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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

Bruno Martins Teixeira

PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E ARBITRAMENTO DE SANÇÕES


ADMINISTRATIVAS NAS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

SÃO PAULO
2023
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Bruno Martins Teixeira

PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E ARBITRAMENTO DE SANÇÕES


ADMINISTRATIVAS NAS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Bacharel em
Direito, sob orientação do Prof. Dr.
Jachinto Silveira Dias de Arruda Câmara.

SÃO PAULO
2023
Sistemas de Bibliografias da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Ficha Catalográfica com dados fornecidos pelo autor

Teixeira, Bruno Martins

Preservação da empresa e arbitramento de sanções administrativas nas agências


reguladoras federais - Bruno Martins Teixeira - São Paulo, 2023

Total de folhas: 57 páginas.

Orientador: Jachinto Silveira Dias de Arruda Câmara.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo. Faculdade de Direito. São Paulo, 2023.

Palavras-chave: 1. Direito Público. 2. Direito Administrativo. 3. Sanções


administrativas; 4. Preservação da empresa. 5. Agências Reguladoras. 6. Função
social da empresa.
Aos meus pais, por todo carinho e
orientação que, com amor, dedicaram a
mim.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, à Deus, por me proporcionar os estudos em curso


de Graduação e todas as condições necessárias à sua conclusão numa das melhores
Faculdades de Direito do país, a PUC-SP.
Aos meus pais, Valdecir e Valéria, pelo amor incondicional e apoio irrefreável
aos meus estudos durante toda a minha vida, especialmente na Graduação. Tê-los ao meu
lado durante toda essa trajetória foi essencial para minha formação como pessoa e
profissional. Vocês são para sempre.
À minha namorada e amiga, Lorena Bracarense, por me ensinar o real
significado do amor. Pela dedicação em construir uma vida que seja nossa, não dela ou
minha. Por todo o apoio e paciência durante a escrita deste trabalho, inclusive como
revisora extraoficial.
Aos meus familiares mais próximos – avó, tios e primos –, agradeço pelas
palavras de incentivo e por acreditarem no meu potencial.
Aos meus amigos da escola, por me mostrarem o verdadeiro significado da
amizade. Obrigado por trazerem a leveza necessária aos meus estudos no período de
Graduação, além do companheirismo e carinho que marcam nossa amizade.
Aos meus amigos da faculdade, Andrei, Lilian e Sarah, não só pelo
companheirismo e parceria durante todo o curso, mas também pela amizade que
desenvolvemos e tornou o período de Graduação mais agradável e prazeroso. Entre muito
suor e estresse, as risadas e seu carinho foram um presente.
Aos meus chefes que tive durante o período de estágio profissional,
especialmente Fábio Gusman, Gustavo Marinho, Mário Corteze, Christian Fernandes e
Bruna Farias, pelo incentivo e atenção à minha formação profissional, especialmente no
Direito Público.
A todos os meus professores, seja na escola ou Graduação, por fornecerem as
bases da minha formação educacional, essencial para o meu desenvolvimento pessoal,
acadêmico e profissional. Na PUC-SP, agradeço especialmente aos professores de Direito
Administrativo com quem tive contato na Graduação, José Roberto Pimenta, Jachinto
Arruda Câmara e Christianne Stroppa, cujos ensinamentos inspiraram o desenvolvimento
deste trabalho.
Por fim, a todos envolvidos na criação e manutenção do Programa Universidade
para Todos (ProUni) – inclusive na PUC-SP, por sua aderência ao programa –, iniciativa
educacional do Governo Federal verdadeiramente emancipatória, que me concedeu bolsa
de estudos integral para a Graduação.
O Direito tem como finalidade
unicamente a disciplina da vida social, a
conveniente organização dela, para o bom
convívio de todos e bom sucesso do todo
social, nisto se esgotando seu objeto –
Celso Antônio Bandeira de Mello
RESUMO

TEIXEIRA, Bruno Martins. Preservação da empresa e arbitramento de sanções


administrativas nas agências reguladoras federais.

A preservação da empresa é interesse de índole constitucional cuja concretização é


imprescindível ao desenvolvimento econômico, social e cultural, considerando a função
social da atividade econômica, fonte geradora de riqueza, emprego e impostos. Embora a
o tratamento dessa matéria seja fértil no direito empresarial, busca-se demonstrar que o
princípio da preservação da empresa se espraia sobre todo ordenamento judicio, inclusive
no regime jurídico que disciplina o exercício da competência sancionatória das Agências
Reguladoras Federais. Desse modo, tratar-se-á de discutir, sob uma perspectiva crítica,
especialmente sob o aspecto doutrinário, em que medida os parâmetros e critérios de
arbitramento de sanções administrativas definidos na legislação e regulamentos de sanção
de Agências Reguladoras referenciam, seja implícita ou explicitamente, e demandam a
necessidade de preservação da empresa. Evidente que este largo espectro de
considerações sinaliza um trabalho de caráter multidisciplinar, com elaborações que se
encontram no campo do direito constitucional, civil, empresarial, penal e administrativo,
especialmente no contexto do sub-ramo do Direito Administrativo Sancionador.

Palavras-chave: 1. Direito Público. 2. Direito Administrativo. 3. Sanções


administrativa; 4. Preservação da empresa. 5. Agências Reguladoras. 6. Função social
da empresa.
ABSTRACT

TEIXEIRA, Bruno Martins. Company’s preservation and quantification of


administrative sanctions in federal regulory agencies.

Company’s preservation is a constitutional interest whose realization is essential to


economic, social and cultural development, considering the social function of the
company, source of wealth, employment and taxes. Although the treatment of this subject
have fertile ground in business law, the aim is to demonstrate that the principle of
company’s preservation spread throughout the entire legal system, including the one that
governs the exercise of the sanctioning powers of the federal regulatory agencies. In this
way, it will be discussed, from a critical perspective, especially from legal literature angle,
to what extent the parameters and criteria for quantification of administrative sanctions
defined in the legislation and sanction regulations of Regulatory Agencies refer, either
implicitly or explicitly, and demands company’s preservation. It is clear that this broad
spectrum of considerations signals a work of a multidisciplinary nature, with elaborations
that are found in the field of constitutional law, civil law, business law, criminal law and
administrative law, especially in the context of the sub-area of administrative sanctioning
law.

Keywords: 1. Public Law. 2. Administrative Law. 3. Administrative sanctions. 4.


Principle of Company’s preservation. 5. Regulatory Agency. 6. Social function of the
company
LISTA DE ABREVIATURAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade


AGU Advocacia-Geral da União
ANA Agência Nacional de Águas
ANAC Agência Nacional de Aviação Civil
ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações
ANCINE Agência Nacional do Cinema
ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica
ANM Agência Nacional de Mineiração
ANP Agência Nacional de Petróleo
ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar
ANTAQ Agência Nacional de Transportes Aquaviários
ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CNM Conselho Nacional Monetário
CVM Comissão de Valores Mobiliários
DAS Direito Administrativo Sancionador
LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
LRJF Lei de Recuperação Judicial e Falências
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12
2 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA: PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA
EMPRESA COMO INTERESSE PÚBLICO ............................................................ 14
3 DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR: ORIGEM, FUNÇÃO E
ALGUMAS PARTICULARIDADES EM ÂMBITO REGULATÓRIO ................ 27
4 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E ARBITRAMENTO DE SANÇÕES
ADMINISTRATIVAS NAS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS ............. 42
4.1. Arquitetura jurídico-institucional da disciplina sancionatória das Agências
Reguladoras Federais .................................................................................................. 42
4.2. Critérios de arbitramento em regulamentos de sanção de Agências Reguladoras
Federais: preservação da empresa como princípio de DAS regulatório ..................... 46
5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 51
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 53
12

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Constituição Federal, a ordem econômica é fundada na valorização o


trabalho humano e na livre iniciativa, tendo como fim de assegurar a todos uma existência
digna, conforme os ditames da justiça social, a partir de princípios como a propriedade privada,
função social da propriedade, livre concorrência, redução das desigualdades regionais e sociais
e a busca do pleno emprego1.
Estes princípios expressam os interesses albergadas pela função social da empresa,
demonstrando, a um só tempo, os limites atividade empresarial e a relevância do agente
econômico para o desenvolvimento econômico e social nacionais. Nesse sentido, a livre
iniciativa desempenharia importante papel na ordem econômica e social – planos distintos, mas
convergentes.
E como são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil garantir o
desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir desigualdades
sociais e regionais, sempre procurando promover uma sociedade justa, livre e solidária2, é dever
do Estado resguardar e promover a atividade econômica, fonte geradora de empregos, riqueza
e impostos.
Nesse sentido, surge a necessidade de preservação da empresa, princípio construído
no bojo do direito empresarial, que destaca remete à proteção da empresa interessa não somente
ao empresário e aos acionistas, mas também a outros grupos de interesse – investidores,
fornecedores, clientes, trabalhadores, comunidade etc. –, considerando seu impacto social,
econômico, ambiental e político.
Dados os interesses, individuais e metaindividuais, que gravitam em torno do exercício
da empresa, sua preservação faz-se necessária, especialmente em setores sob forte regulação,
ocasião em que a dever-poder sancionatório estatal é fatalmente exercido.

1
CRFB/88, art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre
concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento
favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX - tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
2
CRFB/88, Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
13

No plano regulatório, as Agências Reguladoras – federais, estaduais ou municipais –


exercem competência sancionatória para disciplinar e controlar determinadas setores
econômicos, com objetivo de garantir a qualidade dos produtos ou da prestação de serviços,
considerando sua essencialidade, impacto na economia e eventuais riscos da atividade. Quer-
se, em última análise, garantir equilíbrio regulatório no setor regulado. São exemplos de
agências reguladoras a ANCINE, ANPD, ANP, ANATEL, ANA, dentre outras.
Como forma de garantir a excelência das atividades reguladas, vedar o exercício
abusivo da empresa e assegurar o estrito cumprimento às normas regulamentares aplicáveis, as
Agências reguladoras, no exercício de seu poder normativo, utilizam-se de sua prerrogativa
sancionatória para aplicação de sanções administrativas.
As balizas que informam o exercício do dever-poder sancionatório estatal são
definidas no Direito Administrativo Sancionador (DAS), conjunto de regras e princípios que
disciplinam o tratamento jurídico das infrações e sanções administrativas, pelas pessoas
competentes no exercício de função administrativa, sendo limite tanto ao legislador, quanto à
Administração Pública.
Em rigor, é o que deveria ser prestigiado considerando o potencial impacto de sanções
administrativas têm para a atividade empresarial, tais como demissões, redução de
investimentos, diminuição do nível de produção industrial e, no limite, à pedidos de falência e
recuperação judicial, consequências que afetam não só a continuidade da atividade empresarial
individualmente considerada, seja temporária ou definitivamente, mas também toda a
coletividade, dada a importância da empresa para o desenvolvimento econômico e social.
Isto posto, o objeto da pesquisa consiste na análise da legislação e regulamentos de
sanção de Agências Reguladoras Federais, conforme a Lei n° 13.848/2019, especificamente
quanto aos parâmetros e critérios de arbitramento de sanções administrativas, com o objetivo
de se extrair eventual referência, expressa ou implícita, à preservação da empresa, em
consonância com a sua função social, bem como identificar eventuais mecanismos alternativos
à sua salvaguarda – porque menos custosos, mais céleres e até mais eficientes e efetivos do que
a via sancionatória.
Para tanto, serão feitas considerações sobre a origem do princípio da função social da
empresa e a construção do instituto pela disciplina do direito empresarial, que fundamenta o
princípio da preservação da empresa, bem como sobre as bases do Direito Administrativo
Sancionador – com destaque para as funções das sanções administrativas – e sua circunscrição
ao âmbito da regulação, sob a denominação do DAS regulatório.
14

2 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA: PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA


EMPRESA COMO INTERESSE PÚBLICO

A origem da função social da empresa remonta às discussões sobre a função social da


propriedade. Tradicionalmente, imprimia-se à propriedade uma feição eminentemente
individualista, destituída de uma finalidade social que restringe sua utilização em absoluto pelo
dominus. Era o que ocorria no direito romano, raiz histórica da propriedade, em que esta era
vista sob o prisma individual, em que pese existirem outras formas de propriedade coletiva 3.
Hahnemann Guimarães resume as etapas que demonstram a passagem da propriedade coletiva
para a privada:

1º) propriedade individual sobre os objetos necessários à existência de cada um; 2º)
propriedade individual sobre os bens de uso particular, suscetíveis de ser trocados com
outras pessoas; 3º) propriedade dos meios de trabalho e de produção; e 4º) propriedade
individual nos moldes capitalistas, ou seja, seu dono pode explorá-la de modo
absoluto (GUIMARÃES, 1957 apud DINIZ, p. 46, 2022)

Fábio Konder Comparato, rememorando a história econômica e o pensamento


ocidental sobre a vida econômica, afirma que, na civilização contemporânea, a propriedade,
embora tenha sido o melhor meio para garantir a subsistência individual ou familiar, deixou de
ser o único, uma vez que em seu lugar surgiram a garantia do emprego, salário justo, prestações
sociais pelo Estado, educação, formação profissional, habitação, transporte e o lazer
(COMPARATO, 1996, p. 71-79). Assim, a sobrevivência humana, antiga função da
propriedade, passou a sustentar-se sobre outros alicerces, o que talvez tenha contribuído para
desvencilhá-la de sua função marcadamente individual4.

3
Vale também citar como forma originária da propriedade o tratamento que os povos originários tinham sobre a
propriedade de seus bens, tal como pontua Maria Helena Diniz: “No início das civilizações as formas originárias
da propriedade tinham uma feição comunitária. P. ex.: entre nossos indígenas, ao tempo da descoberta do Brasil,
havia domínio comum das coisas úteis, entre os que habitavam a mesma oca, individualizando--se, tão somente,
a propriedade de certos móveis, como redes, armas e utensílios de uso próprio. O solo, por sua vez, era
pertencente a toda a tribo e isso, temporariamente, porque nossos índios não se fixavam na terra, mudavam de
cinco em cinco anos” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 36. ed. São
Paulo: SaraivaJur, 2022. p. 46).
4
Eros Grau afirma que à propriedade eleita para fins individuais e familiares, não se atribui função social: “Aí,
enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar — a dignidade da pessoa humana, pois — a
propriedade consiste em um ‘direito individual’ e, iniludivelmente, cumpre ‘função individual’. Como tal é
garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e, como vimos, socialistas. A essa
propriedade não é ‘imputável função social’; apenas os abusos cometidos no seu exercício encontram limitação,
adequada, nas disposições que implementam o chamado ‘poder de polícia’ estatal” (GRAU, Eros Roberto. A
ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2010, p. 240).
15

Na realidade germânica da época medieval, era a propriedade concebida como


universalidade de bens da família (universitas rerum), ligados a aspectos materiais dos quais a
família era dependente para seu desenvolvimento, motivo pelo qual era instrumento de
subsistência. Contudo, a propriedade torna-se fragmentada e social quando os bens passam a
ter funções ligadas à atividade produtiva, isto é, nas quais terceiros devem necessariamente
intervir (SACRAMONE, 2023, p. 16-17).

Nesse sentido, a propriedade passa a influenciar o bem estar da comunidade, uma vez
que o domínio sobre o bem também compreende o direito de direção e fiscalização das
atividades sobre ele exercidas, tal como explica Marcelo Barbosa Sacramone:

Com a interferência de terceiros na relação de propriedade, o domínio sobre o bem


rapidamente projeta-se como direito de direção e fiscalização das atividades exercidas
sobre o mesmo, como o trabalho dos operários. De poder sobre as coisas, assim, a
propriedade transmuta-se em um poder sobre pessoas. É nesse sentido que a
propriedade influencia diretamente o bem-estar da comunidade (SACRAMONE,
2023, p. 17)

Isto posto, seria possível distinguir uma propriedade com função individual, de uma
propriedade dotada de função social. Segundo Eros Grau, a primeira, voltada para a subsistência
própria e da família, ao passo que a segunda “é justificada pelos seus fins, seus serviços, sua
função” (GRAU, 2010, p. 244). Quanto à função social, o autor pontua que esta impõe ao
proprietário comportamentos positivos de não só exercê-lo em benefício de outrem, mas
também de não fazê-lo em malefício de outrem. Assim, divisa uma espécie de propriedade-
função social, diante da alteração estrutural que provoca no instituto, tal como concebido
tradicionalmente:

(...) a afetação de propriedade — não de todas elas, que algumas, como vimos, são
dotadas de função individual — por função social importa não apenas o rompimento
da concepção, tradicional, de que a sua garantia reside em um direito natural, mas
também a conclusão de que, mais do que meros direitos residuais (parcelas daquele
que em sua totalidade contemplava-se no utendi fruendi et abutendi, na plena in re
potestas), o que atualmente divisamos, nas propriedades impregnadas pelo princípio,
são verdadeiras propriedades-função social e não apenas, simplesmente, propriedades.
O princípio da função social da propriedade, desta sorte, passa a integrar o conceito
jurídico-positivo de propriedade (destas propriedades), de modo a determinar
profundas alterações estruturais na sua inferioridade (GRAU, 2010, p. 521)
16

Assim, a propriedade é um direito subjetivo com função social 5, que compreende


interesses particulares que devem ser satisfeitos sem prejuízo dos interesses coletivos,
necessariamente. Nesse sentido, ocorreu uma verdadeira publicização do direito de
propriedade.

Fábio Konder Comparato identifica na Constituição Alemã de Weimar, a primeira


referência à função social da propriedade:

A noção de que o uso da propriedade privada deveria também servir ao interesse da


coletividade foi, pela primeira vez, estabelecida na Constituição de Weimar de 1919.
Em seu art. 153, última alínea dispôs ela: ‘propriedade obriga. Seu uso deve
igualmente ser um serviço ao bem comum (COMPARATO, 1996, p. 41)

No direito brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988, a função social da


propriedade não fugiu da positivação. Assim, ao lado das restrições de ordem voluntária ao
direito de propriedade, como as servidões6 e o usufruto7, tem-se outras advindas da própria
natureza da propriedade, que não pode ser mais percebida somente como a faculdade de usar,
gozar e dispor da coisa, além de reivindicá-la de quem injustamente a possua ou detenha
isoladamente, mas sim de fazê-lo sem prejuízo aos legítimos interesses da sociedade brasileira.

Nesse contexto, ilustrativa é a comparação entre o dispositivo que prevê a propriedade


no Código Civil de 1916 e de 2002. No antigo diploma civil, tinha o proprietário o direito de
usar, gozar, dispor e reaver o bem de quem injustamente o possua, ao passo que no Código
Reale tem-se a faculdade de fazê-lo8. Flávio Tartuce afirma que essa alteração demonstra “o
rompimento do caráter individualista da propriedade, que prevalecia na visão anterior, pois a

5
No mesmo sentido, vejam-se os comentários de Carlos Ari Sundfeld: “Léon Duguit em sua célebre obra Les
Transformations du Droit Privé depuis le Code Napoleón, onde reuniu uma série de conferências realizadas na
Argentina em 1911, dedicou um dos capítulos ao tema “La proprieté-fonction sociale” , criticando esta noção
individualista e metafísica de propriedade e propugnando por uma propriedade-função social. Segundo ele, os
Códigos baseados no princípio individualista e civilista fundavam sua ideia de propriedade em duas
preocupações: a de legitimar a apropriação sem qualquer consideração sobre seu fundamento, e a de proteger a
afetação da riqueza a uma finalidade meramente individual. Daí por que o direito de propriedade tornou-se a
expressão por excelência da autonomia da vontade humana, da soberania do indivíduo” (SUNDFELD, C. A.
Função Social da Propriedade: The Social Role of Property. Revista de Direito Administrativo e
Infraestrutura | RDAI, São Paulo: Thomson Reuters | Livraria RT, v. 3, n. 10, p. 403–423, 2019. Disponível
em: https://rdai.com.br/index.php/rdai/article/view/249. Acesso em: 30 set. 2023).
6
Conforme dispositivos legais do Título V, do Código Civil de 2002.
7
Conforme dispositivos legais do Título VI, do Código Civil de 2002.
8
Para melhor visualização, veja-se a redação de ambos as leis: Código Civil de 2002. Art. 1.228. “O proprietário
tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente
a possua ou detenha”; Código Civil de 1916. “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de
seus bens, e de reave-los do poder de quem quer que injustamente os possua”.
17

supressão da expressão direitos faz alusão à substituição de algo que foi, supostamente, absoluto
no passado” (TARTUCE, p. 152, 2022).

E de fato, inegável o caráter social da propriedade. Como exemplos, extrai-se da


Constituição como limites ao exercício do direito à propriedade a preservação do meio ambiente
(art. 2259) e a proteção das terras dos povos originários (art. 231 10), que concretizam a função
social da propriedade, salvaguardada como cláusula pétrea, no inciso XXIII, do art. 5°11, da
Constituição Federal12.

No regime jurídico atual, sequer se pode falar em propriedade desconsiderando a ínsita


função social deste instituto. Por isso, Flávio Tartuce pontua que “a função social é íntima à
própria construção do conceito. Como direito complexo que é, a propriedade não pode
sobrelevar outros direitos, particularmente aqueles que estão em prol dos interesses da
coletividade” (TARTUCE, p. 152, 2022).

No Código Civil, não há um conceito de propriedade, enunciando-se apenas os poderes


do proprietário13. De todo modo, feitas as considerações acima, o conceito da doutrina de
Orlando Gomes sobre propriedade bem sintetiza o instituto:

O direito real de propriedade é o mais amplo dos direitos reais – “plena in re potesta”.
Sua conceituação pode ser feita à luz de três critérios: o sintético, o analítico e o
descritivo. Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windscheid, como a submissão de
uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar,
fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua.
Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma

9
Constituição Federal, art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
10
Constituição Federal, art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças
e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-
las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
11
Constituição Federal, art. 5°, XXIII. A propriedade atenderá a sua função social.
12
Silvio Salvo Venosa comenta as restrições ao direito de propriedade: “São muitas e cada vez mais numerosas as
leis que interferem na propriedade. A exigência de limitação decorre do equacionamento do individual e do
social, como acentuado. Destarte, são inúmeras as restrições de ordem administrativa. Protege-se o patrimônio
histórico, a fauna, a flora, o equilíbrio ecológico etc. Há leis especiais que cuidam expressamente dessas questões,
restrições direcionadas à propriedade urbana e rural. Há restrições de ordem militar que dizem respeito à
segurança nacional, disciplinando, por exemplo, a requisição de bens particulares necessários às forças armadas
nos casos de urgência e defesa nacional. No Código Eleitoral, também se dispõe sobre o uso da propriedade
privada, quando se permite a requisição de bens para a realização de eleições. Pontuando especialmente os
direitos de vizinhança cuja análise pertence ao direito privado e ao direito público, seria exaustivo e desnecessário
a esta altura elencar todas as modalidades de restrição à propriedade (...) A limitação à propriedade também pode
decorrer de ato voluntário, como a imposição das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade em doações ou testamentos” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: reais. 22. ed. Barueri:
Atlas, 2022. p. 152).
13
Código Civil, art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la
do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
18

coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei (GOMES,
2012, p. 103)

Não bastasse, a Constituição enunciou como princípio de ordem econômica a função


social da propriedade14, motivo pelo qual não há dúvida sobre a incidência do instituto sobre a
atividade empresarial – o funcionamento da livre iniciativa. E como a livre iniciativa econômica
se desenvolve a partir do exercício da empresa, depreende-se dela uma função social, princípio
de direito empresarial que fundamenta a ordem econômica.

No art. 170, caput, do diploma constitucional, dispõe-se que a ordem econômica é


fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Diversos são os possíveis sentidos atribuíveis à ordem econômica15. A par disso, Eros
Grau descreve a ordem econômica como um conjunto de princípios jurídicos do processo
econômico, sendo antes uma parcela da ordem jurídica:

Em outra ocasião a descrevi como conjunto de princípios jurídicos de conformação


do processo econômico, desde uma visão macrojurídica, conformação que se opera
mediante o condicionamento da atividade econômica a determinados fins políticos do
Estado. Tais princípios — prossegui — gravitam em torno de um núcleo, que
podemos identificar nos regimes jurídicos da propriedade e do contrato (GRAU, 2010,
p. 68)

Entende-se por princípios, na lição de Robert Alexy, normas que consubstanciam


mandados de otimização, “que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes” (ALEXY, 2015, p. 90). Nesse sentido,
o princípio da função social da empresa reclama sua máxima realização, harmonizando-se com

14
Constituição Federal, art. 170, caput. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios: III - função social da propriedade.
15
Citando as anotações de Vital Moreira, Eros Grau registra as distintas conotações de ordem econômica: “- em
um primeiro sentido, "ordem econômica" é o modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; a
expressão, aqui, é termo de um conceito de fato e não de um conceito normativo ou de valor (é conceito do
mundo do ser, portanto); o que o caracteriza é a circunstância de referir-se não a um conjunto de regras ou normas
reguladoras de relações sociais, mas sim a uma relação entre fenômenos econômicos e materiais, ou seja, relação
entre fatores econômicos concretos; conceito do mundo do ser, exprime a realidade de uma inerente articulação
do econômico como fato; - em um segundo sentido, "ordem econômica" é expressão que designa o conjunto de
todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurídica, religiosa, moral etc.), que
respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo (no sentido
sociológico) da ação econômica; - em um terceiro sentido, "ordem econômica" significa ordem jurídica da
economia” .(GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 14.
ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 65).
19

outras normas e princípios no ordenamento jurídico, com atenção às finalidades sociais


insculpidas na Constituição, especialmente no contexto da ordem econômica16.

Vale registrar os apontamentos de Débora Vasconcelos e Simone Genovez, para quem


a função social da empresa deve atender a uma série de interesses constitucionais, dado que a
propriedade está socialmente funcionalizada:

A hermenêutica que deve ser feita é que a função social da propriedade, entendida
aqui de forma ativa, a empresa, no exercício de suas atribuições, deve respeitar o
trabalho humano, a defesa do consumidor, do meio ambiente, a redução das
desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego, visando à melhoria da
qualidade de vida das pessoas e o desenvolvimento socioeconômico pretendido pela
ordem econômica. A propriedade socialmente funcionalizada afasta o caráter
individualista e impõe ao empresário, administradores ou quem exerce o seu controle,
o dever de exercer em benefício de todos e, diante do poder e influência que estas
pessoas representam no contexto socioeconômico, o dever de apre-sentar
comportamento adequado e sem qualquer desvio de conduta, assim como se exige
daqueles que exercem cargos públicos (GENOVEZ; Vasconcelos, 2013, p. 137-166)

Fábio Ulhoa Coelho afirma que “o princípio da função social da empresa é


constitucional, geral e implícito” (COELHO, 2012, p. 88). É geral, porque se aplica
indistintamente a todas as relações jurídicas ordenadas pelo direito comercial e constitucional,
implícito por não se encontra diretamente no texto constitucional, mas decorre de interpretação
doutrinária do princípio da função social da propriedade, expressamente previsto na
Constituição, no inciso XXIII, do art. 5°, e no inciso III, do art. 17017.

Segundo Marcelo Barbosa Sacramone, a empresa seria um fenômeno econômico


poliédrico, que no âmbito jurídico poderia ser decomposto em diversos perfis, todos com
referência na legislação brasileira. Considerando seu (i.) perfil subjetivo, confunde-se com o
empresário; (ii.) no perfil objetivo, é complexo de bens organizados para o exercício da
atividade, o estabelecimento; (iii.) no perfil funcional é caracterizado como atividade

16
Após apresentar a ordem econômica constitucional como o conjunto de normas que dispõem sobre a forma
econômica adotada pela Constituição, André Ramos Tavares esclarece: “(...) Poder-se-ia, a partir da concepção
mencionada, vislumbrar como reconhece o próprio Vital Moreira como que a Constituição econômica surja a
partir da ordem econômica, ou seja, que esta constituiria e legitimaria aquela. Isso, contudo, deve ser afastado
de imediato, porque implicaria em subverter a verdadeira relação que há entre ambas: é a Constituição econômica
que constitui a ordem econômica – assim como ocorre entre a Constituição em geral e a ordem jurídica em geral.
Não há novidade aqui: é a Constituição a norma máxima, que determina, delimita e legitima o restante do
ordenamento” (TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011.
p. 83).
17
Constituição Federal, art. 5°, XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; e art. 170. A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III - função social da propriedade.
20

econômica para produção e circulação de bens e serviços e por fim, no perfil corporativo, a
empresa é uma instituição como organização de pessoas e bens (SACRAMONE, 2023, p. 26).

Especificamente, o Código Civil não define o conceito de empresa, o qual pode ser
depreendido do conceito de empresário e de estabelecimento. O empresário é quem exerce
profissionalmente a atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens e
serviços18, ao passo que o estabelecimento é justamente o complexo de bens materiais e
imateriais destinados à atividade econômica organizada19, isto é, a empresa. O fim dessa
atividade é o lucro20.

Afirmar que a empresa tem uma função social não é negar a índole primeira da
atividade empresarial, cujo objetivo é o lucro. Na verdade, trata-se de registrar que, ao lado
disso, o empresário está sujeito ao dever de fazê-lo observando a função social do instituto. E
como a atividade empresarial pressupõe a celebração de negócios jurídicos, é certo que não se
pode verificar nem lucro, nem a função social de maneira isolada21.

Ademais, a função social não se confunde com uma atitude altruísta, uma vez que seu
cumprimento é imposição cogente da ordem jurídica. Não se identifica, então, com
responsabilidade social da empresa, expressão que se convencionou chamar de cidadania
empresarial, correspondente à conscientização do empresariado sobre os problemas sociais ante
a incapacidade e falta de credibilidade do Estado de eliminá-los, na lição de Guilherme Calmon
Nogueira da Gama e Bruno Paiva Bartholo22. Nesse caso, tem-se meros deveres laterais –

18
Código Civil, art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada
para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
19
Código Civil, art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.
20
Remetendo à empresa, Marcelo Barbosa Sacramone registra que o objetivo último de seu exercício é o lucro:
“A atividade deve visar à apreensão dos resultados produtivos, o lucro. O fim da atividade não é altruísta. Embora
o lucro possa ser reinvestido na própria atividade, os atos são praticados com o objetivo de satisfazer uma
necessidade econômica do agente” (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de direito comercial. 4. ed.
São Paulo: SaraivaJur, 2023. p. 27).
21
“O lucro é uma das funções ou objetivos dos negócios jurídicos, um verdadeiro estímulo humano aos negócios.
Em última análise, lucro é sobrevivência, é um ganho justo que aquele que trabalha tem o direito de receber (...)
Não se pode verificar o lucro isolado de um contrato ou o lucro de uma empresa ou mesmo o lucro de um setor
para considerar se um contrato cumpre ou não a sua função social. Até mesmo aferir a função social pelo lucro
gerará situações absurdas, exceto, como se verá, em caso de lesão ou onerosidade ex- cessiva, a segunda situação,
aliás, que dificilmente será vinculada ao lucro” (RULLI NETO, Antonio. Função social do contrato. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 236).
22
“Efetivamente, a responsabilidade social, expressão do que alguns convencionam designar de cidadania
empresarial, corresponde a uma recente etapa de maior conscientização do empresariado no que diz respeito aos
problemas sociais e ao seu potencial papel na resolução dos mesmos, principalmente em virtude da crescente
falta de capacidade e de credibilidade do Estado na busca da eliminação daqueles. A maioria dos empresários
que assume iniciativas dessa índole tem por objetivo atrelar a seu empreendimento uma imagem positiva junto
à comunidade, integrada por potenciais consumidores de seus produtos ou de seus serviços” (GAMA, Guilherme
21

faculdades – do empresário, que não precisam, necessariamente, realizar-se, pela ausência de


disposição legal nesse sentido.

Nesse contexto, importante anotar o parecer de Fábio Konder Comparato, que sinaliza
ser perigosa a ilusão de que o desempenho da atividade econômica promoverá alguma sorte de
justiça social, suprindo o papel do Poder Público, considerando que, no regime capitalista,
espera-se que as empresas procurem a eficiência econômica, para otimizar seu lucro
(COMPARATO, 1996, p. 45), nota que não exclui o fato de que o empresário deve observar a
função social da empresa.

Fábio Ulhoa Coelho afirma que a função social da empresa presume o


condicionamento da autonomia privada, para que os bens e serviços a serem comercializados
atendam aos interesses da coletividade, juridicamente protegidos na ordem econômica. É dizer
que, sem isso, o lucro não é legitimamente auferido:

Cumpre sua função social a empresa que gera empregos, tributos e riqueza, contribui
para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de
sua região ou do país, adota práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do
meio ambiente e ao respeito aos direitos dos consumidores. Se sua atuação é
consentânea com estes objetivos, e se desenvolve com estrita obediência às leis a que
se encontra sujeita, a empresa está cumprindo sua função social; isto é, os bens de
produção reunidos pelo empresário na organização do estabelecimento empresarial
estão tendo o emprego determinado pela Constituição Federal (COELHO, 2012, p.
89)

Para Marcelo Barbosa Sacramone, a função social da empresa é aplicável para


fortalecimento do mercado, de modo a assegurar a previsibilidade e segurança jurídica
imprescindíveis para que atividade empresarial se desenvolva e beneficie a coletividade:

Ressalta-se, entretanto, que a função social não significa proteção à parte


economicamente mais vulnerável da relação jurídica celebrada ou a exigência de
distribuição dos resultados ou dos prejuízos de forma equânime (...) Diante da
previsibilidade e segurança jurídica imprescindíveis para que as relações jurídicas
empresariais se desenvolvam e beneficiem todo o conjunto de cidadãos, a função
social da empresa, que deve nortear a interpretação de todas as regras e institutos do
direito empresarial, deve ser identificada como o melhor funcionamento possível
desse mercado (SACRAMONE, 2023, p. 24)

Gustavo Saad Diniz, por sua vez, entende que a função social da empresa se projeta
interna e externamente à organização, exigindo-se a satisfação de interesses tanto dos

Calmon Nogueira da; e BARTHOLO, Bruno Paiva. in Função Social da Empresa. Revista dos Tribunais 100
anos: Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. II, org. Arnoldo Wald, Revista dos Tribunais. p. 113).
22

shareholders (acionistas), quanto dos stakeholders (investidores, fornecedores, clientes,


comunidade etc.):

Os atores da ordem econômica – Estado, quando cabível, empresários, sociedades


empresárias e equiparados – são aqueles que se apropriam dos meios de produção e
desempenham suas atividades com esse domínio. É natural que haja desdobramentos
de análise de uma própria função social da empresa. Há uma variação de correntes
teóricas entre a maior e a menor intervenção estatal sobre a atividade empresarial
(FRANCO, 2008, p. 128-130), mas acreditamos que a função da empresa se projeta
nos âmbitos interno e externo da atividade, intervindo na esfera jurídica dos chamados
grupos de interesse desdobrando-se em atuações positivas em favor do interesse social
(internamente) e em favor de sociedades controladas, credores, trabalhadores e demais
sujeitos relacionados com a organização (externamente) (DINIZ, 2022, p. 17)

Esse conceito demonstra que a atividade empresarial tem repercussões que


ultrapassam seu objeto estatutário, projetando-se sobre toda a realidade social, uma vez que,
pelo exercício da empresa, geram-se impostos, empregam-se trabalhadores, produz-se riqueza,
fomenta-se a inovação, circulam-se produtos e serviços etc. Enfim, a atividade empresarial tem
impacto social, econômico, ambiental e político, sendo objeto de interesse de diversos grupos
com legítimos anseios e interesses na sociedade, nenhum objetivamente melhor do que o outro,
cada um salvaguardado em alguma medida pelo ordenamento jurídico23.

Do ponto de vista econômico, são externalidades, isto é, consequências indiretas da


atividade econômica sobre terceiros, as quais ocorrem “quando empresas ou pessoas impõem
custos ou benefícios a outras que estão fora do mercado” (SAMUELSON, 2012, p. 31).

Daí exsurge a necessidade da preservação da empresa, princípio de direito empresarial


legal, geral e explícito. Legal, porque extraído da legislação infraconstitucional – da Lei de
Recuperação Judicial e Falências (Lei n° 11.101/2005), da resolução da sociedade em relação
a um sócio (Código Civil, art. 1.028 e seguintes) e da desconsideração da personalidade

23
Citando Francis-Paul Bénoit, especificamente seu trabalho no primeiro número da revista Connaissance
Politique, Alfredo Lamy Filho ressalta: “É a empresa o quadro de reencontro dos homens para a ação em comum
que assegura sua existência. É na empresa - sejam patrões, executivos, técnicos, empregados ou trabalhadores -
que os mais capazes de iniciativa, de es- forço, de responsabilidade, os mais dotados, os mais hábeis, os mais
trabalhadores, se põem aos serviços dos outros, para a criação de riquezas, das quais se beneficia a humanidade
por inteiro. É também na empresa que se exprimem as tensões no que concerne à partilha dos papéis e do proveito
entre todos os que contribuem para a produção” (LAMY FILHO, Alfredo. A função social da empresa e o
imperativo de sua reumanização. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 190, p. 54–60, 1992. DOI:
10.12660/rda.v. 190.1992. 45408. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/45408. Acesso em:
1 out. 2023).
23

jurídica24 –; geral, porque não se aplica apenas a determinadas relações jurídicas, e explícitas,
dado que previsto expressamente em lei, embora ausente da Constituição.

A partir desse princípio, busca-se preservar a empresa como instrumento para o


desenvolvimento nacional e social, viabilizando-se, na medida do possível, sua continuidade
eficiente, de modo a contribuir para a circulação de riqueza e geração de emprego
(WAISBERG, 2022, p. 59-60).

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, o princípio da preservação da empresa remete à


proteção da atividade econômica como objeto de direito que interessa não somente ao
empresário e à coletividade de acionistas, mas a um número maior de sujeitos de direito25. Por
isso, conceitua o princípio da seguinte maneira:

O princípio da preservação da empresa reconhece que, em torno do funcionamento


regular e desenvolvimento de cada empresa, não gravitam apenas os interesses
individuais dos empresários e empreendedores, mas também os metaindividuais de
trabalhadores, consumidores e outras pessoas; são estes últimos interesses que devem
ser considerados e protegidos, na aplicação de qualquer norma de direito comercial
(COELHO, 2012, p. 93-94)

Ilustrativa é a legislação falimentar, pois elucida o porquê de a legislação procurar


oferecer mecanismos jurídicos para a preservação da empresa, objetivo da recuperação judicial,
que é mais do que a dinâmica dos interesses do credor e devedor em jogo no curso do processo
concursal, considerando que interesses outros são afetados pelo desenvolvimento da atividade

24
É o que afirma Fábio Ulhoa Coelho: “(...) Não há formulação, na lei, do princípio da preservação da empresa.
Ele é concluído, pela jurisprudência e doutrina, das normas relacionadas à resolução da sociedade em relação a
um sócio (CC, arts. 1.028 e seguintes), desconsideração da personalidade jurídica (CC, art. 50; CDC, art. 28) e
recuperação judicial (Lei n. 11.101/2005). Aplicando-se a mais de um capítulo do direito comercial (pelo menos,
ao societário e falimentar), não é especial a nenhum deles” (COELHO, Fábio Ulhoa. COELHO, Fábio Ulhoa.
Curso de direito comercial: direito de empresa vol. 1. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 94).
25
Fábio Ulhoa Coelho menciona os possíveis interesses que estão na órbita do empreendimento empresarial: “(...)
Diversas soluções para os conflitos de interesses decorrem do valor que embasa este princípio. A dissolução
parcial da sociedade empresária, por exemplo, é uma construção jurisprudencial de meados do século passado,
posteriormente prestigiada pela doutrina, em que se procura conciliar, de um lado, a solução do conflito
societário, e, de outro, a permanência da atividade empresarial, evitando-se, com isto, que problemas entre os
sócios prejudiquem os interesses de trabalhadores, consumidores, do fisco, da comunidade etc. A
desconsideração da personalidade jurídica é outro instituto que decorre do mesmo princípio, ao estabelecer os
critérios a partir dos quais a fraude na manipulação da autonomia patrimonial pode ser coibida, sem o
comprometimento da atividade explorada pela pessoa jurídica instrumentalizada no ilícito. No campo do direito
falimentar, o próprio instituto da recuperação judicial se fundamenta no princípio de que pode interessar à
coletividade a preservação de determinada atividade empresarial, mesmo quando o empresário não se mostra
suficientemente capaz de dirigi-la” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa
vol. 1. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 93).
24

empresarial. Nesse ponto, vale destacar que a crise atinge a empresa, produzindo efeitos sobre
toda a sociedade26.

Explicando o funcionamento da Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRJF),


Marcelo Barbosa Sacramone afirma que a superação da crise econômico-financeira reflete os
valores sobre os quais essa lei é erigida:

Sua preservação é pretendida pela LREF como um modo de se conciliar os diversos


interesses afetados com o seu desenvolvimento. Como fonte geradora de bem-estar, a
função social da atividade empresarial é justamente se desenvolver e circular riquezas,
de modo a permitir a distribuição de dividendos a sócios, mas também de promover a
oferta de bens e serviços aos consumidores, aumentar a concorrência entre os agentes
econômicos, gerar a oferta de postos de trabalho e o desenvolvimento econômico
nacional. (...) Reconhece-se que a preservação da empresa e sua função social
assegura também o atendimento dos interesses de terceiros, dos empregados, dos
consumidores e de toda a nação. Mais do que um simples objetivo do instituto, a
preservação da empresa reflete os valores sobre os quais toda a Lei Falimentar é
erigida (SACRAMONE, 2023, p. 138)

Aliás, apenas as empresas economicamente viáveis terão atendido sua função social,
uma vez que conseguiriam adimplir todas as suas obrigações sociais, conforme estabelecido no
plano de recuperação, questão que é reconhecida em sede de Assembleia Geral 27. Se inviável,
o resultado inafastável é a decretação da quebra, como forma de restrição de mais prejuízos28.

26
“(...) No plano dos fatos, a atividade empresarial em crise atinge toda a estrutura social próxima a ela, não só
quanto a manutenção da produção, do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores, como realçado
pelo art. 47, da Lei nº 11.101/2005. Reduz receita tributária, enfraquece políticas de integração social с laboral,
diminui as perspectivas de desenvolvimento da localidade e região, ocasionando verdadeiro efeito "cascata":
desemprego, sobrepreço, inflação, descrédito, insegurança financeira e laboral etc. A empresa, ao longo do
tempo, foi inserida na teia social de modo tal que suas ações influenciam em maior ou menor grau, de acordo
com o potencial da atividade desenvolvida, o cotidiano da coletividade próxima a ela e a própria ação estatal”
(JÚNIO, Clodomiro José Bannwart; DE TOLEDO, Maurício José Morato. A Preservação da Empresa e sua
Participação para Consecução de Políticas Públicas. Revista Brasileira de Direito Empresarial, v. 1, n. 1, p.
255-272, 2015).
27
Mencionado a eventual concessão da recuperação judicial, Ricardo Negrão aponta suas consequências: “Se
corretamente concedida, haverá estímulo à atividade empresarial como um todo, seja pela manutenção dos
contratos, seja porque ao manter empresas saudáveis e viáveis no mercado se seguirá a criação ou a manutenção
de empregos, a manutenção e revitalização de específico segmento de mercado e a diversidade concorrencial e
de consumo. Enfim, uma contribuição efetiva à economia como um todo e, em especial, à arrecadação de
tributos” (NEGRÃO, Ricardo. Preservação da empresa. 1. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 122).
28
Nesse sentido ensina Marcelo Barbosa Sacramone: “(...) Embora a recuperação judicial objetive superar a crise
econômico-financeira do empresário e garantir a preservação da empresa, esta apenas implementará sua função
social se for economicamente eficiente. Apenas a atividade viável e que garanta o adimplemento de suas
obrigações sociais, com a entrega de produto aos consumidores, com o recolhimento dos seus impostos,
pagamento de seus trabalhadores e credores, tornará efetiva sua função social. Inviável economicamente a
atividade desenvolvida pelo empresário em recuperação judicial, conforme aferição imposta pela Lei aos
credores em Assembleia Geral, a falência deverá ser decretada, sob pena de ainda maior prejuízo ser causado
aos credores, trabalhadores e ao mercado como um todo” (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à
Lei de Recuperação Judicial e Falência. 4. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023. p. 138).
25

Além disso, no âmbito da improbidade administrativa, vale citar a nova Lei de


Improbidade Administrativa (Lei n° 14.230/2021), que promoveu alterações estruturais na Lei
n° 8.429/1992, previu a possibilidade de a sanção de proibição de contratar com o poder público
extrapolar o ente público lesado pelo ato ímprobo, considerados os impactos econômicos e
sociais da penalidade, com o objetivo de preservar a função social da pessoa jurídica29.

Nesse sentido, conforme Daniel Bushatsky, o princípio da preservação da empresa tem


como objetivo “proteger o núcleo da atividade econômica e, portanto, da fonte produtora de
serviços ou mercadorias, da sociedade empresária, sendo refletido no objeto social e
direcionando-a, sempre, na busca do lucro” (BUSHATSKY, 2017).

O princípio em comento encontra também referência na jurisprudência constitucional.


Na ADI 3.934/DF, que tratava sobre os artigos da Lei de Recuperação Judicial e Falências30, o
então Advogado-Geral da União (AGU) – Dias Tóffoli – ora Ministro da Suprema Corte, fala
no “interesse social na preservação da empresa e dos postos de trabalho” 31. Naquela
oportunidade, Carlos Britto, ex-Ministro do STF, postulou, referindo-se à Lei de Falências:

E a propósito, lembrei-me porque durante mais de vinte e nisto ele sim anos fui juiz
cível e lidei com muitos casos, sobretudo de concordatas de que invocava sempre uma
frase do eminente então Ministro Aliomar Baleeiro que dizia - plesmente fazia um
reconhecimento de caráter geral- não há interesse social algum em decretar-se
falência. E o caso. Todo o propósito da lei, todo o esquema de engenharia da lei foi
exatamente de preservar as empresas como fonte de benefícios e de riquezas de caráter
social, e não apenas de riqueza de caráter individual. (...) Finalmente, Senhor
Presidente, gostaria de acentuar - isto me parece também importantíssimo que o que
está por trás da interpretação dessa norma é, na verdade, um conflito entre duas visões.
De um lado, uma visão macroeconômica, que tem o foco no dinamismo da economia
e que, por isso mesmo, visa ao benefício de toda a coletividade, e, de outro, uma visão
que eu diria um pouco mais microscópica e um pouco mais rente a aparentes interesses

29
Lei n° 8.429/2021, art. 12 § 4º Em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a
sanção de proibição de contratação com o poder público pode extrapolar o ente público lesado pelo ato de
improbidade, observados os impactos econômicos e sociais das sanções, de forma a preservar a função social da
pessoa jurídica, conforme disposto no § 3º deste artigo.
30
Segue a ementa do julgado: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 60,
PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL de 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I - Inexiste reserva constitucional de lei complementar
para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. II - Não há, também,
inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. III - Igualmente não existe ofensa
à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV - Diploma legal
que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos
de trabalho. V - Ação direta julgada improcedente” (STF, ADI 3.934, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2009).
31
A íntegra da manifestação do AGU não está no inteiro teor do acórdão, mas pode ser encontrada em “peças
eletrônicas” da ADI 3.934/DF. STF.
<https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?se
qobjetoincidente=2544041>. Acesso em: 02 de out. de 2023.
26

subjetivos individualizados, mas que, no fundo, reverte em dano geral, porque não
permite a recuperação das empresas, nem que a lei atinja os seus objetivos 32.

Referindo-se a esse julgado, André Ramos Tavares ressalta que o princípio da


preservação da empresa não recai sobre a pessoa do empresário individualmente considerado,
sendo antes garantia do Estado e da comunidade, que se beneficiam do bom funcionamento da
empresa:

a proteção da empresa (..) não recai sobre a pessoa física do empresário ou sociedade
empresária - na realidade, nem se resume essa proteção à própria empresa, uma vez
que tal garantia protetiva se também para o Estado e para a comunidade, que se
beneficiam do bom funcionamento do setor empresarial. (TAVARES, 2013, p. 100).

Então, a preservação da empresa é interesse público a ser preservado, sendo princípio


a ser observado pelo empresariado, em que pesem seus interesses individuais. Noutros termos,
embora não o exclua, prevalece o interesse público sobre o privado no tocante à promoção da
função social da empresa, que se perfaz uma vez protegido seu núcleo: a empresa.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da supremacia do interesse


público sobre o privado é princípio geral de Direito, inerente ao fenômeno social, que, apesar
de não encontrar previsão expressa na legislação constitucional e esparsa, é manifestação
concreta percebida implicitamente de diversos dispositivos, inclusive da função social da
propriedade (MELLO, 2023, p. 81). E considerando que deste princípio extrai-se a função
social da empresa, razão da preservação da empresa, consubstancia-se em interesse público a
ser protegido e promovido na ordem econômica, considerando as já mencionadas repercussões
que têm na sociedade33.

Essa conclusão não deve causar estranheza, dado que, embora o princípio da
preservação da empresa seja frutífero no âmbito do direito comercial, trata-se ele de postulado
geral, aplicável a várias relações jurídicas, inclusive sob o regime de direito público. Para tanto,
basta que exista num dos polos o Estado, ou outra autoridade competente, no exercício de
função administrativa, e no outro, o particular. E sendo princípio, especialmente na ótica do
direito administrativo, tem caráter vinculante e obrigatório, pois reflete os valores básicos do

32
Conforme trecho do voto do Min. Carlos Britto, proferido no bojo da ADI 3.934/DF (STF, ADI 3.934, Relator:
RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2009).
33
Neste ponto, importante é o apontamento de Irene Patrícia Nohara, a qual registra que “a expressão ‘interesse
público’ não pode ser usada, com rigor, do ponto de vista singular, pois o direito público liga com variados
interesses públicos, e não com um único interesse público” (NOHARA, Irene Patrícia. Fundamentos de direito
público. 2. ed. Barueri: Atlas, 2022. p. 41).
27

consenso social a serem assegurados pelo Estado Democráticos de Direito (NOHARA, 2022,
p. 34).

3 DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR: ORIGEM, FUNÇÃO E


ALGUMAS PARTICULARIDADES EM ÂMBITO REGULATÓRIO

No exercício da função legislativa, o Estado escolhe a política pública repressiva que


melhor se adequa ao bem jurídico que se pretende proteger, utilizando-se do regime jurídico
apropriado para tanto. É o Legislativo que, discricionariamente, escolhe as vias adequadas e
idôneas, inclusive mediante critérios políticos de conveniência e oportunidade, para
determinados tipos de patologias sociais (OSÓRIO, 2005, p. 148). Na ótica do jus puniendi
estatal, optar-se-ia pelo regime de Direito Administrativo Sancionador (DAS) ou de Direito
Penal.

O Estado é uma associação de pessoas que detém o monopólio da força ou coação


física legítima, a qual, exercida em diversos graus e formas, é utilizada para obtenção da
obediência e paz social, aplicando-se ora a pena de morte, ora uma multa, o que se faz de
maneira aceitável no seio social, ao contrário da coação física particular, desautorizada e
ilegítima, pelo menos em regra. Nesse contexto, “o arsenal coercitivo do Estado é bastante
grande e ele estabelece sanções (negativas) para obter obediência e a paz social” (FREIRE,
2019, p. 70).

Em qualquer caso, a Administração Pública tem um dever-poder sancionador, uma


competência vinculante e não discricionária, sendo qualquer juízo de conveniência e
oportunidade incompatível com a atividade sancionatória34.

É a natureza do ilícito, determinada pela reprovabilidade da conduta pela sociedade,


que determina a resposta estatal cabível. Sob o ponto de vista sociológico, o direito está em
função da vida social, porque busca favorecer um amplo relacionamento entre as pessoas e os
grupos sociais. Por isso, o ordenamento jurídico separa o lícito do ilícito, com base em valores

34
Nesse sentido pontua Daniel Ferreira: “Visto ser a sanção administrativa uma das manifestações concretas do
exercício da função administrativa, enquanto dever-poder, importante gizar que a aplicação de sanção por um
agente público não consiste em uma mera faculdade, mas sim em inolvidável vinculação. (...) Então, toda e
qualquer alusão ao dever-poder sancionador como exercício de uma competência também discricionária nos
parece, ‘data maxima venia’, um ledo engano, que não pode subsistir num Estado Democrático de Direito”
(FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 40).
28

erigidos pela própria sociedade, objetivando tornar possíveis os nexos de cooperação, sem os
quais não haveria equilíbrio ou justiça nas relações (NADER, 1997, apud CAVALIERI FILHO,
2019, p. 14).

Portanto, existe relevância social na construção e dinâmica do ato ilícito, pois as


interações sociais fatalmente alcançam direito de terceiro ou ferem valores básicos da
coletividade, exigindo-se a reparação, para que seja possível a própria vida em sociedade. Essa
é uma exigência secular, como elucida o princípio neminem laedere (a ninguém deve lesar),
expressão que remonta ao denominado direito natural (BITTAR, 1988, apud STOCO, 1999, p.
63).

Assim, a maior ou menor nocividade social da conduta determina a gravidade da lesão,


motivo pelo qual incide sanção específica, adequada e proporcional ao ilícito, tomando-se por
base o bem jurídico ferido35.

No direito brasileiro, o ramo jurídico mais rígido é o Direito Penal, que tutela bens
jurídicos que não poderiam ser protegidos por outros ramos. Contudo, as leis penais não devem
ser vistas como a primeira opção (prima ratio) para que o legislador componha in abstrato os
conflitos sociais. Pelo contrário, exige-se que o direito penal interfira o mínimo possível na
autonomia e liberdade do indivíduo, considerando que se trata de ramo que contempla as
sanções de maior gravidade em todo o ordenamento jurídico, inclusive a restrição da liberdade
individual. Por isso, diz-se ser princípio implícito do sistema penal a intervenção mínima:

O princípio quer dizer que o direito penal não deve interferir em demasia na vida do
indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista
como a primeira opção (‘prima ratio’) do legislador para compor os conflitos
existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da
humanidade, sempre estarão presentes. Há outros ramos do direito preparados a
solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-as sem maiores
consequências. O direito penal é considerado a ‘ultima ratio’, isto é, a última cartada
do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a
criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator (NUCCI, 2023,
p. 78)

35
Nesse sentido, explicam Alexandra Comar de Agostini e Arnaldo Hossepian SL. Junior: “(...) Portanto, a
criminalização da conduta passa pela necessidade de se exercitar um juizo natural pela própria sociedade,
considerando, ou não, determi- nado comportamento como merecedor de sanção mais grave, a penal. Esse é o
critério que orienta o Direito de Punir do Estado na diversidade de sua ação defensiva contra a sublevação da
vontade individual” (AGOSTINI, Alexandra Comar de; JUNIOR, Arnaldo Hossepian SL. A invasão
incondicional da lei penal e o direito administrativo sancionador como mecanismo de Legitimação e
Controle do Poder Punitivo do Estado. In: Direito administrativo sancionador. BLAZECK, Luiz Mauricio
Souza; MARZAGÃO JR., Laerte I.; ALCKMIN, Geraldo (org.). São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 15-31).
29

Decorre deste princípio, a subsidiariedade e a fragmentariedade do direito penal, que


consiste na sua vocação subsidiária em relação aos demais ramos do direito, pois é o fragmento
do que sanciona apenas as condutas mais graves, assim consideradas pela sociedade conforme
determinadas circunstâncias de espaço e tempo, que representam perigo real para a convivência
social, e por isso merecedores de sanção mais gravosas. Outros ramos do direito imputarão
indenizações civis ou sanções administrativas, por exemplo36. Portanto, o direito penal deve ser
mínimo, e aplicável apenas aos crimes mais graves.

Entendimento em sentido contrário, implica na completa banalização do direito penal,


à perda de sua vocação originária, que deve ser marcada pela subsidiariedade37. Então, não pode
ser o único instrumento para controle social. Na origem, a disciplina do direito penal se
preocupava com o individuo e a proteção de suas liberdades, motivo pelo qual a intervenção
penal é mínima é justificável na medida em que absolutamente necessária à tutela do bem
jurídico. De um lado, pretendia-se fazer frente ao arbítrio estatal, de outro, reprimir e retribuir
a conduta lesiva. Por isso, diz-se ser uma das funções da pena (sanção penal) a retribuição.

Para Guilherme Nucci, a finalidade da pena é multifacetada, devendo-se acrescentar,


além da sua retributividade, a função preventiva e a ressocializadora do condenado. Veja-se:

Guilherme Nucci entende que a finalidade da pena multifacetada: “(...) Não vemos
incompatibilidade em unir esforços para visualizar a finalidade da pena sob todos os
aspectos que ela, necessariamente, transmite: é – e sempre será – retribuição; funciona
– e sempre funcionará – como prevenção positiva e negativa, abrangendo, ainda, a
ressocialização do condenado. A função do direito penal é, em nosso entender,
multifacetada ou multifatorial” (NUCCI, 2023. p. 12).

36
Nesse contexto, importante é a lição de Rogério Greco “O legislador, por meio de um critério político, que varia
de acordo com o momento em que vive a sociedade, sempre que entender que os outros ramos do direito se
revelem incapazes de proteger devidamente aqueles bens mais importantes para a sociedade, seleciona, escolhe
as condutas, positivas ou negativas, que deverão merecer a atenção do direito penal. Percebe-se, assim, um
princípio limitador do poder punitivo do Estado” (GRECO, Rogério. Curso de direito penal: artigos 1° a 120
do código penal. 25. ed. Barueri: Atlas, 2023. p. 85)
37
Fernando José da Costa anota que o direito penal é, infelizmente, bastante percebido como a solução para resolve
os conflitos sociais, motivo pelo qual existiria uma inflação de normas criminais. Nesse sentido, cita o autor a
doutrina de Cezar Roberto Bittencourt, para quem o legislador contemporâneo tem abusado da criminalização e
penalização em contradição ao princípio da intervenção mínima: “Apesar de a principio de intervenção minima
ter sido consagrado pelo Ilumi nisma a partir da Revolução Francesa, a verdade é que, a partir da segunda década
do século XIX, as normas penais incriminadoras cresceram desmedidamente, a ponto de alarmar os penalistas
dos mais diferentes parámetros culturais. Os legisladores contemporâneos, nas mais diversas partes do mundo,
tem abusado da criminalização e da penalização, em franca contradição principio em exame, levando ao
descrédito não apenas o Direito Penal, mas a sançalo criminal, que acaba perdendo sua força intimidativa diante
da inflação legislativa reinante nos ordenamentos positivos”. (COSTA, Fernado José. Direito penal mínimo:
uma necessidade. In: Direito administrativo sancionador. BLAZECK, Luiz Mauricio Souza; MARZAGÃO JR.,
Laerte I.; (org.). São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 95-106).
30

Ato contínuo, a sociedade e as relações interpessoais evoluíram, ficando mais


complexa e dinâmica, a ponto de tornar-se o direito penal clássico insuficiente para responder
aos riscos e danos característicos da sociedade contemporânea, motivo pelo qual a precaução
tem ganhado cada mais destaque dentre as funções da pena. Em função disso, o direito penal se
reinventou, passando a tutelar o segmento econômico e tributário, e consequentemente à
proteção de direitos supraindividuais e coletivos colocados em perigo pela atuação de empresas
e representantes das elites (VORONOFF, 2018, p. 34). Nesse sentido, vale destacar os
comentários de Luis Gracia Martin sobre o Direito Penal Moderno:

O direito penal moderno é próprio e característico da ‘sociedade de risco’. O controle,


a prevenção e a gestão de riscos gerais são tarefas que o Estado deve assumir, e assume
efetivamente de modo relevante. Para a realização de tais objetivos o legislador
recorre ao tipo penal de perigo abstrato como instrumento técnico adequado por
excelência. Por ele, o direito penal moderno, ou ao menos uma parte considerável
dele, se denomina como ‘direito penal do risco (GRACIA, 2007, apud MASSON,
Cleber, 2019, p. 85).

Símbolo disso foi o desenvolvimento do Direito Penal Econômico, subárea do direito


penal clássico, originada da necessidade da existência de mecanismos eficientes de controle,
proteção, vigilância e tutela, considerando a evolução do desenvolvimento econômico-
financeiro, exigência internacional de um sistema financeiro e econômico regulado de maneira
transparente, sólido e confiável, proporcionando alternativas seguras para a poupança popular
e investimentos nacionais e estrangeiros (BITTECOURT, 2016, p. 9).

Esse novo viés do direito penal encontra críticas contundentes na doutrina. Cleber
Masson defende que se deve evitar a funcionalização e desformalização do direito penal, para
que não se esqueça de sua função precípua de proteger exclusivamente bens jurídicos
indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo e sociedade, afastando-se as leis penais
meramente simbólicas ou tipos penais de perigo abstrato em detrimento de delitos de dano e
perigo concreto (MASSON, 2019, p. 87).

No mesmo sentido, Winfried Hassemer (2003, apud VORONOFF, 2018, p. 36),


adepto do minimalismo penal, destaca os problemas da expansão exagerada do direito penal,
afirmando que os crimes econômicos típicos da área econômica carecem de mesma
reprovabilidade que os ilícitos tradicionalmente tutelados pelo direito penal. Em razão dessa
perda de sentido comunicativo, a intervenção criminal torna-se ilegítima.
31

Dessa maneira, o direito penal vem enfrentando uma espécie de crise de identidade,
que afasta esse ramo do direito de sua formulação clássica diante da sociedade de risco, motivo
pelo qual os juristas debatem a abrangência de seus institutos e instrumentos que pode oferecer.
Em consequência disso, discute-se a possível transferência de ilícitos penais param outros
campos do direito, especialmente para o direito administrativo sancionador38 (VORONOFF,
2018, p. 37).

Trata-se do fenômeno da administrativização ou descriminalização, em que se verifica


se, de fato, existe bem jurídico que deve ser protegido penalmente, questão que remete,
novamente, ao já citado princípio da intervenção mínima:

Somente se deve ameaçar o indivíduo com sanção penal quando regulações civis ou
jurídico-administrativas mais leves ou outras medidas político- -sociais não sejam
suficientes, pois o Direito Penal é, por excelência, subsidiário da proteção de bens
jurídicos. Há que se analisar, portanto, em um necessário juízo de ponderação de
interesses, quais os direitos/interesses- ou seja, os bens jurídicos - contrapostos na
ocasião, de modo a avaliar se, de fato, há bem jurídico a ser protegido penalmente.
(AGOSTINI; JUNIOR, 2014, p. 13)

Nessa ótica, o Direito Administrativo Sancionador (DAS) exsurge como alternativa à


ampla penalização de condutas que, embora ilícitas e puníveis, não precisariam da tutela do
direito penal, bastando a sanção em âmbito administrativo39.

Tanto o direito penal, quanto o administrativo sancionador, são respostas ao ilícito, ao


antijurídico, assim entendido o comportamento contrário à ordem jurídica estabelecida e
pressuposto da sanção. Há crime conforme a legislação penal (conforme Código Penal40 e leis
penais esparsas) assim o preveja, imputando pena de reclusão, detenção ou multa,

38
Nesse contexto, confira-se os comentários de Marco Antonio Marques da Silva: “Em primeiro lugar, podemos
mencionar que a expansão do Direito Penal, nas últimas décadas, demonstrou, em muitos setores, sua ineficácia
para prevenir ou administrar a criminalidade moderna. Muitas leis que resposta eficaz aos ilícitos praticados no
âmbito da empresa tornaram-se supérfluas e simbólicas, sem qualquer utilidade social. Desta forma, a sanção
administrativa, que também pode ter um caráter penal, passou a ser a opção para este tipo de ilicitude praticada
pela empresa” (MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Direito administrativo sancionador ou direito penal
administrativo? In: Direito administrativo sancionador. BLAZECK, Luiz Mauricio Souza; MARZAGÃO JR.,
Laerte I.; ALCKMIN, Geraldo (org.). São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 238).
39
Nesse sentido, Alexandra Comar de Agostini e Arnaldo Hossepian S. L. Junior pontuam as vantagens do resgate
da vocação de ultima ratio da disciplina do direito penal: “O resultado dessa opção produz resultados concretos,
em especial, os seguintes: a redução do número de processos nos tribunais sobrecarregados, distinguir a tutela
de bens jurídicos considerados primários de outros com menor valor ético-existencial, consagrando a sanção
penal como último recurso de punição; conferir à Administração poderes para realizar os seus objetivos de forma
mais efetiva” (AGOSTINI, Alexandra Comar de; JUNIOR, Arnaldo Hossepian SL. A invasão incondicional
da lei penal e o direito administrativo sancionador como mecanismo de Legitimação e Controle do Poder
Punitivo do Estado. In: Direito administrativo sancionador. BLAZECK, Luiz Mauricio Souza; MARZAGÃO
JR., Laerte I.; ALCKMIN, Geraldo (org.). São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 29).
40
Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
32

cumulativamente ou não; há contravenção se a pena corresponde à prisão simples ou multa,


cumulativamente ou não (conforme Lei de Contravenções Penais41); por sua vez, há ilícito
administrativo, isto é, infração, quando há sanção cominada em lei ou regulamento
administrativo42.

Juridicamente, a distinção entre ilícito administrativo e civil depende do regime


jurídico aplicável, isto é, se incidem as regras e princípios de direito administrativo ou civil. A
identificação se faz na medida em que a Administração Pública, Direta ou Indireta, senão outros
entes que exerçam função administrativa, estejam presentes num dos polos da relação jurídica,
razão pela qual incidem determinadas regras e princípios, que asseguram primordialmente o
interesse público43.

Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que a infração administrativa e a sanção


administrativa são temas indissoluvelmente conectados, uma vez que a infração é parte da
norma que prevê a sanção. O autor compreende a infração como o descumprimento voluntário
de uma norma administrativa que prevê uma sanção, que é imposta por autoridade competente
no exercício da função administrativa, ao passo que a sanção seria a providência gravosa
suportada por quem tenha praticado a infração administrativa (MELLO, 2023, p. 761).

A par de outras abordagens conceituais44, que certamente revelam juízos subjetivos e


valorações úteis à elucidação das particularidades da sanção administração, vale destacar o
conceito de Fábio Medina Osório, para quem:

41
Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941.
42
Régis Fernandes de Oliveira explica que: “em Direito Administrativo fala-se também em ilícito, mas como
gênero a identificar a espécie "infração", que significa e comportamento contrário ao previsto, na hipótese de a
sanção ser aplicada pelo órgão administrativo. A infração será o pressuposto da sanção administrativa. O próprio
conceito de sanção é gênero, de que pena, sanção civil e sanção administrativa são espécies” (OLIVEIRA, Régis
Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985. p. 6).
43
José Roberto Pimenta e Dinorá Adelairde Musetti Grotti destacam a relação indissociável entre o interesse
público e a disciplina do Direito Administrativo Sancionador: “Esta relação umbilical entre interesse público e
DAS se compara à relação do DNA para os organismos vivos. A partir dela se estabelecem o desenvolvimento
e o funcionamento de todas as manifestações do regime jurídico-administrativo sancionador, e suas respectivas
funcionalidades no âmbito das matérias reguladas. O conjunto variado de funções que o DAS deve desempenhar
no ordenamento jurídico varia, fundamentalmente, na dependência do segmento do direito administrativo a que
adere certo sistema” (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Direito
administrativo sancionador brasileiro: breve evolução, identidade, abrangência e funcionalidades. Interesse
Público – IP, Belo Horizonte, ano 22, nº 120, p. 83-126, mar./abr. 2020. Disponível em
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/CEJUR%20%20PGM/CEJUR%20Clipping/5ª%20
Edição/Artigos/3.pdf. Acesso em 10 mai. 2023. p. 100-101).
44
Da sua maneira, Régis Fernandes de Oliveira assim explica o escopo das sanções administrativas: “(...) estamos
diante de sanção administrativa se a apuração da infração resultar de procedimento administrativo, perante
autoridade administrativa, funcionando a Administração como parte interessada em uma relação jurídica,
deflagrada sob a lei e em que o ato sancionador não tenha força própria de ato jurisdicional, possuindo presunção
de legalidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade (quando não vedada por lei)” (OLIVEIRA, Régis
Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985. p. 7).
33

Consiste a sanção administrativa, portanto, em um mal ou castigo, porque tem efeitos


aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração
Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito
público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica,
sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como consequência de
uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou
disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo. A
finalidade repressora, ou punitiva, já inclui a disciplinar, mas não custa deixar clara
essa inclusão, para não haver dúvidas. (OSÓRIO, 2005, p. 104)

Nesse sentido, à semelhança com o direito penal, as sanções administrativas têm como
fim a repressão de comportamento juridicamente proibido. Osório destaca a finalidade punitiva
da sanção administrativa, que, apesar de indissociável de seus efeitos aflitivos, não é
incompatível com a uma finalidade disciplinar e decorrentes pretensões pedagógicas. Por isso,
ressalta-se que o DAS vem assumindo feição nitidamente funcionalista, para fornecer respostas
para enfretamento da realidade social do ponto de vista do castigo e da defesa social (OSÓRIO,
2005, p. 101).

Celso Antônio Bandeira de Mello, de maneira diversa, afastando o caráter aflitivo da


sanção – ponderando que o direito se ocupa unicamente da disciplina da vida social e sua
conveniente organização, para bom convívio entre todos –, afirma que são objetivos das figuras
infracionais “desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger ao
cumprimento das obrigatórias”45 (MELLO, 2023, p. 762).

Valioso é o trabalho registrado na obra de Alice Voronoff, porque sistematiza as


posições dos administrativistas e penalistas sobre a matéria. Resume a autora que, no geral, os
autores de direito administrativo46 partem da origem comum do poder punitivo do Estado (jus
puniendi estatal)47 para extrair como consequência que não existe uma diferença ontológica

45
Comentando a teoria de Bandeira de Mello, Daniel Ferreira salienta: “Seguindo a orientação de Celso Antônio
Bandeira de Mello, aponta-se que a finalidade das sanções administrativas é desestimular comportamentos
administrativamente reprováveis, com efeitos concretos voltados para o passado, enquanto resposta pelo
cometimento da infração, bem como vocacionados para o futuro, reforçando o justo receio do sancionado e da
coletividade em geral, da imposição de sanção em situações iguais ou assemelhadas” (FERREIRA, Daniel. Vinte
anos de reflexões acerca das sanções e das infrações administrativas: revolvendo alguns temas polêmicos,
complexos e atuais. In: Direito Administrativo Sancionador. Estudos em homenagem ao Professor Emérito da
PUC/SP Celso Antônio Bandeira de Mello. Coordenador José Roberto Pimenta Oliveira. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 87-100).
46
Para chegar a essa conclusão quanto aos administrativistas, Alice Voronoff analisa a doutrina de Daniel Ferreira,
Fábio Medina Osório, Régis Fernandes de Oliveira, Heraldo Garcia Vitta, Rafael Munhoz de Mello
(VORONOFF, Alice. Direito administrativo sancionador no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 57-70).
47
Por sua vez, André Luiz Freire entende que existiria um Direito Público Sancionador, que disciplinaria a
atividade punitiva do Estado, do qual o Direito Administrativo Sancionador e Direito Penal fariam parte, assim
como um Direito Sancionador não Penal aplicado pelo Poder Judiciário e o Direito Sancionador aplicável no
exercício da função de governo. A partir daí, traça a identidade e diferença de regime jurídico entre esses ramos:
34

entre sanção penal e administrativa, sendo o campo de incidência determinado por decisão
discricionária e política do legislador, de modo que a diferença entre esses campos é
exclusivamente atinente ao regime jurídico aplicável (VORONOFF, 2018, p. 57).

Por sua vez, quanto aos penalistas48 que investigaram esse problema, Alice Voronoff
destaca que a percepção sobre o poder punitivo estatal é diversa, prevalecendo o entendimento
de que as sanções ou ilícitos penais diferenciam-se quanto à intensidade ou essência,
especialmente considerando o caráter subsidiário do direito penal e seu caráter retributivo
(VORONOFF, 2018, p. 70).

Em seguida, tendo apresentado os mais diferentes posicionamentos sobre a natureza


jurídica da sanção administrativa e penal, Alice Voronoff é categórica ao afirmar que a natureza
da primeira é definida pelas características específicas, papel e fins associados ao DAS e seus
instrumentos específicos. Por isso, consigna ser necessário o reconhecimento do caráter
instrumental e particularidades funcionais e finalísticas da sanção, para que depois se estabeleça
seu regime jurídico. Feito esse enquadramento, ressalta, quanto à finalidade da sanção
administrativa, que:

(...) a sanção administrativa não atua preponderantemente para fins retributivos, mas
se volta sobretudo à finalidade de conformação da conduta dos particulares com vista
ao alcance de objetivos de interesse público cometidos à Administração Pública. A
sanção administrativa, portanto, apresenta um componente dissuasório inerente (e sob
essa ótica pode ser tida como uma espécie de técnica regulatória), ao tempo em que
preocupações ético-morais são circunstanciais (VORONOFF, 2023, p. 80)

Percebe-se, então, que a delimitação do campo de atuação do Direito Administrativo


Sancionador – e, portanto, da sanção administrativa – costuma partir da sua diferenciação com
o direito penal, o que é normal, uma vez que o primeiro foi fortemente influenciado pela

“Pelo que expus até o momento, a identificação do que se insere no Direito Público Sancionador parte da natureza
punitiva da sanção e da natureza pública da atividade. Para simplificar: haverá Direito Público Sancionador
quando se tratar da atividade punitiva do Estado. Como consequência, fazem parte do Direito Público
Sancionador: a) o Direito Administrativo Sancionador, b) o Direito Penal; c) o Direito Sancionador não Penal
aplicado pelo Poder Judiciário; e d) o Direito Sancionador aplicado no exercicio de função de governo. Essa
categorização já indica uma identidade e uma diferença de regime jurídico: (1) Em todos os casos, estarão em
pauta os princípios fundamentais do direito público (Estado Democrático de Direito, república e federação). (ii)
A depender da natureza da função exercida pela autoridade que aplica a sanção (administrativa, judicial e de
governo), o regime de direito público será diferente” (FREIRE, André Luiz. Direito público sancionador. In:
Direito Administrativo Sancionador. Estudos em homenagem ao Professor Emérito da PUC/SP Celso Antônio
Bandeira de Mello. Coordenador José Roberto Pimenta Oliveira. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 81).
48
Alice Voronoff cita os seguintes autores como representantes do direito penal: Nélson Hungria, Heleno Cláudio
Fragoso, Damásio de Jesus, Paulo Cesar Busato, Fernando Capez, Artur Gueiros e Carlos Eduardo Japiassú,
Luiz Regis Prado e Nilo Batista (VORONOFF, Alice. Direito administrativo sancionador no Brasil. Belo
Horizonte: Fórum, 2018. p. 70-76).
35

evolução do segundo. É o que José Roberto Pimenta e Dinorá Adelaide Musetti Dinorá
ressaltam, afirmando que o DAS pode ser compreendido como o ordenamento punitivo capaz
de substituir (despenalização) ou complementar (reduzir o direito penal para reservá-lo à
intervenção mínima) o sistema punitivo estatal de ilicitudes (GROTTI; OLIVEIRA, 2020, p.
83-116).

Realmente, inegável a proximidade entre o DAS e o direito penal 49, dado que ambos
se voltam à (i.) prevenção e retribuição de atos ilícitos, em maior ou menor medida –
diferenciando-se da responsabilidade civil, cuja função primeira é a reparação e indenização do
dano material ou moral –; (ii.) sujeitam o particular à gravame, atividade que por si só exige
limitações, garantias e procedimentos próprios e (iii.) corriqueiramente incidem de maneira
cumulativa sobre uma mesma conduta, respeitada a regra da independência de instâncias
(COSTA, 2014, p. 112).

Daí a necessidade de se desenvolver uma política sancionadora integrada, que


considere os mecanismos penais e administrativos para tratamento jurídico da matéria,
conforme esclarece Helena Regina Lobo da Costa:

(...) As três características acima apontadas - desempenho das mesmas funções pelo
direito administrativo sancionador e pelo direito penal; a incidência de um regime
jurídico que deve guardar semelhanças em ambos os ramos; e a cumulação de sanções
em nosso atual sistema - indicam a necessidade de se desenvolver uma política
sancionadora integrada, que considere tanto os mecanismos penais quanto
administrativos para o estabelecimento do tratamento jurídico de dada conduta.
(COSTA, 2014. p. 113).

Assim, conforme asseveram José Roberto Pimenta e Dinorá Adelaide Musetti Dinorá,
os regimes sancionatórios mencionados merecem ser compreendidos em conjunto, com o
objetivo de harmonizá-los na atuação punitiva estatal (GROTTI; OLIVEIRA, 2020, p. 83-116).

De fato, essa é a concepção da qual se deve partir, pois o direito é uno e formado por
regras e princípios cuja validade é extraída da Constituição. A análise e estudo dos mais
diversos “ramos e subdivisões do direito” é meramente metodológica e serve para o operador
do direito melhor entenda as facetas do fenômeno jurídico. Sobre isso, Régis Fernandes de
Oliveira anota:

49
Nesse sentido é a lição de Fábio Medina Osório: “No Direito Administrativo Sancionador, a variação do grau
do efeito aflitivo da medida punitiva não quebra a unidade do regime jurídico, em suas bases principiológicas,
porque resulta viável reconduzir toda e qualquer sanção a um núcleo central do Direito Punitivo, onde as
oscilações das garantias se reduzem sensivelmente”. (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo
sancionador. 2. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 100).
36

“O Direito é um todo. E formado por um conjunto de princípios e regras de


comportamento disciplinado sob critério de validade, buscando sua validade última
na norma constitucional. Logo, o ordenamento jurídico é um todo de regulação
normativa do comportamento humano, contendo imperativos sancionadores, Não há
instituto privativo de certa disciplina, tal como ensinado nas escolas (...) Buscam-se
no regime jurídico, pela análise sistematizada de princípios e normas que identificam
certas situações que necessitam ou podem ser vistas como um todo diferenciado dos
demais, alguns dados relacionados logicamente, aglutinados, e que podem ser
estudados com coerência e unidade. Mas tal afirmação não significa que se cuida de
um Direito distinto dos outros ramos. Este forma um todo, contendo instituições
comuns que podem ser vistas de ângulos específicos” (OLIVEIRA, 1985, p. 4-5)

Após salientar que os ramos do direito são resultado de um corte metodológico, Daniel
Ferreira pontua como consequência a impossibilidade de se confundir o regime-jurídico
administrativo sancionador com o regime jurídico-penal, conquanto considerada a sanção
administrativa como marco delimitador do primeiro50.

O Direito Administrativo Sancionador, em que pese o dissenso teórico sobre seu


campo material, provavelmente pela trajetória da construção do ramo, marcada pelas interações
com o direito penal, pode ser conceituado como um “conjunto sistematizado de princípios –
expressos ou implícitos – e de regras informadores da estipulação regulamentar (quando
necessária) e averiguação concreta das infrações, da imposição e, ainda, da aplicação das
sanções, no exercício da função administrativa” (FERREIRA, 2012, p. 167-185).

Como mencionado, o DAS é limite ao legislador e à Administração Pública, bem como


garantia do administrado contra eventual arbitrariedade na aplicação de sanções
administrativas, instituto voltado não só à reprimenda da infração, mas voltada primordialmente
à conformação de condutas para satisfação de fins de interesse público 51. Atua a sanção como
instrumento pedagógico e dissuasório, sendo, ao mesmo tempo, resposta à infração e anúncio

50
“Considerando, então, a sanção como o marco delimitador (objeto) do regime jurídico-administrativo
sancionador, não mais será justificável confundi-lo, especialmente com o regime jurídico-penal, ou ainda com
qualquer outro, mesmo que aliado ao exercício da função administrativa, quer em sentido amplo, quer em sentido
estrito. Diante disso, conceituamos o regime jurídico-administrativo sancionador como o conjunto sistematizado
de princípios e normas informadores da imposição e aplicação, no exercício da função administrativa, das
sanções de mesma natureza” (FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001. p.
84-85)
51
Nesse ponto, interessantes são os comentários de Daniel Ferreira sobre a função das sanções administrativas,
em contraste com o Direito Penal: “(...) Uma vez aceita essa premissa, fica evidente o distanciamento entre o
Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador. Não no sentido de que este deixe de (também) impor
limites ao legislador e ao administrador público, mas que as sanções administrativas tendem a garantir a
preservação do Direito - em si e por si - e não necessariamente a proteger bens jurídico-administrativos
relevantes, com a ameaça de sua imposição” (FERREIRA, D. Sanções Administrativas: entre direitos
fundamentais e democratização da atividade estatal. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia,
Curitiba, v. 12, n. 12, pp. 167-185, julho/dezembro de 2012. Disponível em:
revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/download/309/280. Acesso em: 14/10/2023).
37

à coletividade em geral de que condutas assemelhadas serão também punidas de maneira


assemelhada.

A sua interface com o Direito Penal, serve menos à identificação do DAS com esse
ramo, do que para destacar que ambos são manifestações do poder punitivo estatal – ou melhor,
um dever-poder –, uno e inafastável quando da verificação do ilícito, punível com remédio
jurídico adequado e proporcional à sua gravidade, sempre com o objetivo de garantir o
equilíbrio e a harmonia do convívio social. Portanto, a ordem jurídica imputa a consequência
restritiva de direitos cabível à ilicitude, sendo de ordem administrativa quando violada norma
de natureza corresponde.

E como o direito não compactua com a arbitrariedade, estabelece regras e princípios


para disciplina das relações entre a Administração Pública e o particular, que estão sob o manto
do regime jurídico-administrativo, no qual a supremacia do interesse público sobre o privado e
a indisponibilidade do interesse público pela Administração são princípios fundamentais.

As regras ou normas jurídicas que congregam sanções administrativas estão dispostas


em sede de legislação (federal, municipal ou municipal), criada pelo Poder Legislativo
competente, e em regulamentos (decretos, resolução, portarias, dentre outros). Como dito,
inexiste uma legislação geral em DAS, que estabeleça uma espécie de regime jurídico
sancionador52.

Pelo contrário, existe um verdadeiro microssistema de Direito Administrativo


Sancionador, composto pela legislação esparsa, dispersa nos mais diversos campos do direito
administrativo, como em leis que regem processo administrativo (ex. Lei n° 9.784/1999),
licitações e contratos administrativos (ex. Lei n° 8.666/1993 e Lei n° 14.133/2021), antitruste
(ex. Lei n° 12.529/2011), probidade administrativa (Lei n° 8.429/1992 e Lei n° 12.846/2013),
dentre outros.

Por sua vez, os princípios de DAS são informados pelos valores constitucionais que
informam a atividade sancionatória. É nesse sentido que cabe a utilização do arcabouço teórico
do Direito Penal – que desenvolveu direitos e garantias para limitar o exercício do jus puniendi
estatal –, e do Direito Processual Penal – que tratou da disciplina processual instrumental para

52
Nesse contexto, vale mencionar as contribuições do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro
(IDASAN) à Consulta Pública promovida pelo Senado Federal, que elaborou proposta para um diploma geral
nacional em matéria de direito administrativo sancionador. O documento está disponível em:
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/0c25abaa-a621-4f57-98b6-de1b6e1168cb. Acesso
em: 14/10/2023.
38

atingir esse objetivo – para fins de definir a principiologia aplicável à atividade estatal
sancionatória aplicável no DAS (GROTTI; OLIVEIRA, 2020, p. 83-116). Nesse sentido, vale
destacar os ensinamentos de Daniel Ferreira:

Forçoso concluir, pois, que todas as regras e todos os princípios versando sobre
“ilícitos”, “sanções”, “litígios ou processos sancionadores” e, adicionalmente, sobre
as garantias deferidas aos “acusados” e aos “sancionados” em geral, como insculpidos
na Carta Magna, são apropriáveis tanto pelo Direito Penal como pelo Direito
Administrativo Sancionador, ainda que com nuanças, porque retratam o poder
punitivo estatal (FERREIRA, 2012, p. 167-185).

Com isso, não se propõe um transplante integral dos princípios tradicionalmente


tratados pela doutrina e jurisprudência no âmbito penal e processual penal – que, na bem da
verdade, retratam o núcleo constitucional do poder punitivo estatal53 –, mas de uma utilização
criteriosa das contribuições de cada um desses ramos do Direito Público para o regime jurídico-
administrativo instrumental de tutela de interesses públicos (GROTTI; OLIVEIRA, 2020, p.
83-116).
Fixados esses pressupostos, José Roberto Pimenta e Dinorá Adelaide Musetti Dinorá
elencam os seguintes princípios materiais e processuais de DAS, todos extraídos dos direitos e
garantias constitucionais individuais:

São materiais, vez que incidem diretamente na relação jurídico-administrativa


sancionadora: legalidade, tipicidade, irretroatividade de norma mais prejudicial,
imputação adequada, pessoalidade, proporcionalidade, prescritibilidade e non bis in
idem. São princípios processuais, vez que incidem na relação jurídico-processual
administrativa que objetiva a produção do ato administrativo sancionador: devido
processo legal, imparcialidade, contraditório, ampla defesa, presunção de inocência,
garantia da não-auto-responsabilização, inadmissibilidade de provas ilícitas,
recorribilidade, definição a priori da competência administrativa sancionadora,
motivação e duração razoável do processo (GROTTI; OLIVEIRA, 2020, p. 83-116).

Este é o regime jurídico-administrativo sancionador – ou DAS – a ser observado na


aplicação de sanções administrativa pela autoridade no exercício da função administrativa, que,
na lição da Daniel Ferreira, não só o Poder Executivo, mas também por quem exerça essa função

53
É o que também comentam Diego de Figueiredo Moreira Neto e Flávio Garcia: “(...) esses princípios e garantias
ganharam tal amplitude ético-jurídica que passaram a reger e a orientar toda e qualquer expressão de poder estatal
sancionados, deles derivando-se legítimos mecanismos, à disposição dos indivíduos, para a contenção do
exercício indevido do ius puniendi estatal que, sem essas barreiras de proteção, fatalmente retornariam às
indesejáveis práticas do arbítrio que antecederam 0 próprio Estado de Direito. É sob essa ótica e a partir desse
núcleo constitucional que o poder punitivo estatal - dotado de inequívoca unicidade - deve ser interpretado,
independentemente de se tratar do Estado Administração ou do Estado Juiz” (MOREIRA NETO, Diego de
Figueiredo; GARCIA, Flávio. A principiologia no Direito Administrativo sancionador. Revista Eletrônica de
Direito Administrativo Econômico, Salvador, nº 28, nov-dez-jan. 2012, p. 1-21. ISSN 1981-1861).
39

típica ou atipicamente, vinculados ou não à Administração Pública, desde que tenha


competência para tanto (FERREIRA, 2001, p. 34).

Assim, é sujeito ativo no DAS a Administração Direta – União, Estado e Municípios


– e indireta – autarquias, fundações de direito público, sociedades de economia mista, empresas
públicas e subsidiárias e consórcios públicos –, assim como qualquer outra pessoa que exerça
função administrativa54.

Dentre as entidades competentes para aplicação do DAS, as Agências Reguladoras,


que exercem importante papel no impulso e expansão do regime jurídico-administrativo
sancionador, caso em que se desenvolveram modelos sancionatórios para cada setor regulado55.

Segundo Maria Sylvia Zenella Di Pietro, são agências reguladoras, em sentido amplo,
o órgão da Administração Pública Direta ou Indireta com função de regular a matéria a qual
está afeta, isto é, organizar o setor correlato e controlar as entidades que atuem nesse setor (DI
PIETRO, 2023, p. 629). São assim orientadas pelo princípio da especialização56.

A Lei n° 13.848/2019, dentre outros assuntos, dispõe sobre a gestão, organização,


processo decisório e controle social de agências reguladoras, não apresenta um conceito de
agência reguladora, limitando-se a elencar algumas entidades com natureza de agência

54
Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua a função administrativa da seguinte maneira: “Função
administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e
regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada
mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de
legalidade pelo Poder Judiciário” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 36.
ed. Belo Horizonte: Fórum, 2023. p.36).
55
Vejam-se os comentários de José Roberto Pimenta e Dinorá Adelairde Musetti Grotti sobre a importância das
Agências Reguladoras para o DAS: “O desenvolvimento dos marcos regulatórios e sancionatórios na esfera
administrativa das agências constitui importante impulso para a progressiva expansão do regime jurídico-
administrativo sancionador. Há a necessidade concreta de modelagem desses modelos sancionatórios para cada
setor submetido à regulação, que se pretende seja exercida com independência decisória, incluindo autonomia
administrativa, orçamentária e financeira da entidade reguladora, bem como com legitimidade, eficiência,
economicidade, transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões” (OLIVEIRA, José Roberto
Pimenta; GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Direito administrativo sancionador brasileiro: breve evolução,
identidade, abrangência e funcionalidades. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 22, nº 120, p. 83-126,
mar./abr. 2020. Disponível em https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/CEJUR%20-
%20PGM/CEJUR%20Clipping/5ª%20Edição/Artigos/3.pdf. Acesso em 10 mai. 2023. p. 100-101).
56
Irene Patrícia Nohara explica o princípio da especialidade, orientado conforme o princípio da eficiência, assim
como o contexto histórico do surgimento das agências reguladoras: “A opção política por promover
especialização na regulação foi orientada para a obtenção de eficiência. Este princípio engloba, conforme visto,
os objetivos de imparcialidade, transparência, aproximação do serviço da população, bem como a exigência de
parâmetros de qualidade em sua prestação. Diante do movimento de privatização em larga escala,68 buscou-se
criar entes dotados de maior autonomia em relação ao ente central e direcionados ao estabelecimento de normas
técnicas, obedecidos parâmetros legislativos e constitucionais existentes” (NOHARA, Irene Patrícia Diom.
Direito administrativo. 12. ed. Barueri: Atlas, 2023. p. 537).
40

reguladora, em âmbito federal, incluindo as autarquias especiais57, sem excluir a possibilidade


de criação por lei de outras entidades com essa natureza nos Estados ou Municípios.

Di Pietro anota que o Banco Central, Conselho Nacional Monetário (CNM), Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) e outros órgãos com função normativa e de fiscalização, embora
não sejam denominadas agências reguladoras para fins da Lei n° 13.848/2019, tem função
reguladora (DI PIETRO, 2023, p. 629).

Criadas e extintas por lei, as agências reguladoras são autarquias em regime especial,
conforme art. 3 da Lei n° 13.848/2019:

Art. 3º A natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela


ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional,
decisória, administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e
estabilidade durante os mandatos, bem como pelas demais disposições constantes
desta Lei ou de leis específicas voltadas à sua implementação.

Ademais, são atividades exercidas pelas agências reguladoras o poder de polícia, que
implica na imposição de (i.) limitações administrativas previstas em lei, fiscalização e repressão
de atividades incompatíveis com o bem-estar geral (ANVISA); (ii.) fomento e fiscalização de
atividades privadas; (iii.) regulação e controle do uso de bem público (ANA); (iv.) atividades
prestadas pelo Estado a título de serviço público pelo Estado e livres à iniciativa privada, mas
não por meio de concessão ou permissão de serviço público (ANS); (v.) regulação, contratação
e fiscalização de atividade econômica desenvolvida na forma de monopólio flexibilizado
(ANP); e regulação e controle de atividades objeto de concessão ou permissão de serviço
público (ANEEL, ANATEL, ANTT, ANTAQ e ANAC) (NOHARA, 2023, p. 536).

Por sua vez, Alexandre Santos de Aragão explica que a noção de regulação implica na
integração de diversas funções, que se resumem aos três poderes inerentes às agências
reguladoras: “aquele que edita a regra, o de assegurar a sua aplicação e o de reprimir as
infrações, mesmo que essas infrações sejam dirigidas, inclusive, a empresas públicas ou ao

57
Lei n° 13.848/2019. Art. 2º Consideram-se agências reguladoras, para os fins desta Lei e para os fins da Lei nº
9.986, de 18 de julho de 2000: I - a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); II - a Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); III - a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); IV - a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); V - a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); VI -
a Agência Nacional de Águas (ANA); VII - a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); VIII - a
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); IX - a Agência Nacional do Cinema (Ancine); X - a
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); e XI - a Agência Nacional de Mineração (ANM). Parágrafo único.
Ressalvado o que dispuser a legislação específica, aplica-se o disposto nesta Lei às autarquias especiais
caracterizadas, nos termos desta Lei, como agências reguladoras e criadas a partir de sua vigência.
41

próprio Estado agindo economicamente e de forma direta em atividades típicas do setor


privado” (ARAGÃO, 2013. p. 27).

No exercício de suas atribuições legais, as agências reguladoras podem aplicar


sanções58, que, aliás, podem admitir conotações tanto positivas, quanto negativas, ora como
forma de coação ou punição pelo descumprimento, ora como prêmio pelo adimplemento das
normas sancionatórias59.

O órgão administrativo com competência reguladora atua com fundamento em balizas


legais de natureza aberta, tendo, assim, um verdadeiro dever regulamentar de normatizar as
condições a partir das quais exercerá seus poderes punitivos. Deve-se fazê-lo considerando o
caráter abrangente das normas legais sobre aplicação de multas administrativas, realizando a
tarefa de construir uma regulação abstrata que especifique, com razoabilidade e
proporcionalidade, produzindo normas abrangentes, profundas e consistentes ao cumprimento
de seu dever regulamentar (SUNDFELD; CÂMARA, 2022, p. 37-49).

A sanção é elemento essencial à regulação, sendo necessária à garantia da efetividade


da atividade da agência reguladora, que a redefine, constrói e promove conforme o campo em
que atue, para assegurar o equilíbrio regulatório que deve atingir cada setor regulado, exigindo-
se constante monitoramento e avaliação das normas sancionatórias adotadas – em face do
dinamismo dos interesses públicos tutelados pela regulação –, sua efetividade, e o grau de
conformação gerado pela política regulatória sancionatória (GROTTI; OLIVEIRA, 2022, p.
197-241). Nessa toada, entende existir uma segmentação do DAS:

58
Paulo Roberto Ferreira Motta reputa a atividade sancionatória das agências reguladoras como manifestação de
sua função jurisdicional: “Por derradeiro, importa anotar que as agências reguladoras, no exercício da função
jurisdicional, poderão aplicar sanções, estabelecidas em seus regulamentos. Ora, visando ser coerente com as
considerações que foram feitas por ocasião do exame da função normativa, entendemos que a criação de tipos
administrativos, em regulamentos e resoluções, é inconstitucional, merecendo, pois, repulsa” (MOTTA, Paulo
Roberto Ferreira. Agências reguladoras. Barueri: Manole, 2003. p. 190).
59
“No âmbito da Administração de resultados, marcada pelo consensualismo, em vez de imposição de sanções
negativas ao regulado, que não cumpre as metas estabelecidas no ordenamento jurídico ou nos ajustes
eventualmente celebrados, o regulador deve estabelecer também mecanismos indutivos, com a previsão de
incentivos positivos para as hipóteses em que as metas forem implementadas pelo agente regulado. Destaque-se
que a sanção, na atualidade, possui caráter bifronte, admitindo duas conotações: a) sanções negativas
(ordenamento repressivo): coação/punição pelo descumprimento do ordenamento; e b) sanções positivas
(ordenamento promocional): premiação pelo adimplemento das normas em vigor. Aliás, sob a ótica da análise
econômica do Direito, os seres humanos, ao efetuar escolhas, ponderam os custos e benefícios em busca da
maximização dos benefícios. As regras jurídicas, por sua vez, moldam e direcionam os incentivos para
influenciar a decisão a ser tomada pelo indivíduo, adequando-a à satisfação do interesse público”. (Oliveira,
Rafael Carvalho Rezende. Novo perfil da regulação estatal: Administração Pública de resultados e análise de
impacto regulatório. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 197).
42

É possível reservar a expressão Direito Administrativo Sancionador Regulatório para


o segmento de normas de regulação, que tem como escopo enfrentar estas questões e
desafios, todos essenciais ao adequado manuseio de competências regulatórias e
sancionatórias, por agências independentes. Embora a heterogeneidade dos setores
regulados, sob o prisma material, seja invencível, a análise dogmática do exercício de
competência de mesma indole justifica esta uniformidade de compreensão no campo
científico (GROTTI; OLIVEIRA, 2022, p. 197-241)

Considerando que a compreensão do Direito Administrativo Sancionador Regulatório


passa tanto pelas premissas básicas do DAS, quanto pela circunscrição de sua disciplina no
âmbito da regulação independente, importante esclarecer a arquitetura jurídico-institucional da
disciplina sancionatória das agências reguladoras.

4 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E ARBITRAMENTO DE SANÇÕES


ADMINISTRATIVAS NAS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS

4.1. Arquitetura jurídico-institucional da disciplina sancionatória das Agências


Reguladoras Federais

Considerando que a compreensão do Direito Administrativo Sancionador Regulatório


passa tanto pelas premissas básicas do DAS, quanto pela circunscrição de sua disciplina no
âmbito da regulação independente, importante esclarecer as principais normas que disciplinam
a atividade sancionatória das agências reguladoras – as que importam à presente pesquisa – com
destaque para as infrações e sanções administrativas.

Dado o escopo deste trabalho – cujo substrato de análise são os parâmetros e critérios
para imposição de penalidades por agências reguladoras independentes no exercício da
competência sancionatória – apresentar-se-ão apenas os regulamentos de sanção,
especificamente com relação às agências reguladoras referidas na Lei nº 13.848/2019, quais
sejam:

Art. 2º Consideram-se agências reguladoras, para os fins desta Lei e para os fins da Lei
nº 9.986, de 18 de julho de 2000: I - a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel);
II - a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); III - a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); IV - a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa); V - a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);
VI - a Agência Nacional de Águas (ANA); VII - a Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq); VIII - a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT);
IX - a Agência Nacional do Cinema (Ancine); X - a Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac); e XI - a Agência Nacional de Mineração (ANM). Parágrafo único.
Ressalvado o que dispuser a legislação específica, aplica-se o disposto nesta Lei às
43

autarquias especiais caracterizadas, nos termos desta Lei, como agências reguladoras
e criadas a partir de sua vigência.

A atividade administrativa sancionadora da Agência Nacional de Energia Elétrica


(ANEEL) está prevista na Lei nº 9.427/1997 (art. 3º, X) e regulada em âmbito infralegal, quanto
aos critérios de arbitramento penalidades, na Resolução Normativa nº 846/2019, que aprova
procedimentos, parâmetros e critérios para imposição de penalidades aos agentes do setor de
energia elétrica e dispõe sobre diretrizes gerais de fiscalização da agência.

A atividade administrativa sancionadora da Agência Nacional de Petróleo (ANP) está


fundada Lei nº 9.478/1997 (art. 8º, VII) e na Lei nº 9.847/1999, que trata sobre a fiscalização
das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis e estabelece as sanções
respectivas. É regulada ao nível infralegal no Decreto nº 2.953/1999, que dispõe sobre o
procedimento administrativo para aplicação de penalidades por infrações cometidas nas
atividades relativas à indústria do petróleo e ao abastecimento nacional de combustíveis.

A atividade sancionadora da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)


encontra fundamento na Lei nº 9.472/1997 (arts. 173 a 182). Em nível regulatório, tem-se a
Resolução nº 589/2012, que aprovou o regulamento de aplicação de sanções administrativas da
entidade; Resolução n° 612/2013, que aprova o regulamento interno da agência e estabelece o
Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações (PADO); a Resolução n°
629/2013, que aprova o regulamento para celebração e acompanhamento de Termo de
Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) e a Resolução n° 746/2021, que trata sobre o
regulamento de fiscalização regulatória.

A atividade sancionadora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) está


amparada na Lei nº 9.782/1999 (art. 7°, XXIV) e Lei nº 6.437/1977, que configura infrações à
legislação sanitária federal e estabelece as sanções respectivas. Quanto à regulação na entidade,
tem-se a Resolução n° 255/2018 – o regimento interno da ANVISA.

A atividade sancionadora da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) está


amparada na Lei nº 9.656/1998 (art. 25), que dispõe sobre os planos e seguros privados de
assistência à saúde; na Lei nº 6.437/1977, que configura infrações à legislação sanitária federal
e estabelece as sanções respectivas. Em âmbito regulamentar, regula-se a matéria sancionadora
na Resolução Normativa nº 489/2022, alguns parâmetros de arbitramento de penalidades como
agravantes e atenuantes, além de outros fatores de compatibilização de penalidades (art. 11) e
44

a Resolução Normativa n° 372/2015 dispõe sobre a celebração de Termo de Compromisso de


Ajuste de Conduta (TCAC).

A atividade sancionadora da Agência Nacional de Águas (ANA) está amparada na Lei


nº 9.433/1997 (art. 49 e 50), que institui a política nacional de recursos hídricos e o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; na Lei nº 9.984/2000 (art. 4º, V), criadora
na ANA, bem como na Lei nº 12.334/2010 (artigos 17-A e 17-E) que estabeleceu a Política
Nacional de Segurança de Barragens e criou o Sistema Nacional de Informações sobre
Segurança de Barragens.

A atividade administrativa sancionadora da Agência Nacional de Transportes


Aquaviários (Antaq) é estabelecida na Lei n° 10.233/2001 (arts. 78-A ao 78-K), Decreto n°
4.122/2022 (art. 3°, XXXV) e Lei n° 12.815/2015. No plano regulamentar, vale destacar a
Resolução 75/2022, que dispõe sobre a fiscalização da prestação dos serviços portuários e
estabelece sanções administrativas e a Resolução n° 3.259/2014 que aprova normas que
dispõem sobre a fiscalização e o procedimento sancionador na agência.

A atividade administrativa sancionadora da Agência Nacional de Transportes


Terrestres (ANTT) é regida pela Lei n° 10.233/2001 (art. 78-A ao 78-K) e Decreto n°
4.130/2002 (art. 3º, XXII), bem como na Lei nº 14.273/2021, que estabelece a Lei das Ferrovias,
dispondo sobre a organização do transporte ferroviário, uso da infraestrutura, tipos de outorga
para exploração indireta de ferrovias em território nacional, as operações logísticas associadas
e dá outras providencias. No âmbito regulatório, a Resolução 5.083/2016 aprova regulamento
de processo administrativo para apuração de infrações e aplicação de penalidades.

A atividade administrativa sancionadora da Agência Nacional do Cinema (ANCINE)


está erigida na Medida Provisória n° 2.288-1/2001 e no Decreto n° 8.283/2014. No plano
regulatório, destaca-se a Instrução Normativa n° 109/2012, que regulamenta o processo
administrativo para aplicação de penalidades por infrações cometidas nas atividades
cinematográfica, videofonográfica e de comunicação audiovisual de acesso condicionado.

A atividade administrativa sancionadora da Agência Nacional de Aviação Civil


(ANAC) está prevista na Lei n° 11.182/2005 (art. 8°, XXXV). A nível regulatório, a Resolução
n° 25/2008, dispõe sobre o processo administrativo para a apuração de infrações e aplicação de
penalidades, a Resolução n° 472/2018 estabelece providências administrativas decorrentes da
fiscalização da entidade e a Resolução n° 199/2011, prevê o Termo de Ajustamento de Conduta.
45

E por fim, a atividade administrativa sancionadora da Agência Nacional de Mineração


(ANM) está prevista na Lei n° 13.575/2017, cujo objetivo é a gestão dos recursos minerais da
União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos
minerais (art. 2°, caput¸e XXIV), observado o Código de Minas (Decreto-Lei n° 227/1967) e
respectivo regulamento, o Decreto n° 9.406/2018, que trata, dentre outras temáticas, sobre
infrações administrativas (arts. 52 a 70) e a Resolução ANM n° 122/2022.

Como anota José Roberto Pimenta Oliveira e Dinorá Adelaide Musseti Grotti, a Lei
n° 13.848/2019, que dispõe sobre a gestão, organização, processo decisório e controle social
das agências reguladoras, embora balize o exercício da regulação – incluindo a atividade
normativa, fiscalizatória, arbitral, fiscalizatória, assim como a sancionatória – não estabelece
diretrizes sobre os princípios constitucionais materiais incidentes nas relações jurídico-
sancionatórias, o que enseja a adoção de regimes sancionatórias vários e não correlacionáveis
nos marcos legais regulatórios, em prejuízo dos direitos e garantias fundamentais do DAS, que
titulam os administrados (OLIVEIRA; GROTTI, 2022, p. 197-241).

Continuam os autores afirmando que normas gerais para tratamento da matéria


sancionatória não poderiam ser encontradas na lei de processo administrativo federal (Lei n°
9.784/1999), nem nas normas de sobredireito da LINDB (Decreto-Lei n° 4.657/1942, com
alterações da Lei n° 13.655/2018), considerando que essa legislação não se projeta sobre a
regulação de direito material, sendo antes atinentes à disciplina processual – ao lado do
regramento do CPC (Lei n° 13.105/2015), quando cabível – e diretrizes interpretativas para
criação e aplicação das normas do direito brasileiro, respectivamente. A formulação de normas
legais de caráter geral e aplicáveis à regulação independente seria papel de norma geral,
oportunidade que a Lei n° 13.848/2019 teria perdido (OLIVEIRA; GROTTI, 2022, p. 197-241).

Em consequência disso, embora se possa extrair, em alguma medida, das leis federais
mencionadas regras aplicáveis a agências reguladoras em matéria sancionatória60, tem-se

60
José Roberto Pimenta Oliveira e Dinorá Adelaide Musseti Grotti reputam que o art. 4° da Lei n° 13.848/2019
remete explicitamente ao princípio da proporcionalidade nas agências reguladoras: “O artigo 4º da Lei nº 13.848
colhe mandamento explícito de proporcionalidade no exercício de competências regulatórias sancionadoras, e
seja in abstrato, seja in concreto. Exige-se atividade adequada, necessária proporcional - "adequação entre meios
e fins" - veda-se qualquer medida ou provimento com "sanções em medida superior àquela necessária a
atendimento do interesse público" (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti.
Direito administrativo sancionador regulatório no brasil: breve panorama e seus desafios. In: Coleção de
direito administrativo sancionador: direito administrativo sancionador regulatório. vol. 3. VORONOFF, Alice;
PALMA, Juliana Bonacorsi; TOLEDO, Renato. Franciso; (coord.) Rio de Janeiro: CEEJ, 2022. p. 197-241).
46

insegurança jurídica pela falta de tratamento paritário – uniforme – das relações jurídico-
sancionatórias no âmbito das agências reguladoras.

De todo modo, o Direito Administrativo Sancionador Regulatório, especialmente


informado pelos princípios jurídico-materiais e jurídico-formais, de matriz constitucional,
baliza o regime jurídico-sancionatório das agências reguladoras. Adota-se esse pressuposto,
inclusive, para promoção de melhores práticas regulatórias não deixando “o sistema
sancionador ao sabor da arbitrariedade administrativa e das diversas formas de captura da ação
da agência na matéria” (OLIVEIRA; GROTTI, 2022, p. 197-241).

4.2. Critérios de arbitramento em regulamentos de sanção de Agências Reguladoras


Federais: preservação da empresa como princípio de DAS regulatório

A preservação da empresa, princípio de direito empresarial, é interesse extraído da


função social que desempenha. A atividade econômica, entendida como organização de um
complexo de bens materiais e imateriais para produção e circulação de bens e serviços, com o
objetivo auferir o lucro, observados os limites constitucionais da ordem econômica, que visam,
a um só tempo, promover o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade, é
fonte de interesse de diversos grupos de interesse.

A preservação da atividade empresarial já é interesse público consagrado na legislação.


São exemplos emblemáticos a Lei n° 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências) e
a Lei n° 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que remetem à necessidade da
preservação da empresa, considerado os impactos que a quebra e a proibição de contratar com
o poder público tem para a manutenção da atividade econômica e a função social que exerce
em benefício de toda a sociedade.

Em torno da preservação da empresa gravitam uma série de interesses individuais e


metaindividuais. Os clientes querem que os produtos e serviços produzidos estejam à disposição
no mercado de consumo; os acionistas pretendem a satisfação de seus interesses patrimoniais,
consubstanciados no lucro da empresa e distribuição de dividendos; os trabalhadores desejam
manter suas relações de trabalho, fonte de renda e subsistência; o Estado tenciona pela
preservação de fonte arrecadatória de tributos, para proteção do erário. Enfim, toda comunidade
beneficia-se da preservação da atividade empresarial.
47

É justamente considerando o feixe de interesses que o princípio da preservação da


empresa procura assegurar que reside a necessidade de enquadrar tal princípio na ótica do
Direito Administrativo Sancionador (DAS).

Para além do caráter retributivo, as sanções administrativas se voltam primordialmente


à conformação de condutas para a satisfação do interesse público ao qual a Administração
Pública está vinculada. Tem, então, caráter instrumental, o que não nega seu viés retributivo,
mas ressalta a necessidade aplicar a sanção como um meio para atingimento de fim – o qual
para o poder público deve ser, sempre, o interesse público.

Daí porque aflição – a resposta do mal, com outro mal – pouco serve aos objetivos do
DAS. Como apresentado neste trabalho, as figuras infracionais são, antes, a resposta estatal
cabível para constranger ao cumprimento de condutas ou desestimular comportamentos
reprováveis pela sociedade – e por isso positivadas como ilícitos administrativos. Então, tem
fins principalmente disciplinares e pedagógicos, sobretudo para alcançar determinado interesse
público.

Propõe-se que a aplicação de sanções administrativas considere as consequências do


sancionamento para a manutenção da empresa, como fonte produtora de riqueza, trabalho e
tributos, e garantia da qual o Estado e a comunidade se beneficiam. A sanção administrativa
deve ser aplicada de modo a responder não só à infração cometida, mas fazê-lo de modo a não
levar à derrocada da atividade empresarial, por risco de quebra da empresa.

Guilherme Corona Rodrigues Lima, em sua tese de doutoramento, defendeu a


aplicação do princípio da função social da empresa como princípio de direito administrativo
sancionador com foco para o combate à corrupção (pela Lei n° 12.846/2013 e Lei n°
8.429/1992). Embora sobre outra perspectiva, vale citar seus comentários sobre o necessário
tratamento das sanções administrativas para preservação da empresa:

Não se pode aceitar uma interpretação da forma de aplicação das sanções de direito
administrativo que resulta em uma circunstância que, além de não viabilizar a
superação da crise de probidade que vive a empresa, causa consequências
irremediáveis a manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não
atender nenhum interesse legítimo dos órgãos de controle e, em última instância, da
própria sociedade (LIMA, 2022, p. 52)

Adotando-se a preservação da empresa como princípio de DAS, é possível aplicá-lo à


atividade desempenhada pelas agências reguladoras. Como se disse anteriormente, a
48

competência sancionatória das agências regulatórias independentes serve à garantia da


efetividade da atividade regulatória, isto é, assegurar o equilíbrio regulatório do respectivo setor
regulado, tutelando os interesses públicos envolvidos, e garantindo o grau de conformação
gerado pela política regulatória sancionatória. Nesse contexto, a eventual punição da empresa
precisa considerar a necessidade de preservação da atividade econômica.

A atividade administrativa sancionadora das agências reguladoras federais está


disposta em legislação e regulamentos, sendo possível deles extrair remissão implícita ao
princípio da preservação da empresa. Geralmente, dentre os parâmetros e critérios para
arbitramento de sanções administrativas, faz-se referência à condição econômica do infrator,
com destaque para a aplicação de multas em alguns casos.

Em pesquisa nos regulamentos de sanção das 11 (onze) agências reguladoras federais,


conforme a Lei nº 13.848/2019 – no âmbito de leis ou regulamento stricto sensu –, encontrou-
se preocupação com a situação econômica da empresa infratora apenas na ANATEL61, ANP62,
ANS63 e ANM64. Todas as outras agências reguladoras preveem apenas critérios de
arbitramento de sanção como circunstâncias atenuantes e agravantes, gravidade do fato,
antecedentes do infrator, danos resultantes da infração, vantagem auferida pelo infrator,
reincidência, dentre outros.

Assim, evidencia-se a falta de uniformidade de tratamento das relações jurídico-


sancionatórias pelas agências reguladoras independentes, reflexo da ausência da previsão de

61
Resolução n° 589/2012, art. 10. Na definição da sanção devem ser considerados os seguintes parâmetros e
critérios: I - a classificação da infração; II - os danos resultantes para o serviço e para os usuários efetivos ou
potenciais; III - as circunstâncias agravantes e atenuantes, conforme definições dos arts. 19 e 20 deste
regulamento; IV - os antecedentes do infrator; V - a reincidência específica; VI - o serviço explorado; VII - a
abrangência dos interesses a que o serviço atende; VIII - o regime jurídico de exploração do serviço; IX - a
situação econômica e financeira do infrator, em especial sua capacidade de geração de receita de seu patrimônio;
X - a proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção; e XI - o vulto da vantagem auferida,
direta ou indiretamente. pelo infrator Parágrafo único. O mesmo registro de sanção não pode ser utilizado como
reincidência e antecedente na aplicação cia sanção.
62
Decreto n° 2.953/1999, art. 25. Na fixação do valor da multa a autoridade responsável pelo julgamento levará
em conta, fundamentadamente, a gravidade da infração, as consequências dela decorrentes para o abastecimento
de combustíveis e para os consumidores, a vantagem indevidamente auferida pelo infrator, os seus antecedentes
no exercício da atividade e sua condição econômica.
63
Lei n° 12.334/2010. Art. 17-C. § 1º Para imposição e gradação da sanção, a autoridade competente deve
observar: I - a gravidade do fato, considerados os motivos da infração e suas consequências para a sociedade e
para o meio ambiente; II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de segurança de
barragens; e III - a situação econômica do infrator, no caso de multa.
64
Resolução n° 122/2022, art. 57. Na fixação do valor das multas serão consideradas a gravidade, os danos
resultantes da infração, capacidade econômica do infrator, os antecedentes e as circunstâncias atenuantes e
agravantes.
49

balizas para de regime jurídico sancionador na lei geral vigente e incidente – a Lei nº
13.848/2019 -, senão da ausência de uma legislação geral em DAS.

Nesse sentido, é o microssistema de direito administrativo sancionador regulatório –


composto pela legislação esparsa e regulamentos, e pelos princípios jurídico-materiais e
jurídico-formais de DAS, remissíveis à Constituição Federal, especialmente inseridos na
dinâmica de cada setor regulado – que deve ser procurada a solução pelo operador de direito
para determinado caso concreto. A interpretação sistemática fornecerá as ferramentas para
aplicação de sanções administrativas, inclusive de modo a preservar a empresa.

Em termos práticos, a correta dosimetria das sanções e a atenção ao regime


sancionatório vigente na agência reguladora seria o primeiro passo. Para além disso, conforme
ensina Guilherme Corona Rodrigues Lima deve-se dar preferência às soluções como o
perdimento de lucro, quando possível, e aplicação de sanção pecuniária, com parcelamento que
viabilize a continuidade da atividade empresarial e não gere o risco de falência. Reputa
importante também a prioridade para as soluções convencionais como incentivo à resolução
rápida de controvérsias, afastando-se custosos e morosos processos de responsabilização
administrativa ou judicial, muitas vezes ineficazes para a proteção do erário (LIMA, 2022, p.
148-149).

Embora seja recente a abertura da Administração Pública aos acordos, é notável o


desenvolvimento de uma consensualidade administrativa, verificável a partir das diversas
normas que admitem à Administração Pública a celebração de ajustes, termos, compromissos
e acordos65. Nesse sentido, ao lado da via decisória clássica – marcada pela expedição de atos
administrativos unilaterais –, o Poder Público pode decidir pela via consensual66. A literalidade
costuma chamar estes ajustes como acordos substitutivos de sanção67.

65
Como exemplos, tem-se o termo de compromisso de cessação no CADE; os termos de compromisso na CVM;
os regulamentos e resoluções de determinadas Agências Reguladoras (ANEEL, ANP, ANS, ANTT, por
exemplo), os ajustes da Lei n° 12.305/2010, Decreto federal 7.405/2010 Lei 9.469/1997 e além de outros
instrumentos consensuais legais e infralegais, no plano estadual e federal (PALMA, Juliana Bonacorsi de.
Sanção e acordo na Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 189-235).
66
“Ocorre que os acordos se afirmaram como efetiva via decisória do Poder Público, estando praticamente presente
no exame de discricionariedade do gestor público. Em termos de cultura jurídica, a consensualidade se afirmou
como técnica de desenvolvimento das atividades administrativas por vezes preferível dentre as vias tradicionais”
(GUERRA, Sérgio; DE PALMA, Juliana Bonacorsi. Art. 26 da LINDB: Novo regime jurídico de negociação
com a Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, p. 135-169, 2018).
67
A literatura denomina como acordos substitutivos na esfera administrativa os atos bilaterais, celebrados entre a
Administração e particulares, com efeito impeditivo ou extintivo de processo administrativo sancionador e
excludente da aplicação ou execução de sanção administrativa. Acordos substitutivos são alternativas a atos
administrativos sancionadores. (SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos
nas sanções regulatórias. Revista de Direito Público da Economia. v. 34, p. 133-152, 2011).
50

Assim são o termo de ajustamento de conduta da Lei de Ação Civil Pública (Lei n°
7.347/1985), o termo de compromisso de cessação da Lei de Concorrência (Lei n° 8.884/1994)
e o termo de compromisso da Lei da CVM (Lei n° 6.385/1976).

No âmbito das agências reguladoras federais, pode-se citar o Termo de Compromisso


de Ajustamento de Conduta (TCAC), previsto na Resolução n° 629/2013, da ANATEL; o
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) na ANAC (Resolução n° 199/2011) e o Termo de
Compromisso de Ajuste de Conduta (TCAC) da ANS (Resolução Normativa n° 372/2015).

Ganha vigor a tendência da Administração concertada (ou consensual), uma nova


forma de democracia participativa, em que se atrai os indivíduos para debater questões comuns,
resolvendo-as mediante acordo – uma produção normativa legitimada pela via da cooperação,
e não somente da coerção. “Assiste-se, na atualidade, à redução da distância que separa o Poder
Público e o cidadão no cuidado do bem comum”68.

Resultado desse movimento foi a edição da Lei n° 13.655/2018 que se consagrou a


atuação consensual da Administração Pública, pois o art. 26 LINDB69 criou um regime jurídico
geral, que autoriza o administrador a promover acordos e compromissos para eliminar
irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público.

Nesse contexto, vale destacar a ressalva de Guilherme Corona Rodrigues Lima:

Inegável que para optar pela celebração do acordo a autoridade competente deve
analisar uma série de fatores para concluir que a avença se mostra melhor e mais
efetiva que o processo de responsabilização, em especial diante da clara análise do
interesse público envolvido que se relaciona, intimamente, como a continuidade da
atividade empresarial, conforme defendido até o presente momento (LIMA, 2022, p.
146)

68
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. As normas de direito público na lei de introdução ao direito brasileiro:
paradigma da interpretação e aplicação do direito administrativo. São Paulo: Editora Contracorrente, 2019. p.
137.
69
Decreto-Lei n° 4.657/1942, art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na
aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após
oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante
interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá
efeitos a partir de sua publicação oficial. § 1º. O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução
jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; II – (VETADO); III - não
poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação
geral; IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções
aplicáveis em caso de descumprimento. § 2º. (VETADO).
51

Presente ou não a referência à situação econômica da empresa como circunstância a


ser observada no estabelecimento do quantum sancionatório, soluções como a celebração de
acordos, quando cabível, e o parcelamento de sanção pecuniária, são bem-vindas, porque se
demonstram benéficas à preservação da empresa, ante o impacto que sanções mais graves –
como a suspensão da atividade, suspensão temporária para participação de licitações, revogação
de autorização, interdição de estabelecimento etc. – geram à continuidade da atividade
empresarial.

De todo modo, na ausência de lei geral de DAS, e da ineficiência da Lei nº 13.848/2019


em fazê-lo no campo regulatório, será a Constituição Federal a fonte da qual o intérprete deve
extrair o princípio da preservação da empresa, imprescindível ao exercício da competência
sancionatória, dever-poder da Administração Pública, exercido nos termos do interesse público
que se pretende salvaguardar e promover. A punição como fim estatal, por si só, é vazia. É
necessário manejar os parâmetros e critérios de arbitramento das sanções administrativas como
instrumento para satisfação do interesse público.

5 CONCLUSÃO

O princípio da preservação da empresa, conforme visto, é extraído do princípio da


função social da empresa, por sua vez atinente à função social que a propriedade exerce quando
cometida ao exercício da atividade empresarial. Embora a teoria do direito empresarial tenha
elaborado as bases do princípio, a preservação da empresa é pressuposto do regime
constitucional, sendo aplicável a todos os ramos do direito, inclusive ao Direito Administrativo
Sancionador Regulatório.
Nesse contexto, o exercício da competência sancionatória das agências regulatórias
deve considerar os impactos econômicos que as sanções administrativas têm para a empresa,
ao mesmo tempo em que imputa a devida responsabilização pela ocorrência de infração
administrativa.
É dizer que o dever-poder sancionatório estatal não tem a punição como fim, sendo
antes instrumento para satisfação do interesse público. Exige-se uma resposta estatal que seja
compatível com as funções da sanção administrativa – retributiva, mas principalmente
disciplinar e pedagógica –, que funcione à conformação de condutas dos particulares para
desestimulo de práticas censuradas e incentivo das desejadas pelo ordenamento, sem que a
52

concretização destes fins importe em prejuízos suficientes à continuidade da empresa a ser


sancionada.
Assim, a escorreita observância do regime do DAS regulatório, assim como a atenção
aos parâmetros e critérios de arbitramento de sanções administrativa definidos em lei e
regulamentos das agências reguladoras é imprescindível, com o objetivo de informar o sujeito
competente no exercício de função administrativa sobre o remédio estatal adequado e
proporcional à infração, inclusive porque mais eficiente, considerando as alternativas
disponíveis.
A consensualidade administrativa, surge cada vez mais presente no dia a dia da
Administração Pública. Acordos demonstram-se como técnica, por vezes preferível, à
expedição de atos administrativos unilaterais, nos quais os administrados não encontram
oportunidade de opinar e desenvolver a solução de interesse público a ser adotada pelo poder
público. Atenta a essa nova dinâmica, conforme se salientou, algumas agências reguladoras já
desenvolveram mecanismo de acordo– os denominados acordo substitutivos de sanção.
Embora essa e outras soluções assistam à preservação da empresa, a pesquisa buscou
demonstrar que essa preocupação não encontra previsão expressa na legislação e regulamentos
de agências reguladoras federais, importando-se o Estado regulador em fazê-lo implicitamente,
ao prever como parâmetro para estabelecimento da sanção a situação econômica do infrator.
Encontrou-se referência nesse sentido apenas em 4 (quatro), das 11 (onze) agências reguladoras
independentes, nos termos da Lei nº 13.848/2019.
Nesse sentido, concluiu-se que o intérprete deverá buscar o fundamento do dever-
poder da Administração Pública de preservar a empresa na própria Constituição Federal –
inclusive no exercício da competência sancionatória e no âmbito das Agências Reguladoras
Federais –, que consagra a função social da empresa como interesse comum e direito
compartilhado por todos, considera sua importância para o desenvolvimento econômico, social
e cultural.
53

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