coletivamente.
Frente ao exposto, não há como negar que os bens jurídicos penais, no tocante à sua
relevância, constituem verdadeiros critérios de definição das tipificações por parte do
legislador. Assim sendo, é cediço que o operador do direito não pode sucumbir a todos os apelos
sociais que advirem com o tempo. Sabe-se que a sociedade atual, por anos, tem sido movida
pelo sentimento de insegurança e impotência. Fato que por si só subsidia todo o anseio por parte
da população para a criminalização de novos comportamentos e um exercício do Poder Estatal
cada vez mais ativo. Esse contexto é denominado sociedade do risco, e merece uma discussão
a parte, por toda relevância que tem e pela problemática que introduz à expansão penal, podendo
resultar em severo excesso desta última.
15

5 SOCIEDADE DO RISCO

Com a contínua evolução tecnológica e social na era pós Revolução Industrial a


realidade enfrentada pela sociedade encontra-se diante de novos parâmetros, novas formas de
produção em massa e, também, com o aumento significativo da produção de riscos.
Forma-se, assim, a sociedade do risco, que diante dessa nova e eminente produção de
riscos clama por uma política criminal rígida como resposta, a qual deve endurecer as penas e
tipificar condutas, justificando os anseios pelo fato de o Estado ser o guardião da ordem social.
Entretanto, nem todo risco manifestado na coletividade deve ser tutelado pelo direito
penal, como bem explica Luciano de Souza (2007, p. 112):
O avanço tecnológico inerente à sociedade modernamente configurada coloca
em evidência a necessidade de tutela jurídica de certos e determinados bens.
Relativamente ao Direito penal, a primeira questão (...) é a de se saber se esta
necessidade de intervenção jurídica representa já uma necessidade de
intervenção jurídico-criminal ou se, ao contrário, pode-se conviver com um
controle mais brando e menos garantista a ser desempenhado por outros ramos
do Direito, como o Direito Civil ou o Administrativo.

Nota-se que nem sempre a intervenção irá recair na esfera criminal. O ordenamento
jurídico brasileiro possui ramos capazes de tutelar efetivamente bens jurídicos que não o direito
penal. Até mesmo porque valer-se deste último de maneira ilimitada é incorrer para do
surgimento de um direito penal simbólico, que sequer cumpre com sua finalidade, como se pode
notar a seguir.

5.1 Direito penal simbólico como resposta

No contexto atual resta evidente que o direito penal pátrio se encontra diante de um
cenário dúbio e cerceado de contrastes, no qual o anseio pelas tipificações e o aumento de
criminalidade se contrapõem ao princípio da ultima ratio e, também, às garantias e liberdades
individuais.
Um dos elementos que solidifica este quadro é a atuação dos meios de comunicação,
que passam, frequentemente, a sensação de insegurança e impotência à população. Luciano
Anderson bem exemplificou a situação quando aduz:
(...) a manipulação do sentimento social se faz com recurso a argumentos
como o de que as penas previstas são brandas ou os mecanismos de atuação
do controle criminal são, agora, ineficazes, exigindo-se para a correção desta
situação geratriz de insegurança o endurecimento das penas e a tipificação de
condutas que, mesmo que ainda não tuteladas por outros mecanismos jurídicos
16

– e, portanto, sem que se saiba ainda se há ou não um mecanismo apto e eficaz


para a defesa e proteção daquele bem jurídico envolvido- estariam a merecer,
para o bem da segurança coletiva, uma dura repressão, a qual, aos olhos dos
meios de comunicação de massa, só pode ser alcançada com a intervenção
penal (2007, p. 56-57).

Em razão destes conflitos, em sua maioria de política criminal, emerge o direito penal
simbólico. Sua função se mostra ineficaz no que diz respeito à prevenção e repressão dos
delitos, explica-se. O direito penal simbólico ergue-se, usualmente, após ampla divulgação
midiática acerca de crimes violentos, fato que culmina no clamor social por uma resposta
imediata do Estado, buscando, desta forma, uma maneira de reprimir as ações delituosas.
O que se percebe é que as medidas utilizadas para sanar o anseio popular não passam
de mero simbolismo, uma resposta sem efeitos práticos, com a real finalidade de apenas acalmar
o ânimo e a cobrança por parte da população em relação ao Estado. Em sua grande maioria,
essas normas simbólicas possuem fins exclusivamente político, buscando idealizar uma falsa
percepção de segurança dentro da sociedade.
Nesse sentido, consolidando os argumentos expostos, o autor Luciano Anderson de
Souza pontua que:
(...) os operadores do Direito não encontram soluções eficazes para a
criminalidade atual simplesmente expedindo-se simbolicamente normas
criminalizadoras, o que, por sua vez, na prática, acarreta uma deslegitimidade
do Direito Penal (...) (SOUZA, 2007, p. 21).

Assim, a banalização da expansão penal tem ocorrido de maneira veloz, ensejada,


muitas vezes, pelo direito penal simbólico. Fato é que o este cenário não pode prosperar,
devendo o legislador se atentar às reais possibilidades de políticas criminais, que sejam eficazes
frente aos novos desafios enfrentados, sob pena de coadunar com patente desprezo aos
princípios constitucionais e de direito penal no ordenamento pátrio.
17

6 VISÃO GERAL SOBRE O EXPANSIONISMO PENAL

O expansionismo penal é fruto do avanço tecnológico constante ao qual a sociedade


moderna está sujeita. São diversas as fontes de riscos advindas desse processo de
desenvolvimento, as quais têm, frequentemente, se tornado objetos de tutela do direito penal.
Nesse sentido, Luciano Anderson, acerca da expansão penal no país, disserta
corretamente:
Como exemplo de uma expansão desenfreada do Direito Penal tendente a
tutelar os novos interesses sociais temos em nosso país as recorrentes e
confusas legislações atinentes a infrações contra as ordens econômica e
tributária; contra as relações de consumo; contra meio ambiente e patrimônio
cultural; de proteção à saúde pública e, por fim, de combate às organizações
criminosas. Sob o influxo da pretensa proteção a interesses difusos, lastreada
na Constituição da República e turbinada por pressões dos meios de
comunicação de massa e grupos gestores atípicos da moral, vem se produzindo
infrenemente uma tipificação penal difusa, como primeiro e principal meio de
controle social. (SOUZA, 2007, p. 139).

Destaca-se que o processo expansionista do direito penal pátrio tem como uma de suas
bases primordiais os riscos advindos do avanço tecnológico e social. Através dessa
transformação emerge uma nova realidade que traz à tona a necessidade de tutela de bens supra
individuais e o surgimento da denominada sociedade do risco e, em sua decorrência, do direito
penal do risco, que será abordado mais à frente.
Entretanto, em um Estado Democrático de Direito, como o que vivemos, é necessário
entender que a prima facie as garantias e liberdades individuais compõem a regra, sendo que o
ordenamento penal, no que diz respeito a sua possibilidade de privação de liberdades, constitui
a exceção.
Desta forma, ressalta-se a importância de se consolidar um equilíbrio entre as garantias
individuais de cunho constitucional e a expansão do direito penal, sendo certo que este último
não deve ser utilizado como política de controle comportamental ou como respostas ao anseio
de uma sociedade de risco.
Além da problemática do equilíbrio, a expansão do direito penal introduz consequências
ainda mais severas para o Estado.
Inicialmente, e com certa obviedade, é notório que com novas tipificações aumenta-se
consideravelmente o número de processos, o que implicaria em um provável colapso do
judiciário, o qual já enfrenta extremas dificuldades diante dos números exorbitantes de feitos a
serem julgados.
18

O sistema carcerário brasileiro é mais uma das “vítimas” deste expansionismo. Vale
destacar que a crise penitenciária nacional já perdura anos e as soluções sequer existem, ou
quando implementadas algumas tentativas, nem mesmo chegam a trazer resultados
significantes. As condições experimentadas por aqueles que têm sua liberdade privada são de
extrema precariedade, não havendo estruturas mínimas de higiene e saúde nos estabelecimentos
prisionais.
É inaceitável que, em função de expansionismo penal falho e de um direito penal
simbólico, um indivíduo se encontre privado de garantias básicas e essenciais, vivenciando
diariamente um cenário em total descompasso com os direitos humanos. Outrossim, a
tipificação de condutas e o encarceramento desenfreado tornam ineficaz a função
ressocializadora prevista pelo legislador para a pena.
Isto posto, resta claro que a expansão penal, fenômeno global, deve ser realizada em
conformidade com as peculiaridades de cada sociedade, se legitimando em conformidade com
os princípios constitucionais e penais, visando não acarretar nas falências de garantias e
liberdades individuais.
Não é uma pretensão neste trabalho o posicionamento contrário ao expansionismo
penal, visto se tratar de um fenômeno natural e necessário diante das frequentes mudanças
político-sociais e a necessidade de se tipificar novas condutas que venham a lesar bem jurídicos
relevantes.
Contudo, é importante que o fenômeno da expansão penal seja mais debatido a âmbito
nacional por juristas, políticos, operadores da lei, entre outros. Como cediço, a expansão é
atemporal, a sociedade moderna vivencia grandes mudanças dia após dia, o que fatalmente
culminará em novas modalidades de práticas ilícitas, novos padrões de crimes. Cabe ao Estado
estar apto a instituir políticas criminais capazes de reprimir essas novas condutas, sem, contudo,
trivializar a existência do próprio direito penal, utilizando-o como verdadeira “moeda de troca”
a fim de convencer a população de um falso ideal de segurança, através da criminalização de
condutas que sequer merecem a tutela penal.
Desta forma, é imprescindível que se estipule caminhos a serem trilhados como possíveis
soluções para a expansão, buscando que essa se dê em conformidade com a função que o
legislador previu para o direito penal.
19

7 POSSÍVEIS CAMINHOS A SEREM TRILHADOS FRENTE À EXPANSÃO PENAL

7.1 Direito penal de duas velocidades

O autor espanhol Jesus-María Silva Sánchez, em relação a contemporânea expansão do


direito penal, apresenta uma das mais relevantes teorias em busca de apresentar uma nova forma
de tutela diversificada daquela consolidada pelo direito penal clássico.
Ressalta-se que, para tanto, o autor se utiliza de uma teoria em que não se cogita a tutela
de interesses relevantes por outra área do ordenamento jurídico, visto que “as teorias
expansionistas básicas defendem que somente com uma atuação firme, rígida e multifacetada
do Direito Penal será possível à sociedade exercer o necessário controle sobre uma nova forma
de criminalidade.” (SOUZA, 2007, p. 62). Entretanto “os defensores desse Direito Penal
expandido divergem, todavia, com relação à forma por que deverá se dar a sua atuação mais
contundente.” (SOUZA, 2007, p. 62).
Surge, desta forma, a concepção do Direito Penal de duas velocidades. No qual se
vislumbra uma vertente clássica e rígida do Direito Penal na primeira velocidade e uma
relativização das garantias do sistema acusatório na segunda velocidade, embasada pelo fato de
que:
Nem em todo sistema jurídico deve haver a as mesmas garantias, nem em todo
sistema do Direito sancionatório tem que haver as mesmas garantias, nem
sequer em todo o sistema sancionatório penal há que exigirem-se as mesmas
garantias, pois as consequências jurídicas são substancialmente diversas
(também no seio do próprio sistema do Direito Penal em sentido estrito)
(SÁNCHEZ, 2002, p. 137-138).

Assim, segundo a teoria do autor espanhol em análise, estabelece-se que “na primeira
velocidade manter-se-iam as garantias constitucionais relativas ao núcleo duro do Direito Penal,
e persistiria a ameaça de imposição de pens restritivas de liberdade, assegurando-se as áreas
tradicionais de intervenção desta área do direito.” (OLIVEIRA, 2012, p. 61).
Em sentido oposto à rigidez do direito penal clássico e a efetivação de todas as garantias
da persecução penal, tem-se que:
A segunda velocidade estaria voltada para os tipos penais contemporâneos,
que tutelam condutas de difícil comprovação, de modo que se retiraria o rigor
das regras investigatórias, permitindo mais flexibilidade no processo
acusatório, e ampliando as funções preventivas inseridas em tipos penais. Em
contrapartida à menores garantias, exclui-se a possibilidade de cominação de
penas restritivas de liberdade para esses tipos. (OLIVEIRA, 2012, p. 61).
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Conclui-se que o direito penal de segunda velocidade proposto pelo autor valer-se-ia de
um procedimento mais célere, com relativização das garantias constitucionais e penais, sem,
contudo, previsão de penas privativas de liberdade.
No entanto, o cenário exposto é justamente o que enseja a crítica à sua teoria. Para o
autor, o direito penal de segunda velocidade surgiria para abarcar as novas criminalidades,
praticadas em desfavor da ordem econômica, tributária, contra o meio ambiente, entre outras,
que em sua maioria são delitos cometidos por indivíduos mais poderosos. Isto posto, apesar de
sofrerem uma relativização de suas garantias, estes agentes teriam sempre o benefício de não
incorrerem nas penas privativas de liberdade, enquanto os demais crimes, praticados muitas
vezes pelos marginalizados da sociedade, seguiriam prevendo o tolhimento de suas liberdades.
Mostra-se necessária, então, frente à crítica exposta, a abordagem de teoria distinta, que
consolida outro caminho a ser trilhado frente ao fenômeno da expansão do direito penal.

7.2 Direito penal de intervenção

Winfried Hassemer (1999), assim como Jesús-María Silva Sánchez (2002), procura
delinear um caminho a ser traçado a fim de consolidar uma atuação menos incisiva do Direito
Penal, fazendo jus ao seu caráter de última rátio, mesmo diante da patente expansão que
enfrenta.
Para efetivar sua teoria, Hassemer (1999), precipuamente discorda de Jesús-María
(2002) quanto à possível relativização de garantias dentro do direito penal e processual penal.
Em razão disso, entende ser necessário a criação de um novo sistema, o qual denomina de
Direito Penal de Intervenção. Este novo diploma abarcaria as condutas emergentes da sociedade
de risco, de cunho coletivo e que não possuíssem relevância para ser tutelada pelo Direito Penal,
o autor cita como exemplos a tutela do meio ambiente e os crimes envolvendo a ordem
econômica.
Além disso, bem argumenta quando alude que os novos tipos penais, mormente em
relação à bens jurídicos coletivos, trazem, em grande excesso, redações com tipos penais
abertos, incompletas ou com definições vagas. Desta forma, o legislador retira do Direito Penal
sua própria função, diante da dificuldade de adequação da conduta ao tipo penal. No mesmo
sentido trata da responsabilização do agente nos crimes de caráter pluripessoal. Não são raras
as vezes em que a definição do autor torna-se um obstáculo para a aplicação da Lei Penal, ou
até mesmo para o início da persecução, sendo esse mais um dos fatores pelo qual Hassemer
pugna pela criação de um novo sistema sancionador, em suas palavras entende que:
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Há muitos âmbitos, como o das infrações administrativas, o direito civil, o


direito público, mas também o próprio mercado e o cuidado da vítima, nos
quais muitos dos problemas que se regulam pelo moderno direito penal
poderiam ser resolvidos de um modo muito mais satisfatório. Quiçá seria
recomendável regular em um “Direito de intervenção” os problemas que as
modernas sociedades entregaram ao direito penal. (HASSEMER, 1999, p. 34-
35).

Ante os argumentos expostos, entende-se que a teoria de Hassemer teria aplicação


efetiva frente os preceitos fundamentais consagrados no ordenamento pátrio. Para o autor não
se mostra possível uma flexibilização das garantias processuais penais, fato que também não se
vislumbra aqui. Ademais, o Direito Penal de Intervenção possibilitaria maior consolidação do
Direito Penal em sua função precípua, qual seja tutela de bens jurídicos realmente relevantes
dentro da sociedade.
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8 CONCLUSÃO

De fato, a expansão do Direito Penal implica consequências sem precedentes no


cenário pátrio. Diante de uma sociedade do risco, que clama por uma resposta severa da seara
criminal, emerge um direito penal simbólico que deslegitima toda a característica primordial
de ultima ratio. É necessário repensar a política criminal do país, vez que o quadro atual
mostra uma total ineficácia quando da prevenção e repreensão do cometimento de ilícitos. O
que se percebe é uma crescente produção de tipos penais e enrijecimento das penas existentes
sendo utilizadas como solução para o anseio social de justiça, ou como falsa percepção de
segurança.
É essencial que se entenda a real finalidade do Direito Penal e todos os princípios que
validam sua própria existência. A priori, o legislador, no exercício de sua atividade, deve
partir do pressuposto de que não cabe ao direito penal subsidiar políticas criminais falhas
como respostas à ineficácia do Estado em relação à segurança da população e garantia da
ordem social. Para tanto, são necessárias políticas públicas próprias, desenvolvidas pelo
governo, com a finalidade de garantir a ordem social.
Além disso, vale ressaltar que a esfera penal traz à tona a maior das privações a qual
o agente pode estar sujeito dentro do ordenamento jurídico nacional, qual seja a privação da
liberdade. Frente a isso, sabendo que a Carta Magna aduz a liberdade como regra, ressalta-se
a imprescindibilidade de uma análise cautelosa em relação à tutela de bens jurídicos
essenciais e imprescindíveis à coletividade ou à cada pessoa individualmente.
Portanto, a era pós-industrial mostra, mais do que qualquer outro período, a real
necessidade de uma adequação do Direito Penal frente ao fenômeno natural que é sua
expansão. A sociedade e suas crenças e valores são mutáveis, assim sendo, o mesmo persistirá
ocorrendo com o ordenamento jurídico. A evolução social e tecnológica requer uma inovação
legislativa eficaz, sendo essa última capaz de abranger os novos interesses da coletividade em
consonância com o disposto na Constituição Federal acerca de cada esfera jurídica do
ordenamento pátrio.
Nesse sentido, o direito de intervenção e o direito penal de duas velocidades, talvez
sejam um ponto de partida a ser considerado pelo legislador. Contudo há de considerar as
falhas existentes em ambos os sistemas.
Silva Sanchéz (2002) introduz um sistema de duas velocidades, no qual a tutela de
novos interesses menos relevantes se daria em uma persecução penal mais célere, contudo,
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com uma banalização das garantias. Esta banalização não se mostra eficaz ou em
conformidade com as diretrizes do Direito Penal.
Já Hassemer (1999), aduz a possibilidade da criação de um novo sistema
sancionatório, que tutelaria os novos interesses sociais, principalmente a criminalidade
econômica e do meio ambiente. Entretanto, não parece ser a melhor opção legislar sobre todo
um novo sistema, sendo que existem hoje no ordenamento pátrio searas do direito capazes de
tutelar muitos dessas novas demandas, tais como o Direito Civil e Direito Administrativo.
Ante o exposto, resta evidente que o legislador, mais do que qualquer outro indivíduo,
deve ser capaz de fazer uma análise minuciosa acerca da real necessidade da tutela de um
bem jurídico pelo Direito Penal. Para tanto deve levar em consideração as conotações
existentes entre o bem jurídico penal e a constituição, os princípios penais e processuais e a
possibilidade de tutela dos novos riscos por outras áreas do direito, sob o risco de banalizar a
real finalidade para que o Direito Penal foi criado e retirar seu caráter essencial de ultima
ratio.
Sem a finalidade de esgotar as possibilidades, a teoria do Direito Penal de Intervenção
parece se mostrar, no mínimo, ferramenta capaz de subsidiar novos estudos e possibilidades
para uma expansão penal compatível com as normas constitucionais e infraconstitucionais,
sem as quais o Direito Penal perderia sua própria função.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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OLIVEIRA, Ana Carolina Carlos de. Direito de Intervenção e Direito Administrativo


Sancionador: O pensamento de Hassemer e o Direito Penal Brasileiro. 2012. Dissertação
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