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Direito comparado

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Os grandes
sistemas jurídicos do mundo, segundo categorização elaborada pelo projeto
JuriGlobe.
O termo direito comparado refere-se simultaneamente a uma disciplina
científica, que estuda as diferenças e as semelhanças entre os
diferentes direitos (incluindo suas legislações, jurisprudências e doutrinas), e a
um método científico que permite comparar elementos desses direitos, com
finalidades variadas. Em ambos os casos, a importância do direito comparado
aumentou muito na atualidade, marcada pela internacionalização e
pela globalização.
No primeiro caso, a disciplina envolve principalmente o estudo dos
diferentes sistemas jurídicos existentes no mundo, frequentemente agrupando-
os em "famílias de direitos". René David, por exemplo, divide os direitos do
mundo nas famílias do common law, do direito romano-germânico, do direito
socialista, do direito muçulmano, do direito da Índia, do direito do Extremo
Oriente e do direito da África e de Madagascar.[1] Ela inclui a descrição e análise
dos sistemas jurídicos estrangeiros, mesmo onde não há comparação explícita,
e sua finalidade é principalmente pedagógica.
No segundo caso, trata-se de um método de trabalho ou pesquisa que permite
a comparação efetiva de institutos, instrumentos, conceitos ou outros
elementos dos direitos de dois ou mais jurisdições (Blocos regionais, Países,
Estados, Províncias, Municípios, dentre outros).[2] Enquanto método, essa parte
do direito comparado estabelece os elementos necessários a uma comparação
efetiva, e seus objetivos podem ser os mais variados: identificar institutos
diferentes nos direitos comparados, mas que cumprem a mesma finalidade;
identificar institutos jurídicos semelhantes nos direitos comparados, mas que
cumprem finalidades distintas; avaliar a eficácia relativa de institutos jurídicos
semelhantes nos direitos comparados; estudar a evolução de determinados
institutos jurídicos que foram importados ou exportados de direitos de outros
países; avaliar a viabilidade de importação de um conceito jurídico estrangeiro
e as adaptações necessárias para que ele reproduza no direito importador os
mesmos efeitos observados em seu direito originário; dentre outros.
Muitos definem o direito comparado como ramo do direito, mas essa
concepção é pouco aceita pois em geral entende-se que um ramo de direito
visa regular de maneira específica uma dada situação jurídica, o que não
acontece com o direito comparado. Embora auxilie no estudo de diversos
ramos do direito, o método do direito comparado exerce papel essencial no
direito internacional privado e nos direitos dos blocos regionais, por razões
evidentes ligadas à necessidade de integração entre dois ou mais direitos.

Função dos comparatistas


A função dos comparatistas é de colocar em evidência a função que deve
desempenhar o direito comparado, de modo que buscam tornar os juristas
aptos a cumprir a tarefa que lhes é confiada, cada um na sua especialidade.
Devendo os comparatistas preparar um espaço a fim de que os outros possam
empregar nas suas variadas funções o método comparativo, devendo ter como
conhecimento os perigos que estarão expostos e as regras de prudência as
quais devem se sujeitar.
A especialidade obtida por cada um será provinda do conhecimento, o qual
amplia o repertório do profissional, sendo este necessário para a melhor
compreensão dos Juristas no próprio direito, tanto para aperfeiçoarem quanto
para estabelecerem regras de conflito ou de fundo uniformes ou até mesmo
uma harmonização dos diversos direitos.
Devendo os comparatistas instruírem os juristas para que compreendam os
interlocutores, pois os juristas, por possuírem uma formação com conceitos
distintos daqueles que passaram a ser utilizados, encontraram dificuldades na
compreensão, já que o direito comparado passou a atuar em um
desenvolvimento moderno, tendo a partir dai uma teoria incrementada em
princípios.
Os comparatistas surgem a partir do direito comparado o qual define as
relações de semelhanças e diferenças em um ordenamento jurídico, podendo
ele ser constituído de diversas culturas, ajudando a alargar os horizontes para
os reformadores da lei e dos legisladores em todo o mundo. Por se tratar de
um direito essencialmente formal, histórico e processual, é ligado aos fatos,
cabendo ao juiz à decisão final, analisando o caso concreto e a jurisprudência a
ser aplicada, sendo necessário então os comparatistas para que aja um a
compreensão entre juristas e interlocutores.

História
O nascimento do direito comparado moderno é geralmente atribuída a Europa
no século XVIII. No entanto, antes disso, os juristas (precursores da
comparatistas de hoje e advogados internacionais) praticado método
comparativo. Na história legal da Rússia, por exemplo, o método comparativo
remonta ao século XVI.
Os antigos gregos já se esforçavam por comparar o direito em vigor em
diferentes cidades-Estado: Aristóteles estudou 153 constituições de cidades-
Estado gregas para escrever a sua Política; Sólon teria feito o mesmo antes de
promulgar as leis de Atenas. Os decênviros romanos somente teriam
preparado a Lei das Doze Tábuas após consulta às instituições gregas.
Montesquieu
De acordo com o ponto de vista predominante, Montesquieu é considerado
como o "pai" do direito comparado. Sua abordagem comparativa é evidente no
seguinte trecho do capítulo III do Livro I do que muitos consideram sua obra-
prima, "De l'esprit des Lois:
As leis políticas e civis de cada nação deve ser adaptada de tal forma que as
pessoas para quem eles estão enquadradas que deveria ser uma grande
chance de se aqueles de um terno nação outro. Eles devem estar em relação
com a natureza e o princípio de cada governo, se eles formam, como pode ser
dito de leis políticos, ou se apoiá-lo, como no caso das instituições civis. Eles
devem ser em relação ao clima de cada país, para a qualidade de seu solo, à
sua situação e extensão, para o principal ocupação dos nativos, se lavradores,
caçadores ou pastores: eles devem ter relação com o grau de liberdade que a
Constituição vai suportar, para a religião dos habitantes, às suas inclinações,
riquezas, número, comércio, costumes, e costumes. Além disso, no Capítulo XI
(intitulado "Como comparar dois sistemas diferentes de leis") do Livro XXIX ele
aconselha que "para determinar qual desses sistemas [ou seja, os sistemas de
Francês e Inglês para a punição de falsas testemunhas] é mais agradável à
razão, devemos levá-los cada um como um todo, e compará-los em sua
totalidade ".
No entanto, um outro trecho onde a abordagem comparativa de Montesquieu é
evidente é o seguinte do Capítulo XIII do Livro XXIX: Como as leis civis
dependem das instituições políticas, porque eles são feitos para a mesma
sociedade, sempre que há um projeto de adoção do direito civil de outro país,
seria adequado para analisar de antemão se eles têm as mesmas instituições e
os mesmos direito político.
Importância
Direito comparado é uma disciplina muito importante na comunicação entre os
sistemas jurídicos. Ele pode fornecer a base para a produção de dicionários
bilíngües, que incluem as informações necessárias para tornar a comunicação
legal através das fronteiras de sucesso. Ele também ajuda a compreensão
mútua e a dissipação de preconceito e má interpretação. Neste mundo
globalizado, o direito comparado é importante para ele fornece uma plataforma
para o intercâmbio intelectual nos termos da lei e que cultiva uma cultura de
compreensão em um mundo diverso. Além disso, o direito comparado ajuda a
alargar os horizontes para os reformadores da lei e os legisladores em todo o
mundo. Também pode ser útil nas relações internacionais na definição de
políticas estrangeiras.
Relação com outros sujeitos de direito
Direito comparado é diferente dos campos de jurisprudência geral (teoria legal),
o direito internacional, incluindo tanto o direito internacional público e direito
internacional privado (também conhecido como conflito de leis).
Apesar das diferenças entre o direito comparado e estas outras áreas jurídicas,
de direito comparado ajuda a informar todas estas áreas de normatividade. Por
exemplo, o direito comparado pode ajudar as instituições jurídicas
internacionais, como os do Sistema das Nações Unidas, ao analisar as leis de
diferentes países a respeito de suas obrigações do tratado. Direito comparado
seria aplicável ao direito internacional privado no desenvolvimento de uma
abordagem para a interpretação de uma análise de conflitos. Direito comparado
pode contribuir para a teoria jurídica, criando categorias e conceitos de
aplicação geral. Direito comparado também pode fornecer percepções sobre a
questão dos transplantes legais, ou seja, o transplante de direito e das
instituições jurídicas de um sistema para outro. A noção de transplantes legais
foi cunhado por Alan Watson, um dos mais renomados juristas do mundo
especializada em direito comparado.
Além disso, a utilidade do direito comparado para a sociologia do direito (e
vice-versa) é muito grande. O estudo comparativo dos vários sistemas jurídicos
podem mostrar o quão diferente as normas legais para a mesma função de
problema na prática. Por outro lado, sociologia do direito pode ajudar a
responder questões comparativas da lei, tais como: Como os regulamentos em
diferentes sistemas jurídicos realmente função nas respectivas sociedades?
Certas regras legais comparáveis? Como é que as semelhanças e diferenças
entre os sistemas jurídicos se explica?
Classificações dos sistemas jurídicos
1. Arminjon, Nolde, and Wolff - Acredita que, para efeitos de classificação dos
(então) os sistemas jurídicos contemporâneos do mundo, foi necessário que
esses sistemas, por si só se estudou, independentemente de fatores externos,
como os geográficos. Eles propuseram a classificação do sistema legal em
sete grupos, ou os chamados "famílias":

 Grupo francês, que também incluiu os países que codificaram sua


legislação no século XIX ou na primeira metade do século XX, usando o
código napoleônico civil dos anos 1804 como um modelo, o que inclui
países e jurisdições, como Itália, Portugal, Espanha, Louisiana, estados da
América do Sul (como o Brasil), Quebec, Santa Lúcia, na Roménia, as ilhas
jônicas, Egito e Líbano;
 Grupo alemão;
 Grupo escandinavo (que inclui as leis da Dinamarca, Noruega, Suécia,
Finlândia e Islândia);
 Grupo anglófono (incluindo Reino Unido, Estados Unidos, Canadá,
Austrália e Nova Zelândia, entre outros);
 Grupo russo;
 Grupo islâmico (usado no mundo muçulmano);
 Grupo hindu.
2. David - Propôs a classificação dos sistemas jurídicos, de acordo com a
ideologia diferente inspirando cada um, em cinco grupos ou famílias:

 Leis ocidentais, um grupo subdivide-se em:


o Subgrupo Romano-Germânico (compreendendo os sistemas jurídicos
em que a ciência jurídica foi formulada de acordo com o Direito Romano
- ver também a lei Civil (sistema legal))
o Subgrupo anglo-saxão.
 Lei soviética.
 Lei muçulmana.
 Lei hindu.
 Lei chinesa.
Especialmente no que diz respeito à agregação por David das Leis Romano-
germânico e anglo-saxão em uma única família, David argumentou que a
antítese entre as leis anglo-saxões e Direito Romano-Alemão, é de um técnico
ao invés de natureza ideológica. De um tipo diferente é, por exemplo, a
antítese entre (digamos) o italiano ea Lei americana, e de um tipo diferente,
que entre a, muçulmano, hindu ou chinês Law Soviética. De acordo com David,
os sistemas jurídicos romano-germânicos incluiu os países onde a ciência
jurídica foi formulada de acordo com o Direito Romano, enquanto os países de
common law são aqueles em que a lei foi criada a partir dos juízes. As
características que ele acreditava diferenciar exclusivamente à família legal
ocidental de os outros quatro são:

 Democracia liberal;
 Economia capitalista;
 Religião cristã.
3. Zweigert e Kötz - Propõem uma metodologia diferente, multidimensional para
a categorização de leis, ou seja, para encomendar as famílias de leis. Eles
sustentam que, para determinar essas famílias, deve ser levado em conta cinco
critérios, nomeadamente: o contexto histórico, o modo característico de
pensamento, as diferentes instituições, as fontes reconhecidas de direito, e da
ideologia dominante. Usando os critérios acima mencionados, eles classificam
os sistemas jurídicos do mundo em seis famílias:

 Família romana;
 Família alemã;
 Família common law;
 Família nórdica;
 Família das leis do Extremo Oriente (China e Japão);
 Família religiosa (muçulmana e lei Hindu).
As associações profissionais

 Academia Internacional de Direito Comparado.


 Sociedade Americana de Direito Comparado.
Na Idade Média, comparava-se o direito romano e o direito canônico.
Contudo, apenas no século XX surgiu o estudo sistemático do direito
comparado, como ciência.

Famílias de direitos
Conforme a sua origem histórica e a sua operação interna, os diversos direitos
nacionais modernos podem ser divididos em três grandes famílias ou sistemas:

 família romano-germânica;
 família do common law;
 família dos direitos socialistas (em declínio); e
 outras famílias.

Família romano-germânica
Ver artigo principal: Sistema romano-germânico
É formada pelo conjunto dos direitos nacionais que sofrem forte influência
do direito romano e do seu estudo através dos séculos. Em termos geográficos,
pertencem a esta família os direitos de vários países europeus, de toda
a América Latina, de grande parte da África, do Oriente Médio, do Japão e
da Indonésia. São romano-germânicos os direitos nacionais do Brasil e
de Portugal.
O período de formação histórica desta família começa no século XIII, com o
renascimento do interesse pelo estudo do direito romano nas universidades
europeias, a partir da redescoberta do Corpus Iuris Civilis. O seu
desenvolvimento prossegue através da Idade Moderna até a chamada fase do
direito legislativo, durante a qual surgem as noções de que o direito não é
imutável, deve ser fruto da razão, e o resultado da aplicação da razão ao
ordenamento jurídico pode e deve ser registrado por escrito. O encontro destas
ideias com o nacionalismo romântico dos séculos XVIII e XIX permitiu o
surgimento dos direitos nacionais, no âmbito da família romano-germânica. Já
não eram mais exclusivamente direito romano, mas um conjunto de regras,
conceitos e mentalidades jurídicos nele baseado, alterado, ampliado e
adaptado pelos séculos de estudo do direito romano, agora posto por escrito,
de maneira sistemática (à luz da Razão), em códigos (como o Código
Napoleônico francês de 1804). O conceito de um único direito romano
(adaptado pelos juristas medievais e modernos) válido para toda a Europa foi
substituído pelo de direito nacional, adaptado às necessidades e circunstâncias
locais, mas os países europeus continentais podiam traçar uma origem comum
para os seus respectivos direitos nacionais - o estudo do direito romano -, o
que os faz pertencer à família romano-germânica.
Na família romano-germânica, a regra de direito é genérica, a ser aplicada ao
caso concreto pelos tribunais. Esta regra de direito genérica costuma ser criada
por meio de lei escrita. A generalização permitiu o fenômeno da codificação do
direito, pelo qual as regras genéricas são compiladas em códigos de leis e
posteriormente aplicadas pelos juristas e tribunais.

Família do Common Law


Ver artigo principal: Common law
Esta família é formada a partir do direito originado da Inglaterra, com as
atividades dos tribunais reais de justiça, após a conquista normanda. Além do
direito britânico, este sistema inclui todos os países de língua inglesa, inclusive
os Estados Unidos (exceto pelo estado da Luisiana).
A conquista normanda permitiu a formação de um governo central forte na
Inglaterra, cujos tribunais tinham jurisdição sobre todo país. As decisões
daqueles tribunais foram, aos poucos, estabelecendo um direito comum
- Common Law, em inglês - a todo o reino, que se sobrepôs aos costumes
jurídicos locais, particulares a cada condado ou vilarejo, em vigor até então.
O direito inglês, Common Law, foi forjado, portanto, a partir de decisões
judiciais. Um juiz, diante de um caso concreto, não buscava a regra geral
contida numa lei escrita para solucioná-lo; antes, examinava as decisões
judiciais anteriores à procura de casos semelhantes, cuja solução aplicava ao
caso concreto. Esta é a grande diferença entre o sistema romano-germânico e
o do Common Law: o primeiro funciona "de cima para baixo" (o legislador
preceitua uma lei geral, cuja regra abstrata é aplicada pelo juiz a um caso
concreto), enquanto que o segundo opera "de baixo para cima" (as decisões
judiciais em casos concretos - jurisprudência - formam uma espécie de regra
geral que é aplicável no futuro a outros casos concretos semelhantes).
A base lógica deste direito jurisprudencial (case law, em inglês) é a regra
do stare decisis (ou regra do precedente), pela qual as decisões judiciais
anteriores (os precedentes) devem ser respeitadas quando da apreciação de
um caso concreto.
O papel desempenhado pela lei escrita no Common Law é menor do que na
família romano-germânica. Em geral, a lei (statute, em inglês) só é acatada em
juízo depois de examinada nos tribunais; a rigor, não é a lei que é aplicada pelo
juiz, mas os precedentes gerados a partir do exame da lei nos tribunais.

Família dos direitos socialistas


Antes fazia parte da Romano-Germânica, depois com a entrada de ideias
marxistas se separa. Teve sua origem na Rússia em 1917, quando a Rússia
assume o encargo da edificação de um novo tipo de sociedade, a sociedade
comunista, colocada sob o signo da fraternidade. A Família dos direitos
socialistas pretende criar a "sociedade comunista", onde não existirá Estado
nem Direito, eles fogem da tradição Romano-germânica. Para o socialistas o
direito é uma superestrutura, reflexo de uma estrutura econômica. Fazem parte
da família aqueles países socialistas que pretendem atingir uma sociedade
comunista como a União Soviética e os alguns países do continente Europeu.
A regra de conduta se baseia na doutrina marxista-leninista, onde não há
diferenças no direito, pois tudo visa o " o bem coletivo ", prevalecendo as
tendências comunistas. Onde a lei tem um papel fundamental para o Estado. O
direito dos países socialistas é fortemente influenciado pela noção de Estado
socialista, o qual possui muito mais atribuições e poder de intervenção na
sociedade, em comparação com os países capitalistas. Sua forma aparente,
por outro lado, assemelha-se ao direito dos países da família romano-
germânica.
Com a fragmentação da União Soviética e a queda da Cortina de Ferro no final
do século XX, o âmbito geográfico desta família de direitos tornou-se bastante
restrito, especialmente quando se exclui, como fazem alguns doutrinadores, o
direito chinês da família socialista, devido a suas peculiaridades.

Outras famílias
As famílias romano-germânica, dos jurídicos em vigor no mundo e incluem as
maiores potências do planeta. Não obstante, fora da Europa e
das Américas podem existir concepções diferentes do que seja direito, ou
grupos de ordenamentos jurídicos estruturados de forma diferente das grandes
famílias. Estes casos - geralmente na Ásia e na África - costumam ser reunidos
num capítulo "outros" ou "outras famílias" pelos juristas.
Cabe ressaltar que, nestes casos, não é incomum conviverem o direito formal,
"moderno", adotado de modelos europeus ou americanos, com regras e
hábitos (e concepções do direito) locais.
Direito muçulmano
O Direito Muçulmano é o direito da comunidade religiosa Islâmica, ou seja, é
um direito que rege os adeptos onde quer que eles se encontrem. O Direito
Muçulmano é o direito de um grupo religioso, e não de um povo ou de um país.
Este grupo religioso conta com mais de 400 milhões de fiéis, repartidos por
mais de 30 países. O direito muçulmano não é uma ciência autônoma, mas
uma das faces da religião. Esta compreende a teologia (que fixa os dogmas,
aquilo em que o muçulmano deve acreditar) e a Char’ia, que prescreve aos
crentes o que devem ou não fazer. Então a châr’ia é a via a seguir, a lei
revelada; compreende o que nos chamamos Direito, mas também o que o
crente deve fazer em relação a Deus (oração, jejuns, etc.). A sanção é o estado
do pecado; ela não é, portanto, aplicada senão aos crentes; o direito
muçulmano é inaplicável aos infiéis. O Fiqh é o conjunto de soluções
preconizadas para obedecer a châr’ia; é a ciência dos direitos e deveres dos
homens, nas recompensas das penas espirituais. Ciência das Normas que
podem ser deduzidas por um processo lógico, das quatro fontes da châr’ia: O
Alcorão, a tradição (Sunna), o acordo unânime da comunidade muçulmana
(idjma) e a analogia ( qiyâs). Os muçulmanos concebem a ciência do direito
como uma arvore: as quatro fontes são as raízes, a lei revelada (châr’ia) é o
tronco, os ramos constituem as soluções especiais deduzidas da lei revelada
(fiqh).
Direitos do Extremo Oriente
Nos Estados do Extremo Oriente, o direito é visto como exercendo uma função
subsidiária na composição dos conflitos sociais; mais importantes para tal fim
são a persuasão, a moderação e a conciliação.

Direito Comparado no Brasil


O Direito Comparado no Brasil teve seu desenvolvimento no século XIX. Clóvis
Beviláqua foi um dos grandes incentivadores de seu estudo no país, tendo sido
catedrático de "Legislação Comparada" na Faculdade de Direito do Recife,
além de haver escrito uma das primeiras obras sobre o tema,
intitulada Resumo das licções de legislação comparada sobre o Direito
Privado (2. ed., rev. e augm. Bahia: Magalhães, 1897). No século XX,
destacam-se os nomes de Caio Mário da Silva Pereira, Haroldo
Valladão, Arnoldo Wald, Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, Sérgio José
Porto, Ruy Barbosa Nogueira, Raul Machado Horta e José Afonso da Silva.
[3]
Autores contemporâneos como Paulo de Borba Casella, Claudia Lima
Marques, Otavio Luiz Rodrigues Junior, Véra Jacob de Fradera, Arnaldo
Sampaio de Moraes Godoy e Heleno Taveira Torres têm-se destacado na
divulgação do Direito Comparado em sua vinculação com o Direito Civil, o
Direito do Consumidor, o Direito Tributário e Financeiro.[4]

Referências
1. ↑ DAVID, R. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
2. ↑ MICHAELS, R. The Functional Method of Comparative Law. In: REIMANN, M.;
ZIMMERMAN, R. (Org.). The Oxford Handbook of Comparative Law [Kindle version]. New
York: Oxford University Press, 2008. p. 339–382.
3. ↑ Rodrigues Junior, Otavio Luiz. «O Direito Comparado nos séculos XIX e XX (parte
2)». Consultor Jurídico. São Paulo, 12 de março de 2014. Consultado em 23 de janeiro de
2015
4. ↑ LYRA TAVARES, Ana Lucia. «O ensino do direito comparado no Brasil
contemporâneo.». Direito, Estado e Sociedade, n. 29, p. 69-87, jul./dez. 2006.
DICAS DE ESTUDO

Entenda o que é
Direito Comparado

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Tempo de Leitura: 7 minutos


Um segmento que une História, Filosofia e Teoria Geral do Direito. Esse é o
Direito Comparado, área com a qual nos deparamos nos noticiários e na
advocacia sem perceber.
No entanto, a legislação brasileira adota muitos de seus conceitos, motivo pelo
qual se faz necessário conhecê-lo um pouco mais.

Ficou curioso e quer saber mais sobre esse ramo do Direito? Acompanhe a
leitura do post e descubra muito mais!

O que é Direito Comparado?


Direito Comparado é o ramo da ciência jurídica que estuda as diferenças e as
semelhanças dos diversos ordenamentos jurídicos do mundo. É, também, uma
ferramenta auxiliar para o operador de Direito nacional.
No caso de lacuna deixada pela lei, pode haver consulta a outras legislações
de culturas e tradições semelhantes para servir de referência.

Ao estudar o Direito Comparado, é necessário ter em mente os principais


sistemas jurídicos (famílias) ao redor do mundo. Veja quais são eles a seguir.

Romano-germânico
Sistema jurídico mais disseminado no mundo, também conhecido como Civil
Law, e baseado na codificação do Direito. Está presente em toda a América
Latina, em boa parte da Ásia e da África e na Europa Continental.

Anglo-saxão
Mais conhecido como Common Law, esse sistema se desenvolve a partir das
decisões dos tribunais, e não pela codificação de leis. É praticado pelo Reino
Unido, pela maior parte dos Estados Unidos e do Canadá e pelas ex-colônias
do Império Britânico.

Direitos socialistas
Sistema baseado no romano-germânico, mas com modificações provenientes
do Marxismo e do Leninismo. Nele, prevalece o Direito Público. Foi praticado
pela União Soviética, mas atualmente pode ser encontrado na China e na
Coreia do Norte.

Outras famílias ou sistemas


São grupos estruturados de forma diferente das famílias tradicionais. São
exemplos o Direito Muçulmano (comunidade religiosa islâmica) e os Direitos do
Extremo Oriente (baseados na conciliação), que se encontram principalmente
na África e na Ásia.

Considerando os principais sistemas jurídicos do mundo, o operador do Direito


aplicará o Direito Comparado de maneira mais eficiente, para que cumpra seu
objetivo.

Qual é o objetivo do Direito Comparado?


O principal objetivo do Direito Comparado é ampliar o conhecimento. A partir
do estudo de diferentes sistemas, o operador jurídico tem em mãos diversos
olhares sobre um único tema. Dessa forma, passa a ter subsídios para analisar
sua própria legislação.

Em uma análise mais filosófica, ele é um mecanismo utilizado para se chegar a


uma igualdade internacional material.

A partir da comparação dos diversos arcabouços legislativos, é possível notar


que, no Estado de Direito, há uma busca por proporcionar igualdade de
condições a todos. Se um Estado não a proporciona, por meio do Direito
Comparado aparece uma percepção de que algo não está certo.
Se considerarmos objetivos mais específicos, podemos dizer que o Direito
Comparado se propõe a:

 balizar opções de negócios, investimentos e interesses nas relações


internacionais comerciais;
 contribuir para que as melhores práticas das relações da vida
internacional sejam adotadas;
 enriquecer culturalmente seu estudante, que passa a conhecer outros
costumes e práticas;
 proporcionar mais percepção acerca da qualidade do Direito Interno,
possibilitando seu aperfeiçoamento;
 contribuir para as investigações filosóficas ou históricas relacionadas ao
Direito;
 compreender os povos estrangeiros.
Qual é o método do Direito Comparado?
Como o próprio nome sugere, a comparação é a essência do Direito
Comparado. Porém, é preciso ter bastante cautela no estudo desse ramo da
ciência jurídica para não cair em armadilhas. Quando comparamos dois
Direitos diferentes, não se pode afirmar que há um melhor do que outro, mais
avançado ou mais iluminado.

Os Direitos são diversos, ainda que haja previsões legislativas que vão
de encontro do que uma pessoa tem como valor moral ou ético.

Para evitar que se entre nesse juízo de valor, o método para o estudo do
Direito Comparado passa obrigatoriamente pelo conhecimento de Sociologia
do Direito. É impossível entender o arcabouço legal de um Estado sem
compreender as sociedades nas quais os Direitos se formataram.

Um mero estudo sobre a sociedade norte-americana, por exemplo, pode


elucidar a possibilidade da pena de morte em determinados estados. Da
mesma forma, somente considerando a história brasileira é que é possível
entender o encarceramento em massa de negros.

Por fim, a partir da análise dos ordenamentos jurídicos de diversos estados,


obtêm-se dados e fontes que serão aplicados no ordenamento jurídico
internacional.

Outro exemplo de como funcionam essas acareações: o Direito Ambiental do


Brasil é bastante aceito internacionalmente, sendo considerado uma referência
nesse ramo. Isso porque os especialistas consideram a legislação ambiental do
país muito clara a respeito dos conceitos práticos de responsabilidade civil e de
responsabilidade objetiva.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789) foi


inspirada em pensamentos iluministas e na Revolução Americana (1776). Esse
documento trouxe, pela primeira vez, a proclamação das liberdades e direitos
fundamentais do homem, de modo a abranger toda a humanidade.
Posteriormente, ela foi a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), também motivada pelos horrores da Segunda Guerra Mundial. Esse é
mais um retrato de como o Direito Comparado é uma ferramenta de construção
legislativa importante para os ordenamentos do mundo, inclusive para o
brasileiro.

O que revelam o Direito Comparado


nos EUA e o Direito Comparado no
Brasil?
O Direito Comparado nos EUA (Estados Unidos) e o Direito Comparado no
Brasil demonstram situações interessantes sobre as diferenças e semelhanças
dos ordenamentos jurídicos desses países.

No caso brasileiro, existe uma influência predominante do estilo românico-


germânico, o Civil Law, que se baseia na lei positivada e codificada, isto é,
escrita. Ao longo do tempo, porém, isso foi se modificando, já que o nosso país
absorveu também noções do sistema de justiça norte-americano, calcado na
Common Law.

Na Common Law, os princípios da lei não estão na escrita, e sim na


jurisprudência e nos costumes. Não que não exista texto de lei nos Estados
Unidos. O que acontece é que lá, nos julgamentos, a jurisprudência é muito
mais adotada.

Na contramão disso, no Brasil, a jurisprudência não é regra, mas também


acontece, quando há lacunas na legislação sobre determinado assunto. É por
isso que o Direito Comparado pode ajudar quem atua em escritórios. No
silêncio da lei, o sistema judiciário brasileiro costuma aceitar os casos de
jurisprudências de outros países, como os norte-americanos.

Mas para trabalhar esse tema, é preciso se aprofundar no Direito Comparado


nos EUA. Por exemplo: lá, cada um dos 50 estados tem sistemas de justiça
próprios, regidos por diferentes constituições estaduais.

Isso diverge completamente da estrutura jurídica do Brasil, subordinada em sua


totalidade à Constituição Federal. Outro ponto antagônico entre os dois
modelos de lei é que, nos EUA, não existe um órgão para supervisionar o
Judiciário em nível nacional, ou seja, lá não há um CNJ (Conselho Nacional de
Justiça).

Surgem inúmeras outras contradições quando se compara a legislação dos


dois países. Confira a aplicação do Direito Comparado Brasil-EUA em alguns
aspectos.

Recursos judiciais
No Brasil, os processos se iniciam nos órgãos de primeira instância e, quando
as partes querem questionar uma decisão, elas têm direito ao princípio do
duplo grau de jurisdição.

Desse modo, é possível recorrer à segunda instância no STJ (Superior Tribunal


de Justiça) ou em outros tribunais superiores. Já nos Estados Unidos, o
cidadão também pode solicitar a revisão de uma sentença, mas isso acontece
nos chamados tribunais de apelação estaduais.

Na maior parte dos casos, os despachos desses órgãos são definitivos, ou


seja, as apelações não podem prosseguir para instâncias superiores. Isso
acaba trazendo mais velocidade para o andamento dos processos, mas, por
outro lado, reduz a liberdade de contestação.

Seleção para a magistratura


Outra diferença que chama a atenção é que, no Brasil, para ser juiz de
Direito, é preciso passar em concurso público. Já nos EUA, na maior parte dos
estados, os candidatos a magistrados se submetem a eleições. Assim como os
políticos brasileiros, eles fazem campanhas e arrecadam fundos com a
intenção de conquistar o voto popular.
No Colorado, região central norte-americana, existe um método distinto. Nesse
estado, uma comissão formada por quatro representantes populares e três
advogados entrevista os candidatos e os seleciona, com critérios baseados nos
currículos.

Esse grupo faz uma triagem e indica três pleiteantes ao cargo para o
governador, responsável pela escolha final. Outra distinção: pela lei brasileira,
depois de dois anos, os juízes ganham estabilidade e o cargo se torna vitalício.

Nos EUA, de tempos em tempos, os juízes precisam participar de novos


processos seletivos para se manterem em seus postos. Isso varia conforme o
estado e o grau de jurisdição. Em geral, os magistrados de primeira instância
têm de ser confirmados a cada seis anos, e os das cortes estaduais, a cada
dez.

Formação de profissionais
Mais um importante contraste entre os ordenamentos jurídicos das duas
nações é a formação dos profissionais de Direito. No modelo americano, não
existe uma graduação em Direito como aqui. Lá, os estudantes fazem um
estudo complementar a uma licenciatura conquistada antes.
Por exemplo: um cidadão obtém o diploma de Bachelor of Arts em Licenciatura
ou História da Arte. Depois de conquistar um certificado desse tipo, esse
estudante pode fazer um curso de Direito, com duração de três anos, para
adquirir o título de Júris Doctor (JD).
Em seguida, o aluno tem a opção de continuar no aprendizado e obter um título
de Master of Laws (LL.M.). Só que existem ainda outros tipos de títulos, por
exemplo, o doutorado PhD (philosophiae doctor).
Essa assimetria entre os dois modelos traz muitos obstáculos para quem quer
revalidar diplomas de pós-graduação norte-americanos no Brasil, o que acaba
atrapalhando os investimentos nos estudos, em alguns casos.
Acordos
Ao contrário do que acontece no Brasil, a maioria das ações que dá entrada
nas cortes dos Estados Unidos, seja na área Penal, seja na área Cível, acaba
sendo negociada. Isso significa que boa parte dos processos sequer vai a
julgamento.
Lá, o entendimento entre as partes prevalece, sendo que em território nacional
o índice de conciliações é tido como muito baixo. Muitos especialistas atribuem
a morosidade do sistema judiciário brasileiro, ao menos em parte, a essa pouca
adesão às soluções pactuadas.

Como o Direito Comparado interfere na


legislação brasileira?
A globalização e a modificação nas relações internacionais estreitaram os
laços entre países, especialmente aqueles que se incluem em um mesmo
sistema jurídico. O Direito Comparado surge como uma ferramenta legal para
coordenar essas interações.
Os intensos fluxos de imigrantes para o Brasil ao longo de sua história
contribuíram para que a legislação brasileira sofresse a influência de
ordenamentos jurídicos de uma diversidade muito grande de nações.

Por essa razão, no século 19 o Direito Comparado já havia ganhado a atenção


de grandes mentes jurídicas, como Clóvis Beviláqua e Caio Mário da Silva
Pereira.

Sua interferência na legislação brasileira é muito evidente no Direito


Internacional Privado, principalmente pela natureza desse campo de
conhecimento. Entretanto, não se pode deixar de destacar que o Direito
Comparado influenciou de forma relevante a Constituição Federal. A Carta
Magna traz muitos preceitos provenientes da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.

Inclusive, nossa lei maior traz, no artigo 5º, preceitos que endossam a
influência do Direito Comparado no ordenamento jurídico brasileiro:

Art. 5º, §2º Os direitos e garantias expressos nesta


Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte.

Art. 5º, §3º Os tratados e convenções internacionais


sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais.

Além de sua aplicabilidade à atividade legislativa, esse ramo da ciência jurídica


é utilizado na atividade jurisdicional para efetivar o princípio da completude
lógica do ordenamento jurídico.

O juiz não pode alegar lacuna ou obscuridade da lei ao proferir uma decisão.
Em vez disso, se valerá dos costumes, da analogia e dos princípios gerais de
Direito. Isso significa dizer, em outras palavras, que o Direito Comparado
poderá ser utilizado.

O profissional do Direito que se dedica ao estudo do Direito Comparado pode


atuar em áreas internacionais, que demandam conhecimento acerca de outros
ordenamentos. Para adquirir esse diferencial competitivo, já que existem
poucos profissionais desse ramo, é preciso se especializar nos diversos
sistemas jurídicos espalhados pelo mundo.
Por essas razões, como você pôde notar, o Direito Comparado é uma chance
rica para aprender mais sobre a história do judiciário e sobre as diferenças
culturais entre os países.

Ao estudar esse tema, é possível aproveitá-lo nos processos do escritório,


principalmente os que ainda não tiverem jurisprudência no país. Além disso,
esse ramo jurídico abre portas na carreira acadêmica. Assim, você pode
aumentar a renda e o prestígio.

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Referências ARAUJO, Adriane Reis de. A liberdade religiosa do professor de religião na


Espanha: análise da empresa de tendência. In: Conselho Nacional do Ministério Público.
Ministério Público em defesa do Estado laico. Brasília: CNMP, 2014. AZEVEDO, Eduarda Peixoto
de. Jurisprudência constitucional espanhola: o exercício da liberdade religiosa no Caso
154/2002. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2007. Disponível
em: . Acesso em: 31 out. 2015. BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada Ave Maria. Tradução dos
originais grego, hebraico e aramaico mediante a versão dos Monges. São Paulo: Editora Ave-
Maria, 2008. BLANCARTE, Roberto. O porquê de um Estado laico. In: LOREA, Roberto Arriada
(org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Medida Liminar em Pedido de Providências (ML em PP).
Processo nº 0003657-86.2014.2.00.0000. Conselheiro Relator: Guilherme Calmon Nogueira da
Gama. Data de julgamento: 16 set. 2014. Brasília, 16 set. 2015. Disponível em: . Acesso em: 31
out. 2015. BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Imperio do Brazil. Disponível
em: . Acesso em: 29 ago. 2015.

Estado de Direito

Oscar Vilhena Vieira


Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017
A ideia de Estado de Direito, que tem origem na Idade Média, como forma de contenção do poder
absoluto,1 ressurgiu nas últimas décadas como um ideal extremamente poderoso para todos aqueles
que lutam contra o autoritarismo e o totalitarismo, transformando-se num dos principais pilares do
regime democrático.2 Para os defensores de direitos humanos, o Estado de Direito é visto como uma
ferramenta indispensável para evitar a discriminação e o uso arbitrário da força.3 Ao mesmo tempo, a
ideia de Estado de Direito, ao ser renovada por libertários como Hayek em meados do século XX,
passou a receber forte apoio das agências financeiras internacionais e instituições de auxílio ao
desenvolvimento jurídico, como um pré-requisito essencial para o estabelecimento de economias de
mercado eficientes.4 Do outro lado do espectro político, até mesmo os marxistas, que viam
antigamente o Estado de Direito como um mero instrumento superestrutural, voltado à manutenção
do poder das elites, começaram a vê-lo como um “bem humano incondicional”.5 Seria difícil
encontrar qualquer outro ideal político louvado por públicos tão diversos.6 Porém, a questão é:
estamos todos defendendo a mesma ideia? Obviamente não. Cada concepção de Estado de Direito,
bem como as características que lhes são atribuídas refletem distintas concepções políticas ou
econômicas que se busca avançar.

O conceito clássico de Estado de Direito foi submetido a uma severa reavaliação nas primeiras
décadas do último século. Pensadores como Max Weber em Economia y Sociedad¸7 alertaram-nos
acerca do processo de desformalização do Direito como consequência das transformações na esfera
pública. Os anos que se seguiram após os trabalhos de Weber foram marcados por uma tensa luta
política e intelectual sobre a capacidade do Rechtsstaat de se adequar aos novos desafios
apresentados pela Constituição socialdemocrata de Weimar. Essa luta pode ser vista no debate entre
conservadores como Carl Schmitt e socialdemocratas representados por Franz Neumann.8 Hayek
responde a essas perspectivas céticas sobre o Estado de Direito em seu influente O Caminho da
Servidão, de 1944.9

Para Hayek, a intervenção estatal na economia e o crescente poder discricionário dos burocratas de
estabelecer e buscar a realização de objetivos sociais ameaça a eficiência econômica; como
consequência das transformações nas funções do Estado, houve um processo de declínio da condição
do Direito como instrumento substantivo na proteção da liberdade. A noção de que o Estado não tem
apenas a obrigação de tratar os cidadãos de maneira igual perante a lei, mas também o dever de
assegurar a justiça substantiva, foi acompanhada pelo argumento, proposto por novos teóricos do
direito, de que o conceito tradicional de Estado de Direito se tornou incompatível com o mundo
moderno. Diferentes teorias jurídicas, como o positivismo, o realismo jurídico ou a jurisprudência de
interesses construíram uma versão formal do Direito, liberando o Estado das inerentes limitações
impostas por uma concepção substantiva.

Para superar tal situação de “opressão”, na qual o Estado pode exercer coerção sobre seus cidadãos –
através de atos normativos – sem a necessidade de justificar suas ações em uma lei abstrata e geral,
seria necessário retornar às origens do Estado de Direito. Para isso, Hayek revisitou a história e
formulou uma lista de elementos normativos essenciais do Estado de Direito, visto como
instrumento par excellence para assegurar a liberdade. De acordo com essa versão, ele não pode ser
comparado ao princípio da legalidade desenvolvido pelo direito administrativo, porque o Estado de
Direito representa uma concepção material referente ao que o Direito deveria ser. Essa concepção
material o configura como uma doutrina meta legal e um ideal político, que serve à causa da
liberdade, e não como uma mera concepção de que a ação governamental deva estar de acordo com
as normas. O Estado de Direito deveria ser formado, para Hayek, pelos seguintes elementos: (a) a lei
deveria ser geral, abstrata e prospectiva, para que o legislador não pudesse arbitrariamente escolher
uma pessoa para ser alvo de sua coerção ou privilégio; (b) a lei deveria ser conhecida e certa, para
que os cidadãos pudessem fazer planos – Hayek defende que esse é um dos principais fatores que
contribuíram para a prosperidade no Ocidente; (c) a lei deveria ser aplicada de forma equânime a
todos os cidadãos e agentes públicos, a fim de que os incentivos para editar leis injustas
diminuíssem; (d) deveria haver uma separação entre aqueles que fazem as leis e aqueles com a
competência para aplicá-las, sejam juízes ou administradores, para que as normas não fossem feitas
com casos particulares em mente; (e) deveria haver a possibilidade de revisão judicial das decisões
discricionárias da administração para corrigir eventual má aplicação do Direito; (f) a legislação e a
política deveriam ser também separadas e a coerção estatal legitimada apenas pela legislação, para
prevenir que ela fosse destinada a satisfazer propósitos individuais; e (g) deveria haver uma carta de
direitos não taxativa para proteger a esfera privada.10

Dessa maneira, a concepção de Estado de Direito defendida por Hayek engloba uma visão
substantiva do Direito, uma noção estrita da separação de poderes e a existência de direitos liberais
que protejam a esfera privada, moldada assim para servir como um instrumento de proteção da
propriedade privada e da economia de mercado. O maior problema dessa concepção é que, através
dela, o Estado de Direito se torna refém de um ideal político particular.

Em reação a esse e a outros tipos de formulações substantivas do Estado de Direito, como aquela
mais direcionada ao aspecto social que resultou do Congresso de Delhi, organizado pela Comissão
Internacional de Juristas em 1959, Joseph Raz propõe uma concepção mais formalista, que evitaria a
confusão entre diversos objetivos sociais e ideológicos e as virtudes intrínsecas do Estado de Direito.
Para ele, “se o Estado de Direito for um Estado governado por boas leis, então explicar a sua
natureza é difundir uma filosofia social completa. Porém, dessa maneira, o termo perde qualquer
utilidade”.11
Para Raz, o Estado de Direito em seu sentido amplo “significa que as pessoas devem obedecer às leis
e serem reguladas por elas. Porém, em uma teoria política e jurídica, ele deve ser lido de uma
maneira mais estrita, no sentido de que o governo deve ser regulado pelas leis e submetido às
mesmas”.12 A construção de Raz requer que as leis devam ser entendidas como regras gerais, para
que possam efetivamente direcionar ações. Nesse sentido, o Direito não é apenas um fato decorrente
do poder, precisa, ao contrário, possuir uma forma particular. Raz, no entanto, não compartilha da
ideia defendida por Hayek, segundo a qual apenas normas abstratas e gerais podem constituir um
sistema de Estado de Direito. Para Raz, seria impossível governar apenas com normas gerais;
qualquer sistema concreto deve ser composto por normas gerais e outras específicas, que em
contrapartida devem ser consistentes com as primeiras. Para concretizar o objetivo de um sistema
jurídico que possa guiar a ação individual, Raz cria sua própria lista com os princípios do Estado de
Direito, de acordo com os quais as leis devem ser prospectivas, acessíveis, claras e relativamente
estáveis; a edição de normas específicas deve ser guiada por outras que sejam, por sua vez,
acessíveis, claras e gerais.

Porém, essas regras somente farão sentido se houver instituições responsáveis pela sua aplicação
consistente, a fim de que o Direito possa se tornar um parâmetro efetivo para guiar a ação individual.
A formulação de Raz requer, desse modo, a existência de um judiciário independente, porque, se as
normas fundamentam racionalmente as ações e o judiciário é responsável por aplicá-las, seria inútil
guiar nossas ações pelas leis se as cortes pudessem levar em consideração outras razões que não as
leis ao decidir casos concretos. Pela mesma razão, os princípios do devido processo, como o direito
das partes a serem ouvidas e a imparcialidade, devem ser contemplados. O Estado de Direito
também requer que as cortes devam ter competência para rever atos de outras esferas do governo, a
fim de assegurar a conformidade desses com o Estado de Direito. As cortes devem ser facilmente
acessíveis para que não se frustre o Estado de Direito. Por último, os poderes discricionários das
instâncias responsáveis pela prevenção criminal devem ser reduzidos no intuito de não se deturpar as
leis. Nem o promotor nem a polícia devem ter a discricionariedade para alocar seus recursos
destinados ao combate ao crime com base em outros fundamentos que não aqueles estabelecidos
legalmente.13

Dentro dessa perspectiva, o Estado de Direito é um conceito formal de acordo com o qual os
sistemas jurídicos podem ser mensurados, não a partir de um ponto de vista substantivo, como a
justiça ou a liberdade, mas por sua funcionalidade. A principal função do sistema jurídico é servir de
guia seguro para a ação humana. Essa é a primeira razão pela qual as concepções formalistas do
Estado de Direito, semelhantes à formulada por Raz, recebem amplo apoio de diferentes
perspectivas políticas. É extremamente importante para os governos em geral contarem com um
eficiente instrumento para guiar o comportamento humano. Contudo, servir de ferramenta para
distintas perspectivas políticas não significa que mesmo a concepção formalista de Estado de Direito
seja compatível com todos os tipos de regimes políticos. Por favorecer a previsibilidade, a
transparência, a generalidade, a imparcialidade e por dar integridade à implementação do Direito, a
ideia do Estado de Direito se torna a antítese do poder arbitrário.14 Dessa maneira, as perspectivas
políticas distintas que apoiam o Estado de Direito têm em comum uma aversão ao uso arbitrário do
poder; essa é uma outra explicação sobre por que o Estado de Direito é defendido por democratas,
liberais igualitários, neoliberais e ativistas de direitos humanos. Apesar de suas diferenças, eles são
todos a favor de conter a arbitrariedade. Em uma sociedade aberta e pluralista, que ofereça espaço
para ideais concorrentes acerca do bem público, a noção de Estado de Direito se torna uma proteção
comum contra o poder arbitrário.

Existe, no entanto, uma explicação menos nobre para o apoio amplo ao Estado de Direito que deve
ser mencionada. Tendo em vista que o Estado de Direito é um conceito multifacetado, se usarmos
cada um de seus elementos constitutivos separadamente, eles serão extremamente valiosos na
promoção de valores ou interesses diferentes e muitas vezes concorrentes, como eficiência de
mercado, igualdade, dignidade humana e liberdade. Para aqueles que defendem reformas de
mercado, a ideia de um sistema jurídico que proporcione previsibilidade e estabilidade é de extrema
importância. Para os democratas, a generalidade, a imparcialidade e a transparência são essenciais e,
para os defensores de direitos humanos, a igualdade de tratamento e a integridade das instâncias de
aplicação da lei são indispensáveis.

Portanto, a leitura parcial desse conceito multifacetado, feita por concepções políticas distintas,
também ajuda a entender a atração de público tão amplo pelo Estado de Direito. Assim, quando nós
encontramos alguém defendendo o Estado de Direito, precisamos ser cautelosos e verificar se ele
não está apenas exaltando uma das virtudes do Estado de Direito. Apenas a virtude que justamente
sustenta os objetivos sociais que ele quer promover.


1. Conformidade com o Estado de Direito


1.1. Por que um governante respeitaria a lei?


1.2. Por que as pessoas respeitam a lei?

1. Conformidade com o Estado de Direito


Um dos problemas fundamentais com as concepções de Estado de Direito acima mencionadas (tanto
a substantiva quanto a formal) é que elas não nos ajudam a entender quais são as condições externas
(sociais, econômicas e políticas) que favorecem a adesão de um sistema jurídico aos seus ideais; nem
a responder por que tanto os agentes públicos quanto os indivíduos obedeceriam à lei. Essa é a razão
pela qual Maravall e Przeworski demonstram profundo desapontamento com a espécie de listas
formuladas por juristas, tal como acima apresentadas: são “implausíveis como descrição” e
“incompletas como explicação”.15 Dessa maneira, o primeiro desafio que aqui se coloca é buscar
compreender quais condições ou mecanismos incentivam a obediência ao Estado de Direito. Por que
qualquer governo com controle indisputável sob os meios coercitivos se submeteria ao Estado de
Direito? Além disso, por que qualquer um de nós deveria respeitar a lei? Deixe-me começar pela
primeira questão.

1.1. Por que um governante respeitaria a lei?


De acordo com Stephen Holmes, a principal tese de Maquiavel sobre esse assunto é que “os
governos devem ser levados a tornar o seu próprio comportamento previsível em busca de
cooperação. Os governos tendem a se comportar como se eles fossem ‘limitados’ pela lei, ao invés
de usar a imprevisibilidade da lei como uma vara para disciplinar as populações a eles submetidas,
(...) porque eles possuem objetivos específicos que requerem um alto grau de cooperação voluntária
(...)”.16 Assim, a lei seria usada com parcimônia pelo governante a fim de obter cooperação por parte
de grupos específicos dentro da sociedade, o que ele não teria sem mostrar algum respeito pelos seus
interesses. Na medida em que o governante precisar de mais apoio, mais grupos serão incluídos na
proteção proporcionada pela lei e, em troca desse apoio, eles se beneficiarão do tratamento previsível
do governante.

Liberalismo e democracia, no entanto, requerem a expansão do Estado de Direito para todos. Foi
assim, de fato, que o Estado de Direito se desenvolveu desde a Idade Média, através da expansão de
privilégios a diferentes grupos. A Magna Carta é talvez o primeiro símbolo desse processo de
expansão de direitos legais que culminou na Carta Internacional de Direitos Humanos no século XX
e nas cartas de direitos das democracias constitucionais contemporâneas.

A distribuição de direitos, capaz de fortalecer as pessoas, torna-se, assim, o fator chave para obter
cooperação. T.H. Marshal, em seu clássico Cidadania, Classe Social e Status (1967)17 proporciona
uma clara descrição da evolução da cidadania nos países ocidentais, através do processo de inclusão
do povo na proteção proporcionada pela lei. Tem sido através do embate político que novos grupos
conseguem obter status jurídico por intermédio dos direitos civis, políticos, sociais e econômicos,
recebendo, como contrapartida por sua cooperação, diferentes níveis de inserção no Estado de
Direito. Assim, mesmo que nós não possamos confundir o Estado de Direito com os direitos dos
cidadãos, é muito difícil historicamente dissociar o processo de expansão da cidadania da ampliação
do Estado de Direito. A generalidade e a aplicação imparcial da lei, como virtudes internas do
Estado de Direito, estão diretamente associadas à noção de igualdade perante a lei obtida pela
expansão da cidadania.18

Nos regimes democráticos contemporâneos, nos quais a legitimidade/cooperação depende de um alto


grau de inclusão, os direitos tendem a ser distribuídos mais generosamente. No entanto, mesmo em
um regime democrático, o governo não necessita de cooperação de todos os grupos em termos
iguais, o que faz com que não haja incentivo para tratar todos igualmente perante a lei todo o tempo.
Mais do que isso, tendo em vista que os grupos possuem recursos sociais, econômicos e políticos
desproporcionalmente distribuídos dentro da sociedade, o custo para que eles cooperem também é
desproporcional, o que significa dizer que a lei e sua aplicação serão moldadas conforme diferentes
camadas de privilégios.

Isso significa que qualquer aproximação com a ideia do Estado de Direito depende não apenas da
expansão de direitos no papel, mas também, e talvez de maneira mais crítica, de como esses direitos
são consistentemente implementados pelo Estado. Aqui está o paradoxo enfrentado por muitos
regimes democráticos com altos níveis de desigualdade social. Embora direitos iguais sejam
reconhecidos nos livros, como uma medida simbólica para obter cooperação, os governos não se
sentem compelidos a respeitar as obrigações correlatas a esses direitos iguais, nos mesmos termos
para todos os membros da sociedade. A partir do momento em que os custos para exigir a
implementação dos direitos através do Estado de Direito são desproporcionalmente maiores para
alguns membros da sociedade do que para outros, ele se torna um bem parcial, favorecendo
essencialmente aqueles que possuem poder e recursos para conseguir vantagens com isso. Em outras
palavras, a igualdade formal proporcionada pela linguagem dos direitos não se converte em acesso
igualitário ao Estado de Direito ou à aplicação imparcial das leis e dos direitos.19 Dessa maneira, é
possível ter direitos, mas não possuir suficientes recursos para exigir a sua implementação. Nesse
sentido, é apropriado pensar no Estado de Direito não em termos de sua existência ou inexistência,
mas sim em graus de inclusão. O processo democrático pode expandir o Estado de Direito. Porém,
mesmo os regimes democráticos em sociedades com extremos níveis de desigualdade, onde as
pessoas e os grupos possuem recursos e poder desproporcionais, o Estado de Direito tende a ser
menos capaz de proteger os economicamente desfavorecidos e de fazer os poderosos serem
responsabilizados perante a lei.

No entanto, o controle do poder estatal e sua submissão à lei não é apenas uma consequência de
como o poder está socialmente distribuído. Nas sociedades modernas, as instituições são criadas para
moldar o comportamento, através de inúmeras formas de incentivo. Instituições também podem ser
desenhadas para controlar umas às outras. Conforme notado por Madison: quando a ambição é
institucionalmente direcionada para restringir a ambição, a possibilidade de ter o governo sob
controle aumenta.20 Os momentos fundacionais se tornam assim muito importantes. Quando poderes
sociais concorrentes não são suficientemente fortes para superar uns aos outros, eles tendem a se
comprometer com a criação de estruturas políticas dotadas de poderes fragmentados e contrapostos.
Os grupos menos favorecidos podem se beneficiar do resultado desses conflitos de elite. Essa é a
lógica básica que informa o constitucionalismo moderno.

Contudo, o Estado de Direito tem como objetivo mais do que ter um governo submetido ao controle
constitucional e legal. Ele também procura guiar o comportamento individual e a interação social.
Dessa forma, também é necessário explorar por que as pessoas se comprometeriam com o Direito.
Assim é importante buscar compreender quais são as razões que todos nós levamos em consideração
quando obedecemos ao Direito.
1.2. Por que as pessoas respeitam a lei?
Razões cognitivas. O primeiro conjunto de razões para que haja o cumprimento individual das leis é
certamente cognitivo e diz respeito à capacidade de entendimento dos conceitos jurídicos básicos,
como a noção de regras e direitos. Sem essas concepções culturais básicas, nós não podemos pensar
na possibilidade de respeitar o Direito. Essa não é uma questão trivial. Em muitas sociedades, a ideia
de que as pessoas sejam possuidoras de direitos iguais e de que o Direito deva ser aplicado
imparcialmente é, com frequência, contrária à experiência diária. Privilégios existentes, direitos
decorrentes de classe e de hierarquia estão cravados em diferentes sistemas culturais, fazendo com
que a experiência da generalidade do Direito não seja observável. Além de entender a função
estrutural dos conceitos jurídicos básicos, é importante que as pessoas compreendam as regras
fundamentais que governam suas próprias sociedades, suas obrigações e direitos. Nas sociedades
com alto grau de concentração de pobreza e de analfabetismo, essa condição quase nunca é
satisfeita.21

Razões instrumentais. O segundo conjunto de razões para a obediência ao Estado de Direito está
ligado à nossa habilidade de raciocinar instrumentalmente, calcular riscos e potenciais benefícios nas
ações que tentamos realizar. As pessoas respeitam as leis e os direitos dos demais para obter
recompensas ou escapar de punições. Se utilizarmos uma visão instrumental estrita, o respeito ao
Direito é reforçado se o seu descumprimento acarretar claramente um custo para o nosso bolso,
liberdade, imagem, estado psíquico ou integridade, e se respeitá-lo for igualmente benéfico pelas
mesmas razões. Para ter um valor instrumental, respeitar o Estado de Direito deve gerar algum tipo
de benefício para a pessoa. Através dessa razão instrumental, os indivíduos buscam maximizar os
seus ganhos econômicos, políticos ou sociais. Duas razões instrumentais sustentam a discussão nesse
contexto – o medo da coerção estatal e a reciprocidade mutuamente vantajosa.

Na medida em que as pessoas temem e esperam punição ou recompensa estatal, elas tendem a
respeitar o Estado de Direito. Essa ideia poderia ser chamada de argumento hobbesiano. A coerção
estatal pode ser instrumento eficiente para promover o respeito ao Direito em algumas
circunstâncias, sendo também uma condição necessária, porque certo grau de comportamento
antissocial irá sempre existir, sem que possa de outra maneira ser controlado. Desse modo, a
impunidade causada pela ineficiência estatal, corrupção ou seletividade colocam em risco a
capacidade de ameaça da coerção como um meio de obter obediência. Deve ser levado em
consideração também que o Estado, em muitas circunstâncias, deve ser provocado por indivíduos
antes de exercer a coerção. As pessoas devem com frequência preencher reclamações, ingressar com
processos judiciais, ou apenas informar à polícia certos fatos ilícitos para que o Estado tome alguma
atitude. Dessa maneira, a falta de recursos ou desconfiança nas autoridades pode produzir um forte
impacto na mobilização do poder estatal, permitindo àqueles que não obedecem à lei agir
impunemente.
É difícil para qualquer sociedade, no entanto, arcar com o custo do grau de coerção estatal necessário
para assegurar a obediência aos parâmetros legais. Imagine, por exemplo, que a ameaça de uma
multa ou prisão fosse a única razão pela qual as pessoas deixariam de ultrapassar o sinal vermelho
no semáforo de trânsito. A experiência dos Estados totalitários mostra que conseguir obediência pela
constante vigilância é algo extremamente caro e, mesmo se os custos pudessem ser suportados, seria
absolutamente indesejado.

As razões instrumentais para obedecer à lei deveriam, assim, ser estendidas para além da estrutura
coercitiva do Estado. As pessoas fazem parte de círculos sociais, grupos e comunidades que moldam
e determinam suas ações.22 Portanto, a segunda razão instrumental para respeitar a lei é a expectativa
de represália ou benefício por parte da comunidade ou círculo social ao qual se pertence ou pelo qual
se transita. A fraude no mercado ou no casamento possui sérias consequências. A credibilidade é um
bem de grande importância em qualquer grupo. Perdê-la, por desrespeitar a lei, pode prejudicar a
posição pessoal e diminuir a sua capacidade de entrar em novas relações voluntárias com outros
membros daquele círculo social. Essa é a razão pela qual as pessoas comumente agem de acordo
com o Direito, mesmo na ausência de autoridade estatal.23

Numa relação mutuamente vantajosa, a regra de ouro é: não faço aos outros o que eu não gostaria
que fizessem comigo. Por não ser um princípio moral substantivo, essa regra não afirma nem nega a
existência de uma estrutura moral mais profunda. Relações mutuamente vantajosas, no entanto,
podem auxiliar na obtenção da obediência à lei, ainda que em termos frágeis. Partindo de uma
estrutura de vantagem mútua, em circunstâncias de disparidade de poder, indivíduos têm um
incentivo para trapacear: o meu interesse é que todos os outros cooperem e que eu não o
faça.24 Pressões amistosas também podem ser problemáticas, porque o meio social pode ser
influenciado por uma cultura de desrespeito, ou pior, por uma cultura interna de respeito que desafie
o Estado de Direito, como no caso da máfia e de outras formas de crime organizado.
Consequentemente, as razões instrumentais representadas pela coerção ou por arranjos de vantagem
mútua (auto interessada) não conseguem explicar totalmente por que as pessoas obedeceriam à lei.
Embora importantes, elas são insuficientes como explicação completa da questão.

Razões morais. A moralidade tem sido negligenciada por muitas análises recentes da eficácia do
Direito, especialmente por aquelas elaboradas por pensadores jurídicos formalistas ou estudiosos
ligados à escolha racional.25 Nesse sentido, o argumento de Lon Fuller de que a reciprocidade moral
é um elemento fundamental para a existência de um sistema legal se torna particularmente
interessante.26 A implementação do Estado de Direito seria consideravelmente mais fácil naquelas
sociedades em que os indivíduos construam o seu pacto de reciprocidade baseado não apenas no
auto interesse, mas na noção de que cada indivíduo é dotado de igual valor moral, devendo, portanto,
merecer igual respeito e consideração.27 Os direitos igualmente distribuídos não são um presente dos
céus, mas sim uma construção social; uma decisão feita pela comunidade para valorizar os
indivíduos em termos equitativos e para fundamentar o exercício do poder nesses direitos
básicos.28 Isso significa que as decisões coletivas são apenas válidas se derivarem da vontade de
indivíduos autônomos e se eles respeitarem a esfera da dignidade humana delineada por esses
mesmos direitos.29

Esse é um sistema governado por regras, no qual cada cidadão recebe o status de sujeito de direito,
sendo a ele conferida uma esfera de proteção ao entrar em contato com outros cidadãos e com o
Estado, este último também subordinado ao princípio da reciprocidade. Nesse sentido, a
autocontenção, que implica respeito pelos direitos dos outros, é a base fundamental para a
generalização de expectativas relacionadas com o estabelecimento do Estado de Direito. Na medida
em que essas expectativas de respeito aos direitos de todos são generalizadas, a implementação de
um autêntico Estado de Direito também se torna possível.

Pode-se argumentar, no entanto, que a reciprocidade sempre tem uma origem utilitária, ou seja, que
o meu respeito pelos outros não surge por eu lhes ter concedido algum valor (reciprocidade
kantiana), mas sim pelo fato de que nós firmamos um pacto de não agressão que serve aos nossos
interesses (reciprocidade hobbesiana).30 Como eu havia argumentado acima, existe uma diferença
entre a reciprocidade moral baseada na noção da dignidade humana e a reciprocidade mutuamente
vantajosa, com fundamento no cálculo estratégico. Voltando ao exemplo do semáforo de trânsito, de
acordo com a concepção moral de reciprocidade, eu pararia meu carro porque acreditaria firmemente
que os outros motoristas ou pedestres têm o mesmo direito que eu possuo de atravessar o
cruzamento, portanto, eu tenho a obrigação correlata de parar. Numa comunidade limitada pela
reciprocidade moral, baseada em direitos, a lei deveria ser mais fácil de ser implementada.
Evidentemente que são inúmeros os empecilhos para se obter ou construir reciprocidade moral,
dificuldades essas que são ainda maiores em sociedades modernas e consumistas caracterizadas por
disparidades socioeconômicas profundas entre seus membros.

A ideia da moralidade, contudo, poderia ser mais formal, como a articulada por autores
contratualistas como Rousseau. Nesse caso, a justificativa moral para o respeito à lei não deriva do
fato de que um dado sistema jurídico esteja em harmonia com um conjunto pré-estabelecido de
valores embutidos nos direitos. O respeito à lei é devido ao fato de que os próprios cidadãos, sob um
procedimento especial justo, produzem leis reguladoras das relações sociais e da esfera pública. A
justiça do procedimento garantiria que a maximização do auto interesse fosse neutralizada, assim o
povo poderia deliberar em termos de bem público, o que criaria uma obrigação moral sobre todos os
cidadãos de aceitar esses resultados.31 Se nós seguirmos aqui a teoria de Rousseau acerca do Estado
de Direito, não apenas os procedimentos deveriam ser justos, mas também o resultado deveria ser
veiculado através de meios específicos que assegurassem a imparcialidade. Ou seja, por meio de leis
gerais. Neste sentido é importante enfatizar que a justiça procedimental não está limitada a processos
para edição de leis gerais, o que seria aceito por todos os participantes no processo político, mas
também trata da maneira pela qual essas leis são implementadas pelo Estado. Novamente seguindo
Rousseau, uma das maiores causas do declínio da democracia é a distorção na aplicação de leis
gerais feita por magistrados que tendem a defender seus próprios interesses privados em detrimento
da vontade geral expressa pela lei.32 Dessa maneira, a justiça da aplicação das leis é tão importante
quanto a justiça referente a sua produção. Se a aplicação do direito não for levada a cabo com
imparcialidade, de acordo com parâmetros de devido processo apresentados pela própria lei, o
Estado de Direito perderá sua autoridade e, consequentemente, o povo não o verá como uma diretriz
aceitável para a sua ação.33

Para resumir o argumento aqui elaborado, a obediência individual à lei é sustentada por três
conjuntos principais de razões: cognitiva, instrumental e moral. Conforme tentei argumentar, todas
essas razões são importantes para explicar por que os indivíduos (cidadãos e agentes públicos) agem
em conformidade com o Estado de Direito, mesmo que o peso de cada razão varie de acordo com a
natureza da ação, os atores envolvidos e as circunstâncias ou os círculos sociais nos quais as ações
ocorrem.

Notas
1
BRACTON, Henry. On the laws and customs of England.

2
O´DONNELL, Guillermo. Why the rule of law matters. Journal of democracy, pp. 32-46.

3
VIEIRA, Oscar Vilhena. A violação sistemática dos direitos humanos como limite à consolidação
do Estado de Direito no Brasil. Direito, cidadania e justiça.

4
CAROTHERS, Thomas. Promoting the rule of law abroad in search of knowledge, pp. 3-13.

5
THOMPSON, Edward P. Senhores e caçadores, p. 357.

6
TAMANAHA, Brian. On the rule of law, pp. 137-141.

7
WEBER, Max. Economia y sociedad, pp. 603-620.

8
UNGER, Roberto Mangabeira. O direito na sociedade moderna: contribuição à crítica da teoria
social, pp. 225-228.

9
HAYEK, Friedrich August von. A. O caminho da servidão.

10
HAYEK, Friedrich August von. A. O caminho da servidão.

11
RAZ, Joseph. The authority of law: essays on law and morality, p. 211.

12
RAZ, Joseph. The authority of law: essays on law and morality, p. 212.

13
Idem, pp. 216-217.

14
RAZ, Joseph. The authority of law: essays on law and morality, p. 220.
15
MARAVALL, José Maria; PRZEWORSKI, Adam (org). Democracy and the rule of law, p. 1.

16
HOLMES, Stephen. Lineages of the rule of law. Democracy and the rule of law, p. 20.

17
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status.

18
BENDIX, Reinhard. Nation-building and citizenship, p. 92.

19
Agradeço a Persio Arida por essa observação.

20
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. The federalist papers, cap. 51.

21
Com relação a isso, é importante destacar que o grau de conhecimento sobre a constituição política
na América do Sul é muito baixo; apenas 30% dos latino-americanos sabem alguma coisa ou muito
sobre a sua Carta Magna e apenas 34% conhecem os seus deveres e obrigações, Latinobarometro, p.
14.

22
GALLIGAN, Denis J. Law in modern society, pp 310-326.

23
ELLICKSON, Robert C. Order without law: how neighbours settle disputes, pp. 281-283.

24
BARRY, Brian. Justice as impartiality, p. 51.

25
BECKER, Gary. Crime and punishment: an economic approach. Journal of political economy, pp.
169-217.

26
FULLER, Lon L. The morality of freedom, pp. 21-25.

27
DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue, theory and practice of equality.

28
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and
democracy, p. 119.

29
Idem, p. 82.

30
REISS, Hans. Kant: political writings.

31
ROUSSEAU, Jean-Jacques. The social contract, pp. 339-340.

32
ROUSSEAU, Jean-Jacques. The social contract, p. 418.

33
TYLER, Tom. Why people obey the law.

Referências
BARRY, Brian. Justice as impartiality. Oxford: Oxford University Press, 1991.
BECKER, Gary. Crime and punishment: an economic approach. Journal of political economy, v. 76.
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1964.

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UNGER, Roberto Mangabeira. O direito na sociedade moderna: contribuição à crítica da teoria


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VIEIRA, Oscar Vilhena. A violação sistemática dos direitos humanos como limite à consolidação do
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Revista dos Tribunais, 1995.

WEBER, Max. Economia y sociedad. 2. ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.

Citação
VIEIRA, Oscar Vilhena. Estado de Direito. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes
Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e
Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire
(coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/78/edicao-1/estado-de-direito

A relação entre Estado e direito sob


os prismas da teoria geral do direito e
teoria geral do Estado
Exibindo página 1 de 3

Luan Lincoln Almeida Paulino


06/12/2015 às 10:07
Por uma abordagem histórica-conceitual, debate-se a visão da
doutrina acerca da relação entre Estado e Direito e sua relevância
para assegurar segurança e justiça ao povo.

Resumo: A relação entre Direito e Estado é um tema que incita


estudos na Teoria Geral do Direito e Teoria Geral do Estado. Essas
ciências procuram, de forma sistemática, estudar como o Estado se
forma, quais seus objetivos, e como ele se relaciona ao Direito na
busca do bem comum. Por isso, partiu-se das elucubrações das
mencionadas ciências para alcançar os resultados a que se propõe
este trabalho, quais sejam, de demonstrar a maneira como o Estado
se relaciona com o Direito, e como ambos controlam a vida das
pessoas no seio social. Assim, considerou-se o Estado de Direito
nesta pesquisa, porquanto este tipo de Estado representa claramente
a relação entre Estado e Direito, pois no Estado de Direito a lei
impera, assim como a lei é elaborada pelo Estado, portanto há
interpenetração entre o Estado e o Direito. Para atingir os objetivos
propostos pelo presente trabalho, utilizou-se do método dedutivo (do
geral para o particular), pois o estudo partiu dos pressupostos das
concepções gerais da Teoria do Direito e da Teoria do Estado.
Utilizou-se, também, o método histórico para retratar alguns dados do
passado acerca do assunto em pauta. A técnica de pesquisa usada foi
a técnica bibliográfica.

Palavras chaves: Estado. Direito. Estado de Direito. Teoria Geral do


Direito. Teoria Geral do Estado.

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como finalidade elucidar, a partir dos estudos
da Teoria Geral do Direito e Teoria Geral do Estado, de que maneira
ocorre a relação entre Direito e Estado, com o fim último de
conscientizar as pessoas acerca de tal relação presente em todos os
atos da vida civil. Para isso, organizou-se este artigo por meio do
estudo isolado das partes (Estado e Direito) para depois correlacioná-
los e, assim, garantir uma leitura fácil, haja vista que estudando
primeiramente os elementos do todo isoladamente (mediante método
cartesiano), e, após, estudá-los de forma conjunta, integrando-os, é
que se torna possível uma compreensão sistemática do tema a que se
propôs esta pesquisa.

A relação entre Estado e Direito é um tema que suscita divergências


entre os juristas e politicólogos, pois não é possível estabelecer de
modo absoluto como acontece tal relação. Três teorias distintas
despertam debates na doutrina acerca da relação em estudo, que são
a teoria monística, a teoria dualística e a teoria do paralelismo, sendo
esta última a mais coerente, pois não cai no extremismo das outras
duas. Do mesmo modo, na sociedade civil, as pessoas leigas buscam
saber de que forma o Estado e o conjunto de leis emanadas dele se
estruturam e se organizam, uma vez que são as leis e o Estado que
dirigem a conduta social dos indivíduos, então, desprezar tal tema é
erro grave, que deixa as pessoas alienadas à realidade normativa e
burocrática que os cerca.

Assim, o presente trabalho buscará demonstrar, de modo conciso e


claro, levando-se em conta as limitações da brevidade de um artigo, a
forma com que o Estado exerce o seu imperium sobre o povo, de
forma conjunta com o Direito. O povo precisa ter consciência da
importância da compreensão da relação entre os maiores meios de
controle social (Estado e Direito), pois a todo instante, implícita ou
explicitamente, eles estão presentes na vida civil na forma de leis,
políticas públicas, medidas administrativas, etc.

Em que pese todo esse poder de controle social do Estado e do


Direito, é preciso destacar que eles são apenas meios de consecução
de fins e não fins em si mesmos como muitas vezes se pensa, sob
pena de demolir o edifício estatal democrático. Destarte, o povo deve
estar atento para isso, para não perder seus direitos no Estado
Democrático, uma vez que é o próprio povo a externalização do poder
soberano. Por conseguinte, a indiferença popular abre espaço para o
autoritarismo, a corrupção, o totalitarismo, a demagogia, a tirania, etc.,
enfim, todas as formas de males estatais.

Por fim, a organização do artigo se deu da seguinte forma: a seção


dois tratou da evolução histórica da concepção do Estado, desde o
Estado antigo até o moderno. A seção três discorreu sobre a
concepção de Estado. Em seguida, a quarta seção abordou os
elementos do Estado. No quinto capítulo, tentou-se diferenciar a
Nação e o Estado. Na sexta seção passou-se para o enfoque da
Teoria do Direito acerca da concepção do Direito. A sétima seção
tratou de estudar a relação ora enfocada do Estado e do Direito, para
depois, na última seção, intitulada de considerações finais, chegar-se
às conclusões do presente estudo.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO


O termo Estado no sentido de sociedade política (sociedade de fins
gerais) é de uso relativamente recente, embora sua configuração seja
anterior ao aparecimento da Teoria Geral do Estado. [3]

Sob o prisma etimológico, ensina Menezes que:

A palavra Estado, derivada do latim status, surgiu na Renascença,


com o significado em que hoje a utilizamos, assim isolada e no sentido
de nomear, sob feição gramatical, alguma coisa em substância. É,
portanto, um substantivo masculino, cuja expressão técnica, no
vocabulário científico [...] deve-se a Nicolau Maquiavel (1469-1527).
[4]

A ideia de Estado se desenvolve desde a antiguidade, partindo da


Grécia e de Roma, perpassando pela Idade Média, depois pela Idade
Moderna, para enfim chegar à Idade Contemporânea. Os gregos
denominavam ao Estado polis, que significa cidade. Isso se deve ao
fato de a Grécia se dividir em cidades com governo (primeiramente
aristocrático, depois democrático) e recursos próprios, de modo tal
que essas cidades se autodenominavam de Cidades-Estado. Embora
esse fenômeno tenha ocorrido na Grécia, todas as cidades-estado
gregas como Atenas, Esparta, Tebas, etc., mesmo que
independentes, não deixavam de se referirem a uma comunidade (to
koinòn), que era a Grécia como o todo. [5]

Em Roma, o Estado era a civitas, a comunidade geral. Era o conjunto


de cidadãos romanos. Vivia-se, de início, em uma democracia, onde o
povo participava das decisões políticas, entretanto, a parcela de
pessoas que compreendiam o povo era muito pequena, pois somente
os cidadãos romanos eram considerados de tal modo, e isso excluía
as mulheres e os estrangeiros. [6]

Na Idade Medieval, o Estado era enxergado a partir da ideia de


império ou reino, isto é, uma unidade política com uma porção
territorial sob os comandos de um imperador ou rei. “A própria Igreja
vai estimular a afirmação do Império como unidade política” Contudo,
[7]

a organização político-jurídica da época era fragmentada em territórios


soberanos chamados de feudos, cujo governo era realizado pelo
Senhor Feudal. Isso causava problemas ao Império como

uma infinita pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida;


uma incontável multiplicidade de ordens jurídicas, compreendendo a
ordem imperial, a ordem eclesiástica, o direito das monarquias
inferiores, um direito comunal que se desenvolveu
extraordinariamente, as ordenações dos feudos e as regras
estabelecidas no fim da Idade Média pelas corporações de ofícios. [8]

Pode-se deduzir que, em decorrência deste quadro de instabilidade


política, jurídica e social, a necessidade de ordem e autoridade se
avultou, de tal modo que foi o germe para o surgimento do Estado
Moderno.

Na Idade Moderna, o Estado se avulta da necessidade de


estabelecimento de um poder forte e uno. Nesse contexto, Tomas
Hobbes, em seu livro “O Leviatã”, defende a ideia de que o Estado,
derivado de um contrato social, deve ser o gigante soberano e
absoluto incumbido de garantir a ordem e a paz, já que o homem em
estado de natureza é mau. Essa concepção justificava a
irresponsabilidade do imperador ao agir do modo como bem
entendesse, chegando ao ponto de reis e imperadores afirmarem ser
o próprio Estado, redundando em muita injustiça social, pois o reino só
privilegiava os nobres e os clérigos. Era o que se chamava de
absolutismo.

Como forma de combater o absolutismo, os burgueses criaram a ideia


de Estado como mal necessário à segurança interna, não podendo
intervir nas relações econômicas (liberalismo).

Mais tarde, o viés da ideia de Estado mudou. O Estado puramente


liberal gerou crises, com destaque na crise econômica de 29. Esta
gerou terreno propício ao aparecimento de Estados intervencionistas,
autoritários e totalitários, como o Estado nazista alemão, o Estado
fascista italiano e a União Soviética stalinista, que se mostraram
prejudiciais para a humanidade.

Por derradeiro, surge a concepção de Estado hodierno no final do


século XX, como o assegurador da ordem social, bem como do bem
estar social, sempre visando o bem comum, podendo intervir na
economia quando necessário, inobstante, sem extrapolar os limites da
liberdade individual, que não deve ser preterida, mesmo no Estado
Providência.

3 CONCEPÇÃO DE ESTADO
A conceituação de Estado é objeto de diversas discussões
doutrinárias, de tal modo que se é impossível encontrar um conceito
absoluto a respeito, pois o politicólogo e o jurista não se encontram
isentos de subjetividade quando conceituam ou definem o Estado,
resultando em variadas interpretações e divergências. De qualquer
[9]

forma, o presente estudo procurará esclarecer, da melhor forma


possível, a ideia de Estado.

É comum definir categoricamente o Estado como sendo a “nação


politicamente organizada”. Contudo, esta definição, já obsoleta,
[10]

possui falhas evidentes. O conceito de Estado não pode ser


confundido com o de nação (que será analisado mais a diante). No
mesmo contexto, a expressão “politicamente organizada” não possui
rigor científico, bem como exclui o aspecto jurídico do Estado.
[11]

O Estado pode ser conceituado sob o prisma político e jurídico. Este


compreendendo as teorias que dão relevo ao elemento jurídico do
Estado, asseverando que todos os demais possuem existência
independente fora do Estado. O outro dá primazia ao elemento força
do Estado não se excluindo o aspecto jurídico, mas o Estado é
enxergado, acima de tudo, “como força que se põe a si própria e que,
por suas próprias virtudes, busca a disciplina jurídica” .
[12]

Como forma eclética, parece coerente estabelecer um conceito de


Estado que abarque tanto a noção jurídica quanto a política. É nesse
sentido, pois, que Dallari leciona a respeito, discorrendo o Estado
como sendo:

A ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo
situado em determinado território. Nesse conceito se acham presentes
todos os elementos que compõem o Estado, e só esses elementos. A
noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é
referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade
do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a
vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territoriedade,
limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na
menção a determinado território. [13]

Desta conceituação é possível tirar os elementos essenciais do


Estado: soberania (havendo uma minoria que a substitui por governo),
território, povo (uma minoria entende que na verdade é a população)
e, para alguns, escopo de promover o bem coletivo.

4 ELEMENTOS DO ESTADO
O povo é o elemento gerador do Estado. “Sem essa substância
humana não há que cogitar da formação ou existência do Estado”. É [14]

por meio dele que o Estado expressa a sua vontade. Além do mais,
em um Estado Democrático, o povo é o ente que escolhe os dirigentes
do Estado.

É oportuno diferenciar a população do povo, já que não há total


concordância na doutrina quanto a qual dos dois é elemento
constitutivo do Estado. Para uma corrente minoritária de
doutrinadores, a população é elemento substancial do Estado,
contudo, o que se verifica, é que a população é mera demografia,
soma de indivíduos que se encontram em um território, mesmo que
temporariamente. Destarte, a população não diz nada acerca de
vínculos jurídicos com o Estado, não sendo apropriado considerá-la
elemento estatal em termos jurídicos. [15]

Por outro lado, a expressão povo se liga ao Direito. O povo possui


vínculo jurídico e político com o Estado. Deve-se entender como povo,
“a parcela da população de determinado Estado que com ele mantém
vínculos de natureza política, além dos de natureza jurídica”.
Portanto, povo é a parcela da soma de pessoas de determinado
[16]

território estatal (população) que se vincula ao Estado juridicamente,


bem como politicamente.

Destaca-se, ainda, como nota distintiva do povo a cidadania, que


também o diferencia da população. Ou seja, o status de um sujeito
vinculado à ordem jurídica e política estatal. A capacidade de
participar ativamente (votar) ou passivamente (ser votado) da vida
política. No mesmo sentido ensina Silva acerca da cidadania:

Cidadania [...] qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo


das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político
decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido
pela representação política. Cidadão [...] é o indivíduo que seja titular
dos direitos políticos de votar e ser votado e suas conseqüências. [17]

Somente o povo tem o supracitado atributo político da cidadania, isto


é, de participar da configuração política do Estado. Assim, conclui
Dallari que:

Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que,


através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado,
estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente,
participando da formação da vontade do Estado e do exercício do
poder soberano. Essa participação e este exercício podem ser
subordinados, por motivos de ordem prática, ao atendimento de certas
condições objetivas, que assegurem a plena aptidão do indivíduo.
Todos os que se integram no Estado, através da vinculação jurídica
permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da
constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-
se, assim, conceituar o povo como o conjunto dos cidadãos do
Estado. Dessa forma, o indivíduo, que no momento mesmo de seu
nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para considerar-
se integrado nele, é, desde logo, cidadão. Mas [...] o Estado pode
estabelecer determinadas condições objetivas, cujo atendimento é
pressuposto para que o cidadão adquira o direito de participar da
formação da vontade do Estado e do exercício da soberania. Só os
que atendem àqueles requisitos e, conseqüentemente, adquirem estes
direitos, é que obtêm a condição de cidadãos ativos. [18]

Quanto à soberania, seu conceito teve origem no final da Idade Média


com os monarcas, que eram soberanos. Todavia, somente no século
XVI que o conceito de soberania amadureceu e se tornou
sistematizado. [19]

A soberania “é a expressão máxima do poder estatal”. Sua [20]

conceituação clássica é dada por Jean Bodin, in verbis: “soberania é o


poder absoluto e perpétuo de uma República” Destarte, a soberania
[21]

é o poder máximo de um Estado, ilimitado e incondicionado por


nenhum outro poder.
Três são as perspectivas de análise da soberania. Uma, puramente
política, entende a soberania como a total eficácia do poder, o poder
incontrastável, sem preocupação em ser legítimo ou jurídico, somente
importando em ser absoluto. Por conseguinte, nessa visão, os
Estados se tornam egoístas, e só consideram Estado aquele que tem
força para tanto. Outra concepção, puramente jurídica, vê na
soberania o poder de decisão em última instância acerca da
atributividade das normas jurídicas. Uma terceira posição, defendida
por Miguel Reale, de base culturalista, chega ao meio-termo, uma vez
que vislumbra na soberania, de modo indissolúvel, os aspectos
sociais, jurídicos e políticos.
[22]

No que tange às características da soberania, reconhece-se que ela é


una, indivisível, inalienável e imprescritível. É una porque só pode
haver um poder soberano no Estado. É indivisível porque a soberania
se aplica a uma totalidade de fatos no Estado, não sendo admissível
dividi-la. É inalienável, pois aquele que a possui não pode transferi-la.
É imprescritível porque não há prazo para a soberania, ela não finda
com o tempo. Acrescente-se ainda que ela é originária, exclusiva e
coativa. Originária porque nasce com o Estado, exclusiva porque só
pertence ao Estado, e coativa, porquanto a soberania, no seu
desempenho, possui mecanismos de coação. [23]

No que diz respeito ao território, reconhece-se que ele, também, é


elemento indispensável do Estado. Estados sem ele não passaram de
mera ficção. Hodiernamente, é impossível falar de Estado sem
[24]

mencionar o seu respectivo território, pois este é o elemento físico e


geográfico que delimita até onde se estende a soberania de um
Estado.

Frisa Maluf que o território é patrimônio sagrado e inalienável do povo,


assim como:

É o espaço certo e delimitado onde se exerce o poder do governo


sobre os indivíduos. Patrimônio do povo, não do Estado como
instituição. O poder diretivo se exerce sobre as pessoas, não sobre o
território. Tal poder é de imperium, não de dominium. Nada tem em
comum com o direito de propriedade. A autoridade governamental é
de natureza eminentemente política, de ordem jurisdicional. O
território, sobre o qual se estende esse poder de jurisdição,
representa-se como uma grandeza a três dimensões, abrangendo o
supra-solo, o subsolo e o mar territorial.
[25]

Ademais, o território possui a característica do princípio da


impenetrabilidade, que significa dizer que o Estado possui o
monopólio de ocupação do território, sendo defeso àqueles Estados
estranhos entrarem no território sem permissão expressa do Estado
Soberano. [26]

Outro ponto a ser destacado de suma importância é o estudo do


alcance da extensão territorial, isto é, a demarcação do solo, subsolo,
mar e espaço aéreo. A fixação desses limites é tarefa dos próprios
Estados em seus tratados internacionais, bem como em suas leis
internas, onde estabelecem critérios de demarcação. No que se refere
ao solo e subsolo não há problemas, contudo, no que diz respeito à
extensão do mar e do espaço aéreo encontram-se problemas. Para a
solução de tais problemas, têm-se utilizado de critérios objetivos como
duzentas milhas para o mar, fixação de altura-limite para o ar.[27]

Por último, cumpre tratar acerca da finalidade do Estado, que é a


busca pelo bem geral, de modo a garantir o benefício da maioria,
mormente em uma democracia.

Sabe-se que a insuficiência do homem isolado o leva a unir-se com


outro homem, constituindo-se, assim, a sociedade humana.
Inobstante, com o passar do tempo, os homens percebem a
insuficiência da própria sociedade, no sentido de promover o bem
geral, pois são egoístas por natureza, descambando na verdadeira
desordem. Para a solução deste problema, os homens fazem um
acordo, no qual a liberdade humana é restringida para preservar a
ordem e a paz, nascendo, desse modo, o Estado. Este, por sua vez,
deve ter o fim precípuo de promover o bem-comum (teoria
contratualista).

Como mencionado acima, o fim do Estado é o bem comum, “que


consiste no conjunto das condições para que as pessoas,
individualmente ou associadas em grupos, possam atingir seus
objetivos livremente e sem prejuízo dos demais”. Esse conjunto de
[28]

condições para o desenvolvimento integral das pessoas varia de


Estado para Estado, segundo suas particularidades. [29]

Destarte, o Estado não pode se desvirtuar do bem comum, sob pena


de ilegitimidade e crise do mesmo. Para tanto, é mister que o Estado
seja o meio para alcance do fim geral da sociedade (bem-comum). Do
contrário, o Estado deixa de ser democrático e se torna totalitário ou
autoritário (quando o fim for a autoridade do governante). No mesmo
contexto, Cicco e Gonzaga lecionam que:

O bem comum pode ser desconfigurado quando o Estado, de meio ou


instrumento para atingir o bem comum, se torna fim em si mesmo,
assumindo formas totalitárias em que as pessoas se sacrificam pelo
Estado, social e economicamente e nada recebem dele que justifique
suas exigências tributárias ou imposições legais. [30]

Em síntese, o Estado como ente mantedor da ordem interna, deve ter


a finalidade principal do bem comum e jamais tornar-se fim em si
mesmo, sob pena de desconfiguração do Estado Democrático de
Direito (nomenclatura usada pela Constituição Federal do País).

5 DIFERENÇA ENTRE NAÇÃO E ESTADO


A Nação deve ser entendida a partir da junção de pessoas com afinidades
espirituais e teleológicas comuns.

A Nação está ligada ao sentimento popular de se unir. Ela não precisa de um


território específico para existir, tampouco é delimitada por um. Destarte, o
vínculo gerado pela Nação é transcendente, porquanto ultrapassa fronteiras,
haja vista que se forma pelo sentimento de semelhança, origem, costumes,
etnia, idioma, etc., enfim, aspectos culturais apenas, de tal forma que quando
se fala em nação também se fala em comunidade.

A doutrina tradicional entende a Nação sob os seguintes aspectos: a)


elementos naturais, abarcando raça, língua e território; b) elementos históricos,
compreendendo as tradições, os costumes, a religião e as leis; c) elemento
psicológico, que é a consciência nacional, a aspiração comum. [31]

No tocante aos elementos naturais, têm-se que a raça e o território não podem
ser considerados elementos constitutivos da Nação. A raça não é fator
determinante de uma Nação, haja vista que no Brasil e nos Estados Unidos,
constituídos de muitos imigrantes, a raça não é elemento distintivo de uma
Nação. Do mesmo modo o território não é elemento constitutivo, prova disso
são os ciganos, os judeus, os palestinos, os cristãos, etc. Todavia, a língua é
traço característico da Nação, uma vez que a língua é adaptada às
peculiaridades de cada Nação, como ocorre com o português no Brasil.
[32]
Assim entende Filomeno ao afirmar que:

Já não existe mais uma língua portuguesa falada no Brasil, mas sim uma
língua brasileira. Isto porque não apenas a embelezamos, tornando-a muito
mais sonora, clara, cadenciada e inteligível, com supressão dos sons
marcadamente guturais dos lusitanos ou então exageradamente sibilados, ou
ainda com supressão de sílabas inteiras, como também a tornamos
praticamente uniforme na grafia e com pequenas variações semânticas de
acordo com as diversas regiões do País. [33]

Quanto aos elementos históricos, tratam-se dos fatores sociais instituídos que
mudam com o passar do tempo e acompanham os anseios e necessidades
grupais. Como já dito, eles são as tradições, os costumes, a religião e as leis.

Entende-se por tradições “o conjunto das conquistas culturais de um povo” [34],


portanto, é possível dizer que as tradições são fatores característicos de uma
Nação.

Os costumes, igualmente, permitem a mesma inferência, uma vez que eles


compreendem o conjunto de usos reiterados ao longo do tempo, que varia de
lugar para lugar, de nação para nação. [35]

Todavia, analisando a religião, percebe-se que ela não pode seguir o mesmo
viés, bem como não pode ser considerada como um aspecto da Nação,
porquanto no mundo contemporâneo o fenômeno religioso se propaga de
maneira integradora, ultrapassando as fronteiras estatais e abarcando diversos
povos. Não há que se considerar, pois, a religião como elemento da Nação.

Cabe ainda esclarecer o assunto quanto às leis. Para tanto, é preciso escolher
um prisma do qual se partirá a análise, se é o formal ou o material. Sob o ponto
de vista formal, a lei como norma abstrata, geral, permanente, emanada de um
órgão competente, de cunho obrigatório e escrita, em outras palavras, norma
jurídica positiva emanada do Estado, não deve ser entendida como elemento
da nação. Por outro lado, sob a ótica material, a lei deriva do costume popular,
que é obedecido pelas pessoas para a conservação da ordem social, de modo
que um costume por demais importante para a referida ordem alcança o status
de lei, sendo apropriado afirmar que a lei é elemento da nação. [36]

No que tange ao elemento psicológico, conclui-se que este é o mais


importante, pois sintetizam todos os demais elementos e moldam os
sentimentos nacionalistas de consciência nacional, aspiração comum, alma
coletiva ou mesmo simpatia por fins semelhantes.

Sob o prisma da doutrina moderna, comunga-se da ideia de que a


diferenciação essencial entre Estado e Nação é que o primeiro é uma
sociedade, e a segunda uma comunidade. Enquanto a sociedade se forma por
atos de vontade humana, objetivando o bem da maioria, de modo que é
perfeitamente possível a convivência de pessoas com concepções divergentes
nela; a comunidade independe da vontade para existir, surge como fato antes
mesmo dos seus integrantes tomarem ciência de sua existência, e orienta-se
para o fim da preservação da própria comunidade. [37] Além disso, a Nação
vincula os seus membros por aspectos psicossociais e culturais, enquanto que
o Estado vincula os seus membros via ordem jurídica comum.

No mesmo sentido, a Nação está ligada mais ao fator tempo do que o Estado,
pois a história daquela é fundamental à sua própria conceituação. [38]Com efeito,
fica assentada, enfim, a diferença entre Estado e Nação.
6 CONCEITO DE DIREITO
A palavra direito deriva do latim directum, que significa direção, regra.
[39]
Portanto, em sua origem, a palavra direito já remetia à ideia de não desvio,
retidão, e mesmo justiça, podendo-se até mesmo extrair a essência da noção
jurídica a partir do aspecto etimológico.

Cabe, antes de prosseguir à conceituação do Direito, destacar as acepções da


palavra Direito no vernáculo, pois como a maioria das palavras, o direito não
possui rigor semântico, isto é, o direito não é um vocábulo unívoco.

Uma delas é a palavra direito tomada no sentido de direito objetivo (conjunto de


normas), aqui o Direito reduz-se às normas de conduta. Outra é a do Direito
sob o aspecto subjetivo, no sentido de regalia, prerrogativa, faculdade, donde o
termo direito subjetivo. Há, também, o direito no sentido de sistema de
conhecimento, isto é, o direito como Ciência Jurídica. Fala-se, ainda, em direito
como sinônimo de justiça (direito no sentido axiológico).

Esclarecida esta fase puramente etimológica e semântica, parte-se agora para


os estudos epistemológicos e teóricos.

Como afirma a professora Maria Helena Diniz “a definição essencial do direito é


problema supracientífico, constituindo campo próprio das indagações da
ontologia jurídica”[40]Portanto, a noção de Direito é metajurídica, isto quer dizer
que a fixação do conceito de Direito cabe às ciências jurídicas auxiliares,
sobretudo a Filosofia Jurídica.

O Direito possui uma gama de definições e conceituações. Por se tratar de


uma ciência humana, passível de inexatidão, defini-la de modo absoluto e
definitivo é tarefa inócua. Inobstante, é preciso conceituar o Direito em linhas
gerais para posteriormente correlacioná-lo ao Estado.

O conceito de Direito pode ser vislumbrado sob vários prismas. Na Religião, o


direito é visto como conjunto de normas feitas pelo homem sob o mandamento
e a benção divinas. Na política, o direito apresenta-se como as regras de
controle e poder, falando-se, assim, das normas de organização estatal e de
conduta. Na filosofia, o Direito é um conjunto de normas segundo uma
valoração dos fatos ocorridos em determinado momento histórico (teoria
tridimensional do direito). E cientificamente falando, o Direito é visto como o
conjunto de regras advindas das normas positivas, dos costumes, dos
princípios, da doutrina e da jurisprudência, sendo devido a estas que a
convivência humana se torna possível. [41]
Além dos pontos de vista supramencionados, não se pode esquecer de tratar
das correntes doutrinárias da Teoria do Direito, cada uma entendendo o Direito
de uma maneira.

No enfoque juspositivista o Direito é entendido como um conjunto de normas


emanadas e impostas pelo Estado. Trata-se do Direito vigente em determinada
sociedade e momento histórico. É um direito mutável, que precisa se adaptar
constantemente às vicissitudes sociais. No mesmo viés, o normativismo
jurídico, defendido, sobretudo, por Kelsen, reduz o Direito à norma, a fim de
torná-lo uma ciência autônoma e pura. Por conseguinte, esta concepção
também é chamada de Teoria Pura do Direito. Portanto, estas duas correntes
creem que o Direito é a norma a posteriori.

De lado diametralmente oposto, o jusnaturalismo, cujo corifeu foi Hugo Grócio,


propugna que o Direito é um conjunto de normas preexistentes, anteriores ao
homem, por isso universais e eternas. Nascem com a razão humana, e são
iguais para todos. É o direito existente em todas as sociedades e em todos os
tempos. Não pode ser violado, pois é constituído de leis naturais e inatas. São,
pois, normas a posteriori.

É importante, ainda, mencionar outra corrente de relevância na explicação do


Direito: o Historicismo Jurídico. Seu precursor foi o jurista alemão Savigny. O
historicismo vê o direito como um fenômeno espontâneo do povo, manifestado
na forma de costume. Isso porque para os historicistas, o costume é “fonte do
direito por excelência, por corresponder mais fielmente aos ideais e
necessidades da sociedade em dado momento histórico e por acompanhar de
perto as transformações dos demais fatos históricos (econômicos, éticos,
políticos, etc.)”[42]

Os historicistas se opõem ao jusnaturalismo, porque esta linha de pensamento


exclui o direito da história, assim como se opõem ao juspositivismo, cujos
seguidores reduzem o direito à norma positivada. Para o historicista, o direito
está na história e a acompanha, de modo imperceptível e espontâneo, na
forma de costume emanado pelo povo. Ademais, compara o direito à
linguagem, que aparece e se desenvolve espontaneamente, do mesmo modo
que o direito se forma na sociedade. Assim, “o legislador não cria o direito”.
[43]
Tampouco aos juristas cabe a criação do Direito. Cabe a eles somente a
sistematização do Direito. Por isso, na concepção historicista, “as normas
jurídicas identificadas e sistematizadas só serão válidas e eficazes se fiéis ao
espírito do Direito consuetudinário”. [44]

Passando-se para o enfoque da Dogmática Jurídica, deve-se atentar para


algumas notas características do Direito que o diferenciam das outras
ordenações sociais, como as morais, religiosas, costumeiras, etc.

Há muito tempo, nos primórdios da sociedade, o Direito não era visto como
ente autônomo. Era confundido com a Moral e a Religião, sendo impossível
estudar o Direito de forma específica. Mesmo os gregos, na Idade Antiga, não
foram capazes de destacar o direito das demais normas sociais. Somente a
partir dos estudos dos juristas romanos é que o Direito passou a se apresentar
como ordenação e ciência autônoma. A partir daí, o Direito começa a ganhar
importância para os estudiosos, sendo que hoje em dia o Direito é uma das
ciências humanas mais relevantes para a vida social das pessoas. Ciência
prática por excelência, o Direito ordena a sociedade na busca do bem comum.

Ganhando força para os estudiosos, o Direito enseja a criação da Teoria Geral


do Direito. Os pesquisadores desta ciência, os doutrinadores, comungam que o
Direito possui características peculiares que o distinguem dos demais meios de
controle social: a bilateralidade (bilateralidade-atributiva segundo Reale),
generalidade, objetividade e coercibilidade. É bilateral porque se apresenta nas
relações humanas na forma de obrigações de um lado e pretensão de exigir de
outro (credor e devedor, por exemplo). É geral porque se aplica a inúmeros
sujeitos que se encontrem sob domínio de um dado Estado. É objetivo porque
advém do Estado e obriga indiferentemente da vontade individual (Lex jubeat,
non saudeat). Além disso, é coercível porque dispõe do aparato e da força
repressiva do Estado para garantir o adimplemento de suas normas.

Não se pode olvidar que esta última característica do Direito só é legítima se


tiver como razão última a garantia da segurança e da justiça sociais. Do
contrário, o Direito será utilizado como instrumento de opressão e controle
apenas.

Assim, entende Gusmão, que o Direito é definido como “a garantia da ordem e


da paz sociais com o mínimo sacrifício da justiça”. [45] Essa definição de Gusmão
quer ressaltar que o Direito é o conjunto de normas que asseguram a ordem e
a paz (valor da segurança jurídica), que ao mesmo tempo protegem de um
mínimo de justiça razoável. A Justiça é o valor último do Direito, entretanto, não
deve ser visado de modo absoluto em detrimento da segurança (a recíproca
também é verdadeira), tendo-se que sopesá-los para a existência de um Direito
legítimo, senão ideal.

Tal definição aparenta ser perfeita, contudo, não demonstra como o Direito se
forma e como ele se estrutura no seio social.

Por isso, é preciso atentar para a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel


Reale, que parecer ser a teoria que melhor explica o Direito. Como é comum,
as melhores definições e conceituações são oriundas da Filosofia, nesse caso
da Jusfilosofia.

Para Reale, o Direito possui três aspectos, um normativo (o Direito como


sistema de normas), um fático (Direito em sua efetividade social) e um
axiológico (o Direito como valor Justiça). [46]Portanto, o Direito possui uma
estrutura tridimensional (fato/valor/norma).

No mesmo diapasão, o professor Reale afirma que “desde o aparecimento da


norma jurídica – que é síntese integrante de fatos ordenados segundo valores
– até ao momento final de sua aplicação, o Direito se caracteriza por sua
estrutura tridimensional”. [47]
Nesse sentido, o Direito é explicado da seguinte forma: se um determinado fato
social (econômico, geográfico, político, moral, religioso, etc.) em um dado
momento histórico se avultar de importância tal para uma sociedade (valor) que
tiver necessidade de ser ordenado, de modo integrador entre o fato e o
respectivo valor, formar-se-á a norma jurídica. Isto posto, Reale conclui:

Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura


tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a
ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de
convivência, segundo uma integração normativa de fatos e valores. [48]

Em conclusão, conceituado o Direito, partir-se-á, na sequência, para o


estabelecimento da correlação entre Direito e o Estado, que é essencial à
compressão da estrutura política e jurídica de uma dada sociedade, uma vez
que a relação dialética entre estes dois entes institucionalizados formam todo o
sistema administrativo e normativo de uma sociedade.

7 RELAÇÃO ENTRE ESTADO E DIREITO


São três as principais teorias que explicam a relação entre o Direito e o Estado:
a monística, a dualística e o paralelismo. Antes de proceder ao estudo da
relação entre Estado e Direito na doutrina atual, é preciso expor cada uma das
citadas teorias na quais os estudiosos se apóiam em suas elucubrações a
respeito, a fim de demonstrar a concepção que possui a maioria de adeptos na
comunidade científica, bem como tentar explanar de forma sistemática a
referida relação.

A teoria monística, também chamada de estatismo jurídico, considera o Direito


e o Estado como entes iguais, redudando em confusão entre os dois.

Para os monistas, o direito estatal é o único existente, sendo um de seus


defensores Hans Kelsen. Para ele só o direito positivo, ou seja, o direito
advindo do Estado é válido, bem como somente os atos estatais só são válidos
se apresentados sob formas jurídicas. [49]

De lado diametralmente oposto está a teoria dualística. Também chamada


pluralística, a teoria dualística sustenta que o Estado e o Direito são realidades
independentes e distintas. Tal teoria defende que o Estado não é a única fonte
do Direito, mas só uma categoria delas, pois o Direito é formado por diversas
fontes sociais como os costumes, os princípios, que são aplicados em caso de
omissão da norma jurídica estatal. Essa teoria propugna, pois, que o Direito é
um fato social e não estatal. [50]
Como é comum nas ciências humanas da atualidade, procura-se encontrar o
meio-termo para dois extremos teóricos. É assim, pois, que se manifesta a
teoria do paralelismo, que comunga da ideia de que o Direito e o Estado são
realidades distintas, contudo, interdependentes.

Teve como defensor o jurista e jusfilósofo italiano Giorgio Del Vecchio, que
embora defendesse o pluralismo jurídico de um lado, admitia a preponderância
do direito estatal, de outro. [51] Assim comentam Cicco e Gonzaga:

Giorgio Del Vecchio apresenta uma graduação da positividade jurídica,


reconhecendo a existência de um Direito não estatal, ou seja, existem outros
centros de determinação jurídica que não o Estado, embora este seja o
principal centro de irradiação do Direito Positivo. [52]

Para o pleno entendimento da relação entre Direito e Estado é preciso partir


de um dos três troncos doutrinários ora explicados. A compreensão da relação
entre os dois necessita de uma base teórica na qual irá se assentar.

Com efeito, na relação entre o Estado e o Direito há uma relação de


complementaridade. “O Direito emana do Estado e este é uma instituição
jurídica”.[53] Nesse sentido, o Estado é “a um só tempo, a fonte irradiadora de
Direito e ente garantidor de sua efetiva observância, mediante meios
coercitivos.”[54]

Deve-se atentar para o fato de que a intervenção estatal no Direito não se


resume à elaboração de leis, mas também aplicar o Direito aos casos
concretos com que os homens sociais se deparam na vida civil. [55]

Do mesmo modo, o Estado surge a partir de uma institucionalização normativa


do Direito, por presunção de aquiescência do povo. Este, por sua vez,
mormente em um Estado Democrático, é o titular do poder constituinte (poder
de elaborar a norma fundamental do Estado, a Constituição), cujo poder é
exercido mediante mandato político outorgado aos membros do Poder
Legislativo, que elaboram as normas jurídicas de um Estado.

Nessa relação entre Direito e Estado é patente a eficácia do direito positivo (ou
direito estatal), que decorre do aparelho de segurança estatal, bem como da
força do Juridiciário.[56]

O Direito positivo é estatal por excelência e representa, na prática, a relação do


Estado e do Direito de forma clara. Todavia, o Estado não pode preterir os
direitos fundamentais, os direitos humanos, bem como os princípios gerais do
Direito, que configuram o direito natural, uma vez que o fim precípuo do Estado
é garantir o bem comum de forma ordenada e direcionada, e sem a
consideração dos direitos anteriores ao homem isso é impossível de ser
realizado. Assim, o Estado deve ser capaz de fomentar um aparato jurídico
cuja estruturação seja um sistema de normas positivas e naturais, que se
complementam dialeticamente. Como já se tratou anteriormente, o valor Justiça
não é desprezado no seio social, por isso o Estado deve estar atento a
aproximar os indivíduos da concretização desse valor.

Reitera-se que o Estado é um instrumento para alcance de fins populares, por


isso, o Estado não pode atuar de modo arbitrário na sociedade, utilizando-se
da força coercitiva do Direito para se impor de forma discricionária, sob pena
de destruição do Estado Democrático e impossibilidade de efetivação do bem
comum.

Para tanto, o Estado precisa estar limitado a algum parâmetro, e este


parâmetro é o próprio Direito emanado do Estado. Assim, tem-se que o Estado
deve estar submetido ao Direito, para que ambos possam atingir seus
respectivos fins, surgindo, dessarte, o Estado de Direito.

O Estado de Direito, segundo a maioria da doutrina, é aquele Estado que se


subordina ao próprio ordenamento jurídico. Sendo assim, deve-se considerar a
personalidade jurídica do Estado, para que este, de fato, obedeça aos ditames
jurídicos.

Sabe-se que a personalidade jurídica “é a qualidade que tem a pessoa de ser


sujeito de direitos e de obrigações.” [57] Por conseguinte, o Estado deve ser
considerado como pessoa para que tenha deveres jurídicos para com os seus
cidadãos, bem como direitos sobre eles. Por exemplo, o Estado possui o direito
de cobrar tributos de seus súditos. Em contrapartida, o Estado deve utilizar a
arrecadação como forma de desenvolvimento dos bens públicos, tanto
culturais, como materiais.

Nesse sentido, infere Dallari que:

A própria natureza dos fins do Estado exige dele uma ação intensa e profunda,
continuamente desenvolvida, para que ele possa realizá-los, o que produz,
inevitavelmente, uma permanente possibilidade de conflitos de interesses, que
serão melhor resguardados e adequadamente promovidos só através do
direito. É por meio da noção do Estado como pessoa jurídica, existindo na
ordem jurídica e procurando atuar segundo o direito, que se estabelecem
limites jurídicos eficazes à ação do Estado, no seu relacionamento com os
cidadãos. Se, de um lado, é inevitável que o Estado se torne titular de direitos
que ele próprio cria por meio de seus órgãos, há, de outro, a possibilidade de
que os cidadãos possam fazer valer contra ele suas pretensões jurídicas, o que
só é concebível numa relação entre pessoas jurídicas. [58]

Em conclusão, fica assentado como se dá a estreita relação entre Direito e


Estado na ordem social. Dois entes institucionalizados que são instrumentos na
busca do bem comum. De um lado o Direito garantidor da segurança e da
justiça, de outro, o Estado com seu escopo de assegurar a paz e o equilíbrio
social, assim como tornar possível a concretização do bem estar social e do
bem coletivo, onde os dois entes trabalham juntos para garantir o bom
funcionamento da sociedade.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho procurou demonstrar a intrínseca relação entre Estado e
Direito, que regula a vida das pessoas na sociedade. Partindo-se da Teoria
Geral do Estado e da Teoria Geral do Direito, estudou-se a referida relação de
modo sistemático e analítico.

É oportuno reiterar que ao mesmo tempo em que o Direito emana do Estado,


este é um instituto jurídico. Portanto, ambos devem ser vislumbrados de modo
conjunto, pois em um Estado de Direito, eles atuam desse modo em diversas
questões sociais, um ente complementando o outro, embora tanto o Estado
quanto o Direito possuam campos de ação próprios de cada um.

No mesmo sentido, o Estado, para que não ultrapasse os limites do bem


comum e se torne um fim, é mister que se considere a personalidade jurídica
do Estado, de forma que o habilite à contrair obrigações e adquirir direitos,
tratando-se do Estado de Direito, ou Estado Democrático de Direito
(terminologia usada na Constituição de 1988, em seu art. 1º, caput.). Dessa
maneira, a relação de imperium entre Estado e Povo fica regulada pelo Direito
e pela Justiça. Assim, o Estado pessoa jurídica, no Estado Democrático de
Direito, com o seu poder de imperium sobre o Povo, é capaz de assegurar à
sociedade, equilíbrio, paz, segurança e justiça.

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Notas
MENEZES, Aderson de. Teoria geral do Estado. 8ª ed. Rio de Janeiro:
[3]

Forense, 1999. p. 41

[4]
MENEZES, loc. cit.

[5]
MENEZES, op. cit., p. 42.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21ª ed.


[6]

São Paulo: Saraiva, 2000. p. 65.

[7]
DALLARI, op. cit., p. 67.

[8]
Ibidem, p. 70.
[9]
DALLARI, op. cit., p. 115.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e


[10]

ciência política. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 55.

[11]
DALLARI, loc. cit.

[12]
DALLARI, op cit., p. 116.

[13]
DALLARI, op cit., p. 118.

MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
[14]

p. 23.

[15]
DALLARI, op. cit., p. 95.

[16]
FILOMENO, op. cit., p. 66.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed. rev.
[17]

e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 348-349.

[18]
DALLARI, op. cit., p. 99-100.

[19]
DALLARI, op. cit., p. 76.

[20]
FILOMENO, op. cit., p. 129.

[21]
BODIN, apud DALLARI, op. cit., p. 77.

[22]
DALLARI, op. cit.,. p. 79-80.

[23]
DALLARI, op. cit., p. 81.

[24]
MALUF, op. cit., p. 25.

[25]
Ibidem, p. 26.

[26]
DALLARI, op. cit., p. 90.

[27]
Ibidem, p. 91-93 passim.

CICCO, Cláudio de; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do


[28]

Estado e ciência política. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 53.

[29]
DALLARI, op, cit., p. 107.

[30]
CICCO, GONZAGA, loc. cit.
[31]
FILOMENO, op. cit., p. 47.

[32]
FILOMENO, op. cit., p. 48.

[33]
Loc. cit.

[34]
Ibidem, p. 49.

[35]
FILOMENO, op. cit., p. 50.

[36]
FILOMENO, op. cit., p. 50-51.

[37]
DALLARI, op. cit., p. 134-136 passim.

[38]
CICCO; GONZAGA, op.cit., p. 58.

GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de


[39]

Janeiro: Forense, 2000. p. 49.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 12ª


[40]

ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 239.

GAMA, Ricardo Rodrigues. Curso de introdução ao direito. Curitiba:


[41]

Juruá, 2005. p. 51-53.

[42]
GUSMÃO, op. cit.,. p. 384.

NUNES, Rizzato. Manual de introdução de estudo ao direito. 10ª ed. São


[43]

Paulo: Saraiva, 2011. p. 81.

[44]
NUNES, loc. cit.

[45]
GUSMÃO, op. cit., p. 408.

REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 13ª ed. São Paulo:


[46]

Saraiva, 1986. p. 65.

[47]
REALE, op. cit., p. 67.

[48]
REALE, op. cit., p. 67.

[49]
CICCO; GONZAGA, op. cit., p. 42-43.

[50]
MALUF, op. cit., p. 2.

[51]
Ibidem, p. 3.

[52]
CICCO, op. cit, p. 45.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro:
[53]

Forense, 2000. p. 125.

[54]
FILOMENO, op. cit., p. 63.

[55]
NADER, op. cit., p. 126.

[56]
GUSMÃO, op. cit.,. p. 349.

[57]
Ibidem, p. 271-272.

[58]
. DALLARI, op. cit., p. 125-126.

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