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DIREITO DAS
OBRIGAÇÕES
TURMAS 3 E 4
PRÁTICA - 1.º SEMESTRE
RUI FERREIRA - COM COLABORAÇÃO DE
MARIA LEONOR MARTINS
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
Nota Introdutória
Esta sebenta de Direito das Obrigações, disponibilizada pela Comissão de Curso dos
estudantes do 3º Ano da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do
Porto no ano letivo 2022/2023, foi elaborada pela estudante Rui Ferreira, com o apoio e
colaboração de Maria Leonor Martins, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular. Esta sebenta contém a compilação das aulas práticas lecionadas pela Sra.
Professora Mariana Fontes da Costa.
Além de ser de uma compilação das aulas práticas, esta sebenta possui ainda breves
enquadramentos teóricos que foram sendo referidos nas aulas. Relembra-se ainda que esta
sebenta constitui apenas um complemento de estudo, não dispensando, por isso, a presença
nas aulas práticas e teóricas, assim como a leitura da bibliografia obrigatória.
Bom estudo!
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Maria Leonor Martins e Rui Ferreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
Índice
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Maria Leonor Martins e Rui Ferreira
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“O Direito das Obrigações é o conjunto das normas jurídicas reguladoras das relações de crédito,
sendo estas as relações jurídicas em que ao direito subjetivo atribuído a um dos sujeitos
corresponde um dever de prestar especificamente imposto a determinada pessoa.
É o dever de prestar, a que uma pessoa fica adstrita, no interesse de outra, que distingue a relação
obrigacional de outros tipos próximos de relações (nomeadamente dos direitos reais, dos direitos
de autor, dos direitos de personalidade e também dos direitos potestativos em geral).”
Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral
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Maria Leonor Martins e Rui Ferreira
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Daqui resulta uma característica importante e específica do Direito das Obrigações: depende
de uma colaboração do devedor.
As obrigações assentam numa lógica de colaboração voluntária ou coerciva do devedor, este
tem de atuar. Há uma exceção, que são os direitos potestativos.
Ao nível de modalidades importa ter em conta as 3 classificações de prestações:
• Prestações de facto e prestações de coisa
• Prestações instantâneas e prestações duradouras
• Prestações fungíveis e prestações infungíveis
Distinguir:
- Prestação de facto (realização de um serviço, como pintar uma casa; objeto esgota-se
no comportamento) e de coisa (a coisa é o objeto mediato da obrigação; o
comportamento traduz-se em dar, entregar ou restituir uma coisa)
▪ Prestação de Facto:
Positivo – prestações de facere (=traduzem-se numa ação do devedor): o devedor atua
de determinada maneira.
Negativo – o devedor obriga-se a abster-se de adotar um determinado comportamento
(prestações de non facere, ex: NDA, obrigação de não concorrência) ou obriga-se a
tolerar/consentir um comportamento do credor, não atuando contra ele (obrigações de
pati).
Uma das prestações de que exigem maior atenção são as prestações de facto de terceiro:
o devedor obriga-se não a adotar ele próprio um comportamento, mas a que outrem adote
determinado comportamento. Esta é uma prestação em que o devedor se compromete a que
terceiro adote certo comportamento. Estas vinculam o terceiro? Não! Apenas o devedor se
vincula, não o terceiro. Em que medida posso responsabilizar o devedor pelo terceiro não
se ter comportado de certa maneira? Depende da formulação da obrigação.
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Esta matéria remete para uma distinção entre 3 tipos de obrigações: de meio, de resultado
e de garantia.
Obrigações de Meio: o devedor obriga-se a aplicar o grau de diligência adequado e a
envidar todos os esforços para alcançar aquele resultado, mas sem se comprometer ao
resultado; o devedor cumpre adotando todas as diligências, mas se não conseguir, a
responsabilidade não é sua.
Obrigações de Resultado: o devedor assume o risco de o terceiro não querer praticar o
facto, mas não se responsabiliza nos casos em que terceiro não possa, sem culpa sua,
praticar o facto.
Obrigações de Garantia: o devedor assume a responsabilidade se terceiro não praticar
o facto, seja porque não quer seja porque não pode.
▪ Prestação de Coisa:
A coisa é o objeto mediato da obrigação; o comportamento traduz-se em dar, entregar ou
restituir uma coisa.
Posto isto, importa ter atenção à prestação de coisa futura [Arts. 399º, 211º, 892º, 893º e
880º Código Civil → fazer remissão de uns para outros]
A prestação de coisa futura tem como objeto mediato coisas que ainda não têm existência
(vinho que ainda não foi colhido, juros que ainda não venceram); ou que já existem, mas
face às quais o devedor não tem ainda nenhum direito sobre ela, isto é, espera vir a ter.
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Artigo 880º nº2 do Código Civil: negoceia-se a emptio spei (esperança vazia) - o credor
corre o risco, mas paga sempre o mesmo preço; pode ganhar muito ou perder, mas paga
sempre igual.
▪ Prestações Instantâneas:
São aquelas em que o comportamento exigido do devedor se esgota num só momento ou
num período que é praticamente irrelevante (ex: entrega de coisa, pagamento do preço
numa só prestação).
Prestações fracionadas/repartidas: prestação cujo cumprimento se protela no tempo
através de sucessivas prestações instantâneas, mas ao contrário das prestações
periódicas, a duração do cumprimento não interfere no montante da prestação. Ou
seja, o objeto da prestação está previamente fixado; o montante está previamente
fixado. Assim, o tempo não influencia o objeto e é apenas um modo de execução (ex:
preço pago a prestações).
▪ Prestações Duradouras:
A prestação prolonga-se no tempo e a duração temporal da prestação interfere na
conformação global da prestação. O que caracteriza uma prestação duradoura é que eu não
sei exatamente qual vai ser, ao início, a prestação. O conteúdo da prestação é determinado
e influenciado pelo tempo pelo qual perdura. Como refere o Dr. Antunes Varela: “são as
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Artigo 767º nº2 do Código Civil: em regra, as prestações são fungíveis, só assim não é
quando as partes o acordarem – infungibilidade convencional (por acordo) – ou se for
infungível tendo em conta a natureza da prestação – infungibilidade fundada na natureza
da prestação.
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c) Alberta e Luís celebram um contrato pelo qual a primeira se obriga a realizar atividades de
secretariado, no escritório do segundo e sob a autoridade do mesmo. Este compromete-se a
pagar àquela 700 € por mês.
e) A 1 de maio de 2018, Zeferino empresta a Orlando 15.000 €, pelo prazo de 3 anos, à taxa de
5%. Os juros devem ser pagos anualmente, e o capital deve ser restituído em três prestações
anuais de €5.000,00 cada.
Contrato de mútuo oneroso → contrato unilateral (que gera obrigações apenas para o
mutuário, que deve reconstituir a quantia emprestada)
Neste contrato, foram geradas 2 obrigações:
Pagamento do preço, ou seja, da quantia mutuada: prestação de coisa instantânea
fracionada
Pagamento dos juros: prestação de coisa duradoura periódica/reiterada.
Por sua vez, com a venda do quadro por António a um comprador alemão, há um
incumprimento contratual por parte do primeiro, gerando-se uma situação de
impossibilidade de cumprimento por parte de Bárbara face ao contrato que celebrou com
Carlos, sendo que, neste caso, tal impossibilidade não é imputável a Bárbara, porque tal
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ocorre apenas devido ao incumprimento por parte de António do contrato promessa que
havia celebrado com esta. Deste modo, aplica-se aqui o regime do artigo 790º CC.
Entravamos também no âmbito do artigo 880º nº1 do Código Civil. De ressalvar que para
ser aplicado o nº2 tal tinha de estar expressamente acordado, o que efetivamente não
sucedeu no caso em apreço.
Não tendo as partes (Carlos e Bárbara) atribuído carácter aleatório ao contrato, o que acontece
às prestações de ambos?
A de Bárbara extingue-se por impossibilidade de cumprimento, que, como já dito, não
lhe é imputável (790º do Código Civil)
Carlos, por sua vez, fica desonerado da prestação por causa da natureza sinalagmática
caraterística do contrato bilateral, já que Bárbara não consegue cumprir com a sua
obrigação, sendo aplicável à situação jurídica de Carlos o regime do artigo 795º do
Código Civil.
Para terminar, uma vez que Carlos tinha já pagado 50 mil euros, é de destacar que, nos
termos do já referido artigo 795º, Bárbara teria, então, de restituir a Carlos essa
quantia já adiantada, gerando-se na esfera jurídica de Carlos o direito de exigir essa
mesma restituição.
Quanto à resolução de contratos de arrendamento, atente-se aos artigos 1083 e 1084º CC.
Quanto ao Bernardo, aplicava-se o artigo 934º do Código Civil, pois estamos perante
uma compra e venda a prestações (norma especial face ao 781º), não existindo, neste
caso, perda do benefício do prazo, não sendo por isso aplicável o 780º. Não estamos
perante a falta de cumprimento de uma prestação, mas sim de duas (duas prestações
em mora).
Na medida em que está em causa a mora em duas prestações, o Bernardo pode exigir o
cumprimento integral das prestações em falta.
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Pode fazer algo em alternativa? Sim, pode resolver o contrato (há reserva de
propriedade, entrega da coisa e não pagamento de duas prestações), nos termos do
artigo 934º CC.
Mas quais são os efeitos desta resolução? Na sequência da resolução, os efeitos são a
devolução do carro e a devolução da parte do preço já paga, visto que a resolução
tem efeitos retroativos – por se tratar de uma prestação fracionada. Bernardo poderá
também pedir uma indemnização pelos danos causados pelo incumprimento.
Importa, contudo, atentar que para resolver o contrato, Bernardo teria de transformar a
mora do Alexandre em incumprimento definitivo → a resolução do contrato implica
transformar a mora em incumprimento definitivo. Só que tal só ocorre de uma de duas
maneiras:
- ou há uma perda objetiva de interesse por parte do credor, e por ser objetiva tem de ser
uma coisa identificável por terceiro (por exemplo: vestido de noiva pronto no dia a
seguir ao casamento; catering fora de data) - se houver um prazo perentório, deve ser
referido no contrato, pois a perda tem de ser objetiva;
- ou aplica-se o artigo 808ºdo Código Civil: Interpelação admonitória → o credor
concede ao devedor um prazo extra para cumprir, findo o qual se considera que a mora
se transforma em incumprimento definitivo.
Por princípio, não se resolvem contratos em mora.
Quanto ao Carlos, a renda é uma prestação duradoura periódica, então, não se aplica
aqui o 780º do Código Civil. Conclui-se, portanto que não há perda de benefício de
prazo.
Quais são então os seus direitos? Importava atentar nos artigos relativos ao contrato de
arrendamento. Deste modo:
- Segundo o n.º 3 do Art.º 1083.º do Código Civil, Carlos tem direito a resolver o
contrato.
- Nos termos do n.º3 do artigo 1084.º do Código Civil, Alexandre tem 1 mês para pagar
as rendas em atraso, e se o fizer, a resolução fica sem efeito.
b) Suponha agora que Alexandre e Bernardo haviam acordado que o automóvel deveria ser
entregue a Alexandre no início de março – altura em que Bernardo receberia o seu novo
veículo – e que o preço deveria ser pago no início do mês de julho. Considerando que
Bernardo descobre, em finais de fevereiro, que a situação económica de Alexandre se
deteriorou consideravelmente em virtude de um endividamento excessivo, pode aquele
recusar-se a entregar-lhe o automóvel?
Não estamos sob alçada da exceção de não cumprimento (428º do Código Civil), pois
quem ia cumprir primeiro seria o Bernardo. Assim, conjugam-se os artigos 429.º e
780.º do Código Civil: o Bernardo pode recusar-se a cumprir a sua prestação se
Alexandre se encontrar em alguma das circunstâncias que impliquem a perda do
benefício do prazo. A insolvência de facto é uma dessas circunstâncias, caso
Alexandre não dê garantias de que irá cumprir.
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“A relação jurídica em geral diz-se una ou simples, quando compreende o direito subjetivo
atribuído
Na prática,atodas
uma pessoa e o dever
as relações jurídico ou estado
obrigacionais de sujeição correspondente, que recai sobre a
são complexas.
outra; e complexa ou múltipla, quando abrange o conjunto de direitos e de deveres ou estados de
Asujeição
doutrinanascidos
foi tentando entender
do mesmo a multiplicidade de direitos e deveres que compõe a
facto jurídico.”
relação obrigacional para tentar agrupá-los. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral
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a) Quid iuris?
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b) Suponha que não foi Bernardo que se lesionou, mas sim o seu filho Daniel, de 3 anos, que
havia ido ao estádio ao abrigo da política de livre entrada de menores com menos de 4 anos,
desde que acompanhados por adulto responsável com bilhete.
Contratos Sinalagmáticos
A maior parte dos contratos com que lidamos são contratos sinalagmáticos. Temos de analisar
quem é o credor e o devedor tendo em conta a prestação em causa, e não o contrato.
Por exemplo: o clube é devedor de proporcionar o jogo e Carlos é devedor do bilhete – a
prestação de zelar pelos adeptos é do clube.
Não podemos analisar o credor e devedor com base no contrato, mas sim com base na
prestação em discussão.
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Isto não é tutela de confiança pura, são raros esses casos → quando vem associada ao juízo
de censura não é pura. Ocorre nos casos pouco frequentes em que apesar de o comportamento
do lesante não ser passível de qualquer censura pelo ordenamento jurídico, a contraparte viu a
sua legítima expectativa frustrada e realizou um investimento que merece ser tutelado –
exemplo do artigo 291.º do Código Civil.
Divergência doutrinal entre a Prof. Mariana e o Dr. Carneiro da Frada: ao contrário da
professora, o Prof. considera que a rutura injustificada das negociações é um exemplo de
tutela pura da confiança (227º do Código Civil).
Na senda de um autor alemão chamado Canaris, Menezes Cordeiro distingue 4 pressupostos
para a proteção jurídica da confiança:
• Existência de uma situação efetiva da confiança do lesado traduzida na boa-fé subjetiva
(consubstancia-se na crença do sujeito de que age segundo os ditames da boa-fé) e
objetiva (comportamento próprio isento de violação dos deveres de boa-fé);
• Justificação para essa confiança, assente na existência de elementos suscetíveis de, em
abstrato, promoverem a confiança existente;
• Investimento do lesado nessa confiança, assente nela e traduzido em atos concretos, com
ou sem expressão financeira imediata;
• Imputação da situação da confiança criada ao lesante, que por ação ou omissão terá dado
causa à confiança.
Estes pressupostos articulam-se de forma móvel, sendo que a ausência de um dos elementos
não acarreta, só por si, a exclusão da confiança, podendo esta justificar-se, nomeadamente,
pela importância acrescida dos restantes. O Dr. Carneiro da Frada refere ainda a inelutável
exigência ético-jurídica da proteção dessa confiança.
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Será este exercício deste direito de invocar a nulidade abusivo? Se sim, ao abrigo de que
instituto? Apenas poderíamos ponderar aqui uma inegabilidade formal. Note-se, no entanto,
que, de todas as modalidades de abuso de direito, a doutrina acredita que esta deve ter
requisitos especialmente exigentes.
Qual é a axiologia que eleva a doutrina a crer que esta modalidade deve ser mais exigente
que as outras? Não estão apenas em conta interesses das partes, mas sim da sociedade.
Como é dada a proteção acrescida? → ler o texto “do abuso do direito: estado das questões e
perspetivas”, de Menezes Cordeiro
Em termos de inegabilidade formal, o Dr. Menezes Cordeiro entende que têm de estar
preenchidos os seguintes requisitos:
1. Situação de confiança em que se acredita que a invalidade do negócio não virá a ser
invocada pelas partes (preenchido)
2. A situação de confiança é justificada (preenchido, tendo em conta que as próprias partes
assim o entenderam)
3. Tem de haver um investimento de confiança (preenchido – canalização e uso)
4. A confiança é imputável ao sujeito que vai responder pela tutela desta confiança, seja
como criador seja como frustrador da confiança (preenchido)
Estes são requisitos gerais em termos de tutela de confiança de acordo com o Dr. Menezes
Cordeiro. Contudo ele entende que quando está em conta a inegabilidade formal acrescentam-
se mais 3 requisitos:
5. Devem estar em jogo apenas os interesses das partes envolvidas e não também de
terceiros de boa-fé (preenchido, uma vez que, aqui, os herdeiros atuam na qualidade de
substitutos de F)
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Qual é o vício de que padece este contrato? É inválido ou ineficaz? O funcionário atuou
como mero gestor de negócios, não como representante sem poderes – assim o contrato é
ineficaz strictu sensu, ou seja, não vincula H.
Poderia haver ratificação tácita? Não, porque nos termos do artigo 268º do Código Civil a
ratificação exige a forma da declaração negocial, então, a ratificação teria de ter sido feita
por escritura pública, algo que não sucedeu → não há, portanto, ratificação tácita.
Contudo, durante anos, H comportou-se como se tivesse vinculado pelo negócio, portanto,
deverá ponderar-se se não estamos aqui perante uma situação de venire contra factum
proprium. Analisar requisitos:
1. Existe confiança de G (preenchido)
2. Justificada (preenchido pelo comportamento de H)
3. Investimento de confiança (preenchido: não procurou outro parceiro negocial)
4. Confiança imputável a H (preenchido: foi H com o seu comportamento que criou e mais
tarde frustrou a confiança)
5. Inelutável exigência ético-jurídica.
O abuso de direito não transforma o contrato em eficaz, H continua a não ser vinculado para o
futuro do negócio, porém fica impedido de invocar essa ineficácia quanto à brita que
retirou – tem de pagar a brita já retirada, e, com o pagamento desta, desaparece a razão para
a proteção da confiança.
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Ainda assim, será que o Nuno tinha o dever geral de não interferir no vínculo contratual
entre o Luís e o Mário? Para responder a esta questão entramos, assim, no tema seguinte:
eficácia externa das obrigações.
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- Dr. Carneiro da Frada: defende que o artigo 483.º do Código Civil se refere apenas a
direitos absolutos. Desta feita, entende que há uma lacuna quanto a esta matéria (o
ordenamento jurídico português não tem um artigo equivalente ao parágrafo 826 do
BGB). Para resolver a lacuna, o Dr. Carneiro de Frada entende que devemos recorrer,
por analogia, ao abuso de direito. Porquê por analogia? Porque o Nuno não está a
exercer um direito, o Nuno está a exercer uma faculdade jurídica.
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E por via do 483º do Código Civil (posição do Dr. Menezes Carneiro) é possível retirar do
ordenamento jurídico português a eficácia externa das obrigações?
Quais são os requisitos para haver eficácia externa das obrigações? Ilícito, culposo,
danoso e nexo de causalidade. Que tipo de culpa é necessária? Dolo: teria de haver
intenção do Alberto de prejudicar o clube. Não resulta que Alberto conhecia o crédito do
clube perante Robertinho e que o tenha voluntariamente querido prejudicar.
Seria assim difícil de defender uma eficácia externa das obrigações.
b) E Gervásio, filho de Robertinho, poderá demandar Alberto pela perda de 350 € mensais que
o pai lhe prestava em cumprimento da obrigação de alimentos que sobre ele impendia em
conformidade com a decisão judicial relativa à regulação do exercício das responsabilidades
parentais?
Sim, nos termos do artigo 495 nº. 3 do Código Civil é uma exceção legal à relatividade das
obrigações.
Direitos Reais: Direito sobre a coisa – o titular exerce um poder direto sobre a coisa; poder
direto e imediato de uma pessoa sobre uma coisa.
Qual o seu expoente máximo? O direito de propriedade.
São direitos absolutos- têm eficácia erga omnes.
Funcionam com uma lógica de numerus clausus – princípio da tipicidade (artigo 1306º do
Código Civil).
Por ser um direito absoluto surgem duas consequências
O princípio da prevalência, que tem duas manifestações:
- Consagra a prevalência dos direitos reais sobre os direitos de crédito,
independentemente de estes terem sido constituídos antes ou depois daqueles;
- Consagra também a prevalência do direito real primeiramente constituído, que significa
que o direito real prevalece sobre qualquer situação jurídica constituída posteriormente
sobre a coisa, sem que para tal tenha concorrido a vontade do seu titular, isto desde que
não seja possível a conciliação entre ambas as situações.
Hipótese: A, proprietário de uma moradia, constitui uma hipoteca a favor de B, para garantir uma
dívida. Em 2002, constitui uma segunda hipoteca sobre a mesma moradia a favor de C. Supondo
que ambas as dívidas venceram e A não pagou nenhuma. Em 2006, C avança com uma ação
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executiva. O direito real de B constituiu-se primeiro, pelo que, por força do princípio do princípio
da prevalência, B é ressarcido na íntegra, e o valor sobrante (se sobrar) é atribuído ao C.
Dividindo estes direitos por categorias podemos então dizer que existem 3 categorias de
Direitos Reais – de gozo, de garantia e de aquisição:
▪ De Gozo: conferem ao seu titular a faculdade de fruir as utilidades ou vantagens
económicas da coisa que é objeto do direito (exemplo: propriedade, usufruto).
▪ De Garantia: também chamados de garantias reais das obrigações- visam assegurar o
cumprimento das obrigações, conferindo ao credor a possibilidade de se fazer pagar pelo
valor ou rendimento de certa coisa, e, em caso de incumprimento do devedor, de ter
preferência face a qualquer outro credor (exemplo: hipoteca – valor que resulta daqui é
primeiro para ressarcir o credor garantido).
▪ De Aquisição: facultam ao seu titular a aquisição de direitos relacionados com uma coisa
aos mesmos juridicamente afetada (exemplo: direito real de preferência).
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• Artigos 1037 nº 2, 1125 nº2, 1133 nº2 e 1188 nº2 do Código Civil: os titulares de um
direito pessoal de gozo podem recorrer à ação possessória para reivindicar esse direito
perante terceiro, sem precisarem da intervenção do titular do direito real;
• Artigo 1057º do Código Civil: esta exceção é exclusiva do contrato de locação e diz
que o direito do locatário goza de um direito de sequela, ou seja, o direito de locação
pode ser invocado e oposto contra terceiro que tenha adquirido o bem na pendência da
locação (a locação acompanha o bem) - manifestação do direito de sequela. Quando se
fala em ação possessória não se fala em ação de reivindicação, a ação de reivindicação é
exclusiva dos direitos reais.
Estamos perante dois direitos de crédito: não há princípio da prevalência → Daniel pode
escolher que obrigação cumpre. Depois de escolher vai indemnizar a escolha recusada (se for
a Tóquio, ou chega a acordo com o hotel, ou terá de indemnizar por incumprimento contratual).
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a) Quid juris?
Apesar de estarem em causa direitos de crédito (são direitos pessoais de gozo), os direitos
de Carlos e Bárbara são incompatíveis, por isso a pergunta é quem tem de abandonar a casa
e porquê.
Nos termos do artigo 407º do Código Civil (prioridade da constituição), quando estamos
perante incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo, prevalece o direito
primeiramente constituído (tal como acontece com os Direitos Reais). Trata-se de uma
manifestação do princípio da prevalência (princípio associado aos direitos reais) nos
direitos pessoais de gozo / direitos de crédito.
Seria de problematizar se não seria preferível um critério cronológico de materialização do
direito em vez de constituição do mesmo.
Como fica a relação de António e Carlos? O contrato é nulo?
Se estivesse em causa um direito real o contrato seria nulo, mas como se trata de um
direito de crédito o contrato é válido.
Perante Carlos, António fica numa posição de incumprimento contratual – artigo 798º do
Código Civil, tendo Carlos direito a uma indemnização.
b) Considerando apenas os dois primeiros parágrafos do enunciado, quid iuris quanto à relação
locatícia entre Bárbara e António se este, entretanto, alienar o imóvel?
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Não, porque aqui estamos perante um comodato e este não é protegido pelo artigo 1057º do
Código Civil – este artigo é o regime exclusivo do contrato de locação.
Nos contratos de comodato não releva o princípio da sequela, aplicando-se o regime
geral dos direitos de crédito, sendo que, por força do princípio da prevalência, o direito
real sobrepõe-se ao direito de crédito emergente do comodato e, por estas razões, Bárbara
cederia perante a transmissão do apartamento.
a) Quid Juris?
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Fernanda pode até mesmo executar o imóvel e ele ser vendido para esta ser ressarcida do
crédito indemnizatório – ela não tem direito à propriedade do imóvel pelo que assim que
for ressarcida da dívida terá de abandonar o imóvel.
Perante um caso prático de contrato promessa devemos começar por caracterizar o contrato:
unilateral/bilateral;
é sinalizado/ não é sinalizado;
tem eficácia real/ não tem eficácia real;
se há tradição da coisa ou não (essencial para o direito de retenção e relevante para a
indemnização do aumento do valor da coisa)
Sempre que falamos em incumprimento do contrato promessa devemos analisar duas
possibilidades:
O recurso à indemnização: depende se o contrato é sinalizado ou não; se houve tradição da
coisa ou não - se houve tradição há possibilidade pelo aumento do valor
O recurso à execução específica: convém ter em conta qual é o bem em causa / objeto da
compra e venda; se for um bem enquadrado no artigo 410.º n.º 3 do Código Civil, as partes
não podem, por acordo, afastar a execução especifica; se não for um bem enquadrado no
410.º n.º 3 do Código Civil, o sinal constitui presunção de afastamento da execução
específica. Quando é que nunca é possível recorrer a execução especifica? Num contrato
promessa sem eficácia real, em que o bem foi vendido a terceiro (independentemente do
tipo de bem em causa) → princípio da preferência.
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a) Pode B, de imediato, exigir a A uma indemnização ao abrigo do disposto no art. 442º, nº2 in
fine e recusar-se a abandonar o terreno enquanto A não pagar? Que outros direitos tem B?
A não cumpre o contrato promessa, posto isto, apresenta-se perante B a opção de recorrer
à execução específica.
Tendo em conta a caraterização do contrato, este pode pedir execução específica? Sim,
tendo em conta o disposto no artigo 442.º do n.º 3 do Código Civil – é um princípio
fundamental deste artigo → apesar de se tratar de um terreno rústico, a inexistência do sinal
significa que não há presunção do afastamento da execução específica, logo, pertencente
ainda a A, B pode recorrer à execução específica.
Pode recorrer à indemnização a que se refere o art.º 442.º n.º 2 do CC? Como se calcula?
O valor da coisa à data em que é exigida a indemnização menos o valor acordado da coisa
no contrato promessa mais o valor do sinal.
Pode recorrer ao sinal em dobro? Não, porque não há sinal. Há autores que defendem que
não faz sentido fazer depender o recurso à indemnização do aumento do valor da coisa
da existência de sinal. Mas o elemento literal da norma/letra da lei parece ir em sentido
contrário, não havendo fundamento suficiente para uma interpretação corretiva da norma.
B não pode recorrer à indemnização por aumento do valor da coisa, o que lhe resta em
termos de indemnização? B terá de transformar a mora em incumprimento definitivo
através de interpelação admonitória (a outra possibilidade seria a perda objetiva de interesse) -
artigo 880.º do CC. Para que serve a interpelação admonitória? Enquanto o devedor está
em mora, ele pode oferecer-se para cumprir: o objetivo da interpelação admonitória é
transformar a mora em incumprimento definitivo e resolver definitivamente o contrato.
Para efeitos de indemnização, B teria de transformar a mora em cumprimento definitivo,
podendo, depois, pedir uma indemnização nos termos gerais de Direito.
B ainda tem um direito: o direito de retenção – artigo 755.º alínea f) CC → pode recusar-se
a abandonar o terreno enquanto não for ressarcido da indemnização a que tem direito.
b) Pode A defender-se com a nulidade do contrato na eventualidade de este ter sido celebrado por
documento assinado só pelo promitente-comprador?
Qual é o problema neste caso prático? Temos um contrato promessa bilateral que é nulo
por falta de forma, pois falta a assinatura de uma das partes – viola o 410.º n. º2 do Código
Civil. Será possível aproveitar este contrato? Há duas teses doutrinais:
Estamos perante uma nulidade total, e, portanto, o contrato apenas poderá valer com
promessa unilateral através de conversão – artigo 293.º do Código Civil → tese
defendida pelo Dr. Antunes Varela.
É uma nulidade parcial e não total, e, portanto, o negócio valerá como promessa
unilateral se assim resultar da aplicação do instituto da redução, do artigo 292.º do
Código Civil – tese defendida pelo Dr. Ribeiro Faria.
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Qual é a diferença entre a conversão e a redução? Na redução, o ónus da prova recai sobre
a parte interessada na nulidade total, tendo esta de provar que o contrato não teria sido
celebrado sem a parte viciada. Na conversão, o ónus da prova recai na parte interessada no
aproveitamento do contrato, cabendo a esta provar que o contrato teria sido celebrado sem o
vício. Esta questão foi objeto de análise pelo STJ em duas situações:
- Assento de 29 de novembro de 1989: vem dizer que este contrato promessa bilateral nulo
por falta de assinatura de uma das partes pode ser aproveitado como promessa unilateral,
“desde que essa tivesse sido a vontade das partes”. Apesar deste Assento parecer
indiciar a conversão, a divisão doutrinal continuou, uma vez que havia interpretações
diversas deste Parecer.
- Acordo de 25 março de 1993: Acordo muito famoso, que identifica esta situação com o
regime de redução, mas aplica o ónus da prova associado ao regime da conversão.
A situação não está ainda clarificada, mas parece que devemos aplicar aqui o regime da
conversão (293.º do Código Civil), cabendo o ónus da prova àquele que se quer aproveitar
do negócio → a Dra. Mariana concorda que esta é a solução mais correta.
Este é um caso prático ótimo para o estudo do regime de incumprimento. Estamos perante
um contrato bilateral, com sinal, sem tradição e sem eficácia real (para o contrato ter eficácia
real tem de estar autenticado e registado, e isto tem de constar no enunciado, caso contrário
assumimos que não tem eficácia real). Temos um incumprimento de A e por isso deve ser
analisada a possibilidade de B recorrer a um de dois caminhos:
Execução especifica: não pode ir por esta via pois o bem foi transmitido para terceiro pelo
vendedor e, não tendo o contrato eficácia real, afasta em absoluto a possibilidade de
recurso à execução específica. Havendo sinal, presume-se que o sinal equivale ao
afastamento, por acordo das partes, da execução específica – Art.º 830.º/2 Código Civil.
Em que caso o sinal não constitui causa de afastamento de execução especifica? Nos
termos do artigo 410.º n.º 3 do Código Civil – não é o caso em questão.
Indemnização: B teria direito ao sinal em dobro. Não pode optar pelo aumento do valor
da coisa pois não houve tradição da coisa, como refere o artigo 442.º n. º2 do Código Civil.
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a) Quid iuris, sabendo que até hoje C não informou D da data e local para a celebração do
contrato definitivo, apesar das várias interpelações deste àquele?
Estamos perante um contrato promessa bilateral de compra e venda, com sinal e com
tradição da coisa, mas sem eficácia real. Temos duas possibilidades, tendo em conta que
C, em mora, não marcou a data para a celebração do contrato definitivo:
Pode recorrer à execução especifica? Estando em causa uma fração autónoma, a
mesma integra-se no artigo 410.º n.º 3 do Código Civil; e nos termos do artigo 830.º
n.º 3 do Código Civil, não é possível afastar, por acordo, a execução específica nestes
casos. O sinal aqui não constitui presunção de afastamento de execução especifica pois
estamos perante objeto enquadrado no artigo 410.º n.º 3 do Código Civil.
E quanto à indemnização? B pode optar por uma de duas indemnizações: uma vez que
houve tradição e sinal, B pode optar por entrega do sinal em dobro ou
indemnização com aumento do valor da coisa.
Tem de transformar a mora em incumprimento definitivo antes de pedir a indemnização?
De acordo com as regras gerais de Direito das Obrigações, a resposta seria sim. O princípio
associado ao sistema do incumprimento das obrigações é a prévia transformação da mora
em incumprimento definitivo como através da interpelação admonitória.
Qual é o problema no contrato promessa? O problema é o artigo 442.º n.º 3 parte final do
Código Civil → “salvo o disposto no artigo 808.º” é que complica tudo. Perante a parte
final deste artigo, é possível recorrer à indemnização sem transformar a mora em
incumprimento definitivo? Existe uma divisão doutrinal:
Dr. Calvão da Silva e posição adotada maioritariamente pelo STJ: afirma que não é
possível, pois isso seria contrário ao sistema → devemos fazer uma interpretação ab-
rogante do artigo 442.º n.º 3 parte final do Código Civil.
Prof. Dr. Varela: ainda que a solução seja contraria à lógica do sistema, parece não se
puder fugir à constatação de que o legislador efetivamente admite, no contrato
promessa, o recurso à indemnização sem interpelação admonitória. Mas se admite isso
para a indemnização pelo aumento do valor da coisa, por igualdade de razão, também
terá de admitir para o sinal em dobro – o Dr. Varela estende o regime.
Pessoalmente, a Dra. Mariana tem dificuldade em compreender/concordar com a posição
do Prof. Dr. Varela.
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b) Considere, agora, que D interpelava C para cumprir, sob pena de considerar o contrato
definitivamente não cumprido. Poderia ainda recorrer à execução específica?
c) Suponha, por fim, que, no contrato-promessa referido em texto, havia sido inserida uma
cláusula pela qual D poderia nomear um terceiro para ocupar a sua posição contratual. C, no
início de setembro, informa D de que a celebração da escritura pública está marcada para o
dia 6 de outubro de 2018. D, a 15 de setembro, envia a C uma carta, em que procede à
nomeação de E. No dia 6 de outubro, aparece no cartório notarial, E e não D. C recusa-se a
celebrar a compra e venda com E. Quid iuris?
Estamos perante um contrato de locação e de compra e venda – este contrato gera direito
legal de preferência (artigo 1091.º do Código Civil) na compra do prédio arrendado. Para
esta alínea é necessário recorrer ao artigo 1091.º do Código Civil.
No pacto de preferência “se eu decidir vender dou-te a possibilidade de te substituíres ao
potencial comprador nas mesmas condições”; para haver pacto de preferência é necessário
haver já uma negociação avançada. Tem de haver um projeto de contrato (contrato real) já
com condições fixadas, o grande problema do pacto preferência é a simulação.
António tem o direito de preferência legal, tem eficácia real – funciona como direito real.
Quanto ao email enviado por Bernardo, é uma notificação para a preferência? Não, é um
convite a contratar porque não existe um projeto de venda a terceiro efetivamente
interessado na compra; existe apenas uma disponibilidade de B para negociar com A- falta a
existência de uma negociação concreta.
Quando A diz que não tem dinheiro e não quer, é uma renúncia à preferência? Não, se é
um direito legal de preferência, a doutrina tem entendido que não pode haver uma
renúncia antecipada ao direito – é contrário à ordem publica. Significa que quando B
começa a negociar com C, A mantém o seu direito à preferência.
Quando C encontra A no supermercado, isto é uma notificação para a preferência? Não,
tem se entendido que essa notificação tem de caber ao obrigado à preferência e, portanto,
não pode ser feita por terceiro; além disso, a notificação para a preferência exige carta
registada com aviso de receção (artigo 1091.º/4 do Código Civil), o que não foi respeitado.
Portanto, temos a violação do direito de preferência.
Consequências: Sendo um direito legal, A pode recorrer à ação de preferência do artigo
1410.º do Código Civil – no âmbito dela, A fica subjetivamente sub-rogado na posição de C
(fazer remissão para o 421.º/2 do Código Civil).
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b) A resposta seria a mesma se António não fosse inquilino de Bernardo e o direito de preferência
do primeiro derivasse de um pacto de preferência? Qual a forma que o mesmo deveria
observar?
Qual é a forma do pacto de preferência? Nos termos do artigo 415.º (remissão direta para o
410.º/2.º do Código Civil), é documento escrito assinado pelo obrigado à preferência.
Houve violação do pacto de preferência, o que A poderia fazer? Duas alternativas:
Indemnização: A podia recorrer a uma indemnização.
O paralelo da execução especifica no pacto de preferência é a ação de preferência do
artigo 1410.º do Código Civil, em que o titular do direito de preferência se pode
substituir ao terceiro que celebrou o contrato em desrespeito do pacto de preferência,
quer o terceiro soubesse ou não. Se as partes não tiverem atribuído ao pacto de
preferência eficácia real, o que é a regra, o pacto de preferência sem eficácia real gera um
direito de crédito; então o direito real de C prevaleceria sobre o direito de crédito de A,
sendo que A não poderia recorrer à ação de preferência.
c) Suponha, agora, que António propõe uma ação de preferência, nos termos do art.º
1410.º do Código Civil, demandando Bernardo e Carlos, como réus. A 1.ª e a 2.ª
instâncias julgam Bernardo parte ilegítima e absolvem-no da instância. Quid iuris?
a) Três semanas depois da celebração do negócio, Fernando exige a Bernardo a entrega dos
€25.000. Bernardo não efetua o pagamento e recusa o automóvel que Gonçalo lhe pretende
entregar por apresentar um grave defeito no sistema elétrico que impede a sua utilização. Quid
iuris?
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b) Devendo Gonçalo a Bernardo metade do preço relativo à venda de um terreno por €80.000,
pode Bernardo declarar a compensação, considerar extinta a sua dívida e exigir de Gonçalo os
€15.000 remanescentes?
Que meio de defesa invoca Bernardo? Exceção de não cumprimento. A questão específica
aqui é que Bernardo invoca a exceção perante Fernando (beneficiário) e não perante
Gonçalo – o promitente pode opor ao beneficiário todos os meios de defesa que derivam do
contrato a favor de terceiro (artigo 449º do Código Civil).O promitente pode invocar todos
os meios de defesa que derivam da relação de cobertura, mas não pode opor ao terceiro,
beneficiário, os meios de defesa baseados em qualquer outra relação entre ele e o
promissário (artigo 449º do Código Civil).
Não pode recusar a entrega do dinheiro, uma vez que Bernardo é um estranho face à relação
de valuta entre Gonçalo e Fernando. Quando muito, se não tiver havido aceitação de
Fernando, Gonçalo poderia revogar a promessa (artigo 448º do Código Civil).
d) Considerando que o carro é entregue a Bernardo nas condições estipuladas, mas que ele não
paga o preço, existindo convenção a permitir a resolução do contrato por falta de pagamento
do preço nos termos do art. 886.º CC, quem pode resolver o contrato?
Quem pode resolver? Gonçalo tem o direito de resolução do contrato pois este é que é
parte da relação de provisão. No entanto, se a promessa é já irrevogável – porque Fernando
a aceitou –, então Gonçalo precisa do consentimento prévio de Fernando para resolver o
contrato. Aliás, tem se entendido que cabe a Fernando decidir se avança ou não com a
interpelação admonitória.
A quem cabe o direito de indemnização por não cumprimento do contrato por parte de
Bernardo? Caberá também a Fernando.
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Este caso é adaptado do acórdão de 22 de abril de 1986, publicado na revista de legislação e Jurisprudência,
ano 121, páginas 59 e seguintes, anotado pelo Dr. Batista Machado.
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b) Pode B exigir a A o reembolso dos valores pagos durante o período de execução do contrato?
O gestor é livre de iniciar ou não a atividade de gestão, mas depois de a iniciar já não é
livre de a interromper – 2 fundamentos (remissão para o artigo 466.º do Código Civil):
a interrupção implica riscos superiores a uma não atuação;
o início da gestão pode levar outras pessoas a afastarem-se e a não atuar.
Levanta-se a questão da prova da causalidade: temos de provar a causalidade entre a
interrupção da gestão e os danos resultantes do assalto → muito difícil de provar.
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