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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

LUIZA LUDVIG DE SOUSA

A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DADO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Florianópolis
2017
LUIZA LUDVIG DE SOUSA

A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DADO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Graduação em Direito, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Régis Schneider Ardenghi, MSc.

Florianópolis
2017
AGRADECIMENTOS

Realizar este trabalho não foi tarefa simples, mas os desafios foram superados com
a ajuda de algumas pessoas que me cercam. Agradeço ao meu orientador, professor Régis, por
ter acreditado em mim; e por ter compreendido a minha rotina atribulada.
Agradeço aos meus pais por me proporcionarem esta inestimável oportunidade, e
por todo o incentivo e amor. À minha família e amigos, agradeço pelo apoio e compreensão
nos períodos de ausência, e às incontáveis dicas e sugestões.
Ao escritório Cavallazzi, Andrey, Restanho & Araújo, de onde veio inspiração para
o tema desta monografia, e cuja valiosa biblioteca foi essencial para a construção do trabalho.
“Quando o saber junta-se ao saber que não sabe, então a ciência converte-se em
poesia” (Francesco Carnelutti)
RESUMO

A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia que permite a circulação mais barata do
crédito, movimentando a economia. Isto ocorre porque, por meio desta, as partes acordam na
constituição da propriedade fiduciária sobre um bem, que será retirado do patrimônio do
devedor, e passará a ser de propriedade do credor, para garantir a uma obrigação. Essa
configuração jurídica garante maior agilidade na recuperação do crédito, em caso de
inadimplência da obrigação principal. O credor, no entanto, não tem o bem para si, apesar de
ostentar o título de proprietário fiduciário. Por conta da natureza fiduciária da avença, a coisa
só pode ser usada com a finalidade de garantia, de modo que não passa a compor propriamente
o patrimônio do credor. Em vista disso, esta monografia busca verificar como a propriedade
fiduciária se comporta em caso de tentativa de penhora. A penhora é instrumento do processo
civil que visa, em última análise, a retirar bens do patrimônio do executado. É relevante que se
discuta a aplicação da penhora ao bem dado em alienação fiduciária – quando a coisa não
integra nem o patrimônio do devedor fiduciante, tampouco do credor fiduciário. Para atingir
este objetivo, utiliza-se o método dedutivo, com pesquisa bibliográfica e documental. Ao final,
conclui-se que o bem dado em alienação fiduciária não pode ser penhorado livremente: apenas
pelo débito que este garante.

Palavras-chave: Alienação fiduciária. Propriedade fiduciária. Penhora. Responsabilidade


patrimonial.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
2 PENHORA E RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ............................................ 14
2.1 TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA ................................................................... 14
2.1.1 Inadimplemento de obrigações .................................................................................. 15
2.1.2 Títulos executivos ........................................................................................................ 16
2.1.3 Atos executivos............................................................................................................. 19
2.1.3.1 Procedimentos prévios aos atos executivos ................................................................ 21
2.1.4 Penhora ........................................................................................................................ 22
2.1.4.1 Impenhorabilidades .................................................................................................... 24
2.2 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ...................................................................... 26
2.2.1 Responsabilidade patrimonial secundária ................................................................ 27
3 PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA...................................................................................... 30
3.1 GARANTIAS REAIS ...................................................................................................... 30
3.1.1 Direitos reais de garantia x Direitos reais em garantia ........................................... 31
3.2 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA .......................................................................................... 32
3.2.1 Negócios fiduciários..................................................................................................... 33
3.2.2 Alienação fiduciária no direito brasileiro ................................................................. 34
3.2.2.1 Características do contrato de alienação fiduciária .................................................... 36
3.3 PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA X PROPRIEDADE TRADICIONAL ......................... 39
3.3.1 A propriedade tradicional .......................................................................................... 39
3.3.2 A propriedade resolúvel ............................................................................................. 41
3.3.2.1 Propriedade fiduciária ................................................................................................ 43
4 A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DADO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA 46
4.1 IMPENHORABILIDADE POR DÉBITO DO FIDUCIANTE ....................................... 46
4.1.1 Defesa dos direitos do fiduciário ................................................................................ 48
4.1.2 Penhora dos direitos do fiduciante ............................................................................ 50
4.2 A IMPENHORABILIDADE POR DÉBITO DO FIDUCIÁRIO .................................... 53
4.2.1 Defesa dos direitos do fiduciante ............................................................................... 56
4.2.2 Penhora dos direitos do fiduciário ............................................................................. 57
4.3 POSSIBILIDADE DE PENHORA.................................................................................. 59
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 65
12

1 INTRODUÇÃO

O direito patrimonial se preocupa em estudar e aprimorar as ferramentas de que os


indivíduos dispõem para realizar suas negociações e objetivos, agindo conforme a liberdade
contratual que lhes é assegurada pela Constituição Federal. Assim, diante das inúmeras
situações em que o direito patrimonial pode se desdobrar, é salutar seu estudo.
Nesta monografia, estuda-se duas vertentes do direito patrimonial: o da satisfação
judicial de uma obrigação inadimplida; e as características da propriedade fiduciária, que pode
ser contratada entre os sujeitos por meio do contrato de alienação fiduciária.
A propriedade fiduciária é uma modalidade de direito real, cada vez mais utilizada
no direito brasileiro. Ela decorre do registro do contrato de alienação fiduciária, que visa
garantir a uma obrigação principal.
A alienação e a propriedade fiduciárias têm sido muito usadas por conferirem maior
agilidade e segurança na recuperação do crédito, quando comparadas com as garantias reais
tradicionais (penhor, hipoteca e anticrese). Em última análise, a maior segurança que este direito
real confere aos contratos contribui para a circulação mais barata do crédito. Deste modo, não
é preciso muito esforço para verificar que a propriedade fiduciária traz inúmeros benefícios
para a economia brasileira, e a sociedade em geral.
Diante da relevância da propriedade fiduciária, faz-se uma intersecção com alguns
conceitos e instrumentos do processo de execução judicial para responder à problematização: o
bem dado em alienação fiduciária pode responder por algum débito, por meio da penhora?
A questão é abordada com o método dedutivo, com o uso de pesquisa bibliográfica
e documental. A estrutura do trabalho é dividida em cinco capítulos. O primeiro capítulo é esta
introdução, que busca situar o leitor no problema de pesquisa.
No segundo capítulo da monografia, discorre-se sobre os conceitos de crédito,
débito e inadimplemento de obrigações, para compreender como se dá a tutela jurisdicional
executiva. O objetivo do segundo capítulo é expor o instrumento processual da penhora, e sua
relação com a responsabilidade patrimonial do devedor.
Os conceitos da penhora e responsabilidade patrimonial são essenciais para obter a
resposta buscada pela problematização: ou seja, como se comporta a propriedade fiduciária,
quando confrontada com a tentativa de penhora.
A propriedade fiduciária é abordada no terceiro capítulo do trabalho. Para alcançar
este conceito jurídico, parte-se da ideia de que é uma garantia real. As garantias reais são
aquelas em que um bem é eleito para assegurar o cumprimento de uma prestação.
13

A afetação de um bem como garantia pode se dar de dois modos: com sua
manutenção ou retirada do patrimônio do devedor. Com o contrato de alienação fiduciária, o
bem dado em garantia é retirado do patrimônio do devedor fiduciante, constituindo para o
credor fiduciário a propriedade fiduciária. A propriedade fiduciária, no entanto, não é plena, de
modo que o credor não pode dispor livremente do bem, o que se verifica através da comparação
com a propriedade tradicional.
O quarto capítulo realiza o encontro entre as ideias abordadas no segundo e no
terceiro capítulos, para responder à pergunta proposta. A análise da questão parte de três
ângulos diversos. Inicialmente, verifica-se se os credores do devedor fiduciante podem
penhorar a coisa dada em alienação fiduciária. Após, busca-se verificar se a hipótese se aplica
aos credores do credor fiduciário. A última situação analisada é se a penhora pode ser realizada
pelo débito que motivou a constituição da propriedade fiduciária.
Finalmente, o quinto capítulo busca concluir a pesquisa, apresentando as respostas
obtidas à pergunta que motivou o trabalho acadêmico.
14

2 PENHORA E RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

O processo de execução é aquele que visa a transformar o direito em fatos,


conforme Carnelutti (1958, p. 283-284 apud ASSIS, 2013, p. 78). Tendo em vista o objetivo de
satisfação material de direitos, o processo de execução dispõe de diversas ferramentas.
Neste capítulo, abordar-se-á o processo de execução, com especial ênfase na
responsabilidade patrimonial, e no instrumento jurídico da penhora. Estes são conceitos
indispensáveis para a persecução dos objetivos desta monografia.

2.1 TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA

A vida em sociedade impõe aos indivíduos lidar com diversas situações


conflituosas. Os conflitos intersubjetivos, quando não solucionados de maneira consensual entre
os envolvidos (ao que se chama autocomposição), devem ser julgados por terceiro imparcial
(heterocomposição), porque vedada a autotutela1, ao menos no ordenamento jurídico brasileiro
(ASSIS, 2013, p. 76).
É nesse ponto que se insere a atuação do Estado, através do processo. O processo
caracteriza-se por confrontar pretensões resistidas ou insatisfeitas, para buscar a solução mais
justa e adequada ao ordenamento jurídico (ABELHA, 2016, p. 2).
Araken de Assis (2013, p. 75-77) ensina que o processo se realiza através da
jurisdição do Estado, que busca solucionar os conflitos. E acerca da jurisdição, Fredie Didier
Junior (2012a, p. 98) afirma que se trata de atividade exclusiva do Estado, por meio da qual se
aplica o Direito a situações concretas. No artigo 16 do Código de Processo Civil vislumbra-se
que a jurisdição é exercida através da atuação dos juízes e tribunais, em todo o território nacional
(BRASIL, 2015).
As situações que reclamam a tutela estatal podem ser as mais diversas. Uma
importante atuação do Estado é a de conferir efetividade aos direitos subjetivos. Fredie Didier
Junior e outros (2012b, p. 26) lecionam que, como aos indivíduos é vedado buscar por si a
efetivação de seus direitos, estes devem recorrer ao Estado. À concretização da prestação
buscada pelo titular de um direito insatisfeito chama-se tutela jurisdicional executiva.

1
Decreto-lei n. 2.848/1940 – Código Penal (BRASIL, 1940)
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o
permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
15

O titular de um direito subjetivo inadimplido pode recorrer à tutela jurisdicional


executiva, visando receber a prestação a que faz jus. Adiante, discorre-se acerca do
inadimplemento das obrigações e demais pressupostos da tutela jurisdicional executiva.

2.1.1 Inadimplemento de obrigações

O direito das obrigações engloba relações jurídicas patrimoniais. Este ramo do


direito estuda as prestações a que um sujeito é obrigado perante o outro, seja por força de lei ou
contrato (GONÇALVES, 2009, p. 2).
Uma obrigação apresenta sujeitos ativos e passivos. O sujeito que detém a
obrigação é denominado devedor, e aquele que se beneficiará da obrigação é chamado de credor.
Há uma certa relação de confiança entre credor e devedor, sobretudo quando se tratam de
obrigações contratuais, que detêm grande relevância econômica (NORONHA, 2007, p. 16).
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 43) esclarecem, acerca
das relações jurídicas obrigacionais, que somente delas participam os direitos subjetivos de
conteúdo econômico passíveis de circulação jurídica. Conforme se vê, as relações obrigacionais
têm ligação íntima com o direito patrimonial.
Especial relevância tem, no direito das obrigações, o estudo dos contratos. Firmado
um contrato, surge para o devedor o dever de prestar algo ao credor. Por sua vez, o credor pode
exercer um direito pessoal contra o devedor (GAGLIANO; PAMPLONA, 2012, p. 44).
O direito pessoal exercitável do credor contra o devedor é o crédito. Fernando
Noronha (2007, p. 131) ensina que crédito é o direito subjetivo do credor de exigir a prestação
avençada. No mesmo sentido, tem-se que o “direito a uma prestação é o poder jurídico,
conferido a alguém, de exigir de outrem o cumprimento de uma prestação” (DIDIER JUNIOR
et al, 2012b, p. 25).
Por outro lado, o devedor tem a obrigação de realizar a prestação contratada com o
credor: este é seu débito. O débito é o primeiro dos vínculos formados entre o devedor e o
credor, e representa “o comportamento que a lei sugere ao devedor, [...] no sentido de satisfazer
pontualmente a obrigação, honrando seus compromissos”. Caso o devedor não satisfaça a
prestação, diz-se que está inadimplente (GONÇALVES, 2009, p. 29).
Quando o devedor não honra o compromisso assumido, tem-se a inadimplência.
Assis (2013, p. 208) narra que o caminho natural de um contrato é a satisfação espontânea pelo
devedor. Desta forma, o inadimplemento é evento anormal. Diante do inadimplemento, cabe ao
credor buscar a tutela jurídica de seu crédito.
16

A tutela jurídica do crédito se dá imputando-se ao devedor a sua responsabilidade.


A responsabilidade do devedor sujeita todo o seu patrimônio, conferindo ao credor a
possibilidade de exigir o cumprimento da obrigação (GONÇALVES, 2009, p. 29).
Sobre a tutela jurídica do crédito, Pontes de Miranda (1999, p. 44) aduz que:

Na justiça de mão própria, era o credor que executava: retirava ao devedor o que ele
havia de prestar, ou o que a isso equivalesse. O Estado sucedeu aos credores nessa
função de retirar do patrimônio do devedor a coisa devida, ou o valor que tem de
prestar, pois que, devendo prestar por ato própria, não o prestou.

Assim, a submissão do patrimônio do devedor às suas obrigações é prevista no


ordenamento jurídico como forma de proteção ao credor pelo inadimplemento do débito. Deste
modo, ao devedor inadimplente cabe responder, perante o credor, com seu patrimônio. O estudo
da responsabilidade patrimonial é especialmente relevante, e será oportunamente realizado.
Agora, cabe demonstrar o instrumento para imputar ao devedor sua
responsabilidade, que é o processo. Para atingir os bens do devedor e satisfazer seu crédito, o
credor deve buscar a tutela estatal. A tutela jurídica abrange o reconhecimento do crédito e os
meios coercitivos empregados para a efetiva entrega da prestação ao credor (NORONHA, 2007,
p. 131).
O reconhecimento do crédito ocorre por meio da atividade jurisdicional cognitiva.
Esta é a atividade lógica por meio da qual se investiga a situação fática havida entre as partes,
declarando o direito disputado. Por outro lado, a satisfação do direito ocorre pela atividade
jurisdicional executiva, quando se busca dar ao credor a prestação a que faz jus (WAMBIER;
TALAMINI, 2012, p. 46).
Conclui-se, então, que a jurisdição estatal, ao tutelar os interesses do credor, age
para reconhecer e efetivar direitos. A busca pela tutela estatal é direito do credor, a que se chama
direito de ação (NORONHA, 2007, p. 131).
A tutela jurídica do crédito se dá, portanto, quando há obrigação inadimplida pelo
devedor. O credor pode requerer, através do processo, o reconhecimento de seu crédito, com a
atividade cognitiva. Aos créditos já reconhecidos diz-se tratar de título executivo, pressuposto
da tutela executiva. Tal conceito será melhor delineado no próximo item.

2.1.2 Títulos executivos

A doutrina debate acerca da natureza dos títulos executivos: seriam documentos,


provas, atos? A discussão, apesar de intrigante, não importa neste momento. Em suma, os títulos
17

executivos representam prova da obrigação do devedor perante o credor, o que legitima a


realização de atos executivos em desfavor do obrigado (BUENO, 2009, p. 73).
Os títulos executivos retratam relações jurídicas: deles se depreendem o direito do
credor e a obrigação do devedor. Fredie Didier Junior e outros (2012b, p. 149) aduzem a
importância do título executivo quando afirmam que “sem ele não se pode aferir a causa de
pedir, o pedido, nem a legitimidade, o interesse de agir, a possibilidade jurídica do pedido”.
O título executivo deve retratar obrigação certa, exigível e líquida, conforme exige
o artigo 783 do Código de Processo Civil. As características essenciais dos títulos são
explicadas, uma a uma, pela doutrina (BRASIL, 2015).
Diz-se que um título goza de certeza quando não há dúvida acerca da existência da
obrigação. A certeza, embora relativa, é suficiente para a instauração de procedimento
executivo. A liquidez consiste na possibilidade de aferição da obrigação ali retratada, seja por
estar diretamente indicada, seja porque pode ser aritmeticamente apurada. A exigibilidade, por
fim, se relaciona com a atualidade do débito, não estando sujeito a termo ou a condição
suspensiva (ASSIS, 2013, p. 159; DIDIER JUNIOR et al, 2012b, p. 157; WAMBIER;
TALAMINI, 2012, p. 86).
Às obrigações retratadas nos títulos, a lei confere relativa certeza da existência, o
que autoriza a deflagração de procedimento executivo. De posse de um título, pode o credor
promover execução para ver satisfeito seu direito ali representado, conforme preceitua o artigo
786 do Código de Processo Civil: “a execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça
a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo” (ASSIS, 2013, p. 159;
BRASIL, 2015).
Um título executivo deve identificar com clareza os sujeitos da relação jurídica
retratada, bem como a prestação à qual está o devedor obrigado (ASSIS, 2013, p. 164).
Wambier e Talamini (2012, p. 66) ensinam que os títulos executivos são típicos, devendo haver
expressa previsão em lei.
Ao prever os títulos executivos, o Código de Processo Civil os divide pela sua
natureza: judicial ou extrajudicial, a depender do modo com que se deu sua formação (BRASIL,
2015).
Predominantemente, o título executivo obtido judicialmente (título executivo
judicial) é produto da atividade jurisdicional cognitiva. Consiste “em provimentos
jurisdicionais, ou equivalentes, que contêm a determinação a uma das partes prestar algo à
outra” (WAMBIER; TALAMINI, 2012, p. 69).
18

O título executivo judicial não pode ser resumido simplesmente como “sentença”,
porquanto assuma formas diversas, conforme a previsão do artigo 515 do Código de Processo
Civil2. Pode, no entanto, ser sintetizado como o título originado do poder Estatal, imposto às
partes através da jurisdição (DIDIER JUNIOR, 2012a, p. 98).
O título executivo extrajudicial, por sua vez, não depende de prévio procedimento
cognitivo. Este título se forma com a simples vontade das partes, que aderem a determinado
negócio jurídico cujo instrumento é reconhecido legalmente como título executivo. O
ordenamento jurídico prevê os títulos executivos extrajudiciais porque neles se vislumbra
“grande chance da existência do direito [...], atos que, na experiência comum, indicam a
existência efetiva de crédito” (ASSIS, 2013, p. 187; WAMBIER; TALAMINI, 2012, p. 69).
O rol de títulos executivos extrajudiciais do artigo 784 do Código de Processo Civil3
é exemplificativo, porque contém cláusula de abertura em seu inciso XII (ARAÚJO, 2015, p.

2
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste
Título:
I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer,
de não fazer ou de entregar coisa;
II - a decisão homologatória de autocomposição judicial;
III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;
IV - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores
a título singular ou universal;
V - o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por
decisão judicial;
VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado;
VII - a sentença arbitral;
VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
IX - a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal
de Justiça;
3
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;
II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;
III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia
Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;
V - o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por
caução;
VI - o contrato de seguro de vida em caso de morte;
VII - o crédito decorrente de foro e laudêmio;
VIII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos
acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;
IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
X - o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na
respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
XI - a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas
devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;
XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
19

1.801). Importa verificar, no entanto, que a abertura não retira o caráter de tipicidade dos títulos,
que devem estar previstos em lei para serem reconhecidos como tal. A tipicidade, aliás, é
característica comum entre os títulos executivos judiciais e extrajudiciais (ABELHA, 2016, p.
137).
Para o escopo aqui pretendido, não importa estabelecer grandes diferenciações
entre a natureza dos títulos executivos. Isto porque aqui se busca discorrer acerca dos atos
executivos realizados para a satisfação de uma obrigação, e sua inevitável relação com a
responsabilidade patrimonial. Assim, o modo como a obrigação está documentada pouco
importa. Neste sentido, Pontes de Miranda (1999, p. 53) já esclareceu que a diferenciação entre
os títulos só se justifica “quando se indaga da carga de cognição com que se começa”.
Porque aqui não se discute a carga de cognição dos títulos, mostra-se dispensável
distinguir pormenorizadamente cada espécie de título executivo. Basta que se tenha a clareza
de que os títulos executivos constituem a “prova pré-constituída da causa de pedir da ação
executória” (ASSIS, 2013, p. 162).
Independentemente da natureza do título executivo, este é indispensável para a
instauração de um processo executivo, conforme impõe o artigo 783 do Código de Processo
Civil4 (BRASIL, 2015). É no título executivo que se retrata a obrigação do devedor, bem como
o direito do credor, a ser satisfeito através da tutela jurisdicional executiva do Estado
(WAMBIER; TALAMINI, 2012, p. 66).
Assim, com o título executivo líquido, certo e exigível, é possível a deflagração do
processo de execução, para pleitear a tutela jurisdicional executiva. Adiante, demonstra-se como
o Estado atua para a satisfação do crédito representado no título executivo.

2.1.3 Atos executivos

O Estado, chamado a prestar a tutela jurisdicional executiva, atua com vistas à


satisfação da obrigação, em nome do devedor: “a execução torna efetivo, através do Estado, por
ato dele, em prestação jurisdicional, o adimplemento a que competia ao devedor” (MIRANDA,
1999, p. 45).
Ou seja, se o devedor não cumpriu a prestação que lhe competia, o Estado passa a
prestar em seu nome, usando seus bens. Para a satisfação da obrigação, o Estado-juiz age através

4
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.
20

de atos que agridem o patrimônio do executado, os chamados atos executivos. Os atos


executivos se prestam a realizar “transformação no mundo físico”, ou seja, transformar o direito,
documentado no título executivo, em fatos. Ora, de nada serviria um título executivo se este não
fosse capaz de produzir efeitos no mundo real (ASSIS, 2013, p. 78; 99; 224-225).
Os atos executivos são os provimentos judiciais que caracterizam a função
executiva do Estado. A doutrina divide os atos executivos entre os de sub-rogação e os
coercitivos. Os atos de sub-rogação são aqueles em que o Estado-juiz supre a vontade do
executado, que deixou de prestar a obrigação, para satisfazer a pretensão do exequente. Dos
atos de sub-rogação, tem-se como exemplo a penhora e a expropriação em leilão público
(ABELHA, 2016, p. 36).
Os atos coercitivos, por sua vez, são aqueles em que o Estado compele o executado
à realização da prestação, de modo “que seria mais vantajoso cumprir e satisfazer o direito
exequendo do que assumir a medida coercitiva que lhe foi imposta”, como uma multa, ou até
mesmo a prisão civil, no caso das dívidas alimentícias. Para as execuções de obrigação por
quantia certa, objeto da pesquisa, são mais usualmente aplicados os atos sub-rogatórios, em vez
dos atos coercitivos. No entanto, o Código de Processo Civil autoriza ao juiz eleger e cumular
os meios executivos (ABELHA, 2016, p. 36; BRASIL, 2015).
Cassio Scarpinella Bueno (2009, p. 22) afirma que, em respeito ao princípio do
devido processo legal, os atos executivos são tradicionalmente típicos, “no sentido de que eles
são prévia e exaustivamente previstos pelo legislador”. Ou seja, os atos executivos são os
expressamente previstos na lei. Ocorre que, em busca da satisfação do crédito, pode o julgador
lançar mão de atos inovadores, portanto atípicos, desde que não destoem “dos valores ínsitos à
atuação do Estado Democrático de Direito”.
Tal ideia foi positivada no inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil, que
autoriza ao juiz determinar todas as medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que
tenham por objeto prestação pecuniária” (BRASIL, 2015). As medidas atípicas propiciam ao
exequente exercer a criatividade ao pedir ao juiz a tutela do crédito. Um interessante exemplo
de aplicação de medidas atípicas é a apreensão do passaporte do executado, para compeli-lo a
realizar o pagamento do débito.
21

A execução visa à satisfação do crédito do exequente, e deve se pautar por seus


interesses, conforme o artigo 797 do Código de Processo Civil5. Não se pode olvidar, no entanto,
dos direitos do executado. Apesar de objetivar à satisfação da pretensão material do exequente,
a execução deve observar o princípio da menor onerosidade para o executado, positivado na
redação do artigo 805 do Código de Processo Civil: “Quando por vários meios o exequente
puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o
executado” (ABELHA, 2016, p. 7; BRASIL, 2015).

2.1.3.1 Procedimentos prévios aos atos executivos

Avançando no estudo dos atos executivos, é relevante destacar o procedimento


prévio à deflagração destes. Apresentado um título executivo ao Estado, este proferirá comando
para o pagamento voluntário, na forma de que dispõe a legislação processual.
No caso dos títulos executivos judiciais, o artigo 523 do Código de Processo Civil
prevê que o devedor será intimado para satisfazer a execução em 15 (quinze) dias, acrescido de
eventuais custas processuais. Não o fazendo, acrescerá ao débito multa de 10% (dez por cento),
bem como honorários advocatícios de 10% (dez por cento), conforme o § 1º do artigo 523.
Assim, não havendo o pagamento no prazo assinalado, procedem-se aos atos
executivos/expropriatórios, com a expedição de mandado de penhora e avaliação, nos termos
do § 3º do artigo 523 (BRASIL, 2015).
Por outro lado, apresentado um título executivo extrajudicial ao Estado, este citará
o devedor para realizar o pagamento voluntário em 3 (três) dias, oportunidade em que os
honorários advocatícios de 10% (dez por cento), fixados de plano pelo juiz, serão reduzidos
pela metade, na forma do caput e § 1º do artigo 827 c/c artigo 829 do Código de Processo Civil.
Interessante notar que do mandado de citação para pagamento já constará ordem de penhora, no
caso de não pagamento no prazo, sem necessidade de expedição de novo mandado, conforme o
§ 1º do artigo 829 (BRASIL, 2015).
Ainda que haja pequenas diferenças entre os comandos judiciais iniciais da
execução, no que toca a prazos e honorários advocatícios, a satisfação dos débitos
documentados nos títulos judiciais ou extrajudiciais acaba por ter a mesma marcha: uma vez

5
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza se a
execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
22

superado o prazo para pagamento voluntário, dá-se início aos atos executivos, com a penhora
dos bens do devedor/executado, nos termos do § 3º do artigo 523 e § 1º do artigo 829 do Código
de Processo Civil (BRASIL, 2015).
Excetuadas as hipóteses de insurgência dos executados (por meio de impugnação
ou embargos à execução), que fogem do objeto deste estudo, por ser matéria afeta à carga
cognitiva de cada título executivo, não há diferença procedimental entre a execução de título
judicial ou extrajudicial (MIRANDA, 1999, p. 53).
Os atos executivos deflagrados após o prazo para pagamento voluntário, seguem o
mesmo rito. Tal característica é desde logo anunciada no artigo 771 do Código de Processo
Civil6. Uma vez esclarecidas as particularidades de cada procedimento executivo, passa-se ao
estudo de instrumento que lhes é comum: a penhora.

2.1.4 Penhora

Ultrapassado o prazo para satisfação voluntária da execução, é expedido mandado


de penhora e avaliação de bens. Francisco Antonio de Oliveira (2005, p. 22) conceitua penhora
como “meio coercitivo pelo qual se vale o exeqüente para vencer a resistência do devedor
inadimplente”.
Sobre o tema, Arnaldo Marmitt (1992 apud ASSIS, 2013, p. 697) ensina que é “ato
executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação”.
O Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) dispõe em seu artigo 831 que “a
penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal
atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios”. Através da penhora, ocorre a
individualização de bens do devedor, para responder diretamente pela execução (MARINONI;
ARENHART; MITIDIERO; 2016, p. 967).
Ou seja, com a penhora, há o direcionamento da execução para aqueles bens
afetados que serão usados para satisfazer o crédito. É de se verificar que a penhora não retira o
bem da propriedade do executado, mas tão somente o afeta à satisfação da execução, impedindo
que o devedor o aliene ou o onere. O que efetivamente ocorre é a alteração na posse7 do bem.

6
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se,
também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento
de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva.
7
"Possuidor é quem, em seu próprio nome, exterioriza alguma das faculdades da propriedade, seja ele proprietário
ou não" (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 66). Com efeito, as faculdades da propriedade são as previstas no
23

O bem penhorado fica sob poder de um depositário8, que pode, inclusive, ser o devedor. O
depositário, no entanto, não detém a posse do bem: ou seja, não pode usá-lo livremente
(MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 986).
É possível realizar mais de uma penhora sobre o mesmo bem. O produto da
expropriação do bem será preferencial à satisfação do crédito da primeira penhora realizada,
seguindo-se a ordem cronológica de penhoras. Assim, é possível dizer que a penhora “gera certa
preferência legal sobre o produto da venda do bem”, como já prevê o artigo 797 do Código de
Processo Civil9 (BRASIL, 2015; MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 986).
Sobre o tema, Fredie Didier e outros (2012b, p. 550) explicam que a preferência é
em relação aos “demais credores quirografários do devedor comum. É manifestação do
princípio do prior tempore, potior iure (o primeiro no tempo é o direito mais forte)”. Essa
preferência é puramente processual: não tem o exequente/credor direito material sobre o bem,
como leciona Araken de Assis (2013, p. 699).
Ato contínuo à realização da penhora, procede-se à avaliação do bem, aferindo se
serão suficientes para a satisfação da execução, nos moldes previstos no artigo 870 e seguintes
do Código de Processo Civil10. Assim, poderá o juiz reduzir ou ampliar a penhora, a depender
do valor avaliado, conforme o artigo 874 do Código de Processo Civil11.
Após a penhora, avaliação e depósito, o credor/exequente pode pedir a adjudicação
do bem – toma-lo para si –, ou requerer sua alienação, particular ou por leilão judicial, nos
termos dos artigos 876 e seguintes do Código de Processo Civil. Estes atos expropriatórios
visam à transferência de bens ou valores do patrimônio do exequente para o do executado. A
penhora é, portanto, o primeiro dos atos processuais que visam à expropriação de bens do
devedor/executado (ABELHA, 2016, p. 314; 364; BRASIL, 2015).

artigo 1.228 do Código Civil: "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-
la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha" (BRASIL, 2002).
8
O depositário é auxiliar do juízo, conforme a previsão do artigo 159 do Código de Processo Civil (BRASIL,
2015). A ele "cabe a guarda e a conservação do bem que lhe é confiado pelo juiz" (DELFINO, 2015, p. 511).
9
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a
execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
10
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 870. A avaliação será feita pelo oficial de justiça.
11
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 874. Após a avaliação, o juiz poderá, a requerimento do interessado e ouvida a parte contrária, mandar:
I - reduzir a penhora aos bens suficientes ou transferi-la para outros, se o valor dos bens penhorados for
consideravelmente superior ao crédito do exequente e dos acessórios;
II - ampliar a penhora ou transferi-la para outros bens mais valiosos, se o valor dos bens penhorados for inferior
ao crédito do exequente.
24

Da penhora devem ser intimados o executado e demais interessados, como seu


cônjuge, ou a terceiro a quem pertencer o bem penhorado. Assim, por interessados, pode-se
entender todos aqueles que detêm direito material sobre o bem, que podem opor exceções à
penhora. Aos interessados deve ser oportunizada a manifestação acerca do desacerto da
penhora, que pode ocorrer por diversos motivos, como as causas de impenhorabilidade
(ABELHA, 2016, p. 321).

2.1.4.1 Impenhorabilidades

O artigo 832 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) estabelece que “não
estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”. Há
extenso rol previsto no artigo 833 do código12.
Hermes Zaneti Júnior (2016, p. 171) destaca que a natureza impenhorável de um
bem decorrerá, no mais das vezes, do texto legal. Pode o juiz, em decisão fundamentada,
determinar a impenhorabilidade de bem não previsto no rol da lei. Assim, tem-se que o rol do
artigo 833 não é taxativo, e sim, exemplificativo.
Pode haver ainda hipóteses de impenhorabilidade em leis extravagantes, a exemplo
da Lei nº 8.009/1990, que estabelece a impenhorabilidade do bem de família. É possível
verificar que as causas de impenhorabilidade são intimamente ligadas à proteção dos princípios
e garantias fundamentais, sobretudo o direito à dignidade da pessoa humana, consagrado pela

12
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de
elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as
pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
ressalvado o § 2o;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou
úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou
assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária,
vinculados à execução da obra.
25

Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III. Aqui incide também o princípio da menor
onerosidade para o executado, previsto no artigo 805 do Código de Processo Civil (BRASIL,
1988; 1990; 2015).
As hipóteses de proteção ao patrimônio do executado, por meio de alegação de
impenhorabilidade, podem ser absolutas ou relativas, disponíveis ou indisponíveis. A
disponibilidade quer dizer se há preclusão da oportunidade de alegar a impenhorabilidade,
residindo a disponibilidade nos incisos II a XII do artigo 833 do Código de Processo Civil, e a
indisponibilidade no inciso I do mesmo artigo (BRASIL, 2015; ZANETI JÚNIOR, 2016, p.
173-174, 175-176, grifos do autor).
Ao comentar a divisão das impenhorabilidades entre absolutas e relativas, Marcelo
Abelha (2016, p. 117) defende que apenas as primeiras podem, de modo definitivo, ser
consideradas impenhorabilidades. As impenhorabilidades absolutas são as previstas no artigo
833 do Código de Processo Civil, enquanto que as impenhorabilidades relativas são as aludidas
no artigo 834. Os bens a que se refere o artigo 834 (“frutos e os rendimentos dos bens
inalienáveis”) se sujeitam à execução; no entanto, para isso, deve estar comprovada a ausência
de demais bens penhoráveis (BRASIL, 2015).
Ensina ainda Marcelo Abelha (2016, p. 116) que as impenhorabilidades se
justificam na medida em que consideram a proteção da dignidade do executado mais importante
do que o direito de crédito. Na mesma direção, ressalta também que não pode ser olvidado o
direito à dignidade do credor, que já suporta prejuízos causados pela inadimplência do devedor.
Assim, defende o autor que as hipóteses de impenhorabilidade podem ser afastadas no caso
concreto, acaso se vislumbre dúvida se “a regra limitadora estaria realmente protegendo a
dignidade do executado, ou se estaria sendo utilizada por este último apenas para evitar
injustamente a satisfação do direito do exequente”.
Apesar da proteção conferida aos direitos fundamentais, o Código de Processo Civil impede
que as causas de impenhorabilidade sejam opostas às execuções por dívidas do próprio bem,
como se lê no § 1º do artigo 833: “A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida
relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”. Desta forma, mitigam-
se as hipóteses de impenhorabilidade, caso a dívida exequenda seja relacionada ao bem que
seria protegido (BRASIL, 2015).
Especial atenção merece a impenhorabilidade convencional, instituída através de
ato voluntário, conforme a previsão do inciso I do artigo 833 do Código de Processo Civil
(BRASIL, 2015). Na lição de Zaneti Júnior (2016, p. 175-176), esta modalidade de
impenhorabilidade seria indisponível, e, portanto, não afetada pela preclusão temporal.
26

Acerca da impenhorabilidade convencional é relevante trazer a contribuição de


Marcos Afonso Borges (apud MALUF, 2006, p. 72-73), que esclarece que “embora a
impenhorabilidade seja fato de natureza processual, pode a sua causa situar-se tanto no direito
material como no processual”.
Carlos Alberto Dabus Maluf (2006, p. 61-62) ensina que a cláusula de
impenhorabilidade decorre da lei ou da vontade de um testador/doador. O proprietário não pode
gravar seus próprios bens com a condição de impenhorabilidade, porque assim privaria seus
credores de uma garantia natural do cumprimento da obrigação.
A impenhorabilidade instituída por ato voluntário somente ocorre por ocasião de
negócios jurídicos gratuitos, quando há cláusula nesse sentido. A restrição à instituição da
impenhorabilidade convencional é de extrema importância, porque esta pode ser oposta a
qualquer credor, independentemente da origem do crédito ou seu vencimento e, portanto,
devem ser averbadas no registro imobiliário (COELHO, 2009, p. 73).

2.2 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

A responsabilidade é a sanção jurídica que recai sobre o patrimônio do sujeito que


deixou de realizar sua prestação. É prevista no artigo 391 do Código Civil, que diz que “pelo
inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. O Código de Processo
Civil contém previsão muito similar, quando estabelece em seu artigo 789 que “o devedor
responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações,
salvo as restrições estabelecidas em lei” (BRASIL, 2002; 2015).
Historicamente, a disposição provém do Código de Napoleão, de 1804, que, em
contraponto à responsabilização pessoal do devedor, inovou prevendo que “les biens du
débiteur sont le gage commun de ses creanciers13”. A responsabilização do patrimônio do
devedor representou importante progresso no direito das obrigações. Se antes o devedor era
responsabilizado pessoalmente por seus débitos – com a possibilidade de ser reduzido à
condição de escravo – o conceito moderno de obrigações não mais admite essa alternativa, de
um modo geral, prevendo que o patrimônio responderá pelos débitos, e não mais a pessoa
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 42-43).

13
Os bens do devedor são o penhor comum de seus credores, em tradução livre.
27

Teori Zavaski (2016, p. 165) defende a natureza processual da responsabilidade


patrimonial, que decorre “da crise pelo não cumprimento instantâneo da obrigação e pela
consequente necessidade do recurso à tutela coativa do Estado”.
Marcelo Abelha (2016, p. 82) entende que a responsabilidade patrimonial do
devedor existe desde o momento que se constitui a obrigação. Zavaski (2016, p. 166), no
entanto, alerta que este entendimento resulta de má interpretação do artigo 789 do Código de
Processo Civil, o que resultaria num “regime geral de indisponibilidade contra o devedor desde
o momento em que assume a obrigação”. Para evitar este cenário, Cândido Dinamarco (1998,
p. 245 apud ZAVASKI, 2016, p. 166) defende que o marco temporal para a intepretação da
expressão legal de que “o devedor responde com todos bens presentes e futuros” deve ser o do
início do processo executivo, e não do momento em que se constitui a obrigação (BRASIL,
2015).
O Código Civil prevê o princípio geral da responsabilidade primária, em harmonia
com o disposto no Código de Processo Civil (BRASIL, 2002; 2015). As exceções à regra geral
da responsabilidade patrimonial são cuidadas pelo direito processual. Como exceções, tem-se
que nem todos os bens do devedor respondem pelas dívidas, e nem só os bens do devedor
respondem pelas dívidas (ZAVASKI, 2016, p. 167, grifos do autor). A primeira hipótese já fora
explorada, junto com o estudo das impenhorabilidades. Cabe agora verificar quais bens, além
do patrimônio do devedor, podem ser chamados a responder pela execução.

2.2.1 Responsabilidade patrimonial secundária

A lei processual civil disciplina hipóteses em que sujeitos diversos do executado


podem vir a ser chamados a responder a execução. Esta é a responsabilidade secundária,
fenômeno que ocorre pela dissociação entre o débito e a responsabilidade (ASSIS, 2013, p.
229). Em profunda análise do tema, Rogério Licastro Torres de Mello (2006, p. 92 apud ASSIS,
2013, p. 229) ensina que:

[...] o desquite entre os conceitos de dívida e responsabilidade (nos termos de


titularidade subjetiva dos dois fenômenos) repercute sobre a esfera processual, em que
releva a responsabilidade como definidora da sujeição passiva executiva autorizadora
de constrição executiva sobre o patrimônio de responsáveis não devedores, que, neste
raciocínio, indubitavelmente são sujeitos passivos.

Desse modo, é possível concluir que os responsáveis secundários serão executados,


integrando o polo passivo da demanda executiva, ainda que não tenham relação com a formação
28

do débito. Como se vê, para estes sujeitos, a relação processual de responsabilidade é formada
sem que haja prévia relação material com o débito ou a obrigação, porque "a legitimidade
passiva 'ad causam' [...] decorre da identificação da parte como responsável pela satisfação do
crédito, e não necessariamente como participante da relação de direito material" (CÂMARA
JÚNIOR, 2015, p. 1808).
Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 974) aduzem que são casos em que "a lei
processual estende a responsabilidade patrimonial pelas dívidas do devedor a bens de terceiros".
Araken de Assis (2013, p. 229) discorda da denominação terceiros, por entender que "a própria
noção de responsabilidade não induz tal duplicidade incompreensível de papéis". Na visão do
autor, os sujeitos responsáveis processualmente por débito alheio não podem ser chamados de
terceiros. Por entender-se mais adequada, neste estudo adota-se o conceito de responsabilidade
secundária de Assis (2013, p. 229), e não o conceito de responsabilidade de terceiros.
A distinção conceitual é importante para estabelecer uma diferença entre terceiros
e responsáveis secundários. A responsabilidade secundária tem expressa previsão legal, o que
legitima a execução a alcançar os bens de sujeitos, que não o devedor (CÂMARA JUNIOR,
2015, p. 1809).
Fora das hipóteses legais, quando não há responsabilidade secundária, a execução
não pode alcançar os bens de pessoa diversa do devedor. Quando isto ocorre, por erro, há
afetação ilegítima de bens de terceiro. Nesses casos, cabe a oposição de embargos de terceiro,
cujo objetivo é "livrar o bem de terceiro de atos indevidos de apreensão judicial" (WAMBIER;
TALAMINI, 2012, p. 542).
Câmara Junior (2015, p. 1806) recorda também dos casos em que "uma pessoa
assume a obrigação e outra empresta garantia de seu cumprimento". Está-se diante da figura do
terceiro garantidor que, por ter se obrigado como tal, tem ligação contratual (e, portanto,
material) com o débito. Seu nome constará do título executivo, e ele integrará o polo passivo da
execução. A figura do terceiro garantidor não pode ser confundida com a do terceiro (alheio ao
débito e à responsabilidade, a quem cabe a oposição de embargos de terceiro, caso afetado pela
execução), tampouco com o de responsável secundário (alheio ao débito, mas responsável pela
execução, por expressa previsão legal).
Superada a discussão conceitual, certo é que a lei prevê hipóteses de ampliação da
responsabilidade patrimonial pela execução, que pode recair sobre responsáveis secundários,
como o sucessor do devedor a título singular; o sócio da sociedade devedora, dentre outras. A
29

previsão consta no artigo 790 do Código de Processo Civil14 (MARINONI; ARENHART;


MITIDIERO, 2016, p. 974).

Não é caso de análise de cada uma das hipóteses previstas na norma. O que deve
ficar claro é que estas são as únicas situações de responsabilidade secundária; que "excepcionam
a regra geral de que ninguém terá seu patrimônio afetado por dívida e obrigação de terceiro"
(CÂMARA JUNIOR, 2015, p. 1809).
Qualquer ato constritivo que não seja contra o patrimônio dos responsáveis,
primários ou secundários, será ilegítimo, o que enseja a oposição de embargos de terceiro
(WAMBIER; TALAMINI, 2012, p. 542).
Como se viu, há muito espaço para discussão acerca do patrimônio que responderá
por uma execução. Na próxima etapa deste estudo, abordar-se-á as particularidades da
propriedade fiduciária, que institui regime patrimonial curioso, sobretudo quando este
patrimônio é chamado a responder por um débito.

14
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 790. São sujeitos à execução os bens:
I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória;
II - do sócio, nos termos da lei;
III - do devedor, ainda que em poder de terceiros;
IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida;
V - alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução;
VI - cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação autônoma,
de fraude contra credores;
VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.
30

3 PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

Neste capítulo pretende-se explorar a propriedade fiduciária, partindo-se da


comparação com a propriedade tradicional, prevista no Código Civil. Para tanto, é necessário
verificar que a propriedade fiduciária é instituída através do contrato de alienação fiduciária –
este é um contrato que visa prestar garantia real a outro negócio jurídico. Para iniciar o estudo,
portanto, verificar-se-á em que consistem as garantias.

3.1 GARANTIAS REAIS

Para compreender as garantias reais, faz-se necessária uma introdução na disciplina


geral no tema das garantias, que integra o estudo do direito das obrigações. Por este motivo,
retorna-se aos conceitos de débito, crédito, devedor e credor, que já foram explorados.
No direito das obrigações, os credores gozam da garantia geral de que todo o
patrimônio do devedor responderá por seus débitos. Muitas vezes, no entanto, a
responsabilidade patrimonial do devedor mostra-se insuficiente, já que este pode alienar ou
onerar seus bens após a conclusão do contrato. Pode, ainda, assumir tantos débitos que seu
patrimônio não seja suficiente para a satisfação destes. Em vista disso, ao credor diligente a lei
prevê a possibilidade de exigir garantias específicas do devedor (FARIAS; ROSENVALD,
2012, p. 858-859).
As garantias a serem exigidas pelo credor podem ter natureza pessoal ou real.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p 859) sintetizam a diferença entre as
espécies de garantia:

Nas garantias pessoais, ao devedor se soma um responsável, tal como ocorre na fiança
e no aval, mas a segurança que traz essa garantia não é absoluta, pois o perigo de queda
em insolvência também pesa sobre o fiador e o avalista. Assim, despontam as garantias
reais, em virtude das quais, uma ou várias coisas de propriedade do devedor quedam
afetadas de forma especial para assegurar o cumprimento da obrigação garantida.

A grande vantagem das garantias de natureza real é a oneração de um ou mais bens


para o cumprimento do contrato, “o que confere ao credor a pretensão de obter o pagamento da
dívida com o valor de bem aplicado exclusivamente à sua satisfação”. Com a garantia real, o
credor passa a ter direito de sequela e preferência sobre a coisa dada em garantia. Pelo direito
de sequela, o vínculo adere sobre a coisa, independentemente de quem a detenha, seja o devedor
ou o terceiro. Já o direito de preferência assegura ao credor ter seu crédito satisfeito antes dos
31

demais credores, em caso de execução coletiva. O artigo 957 do Código Civil explica a situação:
“Não havendo título legal à preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do devedor
comum” (BRASIL, 2002; GOMES, 2012, p. 349-350, grifos do autor).
Assim, o credor não precisa verificar o inadimplemento do contrato e a deflagração
de procedimento executivo para atingir algum bem do devedor, através da penhora. Desde o
momento da conclusão do contrato, já tem o credor a certeza de que determinado bem do
devedor irá garantir o cumprimento da obrigação, por meio da afetação da garantia real
avençada.
As garantias reais têm estas características porque integram a disciplina jurídica dos
direitos reais. Conforme Caio Mário da Silva Pereira (2017, p. 1), os direitos reais se diferem
dos direitos obrigacionais por serem oponíveis a todos (erga omnes), enquanto obrigações são
oponíveis somente aos sujeitos da relação jurídica formada. Ainda, os direitos reais devem ser
típicos, ou seja, previstos na norma jurídica, enquanto os direitos obrigacionais podem ser
inovadores, formando relações atípicas. Por fim, outra característica dos direitos reais é a
aderência à coisa, e não ao sujeito; de modo que, via de regra, o direito real não se altera com a
alteração de seu titular. Ou seja, a garantia real acompanha a coisa gravada, independentemente
do vínculo do proprietário com o débito garantido.
As garantias reais muito interessam ao credor, por representar maior segurança no
recebimento do crédito. No entanto, Coelho (2009, p. 214) ressalta que estas garantias também
são de grande valia ao devedor. Isto porque a maior segurança do crédito permite ao credor
estipular menores juros remuneratórios15. Dessa forma, as garantias reais acabam "gerando
proveitos, em última análise, à economia como um todo, por possibilitar a mobilização mais
barata do crédito".

3.1.1 Direitos reais de garantia x Direitos reais em garantia

As garantias reais podem ser divididas entre duas modalidades: direitos reais de
garantia e direitos reais em garantia. Quem distingue estas modalidades é Fábio Ulhoa Coelho
(2009, p. 215). Segundo o autor, os direitos reais de garantia são o penhor, a hipoteca e a
anticrese, previstos no artigo 1.419 do Código Civil. Já os direitos reais em garantia são a
alienação fiduciária em garantia e a cessão fiduciária de direitos creditórios (BRASIL, 2002).

15
Juros remuneratórios são aqueles que objetivam recompensar o credor pelo uso de seu capital. (GOMES, 2016,
p. 53)
32

Os direitos reais de garantia (hipoteca, penhor e anticrese) submetem-se à disciplina


jurídica dos direitos reais limitados, que são os direitos reais em coisa alheia. Nos direitos reais
em coisa alheia, ocorre o desmembramento dos poderes dominiais do proprietário (usar, fruir e
dispor)16. Quando o proprietário transfere algum dos poderes dominiais a outrem, passa a
ostentar a propriedade limitada, e não mais plena, sobre o bem (PEREIRA, 2017, p. 73).
Assim, no caso da hipoteca, do penhor e da anticrese, “o direito do credor
‘concentra-se sobre determinado elemento patrimonial do devedor’” (GOMES, 2012, p. 350).
Por ser direito real sobre coisa alheia, a propriedade do bem permanece com o devedor, mas
com o “vínculo real ao cumprimento da obrigação”, conforme a letra do artigo 1.419 do Código
Civil (BRASIL, 2002).
Os direitos reais em garantia, por outro lado, representam direitos reais ilimitados,
por serem direitos reais sobre coisa própria. Nesta modalidade de garantia, "o cumprimento da
obrigação é garantido pela transferência do bem onerado à propriedade do credor" (COELHO,
2009, p. 215, grifo do autor).
Dessa forma, no caso da alienação e cessão fiduciárias, o bem que garante a
obrigação sai do patrimônio do devedor, passando a ser de propriedade do credor. Essa
característica confere aos direitos reais em garantia maior efetividade na tutela do crédito.
Propõe-se, inclusive, a classificação de hipergarantias às "relações jurídicas cujo direito real em
garantia fosse a propriedade fiduciária" (PENTEADO, 2008, p 431, apud FARIAS;
ROSENVALD, 2012, p. 860-861).
Portanto, por conta da disciplina especial a que se submetem as garantias
fiduciárias, estas conferem ao crédito maior proteção. Dessa forma, as garantias fiduciárias
podem aumentar a oferta de crédito no mercado (MEZZARI, 1998, p. 49). Por esse motivo, nas
próximas linhas dedicar-se-á ao estudo da alienação fiduciária.

3.2 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Neste item pretende-se explorar as características do contrato de alienação


fiduciária. Jean Carlos Fernandes (2010, p. 159) ensina que a alienação fiduciária em garantia
é espécie contratual albergada pela classificação de negócio fiduciário. Por este motivo, é

16
O desmembramento dos poderes dominiais é possível diante da elasticidade do direito de propriedade (FARIAS;
ROSENVALD, 2012, p. 769)
33

importante que se compreenda no que consistem os negócios fiduciários, tarefa que será
enfrentada adiante.

3.2.1 Negócios fiduciários

Antes de tratar dos negócios fiduciários propriamente, é preciso dar um passo atrás
e compreender os negócios indiretos. Melhim Namem Chalhub (2017, p. 28-30) ensina que a
velocidade do mundo dos negócios sempre foi superior à capacidade de renovação do direito,
no sentido de oferecer ao mercado os instrumentos para atender suas necessidades. Nesse
sentido, para superar as lacunas legais, surgiram os negócios indiretos no final do século XIX.
Estes usavam velhas ferramentas jurídicas com novos objetivos, como, por exemplo, a
finalidade de administração e garantia.
Os negócios indiretos surgiram na busca do desenvolvimento da autonomia privada
– ou seja, a efetiva vontade das partes. Tullio Ascarelli (1969, p. 98, apud OLIVA, 2014, p. 2)
narra um interessante exemplo de uso dos negócios indiretos: a libertação de escravos já foi
realizada por meio de sua venda às divindades.
Mais próximo da realidade, Chalhub (2017, p. 28-30) cita, como exemplo de
negócio jurídico indireto, a compra e venda com finalidade de garantia. A compra e venda é um
contrato típico (previsto na norma), mas que, usado como um negócio indireto, poderia receber
efeitos que extravasam os moldes previstos pelo ordenamento jurídico. No caso da compra e
venda com finalidade de garantia, após o regular cumprimento da avença, a propriedade do bem
retorna ao status quo ante, ou seja, ao devedor.
Milena Donato Oliva (2014, p. 2) expõe que o negócio fiduciário surgiu ao lado do
negócio indireto. O negócio fiduciário tem ampla capacidade adaptativa, já que por meio deste
dá-se a "transmissão da titularidade de uma situação jurídica subjetiva ativa ao fiduciário, para
que este dela se utilize de determinada forma, com vistas a atingir os objetivos estipulados pelo
fiduciante". Após a realização da finalidade do pacto fiduciário, a titularidade da situação
jurídica subjetiva retorna ao fiduciante.
A gênese dos negócios fiduciários modernos vem da fidúcia do direito romano. Os
pactos fiduciários dividiam-se em dois: a fiducia cum amico e a fiducia cum creditore. Na
fiducia cum amico, dava-se a transferência de um bem ao amico, que exerceria a custódia ou
administração deste bem, enquanto impossibilitado o fiduciante (eg., no período de uma guerra,
ou por ocasião de uma longa viagem). Na fiducia cum creditore havia a transferência da
propriedade ao fiduciário para garantir o cumprimento de um contrato. Assim, uma vez
34

cumprida a avença, o fiduciário retornaria a propriedade ao fiduciante (DANTZGER, 2010, p.


38).
Nessas relações contratuais primitivas, a confiança era elemento bem presente, já
que retornar o bem ao fiduciante consistia em mera obrigação do fiduciário, e se inadimplida,
seria resolvida pela via das perdas e danos (MEZZARI, p. 15 apud DANTZGER, 2010, p. 38).
Nesse sentido, existe discussão se os negócios fiduciários seriam caracterizados pela
possibilidade de abuso por parte do fiduciante, o que é superado por Milena Donato Oliva
(2014, p. 15-17). A autora esclarece que o caráter fiduciário de uma avença advém “da
circunstância de o fiduciário titularizar um direito para a promoção de determinada finalidade
estipulada pelo fiduciante”.
O fiduciário que recebe a titularidade de uma situação jurídica subjetiva deve usá-
la para buscar a finalidade avençada no pacto fiduciário. O fiduciário detém um direito não para
si, mas para realizar os objetivos a que se obrigou perante o fiduciante, o que configura um
poder-dever. O negócio fiduciário pode ser uma espécie de negócio indireto; ou ainda, se
originar diretamente de um contrato atípico de transmissão de titularidade para fins fiduciários,
caso em que não configurará negócio indireto. Assim, os negócios fiduciários, cujo propósito é
realizar a atribuição da titularidade fiduciária, podem ou não ser negócios indiretos (OLIVA,
2014, p. 3-4).

3.2.2 Alienação fiduciária no direito brasileiro

Acerca do surgimento de novos direitos reais, Frederico Henrique Viegas de Lima


(2011, p. 37) afirma sua estreita ligação com a evolução social, “uma vez que a inserção de um
novo direito visa a atender a necessidade econômica da sociedade em determinado momento”.
O autor destaca que o surgimento de um novo direito real deve ser justificado pela legítima
utilidade e rentabilidade do instituto.
Em relação às garantias reais, o ordenamento jurídico brasileiro contemplava
somente a hipoteca, o penhor e a anticrese, previstas nos artigos 755 e seguintes do Código
Civil de 1916 (BRASIL, 1916). Lima (2011, p. 43) destaca que estas tradicionais garantias
tiveram gradual enfraquecimento ao longo do tempo, de certa forma restringindo o acesso da
população ao crédito. Fez-se evidente a necessidade de adoção de mecanismo mais eficiente de
garantia, permitindo a maior circulação do crédito, sobretudo para consolidar a economia e a
indústria nacionais.
35

Assim, surge no direito brasileiro a alienação fiduciária, passando a integrar o


ordenamento jurídico pátrio a partir do ano de 1965, através da Lei nº 4.728, que regula
operações no âmbito financeiro e de mercado de capitais. Tal lei foi modificada pelo Decreto-
lei nº 911/1969, e posteriormente, pelas Leis nº 6.014/1973 e nº 6.071/1974 (BRASIL, 1916;
1965; 1969; 1973b; 1974b; FERNANDES, 2010, p. 159).
Inicialmente, a legislação brasileira previa a constituição de alienação fiduciária
somente para bens móveis. A alienação fiduciária de bens imóveis foi inaugurada com a Lei nº
9.514/1997, que institui no país o Sistema Financeiro Imobiliário17 (BRASIL, 1965; 1997;
ROQUE, 2010, p. 23-25).
Em 2002, o Código Civil passou a regular a propriedade fiduciária, a partir de seu
artigo 1.361. O legislador tratou tão somente da alienação fiduciária de bens móveis infungíveis.
Surgiu então, na doutrina, a discussão acerca da vigência ou revogação das disposições
materiais da Lei nº 4.728/1965 e suas posteriores alterações, conforme narram Paulo Restiffe
Neto e Paulo Restiffe (2008, p. 15-16, apud FERNANDES, 2010, p. 162-163).
Em 2004, a Lei nº 10.931 trouxe importantes alterações na disciplina da alienação
fiduciária. Acrescentou o artigo 1.368-A ao Código Civil18, cujo teor dirimiu a controvérsia até
então existente. Com a lei de 2004, ficou claro que o Código Civil não revogou as disposições
das demais leis que tratam da alienação fiduciária. Além disso, esta lei também reformou a Lei
nº 4.728/1965, que passou a regular a alienação fiduciária de bens móveis fungíveis, e cessão
fiduciária de títulos de crédito. A lei ainda estendeu a aplicação da alienação fiduciária de bens
imóveis para a garantia das “obrigações em geral”19, de modo a não se limitar ao âmbito do
Sistema Financeiro Imobiliário (BRASIL, 2002; 2004; CHALHUB, 2017, p. 124;
FERNANDES, 2010, p. 163; OLIVA, 2014, p. 111).
Como visto, o instituto da alienação fiduciária é regulamentado por diversas leis. É
recorrente a crítica da doutrina a respeito da falta de sistematicidade legal para a alienação

17
Trata-se de sistema de financiamento destinado ao setor imobiliário, instituído pela Lei 9.514/1997. A principal
diferença entre este e o Sistema Financeiro de Habitação, instituído pela Lei 4.380/1964, é a prática de juros à taxa
de mercado, enquanto este último impõe um limite aos juros praticados (BRASIL, 1964; 1997).
18
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina
específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for
incompatível com a legislação especial
19
Lei nº 10.931/2004 (BRASIL, 2004):
Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas,
inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de
imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda
de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel.
36

fiduciária. Fábio Ulhoa Coelho (2009, p. 244), esclarecendo a estrutura legislativa da alienação
fiduciária brasileira, diz que:

Em suma, atualmente, apesar da diversidade de diplomas legais, que sugerem uma


indesculpável falta de sistematicidade da matéria, não é difícil delinear o regime
jurídico da alienação fiduciária. Qualquer que seja o seu objeto, aplicam-se, como
normas gerais, o arts. 1.361 a 1.368 do Código Civil. Recaindo a garantia sobre
imóveis, submete-se o instituto aos arts. 22 a 33 da Lei n. 9.514/97; quando tiver por
objeto bem móvel fungível ou direito creditório, incide o art. 66-B, §§ 3º a 6º, da Lei
n. 4.728/65.

Portanto, em linhas gerais, esta é a estrutura legislativa básica da alienação


fiduciária no direito brasileiro. Cabe agora verificar as características deste contrato.

3.2.2.1 Características do contrato de alienação fiduciária

Os sujeitos do contrato de alienação fiduciária são o fiduciante (devedor) e o


fiduciário (credor), conforme ensina Roque (2010, p. 99-100). O Código Civil não faz qualquer
restrição em relação às pessoas que podem contratá-la. No mesmo sentido, o § 1º do artigo 22
da Lei nº 9.514/1997 estabelece que a alienação fiduciária pode ser contratada por qualquer
pessoa, de modo que não se restringe ao Sistema Financeiro Imobiliário. Para contratar a
alienação fiduciária, portanto, basta que estejam presentes os requisitos ordinários de qualquer
negócio jurídico, a teor do artigo 104 do Código Civil20 (BRASIL, 1997; 2002).
Assim, qualquer pessoa, física ou jurídica, pode contratar a alienação fiduciária. No
mesmo sentido, a alienação fiduciária pode garantir qualquer tipo de débito, ante a inexistência
de restrição no Código Civil, e também pela redação do artigo 51 da Lei nº 10.931/2004
(BRASIL, 2002; 2004).
O contrato de alienação fiduciária cria obrigações para o credor e o devedor; é,
portanto, bilateral. Ambas as partes obtêm direitos e obrigações deste contrato, donde se
depreende sua onerosidade, bem como a comutatividade – as obrigações são similares. É
também negócio jurídico formal, exigindo formalidades para sua regular constituição, como o
competente registro (CHALHUB, 2017, p. 173).

20
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
37

O contrato de alienação fiduciária é acessório, porquanto visa garantir o contrato


principal. Com o pagamento integral do contrato, resolve-se a alienação fiduciária
(DANTZGER, 2010, p. 80). Inadimplido o contrato principal, ao credor fiduciário surgem duas
opções jurídicas: buscar o cumprimento do contrato principal, ou do contrato acessório.
O cumprimento do contrato principal inadimplido se dá pela via comum da tutela
jurisdicional executiva, conforme a previsão do artigo 5º do Decreto-Lei nº 911/69, que trata
dos bens móveis. Quando há alienação fiduciária de bens imóveis, há discussão doutrinária e
jurisprudencial acerca da possibilidade de execução direta do contrato principal. Tendo em vista
que a redação da Lei nº 9.514/1997 não vincula o comportamento do credor fiduciário à
execução da garantia, esta discussão vem sendo superada nos tribunais brasileiros (BRASIL,
1969; 1997). Para ilustrar, cita-se ementa de julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo, que assegura a execução do contrato principal:

Agravo de instrumento – Exceção de pré-executividade – Bens alienados


fiduciariamente em garantia – Inexistência de comando legal que obrigue o credor
fiduciário à satisfação de seu crédito somente pela via expropriatória extrajudicial
– Faculdade de o credor optar previamente pelo procedimento que lhe parecer
mais adequado na busca da satisfação do crédito que lhe assiste, isto é, não
somente deverá ficar adstrito àquele previsto pela Lei 9.514/97, mas também, em
lugar, o procedimento de execução extrajudicial do Código de Processo Civil –
Decisão mantida – Recurso não provido. (SÃO PAULO, 2017)

Por outro lado, preferindo o credor pela execução da garantia fiduciária, é relevante
destacar a maneira como ocorre. Para executar a coisa dada em garantia, é necessário consolidar
a propriedade do credor fiduciário sobre esta – isto porque, como se verá adiante, a propriedade
fiduciária não é plena (PEREIRA, 2017, p. 347).
Para realizar este procedimento, impõe-se a notificação do devedor fiduciante para,
querendo, purgar a mora, conforme a previsão do § 2º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 911/1969,
bem como o § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.514/1997. A diferença entre o procedimento para bens
móveis ou imóveis reside na forma em que a consolidação da propriedade ocorre: se judicial
ou extrajudicialmente (BRASIL, 1969; 1997).
A consolidação da propriedade de bens imóveis é toda realizada perante o registro
de imóveis competente. No caso dos bens móveis, faz-se necessária a busca e apreensão judicial
do bem, ou a ação de depósito (BRASIL, 1969; 1997).
38

Ao contrato de alienação fiduciária é vedado instituir o pacto comissório. O artigo


1.365 do Código Civil é claro ao instituir “nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário
a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento”. Assim, uma
vez consolidada a propriedade para o credor fiduciário, impõe-se a realização da venda do bem.
Há exceções à regra, previstas no parágrafo único do artigo 1.365 do Código Civil21, e no §
8ºdo artigo 26 da Lei nº 9.514/199722 (BRASIL, 1997; 2002).
Cabe também mencionar que a alienação fiduciária é um contrato cujos efeitos não
se limitam ao âmbito do direito das obrigações. Conforme ensina Coelho (2009, p. 242), “não
se pode confundir a alienação fiduciária em garantia com a propriedade fiduciária: são institutos
diferentes”. Enquanto o contrato de alienação fiduciária é regido pelo direito das obrigações, a
propriedade fiduciária é espécie de direito real em garantia, de modo que é estudada pelo direito
das coisas.
Para Dantzger (2010, p. 42), a garantia do credor não reside no contrato de alienação
fiduciária, e sim na propriedade fiduciária que dele decorre. A propriedade fiduciária, enquanto
direito real, tem oponibilidade erga omnes. Para que a propriedade fiduciária seja constituída,
e oponível a terceiros, é indispensável que as formalidades legais sejam atendidas, com o efetivo
registro do contrato de alienação fiduciária no cartório competente. O § 1º do artigo 1.361 do
Código Civil é claro neste sentido:

Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por


instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição
competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.
(BRASIL, 2002)

Na mesma linha do Código Civil é a disposição do artigo 23 da Lei nº 9.514/1997.


Ao tratar da constituição da propriedade fiduciária sobre bens imóveis, a lei determina que haja
o registro do contrato perante o cartório de imóveis competente (BRASIL, 1997). Por estas

21
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da
dívida, após o vencimento desta.
22
Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997):
Artigo 26: [...]
§ 8o O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida,
dispensados os procedimentos previstos no art. 27.
39

razões, é relevante entender a propriedade fiduciária, bem como suas características e efeitos
perante terceiros.

3.3 PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA X PROPRIEDADE TRADICIONAL

Milena Donato Oliva (2014, p. 2-3) levanta o questionamento se o negócio


fiduciário seria compatível "com o tipo do direito real de propriedade, por se considerar que as
partes estariam a criar um domínio temporário e no interesse de outrem, o que seria
inconciliável com o direito de propriedade". Porquanto já se tenha verificado que o direito
brasileiro admite que a propriedade seja objeto de negócio fiduciário, é importante ponderar
como se comporta esta propriedade. Assim, partindo-se da comparação com a propriedade
tradicional, busca-se entender a propriedade fiduciária.

3.3.1 A propriedade tradicional

A propriedade é direito de importante expressão econômica, sendo “o mais amplo


direito de utilização econômica da coisa, direta ou indiretamente” (GOMES, 2012, p. 105). Por
conta de sua importância, a propriedade é instituto protegido no direito brasileiro desde a
Constituição do Império, de 1824. Na atual ordem constitucional, o direito de propriedade é
previsto no inciso XXII do artigo 5º (BRASIL, 1988).
Antes absoluto, o direito de propriedade foi ganhando limitações constitucionais ao
longo da evolução da sociedade. A Constituição em vigor, promulgada em 1988, limita o
exercício do direito de propriedade ao estabelecer que esta deve atender a uma função social,
conforme o inciso XXIII do artigo 5º (BRASIL, 1988). O atendimento à função social pode ser
visto por dois ângulos: o social e o individual. A doutrina explica que “não se podem sacrificar
os interesses público, coletivo e difuso para atendimento do interesse do proprietário; mas
também não se pode aniquilar este último em função daqueles” (COELHO, 2009, p. 58-59).
Orlando Gomes (2012, p. 104, grifos do autor) esclarece que “a propriedade é um
direito complexo, se bem que unitário, consistindo num feixe de direitos consubstanciados nas
faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto”. Estas faculdades
são conferidas ao proprietário através do artigo 1.228 do Código Civil23. A norma civil não

23
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha.
40

prevê expressamente o conceito de direito de propriedade, mas diz quais os direitos o


proprietário detém (BRASIL, 2002).
A aquisição da propriedade merece atenção. No ordenamento jurídico pátrio, os
contratos não têm força translativa, e somente constituem a obrigação de transferir a
propriedade. Adotou-se no Brasil o sistema romano de aquisição de propriedade, no qual a
propriedade não se transfere pelo justo título, e sim por uma formalidade posterior à formação
do justo título (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 362-364).
A aquisição de propriedade imobiliária, portanto, exige o registro do título
(contrato) no Registro de Imóveis competente, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil24.
Um sujeito só é proprietário de um bem imóvel se seu nome estiver inscrito na matrícula do
registro imobiliário. As formalidades justificam-se pela necessidade de conferir autenticidade,
segurança e eficácia aos atos jurídicos que envolvem os bens imóveis, diante da relevante
expressão econômica destes bens (PEREIRA, 2017, p. 97).
A aquisição convencional de bens móveis se dá pela tradição, a teor do artigo 1.267
do Código Civil25. A tradição consiste na efetiva entrega do bem (PEREIRA, 2017, p. 143).
Ao conceituar a propriedade, a doutrina ensina que esta “não é o retrato material do
imóvel com as características físicas, mas a feição econômica e jurídica que apresenta
formalmente”. A propriedade gera para terceiros um dever geral de abstenção, de modo a
respeitar os direitos do titular da coisa. A propriedade seria, afinal, uma “relação jurídica
complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas” (FARIAS;
ROSENVALD, 2012, p. 263, grifo dos autores).
Gomes (2012, p. 104-105) explica que a propriedade é dotada das características da
exclusividade e da elasticidade. A exclusividade diz respeito à possibilidade de proibir que
terceiros exerçam senhorio sobre a coisa. A elasticidade pode ser explicada como a
possibilidade de agregar ou retirar faculdades do exercício da propriedade. O autor destaca que
o direito de propriedade é absoluto, dando ao seu titular o direito de decidir sobre o destino da
coisa. Tal característica, no entanto, não pode ser dissociada da função social da propriedade,
de modo que o exercício do direito de propriedade pode ser restringido pelo interesse social.

24
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002).
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
25
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002).
A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
41

O entendimento do conceito jurídico de propriedade está intimamente ligado ao de


domínio, já que estes vêm sendo tratados como sinônimos desde o direito romano. O domínio
consiste na “submissão direta e imediata da coisa ao poder de seu titular, pelo exercício das
faculdades de uso, gozo e disposição”. Dessa forma, os poderes dominiais são os descritos no
artigo 1.228 do Código Civil. O domínio é a relação do proprietário com a coisa, enquanto que
a propriedade consiste na relação do proprietário e terceiros – dever geral de abstenção. O
domínio e a propriedade, portanto, podem ser dissociados, e quando estes dois poderes jurídicos
se concentram sobre a mesma pessoa, diz-se que tem a propriedade plena (FARIAS;
ROSENVALD, 2012, p. 263-264).
Acerca da propriedade plena, Coelho (2009, p. 61) esclarece que se trata daquela
em que não há qualquer limitação negocial ao exercício do direito. O proprietário concentra
para si todos os poderes da propriedade, que são os poderes dominiais. Não se pode fazer
interpretar literalmente a plenitude da propriedade, já que esta sofre limitações constitucionais
e legais. Ao contrário da propriedade plena, o autor explica que a propriedade restrita é aquela
em que “o exercício do direito esbarra em limites estabelecidos por negócio jurídico celebrado
pelo titular”, como o direito de usufruto. A propriedade presume-se plena até prova em
contrário, nos termos do artigo 1.231 do Código Civil26.
Ao lado do estudo das propriedades plena e restrita, é necessário verificar outra
característica da propriedade tradicional, que é a perpetuidade. Gomes (2012, p. 109) diz que,
em regra, a propriedade tem duração ilimitada. Uma das formas de limitar o direito de
propriedade é estabelecendo sua resolubilidade, conforme adiante se demonstra.

3.3.2 A propriedade resolúvel

A propriedade resolúvel é conceituada de maneira superficial nos artigos 1.359 a


1.360 do Código Civil (BRASIL, 2002). Em regra, a propriedade não é sujeita a condição
resolutiva ou termo final. Em contraponto à perpetuidade da propriedade tradicional, o
ordenamento jurídico brasileiro admite que se contrate a propriedade resolúvel.
Nesta modalidade de propriedade, a titularidade do proprietário é limitada a um
acontecimento futuro certo ou incerto. O próprio negócio jurídico que constitui a propriedade
“já contém dentro de si um elemento acidental que será o germe da sua própria destruição”. A
despeito do termo final a que se subordina a propriedade, não há outra limitação ao exercício

26
Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.
42

do direito. O proprietário exercerá todos os poderes dominiais sobre o bem (FARIAS;


ROSENVALD, 2012, p. 526-527).
Ocorrido o termo ou a condição resolutiva, dá-se a extinção pleno iure da
propriedade, com efeitos ex tunc. A coisa retorna ao proprietário anterior, sem quaisquer ônus
que tenha sido constituído na vigência da propriedade resolúvel. Assim, o proprietário pode
reivindicar a coisa de quem quer que a detenha (PEREIRA, 2017, p. 78).
Frederico Henrique Viegas Lima (2011, p. 82) leciona que o proprietário resolúvel
pode dispor da propriedade, sem prejuízo da extinção de todos os ônus e gravames, quando da
extinção da propriedade resolúvel. O proprietário diferido, por sua vez, tem mera expectativa
de se tornar proprietário novamente – não pode, portanto, realizar negócios jurídicos
envolvendo a propriedade.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 528) citam que a
propriedade resolúvel pode ocorrer no caso da retrovenda, no fideicomisso, na propriedade
superficiária e na propriedade fiduciária. Sobre a propriedade fiduciária, Coelho (2009, p. 240)
afirma:

A propriedade do credor referente ao bem onerado é resolúvel, ligada a condição


resolutiva consistente na satisfação do crédito garantido. Isso significa que ela deixa
de existir sempre que verificada essa condição. Assim que o devedor paga
integralmente a dívida, o bem retorna à sua propriedade livre de qualquer ônus.
Também se resolve a propriedade na hipótese de inadimplemento da obrigação,
quando executada a garantia. Aqui, a propriedade resolúvel consolida-se em mãos do
credor fiduciário, visando proporcionar a venda do bem a terceiros e a aplicação do
preço na liquidação da obrigação garantida. De um modo ou de outro, exceto numa
única situação excepcional (frustação de duas tentativas de venda em leilão de imóvel
alienado fiduciariamente [...]), o titular da propriedade resolúvel não se torna
proprietário perpétuo do bem onerado. O único objetivo da instituição da propriedade
era garantir a satisfação de certa obrigação. Verificada esta em razão do adimplemento
pelo devedor ou pela venda do bem a terceiros, não há mais por que preservá-la.

Assim, verifica-se que a propriedade fiduciária é uma espécie de propriedade


resolúvel, conforme anuncia o caput do artigo 1.361 do Código Civil27. As demais
características deste direito real serão exploradas adiante.

27
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo
de garantia, transfere ao credor.
43

3.3.2.1 Propriedade fiduciária

A propriedade fiduciária é uma forma de propriedade resolúvel. Uma vez ocorrido


o pagamento do contrato principal a que visa garantir, a propriedade fiduciária é resolvida de
pleno direito, como defende Roque (2010, p. 37), bem como a previsão do artigo 25 da Lei nº
9.514/1997. A propriedade fiduciária representa garantia indivisível, de modo que só será
extinta com o pagamento integral da dívida, ainda que envolva vários bens. A indivisibilidade
da garantia confere maior segurança ao crédito (VIANA, 2003, p. 535 apud OLIVEIRA, J.
2010, p. 1247).
Apesar de pertencer à classificação de propriedade resolúvel, a propriedade
fiduciária não acompanha todas as características dessa modalidade de direito real. É relevante,
assim, verificar as características específicas da propriedade fiduciária.
Afrânio Carlos Camargo Dantzger (2010, p. 45) apresenta, como características
marcantes da propriedade fiduciária, a resolubilidade e a restrição da propriedade. Sebastião
José Roque (2010, p. 37-38) afirma que proprietário fiduciário, enquanto proprietário
provisório, fica sem certos direitos de propriedade.
A constituição da propriedade fiduciária, com o efetivo registro do contrato que lhe
serve de título, ocasiona o desdobramento da posse da coisa. O devedor fiduciante passa a ser
possuidor direto do bem, enquanto o credor fiduciário adquire, além da propriedade, a posse
indireta da coisa, nos termos do § 2º do artigo 1.361 do Código Civil28, bem como o parágrafo
único29 do artigo 23 da Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997; 2002). Assim, o devedor continua a
usar a coisa, sem, contudo, poder dispor dela. É neste sentido que defende Roque (2010, p. 38)
que, se o fiduciante vender o bem, incorrerá nas penas do crime de estelionato, já que não lhe
pertence.
Chalhub (2017, p. 134) ensina que o direito de propriedade que decorre do contrato
de alienação fiduciária é diferente do direito de propriedade tradicional. Porquanto visa
unicamente à garantia de um débito, esta propriedade não confere ao proprietário o direito de
fruição ou gozo. Dantzger (2010, p. 76) acompanha o entendimento, afirmando que o fiduciário

28
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.361: [...] § 2o Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o
devedor possuidor direto da coisa.
29
Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997)
Artigo 23: [...] Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse,
tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
44

não adquire a plenitude da propriedade, que é limitada pela finalidade de garantia com que foi
transferida. A natureza fiduciária confere à aquisição da propriedade uma condição resolutiva,
por força de lei – uma vez cumprida a obrigação, o fiduciante tem direito real de reaver a coisa,
como se nunca tivesse sido alienada. A propriedade fiduciária de uma coisa não confere ao
fiduciário o direito de dispor dela livremente.
Surge, portanto, inusitada situação jurídica: a coisa não pertence ao devedor, que a
transferiu ao credor. Por outro lado, o credor não pode dispor do bem, diante das limitações da
propriedade fiduciária.
Em busca de esclarecer a questão, é relevante verificar como o direito tributário
encara a propriedade fiduciária. Em relação aos impostos incidentes sobre a propriedade,
Chalhub (2017, p. 140) explica que estes cabem ao devedor fiduciante, ainda que não detenha
o título de propriedade. Com efeito, é só com o inadimplemento, e a consolidação da
propriedade, que o fiduciário passa a ser responsável pelos tributos incidentes sobre a coisa
(parágrafo único do artigo 1.368-B do Código Civil). Assim, fica cada vez mais nebulosa a
situação formada entre a coisa, o fiduciante e o fiduciário (BRASIL, 2002).
Uma interessante leitura da propriedade fiduciária é feita por Rodrígues-Rosado
(1998, p. 117, apud LIMA, 2011, p. 80). Este autor defende que ao fiduciante atribui-se a
propriedade material, e ao fiduciário a propriedade formal do bem. Sob esta ótica, o fiduciário
seria proprietário perante terceiros, mas na relação inter partes seria o fiduciante o verdadeiro
proprietário. O domínio transmitido seria impróprio, um estágio intermediário entre ser e não
ser proprietário.
Lima (2011, p. 79-80) pondera se a proposição de Rodrígues-Rosado pode ser
aplicada ao ordenamento jurídico brasileiro, esclarecendo não se admite a divisão da
propriedade entre material e formal. Conclui que o fiduciário detém uma propriedade perfeita
e pura. Embora haja limitação do título de propriedade do fiduciário, não se admite a distinção
entre propriedade formal e material. Para todos os efeitos, a propriedade da coisa é exercida
pelo fiduciário.
Ainda que o credor fiduciário exerça a propriedade da coisa, não a exerce
plenamente. É certo que o §1ºdo artigo 22 da Lei nº 9.514/199730 prevê que a propriedade plena
pode ser objeto da alienação fiduciária, em redação dada pela Lei nº 11.481/2007. No entanto,

30
Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997)
Art. 22: [...] § 1o A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa
das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:
45

o artigo 1.367 do Código Civil31, em redação dada pela Lei nº 13.043/2014, dispõe que a
propriedade fiduciária não pode ser equiparada, “para quaisquer efeitos, à propriedade plena de
que trata o art. 1.231”. Assim, por serem incompatíveis as redações legais, é possível entender
que a lei mais recente revogou a mais antiga, na parte que trata da plenitude da propriedade
fiduciária, nos termos do §1º do artigo 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro32
(BRASIL, 1942; 1997; 2002; 2007; 2014).
Assim, fica claro que a propriedade fiduciária não é plena. Isto porque,
diversamente da propriedade resolúvel clássica, o proprietário fiduciário não possui os poderes
dominiais sobre a coisa (LIMA, 2011, p. 85).
Acerca da propriedade fiduciária, mais um ponto deve ser abordado. Diante da sua
resolubilidade, ao fiduciante existe a expectativa de retornar à propriedade do bem, uma vez
realizado o pagamento, ou seja, cumprida a condição da resolubilidade da propriedade (LIMA,
2011, p. 167). O Código Civil positivou esta expectativa, transformando-a num direito real. A
redação do artigo 1.368-B, que diz que “a alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou
imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor”.
Diante disso, entende-se que o fiduciante não se desvencilha por completo do bem.
A ele cabe o direito real de aquisição do bem, bem como as obrigações tributárias incidentes
sobre a coisa. Logo, a propriedade fiduciária é intrigante instituto jurídico.
Não é possível verificar a qual patrimônio pertence a coisa dada em alienação
fiduciária: se ao fiduciante ou ao fiduciário. Desponta daí importante discussão jurídica: se o
fiduciante não possui a propriedade do bem, e se o fiduciário não exerce a propriedade plena,
quem pode dispor da coisa? A resposta a esta pergunta aparenta ser inexistente. No próximo
capítulo, busca-se tratar de um dos efeitos patrimoniais da propriedade fiduciária.

31
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002)
Art. 1.367. A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo
I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente,
não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231.
32
Decreto-Lei nº 4.657/1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (BRASIL, 1942)
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
46

4 A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DADO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

A propriedade fiduciária representa instituto jurídico no qual se transfere a


propriedade de um bem ao fiduciário com finalidade de garantia. Com o cumprimento do
contrato principal, o fiduciante readquire a propriedade plena da coisa (CHALHUB, 2017, p.
172; 315).
O fiduciante e o fiduciário são “investidos de direitos opostos e complementares,
e o acontecimento que aniquila o direito de um consolidará, fatalmente, o do outro”
(GONÇALVES apud CHALHUB, 2017, p. 153). Ambos detêm direitos sobre a coisa objeto
do negócio fiduciário, e estes direitos devem coexistir, de modo que nem o fiduciante nem o
fiduciário poderão dispor do bem. Neste panorama jurídico, é importante verificar os efeitos
que a propriedade fiduciária tem perante terceiros. Se há indefinição acerca da disponibilidade
da coisa, é possível que credores do fiduciante ou do fiduciário venham a penhorá-la?
Sobre este questionamento, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza (2013, p.
68-85) presta relevantes contribuições. O autor divide o tema em dois principais pontos: a
tentativa de penhora do bem por parte dos credores do fiduciante, e a penhora pelos credores
do fiduciário. Seguindo o mesmo raciocínio, neste capítulo pretende-se verificar a possibilidade
de penhora da coisa dada em alienação fiduciária, tanto pela responsabilidade patrimonial do
fiduciante, quanto pela responsabilidade patrimonial do fiduciário.

4.1 IMPENHORABILIDADE POR DÉBITO DO FIDUCIANTE

O fiduciante é aquele que deu a coisa em alienação fiduciária, em garantia do


cumprimento de um contrato principal. Com o registro da alienação fiduciária sobre o bem, este
passa a ser propriedade de outrem, o fiduciário, nos termos do caput e do § 1º do artigo 1.361
do Código Civil. Sobre a coisa, o fiduciante tem a posse direta e o direito real de aquisição, mas
não a propriedade, conforme o § 2º do artigo 1.361 e o artigo 1.368-B da lei civil. Enquanto
subsiste o débito do fiduciante perante o fiduciário, há a propriedade fiduciária deste sobre o
bem (BRASIL, 2002; DANTZGER, 2010, p 80).
A situação que se pretende analisar envolve o fiduciante e terceiros. Se o fiduciante
deixa de adimplir uma obrigação perante terceiros – sem qualquer relação com a avença firmada
com o fiduciário –, seus bens devem responder pelo inadimplemento, pela regra geral da
responsabilidade patrimonial. No entanto, o estudo apurado da situação demonstra que a coisa
dada em alienação fiduciária não responderá.
47

Para que se chegue a esta conclusão, é necessário retornar ao conceito jurídico de


responsabilidade patrimonial. Pelos artigos 391 do Código Civil e 789 do Código de Processo
Civil, são os bens do devedor que devem responder pelo inadimplemento de suas obrigações.
Por conta da transmissão da propriedade da coisa ao fiduciário, os credores do fiduciante não
podem alcançá-la por meio do instrumento processual da penhora. A coisa não mais integra o
patrimônio do fiduciante, o que impede que seja responsabilizada por débitos deste (ASSIS,
2013, p. 225; BRASIL, 2002; 2015).
No entanto, a regra da responsabilidade patrimonial comporta exceções. Uma das
exceções diz que nem só os bens do devedor responderão pelo inadimplemento, conforme
ensina Zavaski (2016, p. 167, grifo do autor). Cabe verificar que esta exceção, de igual forma,
mantém inalcançável o bem dado em alienação fiduciária.
Recorde-se que, para pleitear a tutela executiva, o credor deve dispor de um título
executivo. O título deve informar com clareza os sujeitos da situação jurídica retratada. São os
sujeitos descritos no título os legitimados a compor a demanda executiva, e é o
devedor/executado que deve suportar a execução, em regra. Quando a execução alcança,
legitimamente, patrimônio diverso das pessoas retratadas no título executivo, ocorre a
responsabilização secundária, pela dissociação entre o débito e a responsabilidade (ASSIS,
2013, p.164; 229).
Esclarece Câmara Junior (2015, p. 1809) que a responsabilização secundária é
excepcional. Para que ocorra, portanto, deve haver expressa previsão legal. As hipóteses
excepcionais de elastecimento da regra geral da responsabilidade patrimonial são previstas no
artigo 790 do Código de Processo Civil. O fiduciário, que detém a propriedade do bem, não
consta no rol legal de responsabilidade secundária. Não sendo responsável secundário, o
fiduciário não pode ter penhorado o bem de sua propriedade, por débito alheio, com o qual não
tem qualquer relação material ou processual (BRASIL, 2015).
Souza (2013, p. 76) é categórico ao afirmar que, subsistindo a propriedade
fiduciária, não há possibilidade de penhora, já que o fiduciário é estranho à execução. Tratando
da alienação fiduciária de bens imóveis, Dantzger (2010, p. 70) acompanha o entendimento,
porque o registro da propriedade fiduciária retira, de modo inquestionável, a coisa do
patrimônio do fiduciante.
Desta forma, seja pela responsabilidade patrimonial primária, seja pela secundária,
o bem dado em alienação fiduciária não pode ser penhorado pelos credores do fiduciante.
No caso dos bens imóveis, a impossibilidade de penhora por débito do fiduciante
também se justifica no âmbito do direito registral. Um dos basilares princípios do direito
48

registral é o da continuidade do registro. Este princípio visa manter uma cadeia consecutiva e
interligada de atos na matrícula dos bens imóveis, impedindo que um sujeito transmita mais
direitos do que os que possui. Antes que alguém possa dispor de um bem, é imprescindível que
a matrícula imobiliária registre a existência dos poderes de disposição, como ensinam Márcio
Guerra Serra e Monete Hipólito Serra (2016, p. 144).
No caso da constituição da propriedade fiduciária imobiliária, a matrícula
demonstrará que o proprietário do bem não é o fiduciante, e sim o fiduciário. Assim, ao
fiduciante é vedado dispor do bem, porque não tem poderes para tanto, com base no princípio
da continuidade registral. E, tendo em vista que a penhora é o primeiro dos atos que visam a
expropriar o patrimônio do devedor no processo de execução, não é possível que recaia sobre a
coisa que não é sujeita à execução, por não constar no patrimônio do devedor (ABELHA, 2016,
p. 314; BRASIL, 1997).

4.1.1 Defesa dos direitos do fiduciário

Caso alguma penhora recaia sobre bem gravado com alienação fiduciária, é dever
do exequente promover a intimação do proprietário fiduciário, conforme o inciso I do artigo
799 do Código de Processo Civil. Uma vez cientificado da decisão, algumas ferramentas
jurídicas podem ser usadas pelo fiduciário, na defesa de seus direitos (BRASIL, 2015).
O recurso de agravo de instrumento é um dos meios pelos quais o fiduciário pode
se insurgir contra a penhora sobre bem de propriedade fiduciária. A interposição deste recurso
é possível porque as decisões interlocutórias em processo de execução são atacáveis por meio
de agravo de instrumento (ABELHA, 2016, p. 193; BRASIL, 2015).
É preciso verificar a legitimidade do fiduciário para interpor o recurso. Já que não
faz parte da relação jurídica entre o fiduciante e seu credor, o fiduciário não constará no título
executivo e, consequentemente, não integrará nenhum dos polos da execução. Isto não impede
a interposição do recurso, diante da previsão do artigo 996 do Código de Processo Civil, de que
o terceiro prejudicado detém legitimidade recursal. É indispensável, porém, demonstrar o
prejuízo, pautado na “possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação
judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto
processual”, conforme o parágrafo único do mencionado artigo (BRASIL, 2015).
O fiduciário demonstrará seu prejuízo ao comprovar sua propriedade fiduciária
sobre o bem, que fora atingido ilegitimamente pela penhora. Portanto, o recurso de agravo de
instrumento é meio hábil para a defesa de seus interesses.
49

Outra maneira de defesa dos direitos do fiduciário é por meio de embargos de


terceiro. Este é instrumento previsto no artigo 674 do Código de Processo Civil:

Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de
constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com
o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de
embargos de terceiro.
§ 1o Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou
possuidor. (BRASIL, 2015)

A lei prevê expressamente a possibilidade de oposição de embargos de terceiro pelo


proprietário fiduciário, de onde já se constata o interesse e a legitimidade processual do
fiduciário para a defesa de seu interesse. Ao verificar a jurisprudência formada pelo julgamento
destes casos, vê-se que os tribunais pátrios não vacilam ao decidir que o bem objeto de alienação
fiduciária não pode ser penhorado por débito do fiduciante.
Emblemático é o julgamento do Superior Tribunal de Justiça que determina o
levantamento da penhora inclusive quando se trata de crédito fiscal, conforme a seguinte
ementa:

EXECUÇÃO FISCAL - EMBARGOS DE TERCEIRO - PENHORA - BEM


ALIENADO FIDUCIARIAMENTE - IMPOSSIBILIDADE - PROPRIEDADE
DO CREDOR FIDUCIÁRIO - INEXISTÊNCIA DE PRIVILÉGIO DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 1. "A alienação fiduciária em garantia expressa
negócio jurídico em que o adquirente de um bem móvel transfere - sob condição
resolutiva - ao credor que financia a dívida, o domínio do bem adquirido.
Permanece, apenas, com a posse direta. Em ocorrendo inadimplência do
financiado, consolida-se a propriedade resolúvel" (REsp 47.047-1/SP, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros). 2. O bem objeto de alienação fiduciária, que passa
a pertencenter à esfera patrimonial do credor fiduciário, não pode ser objeto de
penhora no processo de execução fiscal, porquanto o domínio da coisa já não
pertence ao executado, mas a um terceiro, alheio à relação jurídico-tributária. 3. A
alienação fiduciária não institui um ônus real de garantia, não havendo de se falar,
nesses casos, em aplicação da preferência do crédito tributário. (BRASIL, 2006).

O crédito fiscal goza de privilégio especial, conforme a previsão do artigo 184 do


Código Tributário Nacional33. Este artigo dispõe, inclusive, que os bens gravados com cláusula
de impenhorabilidade respondem pela execução fiscal (BRASIL, 1966). O posicionamento do

33
Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966)
Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde
pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito
passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou
impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e
rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.
50

Superior Tribunal de Justiça, no entanto, demonstra a robustez da propriedade fiduciária, capaz


de afastar até mesmo o privilégio do crédito tributário.
Outra modalidade de crédito que goza de privilégio é o trabalhista, pela sua natureza
alimentar (LEITE, 2017, p. 477). Ainda assim, a penhora de bem em alienação fiduciária não é
admitida. O 1º Tribunal Regional do Trabalho já julgou dessa forma, ressaltando que:

No contrato de alienação fiduciária, o devedor figura como um simples possuidor e


depositário do bem, pois este pertence ao credor fiduciário, que detém o domínio
resolúvel e a posse indireta, razão pela qual o bem alienado fiduciariamente não pode
ser objeto de penhora em execução ajuizada contra o devedor fiduciário. (RIO DE
JANEIRO, 2015)

Como se observa, no âmbito do direito do trabalho, a propriedade fiduciária também


é reconhecida como causa que impossibilita a penhora da coisa, por débito do fiduciante. Isto
porque a coisa não integra o patrimônio do fiduciante, impedindo que seus credores a
arrecadem, como reconhecem os tribunais pátrios.
Diante do cenário da defesa dos direitos do fiduciário, é importante ressaltar que os
credores do fiduciante não ficam desamparados, acaso este não possua bens a serem
penhorados. Apesar de não ser possível alcançar o bem retirado do patrimônio do fiduciante,
não se ignora que este ainda detém alguns direitos sobre a coisa. Estes direitos, inerentes à
condição do fiduciante, integram seu patrimônio e podem ser expropriados, conforme Dantzger
(2010, p. 74). Portanto, adiante discorrer-se-á acerca desta possibilidade.

4.1.2 Penhora dos direitos do fiduciante

O sujeito que ocupa a posição de fiduciante não detém a propriedade sobre a coisa
objeto de alienação fiduciária, de modo que seus credores não podem alcançá-la através da
penhora. Não se pode olvidar, no entanto, dos direitos que o fiduciante efetivamente detém
sobre o bem, que podem ser alvo de expropriação por seus credores (DANTZGER, 2010, p.
74).
Para recordar os direitos do fiduciante em relação ao bem, recorre-se ao Código
Civil. O § 2º do artigo 1.361 estabelece que a constituição da propriedade fiduciária resulta no
desdobramento da posse, de modo que o fiduciante é possuidor direto da coisa. O artigo 1.368-
B confere ao fiduciante direito real de aquisição sobre a coisa dada em alienação fiduciária. São
estes, portanto, os direitos do fiduciante (BRASIL, 2002).
51

Lima (2011, p. 168) defende que a expectativa de adquirir o bem novamente tem
conteúdo patrimonial, de modo que é viável sua transmissão entre vivos ou por causa de morte.
Sérgio Jacomino (2011) acompanha o entendimento, defendendo que tanto o direito real de
aquisição quanto a posse direta são direitos atuais e disponíveis que “ostentam conteúdo
econômico”. Sendo inegável seu cunho patrimonial, o autor afirma que estes podem ser objeto
de constrição judicial. No entanto, Dantzger (2010, p. 72-73) reforça:

O que se transfere na cessão dos direitos do fiduciante ou na hipótese de sua


arrematação judicial, e isso é de suma importância, é apenas aquilo que efetivamente
o fiduciante detém, ou seja, a posse direta do imóvel e o direito expectativo – direito
real de aquisição – de um dia, quando quitada a dívida garantida, vir a ser o
proprietário pleno do referido bem.

A lei que trata da alienação fiduciária de bens imóveis prevê a possibilidade de


transmissão dos direitos do fiduciante. Para isso, deve haver a anuência expressa do fiduciário,
assumindo o adquirente as obrigações decorrentes do contrato firmado originalmente, conforme
a redação do artigo 29 (BRASIL, 1997). Os direitos do fiduciante, portanto, podem ser
transmitidos por ato de vontade. Por seu valor econômico, também podem sofrer constrição
judicial (DANTZGER, 2010, p. 69).
Pelas disposições legais que regem a alienação fiduciária de bens imóveis, não há
dúvidas de que os direitos do fiduciante sejam transmissíveis. Não há disposição
correspondente na legislação que trata da alienação fiduciária de bens móveis.
No entanto, partindo-se do difundido entendimento de que é lícito estipular
contratos atípicos (artigo 425 do Código Civil), não se vislumbra óbice à transmissão de direitos
do fiduciante, no caso da alienação fiduciária de bens móveis (BRASIL, 2002). Assim, é certo
que os direitos do fiduciante (posse direta e expectativa de aquisição da coisa) são
transmissíveis. Reforça Chalhub (2010, p. 155) que os direitos que decorrem do contrato de
alienação fiduciária integram o patrimônio do fiduciante e, portanto, podem ser transmitidos
por atos entre vivos ou causa mortem, e são sujeitos a constrição judicial.
Diante da transmissibilidade dos direitos do fiduciante, pode-se admitir a penhora
destes, como defende Sérgio Jacomino (2011). O Código de Processo Civil positivou esta
possibilidade, no inciso XII do artigo 835, que diz que os direitos aquisitivos derivados de
alienação fiduciária em garantia podem ser objeto de penhora (BRASIL, 2015).
O Superior Tribunal de Justiça já deu aplicação à norma, conforme o trecho da
ementa a seguir:
52

[...] PENHORA. DIREITOS. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE


IMÓVEL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. [...] 2. Como a propriedade do bem
é do credor fiduciário, não se pode admitir que a penhora em decorrência de crédito
de terceiro recaia sobre ele, mas podem ser constritos os direitos decorrentes do
contrato de alienação fiduciária. (BRASIL, 2016)

Penhorados e expropriados os direitos do fiduciante, ocorrerá a sub-rogação do


adquirente nos seus direitos e obrigações, com a substituição do fiduciante na relação contratual
com o fiduciário. Se cumprir a obrigação garantida, o adquirente poderá se tornar dono da coisa
(MEZZARI, 1998, p. 50).
Junto com os direitos adquiridos do fiduciante, o arrematante também adquire todas
as responsabilidades que lhe são inerentes, conforme esclarece Dantzger (2010, p. 70). Dessa
forma, a constrição judicial dos direitos do fiduciante não influencia na propriedade do
fiduciário sobre a coisa. O fiduciário continua com o pleno exercício dos direitos. Pode
consolidar sua propriedade em caso de inadimplemento do contrato principal, e posteriormente
vender o bem, porque a constrição dos direitos do fiduciante não impede estes atos
(CHALHUB, 2017, p. 158).
Dessa forma, seria possível concluir que a penhora dos direitos do fiduciante não
depende da anuência do fiduciário, já que este manteria seu direito de crédito e o direito de
propriedade. Ao contrário disso, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que a penhora
dos direitos do fiduciante depende da concordância do fiduciário. O trecho da recente decisão
monocrática ilustra a situação:

[...] PENHORA DE BENS GARANTIDOS POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.


IMPOSSIBILIDADE. CABÍVEL, NO ENTANTO, A PENHORA SOBRE OS
DIREITOS DO DEVEDOR FIDUCIÁRIO, COM PRÉVIA ANUÊNCIA DA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO STJ.
AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. [...]. 2. Não é cabível a penhora sobre
bens garantidos por alienação fiduciária, pois estão fora da esfera patrimonial do
devedor. Precedentes do STJ. 3. Contudo, é possível que a constrição recaia sobre os
direitos do devedor fiduciário, decorrentes do contrato entabulado com a instituição
financeira, mediante anuência prévia do credor fiduciário. (BRASIL, 2017)

A interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça pode ser comparada com a
ideia de que a assunção de dívida depende do consentimento do credor, a teor do artigo 299 do
Código Civil34 (BRASIL, 2002).

34
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002):
Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor,
ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o
ignorava.
53

Por fim, cabe verificar o entendimento de Mezzari (1998, p. 51) de que os direitos
do fiduciante também podem ser impenhoráveis, diante das previsões legais já estudadas. Por
exemplo, caso o bem dado em alienação fiduciária represente bem de família, nos termos da
Lei nº 8.009/1990, os direitos do fiduciante não poderão ser penhorados diante da proteção legal
ao lar da família. A impenhorabilidade não poderá ser oposta ao fiduciário, acaso este execute
judicialmente o crédito que detém perante o fiduciante, já que se trata de dívida do próprio bem
(BRASIL, 1990).
Verificou-se, portanto, que a coisa gravada por alienação fiduciária não pode ser
penhorada por débito do fiduciante, mas somente os direitos deste. Superada esta questão, outro
ponto de vista merece ser estudado: o dos credores do fiduciário. É possível que a coisa venha
a ser penhorada por um débito do fiduciário? No próximo item, pretende-se responder a este
questionamento.

4.2 A IMPENHORABILIDADE POR DÉBITO DO FIDUCIÁRIO

A alienação fiduciária é bastante utilizada pelas instituições financeiras, por sua


predominante atividade de promoção de crédito. Assim, em grande parte destes contratos, uma
instituição financeira figura como credora fiduciária. Por conta de sua atividade, as instituições
financeiras detêm grande volume de dinheiro em seu patrimônio.
Assim, não é comum que os credores de instituições financeiras busquem a
satisfação de crédito por meio de expropriação de bens móveis e imóveis. Isto porque a penhora
de dinheiro se mostra mais célere e eficaz, inclusive por bloqueio online de valores, como prevê
o artigo 854 do Código de Processo Civil35. A discussão sobre a penhorabilidade da propriedade
fiduciária de instituições financeiras seria inócua, ou simplesmente irrelevante (ABELHA,
2016, p. 311; BRASIL, 2015).
Em caso de insolvência da instituição financeira, decretar-se-á sua liquidação, sob
o comando de liquidante nomeado pelo Banco Central, como prevê a Lei nº 6.024/1974. O
regramento do concurso de credores atinente à liquidação de instituições financeiras também

35
Lei n. 13.105/2015 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2015)
Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento
do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de
sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis
ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na
execução.
54

não vem ao caso, por ser situação demasiadamente específica e inusitada. Não são dos credores
das instituições financeiras que aqui se pretende tratar (BRASIL, 1974a).
Apesar da predominância das instituições financeiras, a alienação fiduciária pode
ser contratada entre quaisquer sujeitos, por inexistir restrição no Código Civil. O fiduciário,
portanto, pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica, sem que a lei lhe exija especiais atributos
para figurar assim. Desta forma, é certo que qualquer sujeito pode assumir a posição de
proprietário fiduciário de bens (BRASIL, 2002; MEZZARI, 1998, p. 22).
Quando o fiduciário deixa de adimplir suas obrigações, a seus credores é possível
buscar a satisfação do crédito por meio da tutela jurisdicional executiva, responsabilizando seu
patrimônio. Vislumbra-se, portanto, possível pretensão de atingir o bem de propriedade
fiduciária por meio da penhora. No entanto, a exemplo do que ocorre com os credores do
fiduciante, os credores do fiduciário também não podem alcançar a coisa gravada com alienação
fiduciária.
Para a compreensão do argumento, é essencial recordar que a característica
principal de um negócio fiduciário é a transmissão da titularidade de um direito subjetivo, para
a realização de determinado escopo. Assim, na alienação fiduciária, o credor adquire a
propriedade fiduciária de um bem, com a finalidade de garantir um contrato principal firmado
com o fiduciante, conforme o artigo 1.361 do Código Civil (BRASIL, 2002; OLIVA, 2014, p.
15-17).
Diante da natureza fiduciária da propriedade, esta sofre algumas limitações. O
exercício da propriedade fiduciária é vinculado aos objetivos do negócio que a gerou. Milena
Donato Oliva (2014, p. 2-3) destaca que o fiduciário deve se ater aos limites avençados com o
alienante. O fiduciário não pode dispor livremente do bem, porque detém a propriedade com o
único propósito de cumprir o escopo acordado com o fiduciante. Neste ponto, a propriedade
fiduciária se diferencia da propriedade resolúvel tradicional, na qual o proprietário tem amplos
poderes sobre o bem (LIMA, 2011, p. 82).
Chalhub (2017, p. 136; 142) narra que “a propriedade fiduciária não incrementa o
patrimônio do credor/proprietário/fiduciário; o que o incrementa é o direito de crédito de que é
titular, e não o direito de garantia, pois nessa espécie de operação [...] não há mutação subjetiva
em relação ao bem”. O autor ressalta que este direito real de garantia veda que o fiduciário se
aproprie economicamente do bem. Portanto, Chalhub (2017, p. 137, grifos do autor) alerta:

Não deve o intérprete, portanto, deixar-se equivocar pela presença da


palavra propriedade na expressão que dá nome à garantia – propriedade fiduciária
em garantia –, pois nessa locução ela é qualificada pela função de garantia, que
55

vincula o bem ao cumprimento da obrigação, e não pelo feixe dos direitos subjetivos
de gozo e disposição, que vincula o bem à pessoa do proprietário

A doutrina aponta que a propriedade fiduciária não representa um ativo no


patrimônio do credor fiduciário – o que se contabiliza, efetivamente, é o crédito que esta
garante. É relevante destacar que a jurisprudência tem plena ciência dessa situação. Assim, cabe
verificar o trecho do voto-vista proferido pelo Ministro Mauro Campbell Marques, do Superior
Tribunal de Justiça, no recurso especial nº 1.344.288/MG:

Nesse ponto, considerando a peculiaridade da propriedade fiduciária do Direito


Brasileiro, em confronto com os institutos similares que existiam no Direito Romano,
cumpre esclarecer que a restituição (ao final do contrato) refere-se apenas ao domínio,
tendo em vista que durante a vigência do contrato o próprio alienante (devedor
fiduciante) exerce a posse direta sobre a coisa. A alienação fiduciária de veículo
automotor constitui contrato acessório cuja (única) finalidade é a garantia do
financiamento concedido ao devedor fiduciante, atribuindo ao credor fiduciário
prioridade na obtenção do seu crédito. Durante a vigência do contrato, o veículo
automotor, objeto do contrato, não integra o ativo da instituição financeira, não
respondendo por eventuais dívidas do credor fiduciário, tendo em vista que "a
autonomia patrimonial conferida aos direitos e obrigações submetidos ao regime
fiduciário, que formam patrimônio de afetação, é refletida nos correspondentes
registros e demonstrações financeiras" (Chalhub, ob. cit., pág. 81), que são
independentes, sendo que tal peculiaridade demonstra que o conteúdo econômico do
crédito fiduciário — coisa móvel objeto do contrato — não é de titularidade da
instituição financeira (credor fiduciário). (BRASIL, 2012)

O bem de propriedade fiduciária não integra o patrimônio do credor fiduciário, e


sim, o crédito por este garantido. E diante da regra de que é o patrimônio que responde pela
execução, o bem de propriedade fiduciária não é afetado pela responsabilidade patrimonial da
execução (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 43).
Já se verificou também que a coisa não faz parte do patrimônio do devedor
fiduciante, que o transferiu ao fiduciário. Dantzger (2010, p. 70) destaca que a coisa dada em
alienação fiduciária “passa a compor um patrimônio de afetação pertencente exclusivamente ao
credor”. Diante do caráter fiduciário da propriedade, no entanto, a coisa só pode ser usada com
a finalidade de garantia do contrato principal, o que representa, efetivamente, o escopo
pretendido pelo fiduciante. A penhora é vedada por se furtar ao objetivo pretendido pelo
contrato de alienação fiduciária.
Diante desta realidade, pode-se chegar à errônea conclusão de que o contrato de
alienação fiduciária transgrediria o princípio da relatividade contratual. Isto porque afeta a
coisa, impedindo que seja objeto de constrição, criando efeitos para além das partes
contratantes. No entanto, a oponibilidade erga omnes decorre da propriedade fiduciária, que é
direito real e, portanto, obediente ao princípio da publicidade. A lição de Tartuce (2017, p. 113)
56

confirma a ideia de que quando um contrato gera um direito real, este é oponível perante sujeitos
que não integraram a relação contratual.
Isto porque ainda que o contrato de alienação fiduciária vincule somente as partes
contratantes, a garantia não reside no contrato, e sim na propriedade fiduciária – direito real,
oponível erga omnes. É evidente, portanto, que o bem de propriedade fiduciária não pode ser
penhorado pelos credores do fiduciário (DANTZGER, 2010, p. 42).
A impenhorabilidade se sustenta porque (i) a coisa não integra o patrimônio do
fiduciário, e (ii) e penhora furtaria da coisa a finalidade de garantia que lhe fora dada, por meio
de direito real, oponível erga omnes. Adiante, busca-se verificar se eventual penhora sobre o
bem pode ser atacada pelo fiduciante, do ponto de vista processual.

4.2.1 Defesa dos direitos do fiduciante

Não é possível afirmar se, na prática, os direitos de que o fiduciante dispõe sobre a
coisa dada em alienação fiduciária seriam capazes de levantar eventual penhora que recai sobre
esta. A situação ora discutida é inusitada, com a qual a jurisprudência brasileira ainda não
confrontou. A doutrina discute a questão, ainda que de maneira tímida.
Do ponto de vista material, vislumbra-se a possibilidade da defesa dos direitos do
fiduciante, enquanto titular do direito real de aquisição da coisa (artigo 1.368-B do Código
Civil). O artigo 130 da lei civil diz que “ao titular do direito eventual, nos casos de condição
suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”. Além do direito
de aquisição, o fiduciante também detém a posse direta sobre o bem, direito atual e não eventual
(BRASIL, 2002).
Sobre a possibilidade de defesa dos direitos do fiduciante, Chalhub (2017, p. 155)
ensina que este detém legimitade para promover ações reais contra qualquer sujeito que violá-
los. Diante disso, pretende-se verificar quais instrumentos processuais seriam hábeis para tanto.
Importa averiguar se o fiduciante dispõe dos mesmos instrumentos de que dispõe o fiduciário
para a defesa de seus direitos (agravo de instrumento e embargos de terceiro), diante do
regramento do direito processual civil.
Em relação aos embargos de terceiro, o Código de Processo Civil dispõe que este
pode ser ajuizado por quem possua “direito incompatível com o ato constritivo”, inclusive por
iniciativa de mero possuidor. Enquanto possuidor direto da coisa (§ 2º do artigo 1.361 do
Código Civil), não há dúvidas que o fiduciante detém legitimidade para o ajuizamento dos
embargos de terceiro. Tarefa não tão simples é verificar seu interesse processual,
57

consubstanciado no “direito incompatível com o ato constritivo”. A pergunta a ser feita é: a


penhora influiria no exercício dos direitos do fiduciante sobre a coisa? (BRASIL, 2002; 2015)
Por outro lado, a interposição de agravo de instrumento também é possível, porque
a penhora é determinada em decisão interlocutória em sede de processo de execução (parágrafo
único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil). É preciso verificar, no entanto, se há
legitimidade do fiduciante para tanto, já que o artigo 996 do Código de Processo Civil confere
legitimidade recursal ao “terceiro prejudicado”. A expressão legal “terceiro prejudicado”
contemplaria o fiduciante, para que tenha legitimidade recursal? (BRASIL, 2015)
Diante destes questionamentos, vê-se que a discussão se cingiria à efetiva existência
de prejuízo ao fiduciante, por conta da determinação da penhora da coisa dada em alienação
fiduciária. Para ponderar acerca da questão, faz-se imprescindível retomar a ideia de que a
penhora é ato processual que visa à expropriação de bens do devedor/executado. Se o bem for
expropriado, seja pela adjudicação, seja pela venda judicial (incisos I e II do artigo 825 do
Código de Processo Civil), passará ao patrimônio do adquirente (ABELHA, 2016, p. 314; 364;
BRASIL, 2015).
A partir daí, é possível vislumbrar o interesse e a legitimidade do fiduciante para
dispor dos instrumentos processuais ora estudados. Isto porque, uma vez que a coisa passe a
integrar o patrimônio de outrem – pessoa diversa do fiduciário –, há efetiva ameaça ao direito
possessório e ao direito real de aquisição do fiduciante. O adquirente da coisa não a terá a título
de propriedade fiduciária, porquanto alheio à contratação realizada entre o fiduciante e o
fiduciário. O adquirente poderá reivindicar o bem, e é aí que residiria o interesse e a
legitimidade processual do fiduciante em impugnar a penhora. Estas suposições, no entanto,
ainda não foram analisadas pelo Poder Judiciário, a quem cabe interpretar e aplicar as normas
legais.
A discussão, portanto, é um tanto quanto inconclusiva. Não é possível ter clareza
da interpretação que o Poder Judiciário dará à norma; e por outro lado, a doutrina processual
civil ainda não se debruçou sobre a hipótese. Ainda que, neste ponto, se depare com a
inconclusão, dúvida não há de que o fiduciário possui direitos a serem expropriados, o que se
demonstrará.

4.2.2 Penhora dos direitos do fiduciário

A propriedade fiduciária exercida pelo credor pode ser transferida por meio de
cessão de crédito. Este negócio jurídico não depende da anuência do fiduciante, bastando que
58

seja comunicado da existência de um novo credor. A simples cessão do crédito transfere a


propriedade fiduciária, já que esta é garantia acessória do crédito, e a ele acompanha36. A
operação deve ser registrada com todas as formalidades inerentes à constituição da propriedade
fiduciária (MEZZARI, 1998, p. 53-55).
A cessão do crédito garantido por alienação fiduciária é prevista no artigo 1.368 do
Código Civil: “O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito
no crédito e na propriedade fiduciária”. Dantzger (2010, p. 78) ressalta que ao assumir o crédito
e a propriedade fiduciária, o terceiro também absorve as obrigações inerentes ao credor
fiduciário.
Em relação aos bens imóveis, a lei de regência37 prevê a cessão do crédito no artigo
28, com a transferência de todos os direitos e obrigações da propriedade fiduciária em garantia.
Diante destas premissas, infere-se que o crédito e a propriedade fiduciária são indissociáveis,
por conta do caráter acessório da garantia (BRASIL, 1997; 2002; MEZZARI, 1998, p. 54).
Chalhub (2017, p. 151) explica que a propriedade fiduciária perdura somente
enquanto houver sua razão de ser – enquanto houver obrigação a ser garantida. Extinta a
obrigação, não há motivo para persistir a propriedade fiduciária, sobretudo porque se trata de
propriedade limitada à finalidade de garantia. A transmissão da propriedade fiduciária só pode
ocorrer, portanto, por ocasião da cessão do crédito garantido, seguindo a regra de que o
acessório segue o principal. Sérgio Jacomino (2011) corrobora a ideia, acrescentando que a
transmissão causa mortis do crédito ocorre nos mesmos moldes, acompanhada da propriedade
fiduciária.
Dessa forma, vislumbra-se a possibilidade de constrição judicial do crédito do
fiduciário, acompanhado da propriedade fiduciária – e não da propriedade fiduciária
isoladamente, que é direito acessório. O crédito do fiduciário tem expressão patrimonial, e pode
ser objeto de penhora em processo de execução movido por seus credores. Uma vez alienado
judicialmente o crédito, as formalidades inerentes à constituição da propriedade fiduciária
devem ser observadas, com o registro da carta de arrematação no Registro de Títulos e

36
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil (BRASIL, 2002):
Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.
37
Lei nº 9.514/1997 (BRASIL, 1997):
Art. 28. A cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implicará a transferência, ao cessionário, de todos os
direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia.
59

Documentos, Registro Imobiliário ou ainda no Departamento de Trânsito competentes


(DANTZGER, 2010, p. 78-79).
Ainda que se trate de situação inusitada, é possível a penhora do crédito do
fiduciário, que será acompanhado da propriedade fiduciária, porquanto indissociáveis. De modo
diverso de tudo que fora visto, existe hipótese de penhorabilidade do bem dado em alienação
fiduciária, adiante abordada.

4.3 POSSIBILIDADE DE PENHORA

Por conta da natureza da transmissão da propriedade fiduciária, os credores das


partes envolvidas no contrato de alienação fiduciária não podem alcançar a coisa dada em
garantia, e somente os direitos decorrentes do contrato. No entanto, há hipótese em que a
penhora é aceita pelo ordenamento jurídico: a penhora pelo próprio débito garantido.
O contrato de alienação fiduciária é, por definição, acessório, e visa garantir a uma
obrigação principal. Inadimplida a obrigação principal, pode o credor buscar o cumprimento do
contrato principal, sem lançar mão da execução da garantia fiduciária. O ordenamento jurídico
não obsta a possibilidade de execução do contrato principal, ainda que garantido pela
alienação/propriedade fiduciária.
Instaurada a execução pelo credor fiduciário, não é possível alegar a impenhorabilidade do bem
que foi dado em garantia. O Código de Processo Civil estipula que “A impenhorabilidade não
é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua
aquisição” (BRASIL, 2015).
No regramento processual civil revogado, constava a previsão de que a penhora
recairia preferencialmente sobre a coisa dada em hipoteca, penhor ou anticrese, quando a
execução fosse de contrato com estas garantias (§ 1º do artigo 655). O dispositivo não
contemplava a alienação/propriedade fiduciária (BRASIL, 1973a).
Na transição para o Código de Processo Civil atual, o legislador aprimorou o
dispositivo legal, resultando no § 3º do artigo 835: “na execução de crédito com garantia real,
a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, e, se a coisa pertencer a terceiro garantidor,
este também será intimado da penhora”. A redação legal amplia as possibilidades de penhora,
que não mais se restringe aos bens objeto de anticrese, hipoteca e penhor, mas sim a todos os
créditos com garantia real (BUENO, 2015, p. 509; BRASIL, 2015).
Assim, pela nova redação legal, permite-se a conclusão de que o bem dado em
alienação fiduciária suportará a penhora, quando motivada pelo próprio débito garantido. Zaneti
60

Júnior (2016, p. 190) entende que a previsão do § 3º do artigo 835 institui exceção à ordem de
preferência da penhora, e que seria um exemplo de “negócio processual típico”, de modo que a
preferência se sobreporia inclusive sobre os demais bens do devedor. Na visão do autor, a
penhora sobre a coisa dada em garantia real seria impositiva.
Por outro lado, Negrão e outros (2017, p. 767) ressaltam que somente o credor
poderia pedir a penhora do bem dado em garantia real, já que é em benefício deste que se
contrata a garantia real, e não ao devedor. Conforme expõe, impedir que o credor alcance
demais bens do devedor o colocaria em situação desvantajosa, inclusive quando comparada
com a posição do credor quirografário, que pode buscar todos os bens do devedor – inclusive
dinheiro.
Corroborando com esta visão, Caio Mário da Silva Pereira (2017, p. 357) defende
que qualquer bem do devedor fiduciante pode ser alcançado por execução proposta pelo credor
fiduciário.
A despeito disto, a jurisprudência tem entendido que “se o credor optar pelo
processo de execução, os bens objetos do contrato de alienação fiduciária podem ser indicados
pelo devedor para a penhora” (SANTA CATARINA, 2012).
Por estes motivos, vê-se que, apesar de a natureza fiduciária da propriedade sugerir
seja ela impenhorável, é possível penhorá-la, ainda que em hipótese restrita: a da execução do
próprio débito que constituiu a garantia.
61

5 CONCLUSÃO

O estudo do direito das obrigações leva inevitavelmente à compreensão dos


conceitos de crédito/credor e débito/devedor. O devedor deve cumprir a prestação a qual se
obrigou de maneira natural. Caso ocorra a inadimplência, o devedor poderá ver contra si
ajuizada uma demanda, para compeli-lo a prestar o que deve.
O processo é o meio de que dispõe o credor para reclamar ao Estado a tutela
jurisdicional do seu direito, diante de um crédito não satisfeito pelo devedor. O processo
ajuizado pelo credor pode ter natureza cognitiva ou executiva.
Se o crédito ainda precisa ser reconhecido judicialmente, a ação do credor terá
natureza cognitiva, para a formação de um título executivo judicial, que pode ser executado.
Caso o credor disponha de um título executivo extrajudicial, conforme as previsões legais,
poderá ajuizar desde logo o procedimento de execução. Independentemente da natureza do
título, este retratará o débito, o credor e o devedor. Com a instauração do processo executivo, o
devedor passa a se chamar executado e o credor, exequente.
O devedor responde à execução com todos os seus bens, que são atingidos no
processo por meio da penhora. A penhora é o primeiro dos atos executivos realizados na busca
de expropriar bens do executado, para satisfazer o crédito do exequente. A lei prevê hipóteses
de exceção à regra da responsabilidade patrimonial, que são as impenhorabilidades. As causas
de impenhorabilidade, no mais das vezes, relacionam-se com o princípio da dignidade da pessoa
humana; há também previsão de impenhorabilidade convencional, em situações bastante
restritas.
A regra geral é a de que ninguém será responsabilizado por débitos alheios, de modo
que a penhora somente recairá sobre bens do executado. No entanto, a lei prevê casos
específicos em que sujeitos diversos do executado podem ter seus bens afetados, pela chamada
responsabilidade secundária. Por ser excepcional, a responsabilidade secundária só ocorre nos
casos expressamente previstos.
Voltando ao âmbito do direito das obrigações, no estudo dos contratos, verifica-se
que é possível às partes contratarem garantias, visando minimizar os riscos do crédito
concedido. As garantias podem ser pessoais ou reais. Nas garantias pessoais, soma-se mais um
sujeito ao devedor, que também responderá pelo débito com todos os seus bens. Diante do risco
da insolvência do devedor e também do garantidor, é possível estipular garantias reais, que
afetam um bem ao pagamento do débito.
62

Dentre as garantias reais, desponta a propriedade fiduciária, constituída mediante


contrato de alienação fiduciária. As garantias fiduciárias têm a especial característica de
transferir a propriedade do bem do devedor (fiduciante) para o credor (fiduciário). Tal
característica ocorre porque as garantias fiduciárias constituem espécie de negócio fiduciário,
pautado pela confiança entre as partes. A confiança é elemento marcante dos negócios
fiduciários porque as partes acordam a transferência de um direito para a realização de um
determinado fim, com o posterior retorno do direito ao fiduciante.
Apesar de sua gênese, a alienação fiduciária prescinde de relação particular de
confiança entre os contratantes. Isto porque o retorno da coisa à propriedade do fiduciante é
direito real deste. Paga a dívida, o bem retorna automaticamente para a situação anterior, ou
seja, para o patrimônio do fiduciante. No mesmo sentido, ao fiduciário é vedado ficar com a
coisa dada em garantia, acaso a adquira por meio da consolidação da propriedade, após a
inadimplência do fiduciante. Impõe-se a venda da coisa, salvo se o fiduciante concordar de
modo diverso.
Como reflexo desta configuração legal, a doutrina aponta que a propriedade
fiduciária do credor não é plena. O fiduciário não pode dispor do bem. A natureza fiduciária da
propriedade autoriza ao credor agir apenas conforme os limites que lhe foram atribuídos: a
propriedade fiduciária, portanto, só pode ser usada com a finalidade de garantia ao débito do
fiduciante perante o fiduciário.
A discussão ganha corpo quando se busca entender a situação jurídica do bem sobre
o qual se instituiu a propriedade fiduciária. Por ter havido a transferência, a coisa não pertence
ao patrimônio do devedor fiduciante – que, no entanto, continua a responder pelos encargos
tributários do bem. Por outro lado, por conta da natureza fiduciária da propriedade, ao credor
fiduciário não é dado dispor do bem. Este deve servir, tão somente, de garantia, havendo
imposição de retornar ao patrimônio do fiduciante. Por este motivo, entende-se que o bem dado
em alienação fiduciária não integra o patrimônio do fiduciário, que é acrescido somente pelo
crédito garantido. Vislumbra-se, portanto, um limbo jurídico, já que a coisa não pertence a
nenhum dos dois sujeitos do pacto fiduciário.
Esta análise revela importante efeito da propriedade fiduciária perante terceiros. Os
credores do fiduciante não podem atingi-la por meio da penhora, já que a responsabilidade pelo
débito se atém ao patrimônio do devedor, que não contempla a coisa dada em garantia. Os
credores podem penhorar, tão somente, os direitos do fiduciante, como a expectativa real de
reaver a coisa.
63

Em relação aos credores do fiduciário, observa-se cenário semelhante: o bem não


integra o patrimônio do fiduciário, o que o torna imune à responsabilidade patrimonial deste. A
constrição judicial é possível sobre o crédito do fiduciário, mas não sobre a coisa – a
propriedade fiduciária, por ser acessória, acompanhará o crédito. O adquirente do crédito
também não poderá dispor do bem, já que a terá a título fiduciário. O que ocorre, portanto, é a
alteração subjetiva do direito de crédito, sem que se altere a situação do bem.
Após estas ponderações, vê-se que a alienação fiduciária resulta numa espécie de
impenhorabilidade, diversa das hipóteses legalmente previstas: a impenhorabilidade não ocorre
por força do princípio da dignidade da pessoa humana, e sim pela natureza do direito real
instituído. É possível indagar até, se esta seria uma hipótese de impenhorabilidade convencional
diversa das restritas situações postas na norma.
Neste sentido, permite-se avançar na conclusão de que a alienação fiduciária institui
certa blindagem sobre o bem objeto do contrato. A blindagem ocorre porque a coisa só
responderá pelo débito garantido, e nenhum outro. Aliás, a legislação prevê que, no caso da
execução de crédito com garantia real, a penhora pode recair sobre os bens garantidores – esta
é a única situação em que a penhora é admitida.
Por estes motivos, verifica-se que os efeitos da alienação fiduciária se estendem
para além dos contratantes. A constatação não causa espanto, já que este contrato só passa a
valer depois de formalmente registrado – gerando a propriedade fiduciária, que é direito real,
oponível erga omnes. O curioso é que, por meio deste contrato, as partes acordam que o bem
não responderá por mais nenhum débito, conforme tudo o que se verificou.
Ainda que se tenha verificado a possibilidade de penhora do crédito/direitos que o
fiduciante e o fiduciário detém sobre o bem, é relevante lembrar que a constrição judicial destes
direitos é bastante complexa. Ademais, o mercado não demonstra interesse em adentrar em tão
complexa situação jurídica, de forma que eventual leilão envolvendo os direitos ora estudados
estaria fadado, no mais das vezes, ao fracasso.
Postas estas considerações, vê-se que a alienação fiduciária pode ser utilizada como
meio de segregação patrimonial no direito brasileiro. Ainda que não seja esta sua finalidade, é
possível que se utilize indiretamente este instrumento para o fim de proteção do patrimônio,
caracterizando verdadeiro negócio indireto. E, como a natureza indireta de um negócio não
resulta na sua ilicitude, não se vislumbra óbice à utilização da alienação fiduciária com estes
objetivos. Assim, a alienação fiduciária acaba por ser usada para fins segregação e proteção
patrimonial.
64

Embora não se trate de meio infalível para a blindagem patrimonial, aqui se


verificou os percalços e impedimentos pelos quais os credores do fiduciante e do fiduciário
passam até obterem alguma forma de constrição, e consequentemente, algum resultado
econômico sobre a coisa dada em alienação fiduciária. Deste modo, fica evidente que a
alienação fiduciária constitui meio bastante eficiente para evitar a penhora sobre um bem.
65

REFERÊNCIAS

ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
Disponível em: <goo.gl/qeu5mi>. Acesso em: 08 set. 2017. Acesso restrito via Minha
Biblioteca Unisul.

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al (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
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ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

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Brasil. Disponível em: <https://goo.gl/pQIqfP>. Acesso em 28 set. 2017.

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medidas para o seu desenvolvimento. Disponível em: <https://goo.gl/1qg2gc>. Acesso em 27
set. 2017.

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BRASIL. Decreto-lei nº 911, de 01 de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei
nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sôbre alienação fiduciária e
dá outras providências. Disponível em: <https://goo.gl/VKjTR9>. Acesso em: 09 set. 2017.

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<https://goo.gl/PH9bpn>. Acesso em 31 out. 2017.

BRASIL. Lei nº 6.014, de 27 de dezembro de 1973b. Adapta ao novo Código de Processo


Civil as leis que menciona. Disponível em: <https://goo.gl/9AKDGW>. Acesso em 28 set.
2017.

BRASIL. Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974a. Dispõe sobre a intervenção e a liquidação


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empréstimos de ativos financeiros e sobre a isenção de imposto sobre a renda na alienação de
ações de empresas pequenas e médias; prorroga o prazo de que trata a Lei no 12.431, de 24 de
junho de 2011; altera as Leis nos 10.179, de 6 de fevereiro de 2001, 12.431, de 24 de junho de
2011, 9.718, de 27 de novembro de 1998, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29
de dezembro de 2003, 12.996, de 18 de junho de 2014, 11.941, de 27 de maio de 2009,
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de 2011, 11.774, de 17 de setembro de 2008, 12.350, de 20 de dezembro de 2010, 9.430, de
27 de dezembro de 1996, 11.977, de 7 de julho de 2009, 12.409, de 25 de maio de 2011,
5.895, de 19 de junho de 1973, 11.948, de 16 de junho de 2009, 12.380, de 10 de janeiro de
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novembro de 2009, 11.079, de 30 de dezembro de 2004, 11.488, de 15 de junho de 2007,
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de 2009, 11.438, de 29 de dezembro de 2006, 11.478, de 29 de maio de 2007, 12.973, de 13
de maio de 2014, 11.033, de 21 de dezembro de 2004, 9.782, de 26 de janeiro de 1999,
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2002, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.775, de 17 de setembro de 2008, 10.150, de 21
de dezembro de 2000, e 10.865, de 30 de abril de 2004, e o Decreto-Lei no 911, de 1o de
outubro de 1969; revoga dispositivos do Decreto-Lei no 1.569, de 8 de agosto de 1977, das
Leis nos5.010, de 30 de maio de 1966, e 8.666, de 21 de junho de 1993, da Medida Provisória
no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de
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