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UMA PORTA ABERTA PARA A RENOVAÇÃO: A FUNÇÃO SUBVERSIVA DO DIREITO

COMPARADO
Salah H. Khaled Jr.325

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A questão da finalidade e do estatuto científico do Direito Comparado; 3.


Pequena história da comparação jurídica; 3.1 Fase constitutiva da ciência jurídica comparativa; 3.2 O Direito
Comparado entre as duas grandes guerras; 3.3 O Direito Comparado após a Segunda Guerra Mundial; 4. Os
problemas metodológicos do ponto de vista doutrinário e teórico; 5. Considerações finais: o Direito
Comparado como modo de abordagem de sistemas jurídicos.

1. INTRODUÇÃO
Aprendemos a estudar Direito dentro de um recorte estritamente nacional, restrito ao ordenamento
jurídico pátrio. Os tratados internacionais de maior importância raramente são estudados em
profundidade, quem dirá os sistemas jurídicos de outras nações. Apesar disso, a importância dos estudos
no campo do Direito Comparado é inegável, ainda que seja escassa a produção acadêmica brasileira na
área. No que se refere ao âmbito jurídico-penal, vários trabalhos de relevo foram publicados nos últimos
anos, merecendo especial destaque “Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal”, de Aury Lopes Jr
e “Legalidade, Oportunidade e Consenso no Processo Penal” de Nereu José Giacomolli. São obras que rompem
com o pensamento jurídico monolítico preso a um recorte exclusivamente nacional e observam – desde
seus respectivos enfoques teóricos – os sistemas de vários países, representando contribuições
significativas às questões abordadas.
Em julho de 2016, um grupo significativo de processualistas penais brasileiros viajou a Santiago, no
Chile, para fazer um curso sobre a reforma processual penal chilena. O que aprenderam lá representou
um choque cultural significativo e uma oxigenação democrática necessária: ficou mais claro do que nunca
o quanto é autoritário e arcaico o sistema processual penal brasileiro. Voltaram do Chile revigorados e
repletos de argumentos para combater a intensificação do processo penal de matriz inquisitória e fascista
que ainda prospera no Brasil.
Apesar da existência de algumas obras de peso, a tradição jurídica brasileira costuma dar pouca
importância ao Direito Comparado, algo que é muito distinto da realidade acadêmica europeia. É comum
que uma disciplina de Direito Comparado integre o currículo dos cursos de direito de universidades
europeias, sendo que a discussão da tradição comparatista é considerada como algo essencial à própria
formação de jurista.
Com certeza é uma abordagem que particularmente pode ser de grande valia para minimizar os
problemas de (de)formação que são tão comuns aos bacharéis em direito: mostrando como os sistemas
poderiam ser construídos de forma fundamentalmente distinta, mostram a complexidade que permeia o
Direito e abalam conceitos que normalmente desfrutam de prestígio inatacável. Em outras palavras, o
Direito Comparado pode ser um saudável fator de incerteza para a perpetuação de sistemas jurídicos que
não favorecem a liberdade.
Ferreira de Almeida designa ao Direito Comparado o que chama de função de cultura jurídica,
considerada por ele como provavelmente a mais importante e certamente a mais nobre das funções do
Direito Comparado. Para o autor, o Direito Comparado é ciência auxiliar de todas as disciplinas jurídicas.

325 Professor adjunto de Direito penal, Criminologia, Sistemas Processuais Penais e História das Ideias Jurídicas da Universidade Federal
do Rio Grande – FURG. Professor Permanente do Mestrado em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande –
FURG. Doutor e Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Mestre em História (UFRGS). Especialista em História do Brasil (FAPA).
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (PUCRS). Licenciado em História (FAPA). Líder do Grupo de Pesquisa Hermenêutica e
Ciências Criminais (FURG/CNPq).
No limite, poderá dizer-se – com Zweigert – que, sem Direito Comparado, não há verdadeira ciência
jurídica. O autor chama atenção para o fato de que as concepções e soluções do direito nacional não são as
únicas concebíveis e nem sempre são as melhores; a formação comparativa contraria as tendências para a
auto-suficiência e o chauvinismo, o isolacionismo e o provincianismo.326
O Direito Comparado tem aptidão para ser uma via de conhecimento crítico do direito. Como refere
Muir Watt, é urgente retirar essa disciplina da sombra, do estatuto de parente pobre que ainda tem em
relação a outras matérias julgadas mais sérias, imediatamente mais úteis, notadamente no currículo
universitário, mas também, talvez, entre as fontes de inspiração das decisões judiciárias.327

2. A QUESTÃO DA FINALIDADE E DO ESTATUTO CIENTÍFICO DO DIREITO COMPARADO


A história do Direito Comparado é marcada por inúmeras polêmicas referentes ao método, à
finalidade, ao objeto e ao estatuto científico dessa disciplina. As tentativas de obtenção de uma definição
do Direito Comparado a partir de sua finalidade não se mostraram bem sucedidas e a polêmica quanto à
sua cientificidade (afinal, trata-se de ciência ou apenas de um método?) ainda permanece, em alguma
medida, aberta. Como refere Jimenez Serrano, “O problema da construção teórica e metodológica do
comparativismo jurídico continua sendo um desafio para os pesquisadores e historiadores do Direito.
Sabe-se que, depois de tantas décadas de esforços, de formulação e reformulação teórica desta importante
parte do Direito, ainda não se adotou, de maneira uniforme, uma definição científica acabada sobre o
Direito Comparado”.328
Tanto a questão da finalidade como a questão da cientificidade parecem remeter ao próprio sentido
do Direito Comparado: afinal, qual a contribuição que a comparação jurídica tem a prestar? Rodolfo Sacco
é incisivo ao afirmar que “a assertiva de que uma função utilitária é necessária e essencial para a
legitimação do Direito Comparado é fruto de um mal-entendido hoje quase superado”.329 Segundo Sacco,
“somente para a comparação jurídica se adotam (ou ao menos se adotavam, há trinta anos) um outro peso
e uma outra medida; pensava-se, assim, que deveriam ser-lhe verificadas as finalidades. Esta verificação
tinha tudo para ser concebida como uma espécie de prova liberatória, necessária para garantir a
legitimidade da comparação”.330
Apesar da posição de Sacco, o fato é que continuam sendo levantadas muitas objeções quanto à
utilidade dos estudos no âmbito do Direito Comparado, quanto ao método empregado e seu objeto, assim
como quanto ao seu estatuto científico. O presente texto preocupa-se com essa questão e estrutura-se em
torno da pergunta formulada por Marc Ancel em seu clássico estudo sobre Direito Comparado: quando e
em que condições somos levados a falar em Direito Comparado?331 Trata-se da “[...] questão essencial de
saber qual a tendência do Direito Comparado, se se trata de ciência ou de método e se, verdadeiramente,
existe como tal.332 Ancel questiona: “Por que convém estudar o Direito Comparado e como é preciso
abordar e conduzir semelhante estudo? [...] o como da pesquisa comparativa é frequentemente colocado
em função de seu porquê, pois o fim a que se propõe o comparativista determina, largamente, a técnica de
sua investigação; e ao inverso, os meios disponíveis são em grande parte a condição primeira – e em todo
caso constituem o limite – de sua investigação”.333

326 FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos. Introdução ao Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 1998. p.19. Para Jimenez Serrano, “no
mundo acadêmico (universitário) o Direito Comparado pode ser visto como disciplina jurídica que possibilita ao estudante novos
conhecimentos sobre regras e conceitos específicos”. JIMENEZ SERRANO, Pablo. Como Utilizar o Direito Comparado para a
Elaboração de Tese Científica. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.18.
327 MUIR WATT, Horatia. La Fonction Subversive Du Droit Comparé. In: Revue Internationale de Droit Comparé. Anne 2000, V.52
nº3.
328 JIMENEZ SERRANO, Op. Cit. p.5.
329 SACCO, Rodolfo. Introdução ao Direito Comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.27.
330 Ibid., p.26.
331 ANCEL, Marc. Utilidade e Métodos do Direito Comparado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1980. p.15.
332 Ibid., pp.18-19.
333 Ibid., pp.15-16.
Neste trecho Ancel está referindo o problema da finalidade, que historicamente se mostrou apto a
gerar enormes polêmicas quanto à validade das comparações jurídicas e especialmente, no que diz respeito
ao seu estatuto científico. De acordo com o autor, são basicamente três as principais críticas levantadas
contra toda pesquisa jurídica comparativa334:
a) O direito nacional já é, por si só, suficientemente complexo, ainda mais em tempos de inflação
legislativa.
b) A pretensa ciência comparativa comporta a ilusão de querer conhecer e assimilar o direito estrangeiro.
Importações apressadas e graves erros fazem do Direito Comparado uma fonte de grande confusão.
c) O direito de um país faz parte de seu patrimônio nacional: é fruto da tradição da sociedade onde se
aplica. Em vez de aproximá-lo dos outros sistemas, deve ser defendido de toda alteração vinda do
estrangeiro.
Ancel considera que a última oposição é na realidade a principal. O jurista sempre é mais ou menos
xenófobo em Direito: sua ordem jurídica lhe parece necessária e se lhe afigura justificada pela sua própria
existência. Para Ancel, é contra tal posição que se deve reagir. A ciência pura não conhece fronteiras, nem
línguas, nem políticas. Por que a ciência jurídica deveria se aprisionar nos limites de um só Estado?335 Sixto
Sanchez Lorenzo afirma que embora o conceito de globalização não seja dos seus preferidos, suas
consequências são evidentes. Portanto, como é possível sustentar o isolamento da ciência jurídica com base
no nacionalismo e no positivismo (ideia de direito como direito nacional, por excelência) diante desse
contexto de complexidade?336 Em sentido semelhante, Horatia Muir Watt, em um artigo com o sugestivo
nome de “A Função Subversiva do Direito Comparado”, assinala que a comparação jurídica é uma fonte de
interrogação, de reflexão e de abertura benéfica, portadora de uma mensagem de interdisciplinaridade,
capaz de liberar o raciocínio jurídico de certas opressões conceituais esclerosantes e de abrir outras
possibilidades de leitura. O autor sustenta que a “comparação se engaja contra o dogmatismo, contra os
estereótipos, contra o etnocentrismo, isto é, contra a convicção propagada (seja qual for o país), segundo a
qual as categorias e os conceitos nacionais são os únicos possíveis”.337 Segundo Muir Watt, a riqueza da
comparação jurídica está em revelar a riqueza de um sistema jurídico, escondida por detrás da aparência
redutora, para denunciar em seguida a parcialidade do discurso positivo.338 Para ele, “Tendo visto e
entendido o outro, a percepção pelo comparatista de si mesmo ou do seu próprio direito se acha alterada.
Um dos avanços mais importantes do pensamento comparativo contemporâneo consiste precisamente na
atenção dada a esta percepção crítica da sua própria realidade jurídica informada por um olhar para o
outro”.339
Jescheck também vê no Direito Comparado um importante instrumento de conhecimento, afirmando
que “como existe uma Teoria Geral do Estado e uma Teoria Geral da Economia política, deve ser possível
também uma Teoria Geral do Direito Penal, e na verdade uma que construa não apenas pressupostos
filosóficos-gerais, mas que parta de fundamentos empíricos-comparados”.340 Segundo Marc Ancel, há uma
série de vantagens e benefícios que advém do Direito Comparado341:

334 Ibid., p.16.


335 Ibid., p.17.
336 SÁNCHEZ LORENZO, Sixto. El Derecho Comparado del Siglo XXI. In: Boletín Mexicano de Derecho Comparado, número
conmemorativo, sexagésimo aniversario.
337 MUIR WATT, Op.Cit.
338 O autor refere que na Itália o Direito Comparado se desenvolveu com o trabalho de Cappeletti, precisamente em reação ao positivismo
legalista e sua racionalidade excessiva. Para Muir Watt, percebe-se ali a subversão em todo o seu esplendor: a comparação ali
representou um trabalho ardiloso, conduzido em nome da criação cultural do direito contra uma visão demasiadamente monolítica da
realidade jurídica pautada sobre a potência da lei. MUIR WATT, Op. Cit.
339 Ibidem.
340 JESCHECK, Hans-Heinrich. Desenvolvimento, Tarefas e Método do Direito Comparado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,
2006. Segundo Jescheck, “Um empreendimento desta espécie ampliaria o campo de visão da própria dogmática e aprofundaria o
entendimento acerca do Direito pátrio através do fornecimento de critérios críticos; principalmente melhoraria de maneira substancial
nossos conhecimentos e nossas experiências no campo da eficácia das penas e das medidas”. JESCHECK, Op.Cit. p.43.
341 ANCEL, Op. Cit. pp.17-18.
a) Não há sob a diversidade das leis – ou das legislações – uma unidade, ao menos uma universalidade
do direito, enquanto instrumento da concórdia social e enquanto criação do espírito humano?
Formular essa questão implica, desde logo, justificar o estudo comparado do direito.
b) No terreno prático e concreto, ao inverso, é por demais evidente que o conhecimento do direito
estrangeiro – ao menos o contato com o direito estrangeiro é frequentemente indispensável [...] todos
os sistemas de conflitos de leis admitem, em certos casos, a aplicação da lei estrangeira: é preciso
ignorá-la? Como, de resto, poderíamos fazê-lo, se este mesmo sistema de conflito de leis nos obriga a
confrontar esta lei estrangeira com a nossa ordem pública nacional?
c) O papel formador do Direito Comparado não mais precisa ser relevado. Ele possibilita ao estudante
novas aberturas, fazendo-lhe conhecer outras regras e sistemas diferentes dos seus. Ele permite ao
jurista um melhor conhecimento e uma melhor compreensão do seu direito, cujas características
particulares se evidenciam, muito mais, através de uma comparação com o estrangeiro. A comparação
jurídica fornece ao jurista as perspectivas, as ideias, os argumentos que o simples conhecimento de
seu próprio direito não lhe permitiria.
d) O método comparativo é, em todo caso, necessário para o estudo aprofundado da história do direito
ou da filosofia jurídica. Ele releva ainda, a teoria geral do direito, que somente atinge seu valor quando
abstraída da estreita técnica de um sistema particular. Somente ele pode oferecer uma visão completa,
não compartimentada, do fenômeno jurídico.
e) Enfim, desde a antiguidade, sempre se pensou que o conhecimento dos direitos estrangeiros era de
importância primeira para o legislador. Qual legislação, sobretudo hoje em dia, pode ignorar as
demais?
Os argumentos favoráveis ao Direito Comparado parecem muito mais consistentes do que as críticas
levantadas contra ele. Não é por acaso que René David sustenta que “[...] o Direito Comparado veio a ser
considerado, atualmente, como um elemento necessário de toda a ciência e cultura jurídicas”.342 Entretanto,
isso não significa que mesmo entre os partidários da comparação jurídica exista consenso quanto ao seu
objeto, método, finalidade e estatuto científico: na maioria das vezes em que o termo Direito Comparado
é utilizado, os autores são obrigados a indicar em que sentido o empregam e a partir de que local de fala.
Jayro Mayda fez uma série de críticas, preocupando-se com o estatuto científico do Direito Comparado e
apontou os seguintes problemas como obstáculos a superar: a) conceitos imprecisos e cientificamente
inexatos; b) doutrinas filosóficas de pouco valor científico; c) preocupação com questões irrelevantes; d)
análises puramente descritivas e desprovidas de método.343
Ainda que a postura aqui sustentada seja de defesa da importância do Direito Comparado, a
confusão em torno do termo não é sem razão de ser e relaciona-se ao fato do Direito Comparado ter sido
utilizado com as mais variadas finalidades e sentidos ao longo da história, motivo pelo qual uma
apreciação da trajetória desse campo de saber jurídico se faz necessária.

3. PEQUENA HISTÓRIA DA COMPARAÇÃO JURÍDICA


Para que o problema relativo ao objeto, método, finalidade e estatuto científico do Direito
Comparado possa ser analisado satisfatoriamente, é necessário recorrer à história do desenvolvimento da
disciplina de Direito Comparado, o que passa pela apreciação da trajetória de suas noções fundamentais.
Ancel se pergunta, nesse sentido, “porque e como somente após cem anos é que se pode falar de Direito
Comparado e qual o caminho científico que aqui se chegou. Em cada uma dessas fases o jovem Direito
Comparado se desenvolveu, adquirindo aspectos novos e problemas sucessivos”.344

342 DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.2.
343 MAYDA, Jaro. Algunas Reflexiones Críticas sobre el Derecho Comparado Contemporáneo. In: Boletín Mexicano de Derecho
Comparado. nº. 9, 1970.
344 ANCEL, Op. Cit. pp.18-19.
O Direito Comparado ganhou existência efetiva – ainda que com o estatuto científico em questão –
no século XIX.345 Segundo Jescheck, “o Direito Comparado, no sentido de um método geral, sistemático e
decisivo em razão do emprego de meios técnicos valiosos, começou a se mover somente no século XIX”.346
Para René David, apesar de alguns importantes precedentes, o desenvolvimento do Direito Comparado
como ciência é um fenômeno recente: “há somente um século a importância dos estudos de Direito
Comparado foi reconhecida, o método e os objetivos do Direito Comparado foram sistematicamente
estudados, a própria expressão Direito Comparado foi acolhida e entrou em uso”.347
Ainda que com algum atraso, o fato é que a perspectiva comparatista se desenvolveu quase que
simultaneamente ao surgimento do direito moderno. No entanto, trata-se de um desenvolvimento que se
deu de forma bastante distinta na França e na Alemanha, o que pode ser percebido através dos estudos de
Jescheck e Ancel. Assim, embora já existisse – pelo menos de forma embrionária – um Direito Comparado
no século XIX, seu significado e propósito estavam longe de ser unívocos.
O nascente direito moderno, diante de um modelo cientificista orientado de acordo com o estipulado
pelas chamadas ciências naturais, via-se diante de um problema comum aos vários saberes que se
formavam nos oitocentos: buscava-se a constituição e legitimação de um campo de saber, de um campo
científico. O século XIX foi marcado pela constituição de campos de saber, de disciplinas, de áreas de
atuação de cada ciência, bem como da sua autonomia face às demais. Essa ambição científica esteve
profundamente ligada ao positivismo. Segundo Bobbio, o termo é derivado da contraposição entre direito
positivo e direito natural.348
Resumidamente, foi a partir da afirmação do direito positivo e afastamento das demais fontes que o
direito passou a ser inserido no modelo científico do século XIX. O espírito da codificação nasceu ligado
justamente a essa pretensão científica. Pretendia-se que o direito positivo fosse simples, objetivo e de
aplicabilidade imediata, deixando para trás a interpretação e a pluralidade, que de acordo com aquele
paradigma, conduziam à arbitrariedade.349 Tal crença vinculava-se à pretensão de separação entre
observador e objeto, de forma que o conhecimento científico objetivo implicava a eliminação do indivíduo
e da subjetividade, sendo perturbador quando havia um sujeito nessa relação, pois o mesmo era visto
como um ruído indesejado. Constituía-se assim a grande dicotomia moderna, expressada pelo binômio
sujeito/objeto e razão/emoção. De acordo com essa linha de pensamento, gradativamente era construído
um virtual “amordaçamento” dos juízes e uma exclusão de todas as fontes de interpretação que não a lei
positivada, intenção que foi atingida a partir da codificação, com o Código Napoleônico de 1804.

345 Segundo René David, “a comparação dos direitos, considerados na sua diversidade geográfica é tão antiga como a própria ciência do
direito. O estudo de 153 constituições que regeram cidades gregas ou bárbaras serviu de base ao Tratado que Aristóteles escreveu
sobre a política; Sólon, diz-se, procedeu do mesmo modo para estabelecer as leis de Atenas, e os decênviros, segundo a lenda, só
conceberam a Lei das XII Tábuas depois de uma pesquisa por eles levada a cabo nas cidades da Grande Grécia. Na Idade Média
comparou-se direito romano e direito canônico, e o mesmo aconteceu na Inglaterra onde se discutiu, no século XVI, sobre os méritos
comparados do direito canônico e da common law. A comparação dos costumes serviu, mais tarde, de base aos trabalhos daqueles
que procuram conservar na França um direito comum consuetudinário, na Alemanha um Deutsches Privatrecht. Finalmente,
Montesquieu esforçou-se, pela comparação, por penetrar no espírito das leis e descobrir os princípios de um bom sistema de governo.
DAVID, Op. Cit. p.1.
346 JESCHECK, Op. Cit. p.20
347 DAVID, Op. Cit. p.1.
348 Para Bobbio, “o positivismo jurídico é uma concepção de direito que nasce quando ‘direito positivo’ e ‘direito natural’ não são mais
considerados direito no mesmo sentido, mas o direito positivo passa a ser considerado como direito em sentido próprio. Por obra do
positivismo jurídico ocorre a redução de todo o direito a direito positivo , e o direito natural é excluído da categoria do direito. A partir
desse momento o acréscimo do adjetivo ‘positivo’ ao termo ‘direito’ torna-se um pleonasmo mesmo porque, se quisermos usar uma
fórmula sintética, o positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo”. BOBBIO,
Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1999. p.26.
349 Bobbio afirma que “[...] a concepção racionalista considerava a multiplicidade e a complicação do direito um fruto do arbítrio da
história. As velhas leis deviam, portanto, ser substituídas por um direito simples e unitário, que seria ditado pela ciência da legislação,
uma nova ciência que, interrogando a natureza do homem, estabeleceria quais eram as leis universais e imutáveis que deveriam regular
a conduta do homem. Os iluministas estavam, de fato, convencidos de que o direito histórico, constituído por uma selva de normas
complicadas e arbitrárias, era apenas uma espécie de direito “fenomênico” e que além dele, fundado nas coisas cognoscíveis pela
razão humana, existia o verdadeiro direito”. Ibid., p.65.
Diante desse contexto, o Direito Comparado encontrou grandes dificuldades para florescer na
França. Como aponta Ancel, a partir da promulgação do código de 1804 os juristas franceses mantiveram
por muitas gerações à exegese desse monumento legislativo, acreditando que nele tudo estava ou devia se
deduzir, sem nenhum apelo a outros textos.350 O positivismo jurídico clássico teve o seu desenvolvimento
diretamente relacionado com a codificação, o que levou inclusive à afirmação do dogma da completude
do direito, que estaria completamente inserido nos respectivos códigos. Conforme Ancel, se a influência
exterior do código de 1804 foi grande, não resta dúvida que a política das nacionalidades teve, em seguida,
a consequência de provocar, ou de acentuar, o isolamento das legislações e, portanto, gerar um clima
desfavorável para a comparação jurídica, que se manteve por muitas décadas.351 Segundo René David, “o
desenvolvimento do Direito Comparado foi uma reação contra a nacionalização do direito que se produziu
no século XIX”.352
O primeiro desenvolvimento significativo do Direito Comparado na França ocorre em 1869, quando
é constituída uma Sociedade de Legislação Comparada, cuja criação foi frequentemente considerada como
símbolo do surgimento do Direito Comparado. No mesmo ano foi criada, na Inglaterra, em Oxford, a
primeira cadeira de Direito Comparado, intitulada “Historical and Comparative Jurisprudence”.353
A Sociedade de Legislação Comparada destacou a necessidade de conhecer a legislação e a maneira
de viver de seus vizinhos, tendo como objeto o estudo das leis dos diferentes países e a pesquisa dos meios
práticos de aprimorar os diversos ramos da legislação. Para Ancel, “surge assim, uma primeira concepção
da utilidade do Direito Comparado, qual seja a de informar, de maneira precisa e rigorosa, sobre as
instituições estrangeiras e procurar, nas experiências dos outros países, os meios técnicos de suprir as
lacunas e imperfeições do direito nacional”.354 Trata-se de uma perspectiva que permanecia presa à ótica
do direito nacional, mas que já conformava um avanço diante do isolacionismo provocado pela idolatria
do Código de 1804, corretamente apontada por muitos como um fetiche da lei.
Na Alemanha a codificação foi retardada em praticamente um século pela escola histórica do direito,
cujo maior representante foi Savigny. A escola histórica adotou uma posição de conservadorismo diante
dos ideais revolucionários franceses, o que está relacionado ao contexto histórico da Alemanha não
unificada. Enquanto na França a codificação foi bem sucedida, gerando o primeiro Código da
modernidade em 1804 (Código Civil Napoleônico), na Alemanha a codificação somente se concretizou no
final do século XIX. Como refere Ancel, a ausência de codificação poderia auxiliar no desenvolvimento do
comparativismo, mas pela influência da escola histórica de Savigny (que considerava o direito como
resultado necessário da organização interior da nação e de sua história) prevaleceu um historicismo
fechado sobre si mesmo, no qual o Direito deriva menos das leis existentes do que dos fundamentos e
exigências inelutáveis. Como o autor assinala, qual o interesse então em se preocupar com leis
estrangeiras?355
No entanto, apesar do que aponta Ancel, é importante citar que havia exceções dentro desse contexto:
como refere Jescheck, Feuerbach não desprezava a experiência do método jurídico comparado e inclusive
o utilizava na disputa jurídico-política do seu tempo acerca da reforma do processo penal.356 Outro
exemplo pode ser encontrado em Karl Joseph Anton Mittermaier, que é lembrado por Jescheck e também
por Ancel. Mittermaier é considerado o criador da apresentação comparada na Alemanha. Tornou o
método jurídico-comparado sua principal arma na luta pela reforma do processo comum, avançando do
Direito francês para os sistemas processuais americano, inglês e escocês. Mittermaier apresentou como

350 ANCEL, Op. Cit. p.22.


351 Ibid., p.22.
352 DAVID, Op.Cit. p.2.
353 ANCEL, Op. Cit. p.21. Ferreira de Almeida traz a informação de que o ensino de Direito Comparado foi estabelecido na universidade
de Madrid em 1851, em Oxford 1869 e Paris em 1890, apontando, portanto, o pioneirismo acadêmico espanhol na área. FERREIRA
DE ALMEIDA, Op.Cit. p.13.
354 ANCEL, Op. Cit. p.23.
355 ANCEL, Op.Cit. pp.22.
356 JESCHECK, Op.Cit p.22.
resultado prático da comparação os modernos princípios processuais do acusatório, da oralidade, da
publicidade e da livre valoração da prova, bem como da organização do Ministério Público como uma
autoridade funcional separada do Tribunal. Sem dúvida, pode ser dito que o Direito Comparado não teve
uma mera participação secundária no que diz respeito à rápida e energética vitória do processo de reforma
na Alemanha. 357
De fato, a história do Direito Comparado na Alemanha é rica em exemplos célebres. Franz Von Lizst
fez uma defesa apaixonada do Direito Comparado em sua apresentação comparada do Direito Penal
alemão e estrangeiro:” A ciência do Direito Comparado nos ensina a conhecer a direção de
desenvolvimento, na qual se move a organização da vida social; ela possibilita ao legislador, dentro desta
direção de desenvolvimento, o estabelecimento consciente de fins. Na direção de desenvolvimento da vida
social organizada no Estado, dada empiricamente, eu avisto, portanto, o conhecimento do Direito justo”.358
Os esforços de Von Lizst fizeram com que o método jurídico-comparado se tornasse um método de
auxílio legislativo reconhecido oficialmente. Quase todos os professores alemães de Direito Penal
seguiram o apelo e se entregaram a essa tarefa, que sem dúvida era altamente penosa em face das
dificuldades de material: o Direito Comparado tinha conquistado, na Alemanha, a dogmática jurídico-
penal. Segundo Jescheck, as maiores mentes da moderna Escola voltavam-se aos grandes temas da Política
Criminal; eles mostraram com isso, que tinham descoberto, naquele tempo, sobre qual ramo a Alemanha
podia aprender, principalmente, do estrangeiro.359
No final do século, com a vitória dos partidários da codificação sobre os defensores da Escola
Histórica na Alemanha, surgiu um clima muito favorável ao comparativismo, tornando-se o tema essencial
da comparação a confrontação do velho Código Napoleônico com o jovem B.G.B.360
Diante de um contexto que se mostrava favorável, em 1900 a Sociedade de Legislação Comparada
convocou um congresso internacional de Direito Comparado, que reuniu boa parte dos maiores juristas
da época. Raymond Saleilles, um dos principais participantes, destaca no relatório de síntese do congresso
o caminho percorrido após trinta anos de fundação da Sociedade: “à “vulgarização da vida jurídica
particular dos povos civilizados” que, segundo ele, sinalava o período de 1869, é conveniente substituir
por uma ciência nova, “a ciência do Direito Comparado, no sentido jurídico da palavra”, disciplina nova,
“independente e autônoma”, tendo por objeto “deduzir do conjunto de instituições particulares um fundo
comum, ou ao menos, pontos de aproximação suscetíveis de fazer transparecer, sob a diversidade aparente
das formas, a unidade profunda da vida jurídica universal””361
Segundo Ancel, trata-se de uma profissão de fé que assinala de modo ostensivo o nascimento – ou
renascimento – do Direito Comparado como tal. Para chegar a essa posição, se passou da curiosidade
cosmopolita à consideração de leis; depois, da legislação estrangeira à legislação comparada, para se
alcançar, afinal, o Direito Comparado, isto é, a ciência jurídica comparativa propriamente dita.362 Para o
autor, o desenvolvimento do Direito Comparado passou por três fases sucessivas que precisam ser bem
caracterizadas, uma vez que o porquê da pesquisa comparativa foi compreendido de maneira distinta em
cada uma delas.363

3.1. FASE CONSTITUTIVA DA CIÊNCIA JURÍDICA COMPARATIVA


Ancel considera que essa fase inicia com o Congresso de 1900, cujos trabalhos perfazem dois volumes.
Para Ancel, o Congresso de 1900 pode ser considerado como o ato de nascimento do Direito Comparado
como o conhecemos contemporaneamente, segundo a expressão de H.C. Gutteridge. A ideia dos

357 JESCHECK, Op.Cit. p.23.


358 APUD JESCHECK, Op.Cit. p.21.
359 JESCHECK, Op.Cit. p.25.
360 ANCEL, Op.Cit. p.32.
361 Ibid., p.25.
362 Ibidem. p.25.
363 Ibid., p.29.
comparativistas de então é que a comparação dos direitos devia trazer a lume, sob a diversidade das
soluções nacionais e a divergência das legislações existentes, um fundo comum.A proposta do Direito
Comparado consistiria na tarefa essencial de pesquisar e formular esses princípios comuns.364
A primeira fase de desenvolvimento apontada por Ancel se encaixa no que Ferreira de Almeida
chama de funções utópicas do Direito Comparado.365 Alguns comparatistas acreditaram (ou acreditam)
que o Direito Comparado dispõe de virtualidades que ultrapassam a efêmera verificação e explicação de
semelhanças e diferenças entre sistemas jurídicos, podendo contribuir para a descoberta de tendências
universais ou influenciar o devir das instituições.366 De acordo com Sacco, na época a comparação
perseguia somente o objetivo da descoberta de dados comuns.367 Segundo Saleilles, a ciência do Direito
Comparado, no sentido jurídico do termo, tem como objeto extrair do conjunto de instituições particulares
uma base comum, ou, pelo menos, pontos de contato capazes de trazer à luz a unidade fundamental da
vida jurídica universal.368 De acordo com Ancel, a partir dessa perspectiva, “A comparação metódica das
legislações e das instituições jurídicas deve apenas revelar, sob formulações quiça distintas, que certas
normas de direito positivo se encontram em um e outro sistemas: elas constituem, por conseguinte, as
regras de direito comum legislativo, consoante a expressão de Lambert, e a função essencial do Direito
Comparado consiste, precisamente, em revelar essas regras comuns através de uma realidade jurídica
múltipla. Os comparativistas de 1900, em sua imensa maioria, são, não se deve esquecer, adeptos do
positivismo jurídico”.369
Para Ancel, a busca por um fundo comum produz uma série de consequências para a comparação
jurídica370:
a) Esse direito comum legislativo somente pode existir entre países com o mesmo desenvolvimento
político-social, econômico e moral; neste sentido é que se restringe ao direito dos países civilizados.
b) Pela mesma razão, o comparativista somente deverá comparar coisas comparáveis; e este critério de
comparabilidade restringe a pesquisa comparativa, fazendo surgir certos problemas.
c) Enfim, esse direito comum (salvo exceções negligenciáveis) não se origina da identidade formal das
regras de direito. Não se trata, portanto, como se fazia no século XIX, de revelar as concordâncias entre
o Código Napoleônico, por exemplo, e tal ou qual código estrangeiro. É preciso superar a divergência
das regras para reencontrar a unidade essencial do direito.
Não é por acaso que os comparatistas procuravam um fundo comum. É exatamente esse fundo
comum que lhes garantiria a tão desejada legitimidade científica, a partir das premissas da cientificidade
moderna.371 Para o paradigma científico oitocentista, a ideia de transitoriedade do conhecimento era
inaceitável: a intenção consistia em atingir verdades absolutas e universais. Pode ser percebido que os
comparatistas permaneciam presos a ideais científicos modernos, como a “[...] crença característica do
século XIX de que se poderia colher a verdade e a certeza, de certo modo, da generalidade de um
desenvolvimento, de que se deveria olhar apenas o “tear corrente da época” para, ainda que nem sempre,

364 ANCEL, Op.Cit. p.29


365 FERREIRA DE ALMEIDA, Op.Cit. p.15.
366 Segundo Ferreira de Almeida, é o caso de a) Kohler: verificação de tendências na evolução dos direitos; b) Rabel: formação de uma
ciência jurídica universal;c) Saleilles: descoberta de um fundamento comum (direito comum da humanidade civilizada) e
determinação de instituições ideais; d) Schlesinger: descoberta de um fundamento comum (common core ou common ground); e) A.
Tunc: contribuição para uma melhor compreensão entre as nações. Ibid., p.15.
367 SACCO, Op.Cit. p.29.
368 APUD SACCO, Op.Cit. p.29.
369 ANCEL, Op.Cit. p.30.
370 Ibid., p.30.
371 Como sustenta Ruth Gauer, “A ciência moderna criou premissas e métodos vinculados a uma verdade totalizante. O conhecimento
foi tido como absoluto, cabal, universal e eterno. As premissas que embasaram essa concepção de ciência e que serviram como
pressupostos para o direito estão estruturadas na experimentação, objetividade, neutralidade e generalização. Essas premissas se
complementam e demarcam o conhecimento científico. A experimentação trouxe a primazia da técnica, a objetividade sustentou o
discurso da neutralidade do cientista assim como a do juiz”. GAUER, Ruth M. Chittó. O reino da estupidez e o reino da razão. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.9.
se obter conhecimentos válidos em geral. 372 Sacco aponta que “[...] nenhuma ciência deve preestabelecer
os resultados de suas pesquisas. A comparação, da mesma forma, não deve escolher de antemão o que
encontrará. Poderá encontrar concordâncias, princípios (mais ou menos transcendentes) uniformes,
núcleos comuns. Deve estar pronta a encontrar discordâncias, princípios contrapostos, núcleos
diversificados”. 373
Jescheck sustenta um ponto de vista semelhante ao acima explicitado: “naturalmente é preciso ser
capaz de mudar o próprio ponto de partida, logo que se trate de decisões jurídico-políticas, pois a base
espiritual para toda comparação está justamente na disposição para se deixar informar melhor”.374Para o
autor, “o estímulo ao trabalho comparativo está justamente na vinculação de modos de pensar e de
trabalhar heterogêneos e, até certo grau, opostos”.375
De qualquer modo, a partir da perspectiva adotada em 1900, à pura e simples legislação comparada
sucede um Direito Comparado, que não mais se limita à comparação de textos e de leis, mas leva em
consideração a jurisprudência, a prática, as doutrinas dos autores e, inclusive, a formação histórica e a
evolução de conjunto de um regime jurídico determinado, em busca da unidade e do fundo comum
almejados. Ancel destaca que surge assim uma noção nova: a de sistema jurídico enquanto complexo ético-
jurídico-social, diverso da legislação normativa de um país determinado. Trata-se de um objeto complexo,
mas a concepção comparativa desabrochou em 1900 em um ambiente de euforia.376
No que se refere ao contexto alemão, merece menção a importância assumida antes da Primeira
Guerra Mundial pela Associação Internacional de Criminalística (Internationale Kriminalistische Vereinigung
– IKV), que se tornou o grande repositório da Moderna Escola Sociológica alemã. Sua finalidade era o
estudo constante do Direito Comparado para a promoção do progresso legal e científico e a realizou neste
âmbito através da cooperação dos seus vários grupos regionais europeus e extra-europeus, que, ainda hoje,
na forma de anais de congressos publicados com informações da IKV, são de valor inestimável.377

3.2. O DIREITO COMPARADO ENTRE AS DUAS GRANDES GUERRAS


De acordo com Ancel, a segunda fase do desenvolvimento comparativista ocorre após a Primeira
Guerra Mundial. Rodolfo Sacco faz críticas contundentes ao sentido que o Direito Comparado adquiriu
no período: “A partir do término da Primeira Guerra Mundial, os comparatistas se propuseram a não mais
encontrar as concordâncias, mas a criá-las. Desfraldaram o ideal da unificação, ou pelo menos da
uniformização do direito. E, fato dos mais significativos em uma história da ciência, pensaram que a
própria finalidade da comparação, e dela indissociável, fosse a unificação”.378
Como aponta Ancel, o foco se deslocava para o plano da unificação dos direitos, enquanto os
comparativistas de 1900 pretenderam simplesmente pesquisar, descobrir ou constatar as semelhanças já
existentes entre as legislações e as constantes jurídicas entre os sistemas.379 A aproximação das instituições
jurídicas passou a não ter mais somente por fim depreender a unidade de um direito subjacente às
expressões nacionais, mas deveria conduzir também as nações, doravante constituídas em sociedade
internacional, a um direito único ou uniforme, ao mesmo tempo símbolo de sua compreensão e garantia

372 JESCHECK, Op.Cit. p.21.


373 SACCO, Op.Cit. p.30.
374 JESCHECK, Op.Cit. p.53.
375 Ibid., p.54.
376 Para Ancel, o entusiasmo se explica por três motivos: “inicialmente, uma certa confiança entusiástica na ciência. Estamos ainda na
época em que cremos poder tudo alcançar, e nada temer, no que diz respeito ao progresso científico. Este progresso, então incerto,
concorre necessariamente, acredita-se também, o que hoje nos parece discutível, com um progresso humano, e somente a ciência pode
oferecer – outra ilusão – os novos meios de proteger o homem. Na medida em que o estudo comparativo pretende ser rigorosamente
científico, ele tende a ultrapassar os egoísmos nacionais e permitir a cada um aproveitar as descobertas dos outros. O Direito
Comparado se coloca também sob o signo da confiança absoluta que se tinha então nas possibilidades da ciência. Há um espírito de
cientificismo nos comparatistas de 1900”. ANCEL, Op.Cit. p.31.
377 JESCHECK, Op.Cit. p.29.
378 SACCO, Op.Cit. p.31.
379 ANCEL, Op.Cit. p.34.
de seu entendimento pacífico.380 Sacco afasta – poderia ser dito até que ridiculariza – por completo a ideia
de Direito Comparado como meio de compreensão entre os povos: “Um sentimento “meloso” tem de fato
sugerido a ideia de que a comparação aumentaria a compreensão entre os povos e contribuiria para a
coexistência das nações. Uma ideia como essa nos levaria a crer que os poderes políticos que
desencadearam as duas guerras mundiais talvez tivessem sido freados nos limiares da catástrofe, caso
tivessem seguido cursos de Direito Comparado”.381
Em síntese, Sacco afirma que o desenvolvimento da ciência comparatista não é condição suficiente,
nem condição necessária, para a unificação do direito.382 Portanto, trata-se de uma disposição inteiramente
vã e equivocada. Mas essa não foi a única tendência do período, embora pareça ter sido, ao menos em
âmbito internacional, a prevalecente.
O contexto entre as duas grandes guerras produziu uma inovação importante, que se deu a partir de
1920: a comparação entre os ditos direitos latinos e direitos germânicos (que eram o parâmetro seguro das
coisas comparáveis) começou a perder relevância uma vez que os comparativistas do continente
conscientizavam-se da existência, importância e extensão do sistema da common law.383 Segundo Ancel, a
comparação passou a se dar no período entre guerras, primordialmente entre common law e civil law.384
Assim, a comparação do início do século entre o B.G.B. e o Código Francês decresceu em importância.
Para Jescheck, após a Primeira Guerra Mundial, não se realizava mais a ampla cooperação
internacional de outrora, o que com certeza é correto em relação à contribuição alemã.385 O legado da IKV
no âmbito internacional foi apresentado após a Primeira Guerra Mundial com a Association Internationale
de Droit Pénal, que foi fundada em 1924 sob liderança francesa – mas não sem um propósito político. Como
uma ramificação colateral, a partir dessa associação surgia, no ano de 1927, o Bureau International pour l’
Unification du Droit Pénal em Paris; a criação foi uma expressão dos esforços de uniformização dos anos 20
e deveria servir principalmente de apoio para os trabalhos de codificação do Direito Penal nos Estados
europeus do leste e do sudeste. As duas associações organizaram uma série de congressos, cujas atas
continham materiais importantes. No entanto, Jescheck assinala que “a perceptível tensão na relação com
o grupo regional alemão da IKV até o ano de 1932 não pode ser resolvida, apesar do fiel trabalho de
intermediação realizado por Ernst Delaquis”.386
Ainda no contexto alemão, Wolfgang Mittermaier, neto de Karl Mittermaier, apresentou em 1927 um
projeto de uma Parte Geral do Código Penal Alemão de maneira jurídico-comparada, onde constavam os
mais importantes problemas político-criminais, as questões do Direito Penal Internacional e alguns tipos
penais da Parte Especial altamente controvertidos.387 Assim, na Alemanha, o Direito Penal comparado se
tornou um método de investigação científica reconhecido de modo geral, o qual, aliás, encontrou acolhida
na jurisprudência.388 As traduções dos Códigos Penais de fora da Alemanha apareceram novamente de
forma rápida e inclusive surgiu um periódico de Direito Penal comparado, quer era editado pelo grupo de
Direito Penal da Sociedade Alemã de Direito Comparado.389
Ainda dentro do espírito de unificação, a XI e XII Assembléia da Liga das Nações (1930 e 1931)
decidiram iniciar um trabalho conjunto com as grandes organizações jurídico-penais.390 A Alemanha, no
entanto, passou a se isolar cada vez mais a partir de 1933. O país adentrava o período nacional-socialista e
com isso a comparação jurídica deixava de ter importância, pois o que interessava era fundamentar o novo

380 Ibid., p.34.


381 SACCO, Op.Cit. p.27.
382 Ibid., p.32.
383 ANCEL, Op.Cit. p.35.
384 Ibid., p.36.
385 JESCHECK, Op.Cit. p.29.
386 Ibid., pp.30-31.
387 Ibid., p.26.
388 Ibidem.
389 Ibid., p.27.
390 Ibid., p.31.
Direito Penal alemão.391 Como destaca Ancel, o clima favorável para comparação foi abandonado logo em
seguida: o cataclisma de 1939-1945 assinalou o eclipse do Direito Comparado.392 Posteriormente a
Organização das Nações Unidas assumiu a direção da cooperação jurídico-penal internacional. 393

3.3. O DIREITO COMPARADO APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL


Os esforços de retomada de cooperação jurídica que ocorreram após a Primeira Guerra Mundial não
foram atingidos; a pretensão de unificação não foi bem sucedida. O antigo clima de confiança e de
otimismo da virada do século havia desaparecido; o cenário era de grande tensão. A confrontação de
sistemas introduzia novos e delicados problemas: para Ancel, o Direito Comparado atravessava uma
crise.394
Jescheck, que escreveu sua obra sobre Direito Comparado na década de 50, refere que a retomada da
Alemanha na cooperação jurídico-penal após a Segunda Guerra Mundial, abstraindo disso todos os
obstáculos de ordem psicológica, encontrou muitas dificuldades técnicas “[...] de modo que o país, cuja
ciência jurídico-penal possuía validade mundial, hoje não mais apresenta relações oficiais com a central
de cooperação internacional jurídico-penal”.395
Outro acontecimento que merece destaque no contexto da época é a entrada em cena de um novo
regime jurídico no Leste Europeu. Segundo Ancel, era um sistema que somente poderia ser explicado a
partir de sua estrutura econômico-social, radicalmente diferente da de outros países. Assim, em 1900
predominava a comparação germano-latina; a partir de 1925, a comparação entre sistema continental e
sistema anglo-americano e após a Segunda Guerra, a comparação entre direito ocidental e direito socialista.
Foi reconhecida a existência de um terceiro grande sistema.396

4. OS PROBLEMAS METODOLÓGICOS DO PONTO DE VISTA DOUTRINÁRIO E TEÓRICO


Uma vez que já foram traçadas as linhas por onde se desenvolveu a comparação jurídica no século
XIX e nas décadas iniciais do século XX, abre-se o espaço para dar início à discussão contemporânea em
torno do objeto, método e fim do Direito Comparado, assim como de seu controverso estatuto científico.
Os autores sempre procuraram definir o Direito Comparado a partir da sua finalidade, sendo assim
proposta sua natureza e método. Para Ancel, essa “[...] constatação já deixa dúvida sobre a legitimidade
dessa conduta científica: pois uma ciência se propõe inicialmente à sistematização dos conhecimentos
relativos a uma ordem particular de fenômenos e sua finalidade é o próprio conhecimento. No entanto, o
próprio Direito pode ser visto como uma arte tanto quanto uma ciência na medida em que ele se propõe a
outro fim que não o conhecimento sistemático desinteressado”.397
Pode ser percebido que de forma subjacente ao problema da cientificidade do Direito Comparado
está a própria consideração do Direito como ciência, o que conduz a exigência de finalidade, embora ela
não seja uma característica indispensável ao conhecimento científico de forma geral. De qualquer forma,
foi a partir dessa perspectiva que desenvolveram-se três direções principais da sistemática comparativa
na primeira metade do século, como apontadas por Marc Ancel: a) as noções de estudo do conjunto dos
direitos positivos em sua evolução e realidade efetiva; b) um Direito Comparado normativo, que se esforça
em descobrir os princípios comuns das nações civilizadas, chegando à ideia de uma ciência universal do
direito; c) superação sistemática dos particularismos nacionais, procurando fornecer as bases de um
sistema jurídico universal. Como refere Ancel, a preocupação se dá em função de realizações concretas e

391 Sobre este terrível período ver MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o Direito Penal de seu Tempo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005.
392 ANCEL, Op.Cit. p.37.
393 JESCHECK, Op.Cit. p.32.
394 ANCEL, Op.Cit. p.37.
395 JESCHECK, Op.Cit. p.36.
396 ANCEL, Op.Cit. p.38.
397 ANCEL, Op.Cit. p.44.
não de especulações metodológicas.398 Trata-se da obsessão em torno da finalidade do Direito Comparado,
que é criticada duramente por Sacco: “[...] existem aqueles que acreditam tecer um elogio todo especial à
comparação, ao enumerar-lhe as finalidades conexas com várias formas de progresso e profilaxia social,
entre as quais se destacam a melhor compreensão entre os povos, a criação de um melhor direito
internacional público, a uniformização e a unificação das normas jurídicas e o aperfeiçoamento do direito
nacional [...] Há quem queira condicionar o próprio reconhecimento da validade científica da comparação
à sua capacidade de atingir esta ou aquela finalidade prática – preparando em concreto, o advento de um
direito melhor [...] a especulação sem objetivo a respeito dos modelos jurídicos de diversos ordenamentos
seria puro empirismo ou um exercício erudito, mas não ciência”.399
O problema de exigência de uma finalidade prática para o Direito Comparado é, sem dúvida, um
dos mais marcantes da história dessa disciplina e algo que costuma ser levantado como critério máximo
de sua legitimidade científica; motivo pelo qual a crítica de Sacco é mais do que acertada. Finalidade
prática e estatuto científico não são termos equivalentes. Nesse sentido, Ferreira de Almeida sustenta que:
“Uma perspectiva mais céptica, que é também a mais divulgada, afirma que o Direito Comparado deve
ter aspirações mais realistas. Como sucede em outras ciências, a investigação pode dirigir-se a finalidades
utilitárias (relativas aos direitos nacionais, à uniformização e harmonização de direitos, à construção de
regras de aplicação subsidiária) ou ter uma função “pura”, de natureza cultural, em que está ausente
qualquer objetivo pragmático”.400
A posição de Ferreira de Almeida parece ser a mais condizente: de um lado não nega uma eventual
finalidade prática, mas não considera que esta é constitutiva ou necessária ao conhecimento construído
pela atividade dos comparatistas.
Após a Segunda Guerra Mundial surgem modificações significativas quanto aos propósitos e
enfoque do Direito Comparado. No entanto, tais modificações em nada diminuem a controvérsia em torno
de sua cientificidade: pelo contrário, é a partir daí que ela é colocada em questão de forma mais aguda.
Surge a Escola Crítica, cujo caráter é acentuadamente contestatório e marca o rompimento com as
concepções anteriores. Em 1946 é publicada a célebre obra Comparative Law, onde H.C. Gutteridge afirma
que o Direito Comparado não é, como se afirmava até então, um ramo autônomo da ciência jurídica: ele
consiste unicamente no emprego de um método particular, o método comparativo, o qual pode – e deve –
ser usado em todos os ramos do direito. 401 O estatuto científico do Direito Comparado é colocado em
xeque de forma inédita até então, inaugurando uma polêmica que não pode ser considerada assentada até
os dias de hoje.
Essa doutrina pôs fim a algumas controvérsias estéreis e produziu três consequências importantes:
a) o método comparativo, essência e substância do novo Direito Comparado, deve ser definido,
aprofundado e mesmo ensinado por si só; b) o método comparativo pressupõe o conhecimento exato dos
dois termos da comparação, isto é, do direito nacional, do qual parte naturalmente o jurista, e também do
ou dos direitos que se pretende com ele comparar; e este conhecimento não compreende regras que devem
ser justapostas, mas o conjunto do sistema estrangeiro sob a ótica de sua estrutura, de suas fontes, de seu
conhecimento efetivo; c) Daí a importância primordial reconhecida ao estudo dos sistemas de direito
estrangeiro, que bem cedo se tornou o objeto primeiro, senão, talvez, até o objeto único do Direito
Comparado em sua nova acepção.402 O sucesso dessa teoria crítica foi enorme, sobretudo junto àqueles
que, por diversas razões, desconfiavam de toda aproximação unificadora das legislações.403
A teoria crítica parte de uma dupla constatação: após cinquenta anos, ainda não se chegou a formular
uma definição de Direito Comparado aceita por todos e as discussões metodológicas sobre a função, a

398 Ibid., pp.45-46.


399 SACCO, Op.Cit. p.26.
400 FERREIRA DE ALMEIDA, Op. Cit. p.15.
401 ANCEL, Op.Cit. p.39.
402 ANCEL, Op.Cit. p.47.
403 Ibid., p.48.
natureza e a posição do Direito Comparado, face às outras ciências jurídicas, resultaram apenas na maior
confusão.404 Segundo Jimenez Serrano, “Comparar significa examinar simultaneamente duas ou mais
coisas ou ideias, para lhes determinar semelhanças, diferenças ou relações. Assim, a comparação científica
consiste na atividade pela qual se determina o caráter das ideias ou se confrontam duas ou várias coisas
com o objetivo de cotejá-las, igualá-las ou unificá-las”.405
Para o autor, “podemos considerar que o Direito Comparado é uma parte da ciência do Direito e,
embora sejam científicas as suas formulações, tal parte ou fragmentação do Direito não poderia ser
considerada ”ciência” por sua falta de independência e autonomia”.406 Segundo Serrano, “[...] não há
Direito Comparado no sentido em que se fala de Direito Civil, de Direito Penal ou de Direito
Administrativo; a expressão é, destarte, equívoca, por se considerar que o Direito Comparado não tem um
objeto próprio, como o têm os diferentes ramos do direito. O Direito Comparado, mais que um ramo, é
método jurídico de comparação que se aplica às matérias que pertencem a um outro ramo do Direito, ou
melhor, um modo científico de unificação (coordenação) e aperfeiçoamento dos institutos jurídicos
vigentes”.407
Serrano afirma que o método comparativo é algo de caráter genérico e desconstitui, portanto, o
Direito Comparado como ciência. Para ele, a comparação do Direito é um método de pesquisa jurídica,
“[...] sendo um conjunto de procedimentos que orientam a confrontação de sistemas (ordens ou
ordenamentos), institutos, normas, regras, teorias e doutrinas jurídicas para, de forma coerente e
sistemática, determinar as semelhanças e diferenças existentes entre as legislações nacionais e
estrangeiras.408 Ao discutir a definição do Direito Comparado como método ou ciência, Jescheck se
posiciona de forma semelhante ao sustentar que “A resposta evidentemente depende daquilo que se
compreende sob estes conceitos. Se se parte de que uma ciência é caracterizada principalmente pela
delimitação do seu objeto, enquanto que no método a forma de pensar e de investigar é visível, deveríamos
designar o Direito Comparado como um método, e na verdade um método universal, pois ele pode ser
aplicado a todos os âmbitos da ciência jurídica com os mais diferentes fins”.409
Ancel considera que a teoria da Escola Crítica é questionável sob alguns aspectos, particularmente
no que tange à afirmação de que o Direito Comparado é apenas um método. Para ele, ao mesmo tempo
que afirma a inexistência do comparativista e do Direito Comparado nos moldes de 1900 e 1925, a teoria
propõe exigências prévias à utilização do método comparativo, que reclamam uma especialização do
pesquisador e uma especificidade da pesquisa, dirigida de início ao conhecimento exato dos sistemas
estrangeiros. Fica a pergunta: não se trata então, de fazer ressurgir em novos moldes o Direito Comparado
e o comparativista?410
A partir da perspectiva da Escola Crítica, surge uma orientação diferenciada: as leis devem ser
estudadas à luz de sua finalidade sócio-econômica, sendo necessário fixar-se mais no seu aspecto dinâmico
do que no estático, mais à sua significação real do que na análise puramente doutrinária. Todavia, como
Ancel considera, essa pretensão estabelece um objeto, o que parece caracterizar uma ciência e não somente
um método.411 Outro aspecto relevante da nova abordagem é o que Ancel chama de estraneidade, que
transforma radicalmente o processo de comparação, uma vez que a partir daí os sistemas comparados
sempre serão considerados como sistemas distintos, inicialmente não conhecidos ou não assimilados. Ou
seja, a pesquisa jamais poderá ser conduzida da mesma forma que o seria se fosse relativa a um ramo do
direito interno.412

404 Ibid., p.47.


405 JIMENEZ SERRANO, Op.Cit. p.3.
406 Ibid., p.12.
407 JIMENEZ SERRANO, Op.Cit. p.17.
408 Ibid., p.20.
409 JESCHECK, Op.Cit. p.52.
410 ANCEL, Op.Cit. p.49.
411 Ibid., p.49.
412 Ibid., p.50.
Para Ancel este “novo Direito Comparado” continua a ser uma ciência, o que ele sustenta a partir de
dois aspectos distintos, mas complementares:
a) A ideia de geografia jurídica, enquanto paralela à história das instituições jurídicas, acompanhada da
tarefa de reconhecimento das grandes famílias de direito do mundo moderno. Para ele, a dimensão
geográfica e de evolução histórica da pesquisa comparativa revela-se, de maneira indiscutível, de
caráter científico.
b) A comparação implica um método que é característico de uma ciência que, mesmo admitindo-se não
ter um objeto próprio no início, chega, ao termo da pesquisa, a um resultado, a um produto que se
torna objeto de uma ciência específica. Nas palavras de Ancel, “se o método existe apenas quando
empregado, é porque se trata de um meio, e não de um fim, e menos ainda de um objeto de
conhecimento: e o objeto é precisamente este resultado, o qual é distinto do estudo da mesma matéria
na ordem interna”. Para o autor, a ciência comparativa constrói, por si só, seu objeto final e a esta
construção objetiva não se pode legitimamente contestar o título ou a expressão Direito Comparado.
O Direito Comparado torna-se a matéria de um conjunto de conhecimentos sistematicamente
organizados, o que para Ancel, é a característica fundamental de uma ciência.413
Segundo Ancel, o Direito Comparado consiste em uma arte: a arte da aproximação, da unificação e
do aperfeiçoamento das instituições vigentes, mas lhe parece difícil que possa ser negado seu caráter
científico, mesmo que não tenha sido concebido como tal pelos que o construíram.414 De acordo com René
David, “[...] para a maior parte, o Direito Comparado será apenas um método, o método comparativo,
podendo servir para os mais variados fins a que ele se propõe”.415 Mas “pelo contrário, para outros, pode
se conceber que o Direito Comparado seja uma verdadeira ciência, um ramo autônomo do direito, se a
preocupação for concentrada sobre os próprios direitos estrangeiros e sobre a comparação que importa,
em diferentes aspectos, facilitar o direito nacional”.416 Segundo o autor, existem juristas que fazem uso do
Direito Comparado e há comparatistas. Ferreira de Almeida constata que “Para alguns juristas (geralmente
para aqueles que não se dedicam à comparação jurídica, mas também para comparatistas como
Gutteridge), o Direito Comparado é apenas um método, porque não tem objeto próprio e definido. Esta
posição constitui uma extrapolação inadequada de critérios de disciplinas que correspondem aos
chamados ramos de direito. Na verdade, o Direito Comparado, para além de usar um método específico
(o método comparativo), tem também um objeto próprio que é constituído precisamente por uma
pluralidade de ordens jurídicas”.417
Para Constantinescu, o Direito Comparado é uma ciência autônoma cujo objeto exclusivo é a
comparação entre sistemas jurídicos considerados na sua globalidade (macrocomparação).418 Ferreira de
Almeida conclui (seguindo Zweigert) que o Direito Comparado é uma ciência autônoma, que se subdivide
em dois ramos ou vertentes complementares – a macrocomparação e a microcomparação (comparação de
institutos jurídicos afins em ordens jurídicas diferentes).419 Uma citação extensa de Rodolfo Sacco parece
resolver em definitivo o problema, uma vez que seus argumentos são muito bem embasados: “Em cada
caso, cada disciplina é em parte ciência, em parte método. Em sentido mais estrito, pode-se entender como
método um conjunto de procedimentos pré-escolhidos para chegar a certos resultados (e dever-se-ia então
entender por ciência em sentido estrito um particular campo de indagação, ou então um certo domínio de
dados). Isto posto, pode-se ver como não existe um único modo de comparar: é reciprocamente possível
utilizar métodos diversos (estruturalismo, funcionalismo etc.) na comparação; e pode-se ver também como
existe efetivamente um âmbito particular de fenômenos dos quais se ocupa a comparação a respeito de
outras disciplinas jurídicas – a circulação de modelos; as suas dissociações e relações internas; as
homologações e a correspondentes comparações. Quem diz que a comparação é método, tem uma visão

413 Ibid., p.51.


414 Ibid., p.51.
415 DAVID, Op.Cit.. p.9.
416 Ibid., pp.9-10.
417 FERREIRA DE ALMEIDA, Op.Cit. p.30.
418 Ibidem.
419 Ibid., p.31.
limitada do método da comparação (porque não observa que se podem usar mais métodos para comparar,
e que não existem o método puro de comparar), quando não tem uma visão limitada dos seus escopos e
do seu objeto (porque não observa, ou não conhece, o seu específico, e já desenvolvido, campo de
indagação)”.420
De fato, Sacco parece sepultar a questão, embora seja importante ressaltar que é uma polêmica que
não parece mais ser relevante. Independentemente do seu estatuto científico (que já deixou há muito de
ser um critério irrefutável de legitimidade) o Direito Comparado é um saber, que certamente é de grande
importância para o jurista, apesar da nomenclatura utilizada para designá-lo ser reconhecidamente infeliz.
O Direito Comparado é essencialmente um processo de comparação e nesse sentido a expressão Direito
Comparado pôde ser legitimamente criticada; não há Direito Comparado no sentido em que se fala de
Direito Penal, por exemplo. A expressão alemã rechtsvergleichung é certamente preferível. Mas o termo
Direito Comparado é tão corrente e aceito que para Ancel, não seria correto modificá-lo ou mesmo discuti-
lo.421 Segundo Fix-Zamudio, uma vez que se trata de uma comparação entre ordenamentos jurídicos, o
termo comparação jurídica parece mais apropriado. Outros termos como método jurídico comparativo,
estudo comparativo do direito e ciência jurídica comparativa também parecem mais corretos. Mas por
uma questão prática (devido à sua difusão), o termo Direito Comparado é utilizado, ainda que seja
reconhecida sua incorreção.422

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O DIREITO COMPARADO COMO MODO DE ABORDAGEM DE


SISTEMAS JURÍDICOS
John Henry Merryman procurou esclarecer o Direito Comparado a partir de três dimensões: a) o que
– o objeto; b) como – o método e c) para – fim. Não por acaso, o título de seu artigo é “Fins, objeto e método
do Direito Comparado”.423 Segundo Ferreira de Almeida, o Direito Comparado deve ser pensado como
estudo comparativo de direitos e, logo, Direito Comparado significa comparação de direitos. Direitos têm
nesta acepção sentido equivalente a sistemas jurídicos (ou ordens jurídicas). Portanto, comparação é a
atividade que consiste em estabelecer sistematicamente semelhanças e diferenças, isto é, pesquisar e
relacionar semelhanças e diferenças segundo um método adequado a um objetivo. Assim, numa primeira
noção, dir-se-á que o Direito Comparado (ou estudo comparativo de direitos) é a disciplina jurídica que
tem por objeto estabelecer sistematicamente semelhanças e diferenças entre ordens jurídicas.424
Segundo Ferreira de Almeida, a comparação se divide em duas espécies. A macrocomparação
realiza-se pela comparação entre sistemas jurídicos considerados na sua globalidade.425 Sistemas jurídicos
(ou ordens jurídicas) são conjuntos coerentes de normas e de instituições jurídicas que vigoram em relação
a um dado espaço e/ou certa comunidade.426 Já a microcomparação consiste na comparação entre institutos
jurídicos afins em ordens jurídicas diferentes.427 O autor designa por “[...]instituto jurídico um conjunto de
normas, princípios, instituições e organizações de natureza jurídica que, numa dada ordem jurídica,
possam ser tomados unitariamente sob certa perspectiva ou critério”.428 Assim, “O Direito Comparado
pode ser definido de modo analítico como a disciplina que tem por objeto estabelecer sistematicamente
semelhanças e diferenças entre sistemas jurídicos considerados na sua globalidade (macrocomparação) e
entre institutos jurídicos afins em ordens jurídicas diferentes (microcomparação) [...] O Direito Comparado

420 SACCO, Op.Cit. pp.33-34.


421 ANCEL, Op.Cit. p.45.
422 FIX-ZAMUDIO, Op.Cit..
423 MERRYMAN, John Henry. Fines, Objeto y Metodo del Derecho Comparado. In: Boletin Mexicano de Derecho Comparado -. Nueva
Serie – Año IX.
424 FERREIRA DE ALMEIDA, Op.Cit.
425 Ibid., p.9.
426 Ibid., p.10.
427 Ibidem.
428 Ibid., p.11.
se distingue do simples estudo de direitos estrangeiros pela utilização do método comparativo e pela
apresentação de conclusões (síntese comparativa)”.429
Ancel destaca que o termo sistema jurídico tem dois sentidos, o primeiro, estrito (sistema francês
contra sistema italiano, por exemplo) e o segundo (amplo sistema continental contra sistema anglo-
americano). Para evitar a ambiguidade, alguns comparativistas, como René David, preferem falar no
segundo sentido em família de direito. O termo sistema jurídico costuma ser empregado de forma
contemporânea no segundo sentido. Na definição de Ancel, “[...] se entende por sistema jurídico um
conjunto mais ou menos amplo de legislações nacionais, unidas por uma comunidade de origem, de fontes,
de concepções fundamentais, de métodos e processos de desenvolvimento”.430 Os sistemas dividem-se em
grupos essenciais e completamentares. Os primeiros dividem-se em a) Sistema romano-germânico; b)
Sistema de common law; c) Sistema socialista. Os segundos dividem-se em a) Sistemas religiosos; b) Sistema
de novos países de terceiro mundo (África e Ásia).
Ferreira afirma que o Direito Comparado tem duas grandes finalidades. Em primeiro lugar, destaca
as funções relativas aos direitos nacionais: a) melhor conhecimento do sistema jurídico e seus institutos,
propiciado pela evidência de originalidades ou de características afins a outros sistemas; b) interpretação
de normas jurídicas, maxime quando tenham sido inspiradas em estudos comparativos; c) aplicação de
regras de direito, com destaque para as de direito internacional privado e para aquelas cuja aplicação
depende de reciprocidade ou que dêem prevalência ao direito mais favorável; d) integração de lacunas
quando a liberdade do julgador possa apoiar-se em tendências verificadas nos outros direitos; e)
instrumento de política legislativa.431 Por outro lado, o autor afirma que o Direito Comparado é também
meio eficaz para o correto conhecimento e aplicação de direitos estrangeiros. Juristas que estudam a
macrocomparação e dominam os métodos comparativos ficam melhor preparados para: a) alegação e
prova de direitos estrangeiros perante os tribunais nacionais; b) negociação e interpretação de contratos
internacionais ou redigidos numa língua estrangeira; c) participação em reuniões jurídicas internacionais
e em litígios dirimidos perante tribunais arbitrais internacionais; d) desenvolvimento de ações de
cooperação jurídica, em especial as relativas à produção legislativa.432
A comparação em Direito Comparado tende a ser atual e sincrônica, reportando-se à situação
contemporânea de cada um dos sistemas jurídicos em comparação. Assim se distingue, pelo objeto, de
outras disciplinas jurídicas comparativas, tais como a história do direito (que envolve uma visão
diacrônica) e a história comparativa do direito (que compara a evolução de vários sistemas). De acordo
com Sacco, “a comparação tem uma visão fática do direito e diacrônica (além de sincrônica) e por isso é
encontrada nos dados de fato que determinam ou paralisam o impulso em direção à inovação jurídica”.433
O autor destaca que a comparação acompanha o conhecimento dos modelos, pois só é possível a
comparação de modelos conhecidos, sendo exigível o conhecimento de tais modelos. No entanto, destaca
que “as ciências (sociais ou naturais) comparativas não ignoram – e ensinam à ciência jurídica, que lhe é
muito próxima – que o conhecimento dos modelos progride por efeito da comparação”.434
Sacco refere que “qualquer um poderia sugerir ao comparatista que limitasse a sua atenção às normas
jurídicas adotadas pelas autoridades competentes para este fim. Uma tal concepção do direito (chamado
formalismo jurídico) é formalmente legítima, mas pouco interessante para o comparatista”.435 Para Sacco,
a comparação jurídica implica uma análise de maior escala: “Tudo o que incide sobre a decisão do caso
concreto, e tudo o que poderia incidir sobre a decisão, ou que poderá incidir no futuro, é fonte (secundária,
acessória, como se queira) do direito, e por isso pode interessar ao comparatista. Aliás, o comparatista,
porque sistemólogo, é sumamente interessado em certas fontes indiretas, que condicionam o inteiro

429 Ibid., p.12.


430 ANCEL, Op.Cit. p.58.
431 FERREIRA DE ALMEIDA, Op.Cit. p.16.
432 Ibid., pp.16-17.
433 SACCO, Op.Cit. p.42.
434 Ibid., p.36.
435 Ibid., p.40.
funcionamento do direito no âmbito de um sistema dado, e que não podem ser denominadas normas
autoritárias adotadas por um órgão competente. É o caso, por exemplo, do ensino ministrado aos alunos,
dentre os quais serão recrutados os juízes”.436
Marc Ancel também destacou a complexidade apontada por Sacco, sustentando que todo sistema
que se aborda – ou mais simplesmente, todo direito estrangeiro que se toma por matéria de estudo – deve
constituir o objeto de uma apreensão global, em seus dados históricos e condições sócio-econômicas. É a
condição primeira para uma utilização verdadeiramente científica do método comparativo. Nas palavras
de Ancel, é preciso analisar o sistema “menos em suas regras e suas instituições do que nas formas do
pensamento jurídico, em sua atmosfera e o seu espírito, na maneira pela qual o juiz e o advogado, o
procurador e o funcionário, o grande público e o que ousaríamos chamar os usuários do sistema o
compreendem, o vivem e querem vê-lo evoluir”. Tratando-se a seguir de sistemas diferenciados, deve
constituir o objeto de uma análise particular. Não é por acaso que Jescheck se mostrou preocupado com a
amplitude do objeto da comparação jurídica, referindo que “A dificuldade peculiar do Direito Penal
Comparado como toda atividade jurídico-comparada está na abundância do material e no risco
particularmente grande de cometimento de erros”.437 Para ele, “[...] sempre haverá uma quantidade
previsível de particularidades que se moverá contra o trabalho comparativo dos juristas. Eu acredito que
em face do perigo da mera coletânea de curiosidades jurídicas de todo o mundo, como um museu, somente
o método auxilia que se parta do próprio ponto de partida dogmático e político-criminal e se relacione
com isso os resultados que o trabalho exegético fornece ao direito estrangeiro. O perigo de erro – ou nós
denominamos puramente o perigo de diletantismo – no Direito Comparado é particularmente grande
porque ninguém pode dominar o Direito estrangeiro seguramente como o seu próprio, e porque as fontes
do Direito estrangeiro são dificilmente acessíveis, dificilmente interpretáveis e frequentemente pouco
completas como os materiais do próprio”.438
Segundo Muir Watt, o aspecto lingüístico é um excelente índice do risco de deformação da realidade
jurídica estrangeira. “O autor aponta a dificuldade que pode existir para traduzir um conceito correto
contra uma tendência que presume, muito rapidamente, que seus próprios esquemas intelectuais serão
encontrados no outro”.439 Desse conjunto de problemas em potencial decorre a grande importância da
correta utilização do método em Direito Comparado.440 Segundo o renomado comparatista romeno
Constantinesco, são três fases ou momentos lógicos comuns a qualquer estudo de Direito Comparado: a)
conhecimento (fase analítica); b) compreensão (fase integrativa); c) comparação (síntese comparativa). 441
Jescheck, por sua vez, apresenta um método composto por quatro níveis: a) o próprio ponto de partida
dogmático e político-criminal442; b) o trabalho exegético com o direito estrangeiro443; c) a classificação e a
exposição sistemática do material; d) valoração jurídico-política das soluções encontradas. O autor

436 Ibidem.
437 JESCHECK, Op.Cit. p.53.
438 Ibid., pp.53-54.
439 MUIR WATT, Op.Cit.
440 Segundo Jescheck, “o Direito Comparado deve se utilizar dos mais modernos meios técnicos de auxílio, para não ser vencido pela
abundância de material e para não cair tão facilmente em erros. O fundamento imprescindível é um Instituto eficiente constituído por
uma boa e abastada biblioteca de Direito Estrangeiro, que deve ser complementada permanentemente pelo estudo cuidadoso das
notícias bibliográficas sobre as obras estrangeiras. A análise constante do material das revistas, incluindo a parte jurisprudencial, só
pode ser realizada através do trabalho de grupo. Deste modo pode-se solucionar também o problema da linguagem, na medida em que
se distribui os âmbitos de trabalho de acordo com a linguagem do grupos”. JESCHECK, Op.Cit. p.55.
441 FERREIRA DE ALMEIDA, Op.Cit. p.24.
442 Conforme Jescheck, “O nível fundamental constitui o próprio ponto de partida dogmático e político-criminal. Ele serve como hipótese
de trabalho e sua função metodológica é a de um ponto de referência (tertium comparationis), de acordo com o qual nos orientamos
no estudo do Direito estrangeiro. Com isso é preciso tomar cuidado antes de querer impor ao Direito estrangeiro o próprio mundo
conceptual e a própria sistemática”. JESCHECK, 2006. p.56.
443 A este liga-se o nível do trabalho exegético com o Direito estrangeiro, que metodologicamente corresponde ao trabalho com o próprio
Direito quando não se está obrigado a investigar alguma particularidade e a tomar cuidado, ao querer tornar algo melhor ou diferente
do representado no próprio Direito estrangeiro. [...] O trabalho no Direito estrangeiro também possui suas particularidades
metodológicas. Alguns Direitos, particularmente como o anglo-americano, são compreensíveis apenas pelos seus fundamentos
históricos. Além disso, muitas vezes o estrato sociológico de um ordenamento jurídico ganha significação através da comparação.
JESCHECK, Op.Cit. p.57.
sustenta que “O Direito Comparado é um método universal de altíssimo valor para todos os ramos da
ciência jurídica. O Direito Penal deve a ele, há mais de um século, a ampliação extraordinária do seu campo
de visão e uma série de ideias. O trabalho de comparação cria contrapesos contra a supervalorização da
própria dogmática e do seu mundo conceptual, ele desperta a atenção para temas centrais que em outros
locais estão em primeiro plano, e nos dá a possibilidade de empreender conjuntamente com o estrangeiro
as tarefas que se apresentam à cooperação internacional no âmbito do Direito Penal. O Direito Comparado
é uma ponte para o mundo, um campo de desafio pacífico dos povos em prol de um Direito Penal melhor
e mais humano, um local de intercâmbio, onde a Alemanha é chamada para dar e obter consciência de
uma grande tradição”.444
De tudo que foi dito, merece menção especial o chamado às armas de Muir Watt, que refere que a
mensagem subversiva é simples, mas forte: “devemos olhar alhures, comparar; interrogar-nos sobre as
alternativas – para aumentar a perspectiva tradicional, enriquecer o discurso jurídico e lutar contra os
hábitos de pensamento esclerosantes”.445 Talvez tenha sido justamente por isso que Rodolfo Sacco
preveniu com justificado entusiasmo que nada mais seria igual após a comparação: ela introduz uma
saudável incerteza e complexidade na enfadonha normalidade dos sistemas jurídicos nacionais.

6. REFERÊNCIAS
ANCEL, Marc. Utilidade e Métodos do Direito Comparado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1980.
FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos. Introdução ao Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 1998.
FIX-ZAMUDIO, Hector. La Modernización de los Estudios Jurídicos Comparativos. In: Boletín Mexicano de Derecho
Comparado. Nueva Serie Año XXII. nº 64 Enero-Abril. Año 1989.
JESCHECK, Hans-Heinrich. Desenvolvimento, Tarefas e Método do Direito Comparado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 2006.
JIMENEZ SERRANO, Pablo. Como Utilizar o Direito Comparado para a Elaboração de Tese Científica. Rio de Janeiro: Forense,
2006.
MERRYMAN, John Henry. Fines, Objeto y Metodo del Derecho Comparado. In: Boletin Mexicano de Derecho Comparado -.
Nueva Serie – Año IX.
MAYDA, Jaro. Algunas Reflexiones Críticas sobre el Derecho Comparado Contemporáneo. In: Boletín Mexicano de Derecho
Comparado. nº. 9, 1970.
MUIR WATT, Horatia. La Fonction Subversive Du Droit Comparé. In: Revue Internationale de Droit Comparé. Anne 2000,
V.52 nº3.
SACCO, Rodolfo. Introdução ao Direito Comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
SÁNCHEZ LORENZO, Sixto. El Derecho Comparado del Siglo XXI. In: Boletín Mexicano de Derecho Comparado, número
conmemorativo, sexagésimo aniversario.

444 Ibid., pp.60-61.


445
MUIR WATT, Op.Cit.

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