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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: Justiça Punitiva ou Justiça Restaurativa 1

Viviane Menezes de Menezes 2


Prof. Me. João Carlos da Cunha Moura 3

RESUMO
Brasil é um país com altas taxas de criminalidade e com um sistema jurídico sobrecarregado e
tardio, essencialmente punitivo, retributivo, com penas privativas de liberdade, caráter mais
coercitivo e de responsabilização do autor pelo crime cometido. De certa forma, em contraponto
ao processo tradicional surge uma nova abordagem na condução desses crimes sendo uma
pratica restaurativa, conciliadora e com a responsabilização do agressor ao dano praticado, no
entanto com a participação ativa da vítima no processo e superação do conflito. Casos de
violência doméstica têm outras peculiaridades e maior dificuldade de encerrar o conflito devido
a proximidade dos agentes envolvidos. Num levantamento bibliográfico pode se compreender
melhor o sistema judiciário, seja punitivo ou a justiça restaurativa, suas diferenças e
aplicabilidade diante desses casos, e o mais utilizado no Brasil.
Palavras-chave: Violência Doméstica. Sistema Punitivo. Justiça Restaurativa. Conflito.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil há altas taxas de criminalidade, de aprisionamento e que vem aumentando


gradativamente, além dos problemas sociais latentes que sufocam o sistema jurídico vigente,
sendo que desde sua origem o sistema penal fora construído sob um caráter de punição, de
retribuição pelo ato cometido. Não há como determinar, de forma precisa, o ponto de início
desse sistema punitivo nos povos primitivos, mas se sabe, que se instituiu uma consequência
ao ato praticado que contrariava o que aquela comunidade estipulava como regra, então se
alguém violava por consequência esse alguém deveria ser punido, e assim, estipulava-se uma
pena proporcional para ser aplicada nas comunidades primitivas àqueles que transgrediam as

1 Paper apresentado à disciplina de Teoria da Pena e da Punibilidade, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco
– UNDB.
2 Aluna do 3° Período, do Curso de Direito, da UNDB. Turma DT03AV.
3 Professor Mestre, orientador.
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ordens em determinado clã, ou seja, era estipulada uma regra e aquele que a violava era punido
(BECCARIA, 1997 apud NERY, 2005).
Atualmente, se vive um excesso de encarceramento seja de criminosos ou de
menores infratores privados da liberdade no intuito de resolver os crimes por eles praticados,
inclusive de violência doméstica; ressaltando que nestes casos de violência especificamente,
soma-se ainda ao conflito, a própria diversidade de fatores complexos envolvidos nesses crimes
de violência doméstica por se tratar de relações próximas, entre familiares ou companheiros.
Surge mais recentemente, a Justiça Restaurativa com a proposição de participação ativa da
vítima e a responsabilização do ofensor na resolução dos conflitos gerados; de criar um
ambiente de inclusão da vítima, do ofensor, da comunidade em busca de uma solução para além
dos fins judiciais, não substituindo o Estado e seu papel jurisdicional na aplicação de pena
diante do crime, mas diante do reconhecimento do dano praticado pelo agressor e restauração
do conflito gerado, em particular, no seio familiar em casos de violência doméstica.
Analisando, estudando o sistema punitivo e a justiça restaurativa nos casos de
Violência Doméstica, mediante a leitura e interpretação de leis, artigos, pesquisas e relatos de
casos, pode se compreender melhor o sistema judiciário e como atuam na solução de conflitos
e, consequentemente, a aplicabilidade de justiça se é efetiva e eficaz. Frequentemente no Brasil
observa-se o procedimento punitivo, restritivo de liberdade, mais tradicional de punibilidade
pelo crime praticado em contrapartida que surge a justiça restaurativa, para além da tipificação
do crime e encarceramento, sim com a resolução do fato e restauração desse conflito.

2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A violência contra a mulher como um problema de saúde pública e vem se


percebendo uma visão distorcida e pré-concebida de comportamentos e personalidades ligadas
ao gênero, daí surgem atos agressivos contra a mulher sem se quer reconhecê-los como
violência, demorou bastante tempo até ser reconhecido e tipificado como crime a violência
doméstica e a imposição de uma sanção do Estado. Esperava-se com essa atitude uma redução
nessas agressões sofridas contra a mulher, todavia não ocorreu, porque parece estar intrínseco
ao gênero, ao homem, o uso da força física, agressividade, imposição de autoridade... sem
perceber deflagrou mais uma demanda (ZORZELLA, CELMER; 2016)
Violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada
no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial, conforme definido no artigo 5o da Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/2006
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(SANTIN, 2003) não existe apenas a violência que deixa marcas evidentes no corpo, a Lei
prevê outras formas como a violência psicológica e até mesmo a violência moral, são cinco os
eixos de violência previsíveis na Lei, além dessas duas citadas, tem também violência física,
sexual e patrimonial, que podem ser causadas de forma isolada ou combinadas.
Dados estatísticos são preocupantes a cerca da violência à mulher, segundo
Zorzella, Celmer (2016, p. 96):
O Brasil encontra-se numa situação ainda mais delicada, pois ocupa o 7° lugar no
ranking de países com maior incidência de violência contra a mulher, sendo que 70%
dos crimes praticados contra mulheres ocorrem em suas relações domesticas e
familiares. Dados divulgados pelo Instituto Sangari (2011) e pela Fundação Perseu
Abramo (2001) continua sendo a causa mortis de 7 entre 10 mulheres diariamente no
Brasil, país onde uma mulher é espancada a cada 15 segundos. A Organização
Mundial de Saúde, em todo esse contexto de vulnerabilidade, estima-se que a
violência contra a mulher consome 10% do PIB brasileiro, além de responder por uma
a cada cinco faltas da mulher ao trabalho, induzir à aposentadoria precoce e elevar o
índice de suicídios.

2.1 Violência Doméstica e o Sistema Punitivo no Brasil

A Lei Maria da Penha determinou a violência doméstica contra a mulher sendo


crime e requerendo a intervenção jurisdicional do Estado por identificar a grave violação dos
direitos humanos das mulheres. Antes, a abordagem jurídica dos casos de violência doméstica
era baseada na Lei nº 9.099/1995, que minimizava o problema, segundo especialistas, propondo
punições alternativas para os agressores, como a doação de cestas básicas; a Lei nº 11.340
introduziu as medidas protetivas de urgência como ferramenta importante de intervenção do
Estado em situações de violência doméstica com a ação quase imediata de afastamento do
agressor assim proteger a vida da mulher (CNJ, 2018).
O sistema penal assemelha a uma válvula usada para regular o fluxo de
criminalidade que para a população em geral seria a solução de inibir a pratica dos crimes,
estaria diretamente relacionada a redução dessa criminalidade à intensidade das penas que serão
impostas. Ocorre que o sistema penal, salvo situações contingentes e excepcionais, na visão de
Andrade (1999, p.113 apud Zorzella, Celmer, 2016, p. 99), é um meio ineficaz para a proteção
das mulheres contra a violência, pois “não previne novas violências, nem escuta os reais
interesses distintos das mulheres, não contribui para a compreensão da própria violência sexual
e sequer soluciona o conflito e, muito menos, auxilia na transformação das relações de gênero”.
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Segundo CNJ (2018) num relatório sobre a aplicação da Lei Maria da Penha pelo
Poder Judiciário de um mapeamento, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da
implementação das políticas no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher
e os dados registrados pelos tribunais de justiça estaduais traz como resultados quantitativos os
números de inquéritos policiais, medidas protetivas, processos de conhecimentos e de execução
penal do ano de 2016 na Tabela 1; percebe-se um diferença do contingente de casos de
violências domésticas que culminam em processos de conhecimento de ação penal.

Tabela 1: Poder judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha


N. de Inquéritos Medidas Processos de conhecimento Processos de
policiais – violência protetivas criminal relativos à violência execução penal
doméstica - 2016 concedidas doméstica - 2016 sobre violência
Novos Arquivados - 2016 Novos Baixados Sentenças doméstica
iniciados - 2016
MA 1200 523 5933 9453 8322 1088 28
BRASIL 290.423 208.901 195.038 334.088 368.763 194.304 13.446
Fonte: CNJ, 2017.

A abordagem de violência doméstica tem diferenças de procedimento estabelecidas


no próprio sistema penal brasileiro, há a classificação desses crimes sendo que os de menor
potencial ofensivo, até então abrangidos pela Lei dos Juizados Especiais Criminais (JECrim),
ainda pela Lei nº 9.099/1995, e os de maior potencial ofensivo, passa a competência da Justiça
comum; ambos com objetivo de estabilidade e promoção da paz social. Todavia, atualmente
observa-se que nos JECrim apresentava maior impunidade porque o agressor seria réu primário,
ou permitiria a transação penal, com o estabelecimento de multa a este agressor, geralmente na
forma de cestas básicas, e o desfecho mais comum é de conciliação, daí a percepção ou
sentimento de impunidade, porque este teria menor pena imputada; os demais crimes que
tramitariam na Justiça Comum, observa-se morosidade e ineficiência, além da potencialização
de vitimização da mulher agredida.
A Lei 11.340/2006 trouxe um tratamento diferenciado e maior rigor da lei, retira
medidas que não “penalizavam” efetivamente, algumas outras penas alternativas, proíbe a
aplicação da Lei 9.099/1995 em casos de violência doméstica, afastando desses crimes às
prestações comunitárias e instituindo ao agressor desde medidas protetivas mais céleres quanto
penas e sanções mais severas com agravantes, fortalecendo e consolidando a justiça punitiva
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em casos de violência doméstica (RESENDE, MELLO; 2019). A violência contra a mulher


passa a ser essencialmente grave por ir para além do aspecto físico, incluindo as agressões ao
estado psíquico e emocional, que ficam evidentemente abaladas nas vítimas desses tipos de
violência, com consequências por vezes indeléveis, sendo assim, necessitando desse rigor,
punição e penalização.
De certo que nos casos de violência doméstica a intervenção do Estado através do
Sistema Penal Brasileiro e sua justiça punitiva não atende ao objetivo primário de inibição e
redução dos conflitos domésticos e familiares contra a mulher, não promove a prevenção de
novos crimes, e ainda aumenta a criminalização de novas condutas, por estender as
possibilidades de violência à mulher (RESENDE, MELLO; 2019). Da mesma forma que o
Estado não atende às expectativas das vítimas agredidas, nem promove a resolução dos conflitos
e, não preserva as relações pessoais sob a premissa de tutela do Estado em contraponto aos
interesses e sentimentos dessas mulheres (CABETTE, 2006). É nesse viés que atualmente se
direcionam alguns movimentos de direitos humanos, caminhando no sentido contrário à
criminalização e a ânsia por punição. Como se refere Soares (2007: 76), “nosso sistema
prisional é um exemplo vivo de instituições e políticas fracassadas”, que reproduzem todo o
tipo de infração aos direitos humanos e que certamente transformam os seres humanos os
tornando piores e mais violentos do que antes de ingressarem no sistema.

2.2 Violência Doméstica e a Justiça Restaurativa

Segundo Lobato (2018) a Justiça Restaurativa nasce da ideia de criar um espaço de


inserção da própria vítima, do agressor e da comunidade em busca de uma solução consensual,
compartilhada, com todos os responsáveis e envolvidos para transformar e sanar o conflito,
sendo um total contraponto ao processo judicial vigente, no qual se privilegia a dimensão
punitiva com relação ao acusado, os “holofotes” se voltam a ele, enquanto que a vítima é
irrelevante salvo no ponto de partida do processo, com seu testemunho sobre o fato, e não há
nem o que se falar na comunidade. Os casos em Justiça Restaurativa são mais complexos, pois
incluem várias pessoas envolvidas no fato em si, inclusive a comunidade, em que as pessoas
compartilham sobre as repercussões do conflito em suas vidas.
A Justiça Restaurativa passa a ser um conjunto ordenado e sistêmico de princípios,
métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais,
institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que
geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado para além de apenas
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uma técnica com criatividade e sensibilidade na escuta dos agentes envolvidos num conflito,
vitima, agressor e comunidade (CNJ, 2018).
Os crimes familiares e domésticos, ou de foro íntimo, após a adoção da Lei Maria
da Penha, Lei 11.340/2006, passaram a ser competência da Justiça Comum, e houve a
criminalização desses conflitos, todavia o art. 29 da Lei Maria da Penha prevê, dentro dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a possibilidade de participação
de uma equipe de atendimento multidisciplinar, com profissionais das áreas psicossocial,
jurídica e de saúde, conforme Gomes (2007). Assim, com a implementação desses centros será
possível a aplicação de uma nova política, introduzindo a possibilidade de Justiça Restaurativa,
em que o atendimento pauta-se na escuta e no diálogo uma nova perspectiva surge para resolver
esses conflitos.
A abordagem restaurativa nas relações de gênero requer a propositura de se articular
estratégias de diálogo quando uma mulher vítima de violência doméstica, dar voz a sua dor e o
seu direito de lamentar, mas também o de transformar esse cenário trágico em nova realidade,
restaurando o conflito, principalmente quando essa violência é de natureza familiar porque a
restauração possibilitará a reinserção da cidadania e da dignidade humana dessa vítima,
rompida pelo ciclo da violência.
O Poder Judiciário brasileiro tem metas e deve promover a justiça restaurativa na
resolução dos conflitos de violência doméstica sendo amparada por normas do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), justamente para possibilitar
a recomposição das famílias, a pacificação social, e atender aos interesses das maioria das
vítimas e que estão sendo negligenciados, principalmente quando envolve as crianças, todavia
são poucos os tribunais que implantam a técnica, sendo destaque o estado do Paraná, na cidade
de Ponta Grossa, com 341 mil habitantes, aplicada desde 2015 nas lides do Tribunal de Justiça
do Paraná́ (TJPR) com elevados índices de satisfação entre os envolvidos (IBDFAM, 2017)
Na violência doméstica, mais precisamente conjugal, por se constituir de
circunstancias próprias, a implantação de programas de intervenção com esses homens
agressores foi uma medida possível para o enfrentamento desse conflito e problema social; a
partir dessa participação e engajamento nos programas de intervenção, reeducação, reabilitação
ou responsabilização trouxe importantes informações a serem refletidas e propulsoras de
mudança de comportamento no sistema penal (ZORZELLA, CELMER, 2016).
Ainda conforme os autores Zorzella, Celmer (2016, p. 107):
Em 2003, a Organização Mundial de Saúde lançou o relatório Intervening with
Perpetrators of Intimate Partner Violence: a Global Perspective. De acordo com o
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relatório, avaliações de “programas de intervenção com agressores” estadunidenses e


ingleses apontam que, dos homens que completam os programas, 50% a 90%
permanecem não violentos por seis meses a três anos. No Juizado da Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher em Porto Alegre, os grupos reflexivos ocorrem
desde 2011, já́ contando com a participação de 120 homens e apresentando apenas um
caso de reincidência. Estes homens são encaminhados através de convite em audiência
(pelo Magistrado ou Promotor de Justiça), convite pela equipe multidisciplinar ou,
ainda, pela solicitação de uma das partes. São realizados 12 encontros, com intervalos
semanais, com 2 horas de duração, em que os participantes possuem o compromisso
de sigilo e o compromisso com a participação e respeito à opinião do outro. Nestes
encontros são tratados temas de gênero, violência, tipos de violência, como evitá-las.
Ademais, no 12° encontro há o encerramento do grupo, bem como uma avaliação do
grupo e percepção individual das dinâmicas grupais (informação pessoal). Em
pesquisa divulgada pelo Portal da violência contra a mulher (2009) de experiências
como a do Juizado Especial de Violência Doméstica contra a Mulher de São
Gonçalo/RJ, revelam que menos de 2% dos homens que praticaram violência contra
mulher e participaram do grupo de reflexão voltaram a agredir suas companheiras,
tendo já́ sido realizados 22 grupos na cidade, onde passaram 236 homens. Em São
Caetano, no ABC paulista, o grupo de reflexão que existe há dois anos e meio
registrou um único caso de reincidência. Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense,
os reincidentes são menos de 4%. No entanto, esta mesma publicação aponta que uma
pesquisa feita na Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
de São Luiz, no Maranhão, onde não há grupos para homens, revelou que 75% dos
agressores são reincidentes. E, ainda, que a taxa de reincidência criminal geral no país
é de 70%.

Estes dados apresentados por si só já são um norte importante para a tomada de


decisões e para a compreensão da pratica de justiça restaurativa em casos de violência
doméstica, sua eficácia e eficiência dentro do sistema penal brasileiro. Já um incentivo do CNJ,
por Protocolo de Cooperação, para aplicação da prática e difusão da Justiça Restaurativa em
casos de violência doméstica, e uma Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do
Poder Judiciário, prevista na Resolução n. 225/2016.
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3 DIFERENÇAS ENTRE JUSTIÇA PUNITIVA E JUSTIÇA RESTAURATIVA

No Sistema Penal há formas diferentes de abordar os conflitos de violência a


mulher, das quais destacamos as duas principais formas, seja a justiça punitiva ou retributiva e
a justiça restaurativa (DUARTE, 2006, p. 50 apud GOMES, 2007) sendo estas diferenças:
(a) Justiça retributiva (clássica): o crime é uma ofensa ao Estado; Justiça reparatória
(juizados): o crime é uma ofensa a um indivíduo e ao Estado; Justiça restaurativa: o
crime é uma ofensa sobretudo a um indivíduo.
(b) Justiça retributiva: ênfase em estabelecer a culpa do agente, em rever o passado
(cada um responde pelo que fez); Justiça reparatória: ênfase na reparação dos danos,
evitando-se a pena de prisão (não se discute sua culpabilidade); Justiça restaurativa:
ênfase em resolver o problema, olhar o futuro (o que deve ser feito?).
(c) Justiça retributiva: relação de oposição, processo conflitivo (espaço de conflito);
Justiça reparatória: relação de convergência, processo consensual (transação e espaço
de consenso); Justiça restaurativa: relação de diálogo, negociação, por meio da
mediação.
(d) Justiça retributiva: imposição de sofrimento para castigar e prevenir; Justiça
reparatória: reparação dos danos e imposição de penas alternativas; Justiça
restaurativa: reparação dos danos, reconciliação, solução efetiva do conflito,
restabelecimento da paz entre agressor e vítima.
(e) Justiça retributiva: processo com regras justas; Justiça reparatória: processo
consensuado, autonomia da vontade, não discussão da culpabilidade (nolo
contendere); Justiça restaurativa: processo de busca da reconciliação, relacionamento
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entre agressor e vítima, reconhecimento das expectativas de cada um e busca de


solução definitiva para o conflito.
(f) Justiça retributiva: omissão do aspecto interpessoal do crime; Justiça reparatória:
o crime é um conflito interpessoal e também uma ofensa ao Estado; Justiça
restaurativa: o crime é sobretudo um conflito interpessoal, que deve ser "solucionado"
pelas partes (e não só́ decidido).
(g) Justiça retributiva: a uma ofensa social responde-se com outra (ao mal do crime o
mal da pena; a pena é a negação do delito que é a negação da norma); Justiça
reparatória: a prioridade é a reparação dos danos e a pena só́ pode ser alternativa;
Justiça restaurativa: ênfase na reparação dos danos e, mais do que isso,
restabelecimento da paz (entre agressor e vítima).
(h) Justiça retributiva: a comunidade não intervém, sendo representada
(abstratamente) pelo Estado; Justiça reparatória: a comunidade não intervém, mas a
preocupação primeira do Estado é com a reparação dos danos (não com a imposição
da pena de prisão; de qualquer maneira ainda se exige uma pena alternativa); Justiça
restaurativa: a comunidade participa do processo restaurativo que é levado a cabo por
mediador (público ou privado).
(i) Justiça retributiva: encoraja os valores individuais, competitivos e conflitivos;
Justiça reparatória: encoraja os valores reparatórios e conciliatórios, assim como a
ressocialização por meio de penas alternativas; Justiça restaurativa: encoraja a
mutualidade, o conhecimento mais profundo das pessoas envolvidas no conflito, a
busca de uma solução definitiva para ele.
(j) Justiça retributiva: ação do Estado contra o agressor, ignorando a vítima e
mantendo o agressor numa posição passiva; Justiça reparatória: ação do Estado
visando à reparação dos danos e imposição de penas alternativas; reconhecimento da
vítima e desejo de uma postura ativa do agressor; Justiça restaurativa: envolvimento
da vítima e do agressor no processo de mediação, valorizando suas expectativas e
necessidades, os direitos da vítima e encorajando o agressor a assumir a
responsabilidade pelo fato.
(k) Justiça retributiva: responsabilização do agressor por meio da sujeição a uma pena;
Justiça reparatória: responsabilização do agressor por meio da reparação dos danos e
da imposição de penas alternativas; Justiça restaurativa: responsabilização do agressor
por meio do reconhecimento do impacto da sua conduta assim como pela ajuda em
decidir como repor a situação.
(l) Justiça retributiva: definição da ofensa em termos estritamente legais, sem atender
a valores morais e sociais, nem à dimensão econômica e política do conflito; Justiça
reparatória: entendimento da ofensa como ocasião para a reparação dos danos e
imposição de uma pena alternativa; Justiça restaurativa: entendimento da ofensa em
todo o seu contexto: moral, social, econômico e político.
(m) Justiça retributiva: o crime gera uma dívida para com o Estado e a comunidade
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em abstrato; Justiça reparatória: o crime gera uma dívida com a vítima e com o Estado;
Justiça restaurativa: o crime gera uma dívida sobretudo com a vítima, cujo statu quo
deve ser restabelecido tanto quanto possível.
(n) Justiça retributiva: resposta centrada no comportamento do agressor no passado;
Justiça reparatória: resposta centrada nos prejuízos gerados pelo delito; Justiça
restaurativa: resposta centrada em todos os efeitos danosos gerados pelo agressor
(materiais, morais, emocionais etc.).
(o) Justiça retributiva: estigma da irreparabilidade do crime; Justiça reparatória:
estigma da reparabilidade do crime por meio da reparação dos danos e penas
alternativas; Justiça restaurativa: estigma da reparabilidade do crime por meio da ação
restaurativa, levada a cabo pela mediação.
(p) Justiça retributiva: falta de encorajamento do arrependimento e do perdão; Justiça
reparatória: encorajamento à reparação dos danos e à ressocialização por meio das
penas alternativas; Justiça restaurativa: encorajamento ao arrependimento, ao perdão,
ao pedido de desculpas, ao restabelecimento da paz.
(q) Justiça retributiva: ausência de profissionais psicossociais para a decisão do caso;
Justiça reparatória: ausência de profissionais psicossociais para a decisão do caso
(decisão burocrática pelos agentes da Justiça); Justiça restaurativa: presença
obrigatória de mediador e, quando o caso, de outros profissionais psicossociais.
(r) Justiça retributiva: ignorância completa da vítima; Justiça reparatória:
favorecimento da vítima na reparação dos danos e sua ignorância completa no
momento da transação penal; Justiça restaurativa: protagonismo absoluto da vítima e
do agressor na solução do problema.
(s) Justiça retributiva: criminalização, prisionização; Justiça reparatória:
despenalização, desprisionização; Justiça restaurativa: desjudicialização,
despenalização, princípio da irrelevância penal do fato (dispensa da pena).

Em 2006, com a promulgação da Lei Maria da Penha, novos mecanismos legais e


institucionais para prevenir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher foram
criados, sendo marco importante no direito das mulheres brasileiras, proporcionando maior
efetividade no cuidado pelas vitima mulheres nesses delitos por meio de medidas protetivas
contra o agressor.
Segundo Zorzella, Celmer (2016) a legitimidade do sistema penal está
restritivamente no conjunto das agências que exercem o controle da criminalidade ou o controle
penal, a saber: a lei; a polícia; o Ministério Público; e o sistema penitenciário; e que há uma
crise instaurada no próprio modelo de Direito da modernidade, no monismo jurídico, ou seja, o
Direito Positivo estatal, se identifica como sendo a Lei e, se deposita nesta, a crença na solução
de todos os problemas sociais, assim os casos de violência entregues exclusivamente ao sistema
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punitivo seria a solução para a redução da criminalidade e estaria diretamente relacionada à


intensidade das penas impostas.
O processo penal, portanto, é uma ferramenta para satisfazer unicamente os
interesses punitivos do Estado, sem qualquer finalidade reparatória para a vítima em
contraponto o que ocorre na justiça restaurativa que prioriza a participação ativa desta mulher.
Gritti (2019) ainda comenta que para a antropóloga Milena Mateuzi, o caráter
punitivo não está implantado tão somente em práticas judicializadas, é cultural, e nós
construímos e é como nós agimos; nossos próprios corpos, inclusive, estão marcados por
punição: as formas com as quais sentimos e reagimos são punitivas; então é um processo
subjetivo, que inclusive o agressor, por vezes, nos casos de violência doméstica, age agredindo
mas também se consegue vê como a vitima, e a partir daí a justiça restaurativa quando propõe
a responsabilização do agressor, a reparação do dano e não somente a punição do culpado;
tornar-se-á mais efetiva.

4 CONCLUSÃO

O sistema punitivo vigente no Brasil, e o mais utilizado para casos de crimes de


violência doméstica, surgiu e se mantém predominantemente pelo anseio da sociedade em criar
leis e regras capazes de punir os culpados, criminosos, delinquentes frente a uma consequência
ao fato praticado, e que o inibisse de praticar novos atos semelhantes, ou seja, novos delitos; ou
seja, diante de uma punição severa, de privar a liberdade ou de seus direitos, o criminoso seria
forçado a rever e mudar suas condutas; mas o que as pesquisas demonstram é que essa punição
tem sido incapaz de gerar tal reabilitação nessas pessoas, os objetivos não são necessariamente
alcançados, e inclusive a proposta do sistema penal brasileiro de ter reabilitação e readaptação
ao meio social, se quer, são efetivamente implantados no sistema; portanto, vez que tal sistema
teve fundamentação primária teve sua gênese na própria sociedade, para que o sistema
restaurativo possa estender-se, consolidar-se e ser aplicado mais frequentemente nos casos de
crimes, em especial, aos de violência doméstica, perpassaria por maior conscientização,
aceitação e desejo da própria sociedade, como fora com o sistema punitivo. Ambos têm suas
vantagens e desvantagens e fins específicos, todavia se fossem usados concomitantemente
provavelmente teríamos maior grau de satisfação, resolutividade dos atos delitivos praticados
e em ação penal em curso, bem como poderia impactar nas reincidências desses agentes na vida
do crime. Hoje, a justiça restaurativa, sendo uma das medidas alternativas para conflitos
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domésticos e familiares, tem demonstrado maior eficácia e possibilidade de solucionar conflitos


que à prisão propriamente dita.
Portanto, aplicabilidade da Justiça Restaurativa e das práticas restaurativas no
sistema penal brasileiro vai para além do campo penal e infracional, sendo possível sua
aplicação no Judiciário desde o processo de conhecimento até a decisão judicial, ou mesmo
após a sentença, pois é ampla pois envolve vários âmbitos dos agentes envolvidos desde o
espaço comunitário, familiar, educacional e organizacional.
Não haveria nenhuma substituição da prestação jurisdicional do Estado, tampouco
fragilização da Justiça tradicional, nem semearia a ideia de impunidade ao criminoso, mas uma
nova forma de proporcionar o reconhecimento e a responsabilização desse agressor por seus
atos praticados com a participação ativa de ambos, vítima e agressor, no processo de construção
dessa reparação do dano causado. Com isto, conclui-se que a justiça restaurativa, desde que
bem estruturada, pode ser um instrumento útil no sistema judiciário brasileiro tanto para reduzir
a atuação punitiva e restritiva do sistema penal no Brasil, quanto para solucionar na gênese dos
atos delituosos bem como potencializar a democracia na gestão dos conflitos interpessoais entre
vítima, agressor e sociedade.
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REFERÊNCIAS

______. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Resolução no 225, de 31 de maio de 2016.


Dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e dá
outras providências. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/
resolucao/resolucao_225_31052016_02062016161414.pdf> Acesso em: 21 mar 2019.

BRASIL. Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera
o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11340.htm#art43> Acesso: 23 mar 2019.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e
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CNJ Conselho Nacional de Justiça (2017). Panorama da violência contra as mulheres no


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