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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR


VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO - VRPG
MESTRADO PROFISSIONAL EM DIREITO E GESTÃO DE CONFLITOS

O DIREITO À MORADIA EM MACEIÓ-AL:


FORMAS DE ATUAÇÃO ESTATAL E A MEDIAÇÃO COMO
PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA

Laila Martins de Carvalho Porto

Fortaleza-CE
Janeiro, 2018
LAILA MARTINS DE CARVALHO PORTO

O DIREITO À MORADIA EM MACEIÓ-AL:


FORMAS DE ATUAÇÃO ESTATAL E A MEDIAÇÃO COMO
PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA

Dissertação apresentada ao Curso


de Mestrado Profissional em
Direito e Gestão de Conflitos da
Universidade de Fortaleza como
requisito parcial para obtenção do
Título de Mestra em Direito e
Gestão de Conflitos

Área de Concentração: Direito e


Gestão de Conflitos.
Orientadora: Profa. Dra. Danielle
Maia Cruz.

Fortaleza-Ceará
2018
3

LAILA MARTINS DE CARVALHO PORTO

O DIREITO À MORADIA EM MACEIÓ-AL: FORMAS DE


ATUAÇÃO ESTATAL E A MEDIAÇÃO COMO PERSPECTIVA
DEMOCRÁTICA

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Dra. Danielle Maia Cruz
Universidade de Fortaleza - UNIFOR

________________________________________________
Dra. Cynara Monteiro Mariano
Universidade Federal do Ceará - UFC

________________________________________________
Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa
Universidade de Fortaleza - UNIFOR

Aprovada em: 04/01/2018


AGRADECIMENTOS

“Se fosse fácil, não seria mestrado”. Com as palavras da minha querida orientadora, a
Professora Danielle Maia Cruz, começo meus agradecimentos. Em meio aos percalços
inevitáveis da produção de uma dissertação de mestrado durante os primeiros meses da
maternidade, seus conselhos foram contribuições valiosas. Certamente, escrever uma
dissertação de mestrado seria ainda mais difícil sem as suas indicações bibliográficas, suas
correções e seus ensinamentos de pesquisa, orientações que teceram o amadurecimento
acadêmico de que eu necessitava para chegar até aqui.

Aos demais professores do Mestrado Profissional em Direito e Gestão de Conflitos da


UNIFOR, em especial aos professores Gustavo Feitosa e Rômulo Leitão, que colaboraram
com o desenvolvimento do presente trabalho não somente por ocasião da sessão de
qualificação, mas também em outras diversas oportunidades, nas quais sempre se mostraram
dispostos a ajudar. Agradeço também, em especial, a professora Lília Sales, que, durante todo
o mestrado, nos mostrou que é sim possível mudar a realidade em que vivemos, nos
inspirando a buscar, através dos nossos projetos, as transformações que, embora pontuais,
certamente contribuirão para um mundo melhor.

Aos amigos, a minha gratidão pelo carinho, estímulo e compreensão quanto à redução
da nossa convivência, provocada pelo meu necessário comprometimento com o
desenvolvimento da presente pesquisa. Devo sinceros agradecimentos à minha amada amiga
Raissa, doutoranda em Direito, pelas inúmeras contribuições e discussões sobre o meu tema, e
também por dividir, sempre de forma divertida, as experiências de seu mestrado. Aos colegas
de mestrado, o meu muito obrigada pelos sempre agradáveis encontros mensais e também
pelo carinhoso acolhimento na cidade de Fortaleza.

Por fim, agradeço a todos da minha família: meu norte, minha referência e minha
inspiração. Ao meu esposo, Kaymi, meu Porto seguro e companheiro de todas as horas,
agradeço o incentivo, a admiração, o carinho e o amor, que certamente tornaram mais amena
essa jornada. À minha filha, Beatriz, meu amor maior, o meu muito obrigada por existir em
minha vida, me inspirando e me fazendo alguém melhor, todos os dias.

À minha mãe, Heloisa, meu eterno exemplo de força, coragem e determinação, não só
dirijo o meu maior agradecimento, como também dedico este trabalho.
“Por vezes sentimos que aquilo que fazemos
não é senão uma gota de água no mar. Mas o
mar seria menor se lhe faltasse uma gota”.
(Madre Teresa de Calcutá)
RESUMO

O presente trabalho tem como tema o direito à moradia e as formas de atuação do Estado na
cidade de Maceió, objetivando, ainda, propor uma intervenção no referido município com fins
de aprimoramento das políticas públicas na seara habitacional, através da melhoria de
instrumentos participativos. Pretende-se demonstrar que a utilização da mediação, enquanto
mecanismo de reforço à participação popular na revisão e execução do Plano Diretor
Municipal, pode suprir a deficiência na participação social verificada nas audiências públicas,
de forma a auxiliar na devida inserção, no referido plano, de medidas que visem garantir o
direito à uma moradia adequada, sobretudo para a população mais carente. Para tanto, é
abordado o conceito de moradia adequada enquanto direito humano fundamental e a premente
necessidade de se promover tal direito a partir das necessidades concretas, sobretudo no que
se refere às classes sociais mais vulneráveis, não raro privadas dos bens mais básicos e
essenciais à uma vida digna. Por fim, propõe-se intervenção na realidade de Maceió, através
da realização de mediações e do fomento da participação social, dentro da logística de revisão
do plano diretor, como instrumento de promoção da moradia, tornando mais justa, legítima e
humana a atuação da administração municipal nesse aspecto.
Palavras-chave: Direito a moradia. Políticas públicas habitacionais. Participação popular.
Mediação. Democratização da atuação estatal.
ABSTRACT

The theme of the present dissertation is the right to dwelling and the ways that the state can
approach such issue in the city of Maceió, in order to propose an interference in this county
that improves the public policies about the referred subject. By this research, it is intended to
demonstrate that the use of mediation, as a mechanism of reinforcement of popular
participation in the review and enforcement of the "Plano Diretor Municipal", may correct the
deficit of social participation that is verified at public hearings, so as to introduct improved
measures that guarantee the right to adequate housing, especially for the most underprivileged
population. The concept of adequate housing as a fundamental human right and the urgent
need to promote this right will be approached from the concrete needs, especially with regard
to the most vulnerable social classes, often deprived of the most basic and essential goods. a
dignified life. Finally, an intervention in the reality of Maceió will be proposed, through
mediations and encouragement of popular participation, within the logistics of revising the
Plano Diretor Municipal, as a tool to promote housing, which will make the municipal
administration's action in this aspect more just, legitimate and humane.
Keywords: Right to housing. Housing public policy. Popular participation. Mediation.
Democratization of state performance.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AMB Associação dos Magistrados Brasileiros


BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH Banco Nacional de Habitação
CAP Caixa de Aposentadoria e Pensão

CNJ Conselho Nacional de Justiça


CPC Novo Código de Processo Civil
FCP Fundação Casa Popular
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
IAP Instituto de Aposentadoria e Pensão

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ONU Organização das Nações Unidas
PGM Procuradora Geral do Município
PLHIS Plano Local de Habitação de Interesse Social

PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida


PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SEDET Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente
SNH Secretaria Nacional de Habitação
SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
UFC Universidade Federal do Ceará

UNIFOR Universidade de Fortaleza


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 10

2 A ATUAÇÃO ESTATAL RELATIVA AO DIREITO À MORADIA ....................................... 13

2.1 Panoramas do direito à moradia no Brasil: espaço territorial, desigualdades e políticas


habitacionais ....................................................................................................................13

2.2 A realidade Maceioense ....................................................................................................28

3 DIREITO A MORADIA: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E EFETIVAÇÃO ................ 35

3.1 Conceito de moradia..........................................................................................................36

3.2 A moradia enquanto direto humano fundamental e seu caráter prestacional ........................39

3.3 O papel do município na efetividade do direito à moradia à luz do Estatuto da Cidade e seus
instrumentos de participação popular ..................................................................................47

4 A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DA DEMOCRACIA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A


EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA .................................................. 59

4.1 Mediação: breves contornos conceituais ............................................................................59

4.2 Mediação, empoderamento e participação social ................................................................66

4.3 A mediação no âmbito da Administração Pública como instrumento de efetivação da


participação popular na gestão pública e sua contribuição na concretização do direito à
moradia ............................................................................................................................72

4.4 Proposta de Intervenção ....................................................................................................82

4.4.1 Público-alvo ............................................................................................... 83

4.4.2 Justificativa da Proposta de Intervenção ..................................................... 83

4.4.3 Estratégias de ação ..................................................................................... 84

4.4.4 Recursos .................................................................................................... 85

4.4.5 Cronograma do projeto de intervenção ....................................................... 86

5 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 87

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 91

ANEXOS.......................................................................................................................................100
1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema o direito à moradia e as formas de atuação do


Estado na cidade de Maceió. O objetivo geral é propor uma intervenção no município
supracitado com fins de aprimoramento das políticas públicas na seara habitacional, através
da melhoria de instrumentos participativos. De forma pontual, a proposta é apresentar, no
âmbito da administração pública municipal, especificamente por ocasião da revisão do pleno
diretor, a realização da mediação como instrumento de fomento e de efetivação da
participação popular, a fim de contribuir com a gestão de políticas públicas que possibilitem
garantias ao direito à moradia entre aqueles que historicamente vem ocupando assentamentos
precários1 no município. Dessa perspectiva, o foco da proposta se centra nas formas de
concretização do direito à moradia, dirigindo-se especialmente à democratização,
aprimoramento e legitimação das políticas públicas na seara habitacional de Maceió.

O fenômeno das ocupações irregulares no Brasil toma corpo no país desde o período
colonial. Segundo Silva2, a colônia já apresentava configuração espacial marcada pela
desigualdade. Com efeito, enquanto o sistema de capitanias hereditárias, característico do
Brasil-Colônia, determinava a distribuição de grandes faixas territoriais entre fidalgos da
pequena nobreza e funcionários da monarquia, aos escravos e aos trabalhadores livres, restava
abrigar-se, respectivamente, nas senzalas e em residências com parca infraestrutura. É que
desde então, conforme aponta a pesquisa bibliográfica, de uma forma geral, os governos
federais estiveram voltados aos interesses da elite econômica, em detrimento daqueles com

1
Segundo documento da Prefeitura Municipal de Maceió (PMM), mantido em acervo da Secretaria de
Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (SEDET), consideram-se assentamentos precários, também
conhecidos como assentamentos subnormais, os assentamentos habitacionais irregulares, favelas, mocambos,
palafitas. São constituídos de moradias, em geral precárias, construídas em terreno de propriedade alheia,
pública ou particular, ocupados de forma desordenada e densa, carentes de serviços públicos essenciais, e
situados, inclusive, em áreas de risco ou legalmente protegidas.
2
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Conquista e colonização da América Portuguesa: o Brasil Colônia
1500/1750. In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História geral do Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
1990.
11

menor renda. Nas palavras de Betinho3, “essa exclusão tem raízes seculares. De um lado,
senhores, proprietários, doutores. De outro, índios, escravos, trabalhadores, pobres.”

Disso resulta que as classes menos favorecidas, não raro, se veem obrigadas a viver em
assentamentos informais, que carecem, em graus variados, de saneamento e de acesso à água
potável, além de coviverem com os problemas advindos da superlotação e das estruturas
improvisadas. No município de Maceió, segundo documento intitulado “Sistematização dos
Indicadores Sociais do Plano Local De Habitação de Interesse Social (PLHIS) de Maceió”,
existem duzentos e sessenta e três (263) localidades habitadas por população vulnerável.

Como desdobramentos desse fenômeno na atualidade, várias questões podem ser


pensadas. Contudo, o presente trabalho volta o olhar para a participação popular nesse
contexto. Isto porque a literatura e os dados empíricos apontam que historicamente o Estado
vem atuando de forma tecnocrática, tomando decisões dentro dos seus gabinetes, sem
oportunizar à população a participação efetiva, ora garantida pela Constituição Federal de
1988, o que acaba por manter o modelo concentrador de riquezas praticado desde o periodo
colonial, o que se reflete na atual configuração espacial da cidade, extratificada e desigual.
Ilustram tal realidade os dados divulgados em 2015 pela Fundação João Pinheiro, o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea). Segundo a pesquisa, o bairro da Ponta Verde, por exemplo, teria um IDH de
0,956, índice acima da Noruega. Já a região dos Vales do Benedito (baixadas localizadas entre
Benedito Bentes e a Serraria, como Carminha, Princesa e Alto da Alegria) teria um IDH de
0,522, índice equivalente ao IDH de Angola (imagens dos bairros da Ponta Verde e do Alto
da Alegria em anexo).4

De fato, a condução política do Estado brasileiro, de uma forma geral, sempre pautou
suas decisões de modo a atender interesses econômicos, ainda naqueles momentos em que,
aparentemente, se buscava atender a determinados clamores sociais. Exemplo disso se verifica
durante o segundo governo de Getúlio Vargas, em que a criação de programas habitacionais
compunha, em verdade, uma estratégia de desenvolvimento do país através da indústria, a

3
BETINHO, Hebert de Souza. O Pão Nosso. In: SOUZA, Hebert; RODRIGUES, Carla. Ética e cidadania. São
Paulo: Moderna, 1994, p. 30.
4
Dados disponíveis em: <http://www.agendaa.com.br/negocios/economia/3979/2015/07/02/ponta-verde-e-
noruega-e-grotas-do-benedito-angola-no-ndice-de-desenvolvimento-humano> Acesso em: 17 jul. 2017.
12

qual demandava a necessária redução do custo da mão-de-obra, fortemente influenciada pelo


preço dos alugueis.5

Diante desse quadro, o presente trabalho, com abordagem qualitativa e tendo como base
pesquisa bibliográfica e documental, visa compreender os processos que instauraram as
ocupações irregulares em Maceió, além das formas de atuação do Estado nesses conflitos e
dinâmicas, tendo como objetivo central propor uma medida de intervenção que garanta o
direito à moradia de um segmento da população maceioense.

Do ponto de vista teórico, os conceitos centrais que orientam o trabalho são o direito à
moradia, participação popular e a mediação como método alternativo de resolução de conflito
apto a contribuir para democratização da gestão urbana e habitacional e, consequentemente,
na efetivação do direito fundamental à moradia adequada.

Para melhor compreensão, o texto da dissertação estará organizado em três capítulos.


No primeiro capítulo, pretende-se analisar a forma como o Estado brasileiro, a partir da
elaboração e implementação de políticas públicas, atuou, no decorrer da história, em relação
ao direito à moradia.

Considerando que o objeto de estudo se configura no âmbito do Direito, o segundo


capitulo, serão abordados o direito à moradia e o seu enquadramento enquanto direito humano
fundamental, trazendo-se, ainda, a discussão acerca do papel do município da concretização
do direito à moradia, à luz do Estatuto da Cidade e dos instrumentos de participação popular
nele previstos.

Tendo em vista a proposta de intervenção, no terceiro capítulo, será discutida a inserção


dos métodos alternativos de resolução de conflitos na administração pública e de que forma a
mediação, enquanto instrumento de incentivo à participação popular, pode auxiliar no
aprimoramento e na legitimação das políticas públicas habitacionais. Ao final do capítulo,
será explanada a proposta de intervenção.

5
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil - Arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e difusão
da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, FAPESP, 1998.
2 A ATUAÇÃO ESTATAL RELATIVA AO DIREITO À
MORADIA

A análise da concretude do direito constitucional à moradia, quando dirigida


especificamente a propor o aprimoramento da atuação estatal, demanda, necessariamente, a
investigação histórica da política urbana, em níveis nacional e local, e sua contribuição para o
quadro habitacional hodierno.

Consoante sinaliza a literatura, a política brasileira, após um longo período de flagrante


omissão verificado pelo menos até o início do período republicano, manteve caráter
centralizador e tecnocrático na formulação das políticas públicas habitacionais, quadro
somente amenizado por ocasião da redemocratização do país. Não bastasse isso, a pesquisa
bibliográfica aponta que, de uma forma geral, os governos federais estiveram voltados aos
interesses da elite econômica, em detrimento daqueles com menor renda, circunstância
também verificada na cidade de Maceió.

2.1 Panoramas do direito à moradia no Brasil: espaço territorial,


desigualdades e políticas habitacionais

O processo de apropriação do território brasileiro fora marcado, desde o período


colonial (1500-1822), por flagrantes desigualdades. Prova disso é que, já àquela época, a
configuração espacial do Brasil fora determinada pela distribuição de “imensos tratos de
terra” aos então intitulados donatários, classe basicamente representada por “fidalgos da
pequena nobreza [...] e funcionários da burocracia monárquica”1, sistema que ficou conhecido
como Capitanias Hereditárias. Note-se que, naquele contexto, somente colonos católicos, e
com dinheiro para adquirir escravos africanos2, poderiam ser agraciados com tal benefício.

1
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Conquista e colonização da América Portuguesa: o Brasil Colônia
1500/1750. In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História geral do Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
1990, p.30.
2 ALENCAR, Chico; CECCON, Claudius; RIBEIRO, Marcus Venicio. Brasil vivo: uma nova história da nossa
gente. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 1996, p.29.
14

Nas capitanias, subdivididas em sesmarias3, não havia espaço para aqueles que não fossem
católicos e brancos.

Àqueles submetidos à condição de escravos, restava abrigar-se nas senzalas,


assentamentos (não) humanos que contrastavam com as Casas Grandes, numa disparidade
estrutural que já era característica dos Engenhos de Açúcar4. Já os trabalhadores livres, que
geralmente eram brancos ou mulatos, ocupavam pequenas residências simples que serviam de
moradia para os empregados do engenho que não eram escravos, à exemplo dos capatazes,
operadores das máquinas do engenho e outros funcionários especializados.

Segundo aponta Carvalho5, os escravos não eram cidadãos, sequer tinham direitos civis
básicos à liberdade, integridade física e mesmo à própria vida, eram considerados propriedade
do senhor. Já aos pobres faltavam quase todas as condições para o exercício dos direitos civis,
sobretudo a educação6. Em verdade, apenas os grandes proprietários de terra possuíam
influencia na condução política do Estado, inclusive

Muitas causas tinham que ser decididas em Lisboa, consumindo tempo e recursos fora
do alcance da maioria da população. O cidadão comum ou recorria à proteção dos
grandes proprietários, ou ficava à mercê do arbítrio dos mais fortes. Mulheres e
escravos estavam sob a jurisdição privada dos senhores, não tinham acesso à justiça
para se defenderem. Aos escravos só restava o recurso da fuga e da formação de
quilombos.

O período imperial (1822-1889) não trouxe inovações no que se refere ao quadro social
vivenciado na colônia, não havendo, outrossim, qualquer mudança significativa na divisão
espacial do território brasileiro. Em verdade, o surgimento do então Estado brasileiro apenas
ratificou a política segregacionista praticada no período colonial. Como ressalta Santos:

é inegável que o processo de separação política da antiga metrópole ocorreu sem que
tivessem sido abalados os alicerces que sustentavam o edifício social, já que
subsistiam a escravatura, a estrutura da grande propriedade territorial, a

3 Os donatários eram incumbidos do povoamento e da arrecadação de impostos sobre as riquezas produzidas, e


também de doar grandes lotes de terras aos colonos, as chamadas Sesmarias.
4 Na História do Brasil, a fase açucareira, situada entre os séculos XVII e XVIII, corresponde ao período em que
a produção e exportação do açúcar foram as principais atividades econômicas. Tinha como uma de suas
características marcantes o uso predominante de mão-de-obra escrava de origem africana. Havia também
trabalhadores livres remunerados nos engenhos, mas em menor quantidade.
5 CARVALHO, Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006.
6
A educação ofertada no Brasil durante a colonização, inicialmente, era promovida pelos jesuítas, e restringia-se
a alguns filhos de colonos e aos índios aldeados. Com a reforma implementada pelo Marques de Pombal, em
1759, foram criadas as chamadas Aulas Régias, ministradas por professores nomeados pelo governo, as quais
possuíam abrangência igualmente restrita.
15

desigualdades na apropriação do poder político, as diferenças culturais e a rígida


hierarquia social. 7

Nem mesmo o fim da escravidão trouxe avanços nas estratificações social e espacial
brasileiras. Diversamente, o fim do regime escravocrata serviu ao aprofundamento das
desigualdades, já outrora gritantes. Aos escravos então libertos, aos quais não foi direcionada
qualquer política de inserção social, restava continuar a viver nas senzalas, em condição
semelhante à escravidão de que haviam se libertado, migrar para favelas, ou viver vagando
pelas ruas, como mendicantes.8

Já durante a república, a questão urbana somente passou a preocupar as autoridades


brasileiras, mais precisamente em fins do século XIX e início do XX, quando do crescimento
da industrialização e da consequente concentração de um grande contingente de trabalhadores
nos centros urbanos, geralmente alojados em situações precárias.

Conforme aponta a doutrina, esse processo de urbanização, verificado primeiramente nas


regiões mais desenvolvidas, como os centros industriais do Centro-Sul do país, expandiu-se
posteriormente por todo o território nacional, agravando as deficiências de infraestrutura urbana,
com consequente aumento de problemas de moradia, poluição e, consequentemente, de saúde.

Em São Paulo, por exemplo, até o ano de 1920, predominava a moradia nos centros
comerciais e ao redor das fabricas, em habitações alugadas, a maioria delas em cortiços, única
alternativa viável à maioria dos trabalhadores, geralmente mal remunerados. O crescimento
populacional consequentemente agravou as condições sanitárias, de forma que os cortiços
passaram a ser vistos como focos de doença e tidos como lugares de desordem.

Segundo Gouvêa9, a imagem dessas formas de habitação seria menos incômoda se


estivesse longe dos bairros ricos onde vivia a população com maior renda, cujas habitações
em nada se assemelhavam com as das classes menos favorecidas. Contudo, a proximidade
entre tais discrepantes formas de moradia, aliada à ausência de um sistema de saneamento
minimamente eficaz, passaram a representar uma ameaça de infecções e epidemias às quais
estava sujeita toda a população urbana.

7
SANTOS, Estilaque Ferreira dos. A Monarquia no Brasil: o pensamento político da independência. Vitória:
Edufes, 1999, p. 11.
8
NASCIMENTO, Elisa Larkin. O sortilégio da cor: identidade, raça e gênero no Brasil. São Paulo: Summus,
2003, p. 124.
9
GOUVÊA, Luiz Alberto de Campos. Brasília: a capital da segregação e do controle social – uma avaliação da
ação governamental na área da habitação. São Paulo: Annablume, 1995, p. 34.
16

É nesse contexto que, conforme narra Silva10, começam a surgir algumas intervenções
estatais na seara habitacional. Como exemplo, cita o Código de Posturas do Município de São
Paulo, decretado em 1886, o qual proibia terminantemente a construção de cortiços. Além
disso, o normativo determinava que as vilas operárias se estabelecessem fora da aglomeração
urbana. Aponta a autora que, no Distrito Federal, a situação era semelhante, tendo o Conselho
de Saúde, inclusive, recomendado a remoção dos moradores para os arredores da cidade.
Igualmente, no Rio de Janeiro, houve demolição de inúmeros cortiços, sem que houvesse
qualquer política de substituição dessas moradias, resultando na elevação dos alugueis e
consequente expansão das favelas.

É de se notar, assim, que as ações estatais dirigidas à problemática então recentemente


identificada tinham um viés mais sanitarista, do que propriamente social-inclusivo. É dizer, a
grande preocupação advinda de tais aglomerados urbanos inadequados, em verdade, limitava-
se ao risco de proliferação de doenças que pudessem ameaçar a saúde pública.11

Fica evidente, assim, que o Estado se mantinha omisso em relação à oferta de moradias,
a qual até então era promovida tão somente pela iniciativa privada, através da construção e da
aquisição de casas para alugar.12 Contudo, esse modelo habitacional acabou por entrar em
colapso, em virtude não só das medidas dirigidas à extirpação dos cortiços, mas também do
crescente desestímulo à construção de casas para aluguel, por sua vez provocado pelo
processo inflacionário verificado na década de 1930, posteriormente agravado pelo
congelamento dos alugueis imposto pela Lei do Inquilinato, em 1942.13 Nesse contexto, se
observa a incapacidade da iniciativa privada para atender à crescente demanda habitacional,
tornando necessária, portanto, a intervenção estatal. Entretanto, a habitação social somente
passa a ser objeto de ações estatais mais significativas a partir do Estado-Novo, segundo
momento do governo de Getúlio Vargas.

Segundo Bonduki14, a moradia passava a ser vista como condição básica de reprodução
da força de trabalho, ou seja, como fator econômico na estratégia de industrialização do país.
Não bastasse isso, o crescimento da massa popular urbana criou a necessidade de impulsionar
uma política dirigida aos trabalhadores. Em verdade, essa intervenção então iniciada fazia

10
SILVA, Maria Ozanira Silva e. Política habitacional brasileira: verso e reverso. São Paulo: Cortez, 1989, p. 35.
11
BONDUKI, Nabil. Habitat São Paulo. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
12
A produção da moradia neste período era uma atividade exercida pela iniciativa privada, objetivando
basicamente a obtenção de rendimentos pelo investimento na construção ou aquisição de casas de aluguel.
13
SILVA, Maria Ozanira Silva e. Política habitacional brasileira: verso e reverso. São Paulo: Cortez, 1989.
14
BONDUKI, Nabil. Habitat São Paulo. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
17

parte de uma estratégia de crescimento econômico baseado na indústria, que precisava reduzir
o custo da mão-de-obra, fortemente influenciado pelo custo da moradia.

Tal estratégia fazia parte de um modelo de desenvolvimento econômico adotado no pós-


guerra, que buscava a industrialização do país, livrando-o de sua dependência histórica em relação
aos países centrais. Segundo Mattei15, nesse período, que ficou conhecido como “nacional-
desenvolvimentismo”, havia grande incentivo do Estado, que disponibilizava toda a rede de
infraestrutura básica, viabilizava os financiamentos necessários ao processo de industrialização,
além de efetivamente participar como produtor industrial em alguns ramos de atividade,
sobretudo naqueles que possuíam riscos e quantidade de recursos elevados. Não bastasse isso, o
fim da política do café-com-leite16 impôs o necessário aumento da base de sustentação política do
governo, que passou a abranger novos setores sociais, dentre eles, as massas populares urbanas.

Para Carvalho17, a referida política, baseada no coronelismo, não era apenas um obstáculo
ao livre exercício dos direitos políticos, ela impedia a participação política porque antes negava
os direitos civis, porquanto nas fazendas imperava a lei do coronel, criada e executada por ele.
Observe-se que o Estado brasileiro, antes atento apenas aos interesses de uma elite agrária,
passa a conceber políticas dirigidas à classe operária, categoria que passava a ter voz e ascendia
numericamente na mesma medida em que crescia a industrialização no país.

Neste particular, Bonduki18 ressalta que, a partir da revolução de 1930, o governo


passou a enxergar a necessidade de impulsionar uma política dirigida aos trabalhadores, com
o objetivo de firmar um compromisso com as massas e também compor uma estratégia de
desenvolvimento econômico baseado na indústria. É que, como a moradia sempre representou
um grande ônus, já que aluguel consumia boa parte de salário dos trabalhadores, a criação de
programas de produção de moradias e de políticas de proteção ao inquilinato atuava em duas
frentes: viabilizava uma maior acumulação de capital no setor urbano, através da redução do
custo de reprodução da força de trabalho; e mostrava um governo preocupado com as
condições de vida da população menos favorecida.

15
MATTEI, Lauro. Desenvolvimento brasileiro no início do século XXI: Crescimento econômico, distribuição de
renda e destruição ambiental. Disponível em: <https://br.boell.org/sites/default/files/downloads/lauro_mattei.pdf>.
Acesso em: 17 jul. 2017.
16
A referida política impedia a efetiva participação política, uma vez que predominava o chamado “voto do
cabresto”, sistema no qual os coronéis, através de seu poder econômico, obrigavam os eleitores a votarem nos
candidatos por eles indicados.
17
CARVALHO, Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006.
18
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
18

Entretanto, importa ressalvar que o se aponta como marco da intervenção estatal no


campo habitacional, em verdade, sucedeu ao surgimento das primeiras entidades
previdenciárias no Brasil. É que, inicialmente, tais associações eram dirigidas pelos próprios
trabalhadores, funcionavam sem qualquer ingerência dos empregadores ou do Estado.
Contudo, segundo Bonduki19, o volume de recursos arrecadados por tais entidades chamou a
atenção do governo que, sob o pretexto de proteger os trabalhadores, passou a intervir no
setor. Assim, com a Lei Elói Chaves (Decreto 4.682/1923), surgiram então as primeiras
entidades de previdência organizadas sob a proteção do Estado, as chamadas CAPs (Caixas de
Aposentadoria e Pensões), cuja estrutura de arrecadação era composta pelos trabalhadores,
empregadores e o Estado. Através dessas entidades, abriu-se a possibilidade de utilização de
parte dos recursos das entidades de previdência em programas habitacionais, o que se fez
mediante o Decreto n. 19.496/1930.

Mais adiante, em substituição às CAPs (Caixas de Aposentadoria e Pensões), foram


criados os IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões), os quais eram geridos
predominantemente pelo Estado, e congregavam não mais somente trabalhadores de
empresas, mas categorias profissionais inteiras, além de possuir contribuição obrigatória.
Sobre o tema, pontua Silva:

Significa que o Estado pela primeira vez assume a responsabilidade pela oferta de
habitações a segmentos da população urbana. Todavia, era um atendimento restrito
aos associados dos institutos de previdência, pautando-se por uma atuação
fragmentária e pouco relevante quantitativamente.20

Sobre isso, Couto21 explica que as medidas até então implementadas possuíam traços
paternalistas, e estavam baseadas na legislação trabalhista ofertada e numa estrutura
burocrática e corporativa, criando um aparato institucional e estimulando o corporativismo na
classe trabalhadora. Acrescenta a autora, ainda, que tais políticas sociais eram marcadas por
traços de autoritarismo e centralização técnico-burocrático, uma vez que emanavam do poder
central e sustentavam-se em medidas autoritárias.

Como se vê, a referida intervenção deixava de abarcar a maior parte da população.


Noutro dizer, àqueles não abrangidos pelo sistema de previdência, e, portanto, sem acesso as
formas tradicionais de moradia, restava a alternativa da autoconstrução, em geral edificada em

19
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
20
SILVA, Maria Ozanira Silva e. Política habitacional brasileira: verso e reverso. São Paulo: Cortez, 1989, p. 38.
21
COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação
possível? 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
19

alojamentos precários e carentes de qualquer infraestrutura urbana, como favelas ou


loteamentos periféricos.

Mais adiante, no governo Dutra, destaca-se a criação Fundação Casa Popular (FCP),
através do Decreto-Lei 9.218 de 1946, primeiro órgão em âmbito nacional destinado a prover
habitações, através da sua aquisição ou construção, à população de baixa renda. Contudo,
segundo destacam Azevedo e Andrade22, a atuação da FCP teve uma atuação limitada,
pulverizada. Pautava-se no clientelismo na decisão de onde construir, bem como na seleção e
classificação dos candidatos. Apresentava-se, ainda, autoritária na administração dos
conjuntos, chegando a interferir no comportamento dos moradores, transmudando-se em
verdadeiro instrumento de controle social. Com efeito, tinham preferência os candidatos que
trabalhassem em atividades particulares, os funcionários públicos e aqueles que, nas zonas
rurais, trabalhassem no cultivo de produtos essenciais à alimentação popular.

Ainda segundo os autores, atribuiu-se à FCP tarefa desproporcional à sua estrutura. De


fato, do estatuto da fundação, divulgado pela Portaria 108-A, também em 1946, verifica-se a
cumulação de competências que iam desde a concepção de projetos de habitações populares,
passando pelo financiamento de suas construções ou aquisições, até o financiamento de
indústrias de materiais de construção e mesmo a execução direta de obras projetadas, se assim
fosse necessário. Neste mesmo sentido, Bonduki23 afirma que os objetivos da Fundação Casa
Popular, que julgou quase megalomaníacos, não foram alcançados ante a fragilidade do
projeto, à carência de recursos, à falta de articulação com outros correlatos e, sobretudo, dada
a ausência de ação coordenada para enfrentar de modo global o problema habitacional.
Contudo, ressalta que o referido insucesso:

não obscurece o fato de que sua criação, como o primeiro órgão nacional destinado
exclusivamente à provisão de moradias para a população de baixa renda, representou o
reconhecimento de que o Estado brasileiro tinha obrigação de enfrentar, através de uma
intervenção direta, o grave problema da falta de moradias.

De fato, a atuação da FCP revelou-se insuficiente ante a crescente demanda por


moradias. Aragão24 registra que, nos dezoito anos da Fundação (1946-1964), foram
construídas apenas “17 mil unidades, em 143 conjuntos distribuídos por 19 Estados e o
Distrito Federal.”. Afirma que a maior concentração se deu em apenas quatro Estados: Rio de

22
AZEVEDO, Sérgio de; ANDRADE, Luís Aureliano Gama. Habitação e poder: da Fundação Casa Popular ao
Banco Nacional de Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 30.
23
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 2000, p. 718.
24
ARAGÃO. José Maria. Sistema Financeiro de Habitação – uma análise sócio-jurídica da gênese,
desenvolvimento e crise do sistema. Curitiba: Juruá, 1999, p. 62.
20

Janeiro, incluído o então Distrito Federal (25,6%); Minas Gerais (25%); São Paulo (17,4%); e
Brasília (9%). Acrescenta que, no Nordeste e no Sul, os percentuais foram de 13,6% e 5,6%,
respectivamente, e que a Região Norte sequer chegou a receber qualquer investimento.

Dos governos que se seguiram, é da breve permanência no poder de Jânio Quadros (de
31 de janeiro à 25 de agosto de 1961) que se pode ressaltar uma relevante tentativa de
modificação da política habitacional brasileira, intitulada Plano de Assistência Habitacional.
O referido projeto contemplava medidas de curto prazo, como a construção de 100 mil novas
moradias em 18 meses, e de prazo mais diferido, como a transformação da FCP no Instituto
Brasileiro de Habitação. Contudo, conforme pondera Silva25 a referida política habitacional
tinha caráter excludente, uma vez que estabelecia critérios de acesso à casa própria, como
tempo de residência na cidade, estabilidade no emprego e capacidade de trabalho. A despeito
disso, afirma que o plano então elaborado inovava. Estabelecia percentuais limites para as
prestações dos financiamentos, relativamente ao salário mínimo. Com isso, pretendia-se
dirimir o problema da defasagem no valor dos ativos financeiros, provocado pelo
estabelecimento de parcelas fixas, cujos valores acabavam sendo corroídos pela crescente
inflação da época. Todavia, a efetivação de tais propostas somente se mostrou viabilizada
através da criação do BNH, ocorrida já durante os governos militares.

Com efeito, datam do período militar a implementação do Sistema Financeiro de


Habitação e a criação do Banco Nacional de Habitação, ambos instituídos pela Lei
4.380/196426, sendo o primeiro, então responsável por toda a política de habitação brasileira,
orientado, disciplinado e controlado pelo segundo. Conforme esclarece Silva27, essa primeira
grande proposta de cunho habitacional, engendrada no governo de Castelo Branco, além de
perquirir atenuar a crise econômica, com a geração de empregos e fomento à construção civil
e indústrias de materiais de construção, buscava a legitimação social do governo, que
pretendia mostrar-se receptivo às necessidades do povo.

Contudo, em verdade, consoante afirma Couto28, os governos militares não se baseavam


numa cultura de direitos. Ao contrário, reforçavam o critério do mérito, praticando uma
política centralizadora e autoritária que excluía do sistema de proteção social a participação

25
SILVA, Maria Ozanira Silva e. Política habitacional brasileira: verso e reverso. São Paulo: Cortez, 1989, p. 45.
26
Texto legal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4380.htm>. Acesso em: 17 fev.
2017
27
SILVA, Maria Ozanira Silva e, ob. cit., 1989.
28
COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação
possível? 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
21

popular.29 Nessa linha, a habitação passa a ser o centro da política urbana, tendo as favelas
sido alvo de atuações nessa seara, sobretudo no Rio de Janeiro, em que tais ocupações eram
agora vistas não só como obstruções a construção de parques industriais e de residências para
as classes alta e média, mas também como focos de resistência, de expressão política e de
subversão perigosa, uma ameaça ao regime então estabelecido.30

Embora essa política de “desfavelamento” tenha beneficiado, em certa medida, o


mercado popular, que teve 40,7% das habitações financiadas pelo BNH entre 1964 e 1969,
acabou por resultar na primeira crise do Sistema Financeiro Habitacional, provocada por
elevados índices de inadimplência. Basta verificar que, em dezembro de 1974, 93% dos
mutuários se encontravam inadimplentes.31 É que o programa se mostrava inadequado às
faixas populacionais de baixa renda, seja pelo valor das prestações ou mesmo pelos custos
adicionais com transporte (havia grande distância entre os conjuntos construídos e o mercado
de trabalho dos mutuários), condomínio, imposto predial, taxas de lixo, água, luz e esgoto. 32

Nesse contexto de inadimplência, o BNH voltou sua atenção para medidas que passassem
a permitir o retorno do capital empregado e lucratividade, tendo o mercado popular, a partir de
1970, perdido espaço para a classe média. No período de 1970 à 1974, foram construídas
404.123 unidades habitacionais para o mercado médio, 157.748, para o econômico, e apenas
76.746 para o mercado popular.33 Sobre tal distorção, em 1989, Silva pondera:

a clientela do mercado popular é substancialmente maior [...] cerca de 80% da


população brasileira só ganha até três salários mínimos e metade tem renda inferior
à dois salários mínimos. Não seria, portanto, exagero afirmar-se que cerca de um
terço da população é totalmente excluída da PHB, por se situar, provavelmente,
entre os que ganham menos que o salário mínimo, isso sem considerar ainda o
grande contingente populacional desempregado ou com trabalho irregular. 34

29
Segundo aponta a literatura, o período militar tinha como marca a repressão da luta dos trabalhadores,
mediante arrocho salarial, implantação da censura, proibição de greves, perseguição, tortura, prisão e morte de
lideranças ligadas aos movimentos populares que se opunham à política do governo.
30
VALLADARES, 1978 apud SILVA, Maria Ozanira Silva e. Política habitacional brasileira: verso e reverso.
São Paulo: Cortez, 1989.
31
SILVA, Maria Ozanira Silva e., ob. cit., 1989, p. 52.
32
VALLADARES, 1978 apud SILVA, Maria Ozanira Silva e, ob. cit., 1989, p. 51.
33
BNH, 1971 apud AZEVEDO, Sérgio de; ANDRADE, Luís Aureliano Gama. Habitação e poder: da
Fundação Casa Popular ao Banco Nacional de Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 92.
34
SILVA, Maria Ozanira Silva e. Política habitacional brasileira: verso e reverso. São Paulo: Cortez, 1989.
p. 60.
22

Em agosto de 1986, portanto no ano seguinte ao fim do regime militar, o BNH foi
extinto pelo Decreto-Lei nº 2.291/8635, ficando a cargo dos Estados e Municípios o desenho
de estratégias locais para tratar do problema habitacional, e a criação, dentro de suas áreas de
competências, de programas habitacionais alternativos ao modelo antes adotado pelo BNH.
Sobre a extinção do BNH, aponta Bonduki36 que a crise do modelo econômico criado no
regime militar no início dos anos 198037, gerando recessão, inflação, desemprego e queda dos
níveis salariais, teria refletido no Sistema Financeiro Habitacional, em consequência da
retração dos saldos do FGTS e da poupança, que reduziram a sua capacidade de investimento.

O autor acrescenta, ainda, que tal conjuntura, aliada aos crescentes movimentos dos
sem-terra (urbano) e de mutuários que não mais conseguiam arcar com as prestações da casa
própria, contribuíram para o acirramento das críticas ao BNH. Soma-se a isso o fato de que a
referida instituição era profundamente associada ao regime militar, igualmente criticado.

Neste particular, ao tratar dos movimentos sociais e da participação popular, afirma


Gohn38 que a sociedade não assistira inerte à crise econômica e à forte repressão política
características do período militar, passando a organizar-se de forma autônoma,
independentemente do Estado. Acrescenta que esses movimentos populares, articulados com
setores progressistas da Igreja Católica, influenciaram a redemocratização do país, tendo entre
seus momentos fortes a organização do Movimento “Diretas Já”, a Assembleia Nacional
Constituinte em 1985 e a conquista da Constituição Federal de 1988.

Nessa toada, inicia-se uma reestruturação da atuação estatal, que viria posteriormente a
ser sedimentada pela Constituição Federal de 1988, tornando a habitação uma atribuição
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Art. 23, IX).39
Observava-se, até então, que a história brasileira transcorria sob a marca da negação de
direitos civis e políticos. Já os direitos sociais, tais como o direito à moradia, eram

35
Texto legal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2291.htm> Acesso em: 18
fevereiro 2017
36
BONDUKI, Nabil. Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas
no governo Lula. Disponível em: < http://www.usjt.br/arq.urb/numero_01/artigo_05_180908.pdf> Acesso em:
22 fev. 2017.
37
Trata-se do chamado “Milagre Econômico”, meta que se pretendia conquistar à custa de concentração de
renda nas mãos dos empresários que, com o arrocho salarial, podiam reinvestir na economia; expansão do
crédito ao consumidor, aumentando o dinheiro em circulação, mas também a taxa de juros e a inflação; e
abertura externa da economia, consubstanciada em incentivos à exportação.
38
GOHN, Maria da Glória. O protagonismo da sociedade civil - Movimentos sociais, ONGs e redes solidárias.
São Paulo: Cortez, 2005.
39
Texto legal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>
Acesso em: 22 fev. 2017.
23

predominantemente viabilizados como instrumento de controle do Estado sobre a sociedade.


No que se refere especificamente ao direito à moradia, Valença e Medeiros40 afirmam que, na
trajetória da política habitacional brasileira, a questão habitacional sempre esteve associada a
objetivos econômicos e políticos, visando adquirir apoio, via a ideologia da casa própria, e
exercer o controle sobre as massas populares, o que teria condicionado o formato das políticas
públicas e limitado seu impacto social.

Sobre a trajetória das políticas sociais no Brasil, Carvalho41 chega a dizer que o
desenvolvimento da história política brasileira se caracterizou pela proeminência dos direitos
políticos sobre os direitos sociais. Afirma que tal estrutura resulta na dificuldade no
reconhecimento e na concretização dos direitos sociais como direitos, e na consolidação de
uma sociedade excludente que se caracteriza não só pela pobreza, mas também pela
impossibilidade de efetivação de direitos fundamentais universais.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi instituído um Estado


Democrático de Direitos, garantidor do efetivo exercício dos direitos civis e sociais, e regido
por princípios e de diretrizes que viabilizam a participação da sociedade no desenho, na
implementação e no controle social das políticas públicas.

Esse perfil garantista do texto constitucional é, no nosso sentir, resultado da


irresignação e das lutas travadas durante o regime militar, por uma sociedade que, consciente
da supressão de direitos e garantias fundamentais, se organizava na busca pela retomada plena
das suas liberdades e pela garantia do exercício dos seus direitos.

Segundo Avritzer42, durante o processo de democratização do Brasil, surgiram novas


organizações de ação coletiva. Afirma o autor que a ação das associações populares e civis
teria sido um dos elementos que contribuíram para o reajuste do planejamento urbano
brasileiro, resultando, inclusive, no encaminhamento de emenda popular à Assembleia
Nacional Constituinte, instalada em 1986.

Entretanto, no que se refere especificamente ao direito à moradia, somente quatorze


anos mais tarde, através da Emenda Constitucional nº 26/2000, houve sua inclusão expressa

40
VALENÇA, M.; MEDEIROS, S. R. Habitação e política. Relatório PIBIC/CNPq – UFRN, 2003.
41
CARVALHO, Alba. A luta por direitos e a afirmação das políticas sociais no Brasil contemporâneo. Revista
de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 39, n. 1, 2008.
42
AVRITZER, Leonardo. Modelos de deliberação democrática: uma análise do orçamento participativo no
Brasil. In: SANTOS, B. de Sousa. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2.
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
24

no rol dos direitos sociais. Segundo Pagani43, a referida inserção deu-se num contexto social
de aumento da densidade demográfica, déficit habitacional nos centros urbanos e falta de
saneamento básico, cujos protagonistas eram os cidadãos socialmente excluídos.

Com efeito, desde o fim do BNH, era possível notar uma certa lacuna em relação à
política habitacional no país, a qual Bonduki relata como “esvaziamento”, afirmando que
“deixou propriamente de existir uma política nacional de habitação”.44 Esse período, conforme
aponta a literatura, foi assinalado pelo surgimento de iniciativas de programas habitacionais,
em âmbitos regionais e locais, o que, importa dizer, refletia a transferência de competências
então prevista pela nova ordem constitucional. 45

Já a partir de 1995, ainda conforme relata Bonduki46, é possível distinguir a retomada da


política habitacional, desta feita baseada em novos paradigmas, diversos daqueles que
predominavam no período do BNH. Exemplifica que, em 1996, a Secretaria de Política
Urbana divulgou documento trazendo metas coerentes com uma nova visão, que se
aproximaria das diretrizes da 2ª Conferência das Nações Unidas para os Assentamentos
Humanos – Habitat II, a qual tinha por objetivo uma mobilização global, a fim de alcançar o
desenvolvimento sustentável das cidades em todo o mundo, durante as primeiras duas décadas
do século seguinte.

Sob essa ótica, foram criados programas como a Carta de Crédito, nas modalidades
individual e associativa, o Apoio a Produção, que era voltado ao setor privado, e o Pró-
Moradia, destinado ao financiamento da recuperação de áreas habitacionais degradadas,
ocupadas por populações de até três salários mínimos.

Uma vez mais, os resultados decepcionam por não haver um aporte significativo de
recursos que possibilitassem a execução de programas focados, principalmente, na demanda
da baixa renda. O financiamento de imóveis usados, em que pese o vultoso total de recursos

43
PAGANI, Elaine Adelina. O direito de propriedade e o direito a moradia: um diálogo comparativo entre o
direito de propriedade urbana imóvel e o direito a moradia. Porto Alegre. EDIPUCRS, 2009.
44
BONDUKI, Nabil. Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas
no governo Lula. Disponível em: < http://www.usjt.br/arq.urb/numero_01/artigo_05_180908.pdf> Acesso em:
22 fev. 2017.
45
Conforme disposição constitucional: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: [...] IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico;” Texto legal. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 04 jul. 2017.
46
BONDUKI, Nabil, ob. cit., 2017.
25

empregados, cerca de 9,3 bilhões47 (entre 1995 e 2003), revelou-se um programa de impacto
reduzido, considerando o déficit habitacional já existente.

Não bastasse isso, sendo uma instituição bancária, a Caixa Econômica Federal, o agente
de operação dos recursos destinados à habitação, não é de se estranhar que fossem
privilegiadas as concessões de crédito com maior garantia, em geral aqueles concedidos à
população de renda média. Segundo Bonduki: “Entre 1995 e 2003, 78,84% do total dos
recursos foram destinados a famílias com renda superior a 5 SM, sendo que apenas 8,47%
foram destinados para a baixíssima renda (até 3 SM) onde se concentram 83,2% do déficit
quantitativo”. 48

Já o financiamento de materiais de construção, embora tenha beneficiado famílias de


baixa renda, acabou por agravar os problemas de urbanização, por estimular a produção
informal de moradias. Note-se, neste particular, que a roupagem dada aos programas
instituídos serviu ao agravamento da situação urbana no Brasil. De acordo com Maricato49,
foram construídos no Brasil 4,4 milhões de moradias entre 1995 e 1999, sendo apenas 700 mil
dentro do mercado formal. É dizer, mais de 3 milhões de moradias foram construídas
independentemente de qualquer política pública que viabilizasse quaisquer recursos
financeiros ou técnicos.

Com efeito, em que pese todo o arcabouço de políticas habitacionais empreendidas pelo
Estado desde o início do período republicano até o início do século XXI, a realidade brasileira
não nos parece próxima da efetiva concretização do direito à moradia, ao menos ao que se
depreende dos dados revelados pelo Censo de 2000. Naquela oportunidade, identificou-se a
carência de 6,6 milhões de novas moradias em todo o país, sendo que, em termos percentuais,
a maior parte dessa necessidade, cerca de 83,2%, está concentrada nas famílias com renda
mensal de até três salários mínimos.50

Em meio a esses aflitivos resultados estatísticos, o Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257 de


10 de julho de 2001), surge como marco legislativo no que se refere à questão urbanística, ao

47
Via Pública apud BONDUKI, Nabil. Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e
novas perspectivas no governo Lula. p. 80. Disponível em: <
http://www.usjt.br/arq.urb/numero_01/artigo_05_180908.pdf> Acesso em: 22 fev. 2017.
48
Ibid., 2017, p. 80.
49
MARICATO, Ermínia. A terra é um nó, na sociedade brasileira, também nas cidades. Disponível em:
<http://www.correiocidadania.com.br/antigo/ed215/economia2.htm> Acesso em: 07 mar. 2017.
50
IBGE. Dados disponíveis em:
<http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/geografia_urbana/arranjos_populacionais/tabelas.shtm>
Acesso em: 06 mar. 2017.
26

estabelecer como diretrizes da política urbana a garantia do direito a cidades sustentáveis,


incluído nesse conceito o direito à moradia, e a gestão democrática por meio da participação
da população e de representantes das comunidades na formulação, execução e
acompanhamento de políticas púbicas de desenvolvimento urbano.51

Nota-se que a aprovação do Estatuto da Cidade representou uma conquista social, na


medida em que buscava o atendimento dos anseios por uma atuação estatal dirigida ao direito
à moradia acompanhada de um aparato político-administrativo que funcionasse em benefício
das necessidades básicas da população, e que fosse planejada em conjunto com seus
protagonistas. No dizer de Romanelli:

O Estatuto da Cidade [...] veio atender um antigo reclamo social por uma gestão
mais democrática do espaço urbano, como expressão da organização social, trazendo
ainda instrumentos que operacionalizam a implementação de moradias e a
ordenação do solo, buscando a efetividade dos princípios constitucionais e, com
isso, a constitucionalização de uma sociedade mais justa e equilibrada. 52

Assim, como decorrência da aprovação do Estatuto da Cidade, o país passou a contar


com um aparato institucional direcionado aos problemas urbanos e habitacionais, através da
criação do Ministério das Cidades, que passou à gerir a Política Nacional de Desenvolvimento
Urbano, sendo que a habitação ficou centrada na Secretaria Nacional de Habitação (SNH).

Segundo publicação do Ministério das Cidades, a Política Nacional de Habitação,


aprovada em 2004, tem como principal objetivo a retomada do planejamento do setor
habitacional e a garantia de condições para promover o acesso à moradia digna, urbanizada e
integrada à cidade, a todos os segmentos da população, em especial para a população de baixa
renda.53 Já em 2005, destaca-se a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social (SNHIS), através da Lei n. 11.124, de 16 de junho de 2005, ainda em vigor, com o
objetivo de implementar políticas e programas de acesso à moradia digna para a população de
baixa renda. No mesmo diploma, fora instituído o Fundo Nacional de Habitação de Interesse

51
BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm> Acesso em: 04 jul. 2017
52
ROMANELLI, Luiz Cláudio. Direito à moradia à luz da gestão democrática. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 77.
53
Disponível em: <ttp://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/Publicacoes/Publiicacao_PlanHab_Capa.pdf>.
Acesso em: 13 mar. 2017.
27

Social (FNHIS), o qual alocou, entre os anos de 2006 e 2009, cerca de 4,4 bilhões de reais,
beneficiando mais de 4.400 projetos.54

Registre-se que o referido texto legal é um dos (apenas) quatro diplomas nacionais
originários de projeto de lei de iniciativa popular, e fora subscrito com mais de um milhão de
assinaturas. Dentro dessa perspectiva, o texto traz, enquanto objetivos do SNHIS, além do
acesso à moradia digna como direito e vetor de inclusão social, a democratização, a
descentralização, o controle social e a transparência dos processos decisórios.55

Ainda quanto as políticas habitacionais contemporâneas, aponta-se outro importante


avanço, em março de 2009, com a criação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV),
cujo o objetivo é criar condições de ampliação do mercado habitacional para atendimento das
famílias com renda de até 10 salários mínimos. O programa, que estabelece um patamar de
subsídio direto, proporcional à renda das famílias, busca aumentar o volume de crédito para
aquisição e produção de moradias, reduzindo os juros, com a criação do Fundo Garantidor da
Habitação, que aporta recursos para pagamento das prestações, em caso de inadimplência.

Em suas duas primeiras fases, o referido programa habitacional investiu


aproximadamente R$ 240 bilhões. Em sua terceira fase, lançada em março de 2016,
pretende-se investir cerca de R$ 210 bilhões, e entregar 2 milhões de moradias populares
até 2018. Segundo site oficial do governo56, entre os anos de 2010 e 2014, verificou-se
uma redução anual média de 2,8% no déficit habitacional brasileiro entre 2010 e 2014, e
que mais da metade das contratações do Programa Minha Casa Minha Vida atendeu à
população de baixa renda.

Contudo, as intervenções habitacionais empreendidas nos últimos anos, em verdade,


foram empreendidas dentro de um modelo econômico de ajuste, vigente no Brasil desde a
década de 1990, o qual se coaduna com o pacote de medidas formuladas no Consenso de

54
CARDOSO, Lucio Adauto; ARAGÃO, Thêmis Amorim; ARAÚJO, Flávia de Sousa. Habitação de interesse
social: política ou mercado? Reflexos sobre a construção do espaço metropolitano. In: ENCONTRO
NACIONAL DA ANPUR. XIV. Anais..., 2011. Rio de Janeiro - RJ – Brasil. Disponível em:
<http://www.observatoriodasmetropoles.net/download/adauto_cardoso.pdf> Acesso em: 04 jul. 2017.
55
BRASIL. Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor
do FNHIS. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11124.htm>
Acesso em: 04 jul. 2017.
56
Disponível em: <https://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2016/03/minha-casa-minha-vida-acelera-queda-do-
deficit-habitacional-no-pais> Acesso em: 04 jul. 2017.
28

Washington.57 Conforme aponta Carvalho 58, a inserção brasileira nessa nova ordem do capital
acaba por promover um ajuste seletivo, que abarca apenas pedaços do Brasil, áreas específicas
das regiões brasileiras, segmentos dos setores produtivos, de frações da classe trabalhadora,
enfim, uma parte minoritária da população brasileira.

Nesse compasso, ainda no dizer de Carvalho, a atuação do Estado ajustador brasileiro,


ao longo de diferentes governos, caracterizou-se pela baixa responsabilidade social,
subordinando-se às exigências da rentabilidade do capital. E acrescenta:

De fato, no Brasil, o Estado vem assumindo políticas sociais compensatórias,


buscando amortecer os efeitos sociais imediatos das políticas de ajuste,
empreendidas nos últimos anos. Tais políticas sociais são marcadas por uma
perspectiva assistencialista, de curto prazo, sem a devida avaliação do seu foco de
ação, restritas a situações localizadas, voltadas a mitigar a miséria, esta gestada nos
processos de acirramento das desigualdades e ampliação da pobreza. [...] Trata-se de
uma insuficiente compensação, que se constitui, obviamente, em mecanismo de
preservação de desigualdades, reforçando formas precárias e perversas de ‘inclusão
excludente’ de populações, pela via da vulnerabilidade do trabalho, ante às formas
novas de dominação do capital.

Dessa atuação estatal, fragmentária e exclusiva do ponto de vista social, com inevitáveis
reflexos também na concretização do direito â moradia, resulta que o país ainda padece de um
considerável déficit habitacional, sobretudo em relação à população de baixa renda. Segundo
dados estatísticos elaborados pela Fundação João Pinheiro, em parceria com o Ministério das
Cidades, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no ano de 2014, entre as famílias com renda mensal
de até três salários mínimos, o déficit habitacional urbano chega a 83,9%. Já quanto às
famílias com renda superior à dez salários mínimos, esse percentual é de apenas 1,4%.59

2.2 A realidade Maceioense

Segundo o Censo do IBGE/2010, o município de Maceió tem uma população total de


932.748 de habitantes, com uma área de unidade territorial de 503,069 Km² e uma densidade

57
O termo Consenso de Washington ficou conhecido como um conjunto de medidas de ajuste macroeconômico
formulado por economistas de instituições financeiras como FMI e o Banco Mundial, elaborado em 1989.
Entre essas "regras" que deveriam ser adotadas pelos países para promover o desenvolvimento econômico e
social estavam: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de
mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições, privatização das
estatais, desregulamentação e desburocratização, direito à propriedade intelectual.
58
CARVALHO, Alba Maria Pinheiro de. Estado e políticas sociais no Brasil contemporâneo. Disponível em:
<http://www.revistapoliticaspublicas.ufma.br/site/download.php?id_publicacao=766> Acesso em: 18 jul. 2017.
59
Dados: Disponível em: <http://www.cbicdados.com.br/menu/deficit-habitacional/deficit-habitacional-no-
brasil> Acesso em: 08 mar. 2017.
29

demográfica de 1.854,12 hab./km². Possui 99,9% de população residente em domicilio urbano


e 0,1% rural.

Para entender a estrutura habitacional da cidade de Maceió, é preciso adentrar,


primordialmente, na história de formação da sociedade maceioense, a qual, de forma simétrica
à biografia brasileira, esteve marcada por forte influência do mercado e por atuações estatais
que privilegiavam a elite econômica. Carvalho: “Maceió é o retrato fiel do modelo
concentrador de renda que o Brasil conhece desde o tempo colonial, e que mantém os seus
traços mais fortes no Nordeste. A concentração de terra e de renda tem a correspondência
espacial. 60

Isto porque a cidade de Maceió reflete a configuração de um Estado que, desde a sua
colonização, tem baseado suas relações com a população nas formas coronelistas, paternalista
e na troca de favores. No dizer de Lira,

[...] a formação econômica, social e política de Alagoas tem raízes profundas no modo
de implantação da atividade canavieira no Estado. Por conseguinte, do século XVI ao
século XX, a história de Alagoas tem como núcleo a agroindústria do açúcar. Nessas
condições históricas, o padrão adotado é o agrário tradicional que, pela sua
importância econômica e política, acaba por definir o comportamento da agropecuária,
da indústria, do setor serviço, do setor público e da sociedade em geral.61

Segundo Carvalho, esse modelo político coronelista de produzir, administrar e


distribuir, predominante em Alagoas, não tem um projeto para o desenvolvimento do Estado e
não se preocupa em produzir mais e melhor, mantendo os instrumentos tradicionais de poder.
Aduz que esse modelo se constitui numa forte camisa-de-força, que condena grande parte da
população a conviver com modos de produção, relações sociais, de trabalho e humanas muito
precárias. Ainda segundo o autor, o padrão vertical de organização, aliado às relações de
subordinação e de dependência que existem em Alagoas, sobretudo no setor agropecuário,
impedem a geração, a acumulação e a reprodução do capital humano e do social em condições
favoráveis ao desenvolvimento da sociedade como um todo. 62

Acrescenta que, desse processo desigual de distribuição de rendas, o qual impediu a


formação de uma classe média no meio rural, decorreu a saída de um grande número de
pessoas do campo, que passaram a viver no ambiente urbano e a contribuir para a degradação

60
CARVALHO, Cícero Péricles de. Economia popular: uma via de modernização para Alagoas. Maceió,
Alagoas: Edufal, 2005, p. 29.
61
LIRA, Fernando José. Formação da riqueza e da pobreza em Alagoas. Maceió: Edufal, 2007, p. 2.
62
CARVALHO, Cícero Péricles de, ob. cit., 1997.
30

desse ambiente. Não bastasse isso, a partir de 1970, com a mecanização das usinas
canavieiras, foram reduzidas as oportunidades de emprego no meio rural, fator que, aliado à
ausência de um universo de pequenas unidades produtivas com acesso ao crédito, assistência
técnica e facilidade na comercialização, contribuiu para o aumento da pobreza, o que explica
a forte migração rural/urbana e o deslocamento interior/capital.63

Nisto, a cidade de Maceió praticamente quadriplicou sua população nas quatro


primeiras décadas do século XX. Todavia, esse crescimento se deu de forma desigual, sendo
mais fortemente sentido nos bairros mais pobres e periféricos, e também nas áreas dos
aglomerados subnormais, como favelas, palafitas, grotões, encostas, cortiços e loteamentos
clandestinos.64 Contribuiu para este quadro o fato de que, na capital alagoana, grande parte da
população vinda do interior em busca de novas oportunidades manteve-se excluída do
mercado formal. Nas palavras de Carvalho,

Esse aumento espetacular de população nas cidades fez crescer dois setores urbanos
distintos: o primeiro é o da economia informal, principalmente na área de serviços e
comércio, concentrada nos bairros periféricos da capital [...] o segundo, são os
marginalizados, a população que sobrevive de atividades irregulares, como a que
está concentrada nos quase 300 aglomerados subnormais da capital. 65

Segundo estudo ambiental executado pela Prefeitura de Maceió66, essa informalidade


possui desdobramentos na vida os indivíduos que extrapolam as suas formas de trabalho e
obtenção de renda, chegando a influenciar na escolha do local de moradia, geralmente em
lugares na cidade desprovidos de infraestrutura urbana básica.

Resultam desse contexto os dados colhidos em pesquisa socioeconômica realizada em


2001, disponível em acervo da Prefeitura de Maceió. Segundo o referido estudo, ao final do
século XX, 46% da população maceioense vivia em assentamentos precários. Carvalho67
considera essa situação, à qual se refere como assimetria social, o principal problema vivido
na capital, e acrescenta que “[...] tal problemática exclui a parte majoritária da população dos
benefícios de viver na capital e tem desdobramentos sociais (incluindo violência urbana) e
ambientais (como a degradação de encostas e riachos) gravíssimos”.

63
CARVALHO, Cícero Péricles de. Políticas públicas e distribuição de renda: o caso de Alagoas. Disponível
em: <http://www.sep.org.br/downloads> Acesso em: 05 jul. 2017.
64
Id. Economia popular uma via de modernização para Alagoas. Maceió: Edufal, 2012.
65
CARVALHO, Cicero Péricles de, ob. cit., 2017, p. 5.
66
MACEIÓ. SEDET. Programa de Requalificação Urbana e Ambiental da Orla Lagunar de Maceió. Estudos
Socioambientais, Maceió, 2016. v. III. t.II.
67
CARVALHO, Cícero Péricles de, ob. cit., 2012, p. 34.
31

Ademais, de acordo com documento intitulado “Sistematização dos Indicadores Sociais


do Plano Local De Habitação de Interesse Social (PLHIS) de Maceió”,68 a capital alagoana
contava, em 2012, com (263) localidades habitadas por população vulnerável. Não bastasse
isso, consoante cálculo da Fundação João Pinheiro69, no ano de 2010, o déficit habitacional
em Maceió era de 42.261 unidades.

Ainda segundo a Fundação João Pinheiro, em 2010, Maceió possuía cerca de 152 mil
domicílios carentes de alguma infraestrutura, sendo que 64.558 não possuíam sequer
abastecimento de água, 125.025 não contavam com esgotamento sanitário, 2.903 não tinham
energia elétrica e 4.801 não tinham acesso ao serviço de coleta de lixo. Em termos
percentuais, significa dizer que, na Região Metropolitana de Maceió, 80% dos domicílios
carecem de pelo menos um componente da infraestrutura urbana.

Essa falta de estrutura fora igualmente pesquisada pela Secretaria Municipal de


Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente de Maceió (Sedet), por ocasião da
sistematização de indicadores sociais realizada para subsidiar o PLHIS de Maceió, documento
já referido linhas acima. No referido estudo, para fins de pesquisa, a cidade foi dividida em
sete regiões administrativas, dentro das quais foram avaliados os indicadores sociais das áreas
vulneráveis existentes em cada uma delas.

Na maioria das áreas investigadas, constatou-se uma grande parte de casas feitas de
taipa, de madeira ou de alvenaria em degradação, conforme exemplificam as imagens em
anexo (Anexo 2). Em algumas localidades, foram encontrados até mesmo barracos de lona.
Além disso, cerca de 30% dos moradores dessas áreas vulneráveis sequer ostentam a posse
regular (própria ou decorrente de contrato de aluguel) das casas que habitam, sendo a moradia
o resultado de invasões.

Contudo, a situação de vulnerabilidade social em Maceió ultrapassa a questão estrutural


das habitações. A precariedade dos serviços como saúde, transporte e segurança pública fora
igualmente retratada no referido estudo. Em todas as áreas vulneráveis pesquisadas, a renda
familiar não passa de um salário mínimo, sendo que a maioria possui renda média de apenas

68
MACEIÓ. SEDET. Sistematização dos indicadores sociais do plano local de habitação de interesse social
(PLHIS) de Maceió, 2012.
69
DÉCIFIT HABITACIONAL MUNICIPAL NO BRASIL 2010. Fundação João Pinheiro. Disponível em:
<http://fjp.mg.gov.br/index.php/produtos-e-servicos1/2742-deficit-habitacional-no-brasil-3> Acesso em: 07 jul. 2017.
32

de um quarto desse valor. Some-se a isso o fato de que mais da metade das regiões possui
composição familiar variando entre 6 e 8 membros.

Praticamente todas as regiões padecem da precariedade nas áreas da saúde e educação,


bem como da falta de espaços de atividades de cultura e lazer, em muitas delas em
decorrência da falta de segurança e do alto consumo de drogas. Chama atenção, ainda, a
precariedade do sistema de transporte. São relatados problemas como grandes intervalos entre
os horários dos transportes, má conservação, distância de algumas paradas de ônibus e custo
dos bilhetes.

Diante desse quadro, e desde a nova ordem constitucional, a qual, como já dito
anteriormente, descentralizou a política de desenvolvimento urbano, o município de Maceió
vem concebendo e executando planos de urbanização, sendo que atualmente está sendo
revisado o plano diretor de 2005.

Quanto às ações anteriores, conforme Menezes70, merecem nota a elaboração da Lei


Orgânica Municipal de 1990, a qual instituiu, dentre outros, o Conselho Municipal de
Habitação; o “Planejamento Estratégico Socio-econômico: Maceió, a cidade do Século XXI”,
o qual garantia a participação de cidadãos interessados em contribuir com o desenvolvimento
da cidade, através do “Consórcio do Plano Estratégico”; e a elaboração do Plano Diretor,
concluída em 2005.

Quanto ao conselho de habitação instituído pela Lei Orgânica de 1990, não foram
encontrados registros de que sua existência tenha efetivamente influenciado, tampouco
auxiliado na gestão das políticas públicas urbanas. Segundo Vasconcelos71, nem mesmo nos
conselhos mais atuantes no Estado de Alagoas, como era o caso do Conselho Estadual de
Justiça e Segurança Pública, havia harmonia entre as decisões tomadas e as políticas públicas
efetivamente instituídas. No caso do planejamento estratégico, conforme dispunha seu estatuto,
a participação nos planos somente seria viabilizada àqueles dispostos a aderir ao consórcio,
contribuindo mensalmente. Ou seja, a participação somente era facultada aqueles que tivessem
condições econômicas de contribuir, o que excluía, obviamente, a maior parte da população.

70
MENEZES, Karina Rossana de Oliveira. O Estatuto da Cidade e a elaboração de planos diretores: uma
avaliação sobre a construção de espaços participativos em processos de planejamento urbanos. Maceió, 2008.
149 folhas. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Alagoas. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo. Mestrado em Dinâmicas do Espaço
Habitado, 2008.
71
VASCONCELOS, Ruth. O reverso da moeda. A rede de movimentos sociais contra a violência em Alagoas.
Maceió: UFAL/Edufal, 2006.
33

Já na ocasião da elaboração do Plano Diretor de Maceió72, finalizada no ano de 2005,


verificou-se mais uma tentativa da administração municipal de conceber o planejamento
urbano, viabilizando a participação popular nos processos decisórios. Ao analisar o Termo de
Referência que norteou a elaboração do plano, verifica-se a inclusão da participação popular
em pelo menos quatro etapas do plano: atividades preliminares, conhecimento da realidade,
diagnóstico e aprovação. Contudo, as disposições contidas no referido termo, bem como a
pesquisa realizada, não sustentam uma afirmação de efetiva participação popular no plano,
tampouco nos remetem a uma mudança de paradigmas no que se refere à configuração
político-social maceioense.

Com efeito, conforme Menezes73, a etapa de atividades preliminares, em síntese, se


resumia à divulgação do plano, informando a população e convocando-a a participar. Quanto
à fase chamada conhecimento da realidade, esta incluía pesquisa de opinião pela internet e
reuniões participativas com a população, que acabaram por se resumir em oficinas que tinham
por objetivo registrar impressões, vivências e necessidades da população, e contavam com
uma média de apenas 50 a 60 pessoas por evento. Já o diagnóstico, obtido através do
cruzamento das informações colhidas, foi elaborado unicamente pelo grupo gestor. Por fim,
no que se refere à aprovação, que se daria no decorrer das audiências públicas, esta não se deu
mediante votação pela população.

Atualmente, como dito, está em execução a revisão do plano diretor. Contudo, à


semelhança do ocorrido em 2005, a participação popular não vem sendo oportunizada a
contento. Com efeito, foram realizadas pela Prefeitura de Maceió cinco audiências públicas e
quatro oficinas temáticas, todas no ano de 2015, e hoje o plano já se encontra em fase de
elaboração por uma equipe técnica, para após ser enviado à Câmara de Vereadores. Como se
depreende das gravações arquivadas em acervo da SEDET, a própria metodologia empregada
não favoreceu o exercício efetivo da participação popular.

É que ficou estabelecido que a primeira parte das audiências seria destinada à
exposição, por palestrantes escolhidos pela Prefeitura, acerca de aspectos técnicos relativos ao

72
MACEIÓ. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente de Maceió - SEDET.
Termo de Referência: Plano Diretor de Maceió, 2003.
73
MENEZES, Karina Rossana de Oliveira. O Estatuto da Cidade e a elaboração de planos diretores: uma
avaliação sobre a construção de espaços participativos em processos de planejamento urbanos. Maceió, 2008.
149 folhas. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Alagoas. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo. Mestrado em Dinâmicas do Espaço
Habitado, 2008.
34

plano, sendo o debate reservado apenas para o final. Não bastasse isso, nos debates, eram
disponibilizados apenas três minutos para exposição de ideias e questionamentos pela
sociedade, mas não havia limite o tempo de resposta para os membros do governo, refletindo
uma flagrante desigualdade de posições no debate. Em verdade, predominantemente, os
gestores limitavam-se a apenas responder questionamentos, não se vislumbrava uma troca de
ideias, tampouco efetivas deliberações acerca dos pontos levantados. Registre-se, ainda, que
as discussões mais específicas ficaram resguardadas às intituladas “oficinas temáticas”, as
quais, embora não proibissem a participação de qualquer interessado, aconteciam em dias
úteis, e não eram abertas, mas restritas a determinados setores da sociedade.

Pode-se concluir, conforme sinaliza Melo74 numa perspectiva nacional, que embora a
produção de planejamentos urbanos objetivando o desenvolvimento das cidades tenha sido
uma constante nas administrações municipais, a implementação de tais políticas públicas
deixou a desejar. Acrescente-se que o poder público municipal, atrelado como sempre esteve
aos interesses de uma elite econômica, quase nunca correspondeu às diretrizes dos
planejamentos. Relativamente à Alagoas, Lira75 chega a dizer que, desde o período colonial,
se desenvolveu no Estado uma ação histórica conjunta deste com a elite agrária (senhores de
engenho, mais tarde transformados em usineiros), a qual se estendeu de forma imutável pelo
Império e República, de um modo que

[...] os recursos federais e estaduais são apropriados e controlados por essa elite
local, com o intuito de manter suas atividades econômicas e consolidar seu poder
político, pois objetiva a manutenção de um sistema arcaico de produção em
dominação assentado no coronelismo.

O autor acrescenta que essa oligarquia política ainda hoje possui poder político
muito forte, e que a imutabilidade dessa estrutura social faz predominar a subordinação
dos poderes constituídos aos antigos interesses, resultando no não cumprimento da função
social que lhes cabe. É de se concluir, assim, à guisa do quanto descrito ao longo deste
tópico, que, à semelhança da história das políticas habitacionais em nível nacional, a política
urbana em Maceió manteve-se predominantemente atrelada aos interesses de uma elite
econômica, contribuindo negativamente para o desenvolvimento de ações que efetivamente
beneficiassem a população mais vulnerável, a qual padece, ainda, de precárias condições de
vida.

74
MELO, Marcus André. Estado, governo e políticas públicas. In: MICELLI, Sergio (Org.). O que ler na
ciência social brasileira. São Paulo: Sumaré, 1999.
75
LIRA, Fernando José. Formação da riqueza e da pobreza em Alagoas. Maceió: Edufal, 2007, p.83.
3 DIREITO A MORADIA: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA
E EFETIVAÇÃO

Como visto no capítulo anterior, em que pese o direito à moradia tenha sido inserido no
rol dos direitos humanos desde a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948, inaugurando assim, uma nova dimensão de direitos sociais, no Brasil, somente após
a instituição do Estado Democrático de Direito os direitos sociais foram consagrados na
Constituição Federal de 1988, sendo que, quanto ao direito a moradia, esta inclusão deu-se
mais adiante, por ocasião da Emenda Constitucional n. 26/20001.

Consoante ensina a doutrina constitucionalista2, esse enquadramento enquanto direito


social e, portanto, direito fundamental de segunda geração, impõe ao Estado uma prestação, ou
seja, ao desenvolvimento de políticas públicas voltadas à sua concretização. Contudo, consoante
será abordado no presente capítulo, o direito à moradia se reveste de caráter complexo, devendo
ser entendido como manifestação da identidade pessoal, da privacidade, de intimidade, como
expressão do direito ao segredo e como valor imprescindível à dignidade da pessoa humana.3
Assim, a atuação positiva estatal não deve se restringir a mera provisão de habitações, devendo
promover o direito à moradia adequada, que assegure, igualmente, qualidade de vida.

Segundo o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais4, a adequação da


moradia é determinada por fatores sociais, econômicos, culturais, climáticos e ecológicos,
devendo, portanto, oferecer aos seus ocupantes: segurança da posse; disponibilidade de
serviços de infraestrutura, como água potável, saneamento básico, iluminação e coleta de lixo;
custo adequado, de forma a não comprometer outros direitos humanos; segurança física e
1
Com o advento da Emenda Constitucional n. 26, de 2000, o art. 6º passou a ter a seguinte redação: “São
direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição”
2
Sobre conteúdo e eficácia dos Direitos Fundamentais, ver: SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos
fundamentais. 12. ed. São Paulo: Livraria dos Advogados, 2015; SILVA, José Afonso da. Direito
constitucional positivo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
3
MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Direito à moradia. São Paulo: Atlas, 2011.
4
Conforme site oficial da ONU, o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é um dos órgãos de
Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) e foi instituído com o objetivo de supervisionar a
aplicação, pelos Estados Partes, das disposições do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Disponível em: <http://www.ohchr.org/SP/HRBodies/Pages/TreatyBodies.asp> Acesso em: 31 jul. 2017.
36

estrutural, com proteção contra o frio, umidade, calor, chuva, vento, e outras ameaças à saúde;
localização não isolada oportunidades de emprego, serviços de saúde, escolas, creches e
outras instalações sociais; respeito à expressão cultural nas edificações sem que se olvide do
emprego de facilidades tecnológicas modernas.

Essa árdua tarefa de concretização do direito à moradia adequada será igualmente


abordada no presente capítulo. Pretende-se demonstrar, conforme pensamento de Souza5, que
os instrumentos de planejamento da atuação estatal somente serão verdadeiramente
importantes na medida em que tenham a sua operacionalização, regulamentação e
implementação influenciadas e monitoradas pelos cidadãos.

3.1 Conceito de moradia

A moradia está inevitavelmente ligada à própria existência humana, sendo certo que
possuir um lugar fixo para viver é imprescindível ao desenvolvimento de outras atividades do
indivíduo, tais como educação, trabalho, lazer, e até mesmo para sua integração com a família
e com a sociedade. Esta estreita ligação com a condição humana, reconhecida inclusive por
tratados internacionais, justifica-se em razão do exercício do direito à moradia ser
fundamental à salvaguarda de demais direitos da personalidade, notadamente os direitos à
vida, à integridade física e à privacidade6.

De fato, a moradia, ao menos em princípio, deve guarnecer o homem quanto às


intempéries e demais adversidades, garantindo-lhe a proteção da saúde, da sua integridade
física e, sobretudo, da vida, bem jurídico maior, e pressuposto básico de todos os demais
direitos e liberdades do ser humano. Igualmente, a moradia oportuniza ao homem o exercício
do direito à privacidade e à intimidade. Conforme Santos, é determinante para a preservação
da vida privada e da intimidade, pois “é no interior da sua casa que os membros da família
compartilham desgraças, alegrias, resguardam assuntos familiares confidenciais.”7

5
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 6.
ed. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2010.
6
OLIVEIRA, Margere Rosa. Direito fundamental à moradia e função social da propriedade pública. In:
MARQUES, Mateus; CONSTANTINO, Lucio S. (Coord.). Inquietações sobre direitos fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 193-210.
7
SANTOS, Alexandre Mendonça. A efetividade dos direitos sociais e sua proteção pelo Ministério Público.
São Paulo: Baraúna, 2014, p. 56.
37

Assim, corroborando Souza8, pode-se reputar a moradia como elemento essencial do ser
humano, conceituando-a como um bem da personalidade e, portanto, impassível de renúncia
pelo individuo, indisponível e indissociável da sua vontade. É que o bem da moradia
independe de objeto físico para a sua existência e proteção jurídica, além de existir
independentemente de lei, por ter substrato no direito natural.

Neste particular, explica o autor que o termo se difere de “residência” e de “habitação”.


Aduz ser o primeiro apenas o local onde se encontra o indivíduo, sem intenção de
permanência. Quanto ao segundo, seria o exercício efetivo do direito à moradia sobre um
determinado bem imóvel, o que pode decorrer de direitos pessoais ou reais. Já a moradia tem
enfoque subjetivo, pertence a pessoa o seu exercício.

Nesta mesma linha, Milagres9 afirma que o conteúdo do direito subjetivo não deve ser
confundido com seu objeto, uma vez que a essencialidade do espaço existencial não se
confunde com as formas de sua realização. Com efeito, a moradia não se confunde com a
posse ou a propriedade, tampouco com o lugar em que o homem fixa o domicílio. Embora a
moradia tenha reflexos patrimoniais, tal característica não lhe retira a natureza de bem da
personalidade. Por ocasião da edição da Emenda Constitucional n. 26/2000, a qual, como se
verá adiante, resultou na inserção da moradia no rol do artigo 6º da Constituição Federal, a
então Deputada Almerinda de Carvalho, relatora da comissão especial, ao proferir seu
parecer, assim explicitou:

a moradia é um conceito muito mais amplo e complexo do que o conceito de casa


própria. A falta da casa própria, inclusive, tecnicamente só é computada para efeito
de déficit habitacional na medida que o aluguel passe a constituir ônus excessivo
para as famílias. A atuação governamental e da sociedade derivada da explicitação
da moradia como um direito social envolve serviços básicos, a criação de
mecanismos financeiros capazes de atender setores hoje excluídos, a revisão da
legislação em vigor e a concepção de novos conceitos jurídicos.10

Com efeito, em sua acepção ampla, a moradia contempla “muito mais que o lugar do
abrigo, é lugar de constituição de vida, revelando-se em múltiplas dimensões”11. Segundo

8
SOUZA, Sergio Iglesias Nunes de. Direito à moradia e de habitação: análise comparativa dos seus aspectos
teóricos e práticos com os direitos da personalidade. 3. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013.
9
MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Direito à moradia. São Paulo: Atlas, 2011.
10
Proposta de Emenda à Constituição nº 601-B, de 1998, do Senado Federal, PEC 28/96-SF.
11
PENZIM, Adriana Maria Brandão. Habitação social e modos de vida: narrativas sobre a casa e o morar.
Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: PUCMG, 2001.
38

Garcia12, ela “atende a uma necessidade instintiva do ser humano, diante da natureza ou da
‘selva da cidade’ e caracteriza-se como refúgio que influencia a saúde psíquica do homem”.

Nolasco13 afirma que a casa, para além de ser o lugar que garante ao homem a proteção
contra intempéries, serve-lhe de repouso, de local de reprodução, de abrigo aos seus filhos e
de lugar para estocar seus alimentos. E acrescenta que “é na casa que objetiva proteção e vive
sua privacidade, dando sequência à luta pela sobrevivência, enfim, a casa é o asilo inviolável
do cidadão, a base da sua individualidade”.

De fato, o conceito de moradia transcende a noção de lugar para abrigar-se das


adversidades climáticas ou de possíveis infortúnios, porquanto é na casa que se desenvolve a
vida familiar, primeiro estágio da sociabilidade do indivíduo. Segundo Nolasco14:

A casa é o lugar de encontro de várias gerações que, reciprocamente, ajudam-se a


alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras
exigências da vida social. [...] É sede de condutas tipicamente interindividuais, como
são as de amor, mas, ao mesmo tempo, é o lugar em que se aprendem muitos modos
coletivos de conduta.

A casa é, assim, para o homem, sua referência de origem, de relações com a família e a
comunidade. É o lugar onde sente-se seguro, estável e se autoreconhece, posicionando-o no
tempo e no espaço15. Daí porque, conforme Vasconcelos, citado por Milagres16, a moradia pode
ser entendida como uma manifestação da identidade pessoal do indivíduo, uma vez que o local de
moradia individualiza, identifica e distingue a pessoa, dando a dimensão espacial do indivíduo.

Ademais, como nos ensina Nolasco17, dar ao indivíduo o direito de morar é promover-
lhe o mínimo necessário a uma vida decente e humana, proporcionando-lhe condições
mínimas de sobrevivência, com vistas a redução da exclusão social, da marginalidade
econômica, e da consequente marginalidade geográfica. É o direito à moradia, portanto, um
direito de igualdade, de acesso e de oportunidade, cuja satisfação deve independer de
capacidade econômica ou produtiva.

12
GARCIA, Maria. A cidade e o direito à habitação – Normas programáticas na Constituição Federal. Revista
de Direito Constitucional e Internacional: RDCI, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 15, n. 61, p. 183-195,
out./dez. 2007.
13
NOLASCO, Loreci Gottschalk. Direito fundamental a moradia. São Paulo: Pillares, 2008, p. 15.
14
Id. Direito fundamental social à moradia: Aplicação, limites e a responsabilidade do Estado brasileiro, p.2.
Disponível em: < http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/100807.pdf> Acesso em: 24 out. 2017.
15
SILVA, Ana Carolina Lopez da et al. Sensações do morar e a concretização de moradia para idosos egressos
de um albergue. Caderno Temático Kairós Gerontologia 8. ed. São Paulo, nov. 2010, p. 169-193.
16
VASCONCELOS, Pedro Pais, 2006 apud MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Direito à moradia. São Paulo:
Atlas, 2011.
17
NOLASCO, Loreci Gottschalk, ob. cit., 2008.
39

No entanto, o direito à moradia é um direito complexo, rico em atribuições, que não se


satisfaz apenas com a oferta de casas próprias, porquanto envolve diretamente qualidade de
vida, demanda o gozo de condições adequadas de higiene e conforto, bem como a preservação
da intimidade pessoal e da privacidade familiar. Noutro dizer, não pode se resumir apenas à
estrutura física, ou seja, à edificação com destinação habitacional, mas contempla igualmente
a satisfação de condições essenciais a uma vida com dignidade.

Conforme conceituação incluída na Declaração de Istambul sobre Assentamentos


Humanos, mencionada por Souza18, a moradia adequada significa mais que ter um teto sob o
qual abrigar-se. Significa também dispor de adequada privacidade, espaço suficiente,
acessibilidade física, segurança adequada, incluída a da posse, estabilidade e durabilidade das
estruturas, iluminação, aquecimento e ventilação suficientes, uma infraestrutura básica,
incluindo serviços de abastecimento de água, saneamento e eliminação de resíduos, qualidade
do meio ambiente e de saúde, localização adequada e com acesso ao trabalho e aos serviços
básicos, tudo isso a um custo acessível.

É de se notar, por conseguinte, que a proteção e concretização do direito à moradia é


condição para garantia da própria dignidade da pessoa humana, um dos pilares do Estado
Democrático de Direito19, razão pela qual deve ser acessível a todos os indivíduos,
independentemente da sua condição social. Nas palavras de Monteiro20, “só se pode falar em
efetiva garantia da dignidade humana, quando, além dos seus demais componentes, estiver
também garantido o direito a uma moradia adequada.”

3.2 A moradia enquanto direto humano fundamental e seu caráter


prestacional

Como visto no tópico anterior, o direito à moradia é parte integrante do núcleo de


direitos essenciais à dignidade da pessoa humana, uma vez que o seu exercício viabiliza a
garantia a direitos como vida, integridade física, intimidade e privacidade. Não bastasse isso,

18
SOUZA, Sergio Iglesias Nunes de. Direito à moradia e de habitação: análise comparativa dos seus aspectos
teóricos e práticos com os direitos da personalidade. 3. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013.
19
A ideia de um Estado Democrático de Direito surgiu a partir dos movimentos constitucionalistas do século
XX, que culminaram na consagração dos direitos sociais nos sistemas jurídicos de inúmeras Constituições
Federais, notadamente porque boa parte desses direitos sociais possui como fundamento o princípio da
dignidade da pessoa humana, como ocorre em relação ao direito à moradia.
20
MONTEIRO, Vítor de Andrade. Considerações sobre a fundamentalidade dos direitos sociais e suas
consequências na efetivação do direito social a moradia. In: SILVA, Jéssica A. C.; ENRHARDT JÚNIOR,
Marcos (Coord.) Hermenêutica jurídica & efetivação dos direitos sociais: homenagem a Andreas Krell.
Curitiba: Juruá, 2014. p.203-221, p. 215.
40

a moradia possibilita o acesso a demais direitos sociais como saúde, educação, trabalho e
lazer. Isto porque, numa visão mais pragmática, é através da fixação de um endereço que são
viabilizados saneamento básico, luz, água encanada, transporte, enfim, toda sorte de serviços
imprescindíveis à uma vida digna. Esta associação do direito à moradia com a dignidade da
pessoa humana, consoante nos ensina a melhor doutrina, o ergue a condição de direito
humano fundamental.

Sobre tal característica, importa esclarecer, de pronto, que, embora os direitos


fundamentais e os direitos humanos destinem-se, ambos, a garantir uma existência digna ao
homem, é preciso destacar, na linha do pensamento de Sarlet21, que o termo "direitos
fundamentais" aplica-se para aqueles direitos da pessoa reconhecidos e positivados na esfera
do direito constitucional de determinado Estado, ao passo que a expressão "direitos humanos"
guarda relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições
jurídicas que se atribuem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com
determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, revelando
um inequívoco caráter supranacional.

Sob um outro prisma, Magalhães22 diz que os primeiros decorrem da própria noção de
pessoa, são direitos básicos que compõem a base jurídica no seu nível atual de dignidade, e
dependem das circunstâncias políticas, sociais e econômicas de cada época e lugar. Já os
segundos, segundo Canotilho23, “são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos” e
“arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal”.

No caso do direito à moradia, a sua caracterização enquanto direito humano


fundamental decorre do seu reconhecimento tanto no plano constitucional brasileiro, como no
plano internacional. Neste último, a proteção encontra raízes na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, promulgada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 10 de
dezembro de 194824, nos seguintes termos:

21
SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental a moradia na constituição: algumas anotações a respeito de seu
contexto, conteúdo e possível eficácia. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, n. 20. Disponível em:
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwj_wtmH3sXVAhUF
WSYKHXrwBScQFggmMAA&url=https%3A%2F%2Fedisciplinas.usp.br%2Fpluginfile.php%2F370724%2Fmod
_resource%2Fcontent%2F1%2Fdireito-fundamental-c3a0-moradia-ingo-
sarlet.pdf&usg=AFQjCNG1XQecdrbnZCINFDiXFV_SBlCkow> Acesso em: 07 ago. 2017.
22
MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Direito constitucional. TI, Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.
23
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 369.
24
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS - ONU. Declaração Universal de Direitos Humanos. Paris,
1948. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/> Acesso em: 29 ago. 2017.
41

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família
saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e
os serviços sociais indispensáveis, o direito a segurança, em caso de desemprego,
doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (Grifo nosso).

Ainda da Declaração, fica evidente a proteção ao lar do indivíduo, tendo sido


consignada, no inciso XII, a proteção contra “interferências na sua vida privada, na sua
família, no seu lar [...]”. Segundo Souza25, a partir de então, reconheceu-se a necessidade de
tutela da vida privada no âmbito da moradia, e que esse reconhecimento taxativo do direito de
habitação como um dos elementos capazes de assegurar um padrão de vida digno, justifica a
sua elevação ao grau de direito humano.

A partir de então, o direito à moradia passou a ser expressamente reconhecido por


vários tratados e documentos internacionais, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 19 de dezembro de 1966 e fiscalizado, desde 1895, pelo Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. O órgão criado, inclusive, tem emitido comentários gerais,
através dos quais é possível se estabelecer, numa perspectiva global, parâmetros para
cumprimento do pacto pelos Estados-Partes.

Com efeito, através do Comentário Geral n. 4, foram estabelecidos componentes


indispensáveis a uma moradia digna, sem quais não há como considerá-la adequada aos
parâmetros definidos no pacto. Tal como já mencionado em linhas anteriores, seriam eles:
segurança da posse; disponibilidade de serviços de infraestrutura, como água potável,
saneamento básico, iluminação e coleta de lixo; custo adequado, de forma a não comprometer
outros direitos humanos; segurança física e estrutural, com proteção contra o frio, umidade,
calor, chuva, vento, e outras ameaças à saúde; localização não isolada oportunidades de
emprego, serviços de saúde, escolas, creches e outras instalações sociais; respeito à expressão
cultural nas edificações sem que se olvide do emprego de facilidades tecnológicas modernas.

Não bastasse isso, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre
Assentamentos Humanos (Habitat I), que aconteceu em Vancouver, Canadá, em 1976, foi
criado, em 1978, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-

25
SOUZA, Sergio Iglesias Nunes de. Direito à moradia e de habitação: análise comparativa dos seus aspectos
teóricos e práticos com os direitos da personalidade. 3. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013.
42

HABITAT). A organização é a encarregada de coordenar e harmonizar atividades em


assentamentos humanos dentro do sistema das Nações Unidas, facilitando o intercâmbio global
de informação sobre moradia e desenvolvimento sustentável de assentamentos humanos.

Mais recentemente, em 2010, a ONU-HABITAT lançou a Campanha Urbana


Mundial, que foca na necessidade de ter cidades sustentáveis, com pouca desigualdade e
com serviços básicos de qualidade. Compõe essa campanha a chamada Aliança das Cidades,
uma iniciativa conjunta entre ONU-HABITAT e o Banco Mundial, que busca o
melhoramento de assentamentos precários e promove políticas e estratégias de
desenvolvimento de moradia digna.

Não bastasse isso, dentre os objetivos globais da Organização das Nações Unidas está a
garantia de acesso a moradia e serviços básicos adequados e seguros e melhorar os bairros
precários para todas as pessoas, até 2030. Trata-se, especificamente, de garantir o acesso de
todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos, além da
urbanização das favelas.26

Em âmbito nacional, embora a Constituição Federal de 1988 tenha incorporado o direito


à moradia, de forma expressa, somente através da Emenda Constitucional n. 26/2000, o texto
original já tratara da questão da moradia em outros dispositivos, a exemplo da menção feita
pelo constituinte ao dispor sobre a competência comum da União, dos Estados e dos
Municípios para “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico”, e dos artigos relativos ao usucapião, nas formas
especial urbana (art. 183) e rural (art. 191).

Ainda, impende salientar que, desde 1992, por intermédio do Decreto n. 19127, o Brasil
já havia ratificado o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966),
o qual consignou o reconhecimento, pelos Estados partes, do “direito de toda pessoa a um
nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e
moradia adequadas”, devendo promover “medidas apropriadas para assegurar a consecução
desse direito”.

26
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS. Informações extraídas do site oficial da ONU-Brasil.
Disponível em: <https://nacoesunidas.org/agencia/onuhabitat/> Acesso em: 15 ago. 2017.
27
Texto legal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm> Acesso
em: 28 set. 2017.
43

Não obstante, como ensina Sarlet28, o reconhecimento do direito à moradia seria


possível independentemente de previsão expressa, uma vez que decorreria do princípio da
dignidade da pessoa humana. Segundo o autor, a dimensão positiva da dignidade da pessoa
humana demanda a satisfação de necessidades existenciais básicas para uma vida com
dignidade. E acrescenta:

Com efeito, sem um lugar adequado para proteger-se a si próprio e a sua família
contra as intempéries, sem um local para gozar de sua intimidade e privacidade,
enfim, de um espaço essencial para viver com um mínimo de saúde e bem estar,
certamente a pessoa não terá assegurada sua dignidade...

Como já dito outrora, a moradia, enquanto necessidade primária do ser humano, é


condição indispensável a uma vida digna, uma vez que a casa representa o abrigo apto à
proteção de outros direitos essenciais, tais como vida, saúde, liberdade, intimidade e
privacidade. É que esses últimos, doutrinariamente intitulados direitos de primeira geração,
embora representem defesas do indivíduo em face do Estado, e também de outros indivíduos,
somente se mostram eficazes na exata medida em que sejam acompanhados de condições
materiais mínimas que possibilitem a sua fruição. Tais condições devem estar na órbita da
atuação positiva estatal, a quem cabe efetivamente intervir na vida social de modo a melhorar
as condições de vida da população.

Neste particular, Silva29 ensina que os direitos sociais representam uma dimensão dos
diretos fundamentais do homem, na medida em que visam à melhoria de condições de vida
aos mais fracos, proporcionando a igualdade necessária ao gozo dos direitos individuais. Com
efeito, os direitos sociais representam um conjunto de condições econômicas, sociais e
culturais, que são pressupostos dos direitos e garantias individuais. Segundo Canotilho30, são
autênticos direitos subjetivos inerentes ao espaço existencial do cidadão e tem, portanto, a
mesma dignidade subjetiva das liberdades e garantias.

28
SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental a moradia na constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto,
conteúdo e possível eficácia. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, n. 20, p. 15. Disponível em:
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwj_wtmH3sXVAhUFWS
YKHXrwBScQFggmMAA&url=https%3A%2F%2Fedisciplinas.usp.br%2Fpluginfile.php%2F370724%2Fmod_resourc
e%2Fcontent%2F1%2Fdireito-fundamental-c3a0-moradia-ingo-
sarlet.pdf&usg=AFQjCNG1XQecdrbnZCINFDiXFV_SBlCkow> Acesso em: 07 ago. 2017.
29
SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
30
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002.
44

No dizer de Lafer, citado por Nolasco31, existe uma complementariedade entre os


direitos de primeira e de segunda geração, sendo que os últimos buscam assegurar as
condições para o pleno exercício dos primeiros. Neste mesmo sentido, Piovesan32 explica que
“não há direitos fundamentais sem que os sociais sejam respeitados”, porquanto o nosso texto
constitucional “acolhe o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos
humanos, pelo o qual o valor da liberdade se conjuga com o valor da igualdade, não havendo
como divorciar os direitos de liberdade dos direitos de igualdade.”

Em verdade, o enquadramento enquanto direito fundamental transpõe a mera previsão


positiva no texto constitucional. É que a noção de fundamentalidade reveste-se de conteúdo
axiológico dirigido à consecução dos objetivos constitucionais, que tem como um dos seus
fundamentos a dignidade da pessoa humana.33 Como aqui já se asseverou, o direito a moradia
é condição indispensável à garantia da dignidade da pessoa humana, já que possibilita o
acesso aos meios necessários à uma vida digna.

A despeito disso, a Emenda Constitucional n. 26/2000, ao incluir expressamente a


moradia no rol do art. 6º da Constituição Federal, tornou inequívoco o seu reconhecimento,
pelo ordenamento jurídico brasileiro, enquanto direito fundamental social, o que o caracteriza
como liberdade positiva, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito.34 Esse
reconhecimento, segundo Sarlet35, garante ao direito à moradia um regime jurídico dotado de
privilégios no âmbito da arquitetura constitucional. Noutro dizer, significa que, por seu
conteúdo e relevância, o direito à moradia, tal como os demais direitos fundamentais, fora
tratado pelo constituinte como merecedor de tratamento diferenciado, tendo sido, portanto,
retirado do âmbito de disponibilidade dos poderes constituídos.36

31
LAFER, Celso, 1988 apud NOLASCO, Loreci Gottschalk. Direito fundamental a moradia. São Paulo:
Pillares, 2008.
32
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 8. ed. rev. ampl. atual. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 34.
33
MONTEIRO, Vítor de Andrade. Considerações sobre a fundamentalidade dos direitos sociais e suas
consequências na efetivação do direito social a moradia. In: SILVA, Jéssica A. C.; ENRHARDT JÚNIOR,
Marcos (Coord.) Hermenêutica jurídica & efetivação dos direitos sociais: homenagem a Andreas Krell.
Curitiba: Juruá, 2014. p.203-221.
34
MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais – Teoria geral, comentários ao art. 1º ao 5º da
Constituição da república Federativa do Brasil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
35
SARLET, Ingo Wong. Os direitos sociais como direitos fundamentais: contributo para um balanço aos vinte
anos da Constituição Federal de 1988. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre – Belo
Horizonte, 2008, p. 163-206.
36
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2012.
45

É que a fundamentalidade, para além de um mero enquadramento teórico, possui


características que conduzem a consequências de ordem prática e servem de baliza axiológica não
só para o legislador infraconstitucional, mas também para as escolhas do administrador público.37
Com efeito, além de possuírem posição hierárquica superior no ordenamento jurídico, possuindo,
inclusive, um processo mais difícil de revisão, as normas de direito fundamental possuem
aplicabilidade imediata, consoante previsão do art. 5º, § 1º da Constituição Federal.

Neste particular, importa explicitar, que o termo “aplicabilidade imediata” não ostenta
interpretação uníssona na doutrina pátria. Há autores, como Ferreira Filho38, que acreditam
que a aplicação imediata preceituada no referido dispositivo estaria condicionada a regulação
infraconstitucional. De outro lado, há doutrina que defenda, a exemplo de Grau39, que o termo
supõe a imediata aplicabilidade das normas nele referidas, ensejando o surgimento de direito
subjetivo individual, independentemente de integração legislativa.

Contudo, considerando os objetivos desta pesquisa, parece-nos mais acertada a adoção


de interpretação mais intermediária, segundo a qual, na linha de pensamento de Barroso40 o
artigo 5º, § 1º da Constituição Federal não deve ser interpretado como regra, mas como um
princípio, devendo-se garantir a máxima efetividade possível. Segundo o autor:

o intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição:


entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquele que permita a
atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se
refugiem no argumento da não aplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão
do legislador.

É dizer, a melhor exegese da referida norma deve partir da premissa de que esta possui
cunho principiológico, como uma espécie de mandado de otimização, que impõe aos órgãos
estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos, sendo certo que seu

37
MONTEIRO, Vítor de Andrade. Considerações sobre a fundamentalidade dos direitos sociais e suas
consequências na efetivação do direito social a moradia. In: SILVA, Jéssica A. C.; ENRHARDT JÚNIOR,
Marcos (Coord.) Hermenêutica jurídica & efetivação dos direitos sociais: homenagem a Andreas Krell.
Curitiba: Juruá, 2014. p.203-221.
38
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantais
fundamentais. Revista da Faculdade de Direito das FMU, São Paulo, 1989; FERREIRA FILHO, Manoel
Gonçalves. A Aplicação Imediata das Normas Definidoras de Direito e Garantias Individuais, Revista da
Faculdade de Direito das FMU, São Paulo, 1989.
39
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1997.
40
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
46

alcance dependerá do exame da hipótese em concreto, isto é, da norma de direito fundamental


em pauta.41

Portanto, ainda que determinado direito fundamental esteja insculpido em norma


considerada de cunho programático e, em princípio, dependa de regulamentação
infraconstitucional, não há como negar-lhe um carga de eficácia passível de tutela. Em
raciocínio semelhante, Sarlet42 afirma que todas as normas definidoras de direitos
fundamentais, independentemente da necessidade de integração normativa, dentre outras
notas de eficácia, condicionam a atividade da Administração Pública e do Poder Judiciário na
aplicação, interpretação e concretização de suas normas e geram, no mínimo, direito subjetivo
no sentido negativo, já que sempre possibilitam que o indivíduo exija do Estado que este se
abstenha de atuar de forma contrária ao conteúdo da norma que consagra o direito
fundamental.

Neste particular, é oportuna a lição de Alexy43, no sentido de que as normas de direitos


fundamentais possuem dimensões conexas, mas que não se confundem, de modo de
determinado dispositivo constitucional pode abranger posições jurídicas de naturezas
diversas, as quais dividiu em “direitos a algo”, “liberdades” e “competências”. Sobre a
primeira posição, que é que interessa ao presente estudo, o autor explica que o objeto de um
direito a algo é sempre uma ação do destinatário, que podem ter por objeto uma ação negativa
ou uma ação positiva. Aduz que, no âmbito dos direitos em face do Estado, os direitos
negativos, também chamados direitos de defesa, são compostos por direitos a que o Estado
não impeça ou não dificulte determinadas ações do titular do direito; não afete determinadas
características ou situações do titular do direito; e não elimine determinadas posições jurídicas
do titular do direito. Já quanto aos direitos positivos, ensina que seriam aqueles cujo objeto é
uma ação fática ou normativa.

No caso do direito à moradia, como ocorre em relação a outros direitos fundamentais,


segundo Sarlet44, a eficácia contempla um complexo de direitos e de deveres de cunho
negativo (de defesa) e positivo (prestacional). A condição de direito negativo encontra-se no

41
SARLET, Ingo Wong. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
42
SARLET, Ingo Wong. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
43
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução da 5ª edição alemã por Virgílio Afonso da
Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 193 e ss.
44
SARLET, Ingo Wong, ob. cit., 2011, p. 33-34.
47

fato que a moradia, como bem jurídico fundamental, encontra-se, em princípio protegida
contra e qualquer sorte de agressões de terceiros, sendo exemplos de tal proteção a
inviolabilidade de domicílio e a proteção ao bem de família. Igualmente, a dimensão negativa
do direito à moradia impõe a edição de “medidas legislativas objetivando uma efetiva
proteção da moradia”, o “controle de constitucionalidade de eventuais restrições impostas ao
direito à moradia” e a “proteção do direito à moradia contra um retrocesso, ou seja, contra
uma supressão ou esvaziamento por parte, principalmente, do legislador”.

Contudo, para o presente trabalho, interessa a classificação do direito fundamental à


moradia na sua dimensão positiva ou prestacional, a qual impõe ao Estado a execução de
políticas públicas que possibilitem o acesso universal da população à moradia digna. No dizer
de Nolasco, o direito à moradia:

não é apenas um direito subjetivo à moradia propriamente dito, nem também é um


direito subjetivo privado que permita a qualquer indivíduo exigir do outro que lhe
proporcione habitação, ou que lhe permita apropriar-se de qualquer coisa alheia, ou,
mesmo, ocupá-la; por fim, não se configura como um direito subjetivo público que
justifique o comportamento de apropriação ou de ocupação em relação ao Estado ou
em relação aos imóveis do Estado. O direito à moradia apenas integra um dever
político imposto ao Estado no sentido deste adotar providências tendentes à
realização, à prestação do direito de habitação própria, objetivo de cada
cidadão. (Grifo nosso).

Portanto, em pese a essencialidade do direito a moradia, este não se configura enquanto


direito subjetivo, mas há de se reconhecê-lo como um direito de eficácia jurídica que
pressupõe a ação positiva do Estado, através de execução de políticas públicas, nas searas
urbana e habitacional. Ou seja, a sua concretização depende das opções que o Estado fizer em
programas político-sociais de habitação, as quais devem visar, segundo Saule Júnior45, à
garantia o acesso de todos ao mercado habitacional, notadamente para os segmentos sociais
que não têm acesso ao mercado e vivem em condições precárias de habitabilidade e de vida.

3.3 O papel do município na efetividade do direito à moradia à luz do


Estatuto da Cidade e seus instrumentos de participação popular

Como dito anteriormente, o direito a moradia, enquanto integrante da categoria de


direitos humanos fundamentais, tem sua eficácia social condicionada à ação positiva do
Estado que, através da execução de políticas públicas, deve possibilitar o exercício de tal

45
SAULE JÚNOR, Nelson. O direito à moradia como responsabilidade do Estado Brasileiro. Disponível
em: <http://polis.org.br/publicacoes/o-direito-a-moradia-como-responsabilidade-do-estado-brasileiro/> Acesso
em: 15 out. 2017.
48

direito. Tratando do tema inicialmente a partir da perspectiva da repartição de competências


no âmbito da Constituição Federal, é preciso consignar, de pronto, que é competência comum
da União, dos estados e dos municípios a promoção de programas de moradia e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico.

Privativamente à União, fora reservada a competência para instituir diretrizes para o


desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.
Concorrentemente, também à União e, igualmente, aos Estados e ao Distrito Federal, compete
legislar sobre matérias de direito urbanístico. No entanto, a principal entidade federativa
envolvida na concretização do direito à moradia é o município, a quem fora atribuída ampla
competência para promover políticas públicas voltadas à concretização de tal direito. Com
efeito, além de competir-lhe a legislação de interesse local, ao município foi atribuída a
promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano, além da execução da política de desenvolvimento
urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, com o objetivo de ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.46

Em âmbito infraconstitucional, é o Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257, de 10 de


julho de 2001), o suporte legislativo que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição
Federal e, portanto, serve de norte aos processos de planejamento urbano. Segundo Fernandes47,
o referido diploma legal veio consolidar a nova ordem constitucional quanto ao controle
jurídico do desenvolvimento urbano, e reorientar a ação do poder público, do mercado
imobiliário e da sociedade, com base em novos critérios econômicos, sociais e ambientais.

De fato, tendo tramitado por mais de dez anos, o estatuto regulamenta o uso da
propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem
como do equilíbrio ambiental. Conforme pensamento de Saule Júnior48, pode ser considerado
uma lei madura, que contempla um conjunto de medidas legais e urbanísticas essenciais para a
implementação da reforma urbana nas cidades brasileiras, o que fora construído com base nas
experiências de política urbana, habitacional e de regularização fundiária e de participação
popular vivenciadas em diversas cidades brasileiras na década de 90. O autor ainda acrescenta:

46
Cf. art. 23, X, art. 24, I, art. 30, I e VIII, e art. 182, todos da Constituição Federal de 1988.
47
FERNANDES, Edésio. Um novo Estatuto para as Cidades Brasileiras. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.).
Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2002.
48
SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a reforma urbana.
São Paulo: Pólis, 2001.
49

O Estatuto da Cidade é uma lei inovadora que abre possibilidades para o


desenvolvimento de uma política urbana com a aplicação de instrumentos de
reforma urbana voltados a promover a inclusão social e territorial nas cidades
brasileiras, considerando os aspectos urbanos e sociais e políticos de nossas cidades.

Trata-se, assim, da norma que sedimenta no ordenamento jurídico a obrigação do


administrador público de dar efetividade ao direito à moradia, além de servir de norte a toda
atuação estatal de cunho urbanístico, induzindo à aplicação dos instrumentos constitucionais
da política urbana, além de privilegiar princípios constitucionais como os da gestão
democrática da cidade, da participação popular e da função social da propriedade. No dizer de
Fernandes49, o Estatuto da Cidade decorreu do reconhecimento da carência de moradias nas
cidades brasileiras e da proliferação das formas de ilegalidade no que concerne aos processos
de acesso ao solo urbano. Aduz o autor que esses fatos decorrem não só da falta de uma
política pública habitacional efetiva e da ausência de meios acessíveis de obtenção de uma
moradia através do mercado imobiliário, mas de todo um sistema jurídico excludente que
esteve em vigor até a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Nesse intento, o de promover e criar meios aptos a garantir o direito à moradia, o


estatuto elenca as diretrizes de que se valer o administrador público, sobretudo o municipal,
para ordenar das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Dentre todas, em razão
dos objetivos deste trabalho, merecem aqui destaque: a garantia do direito a cidades
sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infra-estrutura urbana, ao transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações; a gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; adequação dos
instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos
do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar
geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; regularização fundiária e
urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de

49
FERNANDES, Edésio. Um novo Estatuto para as Cidades Brasileiras. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.).
Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2002.
50

normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação


socioeconômica da população e as normas ambientais.50

É de se notar que, embora as diretrizes representem normas gerais de Direito


Urbanístico e, portanto, sejam dirigidas para a atuação de todos os entes federativos, é no
Município, em virtude do art. 182 da Constituição Federal e do princípio da preponderância
do interesse51, que se concentram as maiores competências e responsabilidades no que se
refere à política urbana. Conforme Patrão e Gomes52:

Para alcançarmos o ideal de qualidade de vida imposto por nosso ordenamento


jurídico, fundado no Princípio da Dignidade humana (art. 1°, inc. III, da CF/88), é de
suma importância compreender a nova ordem jurídico-urbanística nacional,
desenvolvida através da democratização do processo decisório, em que a
descentralização das políticas públicas, com o fortalecimento dos Municípios, ganha
relevante destaque.

Por esta razão, cumpre especialmente ao ente munícipe a aplicação das diretrizes
elencas no Estatuto da Cidade, de acordo com as suas especificidades e com a realidade local,
devendo, para tanto, constituir uma ordem legal urbana própria e específica, tendo como
instrumentos fundamentais a Lei Orgânica Municipal e o Plano Diretor.53 Com efeito, o
planejamento urbanístico é instrumento essencial na transformação da realidade urbana, sendo
certo que os planos municipais, em razão da própria proximidade do poder local com as
necessidades e anseios sociais, mostram-se imprescindíveis na gestão eficiente das cidades.
Neste mesmo sentido, Patrão e Gomes:

Diante do quadro de incertezas acarretadas pelo atual quadro de desordem urbana, é que
o papel do Município ganha notória relevância, diante da sua inata destreza na busca
pelo desenvolvimento de políticas públicas [...]. Nesta sua vocação natural, qualquer
projeto, que vise superar o caos urbano, deve ter plena consciência da natureza e
dinâmica locais em que se concentram os problemas de uma determinada cidade. 54

50
BRASIL. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>
51
O ordenamento constitucional adotou o princípio da preponderância dos interesses, em que as matérias de
interesse nacional são de competência da União; matérias de interesse regional, de competência dos Estados-
membros e matérias de interesse local, de competência do Município. O Distrito Federal, conforme art. 32, §1º
da Constituição Federal de 88, acumula matérias de interesse regional e local.
52
PATRÃO, Benedicto de Vasconcellos Luna Gonçalves; GOMES, Rosângela Maria de Azevedo. O direito à
cidade sob a perspectiva do direito de família: o direito à convivência comunitária e a proteção jurídica da
criança e do adolescente no contexto urbano. In: AIETA, Vania (Coord.). Cadernos de direito da cidade:
estudos em homenagem à professora Maria Garcia: série I. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2014, p. 46.
53
SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a reforma urbana.
São Paulo: Pólis, 2001.
54
PATRÃO, Benedicto de Vasconcellos Luna Gonçalves; GOMES, Rosângela Maria de Azevedo, ob. cit.,
2014, p. 51-52.
51

Neste desiderato, pode o município pode constituir órgãos governamentais e instituições


municipais de habitação, ou instituir um sistema municipal de habitação que compreenda o
sistema de gestão da política habitacional com participação popular, estabelecer mecanismos
financeiros como fundos públicos, constituir programas de habitação de interesse social e
instrumentos urbanísticos. Valendo-se ainda das disposições do Estatuto, tem o Município à
disposição os seguintes instrumentos: a) parcelamento e edificação compulsória de áreas e
imóveis urbanos, IPTU progressivo no tempo, desapropriação para fins de reforma urbana, o
direito de preempção ou da outorga onerosa do direito de construir, destinados à assegurar o
cumprimento da função social da propriedade urbana; b) usucapião urbano, concessão de
direito real de uso e zonas especiais de interesse social, que ajudam a promover a
regularização fundiária; e c) Conselhos de Política Urbana, Conferências da Cidade,
orçamento participativo, audiências públicas, iniciativa popular de projetos de lei e estudo de
impacto de vizinhança, a fim de possibilitar a gestão democrática da cidade. 55

Entretanto, é o Plano Diretor, segundo dispõe o próprio estatuto, o “instrumento básico


da política de desenvolvimento e expansão urbana”. Todas as diretrizes e instrumentos
previstos no Estatuto da Cidade devem estar disciplinados no Plano Diretor municipal. No
dizer de Jesus e Ferreira56:

O Plano Diretor caracteriza-se como o principal instrumento utilizado para garantia


de desenvolvimento e sustentabilidade urbana, criando um sistema de planejamento
e gestão da cidade no sentido de orientar as políticas públicas a serem desenvolvidas
nos próximos anos em todas as áreas da administração pública municipal. [...]
Portanto, o Plano Diretor é o melhor instrumento para garantir a qualidade de vida,
mantendo de forma sustentável o equilíbrio da sociedade. (Grifo nosso)

Com efeito, é através do adequado planejamento das políticas públicas, que o poder
público pode lograr eficiência na transformação da realidade urbana, e garantir o exercício
dos direitos fundamentais, corriqueiramente violados em face do irracional crescimento
urbano. É dizer, o planejamento pode ser compreendido como instrumento apto a direcionar
as ações estatais na correção das falhas decorrentes do processo de urbanização desordenada,
bem como na concretização dos direitos sociais, conduzindo a cidade de modo que ela passa a

55
SAULE JÚNIOR, Nelson; RODRIGUEZ, Maria Helena. O direito à moradia. In: LIMA JÚNIOR, Jayme
Bevenuto; ZETTERSTROM, Lena (Org.). Extrema pobreza no Brasil - a situação do direito a alimentação e
moradia adequada. São Paulo: Loyola, 2002.
56 JESUS, Iago Santana de; FERREIRA, Gabriel Luis Bonora Vidrih. Participação da sociedade civil no Plano
Diretor. Revista Anais do Sciencult, v. 1, n. 3, 2010. Disponível em:
<http://periodicos.uems.br/novo/index.php/anaispba/article/viewFile/256/188> Acesso em: 08 out. 2017.
52

ser pensada de forma otimizada, direcionada ao fim precípuo do Estado: o bem-estar e a


qualidade de vida dos seus habitantes, e também das gerações futuras.57

Previsto no art. 182, §1º da Constituição Federal e, igualmente, no art.40, caput, da Lei
10.257/2000, o Plano Diretor, conforme Silva58, caracteriza-se como plano em virtude de
prever os objetivos a serem alcançados, o prazo em que estes devem ser atingidos, as
atividades a serem implementadas e quem deve executá-las; e é diretor, por fixar as diretrizes
do desenvolvimento urbano do município. Afirma o autor que é por meio do plano diretor que
se define o melhor modo de ocupar um município ou região, são previstas as áreas onde se
localizarão os pontos de lazer, as atividades industriais e todos os usos do solo, não somente
para o presente, mas também para o futuro.

Contudo, considerando os objetivos deste trabalho, não se pretende abordar tal


planejamento sob um enfoque técnico. Importa aqui considerar aos aspectos de cunho político,
porquanto o processo de elaboração de um plano diretor, por certo, deve comportar a
composição de diversos interesses, provenientes de diversos setores da sociedade civil, na
medida em que “a partir do diagnóstico cientifico da realidade física, social, econômica, política
e administrativa da cidade”59, deve consolidar, em um único documento a ser aprovado por lei
municipal, “um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento socioeconômico e futura
organização espacial”60 da cidade. Essa perspectiva política, inclusive, pode ser depreendida do
próprio Estatuto da Cidade, o qual garante, não só no processo de elaboração do plano diretor,
como também na fiscalização de sua implementação, a participação popular, seja através das
audiências públicas, ou mesmo da publicidade e do acesso, a qualquer interessado, aos
documentos produzidos. No dizer de Gondim61, essa inovação democrática tem por escopo
trazer para dentro do plano os reais conflitos que permeiam a cidade, em contraposição à uma
visão tradicional, marcada pela tecnocracia, pela exclusão e pelo formalismo.

57
MARQUES, José Roberto. Meio ambiente urbano. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
58
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000.
59
VILLAÇA, Flávio. Dilemas do Plano Diretor. In: O Município do Século XXI: cenários e perspectivas. ed.
especial. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam: 1999, p. 238.
60
VILLAÇA, Flávio. Dilemas do Plano Diretor. In: O Município do Século XXI: cenários e perspectivas. ed.
especial. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam: 1999, p. 238.
61
GONDIM, Linda M. P. et al. Plano diretor participativo: instrumento para democratizar a gestão urbana. In:
ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, XXIX - 25 a 29 de outubro de 2005. Anais..., 2005. Disponível em: <
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwjMuIPcpsHXA
hXKiZAKHaurBDsQFggmMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.anpocs.com%2Findex.php%2Fencontros%2Fp
apers%2F29-encontro-anual-da-anpocs%2Fgt-25%2Fgt01-17%2F3631-lindagondim-
plano%2Ffile&usg=AOvVaw3hucyYAc2oTG0H-uosdmvy> Acesso em: 15 nov. 2017.
53

Contudo, corroborando aqui o pensamento de Villaça62, embora a participação popular


nos planos diretores, institucionalizada pelo Estatuto da Cidade, tenha por escopo o alcance
da democracia, da igualdade e da justiça nas decisões políticas, passando a ser disseminada
“como uma espécie de vacina contra a arbitrariedade, a prepotência e a injustiça”, o que
tornaria os cidadãos iguais perante o poder público, a verdade é que existem grandes
diferenças entre os grupos e classes sociais, não só no que se refere aos poderes político e
econômico, mas também relativas aos métodos de atuação e aos canais de acesso ao poder e,
sobretudo, em relação interesses. Ainda, aduz o autor que:

Evidentemente num país desigual como o Brasil, com uma abismal diferença de poder
político entre as classes sociais, conseguir uma participação popular democrática – que
pressuporia um mínimo de igualdade – é difícil. Essa a principal razão da ‘Ilusão da
Participação Popular’. Assim, os debates públicos seriam apenas a ponta de um
iceberg, ou seja, aquilo que não aparece é muito maior do que a parte que aparece.

Sobre o tema, Avritzer63 ensina que os planos diretores, e a obrigação da realização das
audiências públicas, constituem um desenho participativo de ratificação. A afirmação decorre
de uma classificação proposta pelo autor que considera existentes no Brasil três modelos de
participação, os quais denomina de desenhos participativos de baixo para cima, desenhos
institucionais de partilha do poder e, por fim, desenho institucional de ratificação. O autor
coloca como exemplo dos primeiros os orçamentos participativos, os quais, segundo ele, “são
uma forma aberta de livre entrada e participação de atores sociais capaz de gerar mecanismos
de representação da participação”. Os segundos poderiam ser identificados nos conselhos de
políticas, os quais, de fato, “são constituídos pelo próprio Estado, com representação mista de
atores da sociedade civil e atores estatais.” Por fim, os planos diretores, como dito, seriam
exemplos do desenho institucional de ratificação que, nas palavras do autor:

difere tanto dos desenhos ‘de baixo para cima’ quanto dos desenhos de partilha de
poder. No caso dos primeiros, a grande diferença com o processo de ratificação
pública é que eles não iniciam o processo de deliberação política, mas, pelo
contrário, finalizam um processo já iniciado no âmbito do próprio Estado. Em
relação ao processo de partilha de poder, os desenhos de ratificação pública variam
no que se refere à maneira como Estado e sociedade civil se relacionam: no caso dos
desenhos de ratificação pública eles envolvem mais atores sociais na ratificação e
sua relação é com uma decisão tomada anteriormente pelo Estado. (Grifos nossos)

62
VILLAÇA, Flávio. As ilusões do Plano Diretor. São Paulo: Edição do autor, 2005, p. 50.
63
AVRITZER, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a
variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública, Campinas, v.14, n.1, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762008000100002> Acesso em: 16 nov.
2017.
54

Avritzer considera que o desenho utilizado nas audiências públicas possui baixa
capacidade democratizante e baixa efetividade, sobretudo quando o contexto em que se insere
denota a debilidade da sociedade civil ou a presença de um sistema político anti-participativo.
Com efeito, a qualidade da participação popular não deve ser confundida com uma simples
consulta visando à identificação de necessidades da população ou, ainda, com um mero canal
para o recebimento de reivindicações pelo Poder Público.64

Experiências vivenciadas em diversas cidades apontam para uma deficiência na


participação facultada por ocasião das audiências públicas. Em São Paulo, no ano de 2002, a
despeito de terem sido realizadas 26 audiências públicas, alguns setores foram à justiça com
demandas relativas a informações incompletas em relação às mudanças de zoneamento e a
não aceitação, pelos participantes das audiências, de seus representantes. O plano foi
aprovado com um número considerável de emendas pontuais de vereadores, o que reflete
“uma sociedade civil dividida e uma sociedade política que necessita da normatização da
participação popular para torná-la eficaz.”65

Outro exemplo de insucesso na participação popular em audiências públicas ocorreu em


Salvador, no ano de 2004. Na capital baiana, as audiências públicas para o plano diretor foram
mantidas no mínimo exigido pela lei, e tiveram baixíssima presença. Tal quadro talvez tenha
decorrido da ausência de divulgação ampla acerca dos eventos, uma vez que a convocação se
deu apenas pelo Diário Oficial do município. No final, foram realizadas apenas duas
audiências públicas no ano de 2003 com baixíssima presença da população e de associações
civis, o que resultou, inclusive, na anulação judicial do plano.66

Em Fortaleza, a revisão do Plano Diretor de 1992 fora construída por uma associação
técnica ligada à Universidade Federal do Ceará – UFC, e encaminhado para a Câmara

64
GONDIM, Linda M. P. et al. Plano diretor participativo: instrumento para democratizar a gestão urbana. In:
ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, XXIX - 25 a 29 de outubro de 2005. Anais..., 2005. Disponível em: <
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwjMuIPcpsHXA
hXKiZAKHaurBDsQFggmMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.anpocs.com%2Findex.php%2Fencontros%2Fp
apers%2F29-encontro-anual-da-anpocs%2Fgt-25%2Fgt01-17%2F3631-lindagondim-
plano%2Ffile&usg=AOvVaw3hucyYAc2oTG0H-uosdmvy> Acesso em: 15 nov. 2017.
65
AVRITZER, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a
variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública, Campinas, v.14, n.1, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762008000100002> Acesso em: 16 nov.
2017.
66
AVRITZER, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a
variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública, Campinas, v.14, n.1, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762008000100002> Acesso em: 16 nov.
2017.
55

Municipal de Fortaleza. Apenas após o ajuizamento de ação civil pública, movida pelo o
Ministério Público em conjunto com a Federação de Entidades de Bairros e Favelas de
Fortaleza, o projeto de lei foi retirado da Câmara, para dar início a novo processo de
discussão, com a devida participação popular.67

Igualmente, em Maceió, cidade a que se dirige a intervenção proposta neste estudo,


percebe-se um distanciamento entre o que seria a participação ideal e a que vem ocorrendo.
Por ocasião da elaboração do Plano Diretor de Maceió68, no ano de 2005, embora se
verificasse a inclusão da participação popular em pelo menos quatro etapas (atividades
preliminares, conhecimento da realidade, diagnóstico e aprovação), nos relata Menezes que
não é possível afirmar que houve uma participação popular efetiva. No dizer da autora, a
etapa de atividades preliminares, em síntese, se resumia à divulgação do plano, informando a
população e convocando-a a participar. Quanto à fase chamada conhecimento da realidade,
esta incluía pesquisa de opinião pela internet e reuniões participativas com a população, que
acabaram por se resumir em oficinas que tinham por objetivo registrar impressões, vivências e
necessidades da população, e contavam com uma média de apenas 50 a 60 pessoas por
evento. Já o diagnóstico, obtido através do cruzamento das informações colhidas, foi
elaborado unicamente pelo grupo gestor. Por fim, no que se refere à aprovação, que se daria
no decorrer das audiências públicas, esta não se deu mediante votação pela população.

Atualmente, o referido plano diretor está sendo revisado.69 Para tanto, foram realizadas
pela Prefeitura de Maceió cinco audiências públicas e quatro oficinas temáticas, todas no ano de
2015, e hoje o plano já se encontra em fase de elaboração por uma equipe técnica. Contudo,
consoante se depreende das gravações arquivadas em acervo da SEDET, a própria metodologia
empregada não favorece o exercício efetivo da participação popular. É que, consoante
explicitado na primeira das audiências, a primeira parte delas seria destinada à exposição, por
palestrantes escolhidos pela Prefeitura, acerca de aspectos técnicos relativos ao plano, sendo o
debate reservado apenas para o final. Ainda, a logística prevista para os debates, que
possibilitava apenas três minutos para exposição de ideias e questionamentos pela sociedade,

67
GONDIM, Linda M. P. et al. Plano diretor participativo: instrumento para democratizar a gestão urbana. In:
ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, XXIX - 25 a 29 de outubro de 2005. Anais..., 2005. Disponível em: <
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwjMuIPcpsHXA
hXKiZAKHaurBDsQFggmMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.anpocs.com%2Findex.php%2Fencontros%2Fp
apers%2F29-encontro-anual-da-anpocs%2Fgt-25%2Fgt01-17%2F3631-lindagondim-
plano%2Ffile&usg=AOvVaw3hucyYAc2oTG0H-uosdmvy> Acesso em: 15 nov. 2017.
68
MACEIÓ. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente de Maceió - SEDET.
Termo de Referência: Plano Diretor de Maceió, 2003.
69
Para maiores informações, consultar o link: < http://www.maceio.al.gov.br/revisao-do-plano-diretor-participe/>
56

mas não limitava o tempo de resposta para os membros do governo, refletia uma flagrante
desigualdade de posições no debate, além de fazê-lo assemelhar-se a uma mera entrevista
coletiva, distanciando-se da lógica de trocas contributivas que deveria nortear o procedimento.

Não bastasse isso, as discussões mais especificas ficaram resguardadas às intituladas


“oficinas temáticas”, as quais, embora não proibissem a participação de qualquer interessado,
aconteciam em dias úteis (o que já inviabilizava o comparecimento da maioria) e não eram
abertas, mas restritas a determinados setores da sociedade. Assim, a primeira delas se destinou
aos segmentos das entidades civis e dos sindicatos e demais entidades de classe; a segunda,
aos movimentos sociais e populares; e a terceira, ao segmento representativo dos Governos
Federal, Estadual, Municipal, Ministério Público e Poderes Legislativos Estadual e Municipal.
Fora prevista, ainda, uma quarta, na qual os participantes das três oficinas anteriores
compilariam as propostas nelas construídas.

Essa lógica de atuação da Administração Pública, a qual debilita as instituições


participativas, transmudando-as em mera formalidade, é fator que contribui de forma
significativa para a ineficácia de direitos fundamentais sociais, como o direito à moradia. Com
efeito, conforme se asseverou acima, é o plano diretor o instrumento básico da política urbana,
devendo estar nele incluídos os instrumentos aptos a promover a regularização fundiária, como
as zonas especiais de interesse social, bem como as diretrizes da gestão da cidade no que se
refere ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer. Todo esse complexo de direitos, conforme definição da Organização das
Nações Unidas70, está compreendido no conceito de moradia adequada. Ocorre que, a despeito
da obrigatoriedade legal de oitiva da sociedade civil, a população, sobretudo a mais carente e
principal destinatária do direito à moradia, se vê, em termos práticos, excluída do debate.

Tratando do planejamento territorial em Portugal, Guerra71 nos relata situação política


semelhante à brasileira. Nas suas palavras, “é preciso reconhecer a crise e o mal profundo das
políticas territoriais e dos fundamentos e finalidades da ação pública na organização dos
espaços”. Segundo a autora, tais políticas, além de pouco operativas, estão sujeitas a críticas

70
Em apertada síntese, o comentário geral n. 4, do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da
ONU define que uma moradia adequada deve contemplar: segurança da posse; disponibilidade de serviços,
materiais, instalações e infraestrutura; economicidade; habitabilidade; acessibilidade; localização adequada; e
adequação cultural. Para informações mais detalhadas, acessar: <https://nacoesunidas.org/>
71
GUERRA, Isabel. O território como espaço de ações coletivas: paradoxos e possibilidades do “jogo
estratégico de atores” no planejamento territorial em Portugal. 341-368. In: SANTOS, Boaventura de Sousa
(Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002, p. 347.
57

constantes pelos vários atores sociais, cada vez mais exigentes, e cujos interesses são de
difícil conciliação. Em vista da variedade e heterogeneidade de atores sociais e projetos,
fluxos e interações, multiplicam-se as necessidades de negociação e de procura de
compromissos. Ocorre que essa descentralização e contratualização acabam por colocar os
atores públicos em uma situação de cooperação e de concorrência inevitáveis. Diante de tal
quadro, a capacidade financeira, o potencial de conhecimentos e a capacidade técnica tornam-
se as variáveis-chave do poder de influência sobre as ações estatais, tornando a abordagem do
urbanismo (e aqui incluímos o direito a moradia) como uma mercadoria sujeita a negociação
permanente, minimizando ou escamoteando a responsabilidade política. Conclui o autor que
esse panorama reflete uma democracia gerencial, característica de um Estado intermediário
dos interesses de alguns, a qual vai de encontro a uma democracia política, a que deve nortear
um Estado que garante da igualdade entre todos.

A elaboração ou a revisão de um plano diretor, nele incluído o planejamento


habitacional, deve viabilizar a efetiva participação daqueles que, de fato, são protagonistas das
suas metas e diretrizes. Nesse mesmo sentido, Schweizer e Pizza Júnior72:

O planejamento da questão habitacional não se pode concentrar em apenas um ou


outro dos seus aspectos (que são, basicamente, o econômico, o financeiro, o social, o
comunitário, o físico-territorial, o construtivo, o administrativo e o institucional).
Dessa forma, o planejamento habitacional não pode ser nem será tarefa restrita a este
ou àquele profissional. Questões ambientais do bairro e da cidade, questões
antropológicas relativas às famílias de uma localidade, questões psicológicas do
morador, questões sociais dentro de uma determinada conformação comunitária,
questões políticas na hora de decidir o como e por quanto fazer as casas, questões
econômicas, questões relativas à sistemática de financiamento, e muitas outras,
todas elas devem somar-se para dar aos problemas uma solução integral, isto é, de
caráter holístico. A casa, moradia, habitação e suas representações são a vida das
pessoas e de uma cidade...

Em verdade, o Estatuto da Cidade, pensado por Saule Júnior73 como um valioso


instrumento de política urbana para promover a reforma urbana nas cidades brasileiras, e
contribuir para mudar o quadro de desigualdade social e de exclusão da maioria da nossa
população urbana, tornando as cidades “mais justas, humanas e democráticas”, ainda não
logrou atender a tal expectativa. Como abordado no capítulo anterior, ao menos no que se
refere ao direito social à moradia, as pesquisas demonstram que ainda é impactante o déficit

72
SCHWEIZER, Peter José; PIZZA JÚNIOR, Wilson. Casa, moradia, habitação. Revista de Administração
Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 5, p. 54-69, 1997, p. 63-64. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/issue/view/840> Acesso em: 16 nov. 2017.
73
SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da cidade: novos horizontes para a reforma urbana.
São Paulo: Pólis, 2001, p. 34.
58

habitacional verificado no Brasil, sobretudo em relação à população mais carente, em relação


à qual o percentual chega a 83,9%. 74

Como aponta Ressinger75, o Estado tem que ser capaz, através da identificação das
diferenças e das singularidades dos cidadãos, de promover justiça social, corrigindo as
disparidades econômicas, e dar igualdade de condições aos cidadãos, mediante a
concretização dos direitos sociais. Conforme a autora, é importante a participação popular
nesse processo, afinal, é o cidadão, seja individualmente ou através de associações, o mais
indicado para definir as prioridades em cada área social, direcionando os investimentos que
devem ser realizados. De fato, é essa “a melhor forma de efetivação dos direitos sociais”.

74
Dados disponíveis em: <http://www.cbicdados.com.br/menu/deficit-habitacional/deficit-habitacional-no-
brasil> Acesso em: 16 out. 2017.
75
REISSINGER, Simone. Reflexões sobre a efetividade dos direitos fundamentais sociais. p. 1776.
Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/simone_reissinger.pdf>
4 A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DA DEMOCRACIA
E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EFETIVIDADE DO
DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

O presente capítulo tem por objetivo abordar a mediação, enquanto método alternativo
de resolução de conflitos, como meio apto a solucionar controvérsias em torno das políticas
habitacionais, tornando mais efetiva a participação do cidadão no controle e execução de
políticas públicas, de forma a contribuir na concretização de direitos fundamentais como o
direito a moradia.

Para tanto, inicialmente, serão abordados o conceito, os modelos e os princípios que


regem a prática da mediação. Pretende-se, ainda, dar ênfase ao princípio do empoderamento
como fator contributivo ao efetivo exercício da democracia pelos cidadãos.

Por último, pretende demonstrar a possibilidade da utilização da mediação pela


Administração Pública e de que forma tal meio consensual pode contribuir para a melhoria
das políticas habitacionais e, consequentemente, para a concretização do direito à moradia.

4.1 Mediação: breves contornos conceituais

A redemocratização do país, instrumentalizada pela Constituição Federal de 1988,


instituiu no país o chamado Estado Democrático de Direito, consolidando a exigibilidade dos
direitos fundamentais e levando à consequente ampliação de número de demandas junto ao
Poder Judiciário. Segundo Barroso1, ressalvada aqui a existência de posicionamentos em
contrário, a Constituição revolucionou o papel do Judiciário, “que deixou de ser um
departamento técnico-especializado e se transformou numa verdadeira ‘função’ política,
capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros “Poderes”
e outros interesses.” Entretanto, o Poder Judiciário, atualmente, não tem vencido sua função
de exercer a jurisdição estatal de modo eficaz e eficiente. Conforme Watanabe:

1
BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 3.
60

O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução


adjudicada dos conflitos, que se dá por meio de sentença do juiz. E a predominância
desse critério vem gerando a chamada ‘cultura da sentença’, que traz como
consequência o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o
congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos
Tribunais Superiores e até mesmo da Suprema Corte. 2

Com efeito, os dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça dão conta de
que, no primeiro grau de jurisdição, onde tramitam 92% do total de processos em andamento
no Judiciário brasileiro, a capacidade produtiva anual é de apenas 27% da demanda.3

Diante de tal quadro, em que se vislumbra a sobrecarga e, portanto, a ineficiência do


Poder Judiciário em atender satisfatoriamente os anseios sociais na resolução dos litígios, é
flagrante a necessidade de ampliação os meios de solução jurídica dos conflitos. Noutro
dizer, sendo certo que “o poder Judiciário não está em condições de atender a todos os
jurisdicionados com rapidez e eficiência, outros meios, mesmo que não estatais, devem ser
buscados.”4 Assim, o sistema autocompositivo surge como uma alternativa para a crise
enfrentada pelo judiciário, e também como forma de resolução que possibilita ganhos mútuos,
através de soluções elaboradas pelas próprias partes por meio de recursos transdisciplinares e
o empoderamento pessoal.5

Nesse cenário, a mediação tem se disseminado como num modelo flexível à disposição
da população, possibilitando o acesso à justiça e resgatando canais de comunicação e
cidadania. Com efeito, da leitura do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105/2015)6,
verifica-se o evidente fomento aos métodos consensuais de solução de conflitos, o que inclui
a mediação, conforme se destaca logo no artigo 3º, o qual consigna: “a realização de
conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. Seguindo
a mesma tendência, a Lei da Mediação (Lei n. 13.140/2015)7, dispõe sobre a realização da

2
WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário nacional para tratamento adequado dos conflitos de
interesses. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 36, n. 195, p. 381-389, maio 2011, p. 383
3
BRASIL. CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Dados estatísticos. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-
estatisticos-priorizacao> Acesso em: 04 nov. 2017.
4
CAMBI, Eduardo; FARINELLI, Alisson. Mediação e conciliação no Novo Código de Processo Civil (PLS
166/2010). Revista de processo, São Paulo, RT, v.194, 2011, p. 277.
5
NUNES, Antônio Carlos Ozório. Manual de mediação: guia prático da autocomposição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016, p. 33.
6
BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm> Acesso em: 06 nov. 2017
7
BRASIL. Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de
solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a
61

mediação entre particulares, bem como sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da


administração pública.

Os referidos normativos trazem, ainda, os princípios que devem nortear a prática da


mediação. Assim, o art. 166, caput, do novo CPC, estabelece que “a conciliação e a mediação
são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da
vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada”. Já a
Lei da mediação, em seu art. 2º, determina que a mediação deve ser orientada pelos princípios
da imparcialidade do mediador, da isonomia entre as partes, da oralidade, da informalidade,
da autonomia da vontade das partes, da busca do consenso, da confidencialidade e da boa-fé.
Por último, a Resolução Nº 125 do CNJ, em seu anexo III, art. 1º, traz o Código de Ética de
Conciliadores e Mediadores Judiciais o qual elege como princípios fundamentais da atuação
de conciliadores e mediadores judiciais: “confidencialidade, decisão informada, competência,
imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes,
empoderamento e validação”.

Segundo o Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça8, além de


valorizar a aptidão das partes para que estas estejam aptas a melhor dirimir futuros conflitos,
através da restauração do seu senso de valor, a mediação dá oportunidade para que as partes
falem sobre seus sentimentos em um ambiente neutro, além de permitir a compreensão do
ponto de vista da outra parte por meio da exposição de sua versão dos fatos. O manual ainda
ressalta a celeridade e o baixo custo do processo de mediação, bem como a possibilidade de
administração do conflito de forma a manter ou aperfeiçoar o relacionamento anterior com a
outra parte.

Assim é que, distintamente do sistema adversarial inerente às querelas judiciais, das


quais resultam em decisões que, revestidas da técnica jurídico-processual, raramente atentam
para as peculiaridades da situação concreta levada a Juízo, a mediação tem por escopo uma
mudança cultural, especialmente no que se refere ao poder dos indivíduos de tomar às
decisões que influenciam a realidade em que se encontram inseridos. Assim, no lugar das
figuras oposicionistas do autor e do réu, a mediação pressupõe que as partes estejam em

Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto n o 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2o do art. 6o
da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13140.htm> Acesso em: 06 nov. 2017.
8
BRASIL. CNJ. Manual de mediação judicial. 2016. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/07/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf> Acesso em:
06 nov. 2017.
62

posição de igualdade e, a partir do restabelecimento do diálogo e da responsabilização


compartilhada quanto à solução do conflito, tende a promover o amadurecimento dos
envolvidos, de forma a propiciar uma mudança de paradigmas no enfrentamento do conflito
em debate, e também de eventuais conflitos futuros.

Com efeito, a mediação se ocupa não só da solução do conflito em si, mas também da
adequada construção do acordo que dela resulta, já que este pode influenciar diretamente no
relacionamento dos indivíduos, positiva ou negativamente. É dizer, diferentemente do que
ocorre na solução obtida no processo judicial, o resultado da mediação leva em consideração
não só resolução do problema a ser mediado, mas cuida também do adequado tratamento à
relação entre os envolvidos no conflito. Por esta razão, há quem aponte a mediação como
método mais adequado à solução de conflitos vivenciados por indivíduos que devam manter,
pelas circunstancias do litigio, ou mesmo por razões de cunho pessoal, uma relação
prolongada no tempo. É o caso de Cahali9, que acredita ser a mediação o método indicado
para situações em que existe um vínculo jurídico ou pessoal continuado entre envolvidos no
conflito. Na mesma linha, Nunes10 entende que a mediação “é adequada para todos os
conflitos, principalmente que as partes mantêm relacionamento continuado, frequente, como
nas relações familiares, societárias, de vizinhança, entre outras”.

Neste particular, é importante destacar, na linha de pensamento de Souza11, que o grau


de envolvimento entre as partes, condicionaria a escolha do modelo de mediação a ser
adotado, conforme classificação adotada no Estados Unidos da América12 e que influencia o
procedimento no Brasil e no resto do mundo.

Assim, segundo a autora, no modelo denominado de “mediação voltada para a solução


de problemas”, a solução se materializa na realização de um acordo, consubstanciando-se, em
verdade, em uma negociação facilitada. Dentro desse modelo, costuma-se distinguir entre a
mediação facilitadora e a mediação avaliadora. Na primeira, o mediador não emite opinião

9
CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. Resolução CNJ 125/2010 (e resolutiva Emenda nº 1 de 31 de
janeiro de 2013), mediação e conciliação. 3. ed. São Paulo: RT, 2013.
10
NUNES, Antônio Carlos Ozório. Manual de mediação: guia prático da autocomposição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016, p. 39.
11
SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos:
negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
12
A mediação voltada para a solução do problema tem como marco teórico a obra dos Professores de Harvard, Roger
Fisher, William Ury e Bruce Patton, “Getting to yes”, publicada nos EUA em 1983. O modelo da “mediação
transformativa” fora proposto por Robert Bush e Joseph Folger, na obra “The promise of mediation”, publicada em
1994 nos EUA. Por fim, o modelo da mediação narrativa, descrito por John Winslade e Gerald Monk na obra
“Narrative mediation: a new approach to conflict resolution”, publicada nos EUA em 2000.
63

sobre qualquer aspecto do conflito ou relacionamento entre as partes, podendo apenas


formular questões, identificar pontos em comum e diferenças a serem trabalhadas, ajudar as
partes a elencarem critérios objetivos para solução do conflito, em suma, orientá-las quanto ao
caminho de busca do acordo. Já na mediação avaliadora, o mediador costuma fornecer às
partes uma previsão quanto ao provável teor de uma decisão proferida pelo juízo competente,
com o objetivo de fazer com que estas caminhem naturalmente para um acordo que, sem
afrontar parâmetros jurídicos, estabeleça uma solução que seja mais confortável para ambas
do que a que decorreria do julgamento baseado em critérios puramente legais.

Quanto ao modelo que se convencionou chamar de “mediação transformativa”, a


solução do conflito não reside na simples apenas na obtenção de um acordo com relação ao
problema específico que gerou o conflito, mas no estabelecimento de um novo padrão de
relacionamento entre as partes, no qual estas passem a ter condições de gerar por si mesmas
soluções para os conflitos que naturalmente surgirão ao longo de seu relacionamento. 13

Sobre esses dois primeiros, conclui a autora que, quanto maior o grau de envolvimento
entre as partes, mais adequada parece ser a perspectiva da mediação transformativa. Diversamente,
quando o grau de relacionamento entre os litigantes é bastante reduzido, a mediação focada
basicamente na realização de acordos, facilitadora ou avaliadora, pode ser suficiente.14

Ainda dentro da classificação americana, a autora menciona a mediação narrativa, a


qual descreve, de forma sintética, como reinterpretação ou reconstrução da posição das partes
em relação ao conflito, o que é feito através do questionamento de seus preconceitos sócio-
culturais. Nesse modelo, o mediador, que não é considerado “neutro” ou “objetivo”, deve
também questionar seus próprios estereótipos e condicionamentos sócio-culturais durante os
trabalhos. Embora o referido modelo pareça ideal para lidar com qualquer tipo de conflito,
mostra-se mais útil em conflitos de maior grau de complexidade.15 Uma outra classificação,
proposta por Leonard Riskin16, considera a abrangência da abordagem do conflito como

13
SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos:
negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
14
SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos:
negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
15
SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos:
negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
16
RISKIN, Leonard L. Compreendendo as orientações, estratégias e técnicas do mediador: um padrão para
perplexos. Artigo publicado na Harvard Negotiation Law Review, v. 1, n.7, 1996. O direito de tradução e
reprodução no Brasil foi concedido ao Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação
da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília pelo Autor e pela Harvard Negotiation Law Review.
Tradutor: Henrique Araújo Costa. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-
64

critério para se estabelecer o modelo de mediação a ser utilizado. Ele fornece um exemplo
hipotético de desentendimento comercial entre duas empresas em que haveria quatro níveis de
interesses a serem explorados. Num primeiro nível, o foco seria o objeto em litigio, com
solução semelhante ao resultado de um processo judicial para decidir o conflito. No segundo,
seriam também discutidos os interesses comerciais existentes, focando também na boa relação
profissional entre as partes. Já no terceiro nível, seriam igualmente trabalhados os interesses
pessoais de melhora na comunicação e no relacionamento entre os empregados das duas
empresas, proporcionando uma evolução moral, com aumento da autonomia e da empatia
entre as partes. Por fim, no último nível, seriam também abordados os interesses de
comunidades e entidades que não são partes imediatas da disputa, mas que podem associar-se
numa ação coordenada a fim de evitar problemas futuros.

Enquanto numa mediação mais restrita estaria focada apenas o primeiro nível, a
mediação ampla poderia explorar os demais, com resultados mais satisfatórios para as partes e
até mesmo para terceiros, a médio e longo prazos. Riskin17 aponta, ainda, as técnicas que o
mediador deve empregar para auxiliar as partes a atingirem seus objetivos, que podem ser
mais avaliativas ou mais facilitativas, a depender do conflito a ser solucionado. Analisando os
parâmetros adotados por Riskin, Sales18 explica:

No extremo dessas estratégias, o mediador avaliador irá dirigir os resultados da


mediação. Na outra ponta as estratégias utilizadas são para facilitar o diálogo entre
as partes. No extremo dessa abordagem facilitativa do mediador, entende-se que sua
função é facilitar a comunicação, possibilitando o entendimento mútuo.

Contudo, embora tais classificações tenham importância do ponto de vista acadêmico,


trazendo esclarecimentos acerca do campo de abrangência da mediação, consoante nos ensina
Sales19, como no Brasil não se dispõe da prática de tantos mecanismos de solução de conflitos,

mediacao-e-negociacao-vol1/compreendendo-as-orientacoes-estrategias-e-tecnicas-do-mediador-um-
padrao-para-perplexos/iii-o-sistema-proposto> Acesso em: 10 nov. 2017.
17
RISKIN, Leonard L. Compreendendo as orientações, estratégias e técnicas do mediador: um padrão para
perplexos. Artigo publicado na Harvard Negotiation Law Review, v. 1, n.7, 1996. O direito de tradução e
reprodução no Brasil foi concedido ao Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação
da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília pelo Autor e pela Harvard Negotiation Law Review.
Tradutor: Henrique Araújo Costa. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-
mediacao-e-negociacao-vol1/compreendendo-as-orientacoes-estrategias-e-tecnicas-do-mediador-um-
padrao-para-perplexos/iii-o-sistema-proposto> Acesso em: 10 nov. 2017.
18
SALES, Lilia Maia de Morais. Mediação facilitativa e “mediação” avaliativa – estabelecendo diferença e
discutindo riscos. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 16, n. 1, p.20-32, 2011, p. 24. Disponível em:
<https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/issue/view/198> Acesso em: 09 nov. 2017.
19
SALES, Lilia Maia de Morais. Mediação facilitativa e “mediação” avaliativa – estabelecendo diferença e
discutindo riscos. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 16, n. 1, p.20-32, 2011, p. 24. Disponível em:
<https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/issue/view/198> Acesso em: 09 nov. 2017.
65

as discussões sobre a definição de conceitos estariam em torno da mediação, negociação,


conciliação e arbitragem. Assim, orientação majoritária brasileira seria a de que a mediação
facilita a comunicação, sem avaliação do mediador. Essa ausência de avaliação seria,
inclusive, um traço distintivo entre a mediação e a conciliação.

À guisa de conclusão acerca das classificações apontadas, e adotando aqui uma visão
mais pragmática e voltada aos objetivos deste trabalho, importa considerar que a mediação no
Brasil, ao menos do que se depreende das diretrizes e princípios dispostos nos normativos
correlatos à matéria, trata-se de procedimento que se destina não somente à solução do conflito.
Encarrega-se, igualmente, da facilitação da compreensão do problema e do diálogo entre as
partes, sem interferências avaliativas, proporcionando-lhes a interlocução e o empoderamento
necessários são só à construção de uma solução consensual da questão concretamente deduzida,
mas também, se necessário, de questões pessoais e até mesmo sociais.

No dizer de Galvão e Galvão Filho20, por ser procedimento não adversarial, consensual
e informal, o terceiro imparcial, escolhido ou aceito pelas partes em litigio, deve auxiliar os
interessados a buscar uma solução justa e adequada ao caso submetido à apreciação. Atua de
modo a facilitar a compreensão do problema, mas sem interferir diretamente, encorajando e
facilitando a resolução de uma divergência. Essa facilitação quanto à compreensão do
problema é também destacada por Tartuce21, para quem a proposta técnica da mediação é
proporcionar outro ângulo de análise dos envolvidos, em substituição à visão voltada apenas à
próprias proposições, de forma que as partes voltem a sua atenção para os reais interesses
envolvidos.

Esse olhar diferenciado sobre o conflito, o qual permite a percepção do problema de


forma mais ampla, com a compreensão mútua dos interesses envolvidos, é o que faz da
mediação um mecanismo não só de solução integral do conflito, mas também de pacificação
social, na medida em que estimula as partes a dirimir não só a situação posta à mediação, mas
eventuais conflitos que possam surgir futuramente. Neste mesmo sentido, Sales22:

2011.
20
GALVÃO, Fernanda Koeler; GALVÃO FILHO, Maurício Vasconcelos. Da mediação e da conciliação na
definição do Novo Código de Processo civil: artigo 165. In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de et al.
(Coord.). A mediação no novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
21
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
22
SALES, Lília Maia de Morais. Mediação de conflitos. Dicionário de Direitos Humanos. Disponível em:
<http://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki-index.php?page=Media%C3%A7%C3%A3o+de+conflitos>Acesso
em: 06 nov. 2017.
66

A mediação, sendo um meio de solução que requer a participação efetiva das


pessoas para que solucionem os problemas, tendo que dialogar e refletir sobre suas
responsabilidades, direitos e obrigações, incentiva a reflexão sobre as atitudes dos
indivíduos e a importância de cada ato para sua vida e para a vida do outro. A pessoa
é valorizada, incluída, tendo em vista sua importância como ator principal e
fundamental para a análise e a solução do conflito. [...]
No tocante à pacificação, ressalta-se que se pratica a paz quando se resolve e se
previne a má-administração dos conflitos, quando se busca o diálogo, quando se
possibilita a discussão sobre direitos e deveres e sobre responsabilidade social;
quando se substitui a competição pela cooperação – o perde-ganha pelo ganha-
ganha. A mediação, como forma pacífica e participativa da solução de conflitos,
exige das partes envolvidas a discussão sobre os problemas, sobre os
comportamentos, sobre direitos e deveres de cada um – todo esse diálogo realizado
de forma cooperativa, fortalecendo o compromisso ético com o diálogo honesto.

Assim, a mediação se “transmuta de um mero procedimento de resolução de conflitos


para se converter em um verdadeiro instrumento de exercício da cidadania”23. Atua como
instrumento democrático, pluralizando a produção da justiça, ao conferir à sociedade
autonomia para a solução de seus próprios conflitos, na medida em que educa os cidadãos
para que se vejam enquanto participantes ativos na solução das suas contendas. Para além de
ser uma alternativa ao litígio judicial, de modo a aliviar a sobrecarga do Poder Judiciário, e
com objetivos que ultrapassam a mera obtenção do acordo, a mediação se reveste de caráter
pedagógico, cujos êxitos são o resgate da interlocução com o outro, a emancipação social e a
efetividade ao acesso à justiça. Outrossim, possibilita-se “a criação de um direito inclusivo,
[...] capaz de absorver as expectativas de uma maior variedade de sujeitos sociais, em especial
aqueles oriundos de segmentos mais marginalizados da sociedade.”24

4.2 Mediação, empoderamento e participação social

Como explicitado no tópico anterior, a mediação pode ser compreendida como um


instrumento democrático de gestão de conflitos, uma vez que, diferentemente do sistema
jurisdicional ainda predominante, no qual incumbe exclusivamente ao Estado-juiz dirimir os
conflitos, pressupõe o empoderamento das partes para que elas próprias possam solucionar
suas demandas. É dizer, mediante auxílio de um terceiro imparcial, o mediador, que facilita o
diálogo, a compreensão mútua e a participação ativa, as partes constroem juntas uma solução
para a questão, além de criar ou fortalecer relacionamentos eventualmente enfraquecidos pelo

23
BEZERRA, Tássio. A mediação enquanto instrumento de emancipação da cidadania e de democratização da
justiça e do direito. Revista Direito & Sensibilidade, 2011, p.224. Disponível em:
<http://periodicos.unb.br/index.php/enedex/article/view/4356/3655> Acesso em: 08 nov. 2017.
24
BEZERRA, Tássio. A mediação enquanto instrumento de emancipação da cidadania e de democratização da
justiça e do direito. Revista Direito & Sensibilidade, 2011, p.224. Disponível em:
<http://periodicos.unb.br/index.php/enedex/article/view/4356/3655> Acesso em: 08 nov. 2017.
67

conflito. Viu-se, portanto, que a mediação não apenas almeja a barganha de interesses para
obtenção do acordo, mas se trata de uma oportunidade para o indivíduo expor sentimentos,
ouvir o outro, ressignificar o conflito e até mesmo transformar-se, de forma a encarar
eventuais conflitos posteriores de forma mais amadurecida, criativa e autônoma.

Com efeito, a mediação, analisada sob uma concepção mais ampla, não se resume
unicamente a um meio de resolução de conflitos. Para além disso, a mediação deve criar ou
recriar laços onde estes não existem mais ou estão consumidos, e estimular a participação e a
responsabilização dos envolvidos, trazendo uma proposta de humanizar as relações,
produzindo uma justiça voltada à qualidade de vida.25 Considerando o seu viés pedagógico,
tendo em vista que os mediandos aprendem a administrar seus conflitos, dialogando e criando
conjuntamente uma solução mutuamente aceitável, a mediação restitui ao cidadão o
protagonismo do conflito, dando-lhe o empoderamento para decidir sobre suas situações
conflituosas futuras.

De acordo com a doutrina americana, mencionada por Souza26, o empoderamento no


processo de mediação, chamado “empowerment”, decorre do encorajamento, dado pelo
mediador a cada uma das partes, para que estas tenham consciência de sua capacidade de
resolver seus próprios conflitos e ganhem autonomia. Assim, empoderar consiste em fazer
com que a parte descubra, a partir das técnicas de mediação aplicadas no processo, que tem a
capacidade ou poder de administrar seus próprios conflitos.

É que, consoante assevera Foley27, o empoderamento dos mediandos, propicia o


desenvolvimento e exercício da autodeterminação, por meio do fomento à reciprocidade entre
os envolvidos no conflito. Na visão da autora, a resposta ideal ao conflito não consistiria em
buscas desenfreadas e beligerantes para extirpá-lo e promover sua solução. Diferente disso, o
conflito demanda uma gestão madura, a fim de propiciar um processo de transformação dos
indivíduos nele envolvidos. Aduz a autora que a mudança paradigmática na ótica do
tratamento do conflito serve para alterar o comportamento das pessoas diante do dissenso,

25
WARAT, Luis Alberto, 2004 apud ROCHA, Leonel Severo; GUBERT, Roberta Magalhães. A mediação e o
amor na obra de Luis Alberto Warat. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 33,
n. 1, p.101-124, jan./jun. 2017. Disponível em: <
https://www.fdsm.edu.br/adm/artigos/5378183e03056a79b0050d0bf187009c.pdf> Acesso em: 08 nov. 2017.
26
SOUZA, Aiston Henrique de et al. Título. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de mediação
judicial. Brasília: Conselho Nacional de Justiça – CNJ, 2016.
27
FOLEY, Gláucia Falsarella. A justiça comunitária para emancipação. In: SPENGLER, Fabiana Marion;
LUCAS, Doglas César (Org.). Justiça restaurativa e mediação: Políticas públicas no tratamento dos conflitos
sociais. Ijuí: Unijuí, 2011.
68

fomentando a responsabilidade compartilhada e solidarizada, de modo substituir os polos


antagonistas, por polos complementares. Ou seja, a mediação estabelece um novo contexto
dentro do qual é viável estabelecer um liame com as diferenças, de modo a não polarizar os
envolvidos, mas sim construindo pontes, sem eliminação e sem fusão, assentando-se em um
aspecto transformador.

Com efeito, mediação, ao empoderar os envolvidos, concedendo-lhes um espaço para


manifestar seus interesses e conversar sobre o problema, pode ultrapassar as barreiras do
litígio, fazendo com que as partes criem ou refaçam suas relações, sejam elas pessoais ou não,
estimulando a sua participação e também a sua responsabilização sobre os conflitos. Segundo
Warat, citado por Rocha e Gubert28, ela pode ser uma proposta de humanizar as relações,
especialmente no que se refere à seara da conflituosidade, produzindo uma justiça voltada à
qualidade de vida. No dizer de Northleet, citada por Sales e Andrade:

[...] ademais de produzir efeitos positivos imediatos, a favorável resolução de um


processo de mediação constitui atividade educativa para todos os envolvidos, com
reflexos de longo prazo na construção de uma sociedade menos litigiosa, onde os
indivíduos busquem de forma negociada a resolução de suas querelas. 29

O empoderamento consiste, assim, na valorização da autodeteminação dos indivíduos


enquanto sujeitos ativos do conflito, como pessoas capazes de livremente conceber-lhe
solução, construindo concretamente uma justiça cidadã e participativa. A mediação é, assim,
não só um mecanismo que pode minimizar o abarrotamento do Poder Judiciário, mas um
instrumento de exercício de cidadania através da busca por uma decisão autônoma e
consensual pelos reais protagonistas da demanda: os indivíduos diretamente envolvidos no
conflito. Com efeito, a mediação busca o descobrimento e a construção de um novo sujeito,
tanto no plano individual quanto no coletivo. Um cidadão impulsionado pelo desejo que lhe
dá sentido a vida, ao mesmo tempo em que comprometido com a coletividade e o futuro.30

28
WARAT, Luis Alberto, 2004 apud ROCHA, Leonel Severo; GUBERT, Roberta Magalhães. A mediação e o
amor na obra de Luis Alberto Warat. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 33,
n. 1, p.101-124, jan./jun. 2017. Disponível em: <
https://www.fdsm.edu.br/adm/artigos/5378183e03056a79b0050d0bf187009c.pdf> Acesso em: 08 nov. 2017.
29
NORTHFLEET, Ellen Gracie, 1994, p. 13 apud SALES, Lilia Maia de Morais; ANDRADE, Mariana Dionísio
de. A mediação de conflitos como efetivo contributo ao Poder Judiciário brasileiro. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, 2011. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242928/000936208.pdf?sequence=3> Acesso em: 07
nov. 2017.
30
BEZERRA, Tássio. A mediação enquanto instrumento de emancipação da cidadania e de democratização da
justiça e do direito. Revista Direito & Sensibilidade, 2011. Disponível em:
<http://periodicos.unb.br/index.php/enedex/article/view/4356/3655> Acesso em: 08 nov. 2017.
69

No dizer de Mageste31, existe um ciclo com níveis diferenciados de empoderamento:


individual, familiar e comunitário. O empoderamento no nível individual estaria relacionado à
melhoria na condição de vida, conscientização, autoestima, autoconfiança e inclusão social. Já
o nível familiar, se refletiria na educação, qualificação, capacitação e melhoria das relações
familiares. Por último, o empoderamento no nível comunitário auxiliaria na conquista e
defesa de direitos, na formação de grupos de apoio, de organizações comunitárias, de
associações e nas ações sociais.

Numa visão semelhante, Carvalho32 adota dois sentidos principais de empoderamento: o


psicológico e o social. O primeiro seria caracterizado como um processo pelo qual se permite
que os indivíduos tenham um sentimento de maior controle sobre a própria vida. Empoderar
seria, assim, despertar no indivíduo a sua autonomia e autoconfiança, tornando-o capaz de
persuadir em seu ambiente e agir segundo os princípios de justiça e de equilíbrio. Como
resultado do processo de empoderamento psicológico, estes indivíduos fortalecem sua
autoestima e sua capacidade de adaptação ao meio, podendo também desenvolver
mecanismos de autoajuda e de solidariedade.

Já o empoderamento social, acarreta a legitimação e dá voz a grupos “marginalizados”


e, simultaneamente, extrai os obstáculos limitadores da aquisição de uma vida saudável para
distintos grupos sociais. Promove a participação social com intuito de elevar o controle sobre
a vida por parte de indivíduos e de comunidades, e proporcionar eficácia política, justiça
social e qualidade de vida. Aduz o autor que, no empoderamento social, encontram-se
inscritos elementos que caracterizam um patamar elevado de "empowerment" psicológico,
além da participação ativa na ação política e a conquista de recursos materiais ou de poder por
parte de indivíduos e coletivos. Explica que, dentre outros fatores de diversas esferas da vida
social, a mediação na mesosfera social encontramos estruturas de mediação contribui para o

31
MAGESTE, Gisele de Souza et al. Empoderamento de Mulheres: uma proposta de análise para organizações.
In: ENCONTRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS GRADUAÇÃO EM
ADMINISTRAÇÃO. V. Anais..., 2008. Belo Horizonte, 2008. Disponível em:
<http://www.anpad.org.br/admin/pdf/EnEO548.pdf> Acesso em: 09 nov. 2017.
32
CARVALHO, Sergio Resende. Os múltiplos sentidos da categoria "empowerment" no projeto de Promoção à
Saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.20, n.4, jul./aug. 2004. Disponivel em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000400024> Acesso em: 09
nov. 2017.
70

empoderamento social, porquanto possibilita que os membros de um coletivo compartilham


conhecimentos e ampliam a sua consciência crítica.33

Assim é que, segundo a concepção de Warat, mencionada por Bentes e Monerat34,


tratando-se de autonomia, cidadania, democracia e direitos humanos, a mediação pode ser
vista como a sua melhor forma de realização. Explica que as práticas sociais de mediação
representam instrumentos de exercício da cidadania, na medida em que educam, facilitam e
ajudam a produzir diferenças e a tomar decisões, sem a intervenção de terceiros. Diz que
autonomia, a democracia e a cidadania, um certo sentido, ligam-se com a capacidade das
pessoas para se autodeterminarem em relação e com os outros. A autonomia seria a
capacidade de produzir diferenças e tomar decisões em relação à conflituosidade, o que nos
determinaria e configuraria em termos de identidade e cidadania. A mediação, seria, nessa
ótica, um trabalho de reconstrução simbólica dos processos conflitivos das diferenças,
permitindo ao indivíduo a formação de sua identidade cultural, integrando-o no conflito com
o outro, com um sentimento de pertinência comum. Seria, assim, uma forma de perceber a
responsabilidade que gravita em torno de um conflito, gerando deveres reparadores e
transformadores.

No dizer de Sales, Alencar e Feitosa35, prática da mediação, ao estabelecer a


participação ativa das pessoas na solução de conflitos e na discussão de questões individuais,
as conduz a discutir também questões de natureza coletiva. Segundo os autores, no Brasil, as
mediações empreendidas nas periferias dos municípios, por exemplo, têm refletido mudanças
no comportamento das pessoas, tornando-as mais participativas não só nas decisões
individuais, mas também nas coletivas. A mediação contribui, assim, para o empoderamento
das pessoas, promovendo o seu autoreconhecimento enquanto sujeitos de direitos, e
mobilizando-as a criar ferramentas sociais de reinvindicação e efetivação dos seus direitos
garantidos pelo ordenamento.

33
CARVALHO, Sergio Resende. Os múltiplos sentidos da categoria "empowerment" no projeto de Promoção à
Saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.20, n.4, jul./aug. 2004. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000400024> Acesso em: 09
nov. 2017.
34
WARAT, Luis Alberto, 2004 apud BENTES, Hilda Helena Soares; MONERAT, Diego Machado. O ofício do
mediador na perspectiva controversial: a arte de construir a autonomia e o sujeito de direito. RIDH - Revista
Interdisciplinar de Direitos Humanos, Bauru, v. 5, n. 1, p. 149-166, jan./jun. 2017.
35
SALES, Lilia Maia Morais de; ALENCAR, Emanuela Cardoso O. de; FEITOSA, Gustavo Raposo. Mediação de
conflitos sociais, polícia comunitária e segurança pública. Revista Seqüência, n. 58, p. 281-296, jul. 2009.
Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2009v30n58p281/13615>
Acesso em: 09 nov. 2017.
71

Com efeito, ao utilizarem-se da mediação e, portanto, ao criarem uma solução que


considerem justa para seus conflitos individuais, as partes assumem a direção de seus
interesses, ao invés de deixá-los ao arbítrio do Estado. Ou seja, a mediação devolve ao
cidadão o controle da sua própria vida, diferentemente do sistema adversarial, o qual lhe
impõe uma solução produzida pelo Estado. Esse novo olhar sobre o conflito, mais maduro e
independente, promove o exercício a cidadania, preparando o indivíduo para a reivindicação e
conquista de seus direitos, e, portanto, fortalece a democracia.

Com efeito, como ressalta Gardini36, em uma sociedade complexa como a que se vive
atualmente, “o interesse público não pode ser somente confiado às instituições, mas reclama a
iniciativa (e não somente a participação) dos cidadãos”. No entanto, é preciso entender de que
forma a mediação poderia se inserir na ordem democrática. Para tanto, vale-se aqui da lição
de Splenger e Ghisleni, que partem da perspectiva de que a gestão pública compartida deve
ser analisada por meio de três bases epistemológicas. A primeira fundamenta-se em um novo
conceito de sociedade, concebida como um conjunto de práticas, discursos e valores que
influenciam no modo como desigualdades e diferenças, direitos e deveres, são tratados e
administrados no cenário público, uma vez que tais direitos e deveres são fruto de um
processo tenso de negociação em face dos conflitos existentes e estes, por sua vez, são
considerados formas de renovação social necessária, por meio da diversidade. Não bastasse
isso, esses mesmos direitos e deveres acabam por regular as práticas sociais, compondo as
regras de reciprocidade esperadas na vida em sociedade, além de construírem vínculos entre
os indivíduos, as classes e os grupos.

Como segunda base, as autoras apontam a necessidade de uma nova compreensão do


Estado, uma vez em que o espaço público dever ser a comunhão interesses estatais e não-
estatais, e por isso a democrática não pode resumir-se à democracia representativa.
Esclarecem, por fim, que a terceira base refere-se à ideia de que a relação entre sociedade e o
Estado deve pressupor uma ampla participação social, não somente por meio dos meios já
existentes, mas sim por meio de outras instituições organizadas, como ocorre nos Conselhos
Populares que auxiliam o Poder Executivo, das comissões temáticas no âmbito do Poder
Legislativo, e na mediação e arbitragem no Poder Judiciário.

36
GARDINI, Gianluca apud SPENGLER, Fabiana Marion; GHISLENI, Ana Carolina. A mediação como meio
de construção de uma administração pública democrática. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 16, n. 1, p.91-
102, 2011, p. 100. Disponível em: <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/issue/view/198> Acesso em:
09 nov. 2017.
72

Noutro dizer, a participação social na gestão dos interesses públicos deve transpor os
limites do voto, da iniciativa de projetos de lei, do plesbicito e do referendo, sendo importante
fomentar também a participação dos indivíduos, “através de rotinas e procedimentos didáticos
que levem em conta as diferenças e especificidades de cada um”37. Para tanto, o Poder Público
deve promover a igualdade de oportunidades aos diferentes projetos de institucionalidade
democrática e garantir “padrões mínimos de inclusão, possibilitando que a cidadania ativa
auxilie na criação, no acompanhamento e na avaliação de políticas públicas e projetos de
governo”. De outro lado, a ampla utilização da mediação pelos cidadãos desenvolverá
aptidões que ultrapassam a resolução de seus próprios conflitos, reforçando a percepção que
“podem e devem participar das decisões políticas de interesse público, auxiliando na
construção de uma esfera pública baseada no amplo diálogo do Estado com a Sociedade
Civil.”38

A mediação funcionaria, assim, como instrumento comunicativo que, ao permitir que as


partes participem, primeiramente, da construção da decisão tomada para o seu conflito,
comprometendo-se e responsabilizando-se, as estimularia a, futuramente, adotar uma
participação mais ampla. No dizer de Sales e Rabelo39, a prática da mediação permite uma
mudança de paradigmas, uma vez que o cidadão, que sempre atribuiu ao Estado a resolução
de seus conflitos, passa a exercer autonomia na gestão de suas contendas, pesquisando a causa
e o meio mais adequado para sua solução. Trata-se, assim, de um poderoso instrumento
democrático, porquanto fomenta a inclusão e a emancipação social e transforma a cultura
política de sujeição em cultura política de participação.

4.3 A mediação no âmbito da Administração Pública como instrumento de


efetivação da participação popular na gestão pública e sua
contribuição na concretização do direito à moradia

Após esclarecido o conceito de mediação, e partindo da premissa de que tal


procedimento, em razão das técnicas e princípios que o norteiam, pode contribuir

37
LEAL, Rogério Gesta. Esfera pública e participação social: possíveis dimensões jurídico-políticas dos direitos
civis e de participação social no âmbito da gestão dos interesses públicos no Brasil. In: LEAL, Rogério Gesta
(Org.). A administração pública compartida no Brasil e na Itália: reflexões preliminares. Santa Cruz do
Sul: Edunisc, 2008, p. 197.
38
SPENGLER, Fabiana Marion; GHISLENI, Ana Carolina. A mediação como meio de construção de uma
administração pública democrática. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 16, n. 1, p.91-102, 2011, p. p. 100-
101. Disponível em: <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/issue/view/198> Acesso em: 09 nov. 2017.
39
SALES, Lilia Maia de Morais; RABELO, Cilana de Morais Soares. Meios consensuais de solução de conflitos
Instrumentos de democracia. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 46, n. 182, abr./jun. 2009, p.
75-88.
73

significativamente para o exercício da democrática através do empoderamento do cidadão à


participação na gestão pública, resta avaliar as bases jurídicas que dariam substrato a uma
iniciativa estatal dirigida a promover a mediação, democratizando seus processos decisórios.
Noutro dizer, cumpre avaliar a possibilidade jurídica de a Administração Pública inserir a
mediação no âmbito da concepção e da execução de suas políticas públicas, de forma a
democratizar a gestão, aproximando-a do cidadão.

Em passado não muito distante, conforme se lê e obra de Wolkmer40, o Estado brasileiro


refletia um modelo assentado nas más práticas, era deficiente na prestação de serviços e alheio
ao atendimento do beneficiário, além de possuir composição arcaica, elitista e viciada de
dominação, à qual se prestava conivência e indiscutível apoio. Acrescenta que esse quadro
favorecia a “perpetuação de relações sociais assentadas no clientelismo, no apadrinhamento,
no nepotismo, no coronelismo, na ética da malandragem e da esperteza.” Noutro dizer,
conforme Cambi41, a cultura de favorecimento sempre esteve arraigada no ideário do gestor
brasileiro, e é produto de um arcabouço histórico de apropriação pessoal da coisa pública com
obtenção de vantagens ilícitas ou indevidas.

Um outro entrave à consensualidade, e consequente democratização na seara pública,


era a ausência de previsão legal, que servia de fundamento à resistência por parte de
administradores públicos na utilização de métodos consensuais de tratamento de conflitos
pela Administração Pública. Talvez por esta razão, segundo pesquisa realizada pela AMB –
Associação dos Magistrados Brasileiros42, é o Poder Público quem concentra a maior parte
das ações iniciadas em primeiro grau de jurisdição, ao menos nas onze unidades da
Federação. Contudo, o advento da Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015) e do Novo Código
de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), deixou claro que Administração Pública está incluída
enquanto destinatária dos métodos consensuais de resolução de conflitos.

A novel legislação coaduna-se com as recentes transformações do conteúdo e dos


princípios do regime jurídico administrativo. Com efeito, mudanças econômicas, sociais e
estatais foram determinantes para o surgimento de novas concepções acerca da Administração

40
WOLKMER, Antônio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Porto Alegre: S. Fabris, 1990, p. 47.
41
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e
protagonismo judiciário. São Paulo: Almedina, 2016.
42
Dados disponíveis em: <http://www.amb.com.br/> Acesso em: 13 nov. 2017.
74

Pública, com base nas ideias de consensualismo, cidadania ativa e eficiência. 43 Não bastasse
isso, com a Constituição de 1988, houve um rompimento do modelo de Estado liberal, uma
vez que seus dispositivos transmitem as preocupações e os objetivos do Estado Social, por
meio da previsão de direitos fundamentais de segunda geração, que exigem prestações
positivas do Estado (dar, fazer, prestar) ao cidadão.44 Essa evolução de um Estado liberal, de
atuação predominantemente abstencionista, para um Estado que passa a exercer importante
papel na garantia do bem comum de sua população, trouxe como consequência inevitável um
necessário alargamento das relações do Estado com a sociedade.45

Já há algum tempo, Cappelletti e Garth46 destacavam a importância das necessárias


alterações no aparelho estatal, as quais denominaram de “terceira onda”, cujo enfoque
preconiza o envolvimento do Estado no acesso à justiça, não mais somente pela via judicial,
mas focando também em políticas públicas que incentivem o consensualismo. Trata-se de
uma nova concepção de Administração Pública, como pensa Eidt:

A concepção de uma Administração Pública que dialoga com o cidadão, o qual é, ao


fim e ao cabo, a razão de ser de todo o aparato do Estado, está bem clara na redação
do novo código processual. A possibilidade deste diálogo, por óbvio, não se
compatibiliza com a pré-definição de que há uma supremacia dos interesses do
Estado sobre aqueles pretendidos pelo indivíduo, sobretudo porque não são poucas
as vezes em que o agir estatal (ou não agir) viola direitos fundamentais. Um poder
público que se utiliza da morosidade do judiciário para se esquivar do cumprimento
de suas obrigações é postura que não se compatibiliza com a Constituição nem com
as normas fundantes do processo civil contemporâneo e expressamente previstas na
novel legislação (consensualidade, celeridade, colaboração e promoção da dignidade
da pessoa humana). 47

De fato, essa necessária transformação da Administração Pública vai na contramão dos


paradigmas clássicos do direito administrativo, que devem ceder lugar à novas interpretações,
compatíveis com a Constituição Federal e com o Estado Democrático de Direito. Assim,

43
DIAS, Maria Tereza Fonseca. A mediação na administração pública e os novos caminhos para a solução
de problemas e controvérsias no setor público. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/maria-tereza-fonseca-dias/a-mediacao-na-administracao-
publica-e-os-novos-caminhos-para-a-solucao-de-problemas-e-controversias-no-setor-publico> Acesso em: 10
nov. 2017.
44
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo poder judiciário. In: SALLES, Carlos
Alberto de (Coord.). As grandes transformações do processo civil brasileiro. São Paulo: Quartier Latin,
2009, p. 109-134.
45
EIDT, Elisa Berton. Os institutos da mediação e da conciliação e a possibilidade de sua aplicação no âmbito da
administração pública. RPGE, Porto Alegre, v. 36 n. 75, p. 55-74, 2015.
46
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfllet. Porto Alegre:
Fabris, 1988.
47
EIDT, Elisa Berton. Os institutos da mediação e da conciliação e a possibilidade de sua aplicação no âmbito da
administração pública. RPGE, Porto Alegre, v. 36 n. 75, p. 55-74, 2015, p.68-69.
75

segundo Binenbojm48, para compatibilizar o regramento do direito público com uma justiça
conciliativa, é preciso repensar o princípio da supremacia do interesse público e a legalidade
administrativa como vinculação positiva à lei. Igualmente, há que se discutir a intangibilidade
do mérito administrativo e a ideia de um Poder Executivo unitário, fundado em relações de
subordinação hierárquica entre a burocracia e órgãos de cúpula do governo. A superação
destes paradigmas, conclui o autor, é possível através da constitucionalização do direito
administrativo, com a adoção do sistema de direitos fundamentais e do sistema democrático
como vetores a pautar a Administração Pública.

Conforme Di Pietro49, o sentido da expressão “constitucionalização do direito


administrativo”, iniciado com Constituição de 1988, produziu intensos reflexos nos princípios
da legalidade e na discricionariedade. Assim, a discricionariedade não ficaria limitada
somente à lei, mas também a todos os valores e princípios consagrados na constituição. Trata-
se, em verdade, da passagem do Estado Legal para o Estado de Direito, o que significa dizer a
submissão do Estado ao Direito, com todos os princípios e valores
que o integram, e não apenas à lei em sentido puramente formal. Vincula-se a lei, assim, aos
ideais de justiça, prestigiando os direitos fundamentais do homem, especialmente pela
consagração do princípio da dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, seria a Constituição, e não mais a lei, o parâmetro de vinculação da


Administração à juridicidade. Assim, também a definição do interesse público foge ao arbítrio
do administrador, e passa a derivar de juízos de ponderação proporcional, a depender dos
interesses envolvidos. O interesse público, portanto, tendo em vista os direitos fundamentais e
a democracia como verdadeiros pilares do Estado democrático de Direito, tem sua supremacia
e indisponibilidade reguladas não mais pela estrita legalidade, mas pela Constituição, com
todos os valores e princípios nela consagrados.

Ainda dentro do contexto de necessária mudança dos paradigmas de atuação da


Administração Pública, não se pode olvidar que a Emenda Constitucional nº 19, de 1998

48
BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: um inventário de avanços
e retrocessos. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 4, n. 14, jul. 2006. Disponível em:
<http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/31086>. Acesso em: 13 nov. 2017.
49
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização do direito administrativo – Reflexos sobre o
princípio da legalidade e a discricionariedade administrativa. Atualidades Jurídicas: Revista do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ‐ OAB, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, jan./ jun. 2012. Disponível
em: <http://www.editoraforum.com.br/ef/wp-content/uploads/2014/05/Da-constitucionalizacao-do-direito-
administrativo.pdf> Acesso em: 14 nov. 2017.
76

incluiu no rol dos princípios administrativos expressos, o princípio da eficiência50. Segundo


Miragem51, são dois os enfoques do princípio da eficiência, em face do direito administrativo
contemporâneo. O primeiro deles relaciona-se com a perspectiva de atualização da estrutura
administrativa, influindo, assim, em mais eficientes “modelos de gestão focados em metas e
resultados, inclusive mediante sua contratualização entre órgãos da administração superior e
os agentes públicos responsáveis pelo alcance dos objetivos definidos”. Já o segundo orienta a
otimização dos recursos financeiros como base da atuação administrativa, inclusive com
relação aos recursos humanos, permitindo aferir a própria conduta do agente público, e não
mais apenas “sob o critério formal tradicionalmente associado ao exame sobre o modo de
exercício de poder, vinculado à legalidade ou discricionário, mas em vista dos resultados
alcançados”. A “eficiência da Administração, pois, diz respeito ao melhor modo de realizar,
suas finalidades”, o qual deve decorrer “de um processo contínuo de redefinição das relações
entre o Estado e a Sociedade”.

Assim, a consensualidade no âmbito da Administração pública, ora estampada no Novo


Código de Processo Civil e também na Lei de Mediação, coaduna-se não só com os novos
entendimentos acerca de interesse público, legalidade e discricionariedade, mas também com
o princípio da eficiência, o qual impõe não só o comprometimento do gestor público com
metas e resultados, mas com a garantia de celeridade no provimento administrativo, com a
participação do administrado na tomada de decisões administrativas e com efetividade da
atuação administrativa.

É de notar, neste particular, que a efetiva adoção de métodos consensuais pela


Administração Pública, dependerá do engajamento, sobretudo, da advocacia pública, a quem
cabe a defesa do Estado, aqui entendida como a guarda do interesse público primário. Com
efeito, à luz dos normativos acima mencionados, poderão a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, o
que deve ocorrer no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública52. De fato, a
advocacia pública deve estender sua atuação para além do âmbito do processo judicial,
atuando também de modo preventivo, e não só por meio de sua atividade consultiva, mas

50
Para José dos Santos Carvalho Filho (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito
administrativo. 28. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 31), o “núcleo do princípio é a procura de
produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro
público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional”.
51
MIRAGEM, Bruno. A nova administração pública e o direito administrativo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013, p. 38-40.
52
Cf. art. 32 da Lei de Mediação e art. 174 do Código de Processo Civil de 2015.
77

agora, a partir do novo Código, através das câmaras de prevenção e resolução administrativa
de conflitos. Deve voltar a sua atenção à concretização dos direitos fundamentais e ao
aperfeiçoamento das instituições democráticas do Estado de Direito, de modo a tornar melhor
a relação da Administração com o cidadão.53

Assim, como também se depreende das normas de regência, em especial da Lei n.


13.140/2015, nas câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos: poderão ser
dirimidos conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; poderá ser analisada a
admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de
controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público; e, ainda, poderá se
promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.54 Ainda segundo
a Lei de Mediação, estão compreendidos na competência das ditas câmaras a prevenção e a
resolução de conflitos que envolvam o equilíbrio econômico-financeiro de contratos
celebrados pela administração com particulares, bem como conflitos decorrentes da prestação
de serviços públicos.

A análise dos parâmetros legais acima transcritos, tal como dispostos no texto, nos
remete à interpretação de que o rol de conflitos discriminados na Lei 13.140/2015 é
meramente exemplificativo, o nos permite concluir que qualquer conflito envolvendo o Poder
Público poderá ser levado às referidas câmaras, a exceção daqueles que somente possam ser
resolvidos por atos ou concessão de direitos sujeitos à autorização do Poder Legislativo (art.
32, § 4º). Conclui-se, igualmente, que a eventual abertura do procedimento tem o condão de
suspender a prescrição (art. 34) e que, havendo consenso entre as partes, o respectivo termo
constituirá título executivo extrajudicial (art. 32, § 3º).

É de se concluir, assim, que, em que pese o regime jurídico peculiar da Administração


Pública, não subsistem mais entraves para que os conflitos que envolvam o Poder Público
sejam resolvidos por meio de consenso, sobretudo quando tal via se apresentar como meio
mais viável à proteção do interesse público. Assim é que, sem que se perca de vista o
interesse público primário, a via consensual pode ser amplamente manejada pela
Administração Pública, sendo diversos os espaços em que pode ser aplicada, a exemplo das
transações na esfera tributária, conflitos entre entes públicos, entre categorias de servidores
públicos, ou mesmo entre a comunidade e o poder público.
53
EIDT, Elisa Berton. Os institutos da mediação e da conciliação e a possibilidade de sua aplicação no âmbito da
administração pública. RPGE, Porto Alegre, v. 36 n. 75, p. 55-74, 2015.
54
Cf. art. 32, da Lei 13.140/2015 (Lei da Mediação).
78

No entanto, dentre toda a gama de possibilidades de inserção de métodos consensuais,


interessa-nos a utilização da mediação da concepção, implementação e controle de políticas
públicas. Sobre o assunto, Souza55 nos ensina que o tema sem relação com a questão da
participação democrática na Administração Pública, e que já existem, no Brasil, em especial
no âmbito de agências reguladoras, diversas experiências pioneiras de utilização de
mecanismos que propiciam a participação de administrados na elaboração de atos normativos,
o que ocorre, em geral, pela via de realização de audiências públicas, outras vezes pela
oportunidade de apresentar comentários a minutas de normas.

A autora, contudo, faz uma crítica aos mecanismos hoje existentes, os quais envolvem
riscos que poderiam ser minimizados pelo procedimento da mediação. Aponta, assim, citando
Bruna, a existência de riscos à eficiência do procedimento, tendo em vista o inevitável
alongamento temporal do processo decisório, decorrente da maior participação pública, o
encarecimento ou até mesmo a paralisação do procedimento, bem como o risco de “diluição da
responsabilidade”, dada a possibilidade de multiplicação dos centros de decisão. Ainda,
enumera a autora os riscos relativos à igualdade e à impessoalidade, que poderiam representar
também um risco ao interesse público, já que os cidadãos, os grupos e as organizações privadas
participantes de procedimentos em geral não se encontram em posição de paridade fática,
havendo particulares privilegiados pela posse de meios econômicos, políticos e de informação.56

Souza entende que a utilização do procedimento de mediação contribuiria para a


redução de tais riscos, fazendo com que o procedimento em que deva se inserir essa
participação possa ser concluído em tempo e custo razoáveis. Aduz que a atuação do
mediador possibilitaria, ainda, a garantia do devido equilíbrio de poder entre as partes, além
da neutralização da desigualdade de informações, através do compartilhamento de todas as
informações reputadas relevantes para a tomada de decisão.57

Explica a autora que os métodos participativos de que dispomos hoje, a exemplo das
audiências públicas, as quais, como se sabe, não tomam decisões vinculativas para o Poder

55
SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos:
negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
56
BRUNA, Sérgio Varella apud SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos
envolvendo entes públicos: negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo
Horizonte: Fórum, 2012.
57 57
BRUNA, Sérgio Varella apud SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos
envolvendo entes públicos: negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo
Horizonte: Fórum, 2012.
79

Público, embora facultem o amplo debate e participação de todos os interessados, não garante
que o diálogo ocorra de forma produtiva e que partes pouco dispostas a ouvir busquem
construir soluções que contemplem todos os interesses em jogo.

De fato, embora a audiência pública, como efetivação dos princípios do Estado


democrático de direito e da participação popular, constitua-se como importante vertente de
prática democrática, a efetividade da participação e a vinculação das decisões tomadas na
audiência pública são questões abertas, e dependerão do grau de consciência política da
comunidade envolvida e do comprometimento do agente político com o modelo de gestão
democrática, pois não há nenhuma previsão legal que obrigue a sua vinculação.58

Analisando a questão da efetividade da participação sob a ótica dos riscos acima


apontada, pode-se concluir que, quanto menos esforços forem empreendidos para minimiza-
los, menor será a efetividade do procedimento de participação social e maiores serão os
conflitos decorrentes dessa deficiência. Tratando da resolução de conflitos envolvendo
políticas públicas, Souza59 exemplifica conflitos que podem estar subjacentes a uma ação
coletiva envolvendo o Poder Público, os quais podem, igualmente, ser considerados como
decorrências da deficiência do sistema participativo vigente. Assim, conflitos decorrentes da
necessidade de formulação de uma política pública, ou de demandas de reformulação de uma
política pública insuficiente, podem decorrer da ineficiência da participação social na sua
formulação ou mesmo da falta de informação acerca das bases técnicas em que se
fundamentou o gestor público no processo decisório.

Com efeito, como nos relata Viana60, embora as políticas públicas, notadamente, a
política urbana, devam estar a serviço da promoção de direitos fundamentais como o direito à
cidade (dentro do qual incluímos o direito à moradia), de uma forma geral, isso não tem
ocorrido. A autora relata, nessa seara, conflitos de grande repercussão nacional, como o das
operações de reintegração de posse de um terreno de 33 mil metros quadrados no Capão
Redondo, na zona sul da capital paulista em 2009, e também o da Comunidade do
Pinheirinho, em São José dos Campos, interior do estado de São Paulo, em 2012, ambos

58
FONSECA, Gilberto Nardi. A participação popular na administração pública: audiências públicas na
elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos do município. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, n. 160, p. 291-305, out./dez. 2003.
59
SOUZA, Luciane Moessa. Resolução consensual de conflitos envolvendo políticas públicas. Brasília:
Fundação Universidade de Brasília, 2014.
60
VIANA, Cintia Portugal. Mediação como Política Pública de Estado em Conflitos Fundiários Urbanos no
Brasil: reflexões sobre a proposta do Artigo 579 do Projeto do Novo Código do Processo Civil – CPC. Revista
O Social em Questão, Rio de Janeiro, ano XVIII, n. 31, p. 57-72, 2014.
80

marcados por repressão absurda, desproporcional e ilegal. Narra a extrema violência a que foi
submetida a população na ação do despejo e interroga sobre quais seriam as possibilidades
para a construção de algum papel inteligente do Estado nas políticas públicas negociadas, a
fim de que sejam efetivados os direitos existentes na legislação nacional e local.

De fato, os reflexos das deficiências na política urbana habitacional podem ser sentidos
na expressiva quantidade de conflitos relacionados à questão fundiária. No Estado de São
Paulo (o mais populoso do país61), por exemplo, de acordo com dados produzidos pela
Secretaria de Planejamento Estratégico do Tribunal de Justiça, estão em andamento, no
estado, mais de 160 mil ações envolvendo questões que podem ser traduzidas num conceito
amplo de conflito fundiário.62

De fato, são tão habituais os conflitos urbanos decorrentes das deficiências na


formulação e execução de politicas publicas urbanas, dentre as quais incluimos a frágil
participação popular, que o Ministério das Cidades, em documento relativo à projeto de
prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos, os define da seguinte maneira:

Disputa pela posse ou propriedade de imóvel urbano, bem como impacto de


empreendimentos públicos e privados, envolvendo famílias de baixa renda ou
grupos sociais vulneráveis que necessitem ou demandem a proteção do Estado na
garantia do direito humano à moradia e à cidade. 63 (Grifo nosso)

No mesmo documento, o Ministério das Cidades aponta como fatores que geram
conflitos fundiários: a reintegração de posse de imóveis públicos e privados, em que o
processo tenha ocorrido em desconformidade com a garantia de direitos sociais; as obras
públicas geralmente relacionadas à implantação ou melhoria de infraestrutura, resultantes ou
não de desapropriação, que resultem de alguma maneira na expulsão de famílias de baixa
renda; a inexistência ou deficiência de políticas habitacionais municipais e estaduais voltadas
à provisão de habitação de interesse social e à regularização fundiária que possam conferir
solução habitacional adequada para garantir o direito à moradia; a regulação do parcelamento,
uso e ocupação do solo que não tenha destinado áreas na cidade para garantir a segurança da
61
O Estado de São Paulo torna-se um bom parâmetro, pois possui 44.749.699 habitantes, o que corresponde a
cerca de 21,7% da população total do Brasil. Além disso, o estado tem um alto grau de urbanização. Em 2016,
a população urbana é estimada em 96,32% da população total do estado de São Paulo. Dados disponíveis em:
<http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/temas/sao-paulo/sao-paulo-populacao-do-estado.php> Acesso em: 15
nov. 2017.
62
Dados disponíveis em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.200/6393> Acesso em: 15
nov. 2017.
63
BRASIL. Ministério das Cidades – Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Prevenção e mediação de
conflitos fundiários urbanos. Disponível em:
<http://www.ceaf.mppr.mp.br/arquivos/File/apres2409daniel.pdf> Acesso em: 15 nov. 2017.
81

posse da população de baixa renda e a provisão de habitação de interesse social; e, por fim, a
concentração da propriedade da terra.

Note-se que praticamente todos os fatores apontados envolvem, em maior ou menor grau, a
ineficiência ou a inadequação do planejamento urbano, decorrentes, em certa medida, da ausência
de participação popular na gestão pública. Prova disso é que o próprio Ministério das Cidades, ao
definir a prevenção de conflitos fundiários urbanos, coloca a gestão democrática das políticas
urbanas à serviço da garantia do direito à moradia digna e adequada e à cidade, o que se pretende
a partir da provisão de habitação de interesse social, de ações de regularização fundiária e da
regulação do parcelamento, uso e ocupação do solo, que garanta o acesso à terra urbanizada, bem
localizada e a segurança da posse para a população de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis.

Essa ausência de participação popular é igualmente ressaltada por Luchmann64, que afirma
ser preciso reconhecer que as instituições formais básicas da democracia tem se relevado
incapazes de produzir respostas adequadas aos problemas de exclusão e de desigualdades
sociais, o que demanda uma nova concepção da cidadania, a partir do rompimento da noção
de política como atividade exclusiva de “aparatos partidários oligarquizados e de políticos
profissionais com vocação pública discutível”65.

Embora não restassem dúvidas, tendo em vista todo o exposto neste trabalho, de que a
mediação se constituiria em importante instrumento de participação popular na gestão
pública, de forma a contribuir na concretização de direitos fundamentais como o direito à
moradia, tal afirmação é reforçada pela Resolução Recomendada nº 87, de 8 de dezembro de
2009, do Conselho das Cidades. O normativo recomenda ao Ministério das Cidades
instituição da Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos.
Na dita resolução, são considerados, dentre outras, premissas igualmente elencadas no
decorrer do presente trabalho, tais como: o crescimento acelerado das cidades brasileiras nas
últimas décadas e o consequente aumento no número de assentamentos precários não só nas
grandes cidades, mas também nas cidades de médio e pequeno porte; o déficit habitacional
brasileiro; a moradia enquanto direito fundamental; o Pacto Internacional de Direitos

64
LUCHMANN, Ligia Helena Hahn. Democracia deliberativa, pobreza e participação política. Revista Política e Sociedade,
Florianópolis, v. 6, n. 11, 2007. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/issue/view/967/showToc> Acesso em: 01
dez. 2017.
65
FONTANA. R., 2000, p.23 apud LUCHMANN, Ligia Helena Hahn. Democracia deliberativa, pobreza e participação
política. Revista Política e Sociedade, Florianópolis, v. 6, n. 11, 2007. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/issue/view/967/showToc> Acesso em: 01 dez. 2017.
82

Econômicos, Sociais e Culturais, que reconhece o direito de todos a um adequado nível de


vida para si e sua família, incluindo a moradia e a contínua melhora das condições de vida; os
objetivos e diretrizes da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade; e, por
fim, a necessidade de se estabelecer uma nova cultura e uma prática diferenciada no
tratamento dos conflitos desta natureza.

Ainda da resolução, depreende-se que a Política Nacional de Prevenção e Mediação de


Conflitos Fundiários Urbanos deve observar, dentre outros, os princípios da a garantia do
direito à moradia digna e adequada, da prevalência da paz e soluções pacíficas para situações
de conflitos fundiários urbanos e da participação popular e gestão democrática das cidades.
Define-se, ainda, que o papel dos municípios na referida política consiste em buscar atender
as situações de litígios através dos programas habitacionais e de regularização fundiária,
garantir a participação das comunidades envolvidas e dos movimentos sociais de luta pela
moradia nas negociações de conflitos fundiários urbanos, acolher e encaminhar denúncias e
atender pedidos de interlocução em situações de conflito fundiário urbano, com a prioridade
de garantir o direito à moradia da população de baixa renda e, ainda, inserir o tema da
mediação de conflitos fundiários urbanos e direitos humanos nos cursos de capacitação e na
avaliação de profissionais de segurança pública municipais e na formação e avaliação dos
procuradores do município no que couber.66 Assim, demonstrado o importante papel que
incumbe ao município na concretização do direito à moradia, e consideradas, ainda, as
premissas expostas no presente trabalho, relativas à fundamentabilidade do direito à moradia
e à sua carente efetivação, ocasionada, em parte, pela não efetividade da participação social
nas políticas públicas habitacionais, pode-se concluir pela necessidade do aprimoramento na
atuação estatal nesta seara. Esta melhoria, contudo, depende não só da abertura do poder
público ao amplo diálogo com a sociedade, mas do efetivo exercício da cidadania e do
estabelecimento de paridade entre o cidadão, o gestor público e a esfera privada, o que pode
ser possível através da mediação.

4.4 Proposta de intervenção

Ante o exposto no presente trabalho, propõe-se a criação de Câmara de Mediação, no


âmbito da administração pública de Maceió - Alagoas, com atuação específica na atual revisão do

66
BRASIL. Ministério das Cidades. Conselho das Cidades. Resolução Recomendada n. 87, de 08 dezembro de
2009. Publicada no DOU de 25/05/10 seção 01 n. 98, p. 88. Disponível em:
<http://www.concidades.pr.gov.br/arquivos/File/87_Resolucao_Conflitos_versao_final_ConCidadesNacional.p
df> Acesso em: 15 nov. 2017.
83

plano diretor e na sua execução, com vistas a fomentar a participação social e garantir a adoção de
políticas públicas dirigidas à realização do direito à moradia, sobretudo no que se refere à
população menos favorecida.

Nesse intento, pretende-se a proposição da criação de canais de inscrições, para o que


cidadão, mediante breve exposição da sua demanda, possa requerer a abertura de procedimento
de mediação, com o fim de decidir, em conjunto com a Prefeitura e demais órgãos cuja presença
se torne pertinente, de que forma sua sugestão poderá ou não ser inserida no plano.

Considerando o objetivo precípuo do presente projeto, a câmara de mediação, a ser


criada no âmbito da Procuradoria Geral do Município, terá sua atuação restrita às demandas,
contribuições e sugestões relativas ao direito à moradia, considerado em sua acepção ampla,
devendo ter prioridade na tramitação os procedimentos instaurados por pessoas ou
representantes de comunidades carentes.

4.4.1 Público-alvo

O presente projeto dirige-se a todos aqueles que desejem expor demandas locais,
questionar ou mesmo dar a sua contribuição para a revisão e execução do plano diretor de
Maceió, relativamente ao tema moradia. Contudo, o projeto tem como prioridade o
atendimento ao público proveniente de camadas sociais menos favorecidas. A proposta
também tem como público-alvo servidores públicos e gestores de secretarias cujas funções se
relacionem ao tema da moradia, e também procuradores, os quais deverão ser devidamente
capacitados à prática da mediação.

4.4.2 Justificativa da Proposta de Intervenção

O presente projeto de intervenção justifica-se em função dos dados sumariamente


relatados acima. As informações obtidas denunciam uma flagrante realidade de exclusão nos
assentamentos irregulares de Maceió, o que demanda uma atuação administrativa mais
sensível às carências efetivamente vivenciadas pelas pessoas com menor renda.

Não bastasse isso, a pesquisa bibliográfica aponta que, historicamente, ao menos no que
se refere à política habitacional, a relação entre o Estado e a população menos favorecida
mostrou-se predominantemente verticalizada, marcada por decisões tecnocráticas e pouco
abrangentes, as quais foram procedidas pelo primeiro, sem qualquer participação da segunda.
84

Disso resulta que, de uma forma geral, conforme Viana67, as políticas públicas, notadamente a
política urbana, não tem sido dirigidas à promoção de direitos fundamentais como o direito à
cidade e à moradia.

Assim, a presente intervenção, valendo-se da revisão do Plano Diretor de Maceió, a


qual está em realização, pretende a inserção da mediação como instrumento de viabilização da
efetiva participação popular nesse processo, como forma de contribuir na melhoria das
políticas públicas relativas ao direito à moradia e também fomentar a participação social na
gestão pública.

4.4.3 Estratégias de ação

O presente Projeto de intervenção visa, como dito, inserir o procedimento de mediação


dentro da logistica de revisão do Plano Diretor de Maceió, como forma de facilitar a
interlocução do cidadão com o gestor público no que se refere às politicas relacionadas com o
direito à moradia, contribundo para o exercicio da cidadania e tornando a atuação
administrativa mais justa e democrática.

Parte-se da premissa de que a mediação, como procedimento apto a emporar os


individuos e que pode, inclusive, legitimar e dar voz a grupos marginalizados68, pode
conduzir a uma mudança de paradigmas, uma vez que o cidadão, que sempre atribuiu ao
Estado a resolução de seus conflitos, passa a exercer autonomia na gestão de suas contendas,
pesquisando a causa e o meio mais adequado para sua solução. Ou seja, a pode se tornar um
poderoso instrumento democrático, porquanto fomenta a inclusão e a emancipação social e
transforma a cultura política de sujeição em cultura política de participação.69

Para tanto, já fora estabelecido contato com o Secretário de Municipal de


Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente, o qual sinalizou positivamente à implantação
do projeto, tendo, inclusive, se disponilizado à cooperar no que se refere à indicação de

67
VIANA, Cintia Portugal. Mediação como Política Pública de Estado em conflitos fundiários urbanos no
Brasil: reflexões sobre a proposta do Artigo 579 do Projeto do Novo Código do Processo Civil – CPC. Revista
O Social em Questão, ano XVIII, n. 31, 2014.
68
CARVALHO, Sergio Resende. Os múltiplos sentidos da categoria "empowerment" no projeto de Promoção à
Saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.20, n.4, jul./ago. 2004. Disponivel em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000400024> Acesso em: 09 nov.
2017.
69
SALES, Lilia Maia de Morais; RABELO, Cilana de Morais Soares. Meios consensuais de solução de conflitos
Instrumentos de democracia. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 46, n. 182, p. 75-88, abr./jun.
2009.
85

possíveis agentes a serem contactados. Outrossim, o Procurador do Muncipio de Maceió


mostrou-se receptivo ao projeto. Pretende-se, ainda, expor os fundamentos e as diretrizes do
projeto, através de palestras dirigidas à agentes públicos e às lideranças comunitárias acerca
da viabilidade prática do projeto.

Necessário, igualmente, discutir, junto à Prefeitura de Maceió, nas pessoas do Secretário


de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente o do Procurador Geral do Município, acerca
do remanejamento de servidores já integrantes dos seus quadros para as funções de
atendimento aos cidadãos por ocasião das inscrições, triagem e abertura dos processos
administrativos delas decorrentes e realização das sessões de mediação.

Após definidos os servidores a serem designados para os trabalhos relativos à câmara,


tem-se como passos seguintes: reunião com procuradores igualmente aptos à atuação na
camara de mediação a ser criada; a criação de formulário de abertura do procedimento de
mediação, o qual deve ser de preenchimento simples e didádico; a definição das etapas do
procedimento, inclusive no que se refere à forma de priorizar os procedimentos instaurados
pela comunidade carente, o qual deverá ser instituido mediante decreto; a disponibilização dos
formulários nas recepções da Secretaria de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente e
da Procuradoria Geral do Município, e também, na forma eletrônica, do site da Prefeitura de
Maceió.

Por fim, embora o presente projeto tenha como enfoque de atuação a atual revisão do
Plano Diretor, pretende-se manter permanentemente a câmara para que possam ser discutidos
pontos relavantes acerca também da sua execução, garantindo-se, assim, a possibilidade de
constante pparticipação popular na gestão urbanístico-habitacional.

4.4.4 Recursos

Como dito, o presente projeto deverá ser executado demandará tão somente
remanejamento de servidores já integrantes do quadro municipal. Com efeito, o procedimento
proposto, tal como aqui pensado, funcionará com o trabalho de apenas dois recepcionistas, um
em cada secretaria envolvida (SEDET e PGM), um técnico de informática, para criar um link
de inscrição no site da Prefeitura, e quatro procuradores, o quais já se encontram qualificados
a realizar as sessões de mediação, bem como a capacitar demais procuradores, caso
necessário.
86

No que se refere à estrutura física, igualmente, não haverá necessidade de dispêndio de


recursos, uma vez que, no prédio hoje afetado à Procuradoria do Município de Maceió,
existem duas salas de reunião e, ainda, um auditório, os quais, mediante prévio agendamento,
poderão comportar as mediações a serem realizadas. Ainda, o referido órgão já dispõe de uma
boa estrutura de segurança (com guarda municipal, câmeras e catracas de identificação),
conforto (ar condicionado, mobília), computadores e internet.

4.4.5 Cronograma do projeto de intervenção

Tem-se como cronograma de atividade:

Dezembro/2017

a) Reunião com procuradores igualmente aptos à atuação na camara de mediação a ser


criada, para:
- A criação de formulário de abertura do procedimento de mediação
- A definição das etapas do procedimento, inclusive no que se refere à forma de priorizar
os procedimentos advindos de populações carentes;
- Edição do decreto de criação da “Câmara de Mediação Habitacional”;

Janeiro/2018

b) Nova reunião com o Secretário de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente e com o


Procurador Geral do Município, para aprovação da minuta do decreto;
- Envio do Decreto à Procuradoria Legislativa;
- Envio do Decreto ao Diário Oficial, para publicação;
- Início do funcionamento da câmara.
5 CONCLUSÃO

Consoante exposto no presente trabalho, a análise histórica das políticas públicas


nacionais relativas ao direito à moradia denuncia uma atuação estatal fragmentária e exclusiva
do ponto de vista social, o que se reflete no atual déficit habitacional brasileiro, verificado
sobretudo em relação à população de baixa renda. De forma semelhante, a política urbana em
Maceió também se manteve predominantemente atrelada aos interesses de uma elite
econômica, contribuindo negativamente para o desenvolvimento de ações que efetivamente
beneficiassem a população mais vulnerável, a qual padece, ainda, de precárias condições de
vida. Em verdade, em todo o Estado de Alagoas, pode-se depreender uma ação conjunta
histórica do Estado com a elite agrária, a qual se vislumbra desde o período colonial, e que
ainda hoje possui poder político muito forte, resultando numa estrutura social de subordinação
dos poderes constituídos, em detrimento do cumprimento da função social que lhes cabe. 1

A moradia, enquanto referência de origem do homem, espaço de suas relações com a


família e a comunidade, lugar onde sente-se seguro, estável e se autoreconhece2, pode ser
entendida como uma manifestação da identidade pessoal do indivíduo3. Portanto, há que ser
reconhecida, assim como o é, enquanto direito humano fundamental e, por seu caráter social,
impõe-se ao Estado a sua prestação, ou seja, o desenvolvimento de políticas públicas voltadas
à sua concretização. 4 Contudo, o direito à moradia se reveste de caráter complexo, devendo
ser entendido como manifestação da identidade pessoal, da privacidade, de intimidade, como
expressão do direito ao segredo e como valor imprescindível à dignidade da pessoa humana5,

1
LYRA, Fernando José. Formação da riqueza e da pobreza em Alagoas. Maceió: Edufal, 2007, p.83.
2
SILVA, Ana Carolina Lopez da et al. Sensações do morar e a concretização de moradia para idosos egressos de
um albergue. Caderno Temático Kairós Gerontologia 8. São Paulo, nov. 2010, p. 169-193.
3
VASCONCELOS, Pedro Pais, 2006 apud MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Direito à moradia. São Paulo:
Atlas, 2011.
4
Sobre conteúdo e eficácia dos direitos fundamentais, ver: SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos
fundamentais. 12. ed. São Paulo: Livraria dos Advogados, 2015; SILVA, José Afonso da. Direito
constitucional positivo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
5
MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Direito à moradia. São Paulo: Atlas, 2011.
88

razão pela qual a atuação positiva estatal não deve se restringir a mera provisão de habitações,
devendo promover o direito à moradia adequada, que assegure, igualmente, qualidade de vida.

Essa ação positiva do Estado deve ocorrer através de execução de políticas públicas, nas
searas urbana e habitacional. Ou seja, a sua concretização depende das opções que o Estado
fizer em programas político-sociais de habitação, os quais devem visar a garantia o acesso de
todos ao mercado habitacional, notadamente para os segmentos sociais que não têm acesso ao
mercado e vivem em condições precárias de habitabilidade e de vida. 6 Em razão do quanto se
depreende do art. 182 da Constituição Federal e do princípio da preponderância do interesse, é
no município que estão concentradas as principais competências para promover políticas
públicas voltadas à concretização do direito à moradia. Com efeito, além de competir-lhe a
legislação de interesse local, ao município foi atribuída a promoção do adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano, além da execução da política de desenvolvimento urbano, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.7

Os instrumentos para desincumbir-se de tal ônus estão previstos no Estatuto da Cidade,


sendo que é o Plano Diretor, segundo dispõe o próprio normativo, o “instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana”. Todas as diretrizes e instrumentos previstos no
Estatuto da Cidade devem estar disciplinados no Plano Diretor municipal, cujo processo de
elaboração deve comportar a composição de diversos interesses, provenientes de diversos setores
da sociedade civil. Por esta razão, o próprio Estatuto da Cidade garante a participação popular na
elaboração e na fiscalização do plano diretor, consubstanciada, sobretudo, na realização de
audiências públicas. De fato, conforme pensamento de Souza8, os instrumentos de planejamento
estatal, somente serão verdadeiramente importantes na medida em que tenham a sua
operacionalização, regulamentação e implementação influenciadas e monitoradas pelos cidadãos.

Em Maceió, o plano diretor está em processo de revisão.9 Contudo, em que pese tenham
sido realizadas cinco audiências públicas e quatro oficinas temáticas, todas no ano de 2015, a

6
SAULE JÚNOR, Nelson. O direito à moradia como responsabilidade do Estado Brasileiro. Disponível em:
<http://polis.org.br/publicacoes/o-direito-a-moradia-como-responsabilidade-do-estado-brasileiro/> Acesso em:
15 out. 2017.
7
Cf. art. 23, X, art. 24, I, art. 30, I e VIII, e art. 182, todos da Constituição Federal de 1988.
8
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 6.
ed. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2010.
9
Para maiores informações, consultar o link: <http://www.maceio.al.gov.br/revisao-do-plano-diretor-participe/>
89

dinâmica verificada nos referidos eventos, conforme narrado no presente trabalho, dificultou
sobremaneira o pleno exercício efetivo da participação popular. Dentre outros aspectos
questionáveis, a metodologia empregada estabelecia formas dispares de manifestação para o
poder público e os participantes, com claro favorecimento ao primeiro, além de restringir as
discussões mais especificas a oficinas dirigidas a grupos determinados.

Essa lógica de atuação, que vem se verificando também na Administração Pública de


outros municípios, torna frágeis e desacreditadas as instituições participativas, transmudando-
as em mera formalidade, fator que contribui para a ineficácia de direitos fundamentais sociais,
como o direito à moradia. No caso especifico no plano diretor, onde devem estar incluídos
diversos instrumentos aptos a promover o direito à moradia adequada, a exemplo das zonas
especiais de interesse social, igualmente a postura antidemocrática se contrapõe a efetividade
do direito social à moradia, porquanto é o cidadão quem melhor pode definir as prioridades
em cada área social, direcionando os investimentos que devem ser realizados. Entretanto, a
população, sobretudo a mais carente e principal destinatária do direito à moradia, se vê, em
termos práticos, excluída do debate.

Nesse cenário, a prática da mediação, como instrumento que estabelece a participação ativa
das pessoas na solução de conflitos e na discussão de questões individuais, revela-se mecanismo
de transformação social, na medida em que estimula a discussão também de questões de natureza
coletiva. De fato, as mediações que vem sendo empreendidas nas periferias dos municípios, por
exemplo, têm refletido mudanças no comportamento das pessoas, tornando-as mais participativas
não só nas decisões individuais, mas também nas coletivas. Essa modificação do indivíduo,
conhecida como empoderamento, promove o seu autoreconhecimento enquanto sujeito de direitos
e, ao mesmo tempo, o mobiliza a criar ferramentas sociais de reinvindicação e efetivação dos seus
direitos garantidos pelo ordenamento. 10

Assim, considerando o importante papel que incumbe ao município na concretização do


direito à moradia e, ainda, as premissas expostas no presente trabalho, relativas à
fundamentabilidade do direito e à sua carente efetivação, ocasionada, em parte, pela não efetividade
da participação social nas políticas públicas habitacionais, emerge a necessidade de aperfeiçoamento
na atuação estatal nesta seara. Esta melhoria, contudo, depende não só do estabelecimento de uma

10
SALES, Lilia Maia Morais de; ALENCAR, Emanuela Cardoso O. de; FEITOSA, Gustavo Raposo. Mediação de
conflitos sociais, polícia comunitária e segurança pública. Revista Seqüência, n. 58, p. 281-296, jul. 2009.
Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2009v30n58p281/13615>
Acesso em: 09 nov. 2017.
90

comunicação mais próxima entre o Estado e a sociedade, mas do efetivo exercício da cidadania,
através da diminuição das diferenças entre o cidadão, o gestor público e a esfera privada. O caminho
mais célere, justo e adequado à essa transformação social é, sem dúvidas, a mediação.
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ANEXOS
101

ANEXO A

Imagens representativas da diferença de qualidade de vida nos bairros da Ponta Verde e do


Alto da Alegria, em Maceió

Ponta Verde

Fonte: <http://viagemempauta.com.br/>.

Ponta Verde

Fonte: <http://viagemempauta.com.br/>.
102

Alto da Alegria

Fonte: <http://www.alagoas24horas.com.br/>.
103

ANEXO B

Imagens exemplificativas das condições de moradia de parcela da população maceioense

Favela Sururu de Capote

Fonte: <http://www.alagoas24horas.com.br/>.

Favela Sururu de Capote

Fonte: <http://www.alagoas24horas.com.br/>.
104

Grota do Rafael, no Bairro do Jacintinho

Fonte: <http://www.alagoas24horas.com.br/>.

Encosta da Borracheira, no bairro do Mutange

Fonte: <http://www.alagoas24horas.com.br/>.

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