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Algumas reflexões sobre o método no direito constitucional comparado 1

MARK TUSHNET2

Traduzido por George Brito Castro de Lima3

Porque estudar direito constitucional comparado? Para um estudioso, é claro, o valor parece
óbvio: Mais conhecimento geralmente é melhor que conhecimento de menos. Outros têm um
interesse mais instrumental. Eles podem querer saber se estudar direito constitucional
comparado pode melhorar nossa capacidade de fazer direito constitucional interno.4
Eu limito minha atenção às questões com implicações em fazer direito constitucional
comparado como direito. Há, naturalmente, um grande campo de estudos comparativos
sobre a organização governamental, que são conduzidos por cientistas políticos e advogados,
parte desse campo se sobrepõe ao campo do direito constitucional comparado. Mas, há uma
grande diferença entre tais campos. O direito constitucional comparado envolve fazer leis. E,
como eu aprendi, é muito difícil estar confortável em fazer a construção do direito em mais de
um sistema legal. Mesmo quando as barreiras linguísticas não intervêm, culturas legais o
fazem. Por exemplo, fui persuadido apesar do meu ceticismo inicial – que a cultura

1
Traduzido do original: TUSHNET, Mark, Some Reflections on Method in Comparative Constitutional
Law, in CHOUDHRY, Sujit (Org.). The Migration of Constitutional Ideas. Cambridge: Cambridge
University Press, 2006, p. 67-83.
2
Professor de Direito da cadeira “William Nelson Cromwell”, da Faculdade de Direito de Harvard.
3
[Tradução desenvolvida durante o mês de março de 2021 para as disciplinas (Modelos e Paradigmas da
Experiência Jurídica) e (Comparative Constitutional Law), ambas ministradas pelo Professor Dr. Juliano
Zaiden Benvindo, na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD/UnB). A finalidade da tradução
é difundir e fomentar o estudo científico da metodologia de pesquisa em Direito Constitucional
Comparado.] Advogado membro da Ordem dos Advogados do Brasil na Seção de São Paulo (OAB/SP).
Aluno especial na disciplina Comparative Constitutional Law (2020/2) no Mestrado acadêmico do
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília (PPGD/UnB). Bacharel em Direito pela
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(FCHS/UNESP). Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão “Constituição e Cidadania"
(NEPECC) da Unesp Franca. E-mail de contato: george.lima@unesp.br.
4
Existe uma vasta literatura sobre os métodos de direito comparado em geral. O campo mais geral,
entretanto, incluiu discussões de assuntos que pessoalmente não considero muito interessantes, como a
classificação dos sistemas jurídicos em famílias e o fenômeno de empréstimos por um sistema jurídico ou
tradição de outro. Para obter exemplos de redação em direito constitucional comparado sobre o último
tópico, consulte L. Henkin and A. Rosenthal (eds.), Constitutionalism and Rights: The Influence of the
United States Constitution Abroad (Columbia University Press, New York, 1990); Symposium on
Constitutional Borrowing (2003) 1 International Journal of Constitutional Law 181–324.
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constitucional australiana é muito mais formalista do que a cultura constitucional dos Estados
Unidos da América (EUA). É menos aberto ao que parecem me os desafios intelectuais
inevitáveis daqueles influenciados pelo realismo jurídico dos EUA e seu legado. Como
consequência, doutrinas constitucionais na Austrália, tais como aqueles que lidam com a
alocação de autoridade entre os governos nacional e estadual, são doutrinas mais estáveis do
que as similares nos Estados Unidos, mesmo doutrinas enquadradas em linguagem que parece
paralela à usada nos casos australianos. Isso e diferenças similares nas culturas constitucionais
complicam a tarefa de fazer direito constitucional comparado, talvez até o ponto em que a
compensação em quaisquer termos que não sejam aumento de conhecimento são pequenas.
Penso que é útil identificar duas formas de fazer o direito constitucional comparado
como uma preliminar, para criticá-las e aprofundá-las e sugerir um terceiro método. Sem
insistir que eles são bruscamente diferentes, eu chamo os dois primeiros métodos de
universalismo normativo e funcionalismo.5 Esses dois métodos envolvem esforços para ver
como as ideias constitucionais desenvolvidas em um sistema podem estar relacionadas com as
de outro, seja porque as ideias tentam capturar o mesmo valor normativo ou porque tentam
organizar um governo para realizar as mesmas tarefas. Nesse sentido, esses métodos podem
ajudar a identificar quando as ideias constitucionais migram. Eu chamo o terceiro método de
contextualismo. Esse método vem em duas variantes, que chamo de contextualismo simples e
expressivismo. O contextualismo simples insiste que as idéias constitucionais só podem ser
compreendidas no contexto institucional e doutrinário completo em que são colocadas. O
expressivismo considera as ideias constitucionais como expressões da autocompreensão de
uma determinada nação. Ambos os métodos levantam questões sobre a coerência do
pensamento de que as ideias constitucionais podem migrar (sem modificação substancial) de
um sistema para outro. Cada um desses quatro métodos são distintos - às vezes
dramaticamente diferentes - para a análise de se e como as idéias constitucionais migram de
um sistema constitucional para outro.
Pode ser interessante notar que os pesquisadores do direito atraídos pelo
universalismo normativo são provavelmente influenciados pela jurisprudência normativa e pela
teoria política, que aqueles atraídos pelo funcionalismo são provavelmente influenciados por
cientistas políticos e, aqueles atraídos pelo contextualismo são provavelmente influenciados

5
Em certo sentido, o universalismo normativo e o funcionalismo são variantes de um universalismo mais
geral, como ficará claro a seguir. No entanto, fui incapaz de conceber rótulos que preservassem um
paralelismo nas formulações.
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por antropólogos. E, aqui ainda há outra complexidade que se intromete. Não apenas o
intelectual do direito constitucional comparado terá que se sentir confortável em mais de um
sistema constitucional; ele ou ela pode achar útil estar confortável com uma disciplina que não
seja a lei, que parece suscetível de iluminar as questões constitucionais comparativas da
maneira a qual o cientista do direito considera útil.
O universalismo normativo emerge principalmente do diálogo entre aqueles que
estudam o direito constitucional comparado e aqueles que estudam os direitos humanos
internacionais. A ideia é simples: o constitucionalismo em si acarreta - em toda parte - alguns
princípios fundamentais. Alguns desses princípios envolvem direitos humanos: a proteção de
alguns direitos humanos universais, como os direitos à participação política, à igualdade de
tratamento perante a lei, à liberdade de consciência e expressão e, para muitos dos
defensores dos direitos humanos, muito mais. Outros envolvem estruturas de governo. Aqui, a
lista é normalmente mais curta: tribunais independentes com firmeza, talvez alguma versão da
separação entre a promulgação da lei e a execução da lei (outro aspecto da separação de
poderes), e mais alguns exemplos.
Os universalistas estudam o direito constitucional comparado para identificar como as
constituições fundamentam esses princípios universais. Ao comparar diferentes versões,
podemos compreender melhor os próprios princípios. Então, podemos ser capazes de
melhorar a versão de um sistema doméstico de um ou outro princípio usando esse
entendimento aprimorado para modificá-lo.
Três exemplos da lei da liberdade de expressão, dois polêmicos, o outro não, que
ilustram o método universalista no direito constitucional comparado. O incontroverso é a lei
da sedição, que é uma ofensa criminal que consiste em criticar as políticas governamentais
existentes. Ao longo do século passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou o
problema de reconciliar a lei da sedição com a proteção à liberdade de expressão da Primeira
Emenda. Sua atenção constante ao problema produziu duas conclusões. O primeiro é
amplamente aceito. Os esforços do governo para suprimir o discurso crítico de suas políticas
devem ser tratados com extremo ceticismo, capturados de várias maneiras em formulações
como "perigo claro e presente" ou "com a intenção e probabilidade de causar conduta ilegal
iminente".6 A última formulação indica a segunda conclusão que podemos tirar dos casos de
sedição dos Estados Unidos. O problema do discurso sedicioso, a análise mostrou, é apenas
6
Dennis v. United States, 341 US 494 (1951) (a versão mais recente de ‘perigo claro e presente’ teste nos
EUA); Brandenburg v. Ohio, 395 US 444 (1969) (‘conduta ilegal iminente’ teste).
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um aspecto de um problema mais amplo - como os governos podem regular o discurso que,
eles próprios temem, fará com que as pessoas infrinjam a lei?
Governos por todo o mundo têm se confrontado com o problema do discurso de
sedição, e todos esses governos devem lidar com a problemática do discurso elevar o risco
de que as leis sejam quebradas. Os estudos em direito constitucional comparado nos
permitem examinar os diferentes métodos em que são lidados com o problema. Ademais, a
maioria dos estudiosos e muitas cortes constitucionais acreditam que algo parecido com a
abordagem dos EUA seria a melhor disponível. A Corte Europeia de Direitos Humanos, por
exemplo, tratou de casos decorrentes do confronto frequentemente violento da Turquia com o
movimento separatista Kurdish em seu país. Um, decidido em 2000, envolvia um artigo de
jornal do presidente de um importante sindicato trabalhista, no qual o autor dizia que ‘não
apenas o povo Kurdish, mas todo o nosso proletariado deve se levantar contra’ leis e
políticas nacionais anti-Kurdish.7 O Tribunal escreveu que ‘há pouco escopo [no direito
internacional dos direitos humanos aplicável] para restrições ao discurso político’, mas que os
governos podem limitar a liberdade de expressão quando um discurso ‘incita à violência
contra um indivíduo, um funcionário público ou um setor da população’.8
A lei da difamação pessoal fornece um segundo exemplo. Aqui nos Estados Unidos
adotaram uma regra notavelmente rigorosa que restringe as circunstâncias sob as quais uma
pessoa que a Suprema Corte chama de figura pública pode recuperar os danos pela
publicação de uma declaração falsa que prejudique sua reputação. A categoria de figuras
públicas é grande nos Estados Unidos, incluindo líderes de grandes empresas privadas,
treinadores de futebol proeminentes, celebridades e políticos.9 As figuras públicas podem
ganhar apenas danos reais, e mesmo assim, apenas se mostrarem que as declarações falsas
foram feitas por alguém que era falso ou tomou uma decisão consciente de ignorar a
descoberta de serem verdadeiras ou falsas.10

7
Caso 23556/94 Ceylan v. Turkey [2000] 30 EHRR 73 at para. 8.
8
Ibid. at para. 34.
9
Ver B. Singer, The Right of Publicity: Star Vehicle or Shooting Star? (1991) 10 Cardozo Arts &
Entertainment Law Journal 1.
10
O termo que a Suprema Corte usa é que as declarações falsas são feitas com malícia, mas as decisões
deixam claro que o termo se refere, não a algum estado mental como tê-lo em uma figura pública, mas sim
ao conhecimento da falsidade da declaração ou desconsideração deliberada de sua veracidade ou
falsidade.
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Não é de se surpreender que outros tribunais constitucionais enfrentam regularmente


questões de difamação apresentadas por figuras públicas. Eles chegaram a uma série de
conclusões, mas nenhuma é tão restritiva na recuperação quanto a dos Estados Unidos. Por
exemplo, a Austrália usa um teste de razoabilidade. Uma formulação importante foi oferecida
em um caso apresentado por um membro do Parlamento da Nova Zelândia que havia sido o
Primeiro-Ministro da nação:

[A] conduta do réu ... não será razoável, a menos que o réu tenha motivos
razoáveis para acreditar que a imputação [de algo que prejudica a reputação]
era verdadeira, tomou as medidas adequadas, na medida em que foram
razoavelmente abertas, para verificar a exatidão de o material e não acredita
que a imputação seja falsa. Além disso, a conduta do réu não será razoável, a
menos que o réu tenha buscado uma resposta da pessoa difamada e
publicado a resposta feita (se houver), exceto nos casos em que a busca ou
publicação de uma resposta não fosse praticável ...11

Muitos nos Estados Unidos consideram nossa legislação de difamação insatisfatória.12


Estudiosos universalistas do direito constitucional comparado sugerem que olhar para as
soluções que outras democracias constitucionais têm utilizado nos ajudaria a desenvolver uma
lei de difamação melhor.
O exemplo mais controverso envolve a regulamentação do discurso de ódio. Os
defensores de uma regulamentação mais ampla do discurso de ódio nos Estados Unidos
costumam se referir a normas constitucionais transnacionais - a existência de regulamentação
do discurso de ódio no Canadá13 - a existência em alguns tratados internacionais de direitos
humanos do dever de regular o discurso de ódio14 - em defesa da proposta de que a
regulação do discurso de ódio não deveria ser construída ou regulamentada como
inconstitucional se vista sob a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos da

11
Lange v. Australian Broadcasting Corp. (1997) 189 CLR 520, HCA (opinião de Brennan CJ).
12
Ver D. Anderson, Is Libel Law Worth Saving? (1991) 140 University of Pennsylvania Law Review 487;
Ver também J. Penzi, Libel Actions in England, a Game of Truth or Dare? Considering the Recent Upjohn
Cases and the Consequences of ‘Speaking Out’ (1996) 10 Temple International & Comparative Law
Journal 211 (comparando as leis de difamação Inglesa e a dos Estados Unidos).
13
Ver e.g. R. v. Keegstra [1990] 3 SCR 697, SCC.
14
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Nova York, 16 de dezembro de 1966, em vigor em 23
de março de 1976, 999 UNTS 171, Art. 20 (2) ('Qualquer defesa de ódio nacional, racial ou religioso que
constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência será proibida por lei.'); Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Nova York, 21 de dezembro
de 1965, em vigor em 4 de janeiro de 1969, 660 UNTS 195, Art. 4 (a) (os Estados Partes declaram um crime
punível por lei toda a disseminação de ideias com base na superioridade racial ou ódio, incitamento à
discriminação racial').
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América.15 Eles argumentam, com bastante razão, que o fato de que as democracias liberais
modernas regulam o discurso de ódio sem cair em tiranias totalitárias, onde o governo se
envolve em amplo controle do pensamento, mostra que a mera existência de regulamentos de
discurso de ódio é compatível com as normas gerais de liberdade de expressão. Eles
concluem que a regulamentação do discurso de ódio nos Estados Unidos poderia ser adotada
sem arriscar nada além de tornar os Estados Unidos mais parecidos com o Canadá - o que
não é, na opinião deles, algo obviamente ruim.
Novamente, isso exemplifica o uso universalista do direito constitucional comparado.
De acordo com os universalistas, os princípios gerais de liberdade de expressão e dignidade
humana entram em jogo quando alguém faz um discurso castigando um grupo racial, religioso
ou nacional. Examinar como uma série de nações estabeleceram adaptações entre esses
princípios pode ser útil para desenvolver os contornos da legislação doméstica de qualquer
nação que trata do discurso de ódio.
A abordagem funcionalista do direito constitucional comparado é semelhante à
universalista na medida em que tenta identificar coisas que acontecem em todo sistema
constitucional que é objeto de estudo. Assim, por exemplo, toda nação democrática deve ter
um mecanismo para ir à guerra ou para lidar com emergências domésticas que ameaçam a
existência contínua da nação. Mas, prossegue a análise funcionalista, as nações democráticas
devem ter cuidado ao ir à guerra e determinar se existe uma emergência verdadeiramente
grave. Os funcionalistas acreditam que examinar as diferentes maneiras pelas quais as nações
democráticas organizam os processos de ir à guerra e declarar emergências pode nos ajudar
a determinar quais são os melhores e quais são os piores processos.
Considere o regulamento constitucional sobre declaração de emergências.16
Observamos que as constituições variam no grau em que especificam as circunstâncias que
justificam a invocação de poderes de emergência e os procedimentos para fazê-lo. A
Constituição dos Estados Unidos, por exemplo, é extremamente escassa em ambos os
aspectos. Autoriza a invocação de poderes emergenciais de forma indireta, identificando as
circunstâncias em que pode ser eliminado o mecanismo processual de contestação da

15
Ver e e.g. M. Matsuda, Public Response to Racist Speech: Considering the Victim’s Story (1989) 87
Michigan Law Review 2320 at 2341–8 (Descrição do desenvolvimento dos direitos humanos
internacionais em conexão com o discurso de ódio), J. Powell, As Justice Requires/Permits: The
Delimitation of Harmful Speech in a Democratic Society (1998) 16 Law & Inequality 97 at 147–50
(Discutindo Keegstra).
16
Eu uso isso como meu exemplo porque há mais estudos sobre a questão do que a questão de ir para a
guerra.
73

legalidade das ações executivas - o habeas corpus. O remédio pode ser suspenso, de acordo
com a Constituição, ‘nos casos de rebelião ou Invasão’ quando, nesses casos, ‘a Segurança
pública assim o exigir’.17 A Constituição não estabelece especificamente procedimentos para
sua suspensão, embora a localização da Cláusula de Suspensão no artigo que trata dos
poderes do Congresso tenha levado à conclusão essencialmente universal de que o
Congresso deve autorizar a suspensão. Em contraste, a Constituição espanhola lida com os
poderes de emergência em grande detalhe. O governo executivo pode declarar situação de
emergência, mediante autorização específica do legislativo, que deve permanecer em
funcionamento enquanto vigorar o estado de emergência. A autorização inicial não pode
ultrapassar trinta dias, podendo ser renovada por mais trinta dias.18 Outros aspectos da
declaração de emergência estão a ser regulados por um estatuto geral.19
Um funcionalista examinaria questões como estas: os detalhes sobre as circunstâncias
e procedimentos encorajam a participação do legislativo e do executivo na tomada de
decisões? Ou, ao contrário, os detalhes fornecem ao executivo recursos adicionais para
argumentar que a constituição autoriza ações unilaterais do executivo? Por exemplo, as
disposições espanholas correm o risco de um executivo alegar de forma plausível que é
necessário estender a emergência além do período autorizado pelo legislativo porque se
desenvolveram circunstâncias que exigem um longo, em vez de um curto período de
emergência? A falta de detalhes incentiva a negociação política entre o legislativo e o
executivo ou, ao contrário, dá ao executivo os recursos para argumentar que sua ação é
constitucionalmente admissível porque a ação não é expressamente proibida pela
constituição? Um requisito constitucional de que o legislador participe na declaração de uma
emergência limita o número de ocasiões em que as emergências são declaradas? Ou, pelo
contrário, tal exigência incentiva o executivo a passar por cima do legislativo, apelando ao
povo para repudiar uma legislatura que é incapaz de reconhecer e responder à emergência
que a nação enfrenta? Assim, todas essas perguntas indicam padrões de como que os
funcionalistas vão olhar para como as disposições constitucionais realmente operam em
circunstâncias do mundo real e vão tirar inferências sobre um bom design constitucional a

17
Constituição dos Estados Unidos, Art. I §9.
18
Constituição da Espanha de 1978, Art. 116(3), (5).
19
Ibid., Art. 116(1).
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partir das disposições constitucionais que funcionam melhor de acordo com os padrões
normativos funcionalistas.20
Como sugere o exemplo da guerra e das emergências, os funcionalistas tendem a se
concentrar em questões de estrutura governamental. Com relação ao federalismo, por
exemplo, um funcionalista pode perguntar: quais formas de federalismo melhor acomodam a
diversidade nas regiões de uma nação? O federalismo pode ser adaptado para lidar com
diversidades que não estão intimamente ligadas à geografia? A experiência da Bélgica com um
conjunto incrivelmente complexo de instituições federalistas - algumas geográficas, outras
linguísticas - em camadas umas às outras pode fornecer alguns insights sobre essas
questões.21 Com base no trabalho de cientistas políticos, os funcionalistas consideram se os
sistemas presidencial ou parlamentar são os melhores veículos para alcançar os objetivos que
o povo de uma nação estabeleceu para si mesmo.22
No entanto, tanto os métodos universalistas quanto os funcionalistas são falhos. Em
termos mais gerais, sua dificuldade é que operam em um nível de abstração muito alto.
Podemos presumir que existem princípios universais de liberdade e justiça, por exemplo, mas
podemos estar razoavelmente confiantes de que tais princípios não são totalmente capturados
em termos gerais, como liberdade de expressão ou igualdade. O princípio da liberdade de
expressão, seja ele qual for, é provavelmente extremamente complexo, sensível às
circunstâncias apresentadas por problemas específicos. A lei da liberdade de expressão deve
lidar com formas de expressão que envolvem apenas palavras, palavras associadas a
símbolos, símbolos apenas e ações cujo significado social é entendido como comunicativo.
Lida-se com a expressão que se pensa causar dano ao persuadir os ouvintes da correção das
afirmações feitas, ao estruturar o ambiente no qual os ouvintes avaliam outras afirmações ou

20
Um bom exemplo de análise funcionalista, informada, embora não inteiramente conduzida, por
constitucional comparado, estude B. Ackerman, The Emergency Constitution (2004) 113 Yale Law
Journal 1029 (Propondo a adoção de um estatuto geral nos Estados Unidos que exigiria maiorias cada vez
maiores no Congresso para a extensão das declarações de emergência). L. Tribe and P. Gudridge, The
Anti-Emergency Constitution (2004) 113 Yale Law Journal 1801. Responder à proposta de Ackerman
com argumentos que na primeira parte da resposta são funcionais e nas partes posteriores são, a grosso
modo, expressivistas.
21
Para uma descrição, agora um tanto desatualizada, ver A. Alen, B. Tilleman, and F. Meersschaut, The
State and Its Subdivisions in A. Alen (ed.), Treatise on Belgian Constitutional Law (Kluwer, Boston,
1992), p. 123.
22
B. Ackerman, The New Separation of Powers (2000) 113 Harvard Law Review 633 (2000) . Para uma
tentativa extraordinariamente pouco persuasiva de responder a Ackerman, falha precisamente por sua
falha em compreender a abordagem funcionalista, ver S. Calabresi, The Virtues of Presidential
Government: Why Professor Ackerman is Wrong to Prefer the German to the US Constitution (2001) 18
Constitutional Commentary 51.
75

ao desencadear respostas sem envolver as capacidades cognitivas de um ouvinte. Ainda,


deve lidar com danos que vão desde ataques à dignidade até ameaças à sobrevivência
nacional. E, é claro, precisa lidar com o discurso político, o discurso comercial, o discurso
sexualmente explícito e muitas outras variedades de expressão. Com tantas variáveis entrando
na estrutura do princípio da liberdade de expressão, pode muito bem ser que a experiência de
uma nação com os casos levantados em sua história seja substancialmente mais esclarecedora
do princípio subjacente do que as experiências de outras nações com suas histórias. Um
ponto paralelo é válido para questões de estrutura governamental. Considere, por exemplo, a
questão de ir para a guerra. Os sistemas de separação de poderes podem ser cautelosos em
dar a um presidente o poder de iniciar combates militares substanciais, porque, como William
Treanor apontou (com base nas opiniões defendidas pelos autores da Constituição dos EUA),
uma única pessoa pode ser imprudente na busca de obter honra em operações militares.23 Os
membros da legislatura, em contraste, ganham pouco individualmente com a autorização de
operações militares e, portanto, podem ser mais cautelosos do que um presidente.
Claramente, porém, esse argumento depende da estrutura precisa do sistema de
separação de poderes de uma nação e, em particular, da relação entre o presidente como
líder do partido e o presidente como comandante-chefe. Compare dois sistemas de
separação de poderes. Um, semelhante ao sistema dos EUA ao longo da maior parte de sua
história, envolve um presidente que está associado e é nominalmente o líder de um dos dois
principais partidos políticos, mas esses partidos são na verdade coalizões de diversas facções,
nem todas se beneficiam dos programas e o presidente avança. Em tal sistema, mesmo uma
legislatura controlada pelo partido do presidente pode resistir às iniciativas de guerra
presidencial por causa das divisões internas do partido do presidente. O outro sistema de
separação de poderes, semelhante ao que existe hoje nos Estados Unidos, tem o presidente
como líder de um partido ideologicamente coerente e unificado. Quando o partido do
presidente controla a legislatura, a resistência às iniciativas de guerra presidencial devem ser
baixas.

23
W. Treanor, Fame, the Founding, and the Power to Declare War (1997) 82 Cornell Law Review 695.
76

O contextualismo, uma terceira abordagem ao direito constitucional comparado,


enfatiza o fato de que o direito constitucional está profundamente enraizado nos contextos
institucionais, doutrinários, sociais e culturais de cada nação, e que provavelmente erraremos
se tentarmos pensar em algum contexto específico doutrinário ou institucional sem apreciar a
forma como está intimamente ligado a todos os contextos em que existe. Os estudos em
comparado dos contextualistas vêm em muitas formas - etnográficas e históricas, por
exemplo. Minhas preocupações neste livro me levam a apresentar o contextualismo de uma
maneira relativamente tênue.
Para os presentes propósitos, eu limito minha discussão da abordagem contextualista
ao seu foco nos contextos institucionais e doutrinários de doutrinas específicas.24 As
constituições combinam normas substantivas, como compromissos com a liberdade de
expressão e igualdade, com arranjos institucionais, como federalismo e governo parlamentar.
As normas substantivas são implementadas dentro dos arranjos institucionais, e arranjos
institucionais particulares às vezes são mais compatíveis com algumas interpretações das
normas substantivas do que com outras.25
A questão do discurso de ódio fornece um bom exemplo de por que os contextos
institucionais são importantes.26 Os argumentos para a regulamentação do discurso de ódio
operam no nível de princípio - liberdade de expressão e igualdade. Esses argumentos
normalmente ignoram o contexto institucional dentro do qual as regulamentações para
discurso de ódio são implementadas. Um princípio - entre muitos - que orienta (em todos os

24
Para uma descrição um pouco mais completa dos efeitos desses contextos, consulte M. Tushnet,
Interpreting Constitutions Comparatively: Some Cautionary Notes, with Reference to Affirmative Action
(2004) 36 Connecticut Law Review 649 a partir dessa ideia os próximos parágrafos são desenhados.
25
Meu pensamento sobre essa questão foi influenciado por minha colega, V. Jackson, e em particular por
seu argumento de que o federalismo pode consistir em pacotes distintos de arranjos institucionais.Ver V.
Jackson, Narratives of Federalism: Of Continuities and Comparative Constitutional Experience (2001)
51 Duke Law Journal 223; V. Jackson, Comparative Constitutional Federalism and Transnational
Judicial Discourse (2004) 2 International Journal of Constitutional Law 91. Enfatizo que minhas
observações são influenciadas apenas por sua análise, que ela não indicou se concorda com minhas
observações e que, na verdade, discordo de aspectos de seu argumento sobre o federalismo.
26
Como Daniel Halberstam mostrou, a falha em atender aos contextos institucionais é uma falha
substancial em uma das referências importantes ao direito constitucional comparado nas adjudicações nos
Estados Unidos, a tentativa do juiz Stephen Breyer em Printz v. United States, 521 US 898 (1997) , para
recrutar o federalismo alemão para explicar por que o princípio de ‘anti-comandante’ da Suprema Corte dos
Estados Unidos não é compelido pela existência de um sistema federal. D. Halberstam, Comparative
Federalism and the Issue of Commandeering in K. Nicolaı¨dis and R. Howse (eds.), The Federal Vision:
Legitimacy and Levels of Governance in the United States and the European Union (Oxford University
Press, Oxford, 2001), p. 213.
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lugares) a interpretação das proteções constitucionais da liberdade de expressão é que essas


proteções são projetadas para neutralizar uma tendência por parte dos funcionários do
governo de reagir de forma exagerada às ameaças percebidas à ordem. A aplicação da lei
criminal é muito mais centralizada em outros sistemas constitucionais do que nos Estados
Unidos. O estatuto de crimes de ódio da Grã-Bretanha exige que os processos sejam
autorizados pelo Procurador-Geral, um único funcionário.27 Mesmo no sistema federal do
Canadá, a aplicação da lei criminal é centralizada no Procurador-Geral de cada uma de suas
províncias.28
O risco de processos abusivos por discurso de ódio é reduzido por esta centralização
e pela responsabilidade e visibilidade pública das decisões de processar. Compare os Estados
Unidos, onde milhares de procuradores distritais locais têm poderes para iniciar e levar a
cabo os processos.29 A forma como o sistema federal dos EUA é organizado aumenta o risco
de que processos claramente inadequados por discurso de ódio sejam apresentados. E,
finalmente, esse risco é relevante para determinar se uma disposição constitucional doméstica
que protege a liberdade de expressão deve ser interpretada para permitir ou proibir
regulamentações criminais do discurso de ódio. O contexto institucional da aplicação da lei
criminal nos Estados Unidos e em outros lugares deve ser levado em consideração para
determinar como interpretar o compromisso substantivo com a liberdade de expressão.30
O contexto doutrinário também é muito importante. Aqui podemos reconsiderar o
exemplo anterior de lei de difamação. Em termos mais gerais, a lei de difamação fornece a
estrutura para acomodar interesses na linguagem com interesses na reputação, sendo o último
aspecto o da dignidade humana. Observe, porém, que nos Estados Unidos da América o
interesse pelo discurso é de magnitude constitucional, enquanto o interesse pela reputação é

27
Lei de Relações Raciais de 1976, s. 5A (5) (continuando um requisito introduzido na Lei de Relações
Raciais de 1965).
28
Lei da Constituição de 1867, s. 92 (14) (alocando a aplicação da lei criminal às províncias); Código
Criminal do Canadá (RSC 1985, c. C-34) (dando aos procuradores provinciais autoridade primária de
aplicação da lei).
29
Em geral, os procuradores estaduais não têm poderes para destituir os promotores locais, exceto em
circunstâncias altamente limitadas.
30
Meu argumento trata da aplicação criminal de regulamentos de discurso de ódio. Outros contextos
envolvem uma tomada de decisão muito mais descentralizada, mesmo no Canadá e no Reino Unido, por
exemplo, em conexão com regulamentos de discurso de ódio por conselhos escolares e empregadores do
governo. Pode ser, então, que os compromissos canadenses e britânicos com a liberdade de expressão
possam permitir a regulamentação do discurso de ódio criminal, mas não devem ser interpretados como
autorizando regulamentações não criminais.
78

meramente político.31 A acomodação de interesses nos Estados Unidos deve dar maior peso
ao interesse pela palavra do que ao interesse pela reputação. Em contraste, na Grã-Bretanha
e na Austrália, nem o interesse pela palavra nem pela reputação são de magnitude
constitucional. nesses países, o common law pode se desenvolver de forma a dar peso
"apropriado" a ambos os interesses. E, finalmente, na Alemanha, tanto o interesse pela palavra
quanto o interesse pela reputação como um aspecto da dignidade humana são de magnitude
constitucional. O equilíbrio de interesses na Alemanha será necessariamente diferente daquele
nos Estados Unidos porque as disposições constitucionais subjacentes diferem.
A lei de ação afirmativa nos Estados Unidos e na Índia também ilustra a importância
do contexto doutrinário.32 A Suprema Corte indiana considerou os programas de ação
afirmativa constitucionais, mas exigiu que tais programas excluíssem o que chama de “creamy
layer" (camada cremosa) da classe beneficiária. A camada cremosa consiste em membros de
castas subordinadas que alcançaram status suficiente - principalmente medido pela renda - e
essa sua inclusão em programas de ação afirmativa lhes daria um incentivo desnecessário e
injusto. Algumas propostas para a concepção de programas de ações afirmativas nos Estados
Unidos sugeriram que o conceito “creamy layer" (camada cremosa) deveria migrar da Índia
para os Estados Unidos. No entanto, essa migração pode muito bem ser bloqueada pela
doutrina de ação afirmativa dos EUA. A razão é que a Índia, mas não os Estados Unidos,
trata a justiça compensatória e retificatória como justificativas permissíveis para a ação
afirmativa. A ação afirmativa na Índia visa superar os padrões existentes de discriminação e a
história de subordinação associada ao sistema de castas. A Suprema Corte dos EUA decidiu
que os governos não podem justificar programas de ação afirmativa apontando para o que a
Corte chama de discriminação social,33 e que, mesmo entendidos em termos compensatórios,
os programas de ação afirmativa podem ser adotados apenas por agências governamentais
que se engajaram em práticas discriminatórias para as quais os programas são uma solução
apropriada.34 Programas de ação afirmativa mais amplos são constitucionalmente permissíveis
apenas quando, e na medida em que, promovem o interesse em alcançar a diversidade em

31
Ou seja, por uma questão de direito constitucional dos Estados Unidos, um Estado poderia abolir
totalmente seu delito de difamação, deixando as pessoas sem qualquer recurso para danos à reputação
causados por declarações de fato inteiramente falsas.
32
Para mais detalhes, veja Tushnet, Interpreting Constitutions Comparatively.
33
Ver Wygant v. Jackson Board of Education, 476 US 267 (1986).
34
Esta proposição é apoiada por decisão em Adarand Constructors v. Pena, 515 US 200 (1995) .
79

algum programa público, como educação e talvez emprego público, onde a diversidade
promove os objetivos básicos do programa.35
Como a ideia de "creamy layer" (camada cremosa) se encaixa na doutrina
constitucional dos EUA? Em uma palavra, mal. A razão é que a ideia está associada a noções
de justiça compensatória e retificatória: os membros da camada cremosa não precisam da
compensação ou retificação de uma condição associada aos programas de ação afirmativa,
pois, por qualquer meio, já receberam a necessária compensação e ajuste de posição. Além
disso, ser um membro da creamy layer não desqualifica uma pessoa de adicionar alguma
diversidade a um programa público. Em suma, a doutrina constitucional dos EUA torna a
adesão à creamy layer irrelevante para qualquer uma das justificativas constitucionalmente
permissíveis para a ação afirmativa. A ideia, tratada como um potencial migrante para a lei
dos EUA, seria bloqueada na porta de entrada pela doutrina constitucional existente.
O expressivismo é uma versão diferente, talvez até mais abrangente, de
contextualismo. Para um estudioso expressivista, o direito constitucional - doutrinas e arranjos
institucionais - são as maneiras pelas quais uma nação trata de se definir. Preâmbulos de
constituições podem ser particularmente úteis para um expressivista. Assim, por exemplo, o
Preâmbulo da Constituição irlandesa de 1937 é um texto especialmente rico para esses fins.
O preâmbulo afirma:
Em nome da Santíssima Trindade, de Quem provém toda a autoridade e a
Quem, como fim último, todas as ações dos homens e dos Estados devem ser
referidas,
Nós, o povo da Irlanda,
Reconhecendo humildemente todas as nossas obrigações para com nosso
Senhor Divino, Jesus Cristo, que sustentou nossos pais durante séculos de
provações,
Lembrando-se com gratidão de sua luta heróica e incessante para recuperar a
legítima independência de nossa nação,
E procurando promover o bem comum, com a devida observância da
Prudência, da Justiça e da Caridade, para que a dignidade e a liberdade do
indivíduo sejam asseguradas, a verdadeira ordem social alcançada, a unidade
de nosso país restaurada e a concórdia estabelecida com outras nações,
Adotamos, promulgamos e entregamos a nós mesmos esta Constituição.

35
Grutter v. Bollinger, 539 US 306 (2003).
80

As palavras iniciais do preâmbulo e sua referência posterior a Jesus Cristo identificam


a nação com o cristianismo, e seu uso dos termos fim último e prudência, justiça e caridade
mostram que a nação é especificamente católica romana. O documento também olha para
trás de uma forma poderosa, com suas referências a séculos de provações e uma luta heróica
e incessante. E, finalmente, a formulação "dar a nós mesmos" estabelece uma relação de
auto-doação e aceitação entre o povo da Irlanda e sua Constituição que afirma o documento
de 1937 na identidade contínua da nação.36
Uma abordagem expressivista do direito constitucional comparado contrastaria os
auto-entendimentos encontrados nos documentos constitucionais de diferentes nações. Por
exemplo, tal abordagem pode apontar para as diferenças de autocompreensão expressas na
decisão de Burns no Canadá e na decisão de Stanford nos Estados Unidos. No primeiro
caso, a Suprema Corte modificou significativamente uma decisão anterior para impor
restrições bastante severas ao poder do governo nacional de extraditar um fugitivo dos
Estados Unidos acusado de crime capital, a menos que o governo obtivesse garantias de que
a pena de morte não seria impostas.37 O tema de que o governo canadense havia liderado as
discussões internacionais e a implementação dos direitos humanos permeou o parecer da
Corte. Portanto, para o Tribunal em Burns, a autocompreensão do Canadá como líder em
direitos humanos levou à doutrina constitucional que o Tribunal articulou. Em Stanford, a
Suprema Corte dos Estados Unidos aplicou um padrão constitucional referindo-se a 'padrões
de decência em evolução' no contexto da pena de morte, insistindo que os padrões de
decência relevantes eram os do povo dos Estados Unidos, não os da comunidade
internacional mais ampla.38 Uma análise expressivista poderia usar esses casos para distinguir
entre a autocompreensão voltada para o exterior do Canadá e a autocompreensão voltada
para dentro dos Estados Unidos.
Minha discussão sobre o que podemos aprender com o direito constitucional
comparado oferece algumas notas de advertência, nem argumentos decisivos contra seu uso
na interpretação constitucional doméstica. Às vezes, é dito que o direito comparado pode
trazer à mente possibilidades que, de outra forma, poderiam ser negligenciadas ou

36
Pode-se fazer uma análise semelhante dos preâmbulos das Constituições dos Estados Unidos e da
África do Sul, e do " post amble" da Constituição provisória da África do Sul, com sua discussão sobre
"Unidade Nacional e Reconciliação". Constituição da República da África do Sul 1993, capítulo 15,
parágrafos finais.
37
United States v. Burns [2001] 1 SCR 283, SCC.
38
Stanford v. Kentucky, 492 US 361 (1989).
81

consideradas utópicas demais para serem consideradas como parte de uma constituição do
mundo real. No direito comparado, pensa-se ser possível ajudar a nos livrar de idéias de
"falsa necessidade", a sensação que podemos ter - com base em nossa própria experiência
porque essa é a única experiência que temos - de que as instituições e doutrinas que temos
são as únicas aqueles que possivelmente poderiam ser apropriados para nossas
circunstâncias.
Combinar o contextualismo com insight de que o estudo em comparado pode
levantar questões sobre se alguns arranjos que parecem necessários para nós são realmente
falsas necessidades, pode ter implicações mais subversivas para o empreendimento
comparativo do que pode parecer inicialmente. A dificuldade é que o contextualismo pode
nos levar a ver que os arranjos são de fato necessários, dado o contexto completo em que
estão inseridos. A questão é até que ponto as restrições impostas pelas instituições e arranjos
jurídicos de uma nação, as restrições impostas por sua história doutrinária, as restrições
impostas por sua cultura jurídica, e assim por diante na lista de fatores de restrição, se cruzam
de uma forma que reduz o conjunto de escolhas (sejam elas institucionais, doutrinais ou
qualquer outra) para um - isto é, para aquele que está realmente em vigor.39 Duvido que essa
pergunta possa ser respondida de forma abstrata ou geral.40 Acredito, porém, que a
investigação comparativa deve ser sensível a todos os contextos para os quais o
contextualismo direciona nossa atenção.41
Mais precisamente: o contextualismo em ambas as versões levanta desafios à ideia de
que o estudo comparativo pode ajudar a identificar falsas necessidades. A primeira versão
sugere que essas instituições e doutrinas podem não ser "falsas" em algum sentido forte,
porque podem ser tão fortemente integradas que nenhuma mudança significativa é possível. O
expressivismo sugere que uma nação tem uma (singular) autocompreensão que sua
constituição expressa. No entanto, esses desafios não devem receber mais peso do que eles
suportam adequadamente. Tudo o que sabemos sobre as doutrinas e instituições jurídicas nos
diz que as doutrinas e as instituições podem acomodar muito mais mudanças do que

39
Observe que essa preocupação é inteiramente compatível com a proposição de que nenhum conjunto de
restrições é tão restritivo. A doutrina pode ser flexível e substancialmente aberta, por exemplo, e os
arranjos institucionais em si podem não colocar limites fortes nas possibilidades. Em vez disso, a
preocupação é que adicionar um conjunto flexível de restrições a outro e a outro reduz substancialmente
as opções.
40
Embora eu deva notar que minha intuição é que a resposta frequentemente será que as restrições
cumulativas são de fato bastante substanciais.
41
E que muitos exercícios comparativos não são suficientemente sensíveis a todos esses contextos.
82

imaginamos. Descobrimos que podemos mexer em uma ampla gama de doutrinas e


instituições sem transformar, a curto prazo, o que consideramos fundamentos constitucionais.
E, com o passar do tempo, nossa compreensão de quais são esses fundamentos pode mudar,
às vezes em resposta a ajustes anteriores.
Da mesma forma, é um erro pensar que uma nação tem uma única compreensão
própria. Doutrinas e instituições podem parecer verdadeiras necessidades para um
expressivista que diz: ‘Bem, é assim que nós (ou eles) somos’. Mas, mesmo dentro da
constituição e tradições constitucionais de uma nação, 'quem somos' é muitas vezes - talvez
sempre - contestável e ativamente contestado. Em contraste com a autocompreensão voltada
para o interior articulada em Stanford, por exemplo, há outra autocompreensão voltada para
o exterior que pode ser encontrada no constitucionalismo dos Estados Unidos. Uma maneira
de fazer isso é referir-se à auto-compreensão expressa na passagem da Declaração da
Independência invocando o dever (talvez prudencial, talvez de princípio) de mostrar "um
respeito decente pelas opiniões da humanidade", explicando ao mundo as razões por nossas
ações em algumas circunstâncias. Outra é invocar a declaração feita em 1630 por
JohnWinthrop de que a terra para a qual ele e seus colegas estavam migrando se tornaria uma
"cidade sobre uma colina" para o mundo emular, um sentimento ecoado pelos líderes dos
EUA ao longo da história.42 A Suprema Corte invocou o mesmo autoentendimento na
conclusão de sua decisão de 2005 que considerou inconstitucional sujeitar à pena de morte
infratores que eram menores quando cometeram seus crimes:

Com o tempo, de uma geração para a outra, a Constituição passou a merecer o


alto respeito e até, como Madison ousou esperar, a veneração do povo
americano. . . A menos importante das razões pelas quais honramos a
Constituição, então, é porque sabemos que ela é nossa. Não diminui nossa
fidelidade à Constituição ou nosso orgulho de suas origens reconhecer que a
afirmação expressa de certos direitos fundamentais por outras nações e povos
simplesmente ressalta a centralidade desses mesmos direitos dentro de nossa
própria herança de liberdade.43

42
Ronald Reagan invocou e elaborou a frase em seu discurso de despedida à nação em 11 de janeiro de
1989, que se referiu aos Estados Unidos como uma "cidade brilhante sobre uma colina". Disponível em
http://www.ronaldreagan.com/sp_21.html, acesso em 5 de julho de 2005.
43
Roper v. Simmons, 543 US 551 (2005) at 1200.
83

O desafio do contextualismo para a empreitada comparativa, embora sério, não


precisa ser fatal. O desafio sugere que o estudo da migração de ideias constitucionais deve
ser feito com grande cautela - mais cautela, eu acho, do que pode ser encontrado em grande
parte da literatura sobre "empréstimo" de ideias constitucionais. Talvez o verdadeiro objeto de
estudo deva ser a maneira como essas ideias constitucionais que migram são transformadas
ao cruzar a fronteira, ou, alternativamente, a maneira como as ideias que parecem ter migrado
têm raízes naturais do país mais profundas do que se poderia pensar, mais profundas até
mesmo do que indicaria a prevalência de citações a fontes estrangeiras.
No final, a observação do juiz Louis Brandeis, ‘se quisermos nos guiar pela luz da
razão, devemos deixar nossas mentes serem ousadas’,44 pode fornecer a melhor defesa para
fazer direito constitucional comparado. Ou, como Claude Lévi-Strauss notavelmente disse,
ideias, como comida, são ‘boas para pensar’.45 Para os estudiosos, isso provavelmente deve
ser suficiente. Aqueles que se dirigem aos formuladores de políticas, incluindo juízes, e aos
próprios formuladores de políticas, devem ser apropriadamente cautelosos sobre o que
acreditam que podem aprender com o estudo do direito constitucional comparado.

44
New State Ice Co. v. Liebmann, 285 US 262 (1932) at 311 (Brandeis J. discordando).
45
C. Lévi-Strauss, Totemism, R. Needham translator (Beacon Press, Boston, 1963), p. 89. observe que
Lévi-Strauss certamente quase omitiu deliberadamente a palavra "com" que a maioria dos leitores parece
inconscientemente inserir em sua frase.

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