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Na incrível trajetória que foi o doutorado, muitos foram aqueles que contribuíram direta
e indiretamente para o resultado final deste trabalho e, por isso, deixo aqui registrado os meus
sinceros agradecimentos.
À Profª. Drª. Maria José Carneiro por me receber como seu orientando, pela confiança,
por suas valiosas sugestões e direcionamentos tão necessários e pertinentes ao longo do
processo de construção dessa tese.
À Adriana Borges, pelo companheirismo e incentivo de sempre, por seu cuidado, apoio
e dedicação incondicionais nas horas mais difíceis.
Por fim, aos membros do Codeter Litoral Sul agradeço profundamente, principalmente
aos que dispensaram seu tempo e atenção enquanto entrevistados da pesquisa. Reservo também
agradecimentos especiais a Carlos “Garotinho” então coordenador do colegiado, a Geomara
Nascimento e a Cintya Nobre pelo acolhimento nas reuniões, pelo atendimento às minhas
solicitações e pelas informações prestadas.
Queremos saber,
O que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
Na emancipação do homem
Das grandes populações
Homens pobres das cidades
Das estepes dos sertões
Queremos saber,
Quando vamos ter
Raio laser mais barato
Queremos, de fato, um relato
Retrato mais sério do mistério da luz
Luz do disco voador
Pra iluminação do homem
Tão carente, sofredor
Tão perdido na distância
Da morada do senhor
Queremos saber,
Queremos viver
Confiantes no futuro
Por isso se faz necessário prever
Qual o itinerário da ilusão
A ilusão do poder
Pois se foi permitido ao homem
Tantas coisas conhecer
É melhor que todos saibam
O que pode acontecer
Queremos saber, queremos saber
Queremos saber, todos queremos saber
(Queremos saber/ Gilberto Gil/1976).
RESUMO
Uma nova perspectiva para as políticas públicas de desenvolvimento, a territorial, ganhou força
na América Latina a partir da década de 1990, com um olhar especialmente voltado para superar
a dicotomia rural-urbano, promover a inclusão socioprodutiva e adotando a participação social
como um valor fundamental nesse processo. Considerando os esforços que vem sendo
empreendidos para o enfrentamento da pobreza e das desigualdades por meio de políticas cuja
unidade de planejamento e intervenção é o território e, adotando um quadro teórico que buscou
integrar os aspectos institucionais e territoriais do desenvolvimento, este trabalho tem como
problematização e propósito investigar as condições que interferem na constituição de
capacidades institucionais e no desempenho do Colegiado Territorial de Desenvolvimento
Sustentável (Codeter) em direção a um processo de desenvolvimento do Território de
Identidade Litoral Sul da Bahia, levando em conta sua formação e identidade territorial, as
territorialidades estabelecidas, a existência de capacidades coletivas, o ambiente institucional e
as restrições formais e informais. Os procedimentos metodológicos foram conduzidos mediante
a utilização de técnicas de coleta e análise de dados predominantemente qualitativas, sendo um
estudo de caso que teve como sujeitos da pesquisa representantes das entidades que compõem
o Codeter Litoral Sul, cujo material obtido nas entrevistas constituiu a base para a análise
qualitativa de conteúdo. Fundamentados nos relatos dos entrevistados, os resultados indicam
que intervém sobre a constituição de capacidades coletivas e institucionais condições favoráveis
associadas principalmente à atuação do colegiado territorial em dar voz e acesso aos grupos que
historicamente ficaram à margem das políticas públicas. Também são apontadas
potencialidades que podem induzir estratégias assentadas na valorização do sistema
agroflorestal cacau-cabruca, da mata atlântica e de projetos socioambientais e produtivos
baseados na diversidade cultural do território. Contudo, foram identificadas condições inerentes
ao colegiado e outras determinadas pelo ambiente macro institucional que constrangem os
esforços e estratégias de desenvolvimento. Portanto, embora o Codeter Litoral Sul seja
reconhecidamente importante enquanto espaço institucional dentro do processo político-
participativo, pesam sobre o seu desempenho condições restritivas muito expressivas,
reforçadas não apenas pelo comportamento individualista e clientelista, traços atribuídos a
identidade cacaueira, mas também pelo sentimento de descrença no espaço institucional, pela
fragilidade dos mecanismos de controle social, por sua condição subordinada aos interesses
governamentais e pela falta de apoio governamental em suas três escalas de poder,
especialmente pelo total desmantelamento da política de desenvolvimento rural e supressão dos
espaços institucionais de participação logo após o golpe de 2016 no Brasil.
A new perspective for public development policies, the territorial, gained strength in Latin
America from the 1990s onwards, with a view especially to overcome the rural-urban
dichotomy, promote socio-productive inclusion and adopting social participation as a value
fundamental in this process. Considering the efforts that have been made to tackle poverty and
inequality through policies whose planning and intervention unit is the territory and, adopting
a theoretical framework that sought to integrate the institutional and territorial aspects of
development, this work is problematized and aims to investigate the conditions that interfere in
the constitution of institutional capabilities and in the performance of the Territorial Collegiate
for Sustainable Development (Codeter) towards a development process of the South Coast
Identity Territory of Bahia, taking into account their formation and territorial identity, the
established territorialities, the existence of collective capabilities, the institutional environment
and formal and informal restrictions. The methodological procedures were conducted using
predominantly qualitative data collection and analysis techniques, being a case study whose
research subjects were 16 representatives of the entities that make up the Codeter South Coast,
whose material obtained in the interviews constituted the basis for the qualitative content
analysis. Grounded on the interviewees' narrative, the results indicate that favorable conditions
associated with the constitution of collective and institutional capabilities are associated mainly
with the role of the territorial collegiate in giving voice and access to groups that historically
have been excluded from public policies. Potentialities that can induce strategies based on the
valorization of the agroforestry system cocoa-cabruca, of the Atlantic forest and of socio-
environmental and productive projects based on the cultural diversity of the territory are also
pointed out. However, conditions inherent to the collegiate were identified and others
determined by the macro institutional environment that constrain development efforts and
strategies. Therefore, although the Codeter Litoral Sul is recognized as an important
institutional space within the political-participatory process, very expressive restrictive
conditions weigh on its performance, reinforced not only by individualist and clientelistic
behavior, traits attributed to cocoa identity, but also by the feeling of disbelief in the institutional
space, the fragility of the mechanisms of social control, their condition subordinated to
government interests and the lack of government support in its three scales of power, especially
due to the total dismantling of the rural development policy and the suppression of institutional
spaces of participation right after the 2016 coup in Brazil.
Key words: Institutions. Territorialities. Territorial collegiate. Territorial development. South
Coast of Bahia.
LISTA DE FIGURAS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 – O PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO ................. 23
1.1 Abordagem e tipo de pesquisa................................................................................. 24
1.2 Métodos de pesquisa (técnicas de coleta, análise, interpretação dos dados) ....... 26
1.2.1 Técnicas de coleta de dados ....................................................................................... 26
1.2.2 Análise Qualitativa de Conteúdo ................................................................................ 27
1.2.3 Procedimentos quantitativos....................................................................................... 32
1.2.3.1 Análise de similaridade .............................................................................................. 33
1.2.3.2 Análise de Correspondência Múltipla (ACM) ........................................................... 34
1.3 Garantias éticas aos participantes da pesquisa ..................................................... 36
CAPÍTULO 2 - DESENVOLVIMENTO E INSTITUIÇÕES: aproximações teóricas
à abordagem territorial .......................................................................................................... 38
2.1 O paradigma do desenvolvimento: contradições e perspectivas à abordagem
territorial do desenvolvimento ................................................................................ 39
2.1.1 A noção de Desenvolvimento a partir das Nações Unidas: correções e ajustes
pela via do Desenvolvimento Sustentável .................................................................. 42
2.1.2 A abordagem do Desenvolvimento Humano: das contribuições às contradições ao
Desenvolvimento Territorial ...................................................................................... 46
2.2 Instituições, território e o papel das novas institucionalidades no
desenvolvimento territorial.................................................................................................... 50
2.2.1 O Institucionalismo e seus pressupostos teóricos....................................................... 51
2.2.2 Instituições importam, o território também: uma aproximação institucional para a
abordagem territorial .................................................................................................. 53
2.2.3 Instituições, novas institucionalidades e a governança territorial .............................. 56
2.2.4 Das capacidades coletivas às capacidades institucionais: uma perspectiva
instrumental ao Desenvolvimento Territorial............................................................. 62
CAPÍTULO 3 – FORMAÇÃO TERRITORIAL DO SUL DA BAHIA: da economia
cacaueira às novas territorialidades ..................................................................................... 66
3.1 Aspectos da regionalização do espaço sul baiano .................................................. 66
3.2 Processo de colonização e origens da concentração fundiária no Sul da Bahia . 71
3.3 A expansão da lavoura cacaueira sob a ideologia da fronteira:
um mecanismo de incorporação de novas terras, em condição subordinada e
dentro da economia de mercado ............................................................................. 76
3.4 Apropriação e dominação do espaço sul baiano sob a estrutura coronelista ..... 86
3.5 Processos de (re) territorialização de lutas pelo acesso à terra e produção do
espaço no Litoral Sul ................................................................................................ 90
3.6 Apogeu, crise e novas territorialidades no Sul da Bahia ...................................... 99
CAPÍTULO 4 – IDENTIDADE E PARTICIPAÇÃO: elementos para uma
compreensão das condições que interferem na formação de capacidades coletivas no
Litoral Sul ............................................................................................................................. 132
4.1 Percepções sobre os elementos identitários e seus efeitos sobre o
desenvolvimento territorial no Litoral Sul........................................................... 132
4.1.1 A identidade territorial: um processo histórico e relacional de territorialização
do espaço .................................................................................................................. 132
4.1.2 Os sentidos e significados dos elementos identitários do Litoral Sul ...................... 135
4.2 Participação e capacidades coletivas no processo de construção,
monitoramento e avaliação da política territorial no Litoral Sul ...................... 152
4.2.1 Perspectivas e desafios aos espaços institucionais de participação social ............... 153
4.2.2 Condições intervenientes sobre o Codeter Litoral Sul: potencialidades e
restrições à participação e constituição de capacidades coletivas ............................ 156
CAPÍTULO 5 - NOVAS INSTITUCIONALIDADES E O PAPEL DO COLEGIADO
TERRITORIAL NA ESTRUTURA DE GOVERNANÇA E GESTÃO SOCIAL DO
LITORAL SUL ..................................................................................................................... 172
5.1 A abordagem territorial, governança e a territorialização das políticas
públicas .................................................................................................................... 172
5.2 O Codeter Litoral Sul: estrutura, objetivos e diretrizes para o
desenvolvimento territorial ................................................................................... 178
5.3 O Plano de Desenvolvimento Territorial e as diretrizes estratégicas para o
Litoral Sul ............................................................................................................... 183
5.4 Condições intervenientes sobre o desempenho do Codeter enquanto
dispositivo de gestão social e governança territorial no Litoral Sul .................. 193
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 213
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 219
APÊNDICE ........................................................................................................................... 234
15
INTRODUÇÃO
sobre os aspectos tão somente agrários do desenvolvimento rural, mantendo uma trajetória de
exclusão de outros grupos como indígenas, assentados da reforma agrária, assalariados rurais,
artesãos, quilombolas, pescadores, mulheres e jovens (FAVARETO, 2010; PIRAUX et al.,
2017; DELGADO; GRISA, 2014; ZIMMERMANN et al., 2014; DELGADO; GRISA, 2015;
DELGADO; LEITE, 2011; SABOURIN et al., 2016).
A despeito desse paradoxo, existe o reconhecimento dos avanços proporcionados por
esta nova configuração institucional em muitos territórios por todo o Brasil. Cabe ressaltar que
as experiências bem sucedidas foram resultados da sinergia entre Estado e sociedade, com forte
presença do primeiro. Portanto, é temerário considerar “sociedade civil” e “participação social”
de forma isolada, como alternativa ao papel do Estado, embora, desde a década de 1980, a
arquitetura institucional no plano internacional (o Neoliberalismo) tenha sido organizada de
forma a orientar o desligamento do Estado e a transferir para o mercado e sociedade civil a
produção e preservação de bens públicos.
Quanto a isso, se ainda restavam dúvidas sobre os efeitos devastadores do modelo
neoliberal e dos seus condicionamentos impostos aos países da América Latina, principalmente
em vista do recrudescimento das desigualdades, o ano de 2020 foi emblemático ao mostrar o
quão frágil e cínico é o discurso em defesa de Estado mínimo e mercado autorregulável diante
da maior crise sanitária que o mundo já enfrentou, provocada pelo novo corona vírus. A doença
da Covid-19 desvelou de uma vez por todas as contradições e fragilidades do capitalismo em
sua versão neoliberal, quando forçou a sociedade a refletir sobre o bem público e o papel do
Estado: saúde pública, educação pública, rede de proteção à vida, saneamento, segurança
alimentar, transporte público e habitação. A importância e os problemas inerentes a tais serviços
foram expostos no decorrer da crise, revelando os efeitos da ausência do Estado nas condições
de vida das populações mais pobres e, mostrou também, que nada de normal existia antes da
doença.
Por outro lado, o quadro de isolamento e distanciamento social, a interrupção de serviços
e restrições impostas ao comércio e à circulação de pessoas como medidas de enfretamento à
pandemia, reforçou o reconhecimento e a adoção de práticas baseadas no associativismo e nas
capacidades coletivas, na solidariedade e reciprocidade, no fortalecimento dos laços e redes
sociais, no uso de tecnologias sociais, valores estes que foram incorporados mais do que nunca
por grupos socioprodutivos, pela agricultura familiar e movimentos agroecológicos em suas
estratégias de produção e comercialização, o que, reforça ainda mais a importância de políticas
públicas com ênfase na abordagem territorial, tendo em vista que tais políticas devem induzir a
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1980, o território ainda sente os efeitos que foram determinantes para a queda na renda e
ampliação da massa de trabalhadores desempregados. Antes de tudo, é um espaço forjado pelas
interações econômicas, sociais e culturais provenientes do surgimento e expansão da lavoura
cacaueira que se tornou predominantemente a base econômica de 41 municípios, formando o
que se conhece por microrregião de Ilhéus e Itabuna. De acordo com Rocha (2008), a
monocultura do cacau foi responsável pela formação de classes socioeconômicas compostas
por coronéis, comerciantes e trabalhadores rurais, signo de dominação, riqueza, crises, pobreza
e crescimento.
Esse contexto é aqui tratado como um fato histórico determinante para a construção de
uma estrutura social e institucional que privilegiou um modelo de desenvolvimento
subordinado a uma monocultura agroexportadora, cujas fragilidades econômicas e sociais
foram expostas com a crise da lavoura cacaueira. A esse respeito, considera-se fundamental o
papel desempenhado pelo ambiente institucional na reprodução social e material no território
e, quanto a isso, o marco teórico institucionalista pode contribuir para uma melhor compreensão
das condições que afetam o comportamento dos atores sociais frente aos incentivos e
constrangimentos.
Uma aproximação aos aspectos institucionais no âmbito do Pronat foi denominada de
capacidades institucionais, enquanto uma das categorias de avaliação da efetividade da política
territorial. No entanto, a ênfase recai sobre as condições dadas em um nível micro analítico,
circunscritas ao município e dando prioridade aos aparatos institucionais formais, o que, nesse
caso, pode ocultar elementos essenciais para se compreender os determinantes de tais
condições, a exemplo do ambiente (macro) institucional, os aspectos culturais e territoriais, as
restrições formais e informais, as assimetrias de poder e os componentes estruturais e
conjunturais, ou seja, condições que interferem na estrutura de governança e, principalmente,
no desempenho do colegiado de desenvolvimento territorial, foco principal desta pesquisa.
Cabe destacar também que, quando na literatura é abordada a temática das capacidades
institucionais geralmente o fazem, a exemplo de alguns trabalhos (CANIELLO; PIRAUX;
BASTOS, 2014; NUNES et al., 2014; VELLOSO, 2013), utilizando-se dos índices e
indicadores provenientes do banco de dados do Sistema de Gestão Estratégica (SGE) criado
pela então Secretaria de Desenvolvimento Territorial e com base em coleta de dados mediante
aplicação de questionários com perguntas fechadas. Diferentemente desses trabalhos, propõe-
se aqui uma investigação baseada em um processo de escuta dos entrevistados o mais aberto
possível, buscando uma compreensão mais abrangente sobre o funcionamento do Codeter e das
20
condições internas e externas impostas pelo ambiente institucional que afetam o seu
desempenho.
Neste sentido, a ideia de capacidades institucionais remete ao conjunto de atributos,
recursos materiais e imateriais, arranjos político-institucionais, que emergiram ou deveriam
emergir das institucionalidades criadas com a política de desenvolvimento territorial nas esferas
federal e estadual, a exemplo dos Colegiados Territoriais, capazes de induzir os municípios do
TLS a uma trajetória de desenvolvimento, cujos pressupostos básicos, assumidos neste
trabalho, assentam-se na possibilidade de uma mudança institucional. Conta a favor disso, uma
estrutura de governança efetiva, ou seja, que minimize os efeitos negativos de comportamentos
oportunistas e do ambiente institucional, que promova uma maior e mais qualificada
participação social, fortalecimento do capital social, incentivo a novas dinâmicas econômicas
rurais não-agrárias e inclusão socioprodutiva, especialmente tendo os recursos territoriais e
identitários como vetores.
Para tanto, a investigação foi centrada em alguns aspectos considerados aqui
determinantes para a constituição e determinações das capacidades institucionais: a identidade
territorial, considerando os elementos históricos, econômicos e culturais e enquanto
representação dos valores indutores de desenvolvimento e das fontes de restrições incrustradas
na formação cultural do território; as condições que intervém para a ampliação e/ou
enfraquecimento da participação social e, as condições externas e internas que interferem na
estrutura de governança territorial.
Considerando tais aspectos, a investigação foi problematizada no sentido de entender
em que medida e sob quais condições as institucionalidades da política territorial do estado da
Bahia são efetivas para constituir capacidades institucionais no TLS. Como essas condições
intervém no desempenho do Colegiado Territorial para a ampliação e fortalecimento dos laços
e da participação social? Quais os aspectos capacitadores e/ou restritivos que operam dentro da
estrutura de governança territorial? Que sentido tem a identidade territorial enquanto fonte de
restrições e/ou potencialidades para o desenvolvimento do Território Litoral Sul?
Como objetivo geral, pretende-se investigar as condições que interferem no desempenho
do Codeter Litoral Sul e seus efeitos para a constituição de capacidades institucionais no âmbito
da política de desenvolvimento territorial do estado da Bahia. Especificamente, os objetivos
estão assim definidos: Compreender de que forma a identidade territorial impõe restrições e/ou
potencialidades à constituição de capacidades coletivas e a estratégias de desenvolvimento;
identificar as condições que interferem na ampliação e fortalecimento dos laços e da
21
(Conclusão)
Entidades do Poder público Entidades da Sociedade Civil
Assoc. Mãe dos Extrat. da Resex de Canavieiras -
Prefeitura Municipal de Almadina AMEX
Quadro 2 - Sujeitos da pesquisa (membros do Codeter Litoral Sul) relacionados por setor e tipo
de entidade
Participante Setor Tipo de entidade
Participante 1 Sociedade Civil Movimento social
Participante 2 Poder público Poder público municipal
Participante 3 Poder público Entidade estadual
Participante 4 Sociedade Civil ONG socioambiental
Participante 5 Poder público Entidade estadual
Participante 6 Sociedade Civil Setor cultural
Participante 7 Sociedade Civil Entidade de apoio empresarial
Participante 8 Poder público Entidade federal
Participante 9 Sociedade civil Associação
Participante 10 Sociedade Civil Movimento social
Participante 11 Sociedade Civil Entidade sindical
Participante 12 Poder público Entidade estadual
Participante 13 Poder público Instituição pública de ensino superior
Participante 14 Sociedade Civil ONG socioambiental
Participante 15 Sociedade Civil Conselho municipal
Participante16 Sociedade Civil ONG socioambiental
Fonte: Dados da pesquisa.
entrevista para facilitar que os participantes se expressem de modo mais livre. As falas foram
gravadas em áudio por meio de gravador de voz, com a total anuência dos entrevistados. As
questões estavam associadas às temáticas vinculadas às institucionalidades inerentes a atuação
do colegiado, à trajetória de desenvolvimento territorial no Litoral Sul da Bahia e também em
função dos objetivos da pesquisa. Vale ressaltar que a entrevista foi conduzida permitindo ao
entrevistado se manifestar de forma livre, possibilitando até emergir dessa interação questões e
respostas outras, para além das previstas inicialmente.
Com a entrevista, buscou-se captar as percepções, prospecções e outras manifestações
dos sujeitos da pesquisa de modo a levar a uma maior compreensão dos efeitos das novas
institucionalidades surgidas com a política territorial, mais especificamente com o papel do
Codeter na constituição de capacidades coletivas e institucionais, baseadas na valorização dos
recursos territoriais, da participação social e, na indução de alternativas para o desenvolvimento
rural dentro de uma estrutura socioeconômica determinada pela economia cacaueira.
A etapa seguinte consistiu em organizar e preparar o material das entrevistas para a
análise. Isso envolveu a transcrição do conteúdo (gravado em áudio) de cada uma das
entrevistas em sua íntegra e preservando o anonimato dos entrevistados, constituindo, assim, o
corpus textual, a unidade de análise com base na qual foram realizadas todas as seguintes etapas
da análise qualitativa. A transcrição, preparação, organização e análise do corpus textual foram
realizadas com suporte do software Maxqda.
Em seguida, tem-se a fase da pré-análise que consistiu na preparação, organização e
leitura preliminar ou leitura flutuante (BARDIN, 2016) de cada uma das entrevistas, buscando
obter um sentido geral da informação e refletir sobre seu significado. Dessa forma, a leitura
flutuante consiste em estabelecer o primeiro contato com o material e “deixando-se invadir por
impressões e orientações” (p. 122). A autora explica que pouco a pouco a leitura vai se tornando
mais precisa em função das hipóteses emergentes, da projeção de teorias adaptadas sobre o
material e da possível aplicação de técnicas utilizadas sobre materiais análogos. Aqui o material
passa a ser efetivamente conhecido e ajuda a clarificar todo o conjunto de informações contidas
nas entrevistas.
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Quadro 3 - Quadro categórico-analítico para roteiro de entrevistas na avaliação das capacidades institucionais no Território Litoral Sul
Investigar as condições que interferem na constituição de capacidades institucionais e no desempenho do colegiado territorial em direção a um processo
Propósito da
de desenvolvimento territorial rural no Litoral Sul da Bahia, levando em conta os efeitos do ambiente institucional, da formação identitária, das
investigação
territorialidades e das restrições formais e informais sobre a estrutura de governança territorial.
Em que medida e sob quais condições as institucionalidades da política territorial do estado da Bahia são efetivas para constituir capacidades
Questão principal
institucionais e induzir uma trajetória de desenvolvimento no Território de Identidade Litoral Sul?
Refere-se à capacidade de Verificar como os entrevistados avaliam a Como avalia a atuação do Colegiado no atendimento dos
coordenação e às condições estrutura de governança colegiado para a gestão interesses e demandas do território?
existentes que interferem na social do território, bem como os fatores externos Quais os fatores (externos e internos) e /ou condições que tem
estrutura e nos mecanismos de e internos que afetam o seu desempenho. efeitos sobre desempenho do colegiado na estrutura da gestão
Governança e
governança e gestão social do e governança territorial?
Gestão Social
território. Como avalia a interação/articulação do colegiado com as
instancias do poder municipal, estadual e federal? Como estas
instâncias interferem no desempenho e atuação da gestão
social do território?
31
Campos (2004, p. 613) complementa e diz que nesta etapa são empreendidas várias
leituras de todo o material coletado, a princípio sem nenhum compromisso objetivo de
sistematização, mas sim, tentando apreender de uma forma global as ideias principais e os seus
significados gerais. Prossegue o autor afirmando que nesta fase a utilização de uma leitura
menos aderente promove uma melhor assimilação do material e elaborações mentais que
fornecem indícios iniciais no caminho a uma apresentação mais sistematizada dos dados e
permite ao pesquisador transcender a mensagem explícita e, de uma forma menos estruturada,
já conseguir visualizar mesmo que primariamente pistas e indícios não óbvios.
A etapa seguinte cuidou do processo de codificação do material. A codificação é o
processo de organização do material em pedaços, trechos ou segmentos do texto, os quais
oferecem algum tipo de significado. O processo de codificação foi feito em duas fases ou ciclos,
como descrito em Miles, Huberman e Saldaña (2014). Primeiro, foi realizado um ciclo de
codificação inicial tentando encontrar padrões consistentes com o quadro teórico-conceitual a
partir do qual se originou as questões de pesquisa que orientaram a entrevista, ou seja, buscou-
se identificar os significados vinculados aos temas ou categorias pré-estabelecidas. Nesse caso,
a codificação e construção de categorias seguiu um processo dedutivo. As categorias podem
também emergir do conteúdo originado das falas dos entrevistados, manifestos ou latentes,
dando origem a novas categorias que irão complementar, concorrer ou se agrupar às iniciais,
portanto, um processo indutivo.
Enquanto a codificação do primeiro ciclo resume inicialmente os segmentos do texto, o
segundo ciclo, mais abstrato, é uma forma de agrupar esses resumos em um número menor de
categorias, temas ou constructos. Desta forma, o segundo ciclo envolveu a categorização de
códigos baseados em padrões de relacionamento e interação, através de uma estratégia analítica
de codificação de padrões. Os códigos-padrão são códigos explicativos ou inferenciais que
identificam um tópico, um tema emergente, uma configuração ou explicação, permitindo não
apenas condensar um grande volume de dados em um pequeno número de unidades analíticas,
mas também ajuda o pesquisador a ser capaz de criar um mapa cognitivo para entender
incidentes e interações locais. Na pesquisa qualitativa representa um processo análogo às
análises de cluster e fatorial, utilizadas na abordagem quantitativa.
O processo de codificação foi desenvolvido dentro das perspectivas descritiva e
interpretativa, adotando, portanto, a técnica de análise temática (BARDIN, 2016; KUCKARTZ,
2014). Bardin (2016) explica que a análise temática ou categorial consiste em descobrir os
núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência podem significar
algo para o objetivo analítico. “O tema é geralmente utilizado como unidade de registro para
32
estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências etc” (p. 131).
A análise categorial funciona por desmembramentos do texto em unidades, em categorias
segundo reagrupamento analógicos, em que a investigação dos temas (análise temática) é rápida
e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos e simples.
As categorias temáticas podem emergir dos dados e informações coletadas no material
em análise ou também podem ser criadas previamente, situações estas nas quais se encontra
esta proposta metodológica. A operacionalização para extrair as categorias/temas do corpus
analítico é descrito por Fossá (2003), de forma que se deve recortar o texto das entrevistas em
unidades de registro (palavras, frases, parágrafos), agrupadas tematicamente em categorias
iniciais, intermediárias e finais, as quais possibilitam as inferências. Por este processo indutivo
ou inferencial procura-se não apenas compreender o sentido da fala dos entrevistados, mas
também buscar-se-á outra significação ou outra mensagem através ou junto da mensagem
inicial. Moraes (1999) elucida um ponto importante explicando que, quando a análise temática
se dirige à questão “para dizer o quê?”, citando Laswell (um dos precursores da Análise de
Conteúdo), o estudo se direciona para as características da mensagem propriamente dita: seu
valor informacional, as palavras, argumentos e ideias nela expressos.
Na proposta metodológica aqui apresentada, parte da análise seguiu o roteiro acima
descrito a partir de categorias/temas iniciais estabelecidos previamente. Tais categorias foram
vinculadas aos objetivos da pesquisa, ao referencial teórico e associadas às questões
estabelecidas no formulário de entrevista. Estas dimensões/temas comportam questionamentos
que serão submetidos aos entrevistados na tentativa de captar elementos manifestos ou até
mesmo latentes das suas opiniões e percepções. Conjuntamente, são apresentadas questões de
caráter mais avaliativo, voltadas a componentes mais específicos do objeto de estudo.
O passo subsequente foi avançar para uma representação das descrições e dos temas em
uma narrativa qualitativa e, para isso, foram utilizadas como suporte e evidencias algumas
passagens dos relatos dos entrevistados, promovendo uma discussão sobre um tema ou
interligando vários temas. Recursos visuais e gráficos, como esquemas, matrizes, conexões,
figuras ou tabelas também são utilizados de forma combinada com as descrições narrativas, o
que favorece o processo analítico de reflexão e de conclusões.
A Análise de similaridade entre documentos pode ser usada para verificar a similaridade
ou dissimilaridade de vários documentos em termos de frequência de código ou valores das
variáveis do documento (KUCKARTZ, 2014). Neste caso, o procedimento foi realizado com o
objetivo de saber como as entrevistas se assemelham ao PTDSS levando em conta, como
unidade de análise, os segmentos de texto codificados que expressaram as estratégias, condições
favoráveis e desfavoráveis, limites e potencialidades ao desenvolvimento territorial.
A análise de similaridade foi realizada por meio do software de análise qualitativa de
dados Maxqda, e o seu cálculo foi baseado em uma tabela de quatro campos, considerando uma
combinação pareada de documentos, conforme mostra a Tabela 1, onde: a = número de códigos
ou valores de variáveis idênticos em ambos os documentos; b = número de códigos ou valores
de variáveis que existem em apenas no documento B; c = número de códigos ou valores de
variáveis que existem em apenas no documento A; d = número de códigos ou valores de
variáveis que não existem em ambos os documentos.
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Antes de iniciar o trabalho de campo foi feito contato com o coordenador do colegiado
territorial para apresentar a pesquisa, destacar os aspectos éticos envolvidos, esclarecer dúvidas
e formalizar o convite para a participação na pesquisa. Também foi solicitada a autorização
para o acesso ao contato dos representantes das entidades da sociedade civil e do poder público
e para acesso a alguns documentos que interessavam à investigação, especificamente o Plano
Territorial e as atas das reuniões.
Ao realizar o contato com os membros do Codeter foi explicado a cada um deles o
objetivo da pesquisa e a sua importância no processo e, após a sua anuência, foi agendado um
encontro em local e data que mais conviessem ao participante. A cada encontro foi feito o
esclarecimento sobre a pesquisa, em linguagem clara e acessível, utilizando-se das estratégias
mais apropriadas à cultura, faixa etária, condição socioeconômica e autonomia dos convidados.
Além disso, foi concedido o tempo necessário para que o convidado pudesse refletir,
37
consultando, se necessário, seus familiares ou outras pessoas em sua tomada de decisão livre e
esclarecida.
Todos os sujeitos convidados a participar da pesquisa foram informados da sua
liberdade em se recusar a participar e que, mesmo aceitando participar inicialmente, poderiam
ter se recusado a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer tipo de
prejuízo na sua relação com o pesquisador ou com a instituição a que se associam. Também
foram informados que a pesquisa não incluía procedimentos que poderiam lhes causar riscos à
sua integridade e dignidade. Além disso, foram informados que a participação no estudo é
anônima e as informações prestadas são confidenciais, sem nenhum tipo de despesa, bem como
nada seria pago por sua participação. A eles foram dados os contatos de telefone e e-mail do
pesquisador para que, em caso de dúvida, pudessem solicitar mais informações.
38
É a partir do século XX, mais especificamente após a Segunda Guerra Mundial que a
ideia do desenvolvimento alcança contornos normativos no âmbito dos discursos políticos no
plano internacional. Desde então e até meados dos anos 1970, o centro das discussões
concentrava-se na ideia de progresso material, modernização e passagem de um estágio
atrasado para outro mais evoluído, do rural ao urbano, da agricultura à indústria, o que levaria
espontaneamente à melhoria dos padrões sociais e, não raro, o consenso era entender o
desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico (VEIGA, 2005; OLIVEIRA,
2010). Portanto, no centro de todos os problemas nos países subdesenvolvidos estava
diagnosticado a baixa renda como causa da pobreza e o caminho para a sua superação consistiria
no aumento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, ou seja, o crescimento econômico
deveria ser perseguido como solução para a pobreza e atraso dos países subdesenvolvidos.
Essa noção encontrava resistência por parte de alguns pensadores que não aceitavam
essa vinculação direta do aumento do PIB e melhoria das condições de vida. No Brasil, Celso
Furtado representava uma dessas vozes dissonantes e deixou claro seu posicionamento crítico
quanto às formas de reprodução social inerentes ao modelo universalizante contido na ideia de
desenvolvimento econômico. A distinção entre os dois conceitos é iluminada por Furtado ao
ser categórico ao afirmar que o crescimento econômico só se metamorfoseia em
desenvolvimento quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida da
população.
Na obra “O Mito do Desenvolvimento Econômico” publicada no ano de 1974, Celso
Furtado deixa evidente que as condições sobre as quais se estabeleceu nos países periféricos o
40
2.1.1 A noção de Desenvolvimento a partir das Nações Unidas: correções e ajustes pela via do
Desenvolvimento Sustentável
(...) Daí a exploração de toda a natureza para descobrir novas propriedades úteis das
coisas; troca universal dos produtos de todos os climas e países estrangeiros; novas
preparações (artificiais) dos objetos naturais, com o que lhes são conferidos novos
valores de uso. A exploração completa da Terra, para descobrir tanto novos objetos
úteis quanto novas propriedades utilizáveis dos antigos; bem como suas novas
propriedades como matérias-primas etc; daí o máximo desenvolvimento das ciências
naturais; similarmente, a descoberta, criação e satisfação de novas necessidades
surgidas da própria sociedade” (MARX, 2011, p.541).
não ser possível uma transformação social ou mesmo individual a partir da condição de agência
individual. O poder, nesse caso, tem papel determinante e precisa ser entendido de forma
relacional, determinado pelos capitais em poder dos agentes em seus campos de disputa.
Retornando a Evans (2002), é possível explorar tais contradições, tendo em vista as
formas pelas quais a concentração do poder econômico sobre os meios de produzir e difundir a
cultura pode comprometer a capacidade de decisão dos indivíduos sobre as coisas que tem
motivo para valorizar e, consequentemente, sobre as suas preferências. Para o autor, na mesma
obra (p.58, tradução nossa), o que falta é “uma análise da extensão em que os modernos
processos de mercado podem constituir um impedimento ao tipo de formação de preferências
deliberativas que é essencial para a expansão de capacidades”. Desta forma, não são exploradas
as maneiras pelas quais as influências sobre o condicionamento mental podem refletir
sistematicamente os interesses daqueles com maior poder econômico e poder político.
Tal fato é decisivo na homogeneização de preferências e gostos e torna-se muito mais
adverso para os países do terceiro mundo, pois, suas experiencias e visões de mundo nunca
serão refletidas como valores globais, pelo contrário, o poder econômico do Norte sempre foi
um condicionante do padrão de consumo nos países do Sul. Furtado (1974) é preciso a esse
respeito ao contextualizar o caso brasileiro explicando como dessa forma o subdesenvolvimento
torna-se um subproduto do desenvolvimento. Ao incorporar o padrão de consumo dos países
centrais tal qual um mimetismo cultural, a indústria brasileira de igual forma se submeteu a esse
mesmo padrão.
Assim, Peter Evans privilegia em sua análise as capacidades coletivas baseadas na
promoção da vida associativa, o que permite aos menos privilegiados estabelecer suas próprias
preferências de acordo com suas posições econômicas e circunstâncias de vidas compartilhadas.
O sociólogo insiste nas capacidades coletivas, principalmente para os vulneráveis, como forma
de acessar serviços básicos, direitos, bens, infraestrutura, ou seja, alcançar verdadeiramente o
desenvolvimento através da ação coletiva. Portanto,
Continua o autor a explicar que algumas das maiores satisfações intrínsecas da vida
advém da interação social com outras pessoas que compartilham nossos interesses e valores -
amigos, famílias, comunidades e outros grupos. Esses tipos de interações não são apenas fontes
49
de “utilidade”, elas também são centrais para o desenvolvimento de nossas identidades, valores
e objetivos. Eles são fundamentais em nossos esforços para descobrir o que “temos razão para
valorizar”. A despeito da existência de eleições democráticas e direitos civis amplos e
garantidos à sociedade, o autor insiste que tais conquistas não são suficientes em si mesmo,
sendo necessária uma ação coletiva densa para explorar as oportunidades criadas pelas eleições
e pelos direitos civis. Ou seja, tipos de liberdades como eleições e direitos civis aumentam as
possibilidades de ação coletiva, mas as oportunidades ampliadas de ação coletiva não estão
garantidas mesmo quando outras liberdades estão presentes. O autor reforça que as estratégias
institucionais para facilitar as capacidades coletivas são tão importantes para a expansão da
liberdade quanto para sustentar as instituições eleitorais formais.
Ballet et al (2007) reconhecem o mérito de Sen ao introduzir a noção de agência na
abordagem das capacidades, embora reconheçam também que esta é falha quanto à capacidade
coletiva. A noção de agência em Sen é tratada como sendo a liberdade do indivíduo de agir em
busca de objetivos que não o interesse próprio. No entanto, para os autores, essa ainda é uma
versão fraca da agência, pois falta ao indivíduo uma definição clara de sua responsabilidade
pessoal. De outro modo, quando a responsabilidade pessoal é introduzida por meio do
comprometimento e das interações sociais, surge daí uma versão forte de agência que pode ser
utilizada para constituir uma capacidade coletiva. Os relacionamentos interpessoais produzem
conflitos e negociações que, quando incorporadas na abordagem das capacitações enriquecem
a representação social e permitem reconhecer desejos e aspirações mútuas baseadas em nossas
diferenças, além do que, as relações de interdependência entre indivíduos e coletividades
permitem maior alcance em retratar a realidade social (DENEULIN, 2008; DEAN, 2009).
A justificativa em favor da constituição de capacidades coletivas ganha ainda mais força
quando se reconhece que o acesso às capacidades valorizadas pelos indivíduos é dificultado ou
impedido por problemas sociais causados em grande parte pelo modo de acumulação capitalista
(AMADO; MOSANER, 2016). A esse respeito, a abordagem de Sen tem encontrado críticas
(O’HEARN, 2004; DEAN, 2009) também em relação ao seu posicionamento em não tecer
críticas diretas ao papel do Estado e instituições sob a lógica capitalista e apenas considerando
ajustes sem levar em conta as assimetrias de poder e outras funcionalidades que se tornam
invisibilizadas pela economia de mercado.
Sobre isso, Dean (2009) afirma que embora Sen tenha tratado a pobreza e a fome não como
resultado de fatores naturais, mas sim, humanos, a sua abordagem não aponta para os
impedimentos sistêmicos à liberdade humana que estão associados ao capitalismo. Além do
mais, outros funcionamentos necessários e valiosos como cuidar de crianças ou parentes
50
formais, como regras, leis e organizações, bem como instituições informais ou tácitas, como
hábitos individuais, rotinas de grupo e normas e valores sociais.
Adicionalmente, Reis (2007) não deixa perder de vista que ao falar de institucionalismo
(ou institucionalismos, com ele recorrentemente enfatiza) é preciso considerar “o Estado e a
sua estrutura, natureza e forma de representar os cidadãos e o coletivo”. Também é o mercado
e o “significado da troca e do negócio na calibragem da sociedade”. O institucionalismo
também se ocupa da comunidade e das relações horizontais de proximidade que nos integram
socialmente e criam densidades territoriais específicas, de que as cidades e as regiões são
exemplos. São também “as empresas e os modos como se organiza a produção e a criação e
distribuição de riqueza”. E, naquilo que nos interessa olhar mais de perto neste trabalho, as
instituições também se manifestam nas associações e nas formas de expressão da organização
coletiva dos cidadãos, nas redes e no desenvolvimento de formas relacionais de organização
dos atores, processos e territorialidades.
Com base em alguns trabalhos observados na literatura internacional e nacional
(EGGERTSSON, 1990; ARVANITIDIS, 2004; CONCEIÇÃO, 2001; MORAIS;AZEVEDO,
2012) três grandes grupos podem categorizar as correntes institucionalistas mais influentes: o
antigo institucionalismo norte-americano de Thorstein Veblen, John Rogers Commons e
Wesley Clair Mitchel; a Nova Economia Institucional (NEI) de Ronald Coase, Oliver
Williamson e Douglas North; o neoinstitucionalismo de John Kenneth Galbraith, Allan Gruchy,
Geoffrey Hodgson, Warren Samuels e Malcolm Rutherford.
A NEI encarna os pressupostos e princípios do institucionalismo enquanto restrições e
possui dois principais níveis de análise, um macro e um micro. O primeiro se debruça sobre o
ambiente institucional e sobre o processo pelo qual ocorre a mudança institucional, e tem como
objeto de estudo questões como contratos, leis, normas, costumes, convenções, ou seja, as
instituições formais e informais. Essa abordagem tem Douglass North como o seu principal
teórico cuja obra Institutions, institutional change and economic performance (1990) é a
principal referência nesse campo. O segundo nível de análise trata dos arranjos institucionais
ou mecanismos de governança, com ênfase nos custos de transação cujos princípios teóricos
evoluíram a partir dos trabalhos de Oliver Williamson (Markets and Hierarchies, 1975; The
Economic Institutions of Capitalism, 1985; The Mechanisms of Governance, 1996). Nesse nível
analítico, a ênfase recai sobre as restrições impostas pelo ambiente institucional, sobre o
entendimento de que a racionalidade é limitada e sobre possibilidade de comportamento
oportunista. Portanto, interessa ao institucionalismo dos custos de transação a organização e
coordenação das relações contratuais (os mecanismos de governança).
53
North (1991, p. 97) definiu instituições como sendo restrições humanamente concebidas
que estruturam a interação política, econômica e social. Elas consistem em restrições informais
(sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta) e regras formais (constituições, leis,
direitos de propriedade), sendo, portanto, “as regras do jogo em uma sociedade” (NORTH,
2018, p.13). De acordo com o referido economista norte americano, as instituições reduzem a
incerteza ao conferir uma estrutura estável à vida cotidiana, sendo um guia para a interação
humana, pois, definem e limitam o conjunto de escolhas dos indivíduos. Essas limitações são
impostas pelas restrições e “as instituições abrangem quaisquer formas de restrição que os seres
humanos engendrem para moldar a interação humana” (NORTH, 2018, p.14).
Por sua vez, Chang (2002, tradução nossa) embora não descarte o caráter
restritivo/constrangedor das instituições, considera mais importante compreender as
instituições também moldando os próprios indivíduos, logo, estes não são pré-formados e
imutáveis como quer a NEI, ou, como contestado em Hodgson (1994), indivíduos que
permanecem entidades atomísticas, que agem perante restrições e convenções ou perante as
possibilidades que se lhes abrem. As instituições são dispositivos que possibilitam a realização
de metas que exigem coordenação supraindividual, são constitutivas dos interesses e visões de
mundo dos agentes. As instituições, assim, assumem uma função muito mais ampla de
constituir e possibilitar a ação humana, além de apenas restringi-la.
Nessas bases, os neoinstitucionalistas reconhecem o importante papel das instituições
não apenas em restringir o comportamento individual, mas também em fornecer a estrutura
cognitiva para interpretar os dados dos sentidos e transformar as informações em conhecimento
significativo. O argumento é que o ambiente institucional tem um efeito significativo na
percepção humana, preferências, expectativas e comportamento (Myrdal, 1957; Ayres, 1962;
Hodgson, 1988; Chang, 2002; Arvanitidis, 2003). Além disso, a referência à função cognitiva
das instituições é importante para compreender não só a sua relativa estabilidade e capacidade
de replicação, mas também a sua virtude em reduzir a instabilidade e a incerteza nos assuntos
humanos. A forte interação entre instituições e cognição individual pode explicar alguma
estabilidade significativa nos sistemas socioeconômicos.
Esta seção descreve alguns elementos que mostram como as categorias território e
instituições estão intimamente interligadas por elementos comuns e que as constituem, a
54
exemplo da cultura, das interações, das rotinas, das mobilidades e territorialidades. Em uma
abordagem territorial importa saber como o território torna-se o elemento central enquanto
espaço de proximidades e diferenciações, determinadas por condições materiais e simbólicas e,
por isso, um espaço relacional que estrutura as interações econômicas, políticas e culturais.
Especificamente sobre a política de desenvolvimento territorial, importa saber em que medida
essas condições intervém e são afetadas pelos mecanismos de governança.
Reis (2007, p. 241) diz que as perspectivas territorialistas que surgiram a partir da
segunda metade do século XX tem como pressuposto entender como o espaço desempenha
papel importante no conhecimento e na “formação das estruturas e das dinâmicas sociais
contemporâneas”. O autor chama atenção para o fato de que, quando se trata do
desenvolvimento econômico, o componente espacial é tão fundamental e determinante quanto
o tempo, pois, se reconhece a existência de diversidade espacial na forma como se manifesta os
fenômenos sociais.
A abordagem territorial pretende, então, superar o antigo modo setorial de enxergar a
heterogeneidade, em que toda a análise se concentrava na agricultura e no rural como elementos
de diferenciação relativos à natureza urbana e industrial. Nesse sentido, o território volta a
ganhar importância e, seguindo de perto o que propõe Reis (2007, p.193), ele deve ser
considerado enquanto meio e contexto de vida e de “organização material e simbólica e
enquanto capital de possibilidades e de conhecimentos”. Também deve ser compreendido a
partir da iniciativa (a agência) enquanto expressão das capacidades dos atores. Interessa
também compreender os sistemas locais e as redes de proximidade que são organizadas pela
economia moral e ética dos comportamentos produtivos e institucionais. A heterogeneidade
socioeconômica, nesse sentido, deve ser avaliada não a partir dos setores diferenciados pelas
relações de propriedade ou pelas características técnico-produtivas, mas sim, conforme defende
Reis (2007), é o território que deve ser o elemento central enquanto espaços de vida coletiva
diferenciados por características de natureza material e simbólica.
Sob uma perspectiva institucionalista, a abordagem territorial do desenvolvimento
pressupõe uma interpretação sobre a natureza das estruturas e das dinâmicas da sociedade e da
economia (portanto, territoriais), um entendimento sobre como alcançar a “coordenação dos
processos coletivos”, sobre “o papel desempenhado pelos atores neles intervenientes” e sobre
as “relações (hierárquicas ou não) entre atores e processos de diferentes escalas especiais”
(REIS, 2007, p.242). Temos aqui, então, uma aproximação entre território e instituições, uma
relação de causalidade mútua, pois, o entendimento das estruturas e das dinâmicas sociais
passam pela compreensão de elementos comuns às instituições e à genealogia dos processos
55
(PECQUEUR, 2005, P.13), aquilo que contém o resultado de processos de relações sociais, da
construção social do território ou territórios. Ou seja, em um território dado pode haver vários
territórios construídos.
O Território de Identidade Litoral Sul é um exemplo de uma unidade espacial de
planejamento, um “território dado” que abriga múltiplos territórios interrelacionados. Em sua
genealogia dos processos que o constituem, estão presentes relações de proximidade e
densidades (sua rede matricial interna) e relações de poder e assimetrias. Como veremos
adiante, o Litoral Sul abriga projetos e iniciativas que se apropriam de ativos territoriais e até
mesmo reivindicam uma identidade territorial em favor de grandes empreendimentos, a
exemplo do complexo turístico, da cadeia produtiva do cacau e chocolate e dos latifundiários,
os quais rivalizam e disputam o espaço com outros movimentos reivindicatórios, como os
assentados, trabalhadores sem-terra, trabalhadores da agricultura familiar, trabalhadores rurais
assalariados, povos indígenas, comunidades tradicionais e movimento ambientalista.
Portanto, o território sob tais condições, entendido como “dado” e, ao mesmo tempo
“construído”, é melhor compreendido como um território-rede. Mais à frente isso será melhor
detalhado. Por enquanto, importa compreender como essa relação entre instituições e território,
ou institucionalidades e territorialidades, desempenham papel central nos mecanismos de
governança dado o relevo que esta tem dentro da política territorial.
bem explica o referido autor (2007, p.38), “a morfologia do poder e das interações nas
sociedades de hoje é plural, complexa e reticular”. Nesse caso, importa compreender que o
tecido econômico, social e político é originado por uma matriz de relações interdependentes,
prevalecendo, assim, ordens relacionais. Assim sendo, o ordenamento da diversidade representa
o elemento-chave dos mecanismos de governança.
A ideia central sobre a qual se debruça a governança (incluindo a territorial) é a de
imperfeições e assimetrias. Disso resultam, por um lado, “condições naturais para a geração de
interdependências ativas, para a criação de dinâmicas e para a intencionalidade positiva de
atores” e, por outro lado, surgem limitações provenientes do modelo cognitivo (a racionalidade
é limitada), da incerteza e do oportunismo, ou seja, limitações advindas da “fricção do sistema
econômico e dos custos de o fazer funcionar”. Esta última perspectiva é própria do quadro
analítico da economia dos custos de transação de Oliver Williamson (REIS, 2007, p.38). Assim,
a governança pode ser definida como “o conjunto de processos pelo qual se coordenam ordens
relacionais diversas e parciais, através de relações dos poderes diferenciados de mecanismos
plurais e de vocabulários cognitivos próprios, tendo em vista a geração de dinâmicas societais
e organizacionais” e, nesse caso, envolve “hierarquia” (poder e dissemelhança), “proximidade”
(interações e copresença) e “mudança” (redefinições situacionais) (REIS, 2007, p.40).
Amin (1999, p. 368, tradução nossa) apresenta o que ele chama de axiomas gerais da
governança. Primeiro, deve haver uma preferência por ações políticas destinadas a fortalecer
redes de associação, ao invés de ações que se concentrem apenas em atores individuais. Em
segundo lugar, parte do propósito da ação política pode ser incentivar a voz, a negociação e o
surgimento de racionalidades processuais e recursivas do comportamento, a fim de garantir
visão estratégica, aprendizagem e adaptação. Terceiro, ênfase nas ações políticas que visam
mobilizar uma pluralidade de organizações autônomas. Quarto, o estresse sobre formas
intermediárias de governança estende-se à preferência por construir uma ampla "espessura
institucional" local que possa incluir sistemas de apoio empresarial, instituições políticas e
cidadania social. Quinto, as soluções devem ser específicas do contexto e sensíveis às
dependências de trajetórias locais.
Os instrumentos analíticos da Nova Economia Institucional, precisamente em sua forma
particular dos custos de transação, têm sido utilizados para uma aproximação com essa forma
mais ampliada de considerar a governança. Dentro da NEI, o conceito de governança emerge
dos estudos dos custos de transação, especificamente de Oliver Williamson (1996), sobre os
mercados e as hierarquias como formas alternativas de organização econômica. De acordo com
Mayntz (2004) a tipologia de Williamson vem sendo ampliada para incluir outras formas de
58
residual do rural e sua associação automática à ideia de pobreza e de atraso (um mito construído)
que restringem de partida as possibilidades de investimentos científicos, políticos e
econômicos, gerando um ciclo que reforça essa posição marginal do rural. O autor não vê sinais
de uma verdadeira mudança institucional enquanto o encaminhamento dos esforços ao
desenvolvimento rural associar a ruralidade à pobreza e ao lugar destinado à produção de bens
primários, na forma de dependência de trajetória como definido pelo individualismo
metodológico do institucionalismo de Douglas North.
Nas palavras de Favareto (2010, p. 301), as regras do jogo continuam fortemente
orientadas pelo viés setorial, na formulação das políticas e na mobilização dos atores. A nova
visão do desenvolvimento rural “(...) não foi acompanhada da criação de novas instituições
capazes de sustentar esse novo caminho”, mas sim, como sugere o autor, parece ocorrer “uma
incorporação por adição dos novos temas em que, sob nova roupagem, velhos valores e práticas
continuam a dar os parâmetros para a atuação dos agentes sociais, coletivos e individuais na
forma de uma dependência de trajetória. No mesmo trabalho, o autor (p. 314) explica como a
mudança institucional pode acontecer e, assim, promover a superação do enfoque setorial das
políticas voltadas ao desenvolvimento rural. Primeiro, a mudança pode ocorrer através de longo
processo incremental pelo aprendizado, o que seria “a forma mais comum, mas também a
menos direcionável”. Segundo, a mudança pode ser obtida “pela alteração das posições e do
peso social dos agentes portadores das novas e das velhas instituições”, o que ocorre em
importantes momentos de rupturas, porém, raros. Terceiro, pode ser “induzida por alterações
nos sistemas de incentivos e constrangimentos”, sendo essa a mudança preconizada pelas
políticas públicas.
Favareto (2010) argumenta que a criação de instituições mais favoráveis à dinamização
dos territórios e à diminuição das desigualdades parece emergir de tecidos sociais marcados por
uma maior desconcentração e descentralização da posse das diferentes formas de capital (social,
humano, econômico, simbólico), pois estes são ambientes mais propícios ao engendramento de
formas mais dinâmicas de interação, facilitando o aprendizado coletivo e a cooperação que
estão na base da formação de novas instituições
Nesta direção, High, Pelling e Nemes (2005) indicam algumas possibilidades. Primeiro,
argumentam que, embora as abordagens institucionais no nível macro tenham reivindicado
algum sucesso em explicar o papel das instituições, ainda é pouco compreendido o
comportamento institucional dos indivíduos e das instituições informais, ou seja,
comportamentos que moldam as interações no nível micro. Ademais, algumas abordagens
procuraram tratar as intuições informais como fonte de inércia, resistência, ao invés de um
61
recurso para mudança. Segundo, para entender o papel das instituições, especialmente para uma
compreensão satisfatória das instituições informais, os autores sugerem dois padrões de
organização social: comunidades e redes. Redes e comunidades são fundadas em
relacionamentos de confiança. Dentro de uma comunidade, explicam os autores, a confiança
surge do interesse compartilhado e do envolvimento contínuo. Em uma rede, a confiança é
necessária para negociar um interesse mútuo e surge por meio do envolvimento contínuo.
Analisar conjuntamente estas duas estruturas sociais parece ser um caminho para o
entendimento das instituições informais e das realidades organizacionais formais presentes no
campo do desenvolvimento rural. As comunidades permitem compreender a força dos laços
sociais e sua resiliência, mas sem a função de ligação fornecida pelas redes elas correm o risco
de ficar isoladas do amplo conjunto de experiências e aprendizados humanos. Dentro da
abordagem das redes, uma das suas formas caracteriza-se por relações horizontais em que a
preocupação se funda na integração da economia rural não agrícola com um conjunto de
espaços urbanos e rurais (HIGH; PELLING; NEMES, 2005). Nesta direção, os laços
estabelecidos em uma comunidade dão substância ao capital social, a participação social, e, a
construção de redes lastreadas na reciprocidade podem oferecer contribuições ao entendimento
das instituições enquanto estruturas sociais capazes de promover transformações nas dinâmicas
territoriais.
Portanto, ao analisar as políticas territoriais sob uma perspectiva institucionalista é
preciso considerar o ambiente institucional em um nível macro e as estruturas de governança
em um nível meso e micro analítico, pois, são instâncias intervenientes tanto como restrições,
quanto como capacitadoras das ações e dinâmicas locais, podendo criar estabilidade ou reforçar
constrangimentos e oportunismos. Deve-se considerar também o território não só como um
recorte espacial para intervenção de políticas públicas, mas também, deve se ter um olhar para
a sua centralidade enquanto espaço de diversidade, diferenciação e proximidade, constitutivo,
pois, de mobilidades e dinâmicas próprias, de territorialidades, constrangimentos e
capacitações, onde a cultura assume papel determinante na trajetória de desenvolvimento do
lugar. Importa, então, entender a identidade territorial, as interações e a densidade intervêm nos
mecanismos de governança.
Dentro desta perspectiva, cabe ressaltar o papel da arquitetura institucional,
especialmente o papel do Codeter Litoral Sul nesse processo enquanto facilitador da
constituição de capacidades individuais, coletivas e institucionais, consideradas aqui como
necessárias no processo de participação social, de constituição de laços e redes sociais, de
aprendizagem e mudança cognitiva. A próxima seção retoma a discussão da abordagem das
62
capacidades, com ênfase nas capacidades coletivas, e, como estas podem se constituir em
capacidades institucionais em função das novas institucionalidades criadas.
A abordagem do desenvolvimento humano foi sem dúvida um marco para uma nova
perspectiva em se olhar o desenvolvimento e para a constituição de políticas públicas de
combate à pobreza a partir da visão para além da falta ou insuficiência de renda. No entanto, a
abordagem privilegia a agência humana individual, como se o indivíduo de posse de suas
capacidades pudesse realmente escolher seu destino. Também se apresenta de forma
despolitizada e sem apresentar a face daquilo que concretamente impede a conquista das
liberdades individuais e coletivas de forma plena. Não apresenta, assim, a estrutura do modo de
produção vigente que opera em forma de uma agência antiliberdade. E, ao priorizar o indivíduo
como agente do seu destino, esconde um campo de luta com forças opostas e desproporcionais.
Fazendo assim, não revela o poder desse agente antiliberdade que insiste em oferecer projetos
de desenvolvimento à sua lógica, motivados por crescentes demandas por recursos naturais para
o centro de consumo e financiado pelo grande capital financeiro. Projetos estes que capturam o
Estado e subjugam populações tradicionais, indígenas e agricultores familiares em nome do
progresso.
Deste modo, quando se pensa em desenvolvimento territorial, considerando que o que
dá sentido a essa abordagem é a busca por soluções pautadas na interação social, na criação e
fortalecimento de laços e redes culturais e sociais, compartilhamento de experiencias, inclusão
socioprodutiva, cidadania e participação social, o conceito de capacidades coletivas torna-se
uma base fundante para construir uma visão centrada em valores socialmente compartilhados a
partir de um processo de concertação social.
Cada território possui suas especificidades, suas dinâmicas socioprodutivas,
características identitárias, ou seja, suas territorialidades próprias. Pensar o desenvolvimento é
tratar dessa complexa trama de relações sociais e institucionais presentes nos municípios que
integram um território. A sua indução requer, nesse caso, para além do comprometimento dos
agentes territoriais com a concertação social, o reconhecimento de que elementos sistêmicos
operam para limitá-la, a exemplo dos fatores conjunturais, estruturais, o ambiente institucional
e as disputas em vista dos interesses de classes divergentes, o que, tem efeitos sobre as
institucionalidades criadas com a política territorial.
63
Embora o cacau sempre estivesse presente na Região Sul da Bahia, são os municípios
que compõem a Microrregião Ilhéus-Itabuna que concentraram o maior volume de produção
do fruto e que sofreram os efeitos mais diretos em suas estruturas sociais. O Litoral Sul faz
parte de uma regionalização no âmbito da Política de Desenvolvimento Territorial do Estado
da Bahia, regionalização essa denominada de Territórios de Identidade, formada por 27
territórios (Figura 3). Nesta abordagem, a Região Sul da Bahia abrange 4 Territórios de
Identidade: Baixo Sul; Litoral Sul; Costa do Descobrimento; Extremo Sul. Fazem parte do
Território Litoral Sul 26 municípios que sofrem mais diretamente a influência dos municípios
68
de Ilhéus e Itabuna e, por conseguinte, mais homogêneos quando se trata da produção e dos
efeitos da cacauicultura.
Sobre o papel desempenhado pelo cacau no Sul da Bahia, Milton Santos (1957, p.8) já
destacava a sua importância enquanto produção agrícola, sendo “o responsável por inúmeros
dos traços da fisionomia do seu habitat, tanto no aspecto econômico, como no social, e, até
mesmo, no psicossocial”. Em outra obra sobre a Região Cacaueira, Rocha (2008) relata que
monocultura do cacau foi responsável pela formação de classes socioeconômicas, compostas
por coronéis, comerciantes e trabalhadores rurais, sendo signo de dominação, riqueza, crises,
pobreza e crescimento. Nas palavras da autora, o cacau é “um signo regional de grande
expressão, por ter sido o produto agrícola mais importante do Sul da Bahia a ponto de constituir,
geográfica e economicamente, em sua área de atuação, uma microrregião cacaueira” (ROCHA,
70
2008, p. 15). A autora detalha essa condição de signo regional descrevendo como o cacau se
manifestou em todos os momentos do desenvolvimento, das crises e da reestruturação da região
Sul da Bahia:
Considerado o manjar dos deuses pelos sacerdotes astecas, fruto de ouro pelos
exportadores, registrado pelos escritores e internalizado pela população, virou
riqueza, viveu grandes crises, ultrapassou as fronteiras do Sul da Bahia ganhando o
mundo nas páginas literárias, poesia, teatro, filmes, cordel. Marcou e marca presença
nos mais importantes momentos da vida regional. Impulsionou o aparecimento e,
muitas vezes, o declínio de povoados, vilas e cidades. Foi o pivô de crises cíclicas em
função de doenças que o acometeram, de preços aviltantes no mercado internacional,
de quem é refém. Foi o personagem principal de muitos romances, crônicas, poesias
e literatura de cordel. É tema recorrente de monografias de conclusão de curso,
especialização, dissertações de mestrado, teses de doutorado. Foi o modelador de uma
civilização do cacau com seus desbravadores, coronéis, jagunços, contratistas,
alugados, caxixes, juparás. Trouxe a CEPLAC, uma comissão que, apesar de ter
função provisória, persiste como tal desde 1957. Permitiu a construção de estradas,
escolas e da universidade mais importante da região, a hoje Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC). Por ele muitos nasceram, cresceram, morreram e mataram. Todo
este poder o cacau tem, pois foi dado aos humanos como uma dádiva dos deuses,
conforme a mitologia (ROCHA, 2008, p. 125).
Todo esse contexto foi sintetizado naquilo que Asmar (1983, p. 69) chamou de “Pobre
Região Rica”, marcada pela natureza contraditória de um modelo monocultor-exportador que,
ao mesmo tempo que foi símbolo de riqueza, também aprofundou as desigualdades sociais.
Portanto, pretende-se abordar neste capítulo as condições econômicas, sociais e culturais que
definiram a formação do Sul da Bahia, considerando a sua intrínseca relação com o cultivo do
cacau, uma monocultura cujas características e condições se assemelharam a outros cultivos em
outras partes do Brasil quando se pensa no processo de apossamento das terras e avanço da
fronteira agrícola a partir do século XIX.
Nas próximas seções serão abordados elementos constitutivos da formação
socioeconômica do Sul da Bahia, o papel da economia cacaueira e os processos de
territorializações ocorridas no referido espaço. Inicialmente, será apresentada uma breve
descrição do processo de colonização no Sul da Bahia, o qual, longe de ser um processo que
estimulou a formação de inúmeras pequenas propriedades, contribuiu para a concentração
fundiária. Em seguida, será feita uma discussão buscando encontrar, inspirado no trabalho de
João Pacheco de Oliveira (2016), elementos históricos e sociais que expliquem a Região
Cacaueira como uma fronteira, enquanto mecanismo de incorporação de novas terras, em
condição subordinada e dentro da economia capitalista.
Além disso, será feito uma discussão sobre como a economia cacaueira, sob uma
estrutura política coronelista, contribuiu para reforçar comportamentos fortemente
individualistas e clientelistas de parte da sociedade sul baiana. Também não se pode
negligenciar o processo de territorialização de lutas pelo acesso à terra pelos índios e
trabalhadores rurais quando da expansão da cacauicultura. Outra discussão empreendida diz
respeito à crise da economia cacaueira no final da década de 1980 que provocou efeitos
devastadores na região e reconfigurou sua estrutura produtiva, provocando a construção de
novas territorialidades em torno do eixo Ilhéus-Itabuna.
iniciativa privada em criar colônias particulares. De acordo com Jones (2014), as experiências
voltadas à colonização neste período foram majoritariamente baseadas na atração de colonos
nacionais. Foram duas colônias formadas por imigrantes estrangeiros e sete formadas por
nacionais. As estrangeiras foram as colônias de Engenho Novo (1857) e a colônia de Jequiriçá
(1857). As nacionais foram as seguintes: colônia Sinimbú (1857), Rio de Contas (1857),
Nacional Agrícola (1857), Colônia do Salto do Rio Pardo (1857), Colônia de Comandatuba
(1867), Colônia Cachoeira (1870) e, Colônia Jequiriçá (1877).
Foi na terceira fase, de 1873 a 1878, que se deu a mais expressiva tentativa de
colonização por estrangeiros com quase dois mil colonos europeus instalados na região Sul do
Estado. Com a aprovação da Lei do Ventre Livre no ano de 1871, o programa de imigração foi
retomado pelo império de modo a substituir a mão de obra escrava pelo trabalho livre, não mais
com a criação de colônias, mas sim através de contratos particulares. O que o autor em revisão
relata é que no ano de 1873, através da Empresa Moniz, foram criadas as colônias Moniz e
Theodoro e os núcleos coloniais Rio Branco e Carolina, sendo as três primeiras na região de
Comandatuba e a última próxima ao rio Pardo. Para aquelas colônias foram introduzidos um
total de 1.825 imigrantes, em oito expedições, entre alemães, austríacos, suíços e poloneses. A
Figura 1 mostra a distribuição espacial das colônias no Sul da Bahia, entre os anos de 1816 e
1898.
A Lei do Ventre Livre (1871) teve papel decisivo para a promoção da colonização e
imigração quando passou a nortear as ações do império e das províncias e submeter os
produtores a uma legislação que os forçava a substituir o trabalho escravo por braços livres.
Jones (2014, p.68) ressalta que a questão econômica também foi determinante na “urgência em
promover políticas de colonização e imigração” na província a partir do ano de 1882, em meio
à crise da indústria açucareira sendo os imigrantes considerados como solução imediata
mediante projetos de colonização, onde as terras devolutas do sul da província ganharam a
atenção desse propósito.
Após decretada a abolição da escravatura no ano de 1888, a colonização no Sul da Bahia
foi fortemente marcada pelos esforços promovidos para a imigração como alternativa de oferta
de braços em substituição do trabalho escravo. O então governo republicano na primeira metade
dos anos de 1890 teve participação decisiva nos assuntos referentes à colonização e imigração,
quando intensificou as ações para trazer imigrantes europeus a fim de atender às demandas das
lavouras em expansão no sul do país, ao mesmo tempo aumentando os gastos com passagens,
alojamento, atendimento médico e ampliação do quadro de funcionários na capital e nos estados
(JONES, 2014, p.92).
74
A lavoura cacaueira passou a ser vista como solução para o pagamento das dívidas da
Província que, desde a segunda metade do século XIX, passava por dificuldades causadas
principalmente pela extinção do tráfico de escravos e a consequente escassez de mão de obra.
Ao mesmo tempo, com a decadência das lavouras canavieira e algodoeira e, da mesma forma
quanto a pecuária do Nordeste, a zona de cultivo do cacau seria um receptor natural do
excedente da mão de obra dessas áreas (JONES, 2014; ROCHA, 2008). Neste sentido, Lyra
(1982) argumenta que tudo leva a crer que as iniciativas de colonização no Sul da Bahia estavam
vinculadas ao direcionamento do contingente populacional a ser utilizado como força de
trabalho justamente em um período em que a lavoura cacaueira começava a despontar como
76
alternativa à exportação, possibilitando assim a partir da última década do século XIX e início
do século XX a abertura de uma frente de expansão para o cultivo do cacau.
selvageria da natureza, o isolamento dos povos situados nas áreas fronteiriças, o choque da
cultura europeia com a “barbárie” dos nativos e o espírito progressista dos pioneiros, bem como,
sua devoção ao trabalho que imprimiu um movimento sempre em direção à conquista das terras
livres, fazendo emergir, assim, as instituições daquele país. Posto isso, a democracia
estadunidense nasce das próprias condições da América e não de ideias exógenas (AVILA,
2006; SANTOS, 2010).
Entretanto, como alerta Santos (2010), a tese de que a disponibilidade de terras livres
tenha gerado a democracia social e política dos EUA não se aplica à realidade das Américas
espanhola e portuguesa. Especificamente no Brasil, a disponibilidade destas terras esbarrou na
estrutura escravocrata da sociedade brasileira, não resultando numa distribuição fundiária
democrática. O referido autor também discorre que a falta de uma ingerência mais ostensiva do
poder central sobre essas terras foi acobertada por uma total falta de liberdade do trabalhador
naquela sociedade escravocrata. A posse da terra era livre, mas o trabalhador, não. Portanto, a
disponibilidade de terras devolutas aqui no Brasil não significou o estabelecimento de
condições para o surgimento de uma democracia social como foi no avanço da fronteira nos
Estados Unidos. Santos (2010) ressalta que no Brasil o acesso à terra teve caráter distintivo e
seletivo, fazendo surgir uma estrutura oligárquica baseada na concentração dos poderes, da
riqueza e de um sistema político atrasado.
A lei de terras de 1850 privilegiou a elite oligárquica brasileira que se apossou das terras
públicas. O apelo à imigração serviu apenas para atrair mão-de-obra e não para a formação de
núcleos coloniais baseados na pequena propriedade. O que se viu, por conseguinte, foi a
consolidação de uma estrutura fundiária altamente concentrada. Em terras brasileiras, o Mito
da Fronteira não teve o mesmo papel como foi para os Estados Unidos, sendo aqui considerada
como tendo efeito inverso, como explica Santos (2010).
A grande disponibilidade de terras também operou para a manutenção da concentração
e centralização do poder, sendo a terra um elemento-chave ao ocupar o centro de relações
clientelistas como instrumento de barganha do governo central e dos governos regionais para
obtenção de apoio político. Um processo que acabou fortalecendo ainda mais as oligarquias
regionais. De acordo com Santos (2010, p.129), em um sentido oposto ao que aconteceu nos
EUA, o avanço da fronteira no Brasil não criou as condições para o surgimento de instituições
políticas e uma economia moderna, ao contrário, “promoveu uma estrutura política atrasada e
sustentada pela violência e usurpação das terras”. Nos Estados Unidos, o avanço da fronteira
foi responsável pela ocupação e povoamento de forma moderna e que deu origem à
configuração capitalista do território americano.
78
Tabela 2 - População livre, população escrava, crescimento populacional entre os anos de 1872
e 1907, Sul da Bahia
1872 1907
Localidade População livre População escrava total População total
Alcobaça 2.916 543 3.459 7.462
Areia1 - 26.486
Barcelos2 1.556 460 2.016 4.391
Barra do Rio de Contas3 3.102 510 3.612 13.515
Belmonte 3.861 462 4.323 24.759
Camamu 8.065 964 9.029 18.871
Canavieiras 2.933 189 3.122 20.450
Caravelas 3.826 205 4.031 6.719
Ilhéus 4.631 1.051 5.682 36.563
Maraú 2.399 362 2.761 13.900
Novo Boipeba4 - 14.416
Porto Seguro 3.004 124 3.128 3.761
Prado 2.008 218 2.226 6.664
Una - 7.005
Valença 14.625 1.521 16.146 11.056
Total 52.926 6.609 59.535 216.018
Fonte: Lins (2007).
A pesquisadora Mary Ann Mahony (2007), lança um olhar crítico sobre a narrativa
dominante do desenvolvimento da Região Cacaueira que descreve o grande atrativo da lavoura
do cacau como residindo no fato de não se precisar de muito capital nem de braços para cultivá-
la, especialmente quando comparada com as lavouras de cana-de-açúcar e fumo, os dois
grandes produtos de exportação da Bahia à época. Segundo consta, era uma cultura aberta a
todos, desde os mais pobres até os senhores de engenho. Todavia, de acordo com a autora, o
que não disseram foi que as melhores roças de cacau e café pertenciam a um pequeno grupo de
1
Atualmente município de Ubaíra; 2 Barcelos do Sul - distrito do município de Camamu; 3 Atualmente município
de Itacaré; 4 Atualmente município de Taperoá.
81
grandes proprietários, os quais também eram os donos dos engenhos, engenhocas e serrarias,
assim como de muitas terras e escravos.
Os registros oficiais também não mencionaram que muitos dos lavradores “pobres”
eram escravos dos grandes proprietários ou dos bem estabelecidos e que estes cativos
cultivaram cacau na terra dos donos como parte da economia interna da escravidão. Outros
lavradores “pobres” eram descendentes dos povos indígenas que haviam sido aldeados em
Almada, Ferradas, Catulé ou Olivença no período colonial ou nas primeiras décadas do Império
(MAHONY, 2007).
A autora chama a atenção para o fato de que apesar do crescimento da economia
cacaueira, as diferenças entre os produtores de cacau não foram apagadas. Em 1880, a maioria
das roças de cacau estava nas mãos de pobres com um pouco mais ou um pouco menos de 1.000
cacaueiros, enquanto outro grupo de agricultores possuía entre 5.000 e 10.000 pés e, outra
porção, dos grandes proprietários, tinham conseguido plantar entre 50.000 e 200.000 pés de
cacau. Cabe destacar também, de acordo com Lins (2007), que naquele momento não era o
latifúndio que predominava, mas sim, um tipo de concentração fundiária caracterizada pela
existência de alguns grandes proprietários de inúmeras pequenas propriedades que juntas
formavam grandes extensões de terra.
Em Mahony (2007), vê-se que o maior desafio para todos os produtores de cacau, como
para todos os agricultores do Brasil à época, era o acesso à mão de obra. A autora descreve que
a terra para plantar cacau era razoavelmente fácil de encontrar em Ilhéus no século XIX, sendo
a mão de obra o fator mais escasso. Apenas poucos produtores dispunham de muitos
trabalhadores, escravizados ou livres. Em muitos casos, os lavradores eram ex-escravos que
complementavam a renda familiar prestando trabalho temporário nas grandes propriedades.
Plantar cacau ou qualquer outra cultura em larga escala era muito difícil para a maioria da
população e a implantação da nova lavoura fez asseverar as desigualdades já existentes na
região.
Nesse aspecto, foi um processo concentrador da riqueza que não resultou em ganhos
concretos para a grande maioria dos migrantes nordestinos, pelo contrário, subordinou o
pequeno produtor independente, da mesma forma como foi na fronteira amazônica descrita por
Oliveira (2016), integrada ao sistema capitalista e, invertendo assim as razões da sua eficácia
ideológica. No Sul da Bahia, a expansão da fronteira agrícola também não sedimentou as bases
para uma nova civilização no sentido democrático e descentralizador no acesso à terra como na
Tese da Fronteira de Turner.
82
pagamento de juros e, no extremo, a perda da propriedade, fato muito comum nas terras do
cacau.
Outra parte da narrativa de ocupação e construção da região cacaueira que contribui para
explicar o processo de subordinação do pequeno trabalhador independente, como na ideologia
da fronteira descrita por Oliveira (2016), é aquela que atribui aos sergipanos o caráter
desbravador e heroico dos seus feitos. Uma narrativa idílica atribui aos desbravadores a
responsabilidade pelo processo de fundação e desenvolvimento da região através do
enfrentamento e superação de todo o tipo de adversidades tais como o clima, a mata, as doenças,
as feras e “os selvagens” e, ainda, fizeram surgir plantações com o esforço do próprio trabalho,
sem qualquer outro capital, nem mesmo o trabalho escravo.
Lins (2013) afirma que esta versão transformou os desbravadores em heróis e encobriu
o fato de o acesso à terra não ter sido para todos, sendo para isso necessárias relações
privilegiadas. Além disso, escondeu os conflitos pela terra, o caxixe5, os assassinatos, subornos,
agiotagem, expulsão e genocídio de indígenas, transformando esses episódios em sinônimos de
bravura. Ademais, na mesma direção, Mahony (2007, p.739) argumenta que ao expor as
dificuldades dos desbravadores do século XIX, a narrativa dominante ajuda a “obscurecer
desigualdades raciais e a justificar a imensa concentração de terra e de renda que se
desenvolveram na região no século XX”, afirma ainda serviu, que tal narrativa serviu como
uma “arma na luta da elite cacaueira por legitimidade e poder tanto no contexto local quanto
nos contextos regional e nacional”.
Os desbravadores, segundo Heine (2004, p. 39) eram descritos como “homens de pouca
instrução, pouco preparo intelectual, mas muita coragem e persistência” e que à medida que
acumulavam dinheiro iam se transferindo para a cidade de Ilhéus. A ele coube a conquista da
terra com a finalidade de prepará-la para o plantio do cacau, o que ocorria muitas vezes através
da expulsão dos índios (MAHONY, 2007; ROCHA, 2008).
A mesma narrativa dominante, lastreada nos registros oficiais e na literatura grapiúna6,
afirma que lavoura cacaueira embora assemelhe-se às outras culturas em outras regiões quanto
5
Termo utilizado para se referir ao modo de apossamento das terras alheias, no Sul da Bahia, durante o período
de expansão da lavoura cacaueira por meio de falsas escrituras de propriedade e da expropriação dos ocupantes da
terra, geralmente pequenos produtores e índios, com uso de violência. De acordo com Cruz (2012) os pequenos
produtores eram analfabetos, não possuíam o título da terra e nem assistência judiciária e, nesse caso, era muito
fácil serem usurpados com a cumplicidade dos notários e magistrados, quando não pela violência e pelo assassinato
dos que ousassem resistir.
6
Adjetivo que designa aqueles originários da Região Cacaueira no Sul da Bahia e a sociedade que ali se formou
em decorrência da expansão da lavoura do cacau.
84
Os donos das grandes propriedades não só eram os maiores produtores de cacau, como
também controlavam as ligações comerciais com Salvador, o porto internacional mais próximo
a Ilhéus. Essa posição-chave derivou da prática dos comerciantes exportadores, em todo o
Brasil escravista, de negociar apenas com os maiores proprietários, visto que eram eles que
possuíam os muitos escravos que serviriam como garantias. Isso significava para os
comerciantes a segurança de que haveria o reembolso de capital em caso de endividamento do
freguês. Durante o período imperial, a pessoa escravizada como bem móvel era a única garantia
de crédito agrícola que interessava aos comerciantes. Tendo em conta que esses comerciantes
eram também a principal fonte de crédito agrícola no Brasil, apenas o proprietário que possuísse
muitos escravos tinha acesso direto ao crédito.
Assim, a maioria dos agricultores de Ilhéus não conseguia negociar diretamente com os
comerciantes da praça de Salvador. Era preciso adquirir crédito agrícola e vender seus produtos
de exportação através destes intermediários. Desta forma, esses proprietários que já eram os
maiores donos de terras, os maiores produtores de cacau, assim como de açúcar, café, madeira
e produtos alimentícios, também monopolizavam o comércio entre Ilhéus e Salvador e,
consequentemente, a distribuição do crédito agrícola local.
Outro fator determinante foi o processo de comercialização. O capital comercial foi
fundamental para o processo de formação e concentração da propriedade da terra no Sul da
Bahia. Esse processo, da mesma forma que em outras regiões, contribuiu para a formação de
uma elite que controlou os meios de comercialização e de financiamento da produção na Região
Cacaueira. Ao final do século XIX e início do século XX diversas casas exportadoras passaram
a atuar na zona cacaueira e a operar como agentes de comercialização e de financiamento. Com
o tempo, passaram a atuar em diversos setores: representantes de bancos e companhias
nacionais e estrangeiras, companhias de navegação, empresas de transportes, seguradoras e
fornecedores de produtos alimentícios.
Parte desses comerciantes era oriunda da capital do estado da Bahia, e outros, os
maiores, eram subordinados ou representantes de empresas estrangeiras, inicialmente europeias
e posteriormente norte-americanas, interessadas na dupla possibilidade de ganho, no
financiamento da produção e no comércio, assegurado através do controle da produção exercido
pela dependência financeira a que estava submetido o produtor, transformando a renda
camponesa em lucro mercantil (LINS, 2013).
Dessa forma, o mesmo capital passou a atuar nas diversas áreas, desde a produção,
comercialização e financiamento. Segundo Lins (2013), fazendeiros tornaram-se comerciantes
e financiadores, e comerciantes financiadores transformaram-se em fazendeiros, e ambos, ao
86
mesmo tempo passaram a obter lucro e renda, tendendo a se constituir numa só classe designada
por “burguesia cacaueira” (GUERREIRO DE FREITAS; PARAISO, 2001). A consequência
disso foi um processo de concentração fundiária e expropriação dos pequenos produtores
principalmente em decorrência das perversas e aviltantes condições para obtenção do crédito.
Dificilmente os pequenos produtores poderiam atender às exigências feitas pelos bancos
oficiais, tendo que se submeterem aos juros escorchantes do crédito especulativo geralmente
oferecido pelos grandes produtores e, muitas vezes, não sendo possível saldá-lo.
Assim, ao recorrer a Oliveira (2016), encontramos na formação histórica e social do Sul
da Bahia elementos constitutivos que assemelham-se aos fatos narrados por aquele autor em
sua análise da Amazônia enquanto fronteira: uma rede de financiamento e comercialização;
condições favoráveis do mercado internacional; mecanismos de controle da terra, capital e
trabalho, determinante para a passagem de um modelo de agricultura diversificada para uma
monocultura de exportação e, a existência de barreiras entre proprietários e não proprietários,
representada pela posse de capital necessário à exploração e expansão da produção.
frente às adversidades e usando a força dos seus próprios braços. A burguesia cacaueira
sedimentou uma ideologia unificadora baseada na valorização do cacau que deveria ser
defendida por fazendeiros, comerciantes, assalariados, ocultando assim as diferenças e
conflitos, questões fundiárias, questões indígenas, ao mesmo tempo que reproduziu a estrutura
social e econômica vigente. O quadro político e social que emergiu desse processo de expansão
da lavoura cacaueira foi caracterizado por relações coronelistas e clientelistas associadas ao
controle das estruturas de poder institucionalizados vinculados ao Estado como o poder
judiciário, delegacias de terras e instituições de crédito.
O coronelismo demarcou uma importante passagem da história do país e ainda reverbera
seus efeitos em seu interior, especialmente no que diz respeito ao poder local nos municípios
rurais do nordeste brasileiro. A obra Coronelismo, enxada e voto - o município e o regime
representativo no Brasil, de Victor Nunes Leal, publicada em 1948, representa um dos mais
importantes estudos sobre o coronelismo e o aponta como um sistema político que surge dentro
de um contexto histórico específico, inserido na conjuntura política e econômica do Brasil no
período da República Velha (1889-1930). Representa, de acordo com Leal (2012), uma
complexa rede de relações que vai desde o coronel até o Presidente da República, envolvendo
compromissos recíprocos.
Vitor Nunes Leal explica que o coronelismo tem sua origem naqueles que eram
chamados de coronéis, autênticos ou não, integrantes da Guarda Nacional, que mesmo após a
sua extinção continuaram a usufruir desse título. Além daqueles que ocupavam tal posto, o
tratamento de coronel começou a ser dado pela população rural a todo e qualquer líder político,
toda e qualquer pessoa de influência. Geralmente, eram os fazendeiros mais ricos ou aqueles
cidadãos mais ricos ligados ao comércio e à indústria que obtinham em cada município o direito
de exercer o alto comando da Guarda Nacional e, ao mesmo tempo, o controle político de forma
patriarcal.
Assim, o coronelismo passou a representar um novo esquema de relações de força entre
fazendeiros, eleitorado e governos municipais, estadual e federal. Com a criação do
federalismo, como explica José Murilo de Carvalho (1977), criou-se um novo ator político com
amplos poderes, o Presidente de Estado. No âmbito econômico, os fazendeiros passavam por
uma situação de decadência, cuja manutenção do seu poder político necessitava da presença do
Estado que se fortalecia cada vez mais. Portanto, foi a perda do poder econômico que levou o
coronel a depender do apoio do governo provincial para manter sua posição de domínio. O
coronel “hipotecava” seu apoio ao governador que em troca lhe dava poder sobre seus
dependentes com a cessão do controle de cargos públicos. O Governador, por sua vez, apoiava
88
Outra distinção em relação a outros tipos de coronéis que existiram no Brasil e em outras
partes da Bahia, deve-se ao fato de que nas terras do cacau o poder do coronel, como esclarece
Heine (2004), não tem origem no latifúndio, mas sim na quantidade de cacau produzido e na
receita proveniente, havendo até uma hierarquia constituída entre os coronéis. De acordo com
Rocha (2008) citando Barbosa (1977), o cacauicultor que colhesse cinco mil arrobas de cacau
no ano já era considerado coronel, mesmo sem ter adquirido a patente. Alguns coronéis
detinham grande poder econômico, não possuindo, contudo, relevância política, a exemplo do
coronel Manoel Misael Tavares, o Rei do cacau. Outros, exerciam forte poder político, mas não
eram grandes produtores, como foi o caso do coronel Domingos Adami de Sá (ROCHA, 2008).
De acordo com Falcón (1983) três fatores foram determinantes para a constituição do poder do
coronel: a força econômica, o prestígio político e a violência.
Outra característica do coronelismo na região cacaueira apontada por Rocha (2008) foi
o absenteísmo. O coronel não tinha o apego de viver sobre suas terras, ele procurava viver nas
cidades, característica essa que o tornou um fundador de vilas que se transformaram em cidades.
Distinguindo-se dos senhores de engenho que não dependiam da vila ou da cidade, o coronel
do cacau fazia delas o seu núcleo de poder, de onde exercia o seu mando e disputava o controle
das instâncias administrativas e jurídicas com outras lideranças políticas. Fez das cidades o
palco para seus mandos, elegeu seus representantes e criou seus próprios partidos políticos
(ROCHA, 2008).
A estrutura coronelista e as disputas pelo poder político local na região cacaueira
criaram um ciclo pela busca da dominação do eleitorado desencadeando um sistema de
barganha e forçando da mesma forma os trabalhadores a se utilizarem desse expediente. A
figura do coronel representava o único acesso da população às esferas de poder, principalmente
em localidades rurais isoladas dos centros decisórios. De acordo com Souza e Dantas (2014),
baseados no trabalho de Maria Isaura Pereira de Queiroz (QUEIROZ, 1997), a manutenção de
uma relação de proximidade com um coronel ou mesmo a dependência em relação às benesses
concedidas pelo mesmo, poderia servir como uma estratégia por parte dos trabalhadores, pois
tinham no voto a possibilidade de se obter alguma vantagem, não sendo, pois, uma atitude
inconsciente ou adestrada.
90
3.5 Processos de (re) territorialização de lutas pelo acesso à terra e produção do espaço
no Litoral Sul
As trajetórias dessas duas etnias têm sido marcadas por uma série de conflitos que
delimitam a luta desses povos indígenas pela conclusão dos processos de demarcação e, assim,
o reconhecimento definitivo dos seus territórios. De acordo com Alarcon e Couto (2014), o
povo Tupinambá desde o ano 2000 vêm reivindicando do Estado o reconhecimento das terras
que tradicionalmente ocupam (conforme ilustra a Figura 8) e vem tentando recuperar as áreas
expropriadas com ações chamadas de retomadas de terras. Como explicam as pesquisadoras,
desde o final do século XIX quando a região se tornou a principal fronteira agrícola do estado
da Bahia com a introdução da lavoura do cacau que ocorreram a entrada massiva de não-
indígenas no território Tupinambá, se intensificando entre os anos de 1920 e 1940. Como
resultado, aqueles que não migraram para as áreas urbanas, tiveram que assumir a condição de
trabalhador nas fazendas de cacau, em condições precárias e, alguns deles servindo como mão
de obra escrava.
92
Figura 8 - Marcha dos povos indígenas do Sul e Extremo Sul da Bahia até o Ministério da
Justiça, em Brasília, contra o marco temporal e pela demarcação de terras, 16/10/2019
No ano de 2004 a Fundação Nacional do Índio (Funai) criou um grupo de trabalho para
dar início ao processo de demarcação das terras Tupinambás e, desde então, como forma de luta
e pressão, os tupinambás realizaram ocupações em 70 fazendas da região, entrando em conflitos
com fazendeiros. Em 2009, a Funai publicou o relatório de identificação e delimitação da Terra
Indígena Tupinambá de Olivença, inclusive no Diário Oficial, e ainda prevendo que os atuais
ocupantes não indígenas sejam indenizados por benfeitorias e sejam reassentados pelo governo
em determinados casos (FÁBIO, 2016).
Os últimos conflitos mais expressivos aconteceram entre os anos de 2013 e 2014, mais
precisamente no município de Buerarema, quando eclodiram ocupações mais intensas como
resultado de um processo de resistências e lutas contra ataques cometidos pelo Estado e por
fazendeiros e, também, como forma de pressionar o governo federal pela demarcação,
especialmente a partir de 2009. Os conflitos se intensificaram de tal forma que foi necessário a
presença da Força Nacional a partir de agosto de 2013 como forma de evitar o agravamento da
violência. Naquele mês, entre os dias 02 e 13, 300 indígenas intensificaram as ações ocupando
40 fazendas na localidade conhecida como Serra do Padeiro, entre os municípios de Buerarema,
Ilhéus e Una. Naquele momento o município de Buerarema foi o epicentro dos confrontos,
inclusive na sede do município. O Quadro 4 apresenta um resumo das principais ocorrências
veiculadas pela imprensa sobre a luta do Povo Tupinambá de Olivença.
93
Quadro 4 - Notícias veiculadas pela imprensa sobre a luta do Povo Tupinambá de Olivença pela
retomada das suas terras, 2012 – 2019
500 soldados do exército por ordem do governo federal com o objetivo de garantir a lei e a
ordem na região. Atualmente, em um cenário político altamente desfavorável imposto por um
governo ultraconservador que ataca sistematicamente os direitos de todas as minorias, os
Tupinambás aguardam o desenrolar do processo de demarcação em meio às ameaças, ataques
e outras violências cometidas por fazendeiros e autoridades que se sentem legitimados pelos
atos do governo federal e pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro em favor de pecuaristas,
latifundiários, mineradores e, quando assim declarou: “Enquanto eu for presidente, não tem
demarcação de terra indígena” (CARTA CAPITAL, 2019).
O povo negro também mantém uma história de resistências no Litoral Sul como
enfrentamento à escravização ocorrida nos engenhos de cana de açúcar e fazendas de café e
cacau implantadas às margens do Rio Almada, na Capitania de São Jorge dos Ilhéus. Freitas
(2018) relata um processo que tem como síntese a luta e resistência de 35 comunidades
quilombolas estabelecidas atualmente no Litoral Sul, sendo que destas, 13 são certificadas pela
Fundação Cultural Palmares (FCP). As comunidades certificadas estão localizadas nos
municípios de Maraú (Quitumba, Maraú, São Raimundo, Empata Viagem, Minério e Terra
Verde) e Itacaré (Água Vermelha, Fojo, João Rodrigues, Porto do Oitizeiro, Santo Amaro e
Serra de Água) (PROJETO GEOGRAFAR/UFBA, 2019). A Figura 9 apresenta o mapa com a
espacialização das comunidades quilombolas certificadas no estado da Bahia, por Território de
Identidade. A partir do mapa é possível visualizar que a concentração de comunidades
quilombolas no Litoral Sul ocorre ao norte do território, nos limites com o Baixo Sul, Território
de Identidade que abriga maior concentração de comunidades quilombolas na Mesorregião Sul
Baiano.
O Litoral Sul também é marcado por um processo de territorialização da luta dos
trabalhadores rurais pelo acesso à terra, desencadeado por um processo violento e
expropriatório em sua história e que foi agudizado a partir do início do século XX com a
expansão da lavoura cacaueira, responsável pela “ocupação indiscriminada de terras devolutas,
expropriação de posses camponesas e exploração do trabalho assalariado no campo”
(FREITAS, 2018, p. 77). Um processo que desencadeou o movimento sindicalista rural no Sul
da Bahia, inserindo a região na vanguarda do sindicalismo rural brasileiro com a fundação em
1934 de um dos primeiros sindicatos de trabalhadores rurais do Brasil, em Pirangi, então distrito
de Ilhéus e hoje município de Itajuípe. Em 1952 também foi criado o Sindicato Itabuna-Ilhéus,
chegando a ter mais de 6.000 trabalhadores filiados e sendo considerado um dos maiores
sindicatos do Brasil (FREITAS, 2018).
95
como o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da
Diocese de Itabuna e da Cáritas Diocesana de Ilhéus, do Polo Sindical do Trabalhadores Rurais
do Sul da Bahia (FETAG-BA), da Central Única dos Trabalhadores da Região Cacaueira (CUT
Cacaueira), do Partidos dos Trabalhadores (PT) e do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
(FREITAS, 2018). Todo esse movimento desencadeou o movimento denominado de Luta dos
Posseiros, na década de 1980, o que segundo Freitas (2018), representa o marco da
territorialização da luta pela reforma agrária no Sul da Bahia.
Como resultado e em resposta a esse processo de violência e conflitos, o Estado
interveio com a implantação dos primeiros assentamentos de reforma agrária no Sul da Bahia,
com a criação de 7 projetos, beneficiando 336 famílias e abrangendo uma área de 10.169,23
hectares entre os anos de 1986 e 1987. Entre os anos de 1986 e 2017, foram implantados 540
projetos de assentamento de reforma agrária no estado, beneficiando um total de 45.157
famílias assentadas e uma área de 1.538.436,30 hectares, a exemplo do Assentamento Terra
Vista, no município de Arataca (Figura 10). Atualmente, o Território Litoral Sul abriga a maior
quantidade de assentamentos da reforma agrária na Bahia, conforme mostra a Figura 11, com
74 assentamentos, equivalendo a 13,7% do total, com 2.829 famílias assentadas (6,38%) e uma
área de 43.630,77 hectares (2,8%) distribuídos nos 26 munícipios do TLS (FREITAS, 2018).
Figura 10 - Assentamento Terra vista, município de Arataca (BA), imagens comparativas entre
os anos de 1998 e 2014
Embora a crise da economia cacaueira tenha criado condições para a luta pelo acesso à
terra e criado brechas para o enfrentamento das condições históricas da expropriação, ainda
perdura no Litoral Sul uma estrutura fundiária muito concentrada. Com base nos dados do
97
A próxima seção mantém o foco na crise da economia cacaueira e descreve como este
evento foi determinante para a deterioração das condições de vida dos trabalhadores rurais,
fazendeiros, comerciantes e, ao mesmo tempo, favoreceu o surgimento de novas dinâmicas
produtivas, principalmente vinculadas ao setor de serviços, promovendo assim novas
territorialidades.
99
e os produtores endividados, aos poucos, foram abandonando o cultivo desta lavoura” (PINTO
et al., 2013, p.101).
Fonte: Produção Brasil (1900 – 2018) (IPEADATA); Produção Bahia (1974 – 2018) (IBGE).
No período compreendido entre os anos de 1957 e 1989, o Estado intensificou seu papel
intervencionista como forma de enfrentamento às crises cíclicas, realizando investimentos em
infraestrutura, oferecendo novos financiamentos, repactuação das dívidas dos produtores,
assistência técnica e inovação tecnológica. A cada crise conjuntural ou eventos relacionados a
choque externos o Estado interveio de modo a restabelecer os níveis de produção, dado o papel
estratégico ocupado pelo cacau na pauta de exportações do estado da Bahia. Assim, foram
criados o Instituto de Cacau da Bahia (ICB) em Ilhéus e a Estação Experimental de Água Preta
no município de Uruçuca, no ano de 1930, em meios aos efeitos da crise de 1929. No ano de
1957, após os efeitos da Segunda Guerra (1939-1945), foi criada a Comissão Executiva do
Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Em outra crise nos anos 1970 foi construído o Porto de
Ilhéus (1971) e a construção da BR 101 (1973).
O ICB e a Ceplac tiveram papel importante enquanto organizações criadas pelo Estado
e direcionadas para o atingimento da política pública de reestruturação da cacauicultura com
aportes financeiros e suporte tecnológico. No ano de 1963 é instalado na Ceplac o Centro de
Pesquisa do Cacau (Cepec), responsável pelo desenvolvimento de tecnologia de ponta para o
cultivo e beneficiamento do cacau. A introdução de novas tecnologias proporcionou uma
102
modernização dos métodos de produção levando o estado da Bahia a alcançar o pico de 395.486
toneladas de cacau e o Brasil 458.754 toneladas no ano de 1986, números estes que fizeram o
país alcançar a posição de segundo maior exportador de cacau. No entanto, é também nesse
período, mais precisamente ao final dele, que todas as áreas produtoras de cacau na Região Sul
da Bahia são contaminadas com a doença da Vassoura de Bruxa (Moniliophthora perniciosa),
conforme ilustrada na Figura 14. A partir de então, associada a fatores externos e às
características estruturais da economia cacaueira, a região entrou em uma profunda crise cujos
efeitos ainda são sentidos na atualidade.
Quando se olha para a população rural (Tabela 6), percebe-se o quanto aquela crise foi
determinante para o êxodo na Região Cacaueira entre os anos de 1991 e 2010, embora tenha
sido um fenômeno ocorrido em quase todas as microrregiões, a exemplo do Brasil como um
todo, como decorrência da urbanização.
No entanto, o caso particular da Região Cacaueira merece especial atenção por revelar
os efeitos de uma crise econômica que levou a perda de 50% da sua população rural, o maior
110
Além das alterações ocorridas na dinâmica populacional, o Território Litoral Sul passou
por uma reorganização socioeconômica, com transformações que segundo Trindade (2011)
alteraram o ritmo, a intensidade e o volume das interações espaciais entre os centros regionais
e as pequenas cidades em cujos municípios a cacauicultura se desenvolveu. Para o
enfrentamento da crise da economia cacaueira foi necessário reunir esforços em torno de
alternativas concretas de restruturação produtiva e, principalmente, para uma mudança de
mentalidade que deveria voltar-se para além do cacau enquanto commodity, buscando a
diversificação da sua cadeia produtiva. Outras atividades agrícolas e não agrícolas foram
desenvolvidas e incentivadas como o turismo, introdução de industrias e especialmente no
comercio e prestação de serviços.
Essas novas iniciativas fizeram o eixo Ilhéus-Itabuna consolidar-se como polo regional
de serviços, com destaque para o comércio, lazer, serviços de atendimento médico-hospitalar e
o ensino superior. Essas cidades concentram em torno desses serviços e equipamentos um fluxo
constante de pessoas dos outros municípios que compõem o TLS e também municípios de
outros Territórios de Identidade. Seja em busca de atendimento médico, exames clínicos, seja
para acesso a serviços especializados, seja para o comercio varejista e/ou atacadista, seja por
motivo de lazer, ou, seja para ter acesso à rede de ensino superior público ou privado, a
população do Litoral Sul e de outros municípios em seu entorno acabam criando um vínculo
com o eixo Ilhéus-Itabuna com repercussões em várias cadeias de valor e, mais ainda, criando
uma identidade territorial com níveis de territorialidades diversas.
A territorialidade é aqui entendida não apenas partir do seu aspecto imaterial, simbólico-
cultural, mas também, pela sua funcionalidade, uma dimensão do vivido (LEFEBVRE, 1986)
conjugando materialidade e imaterialidade ou, como em Raffestin (2003), uma territorialidade
imediata correspondendo à territorialização das nossas ações cotidianas. Como afirma Sack
(1986), além de incorporar uma dimensão política, a noção de territorialidade considera também
relações econômicas e culturais, pois está intimamente ligada ao modo como as pessoas
utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como dão significado ao lugar.
Por outro lado, como aponta Trindade (2011, p.230, 233) existe uma multiplicidade de
fluxos que ampliaram as assimetrias urbanas, consolidando uma relação em que as pequenas
cidades contribuem com o crescimento dos centros regionais, ou seja, com o eixo Ilhéus-
Itabuna. São destas pequenas cidades ao redor desse centro regional (Ilhéus-Itabuna) que
emergem grande parte dos consumidores de bens e serviços, o que segundo Trindade (2011),
fazem ampliar ainda mais as assimetrias e, assim, “os nós da rede urbana concentram
equipamentos, capital e serviços que reproduzem um padrão assimétrico de coexistência com
112
as pequenas cidades” (p.230). O autor ainda explica que o desenvolvimento dos centros
regionais, com é o caso de Ilhéus e Itabuna, que se expandem horizontal e verticalmente, ocorre
ao mesmo tempo em que acontece a estagnação da pequena cidade pois grande parte dos
recursos locais é transferida para o centro regional através do consumo dos produtos e serviços
no comércio dessas cidades.
A partir da Tabela 7 é possível ver o peso do setor de serviços na economia dos
municípios de Ilhéus e Itabuna, quando este setor representou no ano de 2015 uma participação
de cerca de 43% e 55,80% respectivamente. A agricultura que foi responsável pela expressiva
renda obtida por estes municípios, atualmente tem peso muito menor no produto municipal,
representando 4,61% do PIB de Ilhéus e 0,77% do PIB de Itabuna, excetuando-se o valor
adicionado pela administração pública. Juntos, os dois municípios representam cerca de 66%
do PIB do território. Quanto aos outros municípios do TLS, a maioria deles encontra na
administração pública e na agricultura seu maior componente do PIB municipal. Dos 26
municípios do TLS, 18 deles apresentam maior proporção do PIB municipal concentrada na
administração pública: Almadina (38,07%), Arataca (37,83%), Aurelino leal (41,5%), Barro
Preto (41,10%), Canavieiras (32,13%), Coaraci (37,71%), Floresta Azul (40,98%), Ibicaraí
(41,79%), Itaju do Colônia (37,59%), Itapé (41,43%), Itapitanga (46,53%), Jussari (40,18%)
Maraú (32,79%), mascote (36,44%), pau Brasil (39,42%), Santa luzia (38,93%), São José da
Vitória (47,93%), e Uruçuca (36,79%).
São municípios que dependem economicamente dos repasses governamentais e que
geram contratações e movimentação da renda na localidade. Embora nenhum destes municípios
tenham apresentado a agricultura como principal componente do produto municipal, o setor
ainda ocupa lugar de importância na economia da maioria destes municípios, com destaque para
Almadina (34,55%), Arataca (36,18%), Barro preto (30,20%), Canavieiras (28%), Itaju do
Colônia (35,89%), Itapé (25,71%), Itapitanga (24,98%), Jussari (32,79%), maraú (27,23%),
Mascote (27,95%), pau brasil (30,83%), santa luzia (28,49%) e Una (25,62%).
A despeito das transformações ocorridas desde a crise do cacau, os municípios de Ilhéus
e Itabuna mantiveram o predomínio como centros econômicos do território com influência
ampliada para outros territórios no Sul da Bahia. No âmbito dessa centralidade regional e para
além da sua importância no TLS, o município de Itabuna tornou-se, como bem diz Aguiar e
Pires (2019), o centro regional do comércio varejista e atacadista e também em razão dos
serviços médico-hospitalares, dada a oferta de equipamentos e variados serviços especializados.
Além disso, o município exerce a função de entroncamento rodoviário na malha rodoviária
baiana. Essa condição permite ao município estabelecer interações mais densas e constantes
113
com as demais cidades da rede urbana, através dos fluxos, via rede de transportes rodoviários
(TRINDADE, 2011).
O município de Ilhéus dispõe de alguns equipamentos de saúde, mas é na atividade
turística que está seu principal vetor de fluxos. Além de Ilhéus, os municípios de Itacaré, Maraú,
Canavieiras, Una e Uruçuca integram o eixo turístico no Litoral Sul denominado de Costa do
Cacau. Ilhéus é a principal porta de entrada devido à sua infraestrutura portuária e aeroportuária
e à sua rede hoteleira.
114
Tabela 7 - Produto Interno Bruto, Valor Adicionado Bruto (VAB) por setores, a preços correntes, por município do Território Litoral Sul, 2015
VAB Impostos, líquidos
VAB da VAB da VAB
PIB População PIB per capita Administração de subsídios,
Município % PIB Agropecuária Indústria Serviços
(R$ 1.000) (R$ 1,00) Pública (R$ sobre produtos
(R$ 1.000) (R$ 1.000) (R$ 1.000)
1.000) (R$ 1.000)
Itabuna 3.840.425 34,71% 219.680 17.481,91 29.703 650.133 2.143.027 636.901 380.660
Ilhéus 3.639.669 32,90% 180.213 20.196,49 167.766 821.383 1.566.407 541.129 542.984
Canavieiras 299.946 2,71% 33.268 9.016,06 84.038 15.913 92.172 96.360 11.464
Una 282.836 2,56% 22.105 12.795,13 72.450 15.773 102.121 72.972 19.520
Camacan 266.623 2,41% 33.197 8.031,53 30.543 18.021 103.262 99.518 15.279
Itacaré 262.577 2,37% 27.619 9.507,12 45.835 17.865 106.014 83.468 9.396
Itajuípe 258.740 2,34% 21.754 11.893,92 32.960 62.331 73.385 67.303 22.761
Buerarema 216.098 1,95% 19.283 11.206,68 17.071 10.425 109.826 54.376 24.400
Ubaitaba 214.352 1,94% 20.813 10.298,96 22.433 14.506 91.754 68.301 17.358
Maraú 208.133 1,88% 21.175 9.829,17 56.681 11.460 66.033 68.244 5.715
Uruçuca 189.467 1,71% 21.849 8.671,67 32.423 15.994 61.829 69.713 9.508
Ibicaraí 176.544 1,60% 24.029 7.347,13 19.190 9.782 67.104 73.782 6.685
Coaraci 152.057 1,37% 19.770 7.691,32 26.831 8.381 53.563 57.341 5.942
Mascote 135.491 1,22% 14.877 9.107,38 37.872 6.896 35.244 49.369 6.109
Aurelino Leal 106.719 0,96% 13.089 8.153,32 29.294 6.756 21.711 44.293 4.664
Santa Luzia 106.257 0,96% 13.626 7.798,13 30.277 6.122 24.846 41.366 3.647
Arataca 98.994 0,89% 11.737 8.434,36 35.815 5.953 17.760 37.453 2.013
Pau Brasil 88.363 0,80% 10.905 8.102,97 27.246 5.219 18.364 34.832 2.702
Itapé 83.499 0,75% 10.228 8.163,73 21.467 4.129 21.018 34.592 2.293
Floresta Azul 81.250 0,73% 11.313 7.182,04 19.128 4.793 21.213 33.296 2.820
Itapitanga 75.151 0,68% 10.800 6.958,44 18.771 3.622 16.206 34.967 1.586
Itaju do Colônia 69.086 0,62% 7.353 9.395,58 24.795 3.646 12.823 25.972 1.850
Almadina 57.990 0,52% 6.145 9.436,99 20.036 3.197 11.559 22.075 1.123
Barro Preto 54.925 0,50% 6.492 8.460,46 16.587 2.540 11.874 22.577 1.347
Jussari 54.256 0,49% 6.378 8.506,77 17.793 2.387 11.050 21.801 1.225
S. J. da Vitória 44.870 0,41% 6.118 7.334,11 5.292 2.407 13.624 21.506 2.041
Total 11.064.320 100,00% 793.816 251.001 942.297 1.729.633 4.873.789 2.413.508 1.105.093
Fonte: IBGE - PIB dos municípios brasileiros
115
(Conclusão)
Matriz Territorial Projeto político Ideia-guia Entidades/organizações/atores
Projeto político originado a partir das a afirmação étnica pela Povos Indígenas (Pataxós, Pataxó Hã-hã-hãe, Camaká, Maxali),
lutas por reconstrução do território reconquista do território em áreas Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Conselho Indigenista
Território Indígena indígena dos Pataxós, Pataxó Hã-hã-hãe de reserva e seu reconhecimento Missionário (CIMI), Centro de Estudos e Pesquisas para o
e Tupinambás de Olivença como povos indígenas Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES), FASE e Terra
Viva.
Projeto político originado da articulação modernização da gestão AMURC, Consórcio Intermunicipal do Sul da Bahia (CISUBA),
institucional da AMURC visando à municipal Consórcio Intermunicipal Costa do Descobrimento (CICODE), o
Território da AMURC
formação de consórcios intermunicipais Consórcio Intermunicipal de Integração do Alto Sul (CIASUL) e as
prefeituras do Litoral Sul da Bahia.
Projeto político originado com a criação o gerenciamento dos recursos CEPLAC, Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), AMURC, UESC,
do consórcio intermunicipal de hídricos mediante mobilização Prefeitura de Itabuna, Prefeitura de Santa Cruz da Vitória, Prefeitura de
gerenciamento das bacias hidrográficas social e de instituições Una, Empresa Baiana de Água e Saneamento (EMBASA), Empresa
Território do “Comitê do Sul do Estado relacionadas Municipal de Água e Saneamento (EMASA), Nestlé, Hotel
de Bacias Transamérica, Associação dos Usuários da Água da Sub-bacia do Rio
Hidrográficas do Leste Colônia, do Rio Salgado, Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE)
de Itororó, Organização pró-Defesa e Estudos dos Manguezais da Bahia
(ORDEM) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA).
A Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), vide Figura 18, foi a primeira instituição
de ensino superior e por muito tempo foi a única em toda Mesorregião Sul Baiano. Atualmente
é a principal IES de todo o Sul da Bahia e uma das mais importantes do estado com
reconhecimento nacional e internacional em ensino, pesquisa e extensão. No ano de 2018, a
Uesc contou com 11.636 alunos matriculados nos 33 cursos de graduação. A instituição ainda
contou naquele ano com 5 cursos de educação à distância, 7 cursos de pós-graduação lato sensu
(especialização) presenciais e 3 especializações EAD, 30 cursos stricto sensu, sendo 18 cursos
de mestrado acadêmico, 6 mestrados profissionais e 6 doutorados.
Figura 18 - Campus da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Ilhéus - BA, vista aérea
Trindade (2011) diz que além da Uesc, as outras instituições de ensino superior de
caráter privado contribuem para ampliar o raio de influência do eixo Ilhéus-Itabuna e acrescenta
que cerca de 30% dos alunos matriculados na UniFTC em Itabuna são oriundos de outros
municípios do Sul da Bahia e até mesmo de outras regiões do Estado. O autor, ao destacar a
contribuição das faculdades privadas na alteração dos fluxos intra-urbanos em Itabuna e Ilhéus,
relata que a paisagem dessas cidades foi transformada com novos usos do espaço urbano e com
a requalificação de espaços que estavam marginalizados durante a noite como é o caso do
entorno da praça José Bastos onde está localizada a UniFTC e a Avenida José Soares Pinheiro,
onde está a Faculdade União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime), em Itabuna.
Em consonância com o argumento que aqui se propõe, Trindade (2011, p.244) considera
que a “a aglomeração Itabuna - Ilhéus” é um polo regional de ensino superior e essa função
121
Além disso, existem no município mais de 50 clínicas privadas e públicas nas mais
diversas especialidades, inclusive as clínicas oftalmológicas, mais raras de se encontrar nas
122
De acordo com Mira (2013), o Jequitibá Plaza Shopping talvez seja a organização
econômica que melhor represente o descolamento da economia regional do negócio cacau. Seu
sucesso foi tamanho que, em 2011, 11 anos após sua inauguração, foi ampliado em 40 lojas e
quatro lojas-âncoras. Atualmente o shopping encontra-se em nova fase de expansão da sua área
bruta locada (ABL) em mais de 7 mil metros quadrados, agregando mais operações de produtos
e serviços ao empreendimento, como o complexo Cinemark com 4 salas de cinema com
tecnologia 3D, academias inteligentes Smart Fit, Casas Bahia, Kalunga, Burguer King e Ice
Creamy, com estimativa de geração de mais 200 empregos diretos e uma estimativa de 20% a
mais em vendas.
A partir de 2010, os municípios de Ilhéus e Itabuna são alvos da expansão das grandes
redes multinacionais de lojas atacadistas, recebendo investimentos para a instalação das lojas
Makro Atacado (SHV - Steenkolen Handels Vereeniging), Atacadão (Carrefour), Maxxi
atacado (Walmart), GBarbosa (Cencosud) e, em 2019, foi instalada em Ilhéus uma unidade do
Assaí Atacadista (Grupo Pão de Açúcar / Casino). Estes empreendimentos contribuíram para o
aumento dos fluxos de pessoas, capitais e mercadorias no entorno do eixo Ilhéus-Itabuna,
quando famílias e pequenos comerciantes das cidades circunvizinhas passaram a realizar
compras nestas lojas e, ao mesmo tempo, provocou maior concorrência entre os hipermercados
localizados naquelas duas cidades.
Cabe destacar também que a atividade turística foi e continua sendo uma das apostas
para a retomada do desenvolvimento socioeconômico no pós-crise na região cacaueira. O
Território Litoral Sul, particularmente, conta com municípios detentores de recursos
paisagísticos e culturais que os tem colocado como alguns dos principais destinos turísticos do
estado e do Brasil, a exemplo dos municípios de Ilhéus, Itacaré, Canavieiras, Uruçuca (Serra
Grande), Maraú (península de Maraú) e Una (Ilha de Comandatuba). São destinos que
encontram em seu capital natural, especialmente nas praias, seu principal fator de atratividade.
O município de Ilhéus é o principal destino e principal porta de entrada. Além do mais, Ilhéus
construiu uma identidade vinculada ao seu passado de lutas, conquistas, conflitos, glórias e
riquezas em torno da “civilização do cacau”, uma saga narrada e eternizada na obra amadiana.
Ainda hoje, o cacau e tudo o que o envolveu, é um valor simbólico da cultura sulbaiana que é
utilizado no marketing turístico.
124
Figura 21 - Casa de Cultura Jorge Amado, localizada na rua Jorge Amado, Ilhéus – BA
A esse respeito, existem esforços para que a atividade turística incorpore outros
elementos da cultura local e incremente outras cadeias de valor, como o turismo rural associado
a produção de cacau cabruca. Algumas fazendas estão buscando alternativas de diversificação,
incorporando em suas rotinas a possibilidade de visitação, oportunizando uma experiência de
conhecer as várias etapas da produção de cacau e, algumas outras, estão também investindo na
produção e comercialização do chocolate.
A partir de uma articulação entre a Secretaria do Turismo da Bahia (Setur), a Secretaria
de Planejamento da Bahia (Seplan), Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) e a Associação de
Turismo de Ilhéus (Atil) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae), foi criada, enquanto produto turístico, a “Estrada do Chocolate” (Figura 22),
localizada na BA 262, com a proposta de interligar 20 fazendas entre os municípios de Ilhéus e
Uruçuca. A ideia é oferecer aos visitantes uma experiência com o contato direto com as
plantações de cacau, casarões históricos, com a mata atlântica, além de desfrutar de outras
amenidades e consumo de produtos da fazenda, inclusive o chocolate fabricado na propriedade.
Outras alternativas foram aventadas e continuam na pauta de discussões para a retomada
do desenvolvimento da região, como é o caso da aposta no cacau orgânico e no cacau fino. O
cacau orgânico estaria inserido em uma perspectiva agroflorestal considerando as
características da biodiversidade da mata atlântica. Essa alternativa se deslocaria do modelo
comoditizado de mercado no qual o cacau está inserido e passa oportunizar um maior valor
125
agregado para o produtor em um mercado diferenciado pelo alto valor ambiental incorporado.
De acordo com Noia, Midlej e Romano (2015), o preço mínimo verificado para o cacau
orgânico, em média, tem sido de 1.800 a 2.000 mil dólares a tonelada, sendo que o preço do
cacau produzido de forma convencional varia entre 1.000 e 1.500 dólares por tonelada.
sua conexão em rede em várias escalas, e isso, evidentemente, revela um elemento político
envolvido no conceito de multiterritorialidade: o acesso a essa multiplicidade de territórios ou
de territorialidades se dá muito mais para os grupos privilegiados, para aqueles atores
(“hegemônicos”) que tem o território ou suas territorialidades como recurso em oposição
àqueles (“hegemonizados”), para os quais o território é apenas abrigo ou, no extremo, não têm
sequer essa opção.
Como forma de representar a movimentação de pessoas, recursos, capitais, bens e
serviços que são gerados principalmente pelo eixo Ilheus-Itabuna, foi elaborado um mapa de
fluxos de ligações rodoviárias na Microrregião Geográfica Ilhéus-Itabuna, com base nos dados
do IBGE para o ano de 2016. A pesquisa sobre ligações rodoviárias analisa os fluxos gerados a
partir dos sistemas de transporte interurbano de passageiros no País. A partir de um recorte
espacial foi possível verificar a interligação entre as cidades da microrregião, contemplando por
sua vez o Território Litoral Sul, de modo que é possível identificar a frequência de saídas
semanais de veículos rodoviários por par de municípios (IBGE, 2016), considerados a sua
regularidade espacial e temporal representando, assim, a relação entre os municípios e o fluxo
de pessoas no território (Figura 25) e principalmente a atração exercida pelo centro Ilhéus-
Itabuna em função da oferta de bens e serviços.
O eixo Ilhéus-Itabuna representa o centro de influência para as demais cidades em
função daqueles complexos de serviços. As pessoas acabam por manter uma identidade e
vínculo com esse centro a partir das múltiplas territorialidades que são construídas, pois, por
exemplo, são pessoas que residem em seu município, se deslocam para frequentar a faculdade
em Itabuna ou na Uesc, eventualmente fazem estágio ou trabalham em Itabuna e após essa
jornada retornam ao seu município. Ou ainda, pessoas que buscam por serviços médico-
hospitalares e acabam criando uma rotina permanente com aquele centro. São
microempresários que buscam o comércio atacadista e varejista para abastecer seus negócios.
Enfim, estas e outras movimentações possibilitam a construção de uma rede de relações
econômicas, sociais e culturais.
130
fez desse território um dos mais afetados no estado da Bahia. De acordo com o boletim
epidemiológico do estado da Bahia (https://bi.saude.ba.gov.br/transparencia/), o município de
Itabuna ocupava em 26/12/2020 a terceira posição em número de casos, totalizando 16.247
pessoas infectadas, enquanto que o município de Ilhéus registrava 8.898 casos à mesma época.
Juntos, os dois municípios representavam cerca de 5% do número de casos do estado (482.113
casos). Em termos de óbitos, os números são ainda mais alarmantes, com os municípios de
Itabuna e Ilhéus ocupando a 3ª e 4ª posição, totalizando 493 e 451 óbitos, respectivamente.
Juntos, esses municípios representavam 10% do número de óbitos confirmados no estado
(8.983 óbitos).
De certo, o intenso fluxo de pessoas tem um peso significativo para explicar o elevado
número de casos e óbitos. Da mesma forma, essa dinâmica territorial pode explicar grande parte
da queda na renda e no emprego devido às medidas restritivas que foram tomadas para conter
o avanço do vírus, a exemplo do fechamento do comércio, toque de recolher e suspensão dos
serviços de transporte intermunicipal. A aprendizagem que disso resultou, da forma mais
nefasta e, especificamente para o Litoral Sul, é que qualquer estratégia de desenvolvimento
territorial deve-se compreender os fenômenos socioespaciais marcados pela mobilidade e fluxo
de pessoas, bens, capitais, informações, vírus e doenças, e, portanto, deve-se analisar tais
fenômenos em uma concepção de redes, desde uma perspectiva ambiental até econômica. Dada
a importância do capital natural presente no Litoral Sul, essa visão oferece um importante
instrumento de conservação e valorização ambiental baseada em corredores ecológicos.
Igualmente, a constituição de redes socioprodutivas, principalmente priorizando as ligações
rural-urbanas, pode contribuir para o fortalecimento da produção e comercialização da
agricultura familiar, assentados e movimentos agroecológicos.
132
O presente capítulo explora o conteúdo das entrevistas e oferece uma interpretação das
condições que intervém no desenvolvimento territorial no Litoral Sul, à luz da literatura
pertinente e mediante as técnicas qualitativas e quantitativas utilizadas para análise do material
coletado. Inicialmente, a primeira seção descreve os elementos identitários do território
apontados pelos entrevistados, seus significados e seus efeitos sobre o processo de
desenvolvimento territorial no Litoral Sul. Em seguida, considerando que dentro da política
territorial é o Codeter que tem a função de integrar a sociedade civil, governo e agentes do setor
produtivo em torno da construção de políticas públicas para o território, serão descritas as
condições que intervêm no Colegiado Territorial enquanto espaço de participação e constituição
de coletividades.
Nesta direção, Haesbaert (2014) afirma que a identidade territorial não pode ser
identificada nos objetos que a expressam, como é o caso da natureza, função e localização, mas
sim, deve basear-se na atribuição de um valor simbólico da cultura ou do cenário. Em outra
obra (HAESBAERT, 1999), o autor expõe que a identidade territorial recorre a uma dimensão
histórica, do imaginário social, de modo que o espaço que serve de referência condense a
memória do grupo. Esse argumento é, assim, subjacente à definição de identidade expressa em
Castells (2018, posição 928): “o processo de construção de significado pautado em um atributo
cultural ou como conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (is) prevalece(m)
sobre outras fontes de significado”.
Por isso, a relação entre identidade e desenvolvimento territorial está centrada nos ativos
que podem ser construídos a partir da atribuição de valor social aos recursos territoriais
específicos, buscando identificar o que possa se constituir no potencial identificável e próprio
de um território (PECQUEUR, 2005), a partir de suas diferenças e especificidades
socioculturais, políticas e econômicas e que possam estimular laços de cooperação baseados no
interesse comum de proteger, valorizar e capitalizar essas especificidades enquanto recurso e
enquanto patrimônio ambiental, práticas produtivas e potencialidades econômicas (ALBAGLI,
2004).
No que cabe às políticas públicas de desenvolvimento territorial, a identidade é um
componente central, podendo até mesmo definir o seu sucesso ou o seu fracasso. Em Caniello,
Piraux e Bastos (2014, p. 25), a identidade é considerada o “elemento agregador” de tais
políticas, visto que para os autores, se constitui um elo para a ação coletiva, um fator de coesão
social “profundamente arraigado nos indivíduos”. Ademais, as ações dos indivíduos, dado o
conjunto de valores culturais, a memória social e as referências históricas, são determinadas
intersubjetivamente a partir de uma dialética entre “parâmetros racionais, por um lado, e
códigos de conduta e princípios de pertença por outro” (p.25).
É importante também ter uma compreensão, conforme alerta Albagli (2004, p.63), de
que “a valorização das diferenças e especificidades territoriais” pode assumir um caráter
eminentemente instrumental quando é predominantemente movida por interesses externos ao
território sobre o qual se pretende atuar. Ou seja, a forma como a identidade territorial é
apropriada pode representar um instrumento de dominação e subordinação dos indivíduos a
projetos de desenvolvimento que muitas vezes não atendem às demandas e realidades das
comunidades, beneficiando poucos em detrimento da função social e redistributiva que deve
permear as estratégias do assim chamado desenvolvimento territorial.
134
É preciso, então, não perder de vista que as identidades são construídas e relacionadas
a um determinado processo histórico. Como explica Roberto DaMatta (2004), as identidades
são construções discursivas que enaltecem determinados contextos e relações enquanto
encobrem outros. Sendo uma construção, a identidade não é imutável e tem como principal
característica a capacidade de naturalização das relações para um devido fim. Na mesma
perspectiva, Manuel Castells (2018, posição 952) concorda com o fato de que, do ponto de vista
sociológico, toda e qualquer identidade é construída e, sobre isso, o autor acrescenta que a
principal questão diz respeito “a como, a partir de que, por quem, e para que isso acontece”.
Embora o autor reconheça que a matéria prima dessa construção é fornecida pela
história, geografia, biologia, por instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva
e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso, ele ressalta
que todos esses materiais “são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que
reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em
sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço” (posição 952). Sua hipótese
sobre quem e para que essa identidade coletiva é construída, são em grande medida os
determinantes do conteúdo simbólico dessa identidade, bem como de seu significado para
aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem.
Considerando que as identidades são construídas em contextos marcados por relações
de poder (um atributo territorial, portanto), Castells (2018) propõe três formas e origens
distintas de sua construção: identidade legitimadora; identidade de resistência e, identidade de
projeto. A identidade legitimadora é introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no
intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. Esse tipo de
construção identitária dá origem a uma sociedade civil, ou seja, um conjunto de organizações e
instituições, bem como uma série de atores sociais estruturados e organizados, que, embora às
vezes de modo conflitante, reproduzem a identidade que racionaliza as fontes de dominação
estrutural.
A identidade de resistência é criada por atores que se encontram em posições
desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras
de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as
instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos. Quanto à identidade de projeto,
esta é criada quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu
alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-
lo, buscam a transformação de toda a estrutura social (CASTELLS, 2018). Então, a identidade
de projeto além de resistir à identidade legitimadora, propõe substituí-la principalmente quando
135
tamanho de cada uma das palavras está em função da sua frequência e, nesse caso, pode apontar
caminhos ou pistas para compreender os significados do material em análise.
Quando se olha para a nuvem de palavras gerada, claramente é identificado o termo
“cacau” como o elemento central e mais citado pelos entrevistados, sugerindo, assim, que o
mesmo ocupa um lugar de relevo enquanto elemento identitário do Litoral Sul. É possível
também visualizar outros elementos como “território”, “chocolate”, “cultura” e “agricultura”,
os quais, de certa forma, já apontam para o que será detalhado no decorrer deste capítulo.
Figura 26 - Nuvem de palavras com os 50 termos mais frequentes, associados aos aspectos
identitários do Território Litoral Sul
Sul, conforme visto nas seções iniciais deste capítulo, nos deparamos com construções
identitárias forjadas no processo histórico da sua formação territorial, cuja forma pela qual se
deu a apropriação do espaço e dos recursos foi decisiva para a estruturação das interações
econômicas, políticas e culturais, e, com efeitos que se cristalizaram na morfologia do poder
local e na sua desigual distribuição.
No centro dessas relações está o cacau e todos os processos sociais e materiais
decorrentes do seu cultivo e do modo de exploração desta cultura agrícola. Disso resulta um
processo de dominação das condições materiais daquele espaço que fixou no campo simbólico
uma ideia e uma narrativa do “fruto dourado” carregando em si mesmo um valor sobre o qual
se erigiu uma sociedade ou “civilização do cacau” (ADONIAS FILHO, 1978; AMADO, 1981)
e que foi sedimentada no imaginário regional, reforçando ainda mais a identidade cacaueira, de
desbravamentos, progresso e riqueza. Portanto, uma identidade legitimadora que impôs o poder
e a dominação de uma classe (a burguesia cacaueira) sobre os demais atores sociais e sobre a
estrutura social e econômica do território.
Por outro lado, em condições antagônicas, identidades outras resistiram em torno das
lutas e mobilizações em defesa do seu “território” e da sua sobrevivência. A mesma narrativa
que legitimou o processo de desenvolvimento da região cacaueira baseado na saga dos coronéis,
responsáveis por toda sorte de transformações daquele espaço, obscureceu uma trajetória de
violência e expropriação no decorrer daquele mesmo processo e com efeitos ainda hoje sentidos
e com disputas ainda em efervescência. Fazem parte dessa construção identitária,
principalmente, os povos indígenas (Pataxós Hã-Hã-Hãe e Tupinambás de Olivença), os
quilombolas e os trabalhadores do campo.
Os depoimentos dos participantes deixam evidente a importância do cacau para a
construção identitária do território e como o seu simbolismo e a sua funcionalidade-
materialidade ainda hoje é muito forte e influencia as relações e territorialidades estabelecidas.
É possível notar que o cacau fornece um sentimento de pertencimento do homem do campo
àquele espaço, conferindo-lhe um sentido de vinculação à terra:
(...) agora o nosso, o nosso, o nosso território realmente tem o cacau como uma das
coisas importantíssimas, quando o cara tá na sua terra que ele, que mata e morre
pela sua cultura, então muito tempo a gente, a gente ficou na ótica do cacau, na ótica
do cacau (...) (Participante1/movimento social).
(...) tem na produção agrícola, tem um uma cultura que é preponderante, que é o
cacau, apesar de já ter modificado e foi interessante que houvesse algumas
modificações mas ainda é muito o cacau ainda (...) difícil é você não encontrar uma
139
Há também uma associação do cacau com as dinâmicas econômicas que foram criadas
com a cacauicultura e sua importância em termos de geração de renda para os municípios do
território:
(...) eu percebo que estamos em 2019, são quase 3 séculos com a cultura do cacau e
a maior parte do PIB de muitos dos municípios do território, se a gente pegar os
dados sociais e econômicos, então, qual é a economia que tá girando, se não a
economia do cacau? (...) então a economia do cacau ainda tem um PIB bastante
significativo nessas cidades que a gente tem aqui no Litoral Sul, Baixo sul e, Extremo
Sul já entra outra linha de agropecuária, mas, ainda é uma renda agrária (...).
(Participante16/ONG socioambiental).
(...) eu acho que o cacau é importante, agora a gente tem uma demanda, uma opção
que é o cacau fino, então quer dizer, você triplica o valor de uma arroba de cacau. A
gente sabe que hoje isso fica mais voltado para o grande agricultor, que ainda não
chegou agricultura familiar e hoje a gente percebe uma outra coisa, até então o
brasileiro não conhecia o chocolate com 70% de cacau, 35% de cacau, e isso
fortalece aos produtores, então, o que acontece, com essa chegada desse mercado
pulsante em relação ao cacau, a amêndoa do cacau (...). (Participante
13/Universidade).
Bahia. São elementos culturais que remetem aos núcleos de resistência àquela narrativa
dominante e que se manifestam em modos diversos de culturas, próprios daquele espaço. Temos
aqui, então, a diversidade étnico-cultural a ocupar uma posição importante, como resultado de
um antagonismo frente à identidade legitimadora da região cacaueira. Trata-se do
reconhecimento das manifestações de práticas e valores culturais, resultado de um processo
histórico de ocupação e exploração do território, expropriação, dominação, violência, lutas e
diferentes modos de vida. São reprodutores dessas manifestações os trabalhadores rurais, os
pequenos agricultores, os pescadores, as marisqueiras, os quilombolas, os povos indígenas
Pataxós Hã-Hã-Hãe e os Tupinambás de Olivença, os quais estiveram presentes na formação
do Litoral Sul, entretanto, invisibilizados por uma narrativa que se perpetuou na memória
coletiva com repercussões nas instituições e na estrutura social de toda a Região:
A identidade tá muito voltada para o cacau, quando você fala no litoral sul qualquer
política que é pensada no território é em nível de cacau, e chocolate também. Quando
se fala em Litoral Sul você relembra a época do coronelismo, a terra onde as mulheres
são gabrielas, tem essa noção, você se remete também ao povo indígena, aos povos
de terreiros, você se reporta também aos quilombos, há uma diversidade no nosso
território, se fala muito no cacau, mas tem outras formas de cultura, mas quando se
remete a identidade, é cacaueira mesmo. (Participante3/Entidade estadual).
(...) mas o ideal é que a gente tem como elemento importante, é a pluralidade, nós
temos um território que ele tem uma riqueza muito grande, porque temos os
quilombolas, índios, comunidades indígenas, trabalhadores rurais informais,
trabalhadores rurais assalariados, agricultores familiares informais, agricultores
familiares tradicionais, e nós temos um agronegócio, temos o comercio, a economia
de serviços, então, é um...temos muitos espaços de educação, (...) então, é um
território que tem, assim, o que eu destaco é essa característica de pluralidade
(Participante 11/ Entidade sindical da agricultura familiar).
(...) a questão agrária pré e pós vassoura de bruxa, esse marco você só encontra aqui,
reforma agrária no sul da Bahia só aconteceu por conta da crise do cacau, sem a
crise do cacau a gente estaria cheio de latifúndio (...) (Participante2/Poder público
municipal).
Um melhor entendimento sobre o que está sendo aqui considerado como componentes
identitários do Litoral Sul pode ser obtido quando se olha para as questões que buscaram
identificar as condições ligadas às suas características e que podem potencializar ou
141
(...) então, são coisas que a gente vem trabalhando para mudar a mentalidade de
algumas pessoas que, ainda tem pessoas turrantes, que não, não acredita que aquele
produto dele vai agregar pra que ele ganhe muito mais do que ele vem ganhando (...)
a gente divulgando a necessidade de divulgar o cacau pra agregar valor (...)
(Participante1/Movimento social).
(...) eu acho que o cacau é importante, agora a gente tem uma demanda, uma opção
que é o cacau fino, então quer dizer, você triplica o valor de uma arroba de cacau, a
gente sabe que hoje isso fica mais voltado para o grande agricultor, que ainda não
chegou agricultura familiar e hoje a gente percebe uma outra coisa, até então
brasileiro não conhecia o chocolate com 70% de cacau, 35% de cacau, e isso
fortalece aos produtores, então o que acontece, com essa chegada desse mercado
pulsante em relação ao cacau, a amêndoa do cacau, tá favorecendo (...).
142
(Participante13/Universidade).
(...) o cacau tem um protagonismo, tem simbolismo, turismo rural, muita gente
produzindo chocolate, cabruca! sim, aí eu entro de sola na aprovação da nossa
matéria maior que o é cacau. Sem o cacau (cabruca) nós não teríamos mais a mata
atlântica no sul da Bahia, por que o cacau cabruca que é plantado dentro da mata,
ele preserva a mata, tem a necessidade da mata atlântica. Para mim esse é o maior
legado, deixar de produzir cacau, jamais (Participante5/Entidade estadual).
(...) o cacau foi importante para a manutenção do que nós chamamos hoje de mata
atlântica, do que restou, mas ele foi, ele não deixa de ser uma monocultura também,
mas uma monocultura que utiliza para se produzir da mata, do sombreamento, foi
uma monocultura, digamos assim, benéfica para a preservação da mata atlântica,
indiretamente. (...) foi vantajoso, tem vantagens e desvantagens, .a vantagem é a
manutenção do que chamamos hoje de mata atlântica, são as cabrucas, na realidade
a maioria do que a gente chama de mata atlântica no sul, extremo sul e baixo sul da
Bahia, é área de produção de cacau, é cabruca, não mata atlântica nativa, ela já tem
além do cacau foram introduzidas outras plantas, jaca, eritrina etc
(Participante14/ONG socioambiental).
assistência técnica e infraestrutura para assentados da reforma agrária, assistência técnica para
a agricultura familiar, crédito e logística. As dificuldades e o potencial do território quando se
trata da diversificação agrícola é algo recorrente nas falas dos entrevistados:
(...) a nossa região aqui produz de tudo, produz banana, palmito, piaçava, dendê,
mandioca, se nós olharmos a quantidade de produtos que a gente produz aqui, é uma
região tão rica quanto Jaguaquara. O que falta aqui pra gente é a garantia dessa
produção. Nós temos por exemplo a região de Buerarema que é conhecida como a
melhor farinha, mas você vai em salvador pra encontrar uma farinha de Buerarema,
você tem a maior dificuldade, por que o produtor aqui, ele vende pra uma região
aqui, quase que seleta, mínima, ele não tem uma escala suficiente para que ele possa
empreender naquilo que ele tem uma expertise, que tem um conhecimento
(Participante9/Associação).
(...) não podemos deixar de lado os outros nichos, a gente tem que ver a jaca, a gente
tem que ver a pitanga, por aqui é uma área da mata atlântica, a gente não pode ficar,
a gente tem que ver também como a gente pode diversificar, ampliar o leque de opções
(...) (Participante13/Universidade).
(...) então eu vejo que, com a questão do advento da vassoura de bruxa, foi o divisor
de águas, e aí surgiu assentamentos rurais, surgiu o...a relação de trabalhou que
mudou, surgimento de muitos meeiros, mudou um pouco essa situação e aí veio a se
trabalhar essa questão da mudança da base produtiva. Então, essa história da
agroecologia, ela vem, desponta muito nesse período aí...anos 80, 90, e aí vem se
construindo tudo isso aí, a questão da do surgimento da rede povos da mata é
consequência de um trabalho que já vinha sido feito há muito tempo, desde os anos
80, não surgiu agora, uma coisa que vem sendo construída. Várias experiências
agroecológicas aqui na região, assentamento Terravista, assentamento em Santa
Luzia, assentamento em Ibirapitanga, desenvolvendo suas experiências
agroecológicas (...) (Participante14/ONG Socioambiental).
(...) então a gente fica muito preso no cacau e não consegue virar a página, precisa
virar a página do cacau pra entender que ele é importante, de como ele vai se situar
dentro desse novo planejamento. Se nós não virarmos essa página, como não viramos,
a gente vai continuar fazendo investimentos macros, investimentos de montantes
elevados sem resultado direto em termos de eficiência do que tá sendo proposto, por
que nós não compreendemos que o cacau é importante em uma nova página, não
naquela página que não queremos virar. (...) esse protagonismo exacerbado
prejudica mais do que ajuda (Participante9/Associação).
(...) e nós aqui tivemos sempre dificuldade para reunir coletivamente, é uma
característica pela nossa história, a gente tem uma história do cacau perversa (...)
(Participante4/ONG socioambiental).
(...) não é uma coisa que contribui, a cultura do cacau ela criou a cultura, apesar de
ser importante, de dá visibilidade pro território, pra região, pra Bahia, a Bahia terra
do cacau, sul do Bahia, foi reconhecida mundialmente, temos reconhecimento
mundial, Jorge Amado, mas ela criou uma outra cultura que é a cultura do
individualismo, as pessoas aqui são individualistas, ações coletivas elas são difíceis
de acontecer por causa do individualismo, as pessoas pensam só em si, não pensam
no coletivo (...) (Participante14/ONG socioambiental).
145
(...) muitos grupos de interesse são aqueles que eu te falei, participam com cadeira
no colegiado territorial e apenas aparecem no momento que lhes é conveniente. Isso
traz dificuldades, por que na verdade essas pessoas não estão ali pelo colegiado, elas
estão ali pelo seu umbigo, pessoas e instituições, mas na hora que é para...que é para
(ter) uma voz coletiva eles não aparecem, na hora que é para uma voz individualista,
pelo seu bel-prazer ou pelo seu, pela sua forma de se locupletar, de aprovar projeto,
eles aparecem (Participante5/Entidade estadual).
considerada como aquela que reúne categorias que estão mais associadas aos valores culturais,
nomeada aqui de aspectos simbólico-culturais da identidade territorial. Esta dimensão distingue
os indivíduos que valorizam mais os elementos imateriais da cultura (à direita do eixo) enquanto
potencial ou como restrição para o desenvolvimento (diversidade étnico-cultural, diversificação
cultural, comportamento oportunista) daqueles que valorizam os aspectos materiais da cultura
(à esquerda do eixo), sendo, então, o componente “cacau” considerado enquanto potencialidade
e a “cultura arraigada no cacau” enquanto restrição. A dimensão 2 (eixo vertical) estabelece
uma distinção entre os indivíduos (vetor superior do eixo) que percebem e valorizam as
condições de reprodução material ligadas à terra, à agricultura (diversidade agrícola e cabruca)
e os indivíduos que priorizam condições materiais com valor mais agregado (vetor inferior do
eixo), a exemplo da “integração das cadeias do turismo, cacau e chocolate”.
Nesse sentido, é possível estabelecer quatro agrupamentos distintos que indicam as
proximidades e diferenciações quanto às potencialidades e restrições da identidade territorial
para o desenvolvimento do território. O primeiro grupo, representado no primeiro quadrante,
aproxima aqueles que priorizam características que estão associadas aos aspectos mais
simbólicos da cultura e mais ligados ao setor primário. Destaca-se aqui a cabruca (sistema
agroflorestal cacau-cabruca) como elemento distintivo da identidade do Litoral Sul. Embora
seja o componente que mais represente a base material agrícola do litoral sul, o sistema cacau-
cabruca vai além disso, pois, nele assentam valores históricos, ambientais, sociais, modos de
vida, ou seja, uma fonte tanto simbólica quanto material para o direcionamento das ações
voltadas ao desenvolvimento no território.
O segundo agrupamento representa a valorização da diversificação agrícola e nisto está
envolvida a produção de alimentos, a agroecologia e a desvinculação do cacau enquanto única
base produtiva. Há também aqui uma referência a uma cultura fortemente vinculada ao cacau,
constituindo-se fator restritivo a uma mudança na trajetória de desenvolvimento do território, o
que sugere um caso de dependência da trajetória que inviabiliza alternativas socioprodutivas.
As entidades associadas a este grupo são aquelas ligadas aos movimentos sociais e à educação.
O terceiro quadrante reúne os aspectos que estão mais associados a um potencial de
maior agregação de valor à cadeia do turismo, cacau e chocolate. Nesse conjunto de
potencialidades prevalece a valorização da profissionalização, conhecimento técnico,
capacitação e uso mais intensivo da tecnologia. As entidades que estão associadas a este grupo
são ligadas às instituições de ensino superior, ONGs, cultura, reforma agrária e apoio
empresarial. É também uma perspectiva que prioriza o cacau, não só em relação à qualidade
da amêndoa, mas também enquanto valor simbólico, valor este que pode ser apropriado pelas
149
cadeias do turismo e do chocolate. Embora a ideia seja de que essa integração venha a alcançar
pequenos produtores e agricultura familiar, é claramente um projeto para o território que ainda
corresponde aos interesses de um capital mais concentrado, formado por empresários do
chocolate, moageiras, complexo turístico e grandes fazendeiros.
Uma outra configuração (quarto quadrante) se aproxima dos aspectos mais simbólicos
e imateriais da cultura do território. O potencial para o desenvolvimento nesse caso está
assentado no reconhecimento e valorização dos saberes, da história, dos modos de vida, da
tradição e oferecendo suporte às condições materiais das comunidades envolvidas.
II I
III IV
Embora o cacau ainda represente um valor identitário em torno daquilo que foi
construído no imaginário regional, há o reconhecimento por parte dos membros do colegiado
da existência de outras formas de identidades que foram construídas, essencialmente em
resistência às condições impostas pela cacauicultura, condições essas que invisibilizaram
modos de vida que fizeram parte da formação do Sul da Bahia, como os indígenas,
trabalhadores rurais, pequenos agricultores e comunidades tradicionais. Há também o
150
reconhecimento da necessidade de outro projeto para o território que seja desvinculado do cacau
enquanto commodity e de apostar em outras cadeias de valor, mesmo que mantendo e
aproveitando o valor simbólico do cacau e da história que nele reside, para gerar outras
alternativas, como o chocolate, o turismo, a diversificação agrícola, a agroecologia e a produção
de alimentos.
Diante do que foi exposto, percebe-se um conjunto de ressignificações para a economia
cacaueira que priorizam outras cadeias de valor, ainda que baseadas no cacau e no seu
simbolismo, com a valorização da diversidade étnica e cultural, da mata atlântica e do sistema
agroflorestal cabruca, os quais oferecem uma diferenciação para o cacau e para o chocolate de
origem, e, também, com a valorização da cadeia do turismo quando este se apropria dos valores
ambientais e históricos.
São iniciativas que podem desencadear novos projetos ou, de acordo com Castells
(2018), novas “identidades de projeto” que longe de não estabelecerem conflitos, podem reunir
os distintos grupos e interesses em torno de objetivos comuns e dentro de uma estrutura de
governança eficaz. Essas cadeias de produção representam um potencial para a construção
dessa nova identidade, desde que integradas em um complexo socioprodutivo fundado na
conservação da mata atlântica, na inclusão de pequenos produtores e no turismo não-predatório
com ênfase nos ativos étnico-culturais, ecológicos e rurais, elementos estes destacados no
Quadro 6. Caso contrário, ocorrerá apenas um deslocamento de uma hegemonia que antes
estava concentrada na matriz cacaueira para uma outro arranjo, concentrador e excludente de
igual forma.
151
Quadro 6 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo quanto aos elementos identitários
Segmentos % % 2º ciclo de Síntese
Categoria 1º ciclo de
codificado segmento Documento codificação
primária codificação
s s s
Cacau/cultura Cacau/cultura
cacaueira 13 15,85% 13 81,3% cacaueira A identificação dos participantes com Litoral
Diversidade étnico- Diversidade étnico- Sul está fortemente vinculada ao simbolismo
Componente
cultural 7 8,54% 7 43,8% cultural que o cacau representa em função das relações
identitário
Agricultura 4 4,88% 4 25% Agricultura econômicas, sociais, culturais e ambientais que
Questão agrária/ Questão agrária/ foram historicamente construídas em torno dessa
reforma agrária 1 1,22% 1 6,3% reforma agrária matriz econômica e, principalmente, subjacentes
Produção de cacau a uma identidade cacaueira. Além do
fino/gourmet 4 4,88% 3 18,8% simbolismo, é também reconhecida a
Integração das materialidade do cacau dada a sua importância
Agregação de valor
cadeias do turismo, enquanto base produtiva e sua função ambiental
ao cacau 6 7,32% 2 12,5%
cacau e chocolate e ecossistêmica para o Sul da Bahia,
Turismo e cacau 4 4,88% 2 12,5%
Potencialidades considerando que o desenvolvimento do
Turismo 2 2,44% 2 12,5%
associadas à território requer a valorização e agregação de
Cacau cabruca valorização do
identidade valor da cadeia produtiva do cacau sob o sistema
sistema agroflorestal
territorial agroflorestal cabruca, associada à diversificação
3 3,66% 3 18,8% cacau-cabruca
Diversificação Diversificação e iniciativas agroecológicas e ao turismo
agrícola 7 8,54% 5 31,3% agrícola sustentável, com o reconhecimento da
necessidade de superação das limitações
Diversidade étnico- Diversidade étnico-
impostas pelo individualismo e pela mentalidade
cultural 4 4,88% 7 43,8% cultural
resistente à diversificação produtiva.
Individualismo 13 15,85% 7 43,8%
Restrições Cultura individualista
Herança coronelista 1 1,22% 1 6,3%
associadas à e clientelista
Clientelismo 1 1,22% 1 6,3%
identidade
Cultura arraigada no Cultura arraigada no
territorial
cacau 12 14,63% 6 37,5% cacau
Total 82 100%
Fonte: Conteúdo das entrevistas.
152
De forma análoga ao que foi realizado no capítulo anterior, a discussão acerca dos
sentidos e significados que emergiram dos relatos dos entrevistados sobre a participação e
constituição laços e redes sociais, associados ao funcionamento e desempenho do Codeter
Litoral Sul, será iniciada com a utilização do recurso da nuvem de palavras (Figura 28), gerada
a partir das respostas dos participantes.
Ao olhar para a imagem, constata-se que os termos “política”, “participação” e
“instituições” foram os mais frequentes, o que, nesse caso, suscitam indícios da relevância
desses constructos quando das manifestações dos entrevistados sobre potencialidades e
restrições à participação e constituição de coletividades. A presença de outros termos que
também apresentaram uma quantidade importante de citações, a exemplo das palavras
“entidades”, “comunicação” e “governo”, pode reforçar tais indícios e apontar os caminhos para
a observação que deve ser feita no conjunto de documentos. Todavia, é importante ressaltar que
o recurso visual, per si, não responde a uma questão de pesquisa e deve ser utilizado apenas
como um complemento para a interpretação do corpus textual, cujos significados só poderão
ser compreendidos após concluído todo o processo analítico, conforme será demonstrado a
seguir.
A definição dessas categorias primárias foi orientada a partir das seguintes questões:
Como avalia a participação e engajamento dos representantes junto às discussões no Codeter?
Em sua opinião, o colegiado territorial em sua trajetória atuou e atua na promoção e
fortalecimento da participação social? Existem laços e redes sociais constituídas e fortes o
suficiente para induzir os atores sociais a lutar pelo bem comum? Quais os fatores que facilitam
e/ou dificultam esse processo?
Os pressupostos adotados para o delineamento de tais questões partiram do
entendimento de que a nova institucionalidade incorporada no Codeter tem na participação e
engajamento dos atores sociais o seu principal foco. O fortalecimento dos espaços institucionais
de participação favorece a inclusão dos atores sociais no processo político, mobiliza as
comunidades em suas demandas internas, constitui capacidades coletivas e o capital social.
Existe uma aposta na mudança cognitiva desencadeada por um processo de aprendizagem que
é próprio da prática participativa e, também, por conta do surgimento de novos hábitos. O
Codeter representa, pois, um mecanismo de participação social e de descentralização das ações
que se propõe a aliar participação e desenvolvimento.
Em trabalho realizado por Souza (2014) encontramos uma citação de Favareto (2013)
que sintetiza bem o sentido dado à participação dentro do arranjo institucional da política de
desenvolvimento territorial na tentativa de aproximá-la da gestão social e do desenvolvimento:
a criação de regras de participação acabam por facilitar a participação de agentes sociais
portadores dos interesses dos mais pobres ou até então excluídos da gestão das políticas e, por
conseguinte, melhora a qualidade dos serviços públicos, o que, por sua vez, faz melhorar a
cidadania, a política, desencadeando um movimento dinâmico e cumulativo.
Portanto, essas institucionalidades ou os novos arranjos institucionais representaram um
avanço inovativo dentro da arquitetura institucional das políticas de desenvolvimento territorial
rural. Para o então Ministério do Desenvolvimento Agrário (BRASIL, 2009), representou um
processo voltado para o empoderamento dos atores sociais e de ação-reflexão sobre a prática
social, no sentido de desenvolver a capacidade e habilidade coletiva de transformar a realidade.
Sobre a existência de laços e/ou redes sociais no Litoral Sul, constatou-se nos relatos de
13 entrevistados que existem grupos ou comunidades que se articulam de forma isolada em
suas localidades e sem uma conectividade ampla com outros grupos similares dentro do
território, suscitando uma reflexão sobre a necessidade de criar mecanismos que integrem esses
grupos e passem a incorporar em suas estratégias a inserção em redes que possam conectá-los
a outros grupos e empreendimentos em suas demandas e objetivos comuns, conforme mostra
algumas das evidências relatadas a seguir:
159
(...) existem micro redes, o território é espaço de disputa, não tem uma rede formada
ampla, existem micro redes, você tem uma micro rede em Ilhéus, tem uma em Arataca
(...) (Participante2/Poder público municipal).
(...) eu acredito que ainda não (atuação em redes), esse movimento mais forte em
rede, não há. Precisa haver porque tem vários movimentos nesse território, mas não
atuam em rede, isolados, o que precisa é essa atuação em rede pra se fortalecer (...)
(Participante10/Movimento social).
(...) o povo também tradicional tá um pouco ausente, eu não vi nas últimas reuniões
essas pessoas presentes por lá, a gente tava até falando sobre isso, que é preciso que
o povo retome seus lugares e a gente vai precisar de uma sensibilidade muito grande,
uma sensibilização de mobilização (...) (Participante4/ONG socioambiental).
Nesse caso, a participação e o engajamento de forma mais ativa ocorrem por parte de
alguns representantes ligados a agricultura familiar, movimentos sociais, associações e
segmento cultural, e, também, representantes de entidades governamentais, com destaque para
instituições de ensino superior e órgãos do governo estadual. Essa é uma questão que perpassa
quase todos os colegiados e/ou outros espaços institucionais de participação no Brasil, cujo
efeito é a apropriação desigual do poder decisório. A voz mais ressonante geralmente está com
os representantes das instituições públicas e da sociedade com maior força política e que detém
maior conhecimento e poder de verbalização. Não acontece, todavia, a mesma
representatividade por parte daqueles grupos que historicamente ficaram alijados do processo.
Tudo se conformando como se fosse mais um recurso gerencial a serviço de determinados
grupos e do governo, do que um recurso de poder da sociedade (NOGUEIRA, 2005;
GUIMARÃES, 2007).
Junte-se a essa questão conjuntural, uma perversidade estrutural da desigualdade no
país, determinado ao que parece pelo poder simbólico de uma classe historicamente privilegiada
detentora do capital cultural que, por seu turno, arregimenta o capital econômico e o capital
social, fatores decisivos do seu sucesso, inclusive intergeracional, e, ao mesmo tempo,
determinantes para a marginalização as classes periféricas e para a manutenção dessa condição.
Condição esta que distancia cada vez mais os espaços institucionais do sentido de participação
popular.
Nesse ponto, a apropriação do capital cultural e capital social pelos indivíduos é
determinante para uma participação efetiva, qualificada e soberana. A participação social
representa para o cidadão o uso da prerrogativa de manifestar a sua insatisfação, a sua vontade,
a sua “voz” (HIRSCHMAN, 1973). No entanto, é preciso considerar que a apropriação do
capital social é assimétrica e não é da forma linear como descrito em Putnam (2006). É inegável
161
que os laços sociais baseados em confiança e reciprocidade são recursos valiosos e torna a
cooperação mais fácil, porém, como contesta John Harriss (2001), o capital social descrito por
Putnam parece acessível a toda sociedade e não considera as relações de classe e de poder, uma
concepção que despolitiza os problemas associados a pobreza e justiça social, portanto,
despolitiza o desenvolvimento.
Nesse caso, em um mundo de desigualdades e com assimetrias de poder, Harriss (2001)
argumenta que faz mais sentido o conceito de capital social de Pierre Bourdieu (1980, p. 2,
tradução nossa) para quem esse constructo representa o conjunto de recursos atuais ou
potenciais que estão vinculados à “posse de uma rede duradoura de relações mais ou menos
institucionalizadas de conhecimento e reconhecimento mútuos” e que pode fornecer acesso
diferenciado aos recursos. Nessa visão, de acordo com Harriss (2001), o capital social não é
um atributo de toda a sociedade, mas sim, um aspecto da diferenciação de classes, um
instrumento de poder. O referido autor ainda diz que o capital social em Bourdieu está
intimamente ligado a outras formas de capital (cultural e simbólico) que entram de forma
significativa na formação e reprodução da classe. Afirma ainda que “os capitais
cultural/simbólico/social são, evidentemente, social e historicamente limitados às
circunstâncias que os criaram. Eles são contextuais e construídos” e, por isso, não basta apenas
estabelecer a existência de uma rede (p.22, tradução nossa).
Na tentativa de compreender como a participação dos membros afetam a efetividade do
colegiado em conduzir suas ações e criar condições que favoreçam e incentivem cada vez mais
a participação das entidades no processo político e institucional das políticas públicas no
território, bem como a mobilização dos grupos socioprodutivos, movimentos sociais e
comunidades em direção a constituição de laços e redes sociais, procurou-se identificar no
conteúdo das entrevistas, segmentos que indicassem as condições inerentes ao colegiado e/ou
externas a ele que contribuem e/ou ofereçam restrições nesse sentido.
Quanto às condições e/ou contribuições do Codeter para o fortalecimento da
participação e constituição de redes sociais, foram criadas inicialmente seis categorias que
emergiram indutivamente quando da análise das entrevistas, sendo assim definidas: voz,
inclusão no processo participativo, acesso às políticas públicas, mobilização das entidades,
divulgação de informações (editais, projetos, recursos) e potencial para conectar os grupos.
Estas categorias, juntamente com os sentidos que carregam, foram condensadas e reagrupadas
em apenas duas categorias, conforme dispostas na Tabela 12.
162
Merece destaque a categoria inicialmente definida como “voz”, pois foi aquela que
representou o maior número de segmentos e indica a capacidade do Codeter em oferecer
condições para que grupos e comunidades historicamente excluídos das discussões e das
demandas sociais, possam agora participar ativamente no sentido daquilo que nos fala
Hirschman (1973), de reivindicar, apresentar objeções, fazer pressão, na tentativa de mudar
hábitos, normas, regras, e, assim, serem alcançados pelas políticas públicas, pelo menos
enquanto não prevalecer outra alternativa à voz. Algumas evidências dessa categoria podem ser
vistas nos seguintes segmentos:
(...) sim, foi importantíssimo, por que deu voz aos excluídos, foi um processo de
inclusão. A política territorial traz isso, é intrínseco, essa questão da inclusão. Então,
a partir dessa inclusão deu voz e isso foi importante (...) (Participante11: 10 –
10/Entidade sindical).
(...) eu vejo que o colegiado tem um papel importante de ser o nosso porta-voz, ele
tem feito isso, tem colocado nossas necessidades, nossos pontos de vista, isso tem
feito, não significa que o que ele fala vai ser executado, mas o colegiado tem colocado
isso, é um espaço de participação popular e da sociedade civil importante, importante
que haja o colegiado (...) (Participante14/ONG socioambiental)
(...) mas o colegiado tem feito esse papel sim de mobilizar a sociedade civil, poder
público, para terem consciência de que tem um equipamento de controle social e de
construção de políticas públicas e que estes espaços devem ser ocupados por nós que
fazemos parte desse território, e o colegiado tem feito esse papel (...).
(Participante3/Entidade estadual).
(...) eu acho que a gente tem ao longo desses anos...já é uma percepção disso... tinha
muita gente que fazia o seu trabalhozinho lá no município tal e o território (entenda-
se colegiado) permitiu esse ator perceber que em outro município tinha outra pessoa
que faz esse mesmo trabalho no seu espaço. Eu acho que essas pessoas, até muitas
delas, não se conheciam e através do território passaram a se conhecer. A gente
percebe que tinha muita gente, o pessoal inclusive dá esse testemunho lá no território
(...). Então esse espaço faz com que esses atores que estavam fazendo..., tendo sua
atuação em um espaço pequeno, se juntando com outros, cria essas redes e passam
a, inclusive, a demandar muito mais dos governos a partir do momento que passam a
entender essa dinâmica (Participante8/Entidade federal).
esclarece que “(...) apesar de suas prerrogativas legais, não conseguem impedir que muitas
questões importantes sejam decididas nos gabinetes dos altos escalões do governo, sob a
influência dos interlocutores tradicionais”.
No decorrer da análise quatro outras categorias iniciais foram integradas em uma única,
indicando a falta de efetividade do Codeter, pois representam os segmentos onde estão relatados
“o sentimento de descrença no colegiado”, relatos de que o colegiado é um “espaço onde há
muita discussão e pouco resultado”, e da “necessidade da sua renovação”. Também foi relatado
o “desânimo dos representantes” que está muito associado a tais questões. Portanto, estas quatro
categorias foram agrupadas em uma única denominada de “descrença na efetividade do
Codeter” e que acaba reforçando e reproduzindo o comportamento descrito na categoria
anterior, um comportamento motivado por interesses individualistas e clientelistas.
Ou seja, tal situação além de desmotivar a participação das entidades e, dado os
incentivos para o oportunismo, cria um ambiente onde a opção de “saída” prevalece sobre a
opção de “voz”, um mecanismo essencialmente político (HIRSCHMAN, 1973). Nesse caso, a
saída representa o atingimento dos objetivos das organizações por outras vias que ofereçam
menor custo de transação (econômico e político) e de forma mais rápida (geralmente não
institucional) mesmo que isso represente o enfraquecimento da ação coletiva. Os relatos a seguir
indicam tais situações:
Eu vejo que ainda são poucas as pessoas que participam, pela extensão do território,
a gente faz reuniões do Codeter com poucas pessoas, com 20 e 30 pessoas, um
território que tem 26 municípios, 70 membros representantes, e pouquíssimas pessoas
estão dispostas a discutir política territorial. Mas as pessoas estão muito cansadas
também, desgastados, discute muito e pouco se faz (...) (Participante6: 6 – 6/segmento
cultural).
(...) Oxigenação! Para mim, a oxigenação. (...) a instituição tem a cadeira, mas não
tá participando, então a gente criou o mecanismo que até três reuniões sem
justificativa clara do Porquê não veio às plenárias, a instituição passa, na quarta ela
já é informada do seu desligamento e da colocação de uma outra instituição.... e
ninguém nunca fez isso. Nenhuma sociedade, nenhuma instituição, nenhum coletivo
vive sem oxigênio, precisa oxigenar, trazer novas pessoas, novas instituições, ouvir
mais as pessoas, tem que renovar, não tem outra forma (Participante5/Entidade
estadual).
(...) o colegiado foi criado em 2000 e pouco, já teve uma participação forte, só que
...quem participa do colegiado não vê efetividade nas ações, são reuniões de
planejamento disso, daquilo, se discute, se planeja, se pensa, se sonha, mas eu não
tenho como monitorar, se o colegiado não tem função de monitorar, não monitora,
não supervisiona, não fiscaliza, se ele não faz isso, ele perde a função. Vou ficar aqui
me reunindo, reunindo, reunindo, planejando, planejando, daqui a 4 anos eu volto de
novo aqui pra planejar (...) (Participante14/ONG socioambiental).
167
(...) então vai ter escuta de PPA (Plano Plurianual), aí você não vê uma propaganda
um chamamento, as pessoas muitas vezes não sabem, as pessoas são as mesmas que
sempre participam (...) o que está ali em jogo são as reivindicações de uma sociedade,
de um conjunto das pessoas que se faz representar (...) (Participante9/Associação).
(...) eu creio que o colegiado territorial deveria estar funcionando melhor como
instrumento de controle social, porque quando eu controlo, quando eu chego, quando
eu denuncio, quando eu não tenho medo de denunciar, eu provoco um desconforto,
mas provoco também além do desconforto uma possibilidade de acerto, e assim, eu
não tenho dúvida que as pessoas querem acertar (...) (Participante5/Entidade
estadual).
(...) o colegiado é muito importante no entanto ele tem perdido a sua força justamente
por que não adianta desenvolver, planejar, se você não tem como monitorar, se você
não tem como analisar e avaliar, se aquele trabalho que você fez deu resultado ou
não, nunca existiu isso, não é culpa do colegiado, é culpa do processo como um todo,
se levanta a informação, se faz o planejamento, mas não tem critérios, indicadores
de monitoramento, se ninguém monitora... pelo menos do território ninguém monitora
(...) então a gente vê essa esfriamento da participação do colegiado por conta da falta
de efetividade da ação do colegiado, enquanto ação territorial, enquanto ação de
monitoramento, de fiscalização e controle (...) (Participante14/ONG socioambiental).
Dentro das condições externas, foram cinco categorias inicialmente definidas, as quais
foram reagrupadas no segundo ciclo de codificação e reduzidas a três categorias. A primeira
permaneceu como foi definida inicialmente e representa as dificuldades inerentes a “extensão
geográfica” do território que impõem um custo elevado de deslocamento para as entidades para
participar das reuniões, conforme fica explicitado na fala de um dos participantes:
(...) e ele falou que viria como ocorre em todas as reuniões e pergunto se tem alguma
dificuldade, eles falam não, nós vamos, mas não vem. o importante é ele estarem lá
para exporem suas dificuldades, tem um coordenador que diz que é por conta da
logística da distância entre as cidades (...) (Participante3/Universidade).
ainda, utilizar o colegiado para legitimar suas ações. Essas questões também intervêm para o
afastamento das entidades pois os representantes não sentem que o colegiado é de fato uma
instância relevante para governo, sendo apenas um espaço que foi capturado pela política
territorial do governo do estado sem uma efetiva autonomia, como mostra os relatos abaixo:
(...) nós temos que convir que não é fácil uma pessoa sair de uma comunidade como
em Itacaré e Maraú ás 5 horas da manhã sem tomar café e chegar numa reunião do
colegiado onde só tem copo de água e no máximo cafezinho e não possamos servir
um almoço para que aquela pessoa retorne a sua casa com a qualidade, pelo menos
com alimentação, então a pessoa não tem condição de bancar a sua vinda e a sua
estadia com alimentação e às vezes até com hospedagem como.. a cidade como
Itabuna, não é possível que as pessoas façam isso, em um certo momento existiu um
subsídio financeiro para que isso fosse bancado, naquele momento que isso perdeu a
condição aí você esvazia (...) (Participante5/Entidade de apoio empresarial).
(...) nós não ganhamos nada, é tudo voluntário e você sabe que na voluntariedade
você só vai até...minha avó sempre dizia e eu continuo dizendo que a gente só pode
colocar o braço... colocar o chapéu até onde o braço alcança. Então a gente fica
penalizado, em alguns momentos de tá pedindo a um e outro e colocando até do seu
bolso (...) (Participante1/Movimento social).
(...) nesse sentido (...) eu tenho uma preocupação muito grande por que em tese a
nossas atividades é muito mais de estarmos despachando necessidades do governo,
ou seja, a nossa agenda é muito mais pautada pelo Estado do que pela gente, nós
estamos muito mais executando atividades que o estado nos coloca como uma agenda
de pauta para nós, estamos discutindo uma coisa ou outra do que propriamente a
gente levando propostas para o estado. Essa inversão diminui a participação por que
as pessoas cansam de levar propostas e essas propostas não serem escutadas (...)
(Participante9/Entidade estadual).
a partir do momento que entra o governo Dilma, ainda continua a política territorial,
quando chega o governo temer há um enfraquecimento e agora no governo Bolsonaro
a gente tá... a gente não sabe como vai acontecer essas políticas públicas, se vão ser
ainda nutridas, como vai ser o bolsa família, o PAA, as políticas públicas que foram
galgadas ao longo desses 10 anos de governo. O governo da Bahia, ele tá fazendo
uma parte mas a gente sabe que depende dos recursos federais pra que as políticas
públicas aconteçam (Participante13/Universidade).
169
A partir do momento em que a política territorial foi sendo segundo, terceiro, quarto
plano, enfraquecendo com os governos subsequentes a esses dois governos de Lula e
Dilma, não digo, não digo nem no governo Dilma, talvez até no segundo governo de
Dilma houve uma diferença um pouco em relação a essa participação por conta da
falta de Investimentos. Se não existe investimento, se não existe projetos, se não existe
editais, logicamente existe um certo esvaziamento das pessoas, das entidades que
participam do colegiado territorial (...) o que é que nós vamos falar de política para
território no governo Bolsonaro? absolutamente nada (...) não tem a mínima
concepção disso (...) (Participante5/Entidade estadual).
Quadro 7 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo quanto à participação e formação de laços sociais
Segmentos %
Categoria primária 1º ciclo de codificação codificados Segmentos Doc. % 2º ciclo de codificação Síntese
Existência de laços socias
Laços e redes sociais Existência de laços socias isolados 13 9,09% 13 81,3% isolados Sobre o desempenho do Codeter Litoral Sul
Participação e Participação enfraquecida 23 16,08% 13 81,3% Participação enfraquecida intervém efeitos advindos de condições próprias
engajamento dos Atuação ativa de poucos e externas que se manifestam enquanto
membros do Codeter Atuação ativa de poucos grupos 7 4,90% 5 31,3% grupos favoráveis e/ou restrições ao seu papel de
fortalecer a participação e formação de laços e
Voz 4 2,80% 2 12,5% Capacidade para integrar os redes sociais. Enquanto condições favoráveis, o
Condições grupos socias no processo Colegiado territorial tem uma capacidade
Inclusão 2 1,40% 1 6,3%
favoráveis à político-institucional própria para integrar os grupos sociais no
participação e Acesso a políticas públicas 2 1,40% 1 6,3% processo político-institucional, dando voz e
formação de potencial para mobilizar e acesso às políticas públicas, especialmente para
Mobilização das entidades 2 1,40% 5 31,3% grupos marginalizados. Existe também o
laços/redes sociais conectar comunidades em
Divulgação de informações 1 0,70% 1 6,3% torno de experiências e reconhecimento que o funcionamento do
capacidade de conectar os grupos 1 0,70% 1 6,3% interesses comuns colegiado tem um potencial para mobilizar e
conectar comunidades em torno de experiências
Falta de compromisso 17 11,89% 5 31,3% e interesses comuns. Quanto às condições
Comportamento motivado
Individualismo 15 10,49% 9 56,3% restritivas ao fortalecimento da participação e
por interesses individuais
constituição de laços e redes sociais, o colegiado
Atuação isolada dos grupos 6 4,20% 5 31,3% é afetado por interesses individuais, pelo
Necessidade de renovação 8 5,59% 5 31,3% sentimento de descrença no espaço
institucional, pela fragilidade dos mecanismos
Descrença no processo 7 4,90% 6 37,5% de comunicação e controle social, pelo distância
Codeter desacreditado
entre os municípios em decorrência da extensão
Muita discussão e pouco resultado 6 4,20% 5 31,3%
territorial, a falta de apoio e reconhecimento
Condições restritivas Desânimo dos representantes 3 2,10% 3 18,8% governamental e, também, foi afetado pelo
à participação e Fragilidade dos mecanismos enfraquecimento da política territorial quando
formação de Comunicação/interlocução precária 7 4,90% 6 37,5% da mudança de governo no plano federal no pós-
comunicação e controle
laços/redes sociais Controle social frágil 5 3,50% 5 31,3% social impeachment.
Extensão territorial 3 2,10% 2 12,5% Extensão territorial
Falta de apoio à mobilidade e
logística 5 3,50% 5 31,3% Falta de apoio e
Atendimento às pautas do governo 1 0,70% 1 6,3% reconhecimento
Falta de reconhecimento do governamental
governo estadual 1 0,70% 1 6,3%
Mudança de governo no
Mudança de governo federal 4 2,80% 2 12,5% plano federal
143 100%
171
Portanto, enquanto condições favoráveis, o Codeter Litoral Sul tem uma capacidade
própria para integrar os grupos sociais no processo político-institucional, dando voz e acesso às
políticas públicas, especialmente para grupos marginalizados. Existe também o reconhecimento
de que o funcionamento do colegiado tem um potencial para mobilizar e conectar comunidades
em torno de experiências e interesses comuns. Quanto às condições restritivas ao fortalecimento
da participação e constituição de laços e redes sociais, o colegiado é afetado por interesses
individuais, pelo sentimento de descrença no espaço institucional, pela fragilidade dos
mecanismos de comunicação e controle social, pelo distância entre os municípios em
decorrência da extensão territorial, a falta de apoio e reconhecimento governamental e, também,
foi afetado pelo enfraquecimento da política territorial quando da mudança de governo no plano
federal no pós-impeachment.
172
(2016), o território deve ser entendido como o local de definição e solução de problemas
públicos e a territorialização deve empreender um tratamento localizado de certas questões e,
portanto, “o desenvolvimento de uma pluralidade de atores envolvidos na produção de um laço
político e social” (p.77). Esta nova abordagem buscou implementar a intervenção
governamental de forma territorializada sob três aspectos (DELGADO; BONNAL; LEITE,
2007; DELGADO; GRISA, 2015): a territorialização das políticas públicas; a territorialização
da governança e, a territorialização do desenvolvimento.
A territorialização das políticas públicas está subordinada às decisões governamentais
em nível federal ou estadual concernente com o plano de governo para a resolução dos
problemas enfrentados pela sociedade e, nesse caso, “o território é identificado principalmente
com referência ao zoneamento de determinado problema ou carência da sociedade”
(DELGADO; GRISA, 2015, p51). De acordo com os autores, o desafio para o poder público é
adequar a definição e implementação de políticas públicas com as especificidades locais, o que
pode levar a uma valorização ou a uma desvalorização do território decorrente “dos tipos e da
qualidade dos serviços públicos e dos acertos ou inadequações das políticas públicas
territorializadas” (p.51).
De acordo com os autores, essa territorialização tem sido implementada no Brasil a
partir de duas perspectivas,
essencial para que grupos e movimentos sociais historicamente excluídos do sistema político
tradicional passassem a ter visibilidade e voz no direcionamento, monitoramento e controle
social das políticas públicas para além dos espaços tradicionais, permitindo, assim, uma
recomposição de forças.
De acordo com Caniello e Piraux (2016), a política territorial criou dispositivos de
governança territorial responsáveis pelo processo participativo, disputas e concertação social
em torno do planejamento, implementação, avaliação e monitoramento de políticas públicas
voltadas para o desenvolvimento rural. Portanto, essa política lançou mão de uma estratégia
que pressupõe uma dialética ativa, produtiva e progressiva entre identidade, participação social
e desenvolvimento rural sustentável. Adicionalmente, ressalta-se mais um elemento
determinante em tal estratégia que é a transversalidade (SABOURIN; MASSARDIER;
SOTOMAYOR, 2016), ou seja, os instrumentos de governança operam entre uma diversidade
de setores, atores, cadeias produtivas, instituições e instrumentos de regulação.
Piraux et al. (2017) destacam as condições favoráveis que foram criadas pela
governança territorial a partir do Pronat ao garantir a participação de atores sociais até então
excluídos (principalmente agricultores sem instrução, mulheres e jovens) nas tomadas de
decisão públicas e ao incentivar o envolvimento em questões políticas: Projetos de
desenvolvimento agrícola e apoio à agricultura familiar foram promovidos em áreas rurais
menos influenciadas pelo agronegócio e outros papéis da agricultura foram reconhecidos e
valorizados como a segurança alimentar; geração de emprego; gestão da biodiversidade;
agroecologia e diversificação produtiva no meio rural. Destacam-se também impactos positivos
em termos de aprendizados, inclusive no exercício do poder e na melhoria das relações entre os
atores, o que pode levar ao fortalecimento das redes sociais por meio de arranjos produtivos
locais e, mais amplamente, de proximidade organizada.
Entretanto, os autores também relatam questões sérias a serem superadas, dado que, “a
presença dos atores nos debates, não é suficiente” (PIRAUX et al., 2017, p.182, tradução nossa).
Ressaltam que os arranjos institucionais (as regras do jogo) que conduzem a governança
territorial devem ser adequados o suficiente para desencadear processos de tomada de decisão
transparentes e eficientes. Outros problemas são apontados como “a falta de presença de órgãos
públicos, fraca legitimidade e alta rotatividade de participantes” (p.182, tradução nossa).
Acrescente-se que a ausência dos órgãos públicos é um fato que recai com maior peso sobre o
poder público municipal.
O relato dos problemas não se esgota, com destaque para a fragilidade das regras de
tomada de decisão e do funcionamento dos colegiados, a organização dos atores da Agricultura
177
Familiar em torno de grupos de interesse e, portanto, em torno das relações de poder, a não
resolução de conflitos, resultando em bloqueios e, a dominação de certos grupos ou indivíduos
e influências políticas que prejudicam a qualidade das decisões. O trabalho de Piraux et al.
(2017) conclui, então, que a legitimidade dos mecanismos de governança foi limitada pela
dependência da estrutura administrativa federal (restrições dos procedimentos burocráticos para
desembolsos e implementação de projetos), instabilidade nos mecanismos locais de facilitação
e uma estrutura legal que os torna muito dependente da boa vontade dos prefeitos e dos estados
federados. Portanto, a consolidação da governança territorial requer inovações nos arranjos
institucionais de forma a garantir maior autonomia para os mecanismos locais (colegiados,
fóruns etc).
Os colegiados territoriais assumem papel central dentro da estrutura da governança
territorial, representando os principais espaços de discussão nos territórios, responsáveis por
dar corpo às institucionalidades territoriais. Delgado e Leite (2011) definem assim as principais
atribuições do Codeter: a) divulgar as ações do programa; b) identificar demandas locais para
o órgão gestor priorizar o atendimento; c) promover a interação entre gestores públicos e
conselhos setoriais; d) contribuir com sugestões para qualificação e integração de ações; e)
sistematizar as contribuições para o Plano Territorial de Ações Integradas; f) exercer o controle
social do programa.
Assim, os colegiados constituíram-se como espaços públicos de participação e de
caráter estratégico para a prática da política de gestão social e de governança territorial. Nesse
caso, a descentralização que foi concebida no âmbito da política territorial deve estar vinculada
à ampliação e fortalecimento dos espaços públicos de participação para muito além da
participação formal, dando voz aos movimentos e organizações sociais antes excluídos do
campo político decisório, sempre controlados ou dominados principalmente pelas oligarquias
municipais.
Decorridas quase duas décadas desde o início da política de desenvolvimento territorial
no Brasil, cabe indagar se a estrutura de governança e institucionalidades criadas conseguiram
redefinir o curso em direção a uma mudança institucional com espaços de participação
amplamente apropriados, inclusive por atores historicamente excluídos e oprimidos pelas
relações assimétricas de poder. Cabe indagar, também, como os colegiados territoriais foram
afetados e, especificamente, como o Codeter Litoral Sul responde em termos de capacidades
coletivas e institucionais frente às expectativas de participação e controle social.
As próximas seções buscarão lançar luz ou se aproximar das condições que determinam
a atuação do Codeter Litoral Sul na estrutura de governança territorial. Em primeiro lugar, será
178
apresentada uma discussão sobre estrutura interna do colegiado e sua composição, sobre o Plano
de Desenvolvimento Territorial, suas estratégias, limites e potencialidades para o
desenvolvimento territorial do Litoral Sul e um comparativo com as condições extraídas das
entrevistas. Em seguida, será apresentada uma discussão baseada na análise qualitativa do
conteúdo, buscando fazer emergir as condições estruturais e conjunturais que geram efeitos no
desempenho do colegiado dentro da estrutura de governança territorial.
Tabela 14 - Entidades do Poder Público integrantes do Codeter LS, distribuídas por esfera
administrativa
Entidades / Esfera administrativa Frequência Percentual
Prefeituras 26 72%
Órgãos estaduais 5 14%
Bahiater 1
Centro Territorial de Edu. Prof. do Litoral Sul - Cetep 1
Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional - CAR 1
Núcleo Territorial de Educação 05 - NTE 1
Universidade Estadual de Santa Cruz - Uesc 1
Órgãos federais 5 14%
Banco do Nordeste do Brasil - BNB 1
Comissão Executiva do Plano da Lav. Cacaueira - Ceplac 1
Instituto de Colonização e Reforma Agrária - Incra 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Baiano 1
Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB 1
Total 36 100%
Fonte: Dados da pesquisa.
e os dois Consórcios intermunicipais (CIMA, CDS), e, neste caso, cabe entender em que media
estas entidades representam a voz e interesse da sociedade civil.
Desta forma, é uma composição que tem uma representatividade muito forte dos agentes
ligados ao meio rural, especialmente da agricultura familiar, assim como é praticamente nula a
participação dos segmentos produtivos não-agrícolas e empresariado local. Embora exista a
ideia de participação ampla e de desenvolvimento baseado em uma concertação social, alguns
trabalhos (DELGADO & GRISA, 2014; DELGADO; GRISA, 2015; DELGADO & LEITE,
2015) indicam que apenas os atores estatais e da sociedade civil participam desta nova
institucionalidade enquanto que os atores privados estão ausentes. Outra questão apontada é
que a visão que predomina nas discussões no âmbito dos colegiados é aquela dos agricultores
familiares, acentuando assim a perspectiva setorial da política como ênfase nos aspectos tão
somente agrícolas do desenvolvimento rural, o que reduz o poder de voz de outros grupos e
também reduz as discussões em torno de outros interesses difusos e coletivos, enfraquecendo o
caráter multidimensional para a qual foi pensada a política.
Das 16 entidades que sempre ou quase sempre participam, nove delas (56%) são do
poder público e sete (44%) são entidades da sociedade civil, mostrando um equilíbrio em termos
de participação entre aquelas entidades que participam mais ativamente, conforme mostra o
Quadro 8. Considerando a atuação destas entidades, constata-se que fazem parte do poder
público 3 prefeituras, 1 agência estadual de assistência técnica e extensão rural, 1 agência
estadual de desenvolvimento, 1 banco de desenvolvimento federal, 2 universidades públicas (1
estadual e 1 federal) e 1 instituto de reforma agrária. Quanto àquelas entidades pertencentes à
sociedade civil, 2 são ligadas à agricultura familiar, 1 ligada a defesa dos direitos da mulher, 1
ONG socioambiental,1 consórcio intermunicipal, 1 entidade de agentes da cultura e 1 ligada ao
movimento de trabalhadores sem-terra.
Quadro 8 - Natureza das entidades que sempre ou frequentemente participam das reuniões no
Codeter LS, distribuídas por poder público e sociedade civil e natureza.
Entidades do poder público 9 Entidades da sociedade civil 7
Prefeitura 3 Agricultura familiar 2
Agência estadual de ater 1 defesa dos direitos da mulher 1
Agência estadual de desenvolvimento 1 Socioambiental 1
Banco de desenvolvimento federal 1 consórcio intermunicipal 1
Universidade pública 2 Cultura 1
Instituto de reforma agrária 1 Movimento de trab. sem terra 1
Fonte: Dados da pesquisa.
183
públicos
afrodescendentes
Reduzir os índices de analfabetismo e de
Fomento aos pontos de culturas
distorção de idade
Firmar parcerias com os governos municipais
Existência de manifestações artísticas locais:
para promover o transporte escolar, a oferta
poetas, escritores, pintores, teatro, música,
de ensino médio e alimentação escolar no
dança, canto, circo
campo
Existência de espaços culturais Fechamento de escolas do campo
Riqueza de saber em culinária: árabe, Ausência de capacidades voltadas a realidade
indígena, africana, europeia, natural rural
Oferta de editais públicos e específicos de Falta de construção e reforma de espaços e
cultura e territorialidades equipamentos culturais
185
(Continuação)
Dimensão Potencialidades Limites
Falta de envolvimento do empresariado local
Presença contínua do representante cultural
com a cultura
Registro (vídeo) do patrimônio material e Ausência de políticas de incentivo à produção
imaterial artística
Existência de comunidades de identidade A mídia não traduz a diversidade local
Falta de políticas para articulação e formação
Diversidade de patrimônio material
para agregação dos artistas
Falta de informação e formação sobre a
Presença da mata atlântica no território
institucionalização dos coletivos
Pouca capacidade de execução do território
Sociocultural
agrícolas
Mau uso da água (falta de barragem, de
reservatório e esgotos canalizados aos rios)
Inexistência de um programa de proteção das
nascentes e margens dos rios
Potencial para uso de água de qualidade através Falta de estratégias de integralização das
do sistema de cisternas para coleta de água de unidades de conservação nos níveis
chuvas municipal, estadual e federal
Falta de linhas de crédito para execução do
Cadastro Estadual Florestal de Imóveis
Rurais (CEFIR) e pouco recurso do Estado
para realização do CEFIR nas propriedades
familiares
Falta de monitoramento das águas
subterrâneas em função do uso da última seca
186
(Conclusão)
Dimensão Potencialidades Limites
Existência de instituições das esferas
Envelhecimento dos quadros nos institutos
municipal, estadual e federal
Escolas técnicas voltadas para vocação Ameaça de desaparecimento de institutos
natural do território importantes para o território
Dificuldade de participação por conta da falta
Existências de cooperativas
de pertencimento
Espago para criação de novas cooperativas Falta de conhecimento
Existência de universidades e faculdades Falta de comprometimento
Político-Institucional
Quadro 10 - Objetivos do PTDSS Litoral Sul, distribuídos de acordo com os temas estratégicos
do PPA-P estadual (2016-2019)
(Continua)
Temas Estratégicos
Objetivos do PTDSS - Litoral Sul
do PPA-P Estadual
I. Pobreza, inclusão Fomentar a agro industrialização, a comercialização, a gestão, a organização, o
socioprodutiva e empreendedorismo, o cooperativismo da agricultura familiar e economia solidária, dos
mundo do trabalho. povos e comunidades tradicionais, assentados de reforma agrária, economia solidária,
jovens e mulheres, considerando as particularidades e potencialidades territoriais
Promover o desenvolvimento socioeconômico e sustentável da agricultura familiar,
povos e comunidades tradicionais, assentados, garantindo a transição agroecológica
Fortalecer as atividades de pesca e aquicultura no território
Fortalecer ações de emprego, trabalho e renda ampliando a rede de serviços e
promovendo ações de qualificação social e profissional
Promover a inclusão socioprodutiva de empreendimentos individuais e familiares dos
setores populares, prioritariamente inscritos no CadÚnico
II. Desenvolvimento Promover a inovação e o acesso à tecnologia com foco na agricultura familiar,
rural e agricultura assentamentos, povos e comunidades tradicionais e economia solidária
familiar Ampliar a infraestrutura e serviços rurais para a agricultura familiar, povos e
comunidades tradicionais e assentados da reforma agrária e economia solidária
Disponibilizar serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER, ATES, para a
agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária,
jovens, negros e mulheres e economia solidária
Ampliar a participação da produção da Agricultura Familiar, de povos e comunidades
tradicionais e de assentados da reforma agrária e economia solidária na política estadual
de segurança alimentar e nutricional
Garantir, fomentar e fiscalizar a ATER e ATES no Território Litoral Sul
Promover maior competitividade e agregação de valor aos produtos das principais
cadeias produtivas, com vistas a ampliar sua inserção nos mercados nacional e
internacional.
Promover a certificação participativa agroecológica para a agricultura familiar e
comunidades tradicionais
Transformação das antigas unidades da Polícia Rodoviária Estadual que estão
desativadas em postos de venda da Agricultura Familiar
Ampliar a infraestrutura hídrica de uso múltiplo, garantindo a transição agroecológica
para o desenvolvimento rural
III. Aprimorar a qualidade e o alcance do sinal oferecidos a população, ampliando e
Desenvolvimento modernizando o sistema de radiodifusão pública da Bahia
urbano e rede de Fortalecer a gestão municipal na área de desenvolvimento urbano
cidades Promover a implantação do sistema estadual de mobilidade urbana, por meio da
instituição de políticas e planos de mobilidade urbana sustentável
IV. Saúde e Promover o acesso ao direito humano a alimentação adequada e saudável e a segurança
assistência social alimentar e nutricional as famílias em situação de vulnerabilidade e risco social
Contribuir para a elevação do índice de aprovação e redução do índice de abandono na
educação básica na rede de ensino
Fortalecer a alfabetização e a educação de jovens, adultos e idosos que não concluíram a
educação básica no tempo correto
V. Educação, Fortalecer a educação profissional (formal e não formal)
conhecimento,
Assegurar as políticas de educação no campo, educação ambiental e atendimento a
cultura e esporte
diversidade, nas unidades escolares da educação básica.
Promover a inclusão digital, visando atender a população de menor renda do estado,
com a disseminação dos recursos da informática e do acesso à internet
Ampliar rede de pontos de cultura (Cultura Viva) redes de museus e pontos de memória.
Consolidar os Sistemas Municipais de Cultura
188
(Continuação)
Temas Estratégicos
Objetivos do PTDSS - Litoral Sul
do PPA-P Estadual
Legitimação dos fóruns e conselhos de cultura no Território Litoral Sul
V. Educação, Preservar o patrimônio cultural propiciando o acesso ao conhecimento e a memória
conhecimento, com vistas a sua sustentabilidade e o atendimento a sua função sociocultural
cultura e esporte Promover o esporte de participação, as práticas esportivas tradicionais e não
tradicionais, preservando a cultura, o desenvolvimento integral e a formação da
cidadania, permitindo o acesso dos povos e comunidades tradicionais
Promover ações de proteção, promoção social e garantia de direitos, fortalecendo a
VI. Segurança
cidadania e a qualidade de vida das populações em situação de vulnerabilidade, nas
pública cidadã
áreas críticas e/ou prioritárias
VII. Consolidação e Fortalecer os segmentos turísticos e a cadeia produtiva associada nas zonas turísticas
diversificação da
matriz produtiva
estadual
Fomentar a ampliação da biomassa energética a fim de viabilizar a produção de
VIII. Infraestrutura biogás
para o Promover a universalização do acesso a energia elétrica em todo o meio rural.
desenvolvimento
Promover a universalização do acesso aos meios de telecomunicação em todo o meio
integrado e
rural
sustentável
Ampliar o acesso à banda larga para o desenvolvimento socioeconômico sustentável
IX. Inserção Promover a inclusão socioprodutiva de empreendimentos individuais e familiares dos
competitiva e setores populares, prioritariamente inscritos no CadÚnico
integração Promover maior competitividade e agregação de valor aos produtos das principais
cooperativa e cadeias produtivas, com vistas a ampliar sua inserção nos mercados nacional e
econômica nacional e internacional.
internacional
X. Meio ambiente Fortalecer as ações de conservação e proteção ambiental
segurança hídrica,
economia verde e
sustentabilidade.
Promover a autonomia social e econômica da mulher
XI. Mulheres, gênero
e diversidade. Promover o fortalecimento e integração das ações de assistência a mulher e de
prevenção a violência
Promover segurança e saúde ocupacional para grupos produtivos de mulheres
pescadoras e marisqueiras
Assegurar ações de promoção, popularização e educação para os direitos humanos,
XII. Igualdade racial
com ênfase em práticas restaurativas e comunitárias, visando ao acesso a justiça e ao
e identidades
fortalecimento da cidadania de grupos estratégicos e vulneráveis
Promover a inclusão social e a autonomia dos jovens negros, reduzindo a
vulnerabilidade da juventude negra em situação de violência física e simbólica
Promover a regularização fundiária das áreas ocupadas, priorizando agricultores
familiares, povos e comunidades tradicionais
Promover ações de proteção, promoção social e garantia de direitos, fortalecendo a
cidadania e a qualidade de vida das populações em situação de vulnerabilidade, nas
áreas críticas e/ou prioritárias
XIII. Geração,
Assegurar ações de promoção, popularização e educação para os direitos humanos,
cidadania e direitos
com ênfase em práticas restaurativas e comunitárias, visando ao acesso a justiça e ao
humanos.
fortalecimento da cidadania de grupos estratégicos e vulneráveis
Promover ações de proteção, promoção social e garantia de direitos, fortalecendo a
cidadania e a qualidade de vida das populações em situação de vulnerabilidade, nas
áreas críticas e/ou prioritárias
Promover o protagonismo juvenil através da articulação e da execução de políticas,
para a garantia da vida, com dignidade e sem violência.
189
(Conclusão)
Temas Estratégicos
Objetivos do PTDSS - Litoral Sul
do PPA-P Estadual
XIII. Geração, Promover a inclusão social e a autonomia dos jovens negros, reduzindo a
cidadania e direitos vulnerabilidade da juventude negra em situação de violência física e simbólica
humanos. Promover acesso as políticas públicas do estado, as pessoas com deficiências e
necessidades especiais, nos municípios polos dos territórios de identidade.
XIV. Gestão Fortalecer as câmaras setoriais, como instrumento de planejamento, articulação e
governamental e implementação das políticas publicas
governança Promover a governança territorial, com o suporte aos espaços de participação e
socioeconômica concertação e o acompanhamento da Política de Desenvolvimento Territorial do
Estado da Bahia
Fonte: PTDSS (2016).
plano federal, o Codeter como um espaço sem efetividade, cultura cacaueira arraigada, interesse
individual das entidades, falta de renovação do quadro de entidades, espaços para
comercialização insuficientes ou precários, atuação isolada dos grupos. Quanto às diretrizes
estratégicas, destacam-se: cacau e a diversificação da agricultura.
Portanto, os elementos descritos no tipo de análise apresentada contribui para mostrar
que alguns fatores ou condições atinentes às condições favoráveis, condições desfavoráveis,
potencialidades, limites e diretrizes estratégicas não foram captados pelo PTDSS, deixando-o
subdimensionado em seu diagnóstico para o desenvolvimento territorial no Litoral Sul. Estes
fatores podem contribuir no entendimento da realidade do território em seu processo de
concertação social. A próxima seção explora mais detalhadamente as condições que interferem
no funcionamento do colegiado enquanto dispositivo de gestão social e governança territorial
no Litoral Sul, bem como, identifica suas capacidades e potencialidades.
perspectiva coerente com os aspectos da governança e gestão social. Resta saber os sentidos
atribuídos a estes dois termos, questão essa que será abordada mediante os procedimentos de
análise detalhados a seguir.
(...) Com certeza trouxe. Eu não conhecia bem antes, mas, pelos relatos, o colegiado
foi o instrumento que deu acessibilidade a muitas outras políticas dentro do território,
muitos produtores e agricultores puderam acessar, muitas associações, cooperativas,
puderam acessar muitas políticas que foram discutidas, com os editais, levar as
propostas, foram levadas as demandas, foram discutidas e foram transformadas em
políticas públicas. Então, a política é eficaz sim e que precisa ser mais valorizada
prioritariamente por quem faz parte do colegiado, precisa discutir e mais valorizada
por aqueles que tem assento no colegiado (Participante 3/Entidade estadual).
(...) mas no cômputo geral tudo isso gerou uma concepção e uma ...vamos dizer assim,
a mensuração de muitos avanços sem sombra dúvida, e um dos exemplos que eu
gostaria de citar, um dos exemplos que gostaria de citar a Universidade Federal do
Sul da Bahia, pouca gente sabe, ou compreende, mas tudo que tá existindo em relação
à educação também no território estava nas discussões do colegiado territorial, desde
o início, está no plano de desenvolvimento Rural sustentável e solidário do colegiado
até hoje, que foram debatidas e discutidos demais com a sociedade civil organizada
e também com os poderes públicos que fazem parte deste colegiado. (...) os editais de
chamadas públicas que hoje existem para os povos indígenas e Quilombolas na Bahia
foram discussão da histórias foram discussões e várias discussões e vários avanços.
Com certeza diversos debates que nós tivemos e que construiu todo esse bojo que hoje
a gente entende como positivo para o território (Participante 5/ Entidade estadual).
(...) eu vejo que o colegiado tem um papel importante de ser o nosso porta-voz...ele
tem feito isso, tem colocado nossas necessidades, nossos pontos de vista, isso tem
feito, não significa que o que ele fala vai ser executado, mas o colegiado tem colocado
isso, é um espaço de participação popular e da sociedade civil importante, importante
que haja o colegiado (Participante 14/ONG socioambiental).
(...) sim, o colegiado leva muito em conta essas questões, a identidade do território e
assim... e a gente (tem que) fazer fortalecer ainda mais a identidade, para que ela se
torne mais presente ainda no nosso dia a dia (Participante 12/Entidade estadual).
(...) Sim, isso é bem evidente, a partir da participação das entidades que compõem o
colegiado, colegiado hoje é multi, você tem indígenas, quilombolas, assentamento da
reforma agrária, pequeno produtor as entidades regionais, Ongs, então reflete nisso
aí, um colegiado territorial. Ele é a voz de todo mundo, mas principalmente a voz dos
que sempre esteve excluído (...) (Participante 2/Poder público municipal).
Codeter. Neste sentido, fica definido como um espaço de participação caracterizado pela
pluralidade e diversidade em termos das entidades que o compõem, com uma gestão social
reconhecidamente imbuída de esforços para uma atuação democrática e promoção do acesso às
políticas públicas.
Essas condições favoráveis que foram reveladas é um ponto de partida, necessário então,
para avançar em direção a um processo mais amplo de controle democrático das políticas
públicas, de aprendizagem decorrente do processo participativo e fortalecimento dos laços
sociais (CANIELLO; PIRAUX, 2016), pois a diversidade e a pluralidade das entidades, bem
como a valorização identitária estão na base de sustentação da abordagem territorial, sendo o
colegiado a sua maior expressão e representação desses elementos.
Por outro lado, condições restritivas à governança territorial foram relatadas e extraídas
das entrevistas. A Tabela 18 apresenta 13 categorias temáticas que emergiram desse contexto,
representando fatores que limitam a capacidade do colegiado dentro da estrutura de governança
e gestão social. Esses fatores foram extraídos a partir de 125 segmentos de texto, distribuídos
em todas as 16 entrevistas. O principal componente limitante foi categorizado como “colegiado
sem prioridade para o poder público municipal” com 19 segmentos codificados e representando
15% das codificações.
(...) eu lembro que a política territorial era vinculada ao SDT e ao MDA, de onde
vinham os recursos. A partir do momento que tinha recursos para manter essa
estrutura...e com a desestruturação daquelas instâncias, o colegiado agonizou,
agonizou, e tentou sobreviver com a condição que tinha (...) (Participante 16/ONG
socioambiental).
(...) a partir do momento que entra o governo Dilma, ainda continua a política
territorial, quando chega o governo Temer há um enfraquecimento e agora no
governo Bolsonaro a gente tá... a gente não sabe como vai acontecer essas políticas
públicas, se vão ser ainda nutridas, como vai ser o bolsa família, o PAA, as políticas
públicas que foram galgadas ao longo desses 10 anos de governo. O governo da
Bahia, ele tá fazendo uma parte, mas a gente sabe que depende dos recursos federais
pra que as políticas públicas aconteçam (Participante 13/Universidade).
(...) mas se for um grupo somente para debate aonde não há um olhar de importância,
de empoderamento por parte do estado (Bahia), aí você tá perdendo tempo, então eu
acho que o estado, ele precisa dá essa condição de empoderamento aos codeters, por
que são representatividade legítimos (...) (Participante 9/Associação).
Eu acho que ainda é fraco, eles (prefeitos) poderiam participar mais, pensar mais em
fortalecer...eles não participam, isso é uma constante. Prefeito só aparecem quando
é reunião na Amurc, quando é reunião na Amurc eles aparecem, mas, fora isso,
pergunta quantos vão para reunião do Codeter? (Participante 6/segmento cultural).
O exemplo mais claro dessa situação ocorre no plano federal onde a política territorial
já não mais existe. A desestruturação das instâncias da SDT e MDA, como relatou o
entrevistado 16, ocorreu de forma deliberada depois do golpe de 2016 que resultou no
impeachment da Presidente Dilma e deu início ao Governo Temer. A partir de então, emergiu
uma reconfiguração político-ideológica cujas repercussões desembocaram no desmantelamento
(SABOURIN; CRAVIOTTI; MILHORANCE, 2020) da política de Agricultura Familiar e de
Desenvolvimento Territorial.
O processo de desmantelamento das políticas de Agricultura Familiar e, por extensão,
da política territorial no Brasil ocorreu em decorrência de uma confluência de fatores externos
199
(...) nos três primeiros anos de Lula o desenvolvimento territorial era um...o apoio à
política territorial era muito maior, no governo de Dilma a política territorial, ela já
caiu um pouco mais e agora a política está em total...acredito e que vai deixar de
existir, não que isso seja bom ou ruim, não sei, mas no sentido do apoio, existia muito
mais apoio quando se ainda tinha o MDA, as secretarias voltadas ao desenvolvimento
territorial (...) (Participante 2/Poder público municipal).
(...) antes do impeachment a gente já havia tomado a pancada muito grande, depois
do impeachment, adiós muchachos! O MDA era a instituição que mais amparava e
cuidava da política territorial no país inteiro, o MDA colocava recursos para essas
coisinhas bobas: alimentação, transporte. Era um fomento para que a gente... um
recurso... encontre um espaço onde a gente reúna para discutir a política territorial,
o plano de desenvolvimento territorial, para se encontrar, para inter-relacionar-se,
nos conhecermos melhor, entendermos um ao outro e as nos ajudarmos (...)
(Participante 5/Entidade estadual).
200
de conselhos e, mais ainda, anula toda e qualquer possibilidade do governo federal se integrar,
mesmo que de forma verticalizada (COLEMAN, 1994), na formação desse capital social e
assim favorecer o surgimento de sinergias (EVANS, 1996) entre Estado e sociedade.
No campo externo, como estrutura macro determinante, temos como fator
impulsionador desse desmantelamento o modelo econômico dominante, que na América Latina
opera em favor do Neoextrativismo (ESCOBAR, 2015; GUPTA; POUW, 2017; BRAND;
BOOS; BRAD, 2017; NIEDERLE et al., 2019). Tal modelo tem no Brasil a mineração e o
complexo exportador de commodities do agronegócio como sua expressão máxima, para os
quais o apoio governamental e das instituições financeiras sempre foi expressivo e permanente.
Essa condição deixa o Brasil em uma situação a que Pinto (2011) classifica como
vulnerabilidade externa estrutural em virtude da especialização regressiva da pauta exportadora
e de uma desindustrialização em curso.
Filgueiras (2018) descreve essa condição como subsumida a um padrão de acumulação
capitalista que desde a década de 1990 se impõe ao Brasil e que ele chamou de Padrão de
Desenvolvimento Capitalista Liberal Periférico, caracterizado pelos seguintes aspectos: a)
aumento da assimetria na relação capital-trabalho, que resultaram no crescimento do
desemprego estrutural, do trabalho informal, da terceirização e da precarização do trabalho em
todas as suas dimensões; b) em razão da abertura comercial-financeira e das privatizações, surge
uma nova dinâmica de acumulação capitalista com o capital financeiro a ocupar posição
dominante, o capital estrangeiro sobrepondo-se ao capital estatal e fortalecimento de grandes
grupos econômicos nacionais produtores e exportadores de commodities e o agronegócio; c)
vulnerabilidade externa estrutural determinada, de um lado, pela reprimarização da pauta de
exportação e aprofundamento do processo de desindustrialização iniciado na década de 1980 e,
de outro, crescimento da dependência financeira do Estado, reduzindo sua capacidade de
financiar e regular a economia e de operacionalizar políticas macroeconômicas; d) substituição
de investimentos estrangeiros diretos e empréstimos internacionais por investimentos
estrangeiros financeiros associado à redução da taxa de investimento público; e) constituição
de um novo bloco de poder, formado hegemonicamente, em um primeiro momento, pelo capital
financeiro e pela burguesia cosmopolita, e, em fase posterior, assumiram importância o
agronegócio e a indústria produtora de commodities, como novos protagonistas da burguesia
interna.
Portanto, Filgueiras (2018, p.532) conclui que o padrão Liberal periférico, do ponto de
vista estrutural, “atualizou, e até piorou, algumas das características mais marcantes da
formação econômico-social brasileira” e destaca tais características como sendo a “dependência
204
De acordo com a referida literatura, uma das principais razões para o baixo engajamento
do poder municipal está relacionada a ameaça que a política territorial representa para a
estrutura do poder político tradicional que esteve sempre associado às relações de clientelismo.
No Litoral Sul, além dessa redução do poder local, um outro fator que contribui para o
distanciamento das prefeituras do colegiado é a existência de dois consórcios públicos criados
por gestores municipais do território, o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável (CDS) e o
Consórcio Intermunicipal da Mata Atlântica (CIMA).
Os consórcios são dotados de personalidade jurídica o que lhes permitem realizar
convênios com os governos estadual e federal para recebimento de recursos financeiros e
equipamentos, o que, para alguns dos entrevistados, representa um incentivo para que os
prefeitos busquem os consórcios em detrimento da sua participação no colegiado territorial. De
fato, a literatura indica que a existência no mesmo espaço desses dois tipos de arranjos
institucionais, um intermunicipal e o outro territorial, tem levado muito mais à ocorrência de
sobreposições de ações e de competição do que uma articulação entre essas instâncias sob uma
estratégia comum de desenvolvimento para o território (CALDAS; MOREIRA, 2013;
MASCARENHAS, 2015; OLIVEIRA, 2015). Os trechos das entrevistas selecionados e
apresentados a seguir, mostram a percepção de alguns dos participantes com o tema levantado:
(...) na minha concepção houve um avanço que foi discutido dentro do colegiado
territorial, mas que enfraqueceu o colegiado territorial que foi...que foi a criação dos
consórcios públicos...por que... um exemplo claro, um maquinário, um equipamento,
uma patrulha mecânica para resolver estradas vicinais, isso poderia vir pelo
colegiado territorial mesmo sendo uma Instância sem CNPJ que, ao contrário, eu
achava que deveria ter, sempre achei (...) (Participante 5/Entidade estadual).
reciprocidade, necessários à formação do capital social. Assim, essa dimensão foi denominada
“participação oportunista e sem compromisso coletivo”. Essa dimensão abrange 32% dos
segmentos codificados dentro da estrutura de governança e demarca uma realidade que impõe
uma restrição forte no desenvolvimento das capacidades coletivas e institucionais e, pior ainda,
transforma o colegiado em um espaço de legitimação de tais interesses, o que pode ser
destacado nas falas dos entrevistados:
(...) muitos grupos de interesse são aqueles que eu te falei, participam com cadeira
no colegiado territorial e apenas aparecem no momento que lhes é conveniente, isso
traz dificuldades que na verdade... essas pessoas não estão ali pelo colegiado, elas
estão ali pelo seu umbigo... pessoas e instituições….. mas na hora que é para...que é
para uma voz coletiva, eles não aparecem. Na hora que é para uma voz individualista,
pelo seu bel-prazer ou pelo seu, pela sua forma de se locupletar, de aprovar projeto,
eles aparecem (participante 5/Entidade estadual).
(...) a gente peca ainda muito por que nós somos poucos, poucas pessoas
participam...e isso faz com que de vez em quando você tome ações e tenha reações,
as pessoas não compreendem mas também não participam, eu acho que a
participação tem que ser mais efetiva (participante 13/Universidade).
(...) o colegiado é muito importante no entanto ele tem perdido a sua força justamente
por que não adianta desenvolver, planejar, se não tem como monitorar, se não tem
como analisar e avaliar, se aquele trabalho que você fez deu resultado ou não...nunca
existiu isso, não é culpa do colegiado, é culpa do processo como um todo (...) então
se você não tem essas respostas , eu não tenho como planejar pra frente, por que vou
ficar dando murro em ponta de faca, falando a mesma coisa 50 vezes, e eu não tenho
como comparar o que foi feito e o que foi planejado, o que foi feito e o que não foi
feito, pra poder dá prioridade a essas coisas, então a gente vê essa esfriamento da
participação do colegiado por conta da falta de efetividade da ação do colegiado
(Participante 14/ONG socioambiental).
(...) o que me preocupa muito e o que enfraqueceu muito o colegiado territorial... por
que você faz um processo de mobilização, de trazer vários entes públicos, várias
pessoas, pra um diálogo de políticas públicas, conferências, escutas, vários outros
artifícios que o governo utiliza, a gente demanda, e se você perceber na penúltima
reunião que a gente fez a avaliação, percebemos que somente 33% das propostas
elencadas foram atendidas na escuta do último PPA, então você, como é que você
209
convoca novamente essas pessoas pra discutir uma coisa, que não chega lá no final,
não é atendido, você gera uma expectativa, você gera uma expectativa para uma
população, você gera expectativa pra uma entidade, e então muito do que é discutido
no território e repassado, a gente percebe que não chega (Participante
13/Universidade).
(...) mas para que você possa conseguir esse objetivo é necessário do Codeter também
ele tenha uma receptividade uma legitimidade por parte do governo, por que para
fazer parte de um grupo de tantos grupos que já faço parte, eu preciso saber qual a
finalidade desse grupo (...) mas se for um grupo somente para debate aonde não há
um olhar de importância de empoderamento por parte do estado, aí você tá perdendo
tempo, então, eu acho que estado ele precisa dá essa condição de empoderamento
aos Codeters (...) e com isso a gente fica muito mais com agenda dos outros do que
com agenda nossa, como a gente não tem uma agenda estruturante plural inclusiva
(...) então a pauta é um pouco frágil porque é uma pauta quase que imposta, é muito
mais demandadas do que demandantes, daí eu acho que a pauta mesmo sendo nossa,
ela é muito frágil (Participante 9/Associação).
(...) só que tem o lado negativo que é de ter um pouco de cooptado o território, é como
se a política territorial ela tivesse numa encruzilhada, tivesse uma crise de identidade,
não sabe se ela é chapa branca ou é sociedade civil, se é governo ou é...então tem
essa crise atualmente, então isso é negativo por conta dessa tutela, essa palavra
atrapalha, a tutela (...) (Participante 11/Entidade sindical).
As razões para isso podem estar assentadas na forma como a política territorial é
executada na Bahia. Rocha (2015) indica alguns caminhos nesta direção quando relata que o
governo não assume politicamente os espaços de concertação territorial (o colegiado territorial)
para além da escuta do Plano Plurianual e sem a certeza de que as propostas serão pactuadas na
execução orçamentária. Ademais, como esclarece o autor, os grandes projetos de logística,
mobilidade, infraestrutura, energia e transporte não são apreciados nos espaços dos colegiados,
e sim, tratados à parte, em esferas fechadas de decisão e, quando ocorre a escuta, a mesma se
dá em forma de audiências públicas através da mediação do Ministério Público. Também
inexiste campanha publicitária institucional sobre os territórios e sua democracia participativa.
Para Rocha (2015, p. 168) “o governo pratica uma relação utilitarista com os colegiados
territoriais e não aporta nos mesmos um mínimo de empoderamento político, para além da
escuta do PPA”. Um outro fator reside no fato de que o Codeter é muito mais acionado quando
é para selecionar projetos e manifestação de interesse para concorrer aos editais públicos de
financiamento de projetos socioprodutivos. Na mesma direção, Gómez e Favaro (2012) aponta
que importante parcela das comunidades rurais ou suas representações ficam à margem do
processo, apenas participando de uma dinâmica de reuniões, resultando em um desgaste e um
desencanto em função dos parcos resultados atingidos.
Dessa forma, ao considerar as condições que favorecem e aquelas que restringem a
atuação do colegiado na estrutura de governança territorial e gestão social, foram definidas
algumas categorias que emergiram dos relatos das entrevistas e que evidenciam e indicam as
210
Quadro 11 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo quanto às condições que intervém no desempenho do Codeter
Litoral Sul dentro da estrutura de governança e gestão social do território
Categorização
primária 1º ciclo de codificação Segmentos % 2º ciclo de codificação síntese
Importância do colegiado no acesso às políticas 21 12% Gestão comprometida com a
Condições favoráveis públicas democracia participativa e
ao desempenho do Gestão democrática 12 7% na promoção do acesso às O desempenho do Codeter Litoral Sul,
Codeter LS dentro Papel ativo na articulação com outras instâncias 6 3% Políticas Públicas dentro da estrutura de governança e
da estrutura de gestão social, é determinado por
governança Valorização características identitárias 7 4% Pluralidade e diversidade de condições que facilitam o diálogo e a
territorial Pluralidade de entidades no Codeter 6 3% entidades na composição do condução democrática das suas ações,
colegiado lastreadas na pluralidade e diversidade
Codeter s/ prioridade para o poder público 19 11% processo de deterioração do das entidades, mas, ao mesmo tempo,
municipal apoio governamental em enfrenta condições que o fragiliza, em
Enfraquecimento da Política territorial no plano 15 8% suas três escalas de poder virtude de mecanismos e processos não
federal dentro da estrutura de eficazes de gestão social no interior do
Falta de estrutura e recursos para mobilidade e 5 3% governança territorial colegiado, do comportamento
logística 35% individualista de parte de algumas
Falta de apoio e reconhecimento do governo 5 3% entidades da sociedade civil e do poder
Condições restritivas Estadual público, pela ausência das prefeituras e
ao desempenho do Falta de participação/engajamento das entidades 17 10% participação oportunista e enfraquecimento do colegiado pela
Codeter LS dentro falta de apoio governamental em suas
Influência de grupos de interesse 15 8% sem compromisso coletivo
da estrutura de 32% três escalas de poder, especialmente
governança interesse individual das entidades 9 5% pelo desmantelamento da política
territorial Comunicação/mobilização/articulação deficientes 14 8% Fragilidades nos territorial no plano federal, e, por sua
mecanismos de gestão condição subordinada aos interesses
Falta de renovação de entidades 7 4%
social 20% governamentais.
Controle social insuficiente 4 2%
Plano territorial (PTDSS) 1 1%
Espaço inócuo/sem efetividade 10 6% condição subordinada ao
Cooptação pelo Estado 4 2% interesse governamental
11%
SOMA 177 100%
Fonte: Conteúdo das entrevistas.
212
CONSIDERAÇÕES FINAIS
de desenvolvimento para o território tem no cacau e no seu valor simbólico, a sua principal
força, a exemplo das iniciativas de produção de cacau fino, da cadeia do chocolate com alto
teor de cacau e da cadeia do turismo, principalmente nos segmentos rural, ecológico e histórico-
cultural. Há também apostas no selo de Indicação Geográfica obtida pelo cacau que vai
valorizar ainda mais a cadeia cacau-chocolate-turismo. O cacau também se destaca por sua
função ambiental e ecossistêmica para o Sul da Bahia, dada a sua estreita relação com a mata
atlântica, qual seja de conservação, como resultado do sistema agroflorestal cacau-cabruca.
Resta saber se esses projetos são capazes de tornarem-se inclusivos, integrando
assentados, agricultores familiares, comunidades tradicionais, povos indígenas, ou seja, tipos
identitários que ainda lutam para se posicionarem e serem valorizados diante de grandes
projetos subjacentes aos interesses de alguns grupos, que se apropriaram da identidade
hegemônica e legitimadora construída sobre as bases da cultura cacaueira.
De fato, as restrições impostas pela identidade cacaueira ainda são determinantes dentro
da estrutura de governança territorial, ou seja, são fatores que condicionam as
institucionalidades em um quadro de mentalidade arraigada ao cacau e resistente à
diversificação produtiva, com relações marcadas por comportamentos individualistas e
clientelistas e que interferem direta e indiretamente na nova arquitetura institucional
proveniente da política territorial, em especial quando se trata da ampliação da participação
social e constituição de coletividades.
A esse respeito, um dos principais desafios a ser enfrentado quando se trata de
empreender estratégias de desenvolvimento territorial no Litoral Sul, diz respeito a formação
de laços e redes que integrem comunidades e unidades socioprodutivas. Os relatos obtidos nas
entrevistas sugerem que os grupos e comunidades atuam de forma isolada em suas localidades,
com pouca ou nenhuma articulação com outros grupos no território cujas demandas e objetivos
sejam comuns. Uma condição que se aproxima daquilo que é chamado de laços fortes.
Quando se olha para a participação e engajamento dos representantes, o conteúdo
analisado trouxe evidências de esvaziamento e enfraquecimento pelo qual vem passando o
Codeter Litoral Sul, com muitas entidades dispersas e ausentes das reuniões plenárias e das suas
discussões. As razões para isso foram identificadas em decorrência de condições e fatores
internos e externos. Dentro dos fatores internos destacam-se o comportamento motivado por
interesses individuais, a descrença no Codeter e fragilidade dos mecanismos comunicação e
controle social. O primeiro fator está associado à falta de compromisso das entidades, ao
individualismo e à atuação isolada dos grupos. O sentimento de descrença no colegiado ocorre
em função da não efetividade daquele espaço, em que seu funcionamento já não oferece
216
respostas às demandas das entidades, com reuniões inócuas, representantes desanimados e com
a necessidade de renovação do quadro de entidades, requisito necessário para revitalizar o
colegiado. O terceiro fator pode ser explicado pela quase inexistência de instrumentos que
garantam o monitoramento e controle social das políticas públicas e das ações do colegiado,
bem como pela interlocução precária com a sociedade.
Quanto às condições e fatores externos que afetam a participação dos representantes no
colegiado e, consequentemente, o seu funcionamento, os relatos apontaram para a extensão
geográfica do território, a falta de apoio e reconhecimento do governo do estado e, também, a
conjuntura política no plano federal. A forma como foi delimitado e dimensionado os territórios
no Brasil sempre foi um fator crítico para a efetividade das políticas territoriais e, no Litoral
Sul, não é diferente. São 26 municípios que compõem o território, com distâncias entre os
municípios que impõem um custo elevado de deslocamento e logística para as entidades.
A falta de apoio do governo do estado também foi um ponto recorrentemente citado,
principalmente em termos de apoio logístico e infraestrutura para o funcionamento do
colegiado. As entidades acabam se afastando pois os representantes não sentem que o Codeter
é de fato uma instância relevante para governo. Outro fator externo que interferiu bastante no
desempenho do colegiado foi a mudança de direção da política territorial no plano federal logo
após o impeachment da Presidente Dilma e que demarcou definitivamente o período de
desmonte da política de desenvolvimento territorial, repercutindo na supressão de
investimentos e, consequentemente, afetando o funcionamento dos colegiados territoriais
inclusive quanto à mobilização e participação dos representantes.
Ao buscar identificar as condições favoráveis e aquelas que interferem no
funcionamento do Codeter Litoral Sul dentro da estrutura de gestão social e governança
territorial, considerando o ambiente institucional e as restrições formais e informais, foram
obtidas evidências de que o colegiado se constitui como um espaço de participação
caracterizado pela pluralidade e diversidade em termos das entidades que o compõem, com uma
gestão social reconhecidamente imbuída de esforços para uma atuação democrática e promoção
do acesso às políticas públicas. Tais condições são essenciais para o Codeter enquanto espaço
institucional de participação, controle social e aprendizagem, e, ainda, considerando que a
diversidade e pluralidade das entidades são valores fundantes da abordagem territorial.
Sobre as condições que interferem no desempenho do colegiado enquanto restrições, a
pesquisa constatou que fatores conjunturais, estruturais, político-ideológicos e institucionais
levaram a uma deterioração e desmonte do apoio governamental e reduzido desempenho
institucional em suas três escalas de poder, dentro da estrutura de governança territorial. Essa
217
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APENDICE
Nome: Idade: Genero:
Entidade: Universidade Federal Setordo Sul da
(poder publico/ | UFSB civil):
Bahiasociedade
Programa de Pos-Graduaÿao emEstado e Sociedade | PPGES
Sobre a entidade Roteiro de entre vista
pacidad
1. Fale um pouco da entidade a qual esta vinculado(a) e como a mesma se posiciona (pauta de reivindicacoes,
Este qido o total sigilo das informaqoes aqui contidas. A pesquisa tern como tenia a "
bandeira de luta etc) diante das discussoes no Codeter. _
xXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Informacoes
Identidade Territorial
Corresponde aos traqos distintos de wna coletividade, elementos naturais, historicos, socioeconomicos, tornando-se elementos
aglutinadores que podem facilitar a coesao social e contribuir para o desenvolvimento do territorio.
2. Em sua opiniao, o que considera como 4. Quais as condicoes associadas a identidade territorial
caracteristicas (economicas, sociais, culturais) que que oferecem restrigoes ou constrangimentos a um
definem a identidade do territorio? processo de desenvolvimento no Litoral Sul?
5. Como avalia a participacao e engajamento 7. Em sua opiniao, existem lacos e redes sociais
dos representantes junto ao Codeter? constituidas e fortes o suficiente para induzir os atores
sociais a lutar pelo bem comum? Quais os fatores que
facilitam e/ou dificultam esse processo?
9. Quais os fatores (extemos e intemos) e /ou 11. Em sua opiniao, os municipios que integram
condigoes que tern efeitos sobre desempenho do o territorio dispoem de estrutura de scrvicos
colegiado na estrutura da gestao e governanca institucionais e infraestratura capaz de apoiar as
territorial? iniciativas de desenvolvimento territorial?