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Florianópolis
2017
LUIZA LUDVIG DE SOUSA
Florianópolis
2017
AGRADECIMENTOS
Realizar este trabalho não foi tarefa simples, mas os desafios foram superados com
a ajuda de algumas pessoas que me cercam. Agradeço ao meu orientador, professor Régis, por
ter acreditado em mim; e por ter compreendido a minha rotina atribulada.
Agradeço aos meus pais por me proporcionarem esta inestimável oportunidade, e
por todo o incentivo e amor. À minha família e amigos, agradeço pelo apoio e compreensão
nos períodos de ausência, e às incontáveis dicas e sugestões.
Ao escritório Cavallazzi, Andrey, Restanho & Araújo, de onde veio inspiração para
o tema desta monografia, e cuja valiosa biblioteca foi essencial para a construção do trabalho.
“Quando o saber junta-se ao saber que não sabe, então a ciência converte-se em
poesia” (Francesco Carnelutti)
RESUMO
A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia que permite a circulação mais barata do
crédito, movimentando a economia. Isto ocorre porque, por meio desta, as partes acordam na
constituição da propriedade fiduciária sobre um bem, que será retirado do patrimônio do
devedor, e passará a ser de propriedade do credor, para garantir a uma obrigação. Essa
configuração jurídica garante maior agilidade na recuperação do crédito, em caso de
inadimplência da obrigação principal. O credor, no entanto, não tem o bem para si, apesar de
ostentar o título de proprietário fiduciário. Por conta da natureza fiduciária da avença, a coisa
só pode ser usada com a finalidade de garantia, de modo que não passa a compor propriamente
o patrimônio do credor. Em vista disso, esta monografia busca verificar como a propriedade
fiduciária se comporta em caso de tentativa de penhora. A penhora é instrumento do processo
civil que visa, em última análise, a retirar bens do patrimônio do executado. É relevante que se
discuta a aplicação da penhora ao bem dado em alienação fiduciária – quando a coisa não
integra nem o patrimônio do devedor fiduciante, tampouco do credor fiduciário. Para atingir
este objetivo, utiliza-se o método dedutivo, com pesquisa bibliográfica e documental. Ao final,
conclui-se que o bem dado em alienação fiduciária não pode ser penhorado livremente: apenas
pelo débito que este garante.
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
2 PENHORA E RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ............................................ 14
2.1 TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA ................................................................... 14
2.1.1 Inadimplemento de obrigações .................................................................................. 15
2.1.2 Títulos executivos ........................................................................................................ 16
2.1.3 Atos executivos............................................................................................................. 19
2.1.3.1 Procedimentos prévios aos atos executivos ................................................................ 21
2.1.4 Penhora ........................................................................................................................ 22
2.1.4.1 Impenhorabilidades .................................................................................................... 24
2.2 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ...................................................................... 26
2.2.1 Responsabilidade patrimonial secundária ................................................................ 27
3 PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA...................................................................................... 30
3.1 GARANTIAS REAIS ...................................................................................................... 30
3.1.1 Direitos reais de garantia x Direitos reais em garantia ........................................... 31
3.2 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA .......................................................................................... 32
3.2.1 Negócios fiduciários..................................................................................................... 33
3.2.2 Alienação fiduciária no direito brasileiro ................................................................. 34
3.2.2.1 Características do contrato de alienação fiduciária .................................................... 36
3.3 PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA X PROPRIEDADE TRADICIONAL ......................... 39
3.3.1 A propriedade tradicional .......................................................................................... 39
3.3.2 A propriedade resolúvel ............................................................................................. 41
3.3.2.1 Propriedade fiduciária ................................................................................................ 43
4 A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DADO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA 46
4.1 IMPENHORABILIDADE POR DÉBITO DO FIDUCIANTE ....................................... 46
4.1.1 Defesa dos direitos do fiduciário ................................................................................ 48
4.1.2 Penhora dos direitos do fiduciante ............................................................................ 50
4.2 A IMPENHORABILIDADE POR DÉBITO DO FIDUCIÁRIO .................................... 53
4.2.1 Defesa dos direitos do fiduciante ............................................................................... 56
4.2.2 Penhora dos direitos do fiduciário ............................................................................. 57
4.3 POSSIBILIDADE DE PENHORA.................................................................................. 59
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 65
12
1 INTRODUÇÃO
A afetação de um bem como garantia pode se dar de dois modos: com sua
manutenção ou retirada do patrimônio do devedor. Com o contrato de alienação fiduciária, o
bem dado em garantia é retirado do patrimônio do devedor fiduciante, constituindo para o
credor fiduciário a propriedade fiduciária. A propriedade fiduciária, no entanto, não é plena, de
modo que o credor não pode dispor livremente do bem, o que se verifica através da comparação
com a propriedade tradicional.
O quarto capítulo realiza o encontro entre as ideias abordadas no segundo e no
terceiro capítulos, para responder à pergunta proposta. A análise da questão parte de três
ângulos diversos. Inicialmente, verifica-se se os credores do devedor fiduciante podem
penhorar a coisa dada em alienação fiduciária. Após, busca-se verificar se a hipótese se aplica
aos credores do credor fiduciário. A última situação analisada é se a penhora pode ser realizada
pelo débito que motivou a constituição da propriedade fiduciária.
Finalmente, o quinto capítulo busca concluir a pesquisa, apresentando as respostas
obtidas à pergunta que motivou o trabalho acadêmico.
14
1
Decreto-lei n. 2.848/1940 – Código Penal (BRASIL, 1940)
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o
permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
15
Na justiça de mão própria, era o credor que executava: retirava ao devedor o que ele
havia de prestar, ou o que a isso equivalesse. O Estado sucedeu aos credores nessa
função de retirar do patrimônio do devedor a coisa devida, ou o valor que tem de
prestar, pois que, devendo prestar por ato própria, não o prestou.
O título executivo judicial não pode ser resumido simplesmente como “sentença”,
porquanto assuma formas diversas, conforme a previsão do artigo 515 do Código de Processo
Civil2. Pode, no entanto, ser sintetizado como o título originado do poder Estatal, imposto às
partes através da jurisdição (DIDIER JUNIOR, 2012a, p. 98).
O título executivo extrajudicial, por sua vez, não depende de prévio procedimento
cognitivo. Este título se forma com a simples vontade das partes, que aderem a determinado
negócio jurídico cujo instrumento é reconhecido legalmente como título executivo. O
ordenamento jurídico prevê os títulos executivos extrajudiciais porque neles se vislumbra
“grande chance da existência do direito [...], atos que, na experiência comum, indicam a
existência efetiva de crédito” (ASSIS, 2013, p. 187; WAMBIER; TALAMINI, 2012, p. 69).
O rol de títulos executivos extrajudiciais do artigo 784 do Código de Processo Civil3
é exemplificativo, porque contém cláusula de abertura em seu inciso XII (ARAÚJO, 2015, p.
2
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste
Título:
I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer,
de não fazer ou de entregar coisa;
II - a decisão homologatória de autocomposição judicial;
III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;
IV - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores
a título singular ou universal;
V - o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por
decisão judicial;
VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado;
VII - a sentença arbitral;
VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
IX - a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal
de Justiça;
3
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;
II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;
III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia
Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;
V - o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por
caução;
VI - o contrato de seguro de vida em caso de morte;
VII - o crédito decorrente de foro e laudêmio;
VIII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos
acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;
IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
X - o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na
respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
XI - a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas
devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;
XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
19
1.801). Importa verificar, no entanto, que a abertura não retira o caráter de tipicidade dos títulos,
que devem estar previstos em lei para serem reconhecidos como tal. A tipicidade, aliás, é
característica comum entre os títulos executivos judiciais e extrajudiciais (ABELHA, 2016, p.
137).
Para o escopo aqui pretendido, não importa estabelecer grandes diferenciações
entre a natureza dos títulos executivos. Isto porque aqui se busca discorrer acerca dos atos
executivos realizados para a satisfação de uma obrigação, e sua inevitável relação com a
responsabilidade patrimonial. Assim, o modo como a obrigação está documentada pouco
importa. Neste sentido, Pontes de Miranda (1999, p. 53) já esclareceu que a diferenciação entre
os títulos só se justifica “quando se indaga da carga de cognição com que se começa”.
Porque aqui não se discute a carga de cognição dos títulos, mostra-se dispensável
distinguir pormenorizadamente cada espécie de título executivo. Basta que se tenha a clareza
de que os títulos executivos constituem a “prova pré-constituída da causa de pedir da ação
executória” (ASSIS, 2013, p. 162).
Independentemente da natureza do título executivo, este é indispensável para a
instauração de um processo executivo, conforme impõe o artigo 783 do Código de Processo
Civil4 (BRASIL, 2015). É no título executivo que se retrata a obrigação do devedor, bem como
o direito do credor, a ser satisfeito através da tutela jurisdicional executiva do Estado
(WAMBIER; TALAMINI, 2012, p. 66).
Assim, com o título executivo líquido, certo e exigível, é possível a deflagração do
processo de execução, para pleitear a tutela jurisdicional executiva. Adiante, demonstra-se como
o Estado atua para a satisfação do crédito representado no título executivo.
4
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.
20
5
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza se a
execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
22
superado o prazo para pagamento voluntário, dá-se início aos atos executivos, com a penhora
dos bens do devedor/executado, nos termos do § 3º do artigo 523 e § 1º do artigo 829 do Código
de Processo Civil (BRASIL, 2015).
Excetuadas as hipóteses de insurgência dos executados (por meio de impugnação
ou embargos à execução), que fogem do objeto deste estudo, por ser matéria afeta à carga
cognitiva de cada título executivo, não há diferença procedimental entre a execução de título
judicial ou extrajudicial (MIRANDA, 1999, p. 53).
Os atos executivos deflagrados após o prazo para pagamento voluntário, seguem o
mesmo rito. Tal característica é desde logo anunciada no artigo 771 do Código de Processo
Civil6. Uma vez esclarecidas as particularidades de cada procedimento executivo, passa-se ao
estudo de instrumento que lhes é comum: a penhora.
2.1.4 Penhora
6
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se,
também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento
de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva.
7
"Possuidor é quem, em seu próprio nome, exterioriza alguma das faculdades da propriedade, seja ele proprietário
ou não" (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 66). Com efeito, as faculdades da propriedade são as previstas no
23
O bem penhorado fica sob poder de um depositário8, que pode, inclusive, ser o devedor. O
depositário, no entanto, não detém a posse do bem: ou seja, não pode usá-lo livremente
(MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 986).
É possível realizar mais de uma penhora sobre o mesmo bem. O produto da
expropriação do bem será preferencial à satisfação do crédito da primeira penhora realizada,
seguindo-se a ordem cronológica de penhoras. Assim, é possível dizer que a penhora “gera certa
preferência legal sobre o produto da venda do bem”, como já prevê o artigo 797 do Código de
Processo Civil9 (BRASIL, 2015; MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 986).
Sobre o tema, Fredie Didier e outros (2012b, p. 550) explicam que a preferência é
em relação aos “demais credores quirografários do devedor comum. É manifestação do
princípio do prior tempore, potior iure (o primeiro no tempo é o direito mais forte)”. Essa
preferência é puramente processual: não tem o exequente/credor direito material sobre o bem,
como leciona Araken de Assis (2013, p. 699).
Ato contínuo à realização da penhora, procede-se à avaliação do bem, aferindo se
serão suficientes para a satisfação da execução, nos moldes previstos no artigo 870 e seguintes
do Código de Processo Civil10. Assim, poderá o juiz reduzir ou ampliar a penhora, a depender
do valor avaliado, conforme o artigo 874 do Código de Processo Civil11.
Após a penhora, avaliação e depósito, o credor/exequente pode pedir a adjudicação
do bem – toma-lo para si –, ou requerer sua alienação, particular ou por leilão judicial, nos
termos dos artigos 876 e seguintes do Código de Processo Civil. Estes atos expropriatórios
visam à transferência de bens ou valores do patrimônio do exequente para o do executado. A
penhora é, portanto, o primeiro dos atos processuais que visam à expropriação de bens do
devedor/executado (ABELHA, 2016, p. 314; 364; BRASIL, 2015).
artigo 1.228 do Código Civil: "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-
la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha" (BRASIL, 2002).
8
O depositário é auxiliar do juízo, conforme a previsão do artigo 159 do Código de Processo Civil (BRASIL,
2015). A ele "cabe a guarda e a conservação do bem que lhe é confiado pelo juiz" (DELFINO, 2015, p. 511).
9
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a
execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
10
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 870. A avaliação será feita pelo oficial de justiça.
11
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 874. Após a avaliação, o juiz poderá, a requerimento do interessado e ouvida a parte contrária, mandar:
I - reduzir a penhora aos bens suficientes ou transferi-la para outros, se o valor dos bens penhorados for
consideravelmente superior ao crédito do exequente e dos acessórios;
II - ampliar a penhora ou transferi-la para outros bens mais valiosos, se o valor dos bens penhorados for inferior
ao crédito do exequente.
24
2.1.4.1 Impenhorabilidades
O artigo 832 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) estabelece que “não
estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”. Há
extenso rol previsto no artigo 833 do código12.
Hermes Zaneti Júnior (2016, p. 171) destaca que a natureza impenhorável de um
bem decorrerá, no mais das vezes, do texto legal. Pode o juiz, em decisão fundamentada,
determinar a impenhorabilidade de bem não previsto no rol da lei. Assim, tem-se que o rol do
artigo 833 não é taxativo, e sim, exemplificativo.
Pode haver ainda hipóteses de impenhorabilidade em leis extravagantes, a exemplo
da Lei nº 8.009/1990, que estabelece a impenhorabilidade do bem de família. É possível
verificar que as causas de impenhorabilidade são intimamente ligadas à proteção dos princípios
e garantias fundamentais, sobretudo o direito à dignidade da pessoa humana, consagrado pela
12
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de
elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as
pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
ressalvado o § 2o;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou
úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou
assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária,
vinculados à execução da obra.
25
Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III. Aqui incide também o princípio da menor
onerosidade para o executado, previsto no artigo 805 do Código de Processo Civil (BRASIL,
1988; 1990; 2015).
As hipóteses de proteção ao patrimônio do executado, por meio de alegação de
impenhorabilidade, podem ser absolutas ou relativas, disponíveis ou indisponíveis. A
disponibilidade quer dizer se há preclusão da oportunidade de alegar a impenhorabilidade,
residindo a disponibilidade nos incisos II a XII do artigo 833 do Código de Processo Civil, e a
indisponibilidade no inciso I do mesmo artigo (BRASIL, 2015; ZANETI JÚNIOR, 2016, p.
173-174, 175-176, grifos do autor).
Ao comentar a divisão das impenhorabilidades entre absolutas e relativas, Marcelo
Abelha (2016, p. 117) defende que apenas as primeiras podem, de modo definitivo, ser
consideradas impenhorabilidades. As impenhorabilidades absolutas são as previstas no artigo
833 do Código de Processo Civil, enquanto que as impenhorabilidades relativas são as aludidas
no artigo 834. Os bens a que se refere o artigo 834 (“frutos e os rendimentos dos bens
inalienáveis”) se sujeitam à execução; no entanto, para isso, deve estar comprovada a ausência
de demais bens penhoráveis (BRASIL, 2015).
Ensina ainda Marcelo Abelha (2016, p. 116) que as impenhorabilidades se
justificam na medida em que consideram a proteção da dignidade do executado mais importante
do que o direito de crédito. Na mesma direção, ressalta também que não pode ser olvidado o
direito à dignidade do credor, que já suporta prejuízos causados pela inadimplência do devedor.
Assim, defende o autor que as hipóteses de impenhorabilidade podem ser afastadas no caso
concreto, acaso se vislumbre dúvida se “a regra limitadora estaria realmente protegendo a
dignidade do executado, ou se estaria sendo utilizada por este último apenas para evitar
injustamente a satisfação do direito do exequente”.
Apesar da proteção conferida aos direitos fundamentais, o Código de Processo Civil impede
que as causas de impenhorabilidade sejam opostas às execuções por dívidas do próprio bem,
como se lê no § 1º do artigo 833: “A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida
relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”. Desta forma, mitigam-
se as hipóteses de impenhorabilidade, caso a dívida exequenda seja relacionada ao bem que
seria protegido (BRASIL, 2015).
Especial atenção merece a impenhorabilidade convencional, instituída através de
ato voluntário, conforme a previsão do inciso I do artigo 833 do Código de Processo Civil
(BRASIL, 2015). Na lição de Zaneti Júnior (2016, p. 175-176), esta modalidade de
impenhorabilidade seria indisponível, e, portanto, não afetada pela preclusão temporal.
26
13
Os bens do devedor são o penhor comum de seus credores, em tradução livre.
27
do débito. Como se vê, para estes sujeitos, a relação processual de responsabilidade é formada
sem que haja prévia relação material com o débito ou a obrigação, porque "a legitimidade
passiva 'ad causam' [...] decorre da identificação da parte como responsável pela satisfação do
crédito, e não necessariamente como participante da relação de direito material" (CÂMARA
JÚNIOR, 2015, p. 1808).
Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 974) aduzem que são casos em que "a lei
processual estende a responsabilidade patrimonial pelas dívidas do devedor a bens de terceiros".
Araken de Assis (2013, p. 229) discorda da denominação terceiros, por entender que "a própria
noção de responsabilidade não induz tal duplicidade incompreensível de papéis". Na visão do
autor, os sujeitos responsáveis processualmente por débito alheio não podem ser chamados de
terceiros. Por entender-se mais adequada, neste estudo adota-se o conceito de responsabilidade
secundária de Assis (2013, p. 229), e não o conceito de responsabilidade de terceiros.
A distinção conceitual é importante para estabelecer uma diferença entre terceiros
e responsáveis secundários. A responsabilidade secundária tem expressa previsão legal, o que
legitima a execução a alcançar os bens de sujeitos, que não o devedor (CÂMARA JUNIOR,
2015, p. 1809).
Fora das hipóteses legais, quando não há responsabilidade secundária, a execução
não pode alcançar os bens de pessoa diversa do devedor. Quando isto ocorre, por erro, há
afetação ilegítima de bens de terceiro. Nesses casos, cabe a oposição de embargos de terceiro,
cujo objetivo é "livrar o bem de terceiro de atos indevidos de apreensão judicial" (WAMBIER;
TALAMINI, 2012, p. 542).
Câmara Junior (2015, p. 1806) recorda também dos casos em que "uma pessoa
assume a obrigação e outra empresta garantia de seu cumprimento". Está-se diante da figura do
terceiro garantidor que, por ter se obrigado como tal, tem ligação contratual (e, portanto,
material) com o débito. Seu nome constará do título executivo, e ele integrará o polo passivo da
execução. A figura do terceiro garantidor não pode ser confundida com a do terceiro (alheio ao
débito e à responsabilidade, a quem cabe a oposição de embargos de terceiro, caso afetado pela
execução), tampouco com o de responsável secundário (alheio ao débito, mas responsável pela
execução, por expressa previsão legal).
Superada a discussão conceitual, certo é que a lei prevê hipóteses de ampliação da
responsabilidade patrimonial pela execução, que pode recair sobre responsáveis secundários,
como o sucessor do devedor a título singular; o sócio da sociedade devedora, dentre outras. A
29
Não é caso de análise de cada uma das hipóteses previstas na norma. O que deve
ficar claro é que estas são as únicas situações de responsabilidade secundária; que "excepcionam
a regra geral de que ninguém terá seu patrimônio afetado por dívida e obrigação de terceiro"
(CÂMARA JUNIOR, 2015, p. 1809).
Qualquer ato constritivo que não seja contra o patrimônio dos responsáveis,
primários ou secundários, será ilegítimo, o que enseja a oposição de embargos de terceiro
(WAMBIER; TALAMINI, 2012, p. 542).
Como se viu, há muito espaço para discussão acerca do patrimônio que responderá
por uma execução. Na próxima etapa deste estudo, abordar-se-á as particularidades da
propriedade fiduciária, que institui regime patrimonial curioso, sobretudo quando este
patrimônio é chamado a responder por um débito.
14
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 790. São sujeitos à execução os bens:
I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória;
II - do sócio, nos termos da lei;
III - do devedor, ainda que em poder de terceiros;
IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida;
V - alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução;
VI - cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação autônoma,
de fraude contra credores;
VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.
30
3 PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA
Nas garantias pessoais, ao devedor se soma um responsável, tal como ocorre na fiança
e no aval, mas a segurança que traz essa garantia não é absoluta, pois o perigo de queda
em insolvência também pesa sobre o fiador e o avalista. Assim, despontam as garantias
reais, em virtude das quais, uma ou várias coisas de propriedade do devedor quedam
afetadas de forma especial para assegurar o cumprimento da obrigação garantida.
demais credores, em caso de execução coletiva. O artigo 957 do Código Civil explica a situação:
“Não havendo título legal à preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do devedor
comum” (BRASIL, 2002; GOMES, 2012, p. 349-350, grifos do autor).
Assim, o credor não precisa verificar o inadimplemento do contrato e a deflagração
de procedimento executivo para atingir algum bem do devedor, através da penhora. Desde o
momento da conclusão do contrato, já tem o credor a certeza de que determinado bem do
devedor irá garantir o cumprimento da obrigação, por meio da afetação da garantia real
avençada.
As garantias reais têm estas características porque integram a disciplina jurídica dos
direitos reais. Conforme Caio Mário da Silva Pereira (2017, p. 1), os direitos reais se diferem
dos direitos obrigacionais por serem oponíveis a todos (erga omnes), enquanto obrigações são
oponíveis somente aos sujeitos da relação jurídica formada. Ainda, os direitos reais devem ser
típicos, ou seja, previstos na norma jurídica, enquanto os direitos obrigacionais podem ser
inovadores, formando relações atípicas. Por fim, outra característica dos direitos reais é a
aderência à coisa, e não ao sujeito; de modo que, via de regra, o direito real não se altera com a
alteração de seu titular. Ou seja, a garantia real acompanha a coisa gravada, independentemente
do vínculo do proprietário com o débito garantido.
As garantias reais muito interessam ao credor, por representar maior segurança no
recebimento do crédito. No entanto, Coelho (2009, p. 214) ressalta que estas garantias também
são de grande valia ao devedor. Isto porque a maior segurança do crédito permite ao credor
estipular menores juros remuneratórios15. Dessa forma, as garantias reais acabam "gerando
proveitos, em última análise, à economia como um todo, por possibilitar a mobilização mais
barata do crédito".
As garantias reais podem ser divididas entre duas modalidades: direitos reais de
garantia e direitos reais em garantia. Quem distingue estas modalidades é Fábio Ulhoa Coelho
(2009, p. 215). Segundo o autor, os direitos reais de garantia são o penhor, a hipoteca e a
anticrese, previstos no artigo 1.419 do Código Civil. Já os direitos reais em garantia são a
alienação fiduciária em garantia e a cessão fiduciária de direitos creditórios (BRASIL, 2002).
15
Juros remuneratórios são aqueles que objetivam recompensar o credor pelo uso de seu capital. (GOMES, 2016,
p. 53)
32
16
O desmembramento dos poderes dominiais é possível diante da elasticidade do direito de propriedade (FARIAS;
ROSENVALD, 2012, p. 769)
33
importante que se compreenda no que consistem os negócios fiduciários, tarefa que será
enfrentada adiante.
Antes de tratar dos negócios fiduciários propriamente, é preciso dar um passo atrás
e compreender os negócios indiretos. Melhim Namem Chalhub (2017, p. 28-30) ensina que a
velocidade do mundo dos negócios sempre foi superior à capacidade de renovação do direito,
no sentido de oferecer ao mercado os instrumentos para atender suas necessidades. Nesse
sentido, para superar as lacunas legais, surgiram os negócios indiretos no final do século XIX.
Estes usavam velhas ferramentas jurídicas com novos objetivos, como, por exemplo, a
finalidade de administração e garantia.
Os negócios indiretos surgiram na busca do desenvolvimento da autonomia privada
– ou seja, a efetiva vontade das partes. Tullio Ascarelli (1969, p. 98, apud OLIVA, 2014, p. 2)
narra um interessante exemplo de uso dos negócios indiretos: a libertação de escravos já foi
realizada por meio de sua venda às divindades.
Mais próximo da realidade, Chalhub (2017, p. 28-30) cita, como exemplo de
negócio jurídico indireto, a compra e venda com finalidade de garantia. A compra e venda é um
contrato típico (previsto na norma), mas que, usado como um negócio indireto, poderia receber
efeitos que extravasam os moldes previstos pelo ordenamento jurídico. No caso da compra e
venda com finalidade de garantia, após o regular cumprimento da avença, a propriedade do bem
retorna ao status quo ante, ou seja, ao devedor.
Milena Donato Oliva (2014, p. 2) expõe que o negócio fiduciário surgiu ao lado do
negócio indireto. O negócio fiduciário tem ampla capacidade adaptativa, já que por meio deste
dá-se a "transmissão da titularidade de uma situação jurídica subjetiva ativa ao fiduciário, para
que este dela se utilize de determinada forma, com vistas a atingir os objetivos estipulados pelo
fiduciante". Após a realização da finalidade do pacto fiduciário, a titularidade da situação
jurídica subjetiva retorna ao fiduciante.
A gênese dos negócios fiduciários modernos vem da fidúcia do direito romano. Os
pactos fiduciários dividiam-se em dois: a fiducia cum amico e a fiducia cum creditore. Na
fiducia cum amico, dava-se a transferência de um bem ao amico, que exerceria a custódia ou
administração deste bem, enquanto impossibilitado o fiduciante (eg., no período de uma guerra,
ou por ocasião de uma longa viagem). Na fiducia cum creditore havia a transferência da
propriedade ao fiduciário para garantir o cumprimento de um contrato. Assim, uma vez
34
17
Trata-se de sistema de financiamento destinado ao setor imobiliário, instituído pela Lei 9.514/1997. A principal
diferença entre este e o Sistema Financeiro de Habitação, instituído pela Lei 4.380/1964, é a prática de juros à taxa
de mercado, enquanto este último impõe um limite aos juros praticados (BRASIL, 1964; 1997).
18
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina
específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for
incompatível com a legislação especial
19
Lei nº 10.931/2004 (BRASIL, 2004):
Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas,
inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de
imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda
de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel.
36
fiduciária. Fábio Ulhoa Coelho (2009, p. 244), esclarecendo a estrutura legislativa da alienação
fiduciária brasileira, diz que:
20
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
37
Por outro lado, preferindo o credor pela execução da garantia fiduciária, é relevante
destacar a maneira como ocorre. Para executar a coisa dada em garantia, é necessário consolidar
a propriedade do credor fiduciário sobre esta – isto porque, como se verá adiante, a propriedade
fiduciária não é plena (PEREIRA, 2017, p. 347).
Para realizar este procedimento, impõe-se a notificação do devedor fiduciante para,
querendo, purgar a mora, conforme a previsão do § 2º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 911/1969,
bem como o § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.514/1997. A diferença entre o procedimento para bens
móveis ou imóveis reside na forma em que a consolidação da propriedade ocorre: se judicial
ou extrajudicialmente (BRASIL, 1969; 1997).
A consolidação da propriedade de bens imóveis é toda realizada perante o registro
de imóveis competente. No caso dos bens móveis, faz-se necessária a busca e apreensão judicial
do bem, ou a ação de depósito (BRASIL, 1969; 1997).
38
21
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da
dívida, após o vencimento desta.
22
Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997):
Artigo 26: [...]
§ 8o O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida,
dispensados os procedimentos previstos no art. 27.
39
razões, é relevante entender a propriedade fiduciária, bem como suas características e efeitos
perante terceiros.
23
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha.
40
24
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002).
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
25
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002).
A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
41
26
Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.
42
27
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo
de garantia, transfere ao credor.
43
28
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.361: [...] § 2o Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o
devedor possuidor direto da coisa.
29
Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997)
Artigo 23: [...] Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse,
tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
44
não adquire a plenitude da propriedade, que é limitada pela finalidade de garantia com que foi
transferida. A natureza fiduciária confere à aquisição da propriedade uma condição resolutiva,
por força de lei – uma vez cumprida a obrigação, o fiduciante tem direito real de reaver a coisa,
como se nunca tivesse sido alienada. A propriedade fiduciária de uma coisa não confere ao
fiduciário o direito de dispor dela livremente.
Surge, portanto, inusitada situação jurídica: a coisa não pertence ao devedor, que a
transferiu ao credor. Por outro lado, o credor não pode dispor do bem, diante das limitações da
propriedade fiduciária.
Em busca de esclarecer a questão, é relevante verificar como o direito tributário
encara a propriedade fiduciária. Em relação aos impostos incidentes sobre a propriedade,
Chalhub (2017, p. 140) explica que estes cabem ao devedor fiduciante, ainda que não detenha
o título de propriedade. Com efeito, é só com o inadimplemento, e a consolidação da
propriedade, que o fiduciário passa a ser responsável pelos tributos incidentes sobre a coisa
(parágrafo único do artigo 1.368-B do Código Civil). Assim, fica cada vez mais nebulosa a
situação formada entre a coisa, o fiduciante e o fiduciário (BRASIL, 2002).
Uma interessante leitura da propriedade fiduciária é feita por Rodrígues-Rosado
(1998, p. 117, apud LIMA, 2011, p. 80). Este autor defende que ao fiduciante atribui-se a
propriedade material, e ao fiduciário a propriedade formal do bem. Sob esta ótica, o fiduciário
seria proprietário perante terceiros, mas na relação inter partes seria o fiduciante o verdadeiro
proprietário. O domínio transmitido seria impróprio, um estágio intermediário entre ser e não
ser proprietário.
Lima (2011, p. 79-80) pondera se a proposição de Rodrígues-Rosado pode ser
aplicada ao ordenamento jurídico brasileiro, esclarecendo não se admite a divisão da
propriedade entre material e formal. Conclui que o fiduciário detém uma propriedade perfeita
e pura. Embora haja limitação do título de propriedade do fiduciário, não se admite a distinção
entre propriedade formal e material. Para todos os efeitos, a propriedade da coisa é exercida
pelo fiduciário.
Ainda que o credor fiduciário exerça a propriedade da coisa, não a exerce
plenamente. É certo que o §1ºdo artigo 22 da Lei nº 9.514/199730 prevê que a propriedade plena
pode ser objeto da alienação fiduciária, em redação dada pela Lei nº 11.481/2007. No entanto,
30
Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997)
Art. 22: [...] § 1o A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa
das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:
45
o artigo 1.367 do Código Civil31, em redação dada pela Lei nº 13.043/2014, dispõe que a
propriedade fiduciária não pode ser equiparada, “para quaisquer efeitos, à propriedade plena de
que trata o art. 1.231”. Assim, por serem incompatíveis as redações legais, é possível entender
que a lei mais recente revogou a mais antiga, na parte que trata da plenitude da propriedade
fiduciária, nos termos do §1º do artigo 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro32
(BRASIL, 1942; 1997; 2002; 2007; 2014).
Assim, fica claro que a propriedade fiduciária não é plena. Isto porque,
diversamente da propriedade resolúvel clássica, o proprietário fiduciário não possui os poderes
dominiais sobre a coisa (LIMA, 2011, p. 85).
Acerca da propriedade fiduciária, mais um ponto deve ser abordado. Diante da sua
resolubilidade, ao fiduciante existe a expectativa de retornar à propriedade do bem, uma vez
realizado o pagamento, ou seja, cumprida a condição da resolubilidade da propriedade (LIMA,
2011, p. 167). O Código Civil positivou esta expectativa, transformando-a num direito real. A
redação do artigo 1.368-B, que diz que “a alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou
imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor”.
Diante disso, entende-se que o fiduciante não se desvencilha por completo do bem.
A ele cabe o direito real de aquisição do bem, bem como as obrigações tributárias incidentes
sobre a coisa. Logo, a propriedade fiduciária é intrigante instituto jurídico.
Não é possível verificar a qual patrimônio pertence a coisa dada em alienação
fiduciária: se ao fiduciante ou ao fiduciário. Desponta daí importante discussão jurídica: se o
fiduciante não possui a propriedade do bem, e se o fiduciário não exerce a propriedade plena,
quem pode dispor da coisa? A resposta a esta pergunta aparenta ser inexistente. No próximo
capítulo, busca-se tratar de um dos efeitos patrimoniais da propriedade fiduciária.
31
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.367. A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo
I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente,
não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231.
32
Decreto-Lei nº 4.657/1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (BRASIL, 1942)
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
46
registral é o da continuidade do registro. Este princípio visa manter uma cadeia consecutiva e
interligada de atos na matrícula dos bens imóveis, impedindo que um sujeito transmita mais
direitos do que os que possui. Antes que alguém possa dispor de um bem, é imprescindível que
a matrícula imobiliária registre a existência dos poderes de disposição, como ensinam Márcio
Guerra Serra e Monete Hipólito Serra (2016, p. 144).
No caso da constituição da propriedade fiduciária imobiliária, a matrícula
demonstrará que o proprietário do bem não é o fiduciante, e sim o fiduciário. Assim, ao
fiduciante é vedado dispor do bem, porque não tem poderes para tanto, com base no princípio
da continuidade registral. E, tendo em vista que a penhora é o primeiro dos atos que visam a
expropriar o patrimônio do devedor no processo de execução, não é possível que recaia sobre a
coisa que não é sujeita à execução, por não constar no patrimônio do devedor (ABELHA, 2016,
p. 314; BRASIL, 1997).
Caso alguma penhora recaia sobre bem gravado com alienação fiduciária, é dever
do exequente promover a intimação do proprietário fiduciário, conforme o inciso I do artigo
799 do Código de Processo Civil. Uma vez cientificado da decisão, algumas ferramentas
jurídicas podem ser usadas pelo fiduciário, na defesa de seus direitos (BRASIL, 2015).
O recurso de agravo de instrumento é um dos meios pelos quais o fiduciário pode
se insurgir contra a penhora sobre bem de propriedade fiduciária. A interposição deste recurso
é possível porque as decisões interlocutórias em processo de execução são atacáveis por meio
de agravo de instrumento (ABELHA, 2016, p. 193; BRASIL, 2015).
É preciso verificar a legitimidade do fiduciário para interpor o recurso. Já que não
faz parte da relação jurídica entre o fiduciante e seu credor, o fiduciário não constará no título
executivo e, consequentemente, não integrará nenhum dos polos da execução. Isto não impede
a interposição do recurso, diante da previsão do artigo 996 do Código de Processo Civil, de que
o terceiro prejudicado detém legitimidade recursal. É indispensável, porém, demonstrar o
prejuízo, pautado na “possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação
judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto
processual”, conforme o parágrafo único do mencionado artigo (BRASIL, 2015).
O fiduciário demonstrará seu prejuízo ao comprovar sua propriedade fiduciária
sobre o bem, que fora atingido ilegitimamente pela penhora. Portanto, o recurso de agravo de
instrumento é meio hábil para a defesa de seus interesses.
49
Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de
constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com
o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de
embargos de terceiro.
§ 1o Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou
possuidor. (BRASIL, 2015)
33
Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966)
Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde
pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito
passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou
impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e
rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.
50
O sujeito que ocupa a posição de fiduciante não detém a propriedade sobre a coisa
objeto de alienação fiduciária, de modo que seus credores não podem alcançá-la através da
penhora. Não se pode olvidar, no entanto, dos direitos que o fiduciante efetivamente detém
sobre o bem, que podem ser alvo de expropriação por seus credores (DANTZGER, 2010, p.
74).
Para recordar os direitos do fiduciante em relação ao bem, recorre-se ao Código
Civil. O § 2º do artigo 1.361 estabelece que a constituição da propriedade fiduciária resulta no
desdobramento da posse, de modo que o fiduciante é possuidor direto da coisa. O artigo 1.368-
B confere ao fiduciante direito real de aquisição sobre a coisa dada em alienação fiduciária. São
estes, portanto, os direitos do fiduciante (BRASIL, 2002).
51
Lima (2011, p. 168) defende que a expectativa de adquirir o bem novamente tem
conteúdo patrimonial, de modo que é viável sua transmissão entre vivos ou por causa de morte.
Sérgio Jacomino (2011) acompanha o entendimento, defendendo que tanto o direito real de
aquisição quanto a posse direta são direitos atuais e disponíveis que “ostentam conteúdo
econômico”. Sendo inegável seu cunho patrimonial, o autor afirma que estes podem ser objeto
de constrição judicial. No entanto, Dantzger (2010, p. 72-73) reforça:
A interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça pode ser comparada com a
ideia de que a assunção de dívida depende do consentimento do credor, a teor do artigo 299 do
Código Civil34 (BRASIL, 2002).
34
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002):
Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor,
ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o
ignorava.
53
Por fim, cabe verificar o entendimento de Mezzari (1998, p. 51) de que os direitos
do fiduciante também podem ser impenhoráveis, diante das previsões legais já estudadas. Por
exemplo, caso o bem dado em alienação fiduciária represente bem de família, nos termos da
Lei nº 8.009/1990, os direitos do fiduciante não poderão ser penhorados diante da proteção legal
ao lar da família. A impenhorabilidade não poderá ser oposta ao fiduciário, acaso este execute
judicialmente o crédito que detém perante o fiduciante, já que se trata de dívida do próprio bem
(BRASIL, 1990).
Verificou-se, portanto, que a coisa gravada por alienação fiduciária não pode ser
penhorada por débito do fiduciante, mas somente os direitos deste. Superada esta questão, outro
ponto de vista merece ser estudado: o dos credores do fiduciário. É possível que a coisa venha
a ser penhorada por um débito do fiduciário? No próximo item, pretende-se responder a este
questionamento.
35
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento
do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de
sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis
ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na
execução.
54
não vem ao caso, por ser situação demasiadamente específica e inusitada. Não são dos credores
das instituições financeiras que aqui se pretende tratar (BRASIL, 1974a).
Apesar da predominância das instituições financeiras, a alienação fiduciária pode
ser contratada entre quaisquer sujeitos, por inexistir restrição no Código Civil. O fiduciário,
portanto, pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica, sem que a lei lhe exija especiais atributos
para figurar assim. Desta forma, é certo que qualquer sujeito pode assumir a posição de
proprietário fiduciário de bens (BRASIL, 2002; MEZZARI, 1998, p. 22).
Quando o fiduciário deixa de adimplir suas obrigações, a seus credores é possível
buscar a satisfação do crédito por meio da tutela jurisdicional executiva, responsabilizando seu
patrimônio. Vislumbra-se, portanto, possível pretensão de atingir o bem de propriedade
fiduciária por meio da penhora. No entanto, a exemplo do que ocorre com os credores do
fiduciante, os credores do fiduciário também não podem alcançar a coisa gravada com alienação
fiduciária.
Para a compreensão do argumento, é essencial recordar que a característica
principal de um negócio fiduciário é a transmissão da titularidade de um direito subjetivo, para
a realização de determinado escopo. Assim, na alienação fiduciária, o credor adquire a
propriedade fiduciária de um bem, com a finalidade de garantir um contrato principal firmado
com o fiduciante, conforme o artigo 1.361 do Código Civil (BRASIL, 2002; OLIVA, 2014, p.
15-17).
Diante da natureza fiduciária da propriedade, esta sofre algumas limitações. O
exercício da propriedade fiduciária é vinculado aos objetivos do negócio que a gerou. Milena
Donato Oliva (2014, p. 2-3) destaca que o fiduciário deve se ater aos limites avençados com o
alienante. O fiduciário não pode dispor livremente do bem, porque detém a propriedade com o
único propósito de cumprir o escopo acordado com o fiduciante. Neste ponto, a propriedade
fiduciária se diferencia da propriedade resolúvel tradicional, na qual o proprietário tem amplos
poderes sobre o bem (LIMA, 2011, p. 82).
Chalhub (2017, p. 136; 142) narra que “a propriedade fiduciária não incrementa o
patrimônio do credor/proprietário/fiduciário; o que o incrementa é o direito de crédito de que é
titular, e não o direito de garantia, pois nessa espécie de operação [...] não há mutação subjetiva
em relação ao bem”. O autor ressalta que este direito real de garantia veda que o fiduciário se
aproprie economicamente do bem. Portanto, Chalhub (2017, p. 137, grifos do autor) alerta:
vincula o bem ao cumprimento da obrigação, e não pelo feixe dos direitos subjetivos
de gozo e disposição, que vincula o bem à pessoa do proprietário
confirma a ideia de que quando um contrato gera um direito real, este é oponível perante sujeitos
que não integraram a relação contratual.
Isto porque ainda que o contrato de alienação fiduciária vincule somente as partes
contratantes, a garantia não reside no contrato, e sim na propriedade fiduciária – direito real,
oponível erga omnes. É evidente, portanto, que o bem de propriedade fiduciária não pode ser
penhorado pelos credores do fiduciário (DANTZGER, 2010, p. 42).
A impenhorabilidade se sustenta porque (i) a coisa não integra o patrimônio do
fiduciário, e (ii) e penhora furtaria da coisa a finalidade de garantia que lhe fora dada, por meio
de direito real, oponível erga omnes. Adiante, busca-se verificar se eventual penhora sobre o
bem pode ser atacada pelo fiduciante, do ponto de vista processual.
Não é possível afirmar se, na prática, os direitos de que o fiduciante dispõe sobre a
coisa dada em alienação fiduciária seriam capazes de levantar eventual penhora que recai sobre
esta. A situação ora discutida é inusitada, com a qual a jurisprudência brasileira ainda não
confrontou. A doutrina discute a questão, ainda que de maneira tímida.
Do ponto de vista material, vislumbra-se a possibilidade da defesa dos direitos do
fiduciante, enquanto titular do direito real de aquisição da coisa (artigo 1.368-B do Código
Civil). O artigo 130 da lei civil diz que “ao titular do direito eventual, nos casos de condição
suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”. Além do direito
de aquisição, o fiduciante também detém a posse direta sobre o bem, direito atual e não eventual
(BRASIL, 2002).
Sobre a possibilidade de defesa dos direitos do fiduciante, Chalhub (2017, p. 155)
ensina que este detém legimitade para promover ações reais contra qualquer sujeito que violá-
los. Diante disso, pretende-se verificar quais instrumentos processuais seriam hábeis para tanto.
Importa averiguar se o fiduciante dispõe dos mesmos instrumentos de que dispõe o fiduciário
para a defesa de seus direitos (agravo de instrumento e embargos de terceiro), diante do
regramento do direito processual civil.
Em relação aos embargos de terceiro, o Código de Processo Civil dispõe que este
pode ser ajuizado por quem possua “direito incompatível com o ato constritivo”, inclusive por
iniciativa de mero possuidor. Enquanto possuidor direto da coisa (§ 2º do artigo 1.361 do
Código Civil), não há dúvidas que o fiduciante detém legitimidade para o ajuizamento dos
embargos de terceiro. Tarefa não tão simples é verificar seu interesse processual,
57
A propriedade fiduciária exercida pelo credor pode ser transferida por meio de
cessão de crédito. Este negócio jurídico não depende da anuência do fiduciante, bastando que
58
36
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002):
Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.
37
Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997):
Art. 28. A cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implicará a transferência, ao cessionário, de todos os
direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia.
59
Júnior (2016, p. 190) entende que a previsão do § 3º do artigo 835 institui exceção à ordem de
preferência da penhora, e que seria um exemplo de “negócio processual típico”, de modo que a
preferência se sobreporia inclusive sobre os demais bens do devedor. Na visão do autor, a
penhora sobre a coisa dada em garantia real seria impositiva.
Por outro lado, Negrão e outros (2017, p. 767) ressaltam que somente o credor
poderia pedir a penhora do bem dado em garantia real, já que é em benefício deste que se
contrata a garantia real, e não ao devedor. Conforme expõe, impedir que o credor alcance
demais bens do devedor o colocaria em situação desvantajosa, inclusive quando comparada
com a posição do credor quirografário, que pode buscar todos os bens do devedor – inclusive
dinheiro.
Corroborando com esta visão, Caio Mário da Silva Pereira (2017, p. 357) defende
que qualquer bem do devedor fiduciante pode ser alcançado por execução proposta pelo credor
fiduciário.
A despeito disto, a jurisprudência tem entendido que “se o credor optar pelo
processo de execução, os bens objetos do contrato de alienação fiduciária podem ser indicados
pelo devedor para a penhora” (SANTA CATARINA, 2012).
Por estes motivos, vê-se que, apesar de a natureza fiduciária da propriedade sugerir
seja ela impenhorável, é possível penhorá-la, ainda que em hipótese restrita: a da execução do
próprio débito que constituiu a garantia.
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5 CONCLUSÃO
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