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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA

CENTRO DE FORMAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTADO E SOCIEDADE

CARLOS HENRIQUE LEITE BORGES

NOVAS INSTITUCIONALIDADES E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO


LITORAL SUL DA BAHIA: condições intervenientes e seus efeitos sobre a formação de
capacidades institucionais

PORTO SEGURO – BAHIA


2021
CARLOS HENRIQUE LEITE BORGES

NOVAS INSTITUCIONALIDADES E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO


LITORAL SUL DA BAHIA: condições intervenientes e seus efeitos sobre a formação de
capacidades institucionais

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


estado e Sociedade da Universidade Federal do Sul
da Bahia, como requisito para obtenção do grau de
Doutor em Estado e Sociedade.
Orientadora: Profª Drª Maria José Teixeira Carneiro.

PORTO SEGURO – BAHIA


2021
CARLOS HENRIQUE LEITE BORGES

NOVAS INSTITUCIONALIDADES E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO


LITORAL SUL DA BAHIA: condições intervenientes e seus efeitos sobre a formação de
capacidades institucionais
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
estado e Sociedade da Universidade Federal do Sul
da Bahia, como requisito para obtenção do grau de
Doutor em estado e Sociedade.
Orientadora: Profª. Drª. Maria José T. Carneiro.
Aprovada em 25 de março de 2021.
BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Maria José T. Carneiro (Orientadora)


Universidade federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Profª. Drª. Lilian Reichert Coelho (Examinadora interna)


Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

Profª. Drª. Sandra Adriana Neves Nunes (Examinadora interna)


Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

Profª. Drª. Cristiane Aparecida de Cerqueira (Examinadora externa)


Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)

Prof. Dr. José Renato Sant’anna Porto (Examinador externo)


Universidade Federal Fluminense (UFF)

Prof. Dr. Renato Sérgio Jamil Maluf (Examinador externo)


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
À Adriana e João Vitor,
Sempre presentes em minha vida, fontes de força e motivação.
AGRADECIMENTOS

Na incrível trajetória que foi o doutorado, muitos foram aqueles que contribuíram direta
e indiretamente para o resultado final deste trabalho e, por isso, deixo aqui registrado os meus
sinceros agradecimentos.

À Profª. Drª. Maria José Carneiro por me receber como seu orientando, pela confiança,
por suas valiosas sugestões e direcionamentos tão necessários e pertinentes ao longo do
processo de construção dessa tese.

À Adriana Borges, pelo companheirismo e incentivo de sempre, por seu cuidado, apoio
e dedicação incondicionais nas horas mais difíceis.

À Universidade Estadual de Santa Cruz pela oportunidade e apoio em meu afastamento.


Ao Departamento de Ciências Econômicas, em especial aos colegas professores pelo esforço e
sacrifício de cada um em assumir carga horária adicional. Aos funcionários do DCEC que por
muitas vezes estavam sempre à postos em ajudar nos meus encaminhamentos e assuntos
burocráticos.

Agradeço à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Estado em Sociedade da


Universidade Federal do Sul da Bahia por oferecer e manter um corpo docente altamente
qualificado, com o qual tive a grata oportunidade de adentrar em um rico universo de conteúdos
humanizadores e mais aderentes à realidade da nossa injusta e desigual sociedade,
principalmente quando se trata de classe, gênero e raça.

Agradeço a todas e a todos os/as colegas da turma de 2017, mestrandos e doutorandos,


pelo compartilhamento de experiências, trajetórias, angústias, conquistas e saberes,
especialmente àqueles com os quais convivi mais de perto, Nara Eloy, Eva Dayane, Likem
Edson, Kelly Morais e Fernando Rios.

Por fim, aos membros do Codeter Litoral Sul agradeço profundamente, principalmente
aos que dispensaram seu tempo e atenção enquanto entrevistados da pesquisa. Reservo também
agradecimentos especiais a Carlos “Garotinho” então coordenador do colegiado, a Geomara
Nascimento e a Cintya Nobre pelo acolhimento nas reuniões, pelo atendimento às minhas
solicitações e pelas informações prestadas.
Queremos saber,
O que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
Na emancipação do homem
Das grandes populações
Homens pobres das cidades
Das estepes dos sertões
Queremos saber,
Quando vamos ter
Raio laser mais barato
Queremos, de fato, um relato
Retrato mais sério do mistério da luz
Luz do disco voador
Pra iluminação do homem
Tão carente, sofredor
Tão perdido na distância
Da morada do senhor
Queremos saber,
Queremos viver
Confiantes no futuro
Por isso se faz necessário prever
Qual o itinerário da ilusão
A ilusão do poder
Pois se foi permitido ao homem
Tantas coisas conhecer
É melhor que todos saibam
O que pode acontecer
Queremos saber, queremos saber
Queremos saber, todos queremos saber
(Queremos saber/ Gilberto Gil/1976).
RESUMO

Uma nova perspectiva para as políticas públicas de desenvolvimento, a territorial, ganhou força
na América Latina a partir da década de 1990, com um olhar especialmente voltado para superar
a dicotomia rural-urbano, promover a inclusão socioprodutiva e adotando a participação social
como um valor fundamental nesse processo. Considerando os esforços que vem sendo
empreendidos para o enfrentamento da pobreza e das desigualdades por meio de políticas cuja
unidade de planejamento e intervenção é o território e, adotando um quadro teórico que buscou
integrar os aspectos institucionais e territoriais do desenvolvimento, este trabalho tem como
problematização e propósito investigar as condições que interferem na constituição de
capacidades institucionais e no desempenho do Colegiado Territorial de Desenvolvimento
Sustentável (Codeter) em direção a um processo de desenvolvimento do Território de
Identidade Litoral Sul da Bahia, levando em conta sua formação e identidade territorial, as
territorialidades estabelecidas, a existência de capacidades coletivas, o ambiente institucional e
as restrições formais e informais. Os procedimentos metodológicos foram conduzidos mediante
a utilização de técnicas de coleta e análise de dados predominantemente qualitativas, sendo um
estudo de caso que teve como sujeitos da pesquisa representantes das entidades que compõem
o Codeter Litoral Sul, cujo material obtido nas entrevistas constituiu a base para a análise
qualitativa de conteúdo. Fundamentados nos relatos dos entrevistados, os resultados indicam
que intervém sobre a constituição de capacidades coletivas e institucionais condições favoráveis
associadas principalmente à atuação do colegiado territorial em dar voz e acesso aos grupos que
historicamente ficaram à margem das políticas públicas. Também são apontadas
potencialidades que podem induzir estratégias assentadas na valorização do sistema
agroflorestal cacau-cabruca, da mata atlântica e de projetos socioambientais e produtivos
baseados na diversidade cultural do território. Contudo, foram identificadas condições inerentes
ao colegiado e outras determinadas pelo ambiente macro institucional que constrangem os
esforços e estratégias de desenvolvimento. Portanto, embora o Codeter Litoral Sul seja
reconhecidamente importante enquanto espaço institucional dentro do processo político-
participativo, pesam sobre o seu desempenho condições restritivas muito expressivas,
reforçadas não apenas pelo comportamento individualista e clientelista, traços atribuídos a
identidade cacaueira, mas também pelo sentimento de descrença no espaço institucional, pela
fragilidade dos mecanismos de controle social, por sua condição subordinada aos interesses
governamentais e pela falta de apoio governamental em suas três escalas de poder,
especialmente pelo total desmantelamento da política de desenvolvimento rural e supressão dos
espaços institucionais de participação logo após o golpe de 2016 no Brasil.

Palavras-chave: Instituições. Territorialidades. Colegiado territorial. Desenvolvimento


territorial. Litoral Sul da Bahia.
ABSTRACT

A new perspective for public development policies, the territorial, gained strength in Latin
America from the 1990s onwards, with a view especially to overcome the rural-urban
dichotomy, promote socio-productive inclusion and adopting social participation as a value
fundamental in this process. Considering the efforts that have been made to tackle poverty and
inequality through policies whose planning and intervention unit is the territory and, adopting
a theoretical framework that sought to integrate the institutional and territorial aspects of
development, this work is problematized and aims to investigate the conditions that interfere in
the constitution of institutional capabilities and in the performance of the Territorial Collegiate
for Sustainable Development (Codeter) towards a development process of the South Coast
Identity Territory of Bahia, taking into account their formation and territorial identity, the
established territorialities, the existence of collective capabilities, the institutional environment
and formal and informal restrictions. The methodological procedures were conducted using
predominantly qualitative data collection and analysis techniques, being a case study whose
research subjects were 16 representatives of the entities that make up the Codeter South Coast,
whose material obtained in the interviews constituted the basis for the qualitative content
analysis. Grounded on the interviewees' narrative, the results indicate that favorable conditions
associated with the constitution of collective and institutional capabilities are associated mainly
with the role of the territorial collegiate in giving voice and access to groups that historically
have been excluded from public policies. Potentialities that can induce strategies based on the
valorization of the agroforestry system cocoa-cabruca, of the Atlantic forest and of socio-
environmental and productive projects based on the cultural diversity of the territory are also
pointed out. However, conditions inherent to the collegiate were identified and others
determined by the macro institutional environment that constrain development efforts and
strategies. Therefore, although the Codeter Litoral Sul is recognized as an important
institutional space within the political-participatory process, very expressive restrictive
conditions weigh on its performance, reinforced not only by individualist and clientelistic
behavior, traits attributed to cocoa identity, but also by the feeling of disbelief in the institutional
space, the fragility of the mechanisms of social control, their condition subordinated to
government interests and the lack of government support in its three scales of power, especially
due to the total dismantling of the rural development policy and the suppression of institutional
spaces of participation right after the 2016 coup in Brazil.
Key words: Institutions. Territorialities. Territorial collegiate. Territorial development. South
Coast of Bahia.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mesorregiões geográficas do Estado da Bahia, 2018 .............................................. 67


Figura 2 - Microrregiões Geográficas do estado da Bahia, 2018. ............................................ 68
Figura 3 - Territórios de Identidade da Bahia........................................................................... 69
Figura 4 - Território de Identidade Litoral Sul da Bahia .......................................................... 70
Figura 5 - Distribuição espacial das colônias no Sul da Bahia, 1816-1898 ............................. 74
Figura 6 - Produção de cacau em amêndoas na Bahia, 1835-1935 .......................................... 75
Figura 7 - Terra indígena Tupinambá de Olivença................................................................... 91
Figura 8 - Marcha dos povos indígenas do Sul e Extremo Sul da Bahia até o Ministério da
Justiça, em Brasília, contra o marco temporal e pela demarcação de terras, 16/10/2019 ........ 92
Figura 9 - Espacialização das comunidades quilombolas por Território de Identidade no
Estado da Bahia, 2013 .............................................................................................................. 95
Figura 10 - Assentamento Terra vista, município de Arataca (BA), imagens comparativas
entre os anos de 1998 e 2014 .................................................................................................... 96
Figura 11 - Espacialização das áreas de assentamentos de Reforma Agrária no TI Litoral
Sul da Bahia, 2017 .................................................................................................................... 98
Figura 12 - Colheita do cacau em uma fazenda no Sul da Bahia ........................................... 100
Figura 13 - Evolução da produção de cacau (Ton.) no Brasil e na Bahia,1900 a 2018 ......... 101
Figura 14 - Frutos do cacau afetados pela doença da vassoura de Bruxa (Moniliophthora
perniciosa) .............................................................................................................................. 102
Figura 15 - Variação populacional nas microrregiões do Sul da Bahia, %, entre as
décadas de 1970 e 2010 .......................................................................................................... 107
Figura 16 - Variação do contingente populacional na Mesorregião Geográfica
Sul Baiano, %, 1991 - 2010 .................................................................................................... 108
Figura 17 - Distribuição da população urbana e rural no Território Litoral Sul .................... 110
Figura 18 - Campus da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Ilhéus - BA,
vista aérea ............................................................................................................................... 120
Figura 19 - Hospital Regional Costa do Cacau, Ilhéus - BA, vista aérea ............................... 121
Figura 20 - Jequitibá Plaza Shopping, Itabuna - BA, vista aérea ........................................... 122
Figura 21 - Casa de Cultura Jorge Amado, localizada na rua Jorge Amado, Ilhéus – BA..... 124
Figura 22 - Rota turística Estrada do Chocolate, Território Litoral Sul da Bahia .................. 125
Figura 23 - Sistema agroflorestal cacau-cabruca, Sul da Bahia ............................................. 126
Figura 24 - Chocolate certificado com o selo de Indicação de Procedência, produzido
pela Associação Cacau Sul Bahia (ACSB)............................................................................. 127
Figura 25 - Fluxos de ligações rodoviárias no Território Litoral Sul, em 2016. .................... 130
Figura 26 - Nuvem de palavras com os 50 termos mais frequentes, associados aos
aspectos identitários do Território Litoral Sul ........................................................................ 136
Figura 27 - Mapa perceptual, configuração do espaço de representação das identidades...... 149
Figura 28 - Nuvem de palavras com os 50 termos mais frequentes, associados à
participação e capacidades coletivas ...................................................................................... 156
Figura 29 - Participação das entidades nas reuniões do Codeter Litoral Sul ......................... 182
Figura 30 - Quantidade de objetivos do PTDSS de acordo com os temas estratégicos
do PPA .................................................................................................................................... 189
Figura 31 - Mapa de similaridade entre as entrevistas e o PTDSS, de acordo com as
diretrizes estratégicas, limites e potencialidades para o desenvolvimento territorial no
Litoral Sul ............................................................................................................................... 192
Figura 32 - Nuvem de palavras com os 50 termos mais frequentes, associados ao
desempenho do Codeter na estrutura de governança e gestão social no Território
Litoral Sul ............................................................................................................................... 194
Figura 33 - Recursos destinados a políticas públicas de apoio à agricultura familiar,
Desenvolvimento territorial e reforma agrária, evolução 2015 - 2018,
em R$ 1.000.000,00................................................................................................................ 202
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Composição do Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável,


Território de Identidade Litoral Sul, Bahia, distribuição por entidades do setor público
e do setor privado ..................................................................................................................... 24
Quadro 2 - Sujeitos da pesquisa (membros do Codeter Litoral Sul) relacionados por
setor e tipo de entidade ............................................................................................................. 28
Quadro 3 - Quadro categórico-analítico para roteiro de entrevistas na avaliação das
capacidades institucionais no Território Litoral Sul ................................................................. 30
Quadro 4 - Notícias veiculadas pela imprensa sobre a luta do Povo Tupinambá de
Olivença pela retomada das suas terras, 2012 – 2019 .............................................................. 93
Quadro 5 - Matrizes Territoriais no Território de Identidade Litoral Sul da Bahia ............... 118
Quadro 6 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo
quanto aos elementos identitários ........................................................................................... 151
Quadro 7 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo
quanto à participação e formação de laços sociais ................................................................. 170
Quadro 8 - Natureza das entidades que sempre ou frequentemente participam das
reuniões no Codeter LS, distribuídas por poder público e sociedade civil e natureza. .......... 182
Quadro 9 - Diagnóstico do PTDSS acerca das potencialidades e limites para o
desenvolvimento sustentável do território Litoral Sul ............................................................ 184
Quadro 10 - Objetivos do PTDSS Litoral Sul, distribuídos de acordo com os temas
estratégicos do PPA-P estadual (2016-2019) ......................................................................... 187
Quadro 11 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo
quanto às condições que intervém no desempenho do Codeter Litoral Sul dentro da
estrutura de governança e gestão social do território ............................................................. 211
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Parâmetros para o cálculo das medidas de similaridade, em pares de


documentos ............................................................................................................................... 34
Tabela 2 - População livre, população escrava, crescimento populacional entre os
anos de 1872 e 1907, Sul da Bahia ........................................................................................... 80
Tabela 3 - Número de estabelecimentos agropecuários por grupo de área no TI Litoral
Sul da Bahia, 2006 .................................................................................................................... 97
Tabela 4 - Evolução da população nas Microrregiões Geográficas da Bahia, 1970 - 2010 ... 105
Tabela 5 - Variação percentual da população nas microrregiões geográficas da Bahia,
por década, 1980 - 2010 ......................................................................................................... 106
Tabela 6 - Variação da população rural nas microrregiões da Bahia ..................................... 109
Tabela 7 - Produto Interno Bruto, Valor Adicionado Bruto (VAB) por setores, a preços
correntes, por município do Território Litoral Sul, 2015 ....................................................... 114
Tabela 8 - Categorização do conteúdo analisado, associada à identidade territorial do
Litoral Sul ............................................................................................................................... 137
Tabela 9 - Resumo dos coeficientes do modelo da Análise de Correspondência Múltipla.... 147
Tabela 10 - Dimensões e frequências por categorias e suas respectivas coordenadas
da ACM .................................................................................................................................. 147
Tabela 11 - Categorias temáticas definidas no 1º ciclo de codificação, durante o
processo de Análise de Conteúdo ........................................................................................... 157
Tabela 12 - Categorias temáticas referentes às condições favoráveis a participação
social, derivadas do 2º ciclo de codificação, durante o processo de Análise de Conteúdo .... 162
Tabela 13 - Condições restritivas à participação e formação de laços e redes sociais no
Codeter Litoral Sul ................................................................................................................. 164
Tabela 14 - Entidades do Poder Público integrantes do Codeter LS, distribuídas por
esfera administrativa ............................................................................................................... 179
Tabela 15 - Entidades da Sociedade Civil, distribuídas por natureza
organizativa/funcional ............................................................................................................ 180
Tabela 16 - Coeficientes de similaridade entre as entrevistas e o PTDSS ............................. 191
Tabela 17 - Condições Favoráveis ao Codeter na estrutura de governança territorial
no Litoral Sul, a partir das categorias extraídas das entrevistas. ............................................ 195
Tabela 18 - Condições restritivas ao Codeter na estrutura de governança territorial
no Litoral Sul, categorias extraídas das entrevistas ................................................................ 197
Tabela 19 - Recursos destinados a políticas públicas de apoio à agricultura familiar
e reforma agrária, 2015 – 2018, em R$ 1.000.000,00 ............................................................ 201
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 – O PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO ................. 23
1.1 Abordagem e tipo de pesquisa................................................................................. 24
1.2 Métodos de pesquisa (técnicas de coleta, análise, interpretação dos dados) ....... 26
1.2.1 Técnicas de coleta de dados ....................................................................................... 26
1.2.2 Análise Qualitativa de Conteúdo ................................................................................ 27
1.2.3 Procedimentos quantitativos....................................................................................... 32
1.2.3.1 Análise de similaridade .............................................................................................. 33
1.2.3.2 Análise de Correspondência Múltipla (ACM) ........................................................... 34
1.3 Garantias éticas aos participantes da pesquisa ..................................................... 36
CAPÍTULO 2 - DESENVOLVIMENTO E INSTITUIÇÕES: aproximações teóricas
à abordagem territorial .......................................................................................................... 38
2.1 O paradigma do desenvolvimento: contradições e perspectivas à abordagem
territorial do desenvolvimento ................................................................................ 39
2.1.1 A noção de Desenvolvimento a partir das Nações Unidas: correções e ajustes
pela via do Desenvolvimento Sustentável .................................................................. 42
2.1.2 A abordagem do Desenvolvimento Humano: das contribuições às contradições ao
Desenvolvimento Territorial ...................................................................................... 46
2.2 Instituições, território e o papel das novas institucionalidades no
desenvolvimento territorial.................................................................................................... 50
2.2.1 O Institucionalismo e seus pressupostos teóricos....................................................... 51
2.2.2 Instituições importam, o território também: uma aproximação institucional para a
abordagem territorial .................................................................................................. 53
2.2.3 Instituições, novas institucionalidades e a governança territorial .............................. 56
2.2.4 Das capacidades coletivas às capacidades institucionais: uma perspectiva
instrumental ao Desenvolvimento Territorial............................................................. 62
CAPÍTULO 3 – FORMAÇÃO TERRITORIAL DO SUL DA BAHIA: da economia
cacaueira às novas territorialidades ..................................................................................... 66
3.1 Aspectos da regionalização do espaço sul baiano .................................................. 66
3.2 Processo de colonização e origens da concentração fundiária no Sul da Bahia . 71
3.3 A expansão da lavoura cacaueira sob a ideologia da fronteira:
um mecanismo de incorporação de novas terras, em condição subordinada e
dentro da economia de mercado ............................................................................. 76
3.4 Apropriação e dominação do espaço sul baiano sob a estrutura coronelista ..... 86
3.5 Processos de (re) territorialização de lutas pelo acesso à terra e produção do
espaço no Litoral Sul ................................................................................................ 90
3.6 Apogeu, crise e novas territorialidades no Sul da Bahia ...................................... 99
CAPÍTULO 4 – IDENTIDADE E PARTICIPAÇÃO: elementos para uma
compreensão das condições que interferem na formação de capacidades coletivas no
Litoral Sul ............................................................................................................................. 132
4.1 Percepções sobre os elementos identitários e seus efeitos sobre o
desenvolvimento territorial no Litoral Sul........................................................... 132
4.1.1 A identidade territorial: um processo histórico e relacional de territorialização
do espaço .................................................................................................................. 132
4.1.2 Os sentidos e significados dos elementos identitários do Litoral Sul ...................... 135
4.2 Participação e capacidades coletivas no processo de construção,
monitoramento e avaliação da política territorial no Litoral Sul ...................... 152
4.2.1 Perspectivas e desafios aos espaços institucionais de participação social ............... 153
4.2.2 Condições intervenientes sobre o Codeter Litoral Sul: potencialidades e
restrições à participação e constituição de capacidades coletivas ............................ 156
CAPÍTULO 5 - NOVAS INSTITUCIONALIDADES E O PAPEL DO COLEGIADO
TERRITORIAL NA ESTRUTURA DE GOVERNANÇA E GESTÃO SOCIAL DO
LITORAL SUL ..................................................................................................................... 172
5.1 A abordagem territorial, governança e a territorialização das políticas
públicas .................................................................................................................... 172
5.2 O Codeter Litoral Sul: estrutura, objetivos e diretrizes para o
desenvolvimento territorial ................................................................................... 178
5.3 O Plano de Desenvolvimento Territorial e as diretrizes estratégicas para o
Litoral Sul ............................................................................................................... 183
5.4 Condições intervenientes sobre o desempenho do Codeter enquanto
dispositivo de gestão social e governança territorial no Litoral Sul .................. 193
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 213
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 219
APÊNDICE ........................................................................................................................... 234
15

INTRODUÇÃO

A abordagem territorial do desenvolvimento ganhou força na América Latina a partir da


década de 1990 quando foram reunidos os esforços em torno de um consenso que reivindicava
maior participação social nos centros decisórios, que buscava entender os significados das
novas dinâmicas territoriais na contemporaneidade e da necessidade de políticas públicas
consonantes com as complexidades e diversidades socioeconômicas, incorporando em seu
escopo uma noção de desenvolvimento com superação da pobreza e das condições que a
reproduzem, especialmente no meio rural. Foi um movimento motivado, em grande parte, pelo
reconhecimento da ineficácia das políticas públicas de desenvolvimento rural que foram
implantadas a partir da década de 1970, principalmente no combate à pobreza. Tais políticas
vinculavam-se a um modelo de desenvolvimento baseado na modernização da agricultura
(revolução verde) que se estendeu até os anos de 1990 e que priorizou o complexo
agroindustrial exportador, reforçando ainda mais a concentração fundiária e o recrudescimento
das desigualdades e da pobreza no campo, situação asseverada por estratégias de orientação
neoliberal.
Em importante referência sobre a abordagem territorial na América Latina, Schejtman
e Berdegué (2004, p.4, tradução nossa, grifo nosso) definiram o desenvolvimento territorial
rural como “um processo de transformação produtiva e institucional em uma área rural
específica, cujo objetivo é reduzir a pobreza rural”. Os autores fazem questão de dar clareza aos
dois principais elementos desta definição explicando que a “transformação produtiva” tem o
objetivo de articular competitiva e sustentavelmente a economia do território com mercados
dinâmicos e, de forma conjunta, a “transformação institucional” tem o propósito de estimular e
facilitar a interação e a concertação social entre atores locais entre si, e, entre eles e os agentes
externos relevantes, e de aumentar as oportunidades “para que a população pobre participe do
processo e de seus benefícios”. Estes dois elementos conceituais importam fundamentalmente
para a construção do aporte teórico desta pesquisa, pois, seus objetivos a vinculam a ideia de
16

territorialidade, identidade, pluriatividade, participação, ruralidade e, principalmente, ao papel


das instituições neste processo.
No Brasil, a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) no ano de
2003, vinculada ao ainda existente Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e o
consequente surgimento do Programa Nacional de Apoio ao Desenvolvimento dos Territórios
Rurais (Pronat), representou um passo importante na construção de uma política nacional de
desenvolvimento rural sob o enfoque territorial. A nova política emergiu sugerindo maior
aproximação entre Estado e sociedade (OLIVEIRA, 2015), pois, em tese, oportunizaria maior
participação social na tomada de decisão sobre as ações no território, bem como sobre o controle
social de políticas públicas, podendo conferir, assim, maior eficiência na gestão social e
execução das intervenções no meio rural e, também, como argumentam Schejtman e Berdegué
(2004), podendo melhorar a capacidade de inovação das iniciativas endógenas assentadas na
identidade. Criaram-se, então, novas institucionalidades para o enfoque territorial.
Entende-se por novas institucionalidades ou institucionalidades territoriais o conjunto
de instituições na forma de regras de funcionamento, normas explícitas e implícitas, criadas
pelo poder público e atores locais para a condução da gestão social, a governança e a escolha e
direcionamento dos projetos estratégicos e das ações no âmbito da política territorial
(DELGADO; LEITE, 2011; DELGADO; GRISA, 2014). Esta nova perspectiva prioriza o
compartilhamento do poder entre organizações públicas e sociedade civil em que a participação
social se torna um valor fundamental para o planejamento, coordenação e controle social das
políticas de desenvolvimento territorial. Ademais, representa a possibilidade de superar o antigo
modus operandi de formulação, planejamento e implementação de políticas públicas, marcado
pela competição entre os municípios na disputa pelos recursos, articulações precárias ente os
entes públicos municipais, estaduais e federais e relações clientelistas a privilegiar alguns
setores e grupos de interesses (DELGADO; LEITE, 2011).
No entanto, a literatura sobre a experiência da política territorial no Brasil aponta para
algumas condições que fazem suscitar questionamentos sobre a sua efetividade, principalmente,
quando se propôs a ser uma política de enfrentamento à pobreza e às desigualdades por meio
de mecanismos de governança, cujo objetivo deveria ser o de promover a inclusão dos grupos
e comunidades vulneráveis no processo político-participativo. A principal crítica a pesar sobre
as políticas territoriais já implementadas no Brasil, a exemplo do Pronat e do Programa
Territórios da Cidadania (PTC), ou ainda em curso como no estado da Bahia, é que elas são
paradoxalmente políticas setoriais, em que a visão predominante nos colegiados, fóruns e outros
espaços institucionais é a dos representantes da agricultura familiar, cujo foco das ações recai
17

sobre os aspectos tão somente agrários do desenvolvimento rural, mantendo uma trajetória de
exclusão de outros grupos como indígenas, assentados da reforma agrária, assalariados rurais,
artesãos, quilombolas, pescadores, mulheres e jovens (FAVARETO, 2010; PIRAUX et al.,
2017; DELGADO; GRISA, 2014; ZIMMERMANN et al., 2014; DELGADO; GRISA, 2015;
DELGADO; LEITE, 2011; SABOURIN et al., 2016).
A despeito desse paradoxo, existe o reconhecimento dos avanços proporcionados por
esta nova configuração institucional em muitos territórios por todo o Brasil. Cabe ressaltar que
as experiências bem sucedidas foram resultados da sinergia entre Estado e sociedade, com forte
presença do primeiro. Portanto, é temerário considerar “sociedade civil” e “participação social”
de forma isolada, como alternativa ao papel do Estado, embora, desde a década de 1980, a
arquitetura institucional no plano internacional (o Neoliberalismo) tenha sido organizada de
forma a orientar o desligamento do Estado e a transferir para o mercado e sociedade civil a
produção e preservação de bens públicos.
Quanto a isso, se ainda restavam dúvidas sobre os efeitos devastadores do modelo
neoliberal e dos seus condicionamentos impostos aos países da América Latina, principalmente
em vista do recrudescimento das desigualdades, o ano de 2020 foi emblemático ao mostrar o
quão frágil e cínico é o discurso em defesa de Estado mínimo e mercado autorregulável diante
da maior crise sanitária que o mundo já enfrentou, provocada pelo novo corona vírus. A doença
da Covid-19 desvelou de uma vez por todas as contradições e fragilidades do capitalismo em
sua versão neoliberal, quando forçou a sociedade a refletir sobre o bem público e o papel do
Estado: saúde pública, educação pública, rede de proteção à vida, saneamento, segurança
alimentar, transporte público e habitação. A importância e os problemas inerentes a tais serviços
foram expostos no decorrer da crise, revelando os efeitos da ausência do Estado nas condições
de vida das populações mais pobres e, mostrou também, que nada de normal existia antes da
doença.
Por outro lado, o quadro de isolamento e distanciamento social, a interrupção de serviços
e restrições impostas ao comércio e à circulação de pessoas como medidas de enfretamento à
pandemia, reforçou o reconhecimento e a adoção de práticas baseadas no associativismo e nas
capacidades coletivas, na solidariedade e reciprocidade, no fortalecimento dos laços e redes
sociais, no uso de tecnologias sociais, valores estes que foram incorporados mais do que nunca
por grupos socioprodutivos, pela agricultura familiar e movimentos agroecológicos em suas
estratégias de produção e comercialização, o que, reforça ainda mais a importância de políticas
públicas com ênfase na abordagem territorial, tendo em vista que tais políticas devem induzir a
18

constituição e fortalecimento de laços e redes sociais, e, promover a integração de cadeias de


valor rurais e urbanas.
Nesta direção, a partir do ano de 2003 alguns estados federados adotaram a
territorialização do desenvolvimento regional (SABOURIN et al., 2016), fazendo coincidir os
novos territórios com as subdivisões do seu planejamento estadual. O governo do estado da
Bahia, por exemplo, seguindo o Pronat e o PTC, reconheceu e adotou a divisão territorial como
unidade de planejamento das políticas públicas e, a partir do Plano Plurianual (PPA 2008-2011),
denominou de Territórios de Identidade (TI) essa escala de regionalização. Posteriormente, com
a aprovação da Lei Estadual nº 13.214, de 29 de dezembro de 2014, foi instituída a Política de
Desenvolvimento Territorial do Estado da Bahia e, também, instituído o Conselho Estadual de
Desenvolvimento Territorial (Cedeter) e os 27 Colegiados Territoriais de Desenvolvimento
Sustentável (Codeter), correspondentes aos 27 Territórios de Identidade atualmente
estabelecidos. Dentro dessa estrutura, os colegiados territoriais são responsáveis por dar corpo
às institucionalidades territoriais, assumindo uma posição estratégica para a prática da política
de gestão social e de governança no território como também representam um avanço em termos
de constituição de espaço públicos de participação social, oferecendo garantias de acesso a
diversos atores e grupos sociais.
No Território Litoral Sul (TLS), o Codeter vem atuando desde o início da política
territorial quando da implantação do Pronat no ano de 2003, passando por três configurações e
coexistências: Território Rural (PRONAT/MDA - 2003); Território de Identidade
(SEPLAN/BA – 2007) e Território da Cidadania (PTC/Casa Civil – 2008). Atualmente, tem
suas atividades vinculadas tão somente à Política de Desenvolvimento Territorial do Estado da
Bahia, tendo em vista que se encontra totalmente desassistido na esfera federal. Em sua
composição estão reunidas 71 entidades distribuídas de forma paritária entre o poder público e
sociedade civil. No âmbito da sociedade civil, destacam-se as entidades ligadas aos
trabalhadores da agricultura familiar, povos de terreiro, quilombolas, etnias indígenas,
assentados da reforma agrária, agentes do setor cultural, entre outros. Vinculadas ao poder
público, destacam-se as universidades, centro de pesquisa e tecnologia, agência de
desenvolvimento e principalmente prefeituras municipais que detêm a maior proporção de
assentos no Codeter, com 26 prefeituras, representando 37% do total de entidades.
O espaço de atuação do Codeter Litoral Sul abrange 26 municípios, com 25% da
população residindo no meio rural e com 60% dos estabelecimentos agropecuários pertencendo
a agricultores familiares (CERQUEIRA, 2015). Diante de um quadro de estagnação econômica,
decorrente da crise da lavoura cacaueira que se instalou no Sul da Bahia a partir da década de
19

1980, o território ainda sente os efeitos que foram determinantes para a queda na renda e
ampliação da massa de trabalhadores desempregados. Antes de tudo, é um espaço forjado pelas
interações econômicas, sociais e culturais provenientes do surgimento e expansão da lavoura
cacaueira que se tornou predominantemente a base econômica de 41 municípios, formando o
que se conhece por microrregião de Ilhéus e Itabuna. De acordo com Rocha (2008), a
monocultura do cacau foi responsável pela formação de classes socioeconômicas compostas
por coronéis, comerciantes e trabalhadores rurais, signo de dominação, riqueza, crises, pobreza
e crescimento.
Esse contexto é aqui tratado como um fato histórico determinante para a construção de
uma estrutura social e institucional que privilegiou um modelo de desenvolvimento
subordinado a uma monocultura agroexportadora, cujas fragilidades econômicas e sociais
foram expostas com a crise da lavoura cacaueira. A esse respeito, considera-se fundamental o
papel desempenhado pelo ambiente institucional na reprodução social e material no território
e, quanto a isso, o marco teórico institucionalista pode contribuir para uma melhor compreensão
das condições que afetam o comportamento dos atores sociais frente aos incentivos e
constrangimentos.
Uma aproximação aos aspectos institucionais no âmbito do Pronat foi denominada de
capacidades institucionais, enquanto uma das categorias de avaliação da efetividade da política
territorial. No entanto, a ênfase recai sobre as condições dadas em um nível micro analítico,
circunscritas ao município e dando prioridade aos aparatos institucionais formais, o que, nesse
caso, pode ocultar elementos essenciais para se compreender os determinantes de tais
condições, a exemplo do ambiente (macro) institucional, os aspectos culturais e territoriais, as
restrições formais e informais, as assimetrias de poder e os componentes estruturais e
conjunturais, ou seja, condições que interferem na estrutura de governança e, principalmente,
no desempenho do colegiado de desenvolvimento territorial, foco principal desta pesquisa.
Cabe destacar também que, quando na literatura é abordada a temática das capacidades
institucionais geralmente o fazem, a exemplo de alguns trabalhos (CANIELLO; PIRAUX;
BASTOS, 2014; NUNES et al., 2014; VELLOSO, 2013), utilizando-se dos índices e
indicadores provenientes do banco de dados do Sistema de Gestão Estratégica (SGE) criado
pela então Secretaria de Desenvolvimento Territorial e com base em coleta de dados mediante
aplicação de questionários com perguntas fechadas. Diferentemente desses trabalhos, propõe-
se aqui uma investigação baseada em um processo de escuta dos entrevistados o mais aberto
possível, buscando uma compreensão mais abrangente sobre o funcionamento do Codeter e das
20

condições internas e externas impostas pelo ambiente institucional que afetam o seu
desempenho.
Neste sentido, a ideia de capacidades institucionais remete ao conjunto de atributos,
recursos materiais e imateriais, arranjos político-institucionais, que emergiram ou deveriam
emergir das institucionalidades criadas com a política de desenvolvimento territorial nas esferas
federal e estadual, a exemplo dos Colegiados Territoriais, capazes de induzir os municípios do
TLS a uma trajetória de desenvolvimento, cujos pressupostos básicos, assumidos neste
trabalho, assentam-se na possibilidade de uma mudança institucional. Conta a favor disso, uma
estrutura de governança efetiva, ou seja, que minimize os efeitos negativos de comportamentos
oportunistas e do ambiente institucional, que promova uma maior e mais qualificada
participação social, fortalecimento do capital social, incentivo a novas dinâmicas econômicas
rurais não-agrárias e inclusão socioprodutiva, especialmente tendo os recursos territoriais e
identitários como vetores.
Para tanto, a investigação foi centrada em alguns aspectos considerados aqui
determinantes para a constituição e determinações das capacidades institucionais: a identidade
territorial, considerando os elementos históricos, econômicos e culturais e enquanto
representação dos valores indutores de desenvolvimento e das fontes de restrições incrustradas
na formação cultural do território; as condições que intervém para a ampliação e/ou
enfraquecimento da participação social e, as condições externas e internas que interferem na
estrutura de governança territorial.
Considerando tais aspectos, a investigação foi problematizada no sentido de entender
em que medida e sob quais condições as institucionalidades da política territorial do estado da
Bahia são efetivas para constituir capacidades institucionais no TLS. Como essas condições
intervém no desempenho do Colegiado Territorial para a ampliação e fortalecimento dos laços
e da participação social? Quais os aspectos capacitadores e/ou restritivos que operam dentro da
estrutura de governança territorial? Que sentido tem a identidade territorial enquanto fonte de
restrições e/ou potencialidades para o desenvolvimento do Território Litoral Sul?
Como objetivo geral, pretende-se investigar as condições que interferem no desempenho
do Codeter Litoral Sul e seus efeitos para a constituição de capacidades institucionais no âmbito
da política de desenvolvimento territorial do estado da Bahia. Especificamente, os objetivos
estão assim definidos: Compreender de que forma a identidade territorial impõe restrições e/ou
potencialidades à constituição de capacidades coletivas e a estratégias de desenvolvimento;
identificar as condições que interferem na ampliação e fortalecimento dos laços e da
21

participação social, e, identificar as condições decorrentes do ambiente institucional e das


restrições formais e informais que afetam a gestão social e a estrutura de governança territorial.
De certo, é inequívoca a necessidade de se aprofundar nos estudos e na investigação
desta temática tendo em vista que, nos últimos 15 anos, toda a dinâmica de investimentos e
intervenções do governo do estado da Bahia para o enfrentamento da pobreza, promoção do
acesso da população aos serviços públicos essenciais, o incentivo à participação, o controle e a
gestão social das intervenções públicas, foi planejada e executada sob a perspectiva territorial.
Assim, pensar a política de desenvolvimento olhando para o território significa não mais ter o
município como alvo das ações e, em decorrência disto, significa promover (em tese) uma
ruptura com uma estrutura social e institucional onde prevaleciam relações clientelistas entre
as três esferas de poder e onde era notório o afastamento da sociedade civil dos espaços
decisórios. Trazer estas questões para o centro das discussões, permitirá compreender o papel
das institucionalidades que emergiram com a política territorial e, avaliar se estas foram capazes
de provocar transformações positivas na realidade social investigada.
Do ponto de vista acadêmico-científico, a presente pesquisa se distingue por adotar uma
abordagem qualitativa para tratar da temática das capacidades institucionais, buscando nos
depoimentos dos membros do Codeter, as percepções, impressões e os significados que a
política territorial e as institucionalidades criadas lhes oferecem, na tentativa de obtenção de
respostas às questões de pesquisa. Embora o foco em apenas alguns representantes possa
representar uma limitação para a compreensão do fenômeno em análise, o conhecimento
acumulado, a vivência no território e o engajamento desses sujeitos no colegiado
proporcionaram um conjunto de relatos repletos de riqueza em detalhes sobre a trajetória da
política de desenvolvimento territorial no Litoral Sul.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos, além da introdução e das considerações
finais. O primeiro capítulo descreve como a metodologia foi delineada, bem como os métodos
e técnicas utilizados. O capítulo dois traz uma aproximação teórica entre Desenvolvimento,
Institucionalismo e Território, buscando mostrar como esses aportes teóricos estão imbricados
quando se fala em políticas de desenvolvimento territorial. Precisamente, descreve como as
instituições formais e informais e sua relação com o território e com as territorialidades
desempenham papeis importantes tanto na constituição quanto no constrangimento de hábitos
e ações que intervém nos laços comunitários, na participação social e nos vínculos em redes,
tão necessários, pois, ao enfoque territorial do desenvolvimento.
O terceiro capítulo recorre a alguns elementos da formação territorial do Sul da Bahia,
mesorregião que abriga o TLS, na busca por compreender como os aspectos culturais foram e
22

ainda são determinantes na estruturação das relações econômicas, sociais e políticas,


especialmente quando se leva em conta a influência da economia cacaueira nos processos de
territorializações e na construção identitária do território.
O capítulo quatro marca o início de um ciclo de discussões em torno do que foi relatado
nas entrevistas e, nesse caso, descreve os elementos identitários do território, seus significados
e seus efeitos sobre o processo de desenvolvimento territorial. Também oferece uma
compreensão das condições que intervêm no desempenho do Codeter enquanto dispositivo
participação e constituição de coletividades. Por fim, o quinto e último capítulo aborda o papel
do colegiado dentro da arquitetura institucional voltada à política territorial no estado da Bahia,
assim como revela as condições que interferem no seu desempenho quanto à gestão social e
governança territorial no Litoral Sul.
23

CAPÍTULO 1 – O PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO

O percurso metodológico desta pesquisa teve como premissa a compreensão de que a


realidade sob investigação é multifacetada, multidimensional, complexa e não linear e, nesse
caso, há um esforço para superar os limites das referências cartesiano-positivistas ainda
incrustradas neste pesquisador. O reconhecimento de tais limitações, como recomenda Capra
(1982, p. 53), nos impele a ter o cuidado de escolher os procedimentos de investigação que
também contemplem e valorizem os aspectos relacionais, subjetivos, históricos e
multidimensionais em torno do objeto de investigação, recorrendo, assim, a uma concepção em
que o conhecimento é socialmente construído (CRESWELL, 2010, p.31) tendo em conta que
“os indivíduos desenvolvem significados subjetivos de suas experiências, significados dirigidos
para alguns objetos ou coisas”.
De acordo com Creswell (2010), ao adotar essa concepção o pesquisador deve confiar
o máximo possível nas visões que os participantes têm da situação a qual está sendo estudada.
Para tanto, as questões de pesquisa devem ser amplas e gerais, pois assim o processo de escuta
permite captar de forma mais rica o que os participantes dizem e fazem nos ambientes em que
vivem. Esses significados subjetivos são construídos social e historicamente pela interação com
as outras pessoas e por normas históricas e culturais.
A partir dessa concepção, ou, paradigma, o desenho metodológico foi direcionado a
estruturar a pesquisa de acordo com o tipo de abordagem de investigação, tipo de pesquisa e
escolha dos métodos (técnicas) de coleta, análise e interpretação dos dados. Por conseguinte,
serão delineados, na sequência, os procedimentos metodológicos, especificamente no que diz
respeito aos sujeitos da pesquisa, às fontes de dados utilizadas, aos instrumentos de coleta e aos
procedimentos que foram utilizados para tratamento e análise dos dados.
24

1.1 Abordagem e tipo de pesquisa

Quanto à abordagem, a pesquisa é predominantemente qualitativa, especialmente na coleta,


tratamento e interpretação dos dados. Também contempla em algumas etapas da análise, de
forma complementar, instrumentos de análise quantitativa, se aproximando de uma
configuração de métodos mistos denominada de sequencial exploratória (CRESWELL, 2002),
na qual, em uma primeira fase os dados são coletados e analisados qualitativamente e, em uma
segunda fase, os dados e/ou resultados qualitativos são transformados por meio de técnicas
quantitativas, de modo a auxiliar na interpretação do fenômeno, considerando que seu poder
para isso é maior do que a da pesquisa qualitativa ou quantitativa isolada.
No âmbito da abordagem qualitativa a pesquisa será do tipo Estudo de Caso, o qual
representa uma estratégia de investigação em que o pesquisador explora um sistema limitado
contemporâneo da vida real (um caso) ou sistemas (casos) ao longo do tempo, por meio de
coleta detalhada e profunda de dados, envolvendo várias fontes de informação (observações,
entrevistas, material audiovisual e documentos e relatórios) e relata uma descrição de caso e
temas de caso. A unidade de análise no estudo de caso pode ser casos múltiplos ou um único
caso (CRESWELL; POTH, 2018).
Na presente pesquisa, adotou-se como caso único o Colegiado Territorial de
Desenvolvimento Sustentável Litoral Sul da Bahia (Codeter Litoral Sul), formado por 70
entidades, distribuídas de forma paritária entre o setor público e sociedade civil, conforme
mostra o Quadro 1.

Quadro 1 - Composição do Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável, Território


de Identidade Litoral Sul, Bahia, distribuição por entidades do setor público e do setor privado
(Continua)
Entidades do Poder público Entidades da Sociedade Civil
Banco do Nordeste Associação Beneficente Josué de Castro
Centro Territorial de Educação Profissional Assoc. Bras. de Apoio aos Recursos Ambientais -
do Litoral Sul Litoral Sul - CETEP ABARÀ
Comissão Executiva do Plano da Lavoura Assoc. Bueraremense dos Agentes Comunitários -
Cacaueira – CEPLAC ABACS
Companhia de Desenvolvimento e Ação
Regional – CAR Associação Cacau Sul Bahia
Instituto de Colonização e Reforma Agrária – Assoc. de Bananicultores e Apicultores em
INCRA Diversificação e Buerarema e Adjacências
Inst. Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Baiano – IFbaiano - Campus Uruçuca Associação do Culto Afro Itabunense - ACAI
Associação Dos Municípios do Sul, Extremos Sul, e
Núcleo Territorial de Educação - 05 Sudoeste do Estado da Bahia – AMURC
25

(Conclusão)
Entidades do Poder público Entidades da Sociedade Civil
Assoc. Mãe dos Extrat. da Resex de Canavieiras -
Prefeitura Municipal de Almadina AMEX

Prefeitura Municipal de Arataca Associação Povos da Mata Atlântica Do Sul Da Bahia

Prefeitura Municipal de Aurelino Leal Associação Santa Cruz do Ijexá


Prefeitura Municipal de Barro Preto Central da Economia Solidária – CENTRAFESOL
Central de Apoio a Assentamento e Acampado da
Prefeitura Municipal de Buerarema Agricultura Familiar da Bahia – CAEB
Centro de Agroecologia e Educação da Mata Atlântica -
Prefeitura Municipal de Camacan OCA
Coletivos de Alfabetizadores Populares da Região
Prefeitura Municipal de Canavieiras Cacaueira
Prefeitura Municipal de Coaraci Conselho Municipal do Direito da Mulher de Itabuna
Prefeitura Municipal de Floresta Azul Conselho Quilombola de Itacaré
Consórcio de Desenvolvimento Sustentável Litoral Sul -
Prefeitura Municipal de Ibicaraí CDS
Prefeitura Municipal de Ilhéus Consórcio Intermunicipal da Mata Atlântica – CIMA
Coop. de Peq. Prod. de Cacau, Mandioca e Banana do
Centro Sul da Região Cacaueira –
Prefeitura Municipal de Itabuna COOPERCENTROSUL
Prefeitura Municipal de Itacaré Coop. de Agric. Familiares e Eco. Solidária - COOPAFS
Coop. de Desenvolvimento Sustentável da Agricultura
Prefeitura Municipal de Itajú Do Colônia Familiar do Sul da Bahia – COOFASULBA
Prefeitura Municipal de Itajuípe Etnia Pataxó
Prefeitura Municipal de Itapé Etnia Tupinambá
Prefeitura Municipal de Itapitanga Faculdade de Tecnologia e Ciências – UniFTC
Fórum de Agentes Empreendedores e Gestores Culturais
Prefeitura Municipal de Jussari do Território Litoral Sul – FAEG Sul
Prefeitura Municipal de Maraú Instituto Cabruca
Prefeitura Municipal de Mascote Instituto Ecobahia
Prefeitura Municipal de Pau Brasil Instituto Nossa Ilhéus
Prefeitura Municipal de Santa Luzia Jupará Agroecologia
Prefeitura Municipal de São José Da Vitória Movimento de Luta pela Terra – MLT
Prefeitura Municipal de Ubaitaba Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Prefeitura Municipal de Una Movimento Negro Unificado – MNU
Núcleo Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras na
Prefeitura Municipal de Uruçuca Agricultura no Sul da Bahia-FETAG-BA
Superintendência Baiana de Assistência Técnica
e Extensão Rural - Bahiater Polo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Sul da Bahia
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas -
Universidade Estadual de Santa Cruz - Uesc SEBRAE
Universidade Federal do Sul Da Bahia - UFSB
Fonte: Codeter Litoral Sul –BA.
26

1.2 Métodos de pesquisa (técnicas de coleta, análise, interpretação dos dados)

Os métodos de investigação utilizados envolveram técnicas de coleta, análise e


interpretação dos dados, os quais serão descritos nesta seção. Os dados e as informações que
subsidiaram as análises e os resultados do estudo foram obtidos a partir de pesquisa
bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas. Quanto aos procedimentos de análise e
interpretação, a escolha das técnicas utilizadas levou em conta que o estudo adotou uma
abordagem qualitativa em sua concepção e que, de forma complementar, recorreu a técnicas
quantitativas.
A abordagem qualitativa teve como plano analítico principal a análise de conteúdo
(AC), ou, análise qualitativa de conteúdo, tendo como fonte de dados o material textual obtido
nas entrevistas e, também, o Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável e Solidário
(PTDSS). O procedimento quantitativo utilizou como recurso analítico, principalmente, a
Análise de Correspondência Múltipla (ACM), uma técnica multivariada para dados categóricos,
os quais foram gerados pela análise qualitativa de conteúdo. O objetivo, como será visto, foi
criar um mapa relacional onde os entrevistados são agrupados de acordo com seus
posicionamentos, determinados por suas percepções em relação a um dado contexto.

1.2.1 Técnicas de coleta de dados

A pesquisa bibliográfica buscou em trabalhos especializados na história do Sul da Bahia


os elementos constitutivos da formação territorial do Litoral Sul em seus aspectos econômicos,
sociais, culturais e políticos, com o objetivo identificar o processo de construção identitária do
território e, como esta pode representar um elemento agregador e fator de coesão social
(CANIELLO; PIRAUX; BASTOS, 2014), ou ainda, um elemento aglutinador e promotor do
desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2005).
Quanto à pesquisa documental, esta teve como base o Plano Territorial de
Desenvolvimento Sustentável e Solidário (PTDSS), no qual buscou-se as diretrizes estratégicas,
os limites e as potencialidades para o desenvolvimento territorial do Litoral Sul, com o objetivo
de compará-los com os relatos dos entrevistados.
A entrevista representou a principal técnica para a obtenção de dados e informações
utilizados pelo estudo, sendo conduzida face a face com cada participante selecionado,
resultando no material textual a servir de base para a análise de conteúdo. Um maior
27

detalhamento sobre como as entrevistas foram conduzidas, inclusive sobre os sujeitos da


pesquisa, serão descritos na próxima seção.

1.2.2 Análise Qualitativa de Conteúdo

A Análise de Conteúdo (AC) representou o procedimento de análise qualitativa utilizado


no estudo e consiste em uma técnica muito utilizada em pesquisas qualitativas para descrever e
interpretar documentos e textos para além de uma simples leitura. Esta técnica oferece
possibilidades de sistematização da informação contida no documento de forma a fazer emergir
sentidos ou intenções latentes geralmente não verificáveis por meio da leitura comum. A obra
da psicóloga francesa Laurence Bardin, Análise de Conteúdo, é uma das principais referências
para o uso desta técnica em pesquisas qualitativas.
Bardin (2016) descreve a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise
das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas
mensagens. Aqui, será dada ênfase, seguindo Kuckartz (2014), na designação análise
qualitativa de conteúdo, do tipo temática, como forma de valorizar a compreensão do texto em
sua totalidade e não se restringir apenas à análise quantitativa do material codificado.
O primeiro passo foi definir os sujeitos da pesquisa que integram o estudo de caso. A
partir do conjunto de membros que compõem o Codeter Litoral Sul, optou-se por uma amostra
do tipo intencional, cujo critério de seleção priorizou os representantes mais assíduos nas
reuniões, dado que estes seriam aqueles supostamente mais engajados e com maior
conhecimento sobre as ações do colegiado. Neste intento e com tal finalidade, após acompanhar
e observar a participação e as falas dos representantes em 10 reuniões plenárias do Codeter,
foram pré-selecionados 20 representantes, tendo notado que estes eram os que participavam
regularmente das reuniões. Após a realização de 16 entrevistas em profundidade e a decorrente
leitura do material obtido, decidiu-se encerrar os contatos haja vista o entendimento de que a
saturação havia sido atingida (DENZIN; LINCOLN, 2018; LEAVY, 2014), ou seja, quando as
respostas dadas em fases posteriores do processo de entrevista produzem confirmação de
descobertas anteriores, mas nada significativo ou novo. A seguir, o Quadro 2 apresenta a lista
dos participantes, preservando o anonimato, relacionando-os ao setor a que pertencem (poder
público ou sociedade civil) e ao tipo de entidade.
28

Quadro 2 - Sujeitos da pesquisa (membros do Codeter Litoral Sul) relacionados por setor e tipo
de entidade
Participante Setor Tipo de entidade
Participante 1 Sociedade Civil Movimento social
Participante 2 Poder público Poder público municipal
Participante 3 Poder público Entidade estadual
Participante 4 Sociedade Civil ONG socioambiental
Participante 5 Poder público Entidade estadual
Participante 6 Sociedade Civil Setor cultural
Participante 7 Sociedade Civil Entidade de apoio empresarial
Participante 8 Poder público Entidade federal
Participante 9 Sociedade civil Associação
Participante 10 Sociedade Civil Movimento social
Participante 11 Sociedade Civil Entidade sindical
Participante 12 Poder público Entidade estadual
Participante 13 Poder público Instituição pública de ensino superior
Participante 14 Sociedade Civil ONG socioambiental
Participante 15 Sociedade Civil Conselho municipal
Participante16 Sociedade Civil ONG socioambiental
Fonte: Dados da pesquisa.

A técnica utilizada para a coleta das informações foi a entrevista em profundidade. No


âmbito da abordagem qualitativa a entrevista é um dos recursos recorrentemente utilizados para
captar as impressões e percepções dos sujeitos de forma muito mais ampla, manifestados de
forma explícita ou implícita em suas falas e/ou comportamentos. Alonso (2016) quando
descreve a perspectiva qualitativa, relata que os sujeitos produzem interpretações do mundo
social, interpretam a sua própria conduta e a situação social em que se insere para poder agir.
Assim, através da entrevista é possível construir histórias de vida, captar experiências, valores,
opiniões, aspirações e motivações dos entrevistados, escolhidos segundo os critérios e objetivos
da pesquisa. Trata-se de um processo que visa obter e manter conversações, sistemáticas ou
não, com atores sociais considerados sujeitos-chave no processo de investigação.
A sua principal vantagem está na riqueza das informações que podem ser coletadas,
pelas palavras, interpretações dos entrevistados aos estímulos que lhes foram dados, assim
como a possibilidade de registrar sua reação não verbal. Além disso, a entrevista proporciona
ao investigador a oportunidade de explorar ao máximo as suas questões e dirimir dúvidas,
devido ao fato de se tratar de uma interação flexível e personalizada. Muitas vezes permite
esclarecer situações ou acessar informações que não seriam perceptíveis apenas
pela observação ou aplicação de questionário fechado.
Para o atingimento dos objetivos desta pesquisa, a entrevista seguiu um roteiro de
questões abertas, pré-definidas (Quadro 3) e sequenciais, porém não fixas, adaptando-se à
29

entrevista para facilitar que os participantes se expressem de modo mais livre. As falas foram
gravadas em áudio por meio de gravador de voz, com a total anuência dos entrevistados. As
questões estavam associadas às temáticas vinculadas às institucionalidades inerentes a atuação
do colegiado, à trajetória de desenvolvimento territorial no Litoral Sul da Bahia e também em
função dos objetivos da pesquisa. Vale ressaltar que a entrevista foi conduzida permitindo ao
entrevistado se manifestar de forma livre, possibilitando até emergir dessa interação questões e
respostas outras, para além das previstas inicialmente.
Com a entrevista, buscou-se captar as percepções, prospecções e outras manifestações
dos sujeitos da pesquisa de modo a levar a uma maior compreensão dos efeitos das novas
institucionalidades surgidas com a política territorial, mais especificamente com o papel do
Codeter na constituição de capacidades coletivas e institucionais, baseadas na valorização dos
recursos territoriais, da participação social e, na indução de alternativas para o desenvolvimento
rural dentro de uma estrutura socioeconômica determinada pela economia cacaueira.
A etapa seguinte consistiu em organizar e preparar o material das entrevistas para a
análise. Isso envolveu a transcrição do conteúdo (gravado em áudio) de cada uma das
entrevistas em sua íntegra e preservando o anonimato dos entrevistados, constituindo, assim, o
corpus textual, a unidade de análise com base na qual foram realizadas todas as seguintes etapas
da análise qualitativa. A transcrição, preparação, organização e análise do corpus textual foram
realizadas com suporte do software Maxqda.
Em seguida, tem-se a fase da pré-análise que consistiu na preparação, organização e
leitura preliminar ou leitura flutuante (BARDIN, 2016) de cada uma das entrevistas, buscando
obter um sentido geral da informação e refletir sobre seu significado. Dessa forma, a leitura
flutuante consiste em estabelecer o primeiro contato com o material e “deixando-se invadir por
impressões e orientações” (p. 122). A autora explica que pouco a pouco a leitura vai se tornando
mais precisa em função das hipóteses emergentes, da projeção de teorias adaptadas sobre o
material e da possível aplicação de técnicas utilizadas sobre materiais análogos. Aqui o material
passa a ser efetivamente conhecido e ajuda a clarificar todo o conjunto de informações contidas
nas entrevistas.
30

Quadro 3 - Quadro categórico-analítico para roteiro de entrevistas na avaliação das capacidades institucionais no Território Litoral Sul
Investigar as condições que interferem na constituição de capacidades institucionais e no desempenho do colegiado territorial em direção a um processo
Propósito da
de desenvolvimento territorial rural no Litoral Sul da Bahia, levando em conta os efeitos do ambiente institucional, da formação identitária, das
investigação
territorialidades e das restrições formais e informais sobre a estrutura de governança territorial.
Em que medida e sob quais condições as institucionalidades da política territorial do estado da Bahia são efetivas para constituir capacidades
Questão principal
institucionais e induzir uma trajetória de desenvolvimento no Território de Identidade Litoral Sul?

Dimensões Descrição Objetivos Questões específicas


Corresponde aos traços distintos Captar as percepções dos entrevistados sobre o que O que considera como características (econômicas, sociais,
de uma coletividade, elementos consideram como características identitárias do culturais) que definem a identidade do território?
naturais, históricos, território (características culturais, históricas,
socioeconômicos, tornando-se Pensando nessas características identitárias e, como base
naturais, socioeconômicas etc) e como tais nelas, quais as potencialidades que existem ou podem surgir
Identidade elementos aglutinadores que características agem para favorecer e/ou
Territorial podem facilitar a coesão social e que possam contribuir para o desenvolvimento (econômico,
constranger ações e estratégias para o social, ambiental) do Território Litoral Sul?
contribuir para o
desenvolvimento territorial Quais as condições associadas a identidade territorial que
desenvolvimento do território.
oferecem restrições ou constrangimentos a um processo de
desenvolvimento no território?
Considera-se aqui o Identificar as percepções dos entrevistados quanto Como avalia a participação e engajamento dos representantes
comprometimento dos às condições favoráveis, as restrições e os desafios junto às discussões no Codeter?
representantes com o colegiado para a construção e fortalecimento de laços sociais Em sua opinião o colegiado territorial, em sua trajetória, atuou
Participação
e a contribuição do espaço para e participação. e atua na promoção e fortalecimento da participação social?
social,
mobilização e o fortalecimento de laços sociais
Em sua opinião, existem laços e redes sociais constituídas e
fortalecimento do e redes socioprodutivas e
fortes o suficiente para induzir os atores sociais a lutar pelo
capital social incentivo a constituição de
bem comum? Quais os fatores que facilitam e/ou dificultam
hábitos voltados à participação esse processo?
da sociedade civil.

Refere-se à capacidade de Verificar como os entrevistados avaliam a Como avalia a atuação do Colegiado no atendimento dos
coordenação e às condições estrutura de governança colegiado para a gestão interesses e demandas do território?
existentes que interferem na social do território, bem como os fatores externos Quais os fatores (externos e internos) e /ou condições que tem
estrutura e nos mecanismos de e internos que afetam o seu desempenho. efeitos sobre desempenho do colegiado na estrutura da gestão
Governança e
governança e gestão social do e governança territorial?
Gestão Social
território. Como avalia a interação/articulação do colegiado com as
instancias do poder municipal, estadual e federal? Como estas
instâncias interferem no desempenho e atuação da gestão
social do território?
31

Campos (2004, p. 613) complementa e diz que nesta etapa são empreendidas várias
leituras de todo o material coletado, a princípio sem nenhum compromisso objetivo de
sistematização, mas sim, tentando apreender de uma forma global as ideias principais e os seus
significados gerais. Prossegue o autor afirmando que nesta fase a utilização de uma leitura
menos aderente promove uma melhor assimilação do material e elaborações mentais que
fornecem indícios iniciais no caminho a uma apresentação mais sistematizada dos dados e
permite ao pesquisador transcender a mensagem explícita e, de uma forma menos estruturada,
já conseguir visualizar mesmo que primariamente pistas e indícios não óbvios.
A etapa seguinte cuidou do processo de codificação do material. A codificação é o
processo de organização do material em pedaços, trechos ou segmentos do texto, os quais
oferecem algum tipo de significado. O processo de codificação foi feito em duas fases ou ciclos,
como descrito em Miles, Huberman e Saldaña (2014). Primeiro, foi realizado um ciclo de
codificação inicial tentando encontrar padrões consistentes com o quadro teórico-conceitual a
partir do qual se originou as questões de pesquisa que orientaram a entrevista, ou seja, buscou-
se identificar os significados vinculados aos temas ou categorias pré-estabelecidas. Nesse caso,
a codificação e construção de categorias seguiu um processo dedutivo. As categorias podem
também emergir do conteúdo originado das falas dos entrevistados, manifestos ou latentes,
dando origem a novas categorias que irão complementar, concorrer ou se agrupar às iniciais,
portanto, um processo indutivo.
Enquanto a codificação do primeiro ciclo resume inicialmente os segmentos do texto, o
segundo ciclo, mais abstrato, é uma forma de agrupar esses resumos em um número menor de
categorias, temas ou constructos. Desta forma, o segundo ciclo envolveu a categorização de
códigos baseados em padrões de relacionamento e interação, através de uma estratégia analítica
de codificação de padrões. Os códigos-padrão são códigos explicativos ou inferenciais que
identificam um tópico, um tema emergente, uma configuração ou explicação, permitindo não
apenas condensar um grande volume de dados em um pequeno número de unidades analíticas,
mas também ajuda o pesquisador a ser capaz de criar um mapa cognitivo para entender
incidentes e interações locais. Na pesquisa qualitativa representa um processo análogo às
análises de cluster e fatorial, utilizadas na abordagem quantitativa.
O processo de codificação foi desenvolvido dentro das perspectivas descritiva e
interpretativa, adotando, portanto, a técnica de análise temática (BARDIN, 2016; KUCKARTZ,
2014). Bardin (2016) explica que a análise temática ou categorial consiste em descobrir os
núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência podem significar
algo para o objetivo analítico. “O tema é geralmente utilizado como unidade de registro para
32

estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências etc” (p. 131).
A análise categorial funciona por desmembramentos do texto em unidades, em categorias
segundo reagrupamento analógicos, em que a investigação dos temas (análise temática) é rápida
e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos e simples.
As categorias temáticas podem emergir dos dados e informações coletadas no material
em análise ou também podem ser criadas previamente, situações estas nas quais se encontra
esta proposta metodológica. A operacionalização para extrair as categorias/temas do corpus
analítico é descrito por Fossá (2003), de forma que se deve recortar o texto das entrevistas em
unidades de registro (palavras, frases, parágrafos), agrupadas tematicamente em categorias
iniciais, intermediárias e finais, as quais possibilitam as inferências. Por este processo indutivo
ou inferencial procura-se não apenas compreender o sentido da fala dos entrevistados, mas
também buscar-se-á outra significação ou outra mensagem através ou junto da mensagem
inicial. Moraes (1999) elucida um ponto importante explicando que, quando a análise temática
se dirige à questão “para dizer o quê?”, citando Laswell (um dos precursores da Análise de
Conteúdo), o estudo se direciona para as características da mensagem propriamente dita: seu
valor informacional, as palavras, argumentos e ideias nela expressos.
Na proposta metodológica aqui apresentada, parte da análise seguiu o roteiro acima
descrito a partir de categorias/temas iniciais estabelecidos previamente. Tais categorias foram
vinculadas aos objetivos da pesquisa, ao referencial teórico e associadas às questões
estabelecidas no formulário de entrevista. Estas dimensões/temas comportam questionamentos
que serão submetidos aos entrevistados na tentativa de captar elementos manifestos ou até
mesmo latentes das suas opiniões e percepções. Conjuntamente, são apresentadas questões de
caráter mais avaliativo, voltadas a componentes mais específicos do objeto de estudo.
O passo subsequente foi avançar para uma representação das descrições e dos temas em
uma narrativa qualitativa e, para isso, foram utilizadas como suporte e evidencias algumas
passagens dos relatos dos entrevistados, promovendo uma discussão sobre um tema ou
interligando vários temas. Recursos visuais e gráficos, como esquemas, matrizes, conexões,
figuras ou tabelas também são utilizados de forma combinada com as descrições narrativas, o
que favorece o processo analítico de reflexão e de conclusões.

1.2.3 Procedimentos quantitativos

Nessa etapa, os resultados da análise qualitativa do conteúdo, especificamente os


códigos e categorias criadas, são transformadas em variáveis categóricas e são utilizadas em
33

tratamento estatístico posterior. A análise estatística pode contribuir na apresentação das


informações fornecidas pela análise desde simples tratamento como a contagem de frequências
e outras medidas descritivas, até os mais sofisticados, a exemplo das análises multivariadas
(Análise fatorial, analise de correspondência etc.) permitindo assim exibir quadros, diagramas,
figuras e modelos. Bardin (2016) também expõe que testes estatísticos podem ser utilizados
oferecendo assim maior confiabilidade à interpretação e inferência.
A abordagem quantitativa foi utilizada para a contagem das frequências das unidades de
registro, das categorias e códigos, para a determinação de mediadas de tendência central e
dispersão e análise de similaridade entre os documentos. De modo a complementar a análise
qualitativa quanto à descrição do fenômeno, foi utilizada também a Análise de Correspondência
Múltipla (ACM), de modo a contemplar o objetivo de verificar o posicionamento dos
entrevistados de acordo com suas percepções. As próximas seções irão descrever os dois
principais tipos de procedimentos quantitativos utilizados: A Análise de similaridade entre
documentos e a ACM.

1.2.3.1 Análise de similaridade

A Análise de similaridade entre documentos pode ser usada para verificar a similaridade
ou dissimilaridade de vários documentos em termos de frequência de código ou valores das
variáveis do documento (KUCKARTZ, 2014). Neste caso, o procedimento foi realizado com o
objetivo de saber como as entrevistas se assemelham ao PTDSS levando em conta, como
unidade de análise, os segmentos de texto codificados que expressaram as estratégias, condições
favoráveis e desfavoráveis, limites e potencialidades ao desenvolvimento territorial.
A análise de similaridade foi realizada por meio do software de análise qualitativa de
dados Maxqda, e o seu cálculo foi baseado em uma tabela de quatro campos, considerando uma
combinação pareada de documentos, conforme mostra a Tabela 1, onde: a = número de códigos
ou valores de variáveis idênticos em ambos os documentos; b = número de códigos ou valores
de variáveis que existem em apenas no documento B; c = número de códigos ou valores de
variáveis que existem em apenas no documento A; d = número de códigos ou valores de
variáveis que não existem em ambos os documentos.
34

Tabela 1 - Parâmetros para o cálculo das medidas de similaridade, em pares de documentos


Documento A
Não existe um
Existe um código/valor
código/valor
Existe um código/valor a b
Documento B
Não existe um código/valor c d
Fonte: Kuckartz (2014).

Dentre as várias medidas, foi escolhido o coeficiente de similaridade de jaccard, dada a


existência de mais de um código na análise que não existe em vários documentos
(KUCKARTZ, 2014) e, em decorrência disto, o coeficiente em questão ignora os códigos não
existentes, conforme dado pela seguinte equação: coeficiente de jaccard = [a / (a + b + c)]. O
cálculo é feito em pares de documentos A e B, considerando apenas se os códigos selecionados
ocorrem ou não nos documentos, onde “a” representa o número de códigos idênticos em ambos
os documentos A e B, “b” representa o número de códigos existentes apenas no documento B
mas não em A, e “c” representa o número de códigos existentes apenas no documento A mas
não em B. O resultado é um coeficiente que indica a proporção do número de códigos que
ocorrem simultaneamente nos pares de documentos em relação ao total de códigos
selecionados.
Nas entrevistas, foram levados em conta os códigos que integram a estrutura de
categorias temáticas, as quais evidenciam as condições favoráveis, potencialidades e fatores
restritivos ao desenvolvimento territorial no Litoral Sul. No PTDSS, foram considerados os
códigos associados às potencialidades, aos limites e aos eixos estratégicos de desenvolvimento
para o Litoral Sul, descritos no plano territorial, resultando em 187 códigos.

1.2.3.2 Análise de Correspondência Múltipla (ACM)

A Análise de Correspondência Múltipla (ACM) integra um conjunto mais amplo de


técnicas denominado Análise Geométrica de Dados e consiste numa técnica de análise
multivariada para dados qualitativos distribuídos em categorias. A ACM explora
geometricamente a relação entre linhas (l) e colunas (c) de uma tabela de contingência e por
conseguinte busca descrever e analisar as relações (l x c) entre um grande número de variáveis
e suas categorias por meio de medidas espaciais (como um sistema de coordenadas) e a
dispersão ao longo de eixos principais, permitindo a representação gráfica dos objetos (pessoas,
produtos, classes etc) em relação aos seus atributos. Os resultados apresentados nos gráficos
contribuem para avaliar visualmente se as variáveis em estudo se afastam do pressuposto de
35

independência, sugerindo a existência de associações e, ainda, como acontecem tais associações


(PRADO, 2012; BERTONCELO, 2016; RIBEIRO et al, 2017).
Conforme explicado por Cabrita (2014), nesse processo os dados (qualitativos) são
submetidos a um processo de quantificação que tem por objetivo estimar quantificações ótimas
(optimal scaling) para as categorias e objetos (indivíduos) em análise. Esta operação decorre
segundo um processo que vai estimando de forma alternativa (e iterativa) as quantificações dos
parâmetros até ser atingida a solução ótima. Tais quantificações, enquanto coordenadas,
permitem projetar as categorias ou objetos em planos. Segundo a autora, a representação das
categorias possibilita a análise das associações entre as múltiplas variáveis e a dos objetos
permite avaliar o seu posicionamento no espaço.
Bertoncelo (2016, p.1) explica que na ACM as relações entre as variáveis e suas
modalidades podem ser visualizadas por meio das “distâncias relativas que as separam na
chamada nuvem de modalidades, formada pelo cruzamento entre eixos do espaço de
correspondências”. O autor também reforça que a técnica permite projetar os indivíduos nesse
espaço, dando origem à “nuvem de indivíduos”, onde as distâncias relativas entre eles refletem
a dissimilaridade com respeito aos valores nos indicadores incluídos na análise. Dessa forma,
tem-se o gráfico denominado mapa de correspondência ou mapa perceptual que facilita a
visualização das relações existentes entre as variáveis.
Todos os procedimentos e a geração dos resultados e dos mapas perceptuais podem ser
realizados por alguns softwares estatísticos. No presente trabalho o software utilizado foi o
Statistical Package for the Social Sciences, mais conhecido pela sua sigla SPSS.
Neste sentido, a ACM foi empregada para explorar as associações entre as percepções
dos atores sociais que integram o colegiado territorial no que diz respeito às variáveis
categóricas transformadas a partir do sistema de codificação na análise qualitativa anterior.
Permitirá, também, identificar os múltiplos fatores que são responsáveis pela inter-relação
existente entre as percepções dos indivíduos, dentro de um espaço social, como uma matriz de
posições (CARVALHO, 2008, p.19) que têm associadas “certas condições de existência,
socialmente definidas, com configurações específicas”.
Para Carvalho (2008) cada posição social reflete uma combinação de múltiplas
propriedades, devendo ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas,
no sentido de Bourdieu. Tais propriedades podem ser os recursos econômicos, culturais,
políticos, idade, sexo e estado civil e cada uma delas detém valor e efeitos próprios, no entanto,
a avaliação de sua importância decorre da análise das relações que se estabelecem entre todas.
36

Assim, enquanto método multidimensional, a ACM será útil na tentativa de analisar as


relações entre os múltiplos indicadores selecionados e suas configurações. Essas diferentes
configurações permitem identificar grupos de indivíduos que, coexistindo no mesmo espaço,
partilham sistemas distintos de práticas, estilos, atitudes ou de culturas. A ACM pode revelar
padrões subjacentes à distribuição de dados categóricos. Partindo de uma tabela em que as
linhas representam os casos e as colunas as respostas a questões ou a itens de um questionário.
Da análise do posicionamento relativo decorre a possibilidade de se aferir sobre o tipo de
relações estabelecidas entre eles, como relações de conflito, oposição, neutralidade, cooperação
ou associação (CARVALHO, 2008; BERTONCELO, 2013).
Concretamente, de acordo com Carvalho (2008), a ACM possibilitará através de uma
análise gráfica uma abordagem relacional sobre as múltiplas variáveis que caracterizam esses
indivíduos, podendo vir a ser definidos diferentes grupos e contemplando dois vetores
analíticos: identificação das especificidades das associações entre as categorias e, observação
do posicionamento relativo dos vários grupos. Isso permite enxergar a existência de relações de
associação ou de oposição e, mais importante, como estas posições podem explicar a visão dos
representantes ou de grupos de representantes do colegiado territorial sobre os fatores que
favorecem ou restringem as estratégias criadas com a política de desenvolvimento territorial.

1.3 Garantias éticas aos participantes da pesquisa

Antes de iniciar o trabalho de campo foi feito contato com o coordenador do colegiado
territorial para apresentar a pesquisa, destacar os aspectos éticos envolvidos, esclarecer dúvidas
e formalizar o convite para a participação na pesquisa. Também foi solicitada a autorização
para o acesso ao contato dos representantes das entidades da sociedade civil e do poder público
e para acesso a alguns documentos que interessavam à investigação, especificamente o Plano
Territorial e as atas das reuniões.
Ao realizar o contato com os membros do Codeter foi explicado a cada um deles o
objetivo da pesquisa e a sua importância no processo e, após a sua anuência, foi agendado um
encontro em local e data que mais conviessem ao participante. A cada encontro foi feito o
esclarecimento sobre a pesquisa, em linguagem clara e acessível, utilizando-se das estratégias
mais apropriadas à cultura, faixa etária, condição socioeconômica e autonomia dos convidados.
Além disso, foi concedido o tempo necessário para que o convidado pudesse refletir,
37

consultando, se necessário, seus familiares ou outras pessoas em sua tomada de decisão livre e
esclarecida.
Todos os sujeitos convidados a participar da pesquisa foram informados da sua
liberdade em se recusar a participar e que, mesmo aceitando participar inicialmente, poderiam
ter se recusado a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer tipo de
prejuízo na sua relação com o pesquisador ou com a instituição a que se associam. Também
foram informados que a pesquisa não incluía procedimentos que poderiam lhes causar riscos à
sua integridade e dignidade. Além disso, foram informados que a participação no estudo é
anônima e as informações prestadas são confidenciais, sem nenhum tipo de despesa, bem como
nada seria pago por sua participação. A eles foram dados os contatos de telefone e e-mail do
pesquisador para que, em caso de dúvida, pudessem solicitar mais informações.
38

CAPÍTULO 2 - DESENVOLVIMENTO E INSTITUIÇÕES: aproximações teóricas à


abordagem territorial

A abordagem territorial do desenvolvimento é comumente associada ao seu caráter


multidisciplinar quando se trata dos problemas inerentes ao território e quando se propõe ações
de intervenção pública, em que a participação social ganha papel fundante na construção de
políticas descentralizadas, as quais devem considerar as potencialidades e os valores
socialmente definidos pelos atores envolvidos. A noção de desenvolvimento como o mesmo
geralmente é pensado, como um estágio final ou o patamar mais elevado que uma sociedade
pode alcançar, não contribui para entender o fenômeno e suas peculiaridades, suas contradições
e até mesmo os conflitos envolvidos. Ao mesmo tempo, há sempre o risco dos termos que
qualificam o desenvolvimento (local, territorial, rural, sustentável, humano) serem apenas
meros invólucros a justificar a mesma essência de um modelo pautado em uma visão
economicista e remediadora, com o apelo a grandes projetos de intervenção que raramente
mitigam as desigualdades.
As narrativas em favor do Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Sustentável
e do Desenvolvimento Humano emergiram com a promessa de oferecer, dentro das suas
especificidades epistemológicas, as condições necessárias para um mundo melhor. Com maior
influência das duas últimas abordagens, o mundo tem experimentado um consenso
intersubjetivo quanto à necessidade de incorporar a sustentabilidade e a valorização das
capacidades humanas nas orientações de políticas de combate às desigualdades e proteção
ambiental no âmbito do sistema de governança internacional, em especial a partir da criação da
Organização das Nações Unidas (ONU).
Este capítulo apresenta uma reflexão sobre a concepção de desenvolvimento que se
pretende enquanto conceito a direcionar argumentos em favor da abordagem territorial e o papel
das novas institucionalidades que foram criadas para a governança e gestão social das políticas
de desenvolvimento territorial. Primeiro, coube entender em que medida as contradições do
modo de acumulação capitalista são domesticadas dentro dos discursos do Desenvolvimento
39

Sustentável e do Desenvolvimento Humano e como estas abordagens escondem uma posição


corretiva do sistema capitalista sem oferecer condições que realmente superem a pobreza e o
fosso de desigualdades que assolam os mais vulneráveis. Não obstante, importa reconhecer que
estas abordagens estão imbuídas de valores que não devem ser desprezados, ao contrário,
devem representar um farol a iluminar a busca por formas não opressoras e não alienantes de
desenvolvimento. Segundo, pretende situar as novas institucionalidades criadas no âmbito da
política territorial no quadro teórico da Economia Institucional, buscando entender como as
instituições operam enquanto fonte de constrangimentos, mas também enquanto capacitadoras
da ação coletiva.

2.1 O paradigma do desenvolvimento: contradições e perspectivas à abordagem territorial


do desenvolvimento

É a partir do século XX, mais especificamente após a Segunda Guerra Mundial que a
ideia do desenvolvimento alcança contornos normativos no âmbito dos discursos políticos no
plano internacional. Desde então e até meados dos anos 1970, o centro das discussões
concentrava-se na ideia de progresso material, modernização e passagem de um estágio
atrasado para outro mais evoluído, do rural ao urbano, da agricultura à indústria, o que levaria
espontaneamente à melhoria dos padrões sociais e, não raro, o consenso era entender o
desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico (VEIGA, 2005; OLIVEIRA,
2010). Portanto, no centro de todos os problemas nos países subdesenvolvidos estava
diagnosticado a baixa renda como causa da pobreza e o caminho para a sua superação consistiria
no aumento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, ou seja, o crescimento econômico
deveria ser perseguido como solução para a pobreza e atraso dos países subdesenvolvidos.
Essa noção encontrava resistência por parte de alguns pensadores que não aceitavam
essa vinculação direta do aumento do PIB e melhoria das condições de vida. No Brasil, Celso
Furtado representava uma dessas vozes dissonantes e deixou claro seu posicionamento crítico
quanto às formas de reprodução social inerentes ao modelo universalizante contido na ideia de
desenvolvimento econômico. A distinção entre os dois conceitos é iluminada por Furtado ao
ser categórico ao afirmar que o crescimento econômico só se metamorfoseia em
desenvolvimento quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida da
população.
Na obra “O Mito do Desenvolvimento Econômico” publicada no ano de 1974, Celso
Furtado deixa evidente que as condições sobre as quais se estabeleceu nos países periféricos o
40

desenvolvimento econômico, reproduziram formas de reprodução social que intensificaram


ainda mais a dependência e o subdesenvolvimento. Diferente do dinamismo econômico
ocorrido nos países do centro do sistema, marcados pelo fluxo de novos produtos e da elevação
dos salários que permite a expansão do consumo de massa, nos países periféricos o capitalismo
“engendrou o mimetismo cultural e requer permanente concentração de renda a fim de que as
minorias possam reproduzir as formas de consumo dos países cêntricos” (FURTADO, 1974,
p.44).
Em uma outra visão e longe de representar equilíbrio ou uma trajetória linear,
apriorística ou determinística, Hirschman (1958) defendia que o desenvolvimento econômico
deveria ser compreendido como um processo e o caminho para superar o subdesenvolvimento
está no próprio desencadeamento do processo de desenvolvimento, em seus desequilíbrios, na
aprendizagem e nos encadeamentos que decorre desse processo. Hirschman, assim, dessacraliza
(MALUF, 2015) o desenvolvimento e expõe o seu caráter desequilibrado.
No entendimento do economista de origem alemã, a incompatibilidade de se traçar e
visualizar um caminho para o desenvolvimento econômico de forma linear e apriorística se
deve principalmente ao conjunto de condições e requisitos a serem levados em conta
simultaneamente e em decorrência dos círculos viciosos a serem superados no decorrer do
próprio processo de desenvolvimento, o qual, ao mesmo tempo que representa a fonte de tais
desequilíbrios, é também gerador das soluções. Como destaca Cardoso (2018), os caminhos
para o enfrentamento do subdesenvolvimento em Hirschman não existem a priori, pelo
contrário, esses caminhos são vislumbrados apenas após o desencadeamento do seu processo.
Hirschman (1958) aponta a existência de um mecanismo próprio do investimento, capaz
de compensar as dificuldades características dos países subdesenvolvidos. O autor chama esse
mecanismo de “efeito complementaridade do investimento” (p.41), uma característica própria
do seu contagioso efeito sobre mais investimentos. O efeito complementaridade do
investimento é, portanto, “o mecanismo essencial pelo qual novas energias são canalizadas em
direção ao processo de desenvolvimento e por meio do qual o círculo vicioso que parece
confiná-lo pode ser quebrado” (HIRSCHMAN, 1958, p.43, tradução nossa).
Nesse caso, para além do seu papel de ser, simultaneamente, gerador de receita e criador
de capacidade, o investimento precisa ser compreendido em seu terceiro papel, o de ser
precursor para investimentos adicionais. Como bem explica Cardoso (2018), a cada passo, um
determinado setor produtivo tomaria as vantagens das economias externas geradas por uma
expansão desencadeada por investimento prévio, ao mesmo tempo em que criaria novas
economias externas a serem exploradas por outros setores. Esse, então, seria o efeito direto ou
41

contágio do investimento, ou, como definido por Hirschman, efeito complementaridade do


investimento.
Outro conceito elaborado por Hirschman é o de encadeamento para trás e para frente.
Os encadeamentos para trás significam que atividades econômicas não primárias induzirá
esforços para fornecer, por meio da produção doméstica, os insumos necessários àquela
atividade e os encadeamentos para frente considera que qualquer atividade, desde que não
atenda exclusivamente às demandas finais, induzirá esforços para que se utilizem seus produtos
como insumos em algumas outras atividades. É precisamente a interdependência entre os
setores econômicos que potencializa os efeitos dos encadeamentos e isso sempre foi um fator
crítico nos países subdesenvolvidos pois tem suas economias baseadas na agricultura de
subsistência. Dessa concepção surge, então, a noção de que a superação da condição
subdesenvolvida passa pela industrialização, agregação de valor, incorporação de tecnologias
ou outras estratégias que aumentem a interdependência e, consequentemente, intensifique os
efeitos de encadeamento.
Assim, interessa esclarecer que o primeiro passo a ser dado em direção a uma
compreensão da ideia de desenvolvimento econômico e o que isso representa para as discussões
que se pretende aqui, dentro da abordagem territorial, consiste em acolher incondicionalmente
a noção de que aquele não se restringe ao crescimento econômico, cujo elemento central é o
equilíbrio. Pelo contrário, o desenvolvimento, como em Hirschman, deve ser compreendido
processo aberto, com desequilíbrios e tensões. As lições daquele pensador nos ajudam também
a pensar o desenvolvimento territorial quando utilizamos os conceitos de efeito
complementaridade do investimento e encadeamento para trás e para frente.
O efeito complementaridade do investimento combinado com a dinâmica dos centros
regionais economicamente fortes, como é o eixo Ilhéus-Itabuna para o Sul da Bahia, criam
condições que potencializam e estimulam o fluxo de capitais, trabalhadores, consumo,
informações e conhecimento e, também, de tensões e pressões que desencadeiam um processo
de desenvolvimento em outras cidades do território. Já o conceito de encadeamento pra frente
e pra trás também se mostra pertinente quando compreendemos que um dos objetivos do
desenvolvimento territorial é promover e induzir ligações rural-urbanas e, nesse caso, é preciso
reconhecer a importância de projetos que fomentem as atividades rurais não agrícolas, que
adicionem valor aos produtos e conecte-os a outras cadeias de valor, rurais e urbanas.
42

2.1.1 A noção de Desenvolvimento a partir das Nações Unidas: correções e ajustes pela via do
Desenvolvimento Sustentável

A partir da criação da ONU e nos anos subsequentes, mais precisamente a partir da


década de 1960, as contradições do desenvolvimento ficaram expostas e incorporada aos
discursos institucionais e internacionais voltados ao bem-estar e progresso da humanidade. Os
esforços para reestabelecer a paz e a estabilidade entre as nações não poderiam mais se furtar a
reconhecer os efeitos negativos do desenvolvimento econômico pautado apenas no aumento da
renda, concepção predominante no pós-guerra e disseminada pelas instituições de Bretton
Woods (Banco mundial, FMI, GATT-OMC). As questões sociais ganharam foco nas propostas
de superação do subdesenvolvimento, o que, para Oliveira (2010), ocorreu muito mais pela
pressão dos países periféricos, pois, enquanto membros, já eram maioria naquele período.
Esse novo esforço e reorientação para o desenvolvimento ficou materializado com a
criação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) com foco especial
no combate à pobreza e que se fortaleceu na década de 1980 quando veio à tona o conceito de
desenvolvimento imbuído de uma preocupação com as gerações futuras, o Desenvolvimento
Sustentável, a partir do Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum) em 1987, pretendendo
ser uma abordagem que estabelece uma mediação entre o progresso econômico e superação da
pobreza. Esta nova perspectiva alcança seu ponto alto e se institucionaliza na agenda
internacional a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro, em junho de 1992.
Em setembro de 2015 um passo importante foi dado pelas Nações Unidas no sentido de
reunir esforços para o alcance do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica,
social e ambiental, sendo a erradicação da pobreza, em todas as suas formas, o maior desafio
global. Assim, foi criada a Agenda 2030 com os novos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), mais precisamente 17 objetivos globais com 169 metas associadas que
deverão ser alcançadas entre os anos de 2015 e 2030.
Embora na ideia de desenvolvimento sustentável esteja contida a preocupação ambiental
em sua concepção mais ampla, incluindo aí a erradicação da pobreza, não lhe faltam críticas a
respeito da sua real condição subordinada ao desenvolvimento do capitalismo. As críticas são
direcionadas principalmente no sentido de apontar o caráter remediador, de correção dos rumos
do capitalismo, não sendo, todavia, uma alternativa que evite as contradições inerentes ao
sistema e seus efeitos geradores de desigualdades e subjugação do homem e da natureza à sua
lógica (FOSTER, 1998; CARVALHO et al, 2012; VIZEU et al, 2012; FOLADORI, 1999). Por
43

conseguinte, entende-se que a defesa do desenvolvimento sustentável também deve, ao mesmo


tempo, situá-lo dentro do sistema econômico vigente, ou seja, é preciso compreender que a crise
ambiental e as contradições ecológicas são em grande parte subjacentes ao capitalismo.
A respeito de tais implicações do modo de produção capitalista sobre o conceito de
desenvolvimento, encontramos nos Grundrisse (MARX, 2011, p. 539-540) alguns elementos
que tornam ainda mais evidentes essa contradição, inclusive suscitando reflexões quando se
incorpora qualificativos como o sustentável e o humano:

(...) a produção de valor excedente fundada no aumento e no desenvolvimento de


forças produtivas, requer a produção de novo consumo; requer que o círculo de
consumo no interior da circulação se amplie tanto quanto antes se ampliou o círculo
produtivo. Primeiro, ampliação quantitativa do consumo existente; segundo, criação
de novas necessidades pela propagação das existentes em um círculo mais amplo;
terceiro, produção de novas necessidades e descoberta e criação de novos valores de
uso.

Disso decorre que a noção de sustentabilidade parece nunca encontrar um estado


concreto para a sua efetivação, dados os efeitos dessa dinâmica sobre os recursos naturais:

(...) Daí a exploração de toda a natureza para descobrir novas propriedades úteis das
coisas; troca universal dos produtos de todos os climas e países estrangeiros; novas
preparações (artificiais) dos objetos naturais, com o que lhes são conferidos novos
valores de uso. A exploração completa da Terra, para descobrir tanto novos objetos
úteis quanto novas propriedades utilizáveis dos antigos; bem como suas novas
propriedades como matérias-primas etc; daí o máximo desenvolvimento das ciências
naturais; similarmente, a descoberta, criação e satisfação de novas necessidades
surgidas da própria sociedade” (MARX, 2011, p.541).

As críticas direcionadas ao desenvolvimento sustentável parecem deixar claro que


existe uma incompatibilidade entre a ideia de desenvolvimento tal qual preconizado em termos
sustentáveis e a própria essência capitalista. Para Mészáros (2001, p. 8) o desenvolvimento sob
a lógica capitalista é, na verdade, insustentável, condição essa que se mantém enquanto não for
superado aquilo que ele chamou de “desigualdade substantiva” inerente a este modo de
produção hegemônico e às dificuldades estruturais nele existentes. A possibilidade do
desenvolvimento sustentável, de acordo com Mészáros (2001), estaria condicionada a:

(...) estarmos realmente no controle dos processos culturais, econômicos e sociais


vitais, através dos quais os seres humanos não só sobrevivem, mas também podem
encontrar satisfação, de acordo com os objetivos que colocam para si mesmos, em vez
de estarem à mercê de imprevisíveis forças naturais e quase-naturais determinações
socioeconômicas (p.8).
44

Esse apelo à forma sustentável do desenvolvimento também é destacado como sendo


bastante útil ao próprio capitalismo (CARVALHO et al, 2012; MOTA; SILVA, 2009) pois
agregam os interesses dos trabalhadores, dos empresários e do Estado em torno da defesa do
meio ambiente e da justiça social, reivindicando o comprometimento da sociedade mas não
levando em conta as determinações históricas da crise ecológica. As causas são atribuídas ao
processo antrópico, sem face, descontextualizado e totalmente despolitizado, como sugere o
conceito do Antropoceno (GUPTA; POUW, 2017).
A esse respeito, Löwy (2009, p.133) faz a seguinte pergunta: “Quem é responsável por
essa situação inédita na história da humanidade?”. Ele próprio diz que a resposta que tão
prontamente surgirá por parte dos cientistas será: “O Homem”. O autor considera a resposta
justa, mas também muito rápida, tendo em conta que o homem habita a terra há milênios e a
concentração de gás carbônico começou a se tornar um perigo há algumas décadas apenas. A
resposta mais apropriada, diz o autor marxista, deveria atribuir tal delito “ao sistema capitalista,
à sua lógica absurda e irracional de expansão e acumulação ao infinito, seu produtivismo
obcecado pela busca de lucro”.
Essa explicação também é compartilhada por Harvey (2018) quando este diz que com o
advento do capitalismo uma nova relação tempo-espaço foi introduzida e uma nova
temporalidade (econômica) é definida, exigindo-se, assim, uma aceleração no tempo de rotação
e dos fluxos de bens em atendimento às taxas de lucro. Com efeito, a circulação e a acumulação
de capital moldaram e reformularam as definições de tempo e espaço. E, ao acelerar a rotação
no âmbito da produção, exige-se consequentemente que seja também acelerado o tempo de
rotação no consumo e, para isso, enfatiza David Harvey, desenvolve-se toda uma gama de
táticas de persuasão como, por exemplo, a obsolescência programada e ferramentas voltadas à
propaganda.
Mas seria utópico pensar em um mundo livre das contradições do capitalismo?
ficaremos de braços cruzados a esperar por tal mudança? Lowy (2009, p.137) confessa ser
simpático a essa utopia, mas assevera que não devemos cruzar os braços. Para ele é preciso
lutar “para obter cada conquista, cada medida de regulamentação, cada ação em defesa do meio
ambiente”. Essa luta é necessária não só porque reduz a velocidade da corrida em direção ao
abismo, mas também porque permite que “as pessoas, os trabalhadores, os indivíduos se
organizem, lutem e tomem consciência das apostas do combate, compreendam, por sua
experiência coletiva, a falência do sistema capitalista e a necessidade de uma mudança de
civilização”.
45

A esse respeito, no campo produtivo, experiências tem demonstrado a força de


movimentos não-alienados de reprodução social e em comunhão com a natureza pautado em
valores de inclusão e justiça social dentro de uma perspectiva ecossistêmica: os movimentos
agroecológicos, empreendimentos socio-solidários, economias feministas etc. Essas brechas e
espaços são determinantes para a construção de um processo de desenvolvimento genuinamente
sustentável e humano e onde os espaços institucionais são decisivos para garantir o fôlego
necessário.
Escobar (2015) apresenta algumas perspectivas baseadas nos discursos de transição
(Transition Discourses) especialmente nas discussões teóricas em torno de duas abordagens:
Decrescimento (Degrowth) e Pós-Desenvolvimento (postdevelopment). Segundo o autor, o
surgimento dessas discussões é um reflexo tanto do constante agravamento das condições
ecológicas, sociais e culturais planetárias, quanto da incapacidade de instituições políticas e de
conhecimento estabelecidas de imaginar formas de sair de tais crises. O ponto de partida tem
como base a noção de que as crises ecológicas e sociais contemporâneas são inseparáveis do
modelo de vida social que se tornou dominante nos últimos séculos. Na América Latina, por
exemplo, o modelo vigente é direcionado pelas políticas extrativistas e pelos preços das
commodities, o que pode determinar a continuação ou exaustão deste modelo.
Os discursos de transição postulam uma profunda transformação cultural, econômica e
política das instituições e práticas dominantes, deslocando o sentido hegemônico do
desenvolvimento, a exemplo do pensamento decolonial, as experiências da economia social e
solidária, as perspectivas comunal, relacional e pluriversal. Outra perspectiva é a do
Desenvolvimento Inclusivo (POUW; GUPTA, 2017), pautado na inclusão ecológica, social e
relacional, cujo foco está nas demandas sociais dos mais pobres e marginalizados, aqueles que
mais dependem dos recursos naturais e que mais são privados de acesso à justiça, trabalho,
renda e serviços públicos.
A última mensagem que Arturo Escobar (2015, p.460-461, tradução nossa) oferece é
uma chama de esperança quando cita os movimentos em torno de uma resistência antissistêmica
ao redor do mundo. Embora a civilização econômica globalizada, diz o pensador colombiano,
tenha relegado os debates críticos sobre crescimento e desenvolvimento para segundo plano,
domesticando-os dentro dos discursos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)
e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), movimentos globais continuam
mantendo conversas radicais vivas, conectando debates sobre desenvolvimento a “questões de
decolonização epistêmica, justiça social e ambiental, defesa da diferença cultural e transição
para sociedades pós-capitalistas, pós-crescimento e não-antropocêntricas”. Para o autor, as
46

discussões sobre o Decrescimento, Pós-Desenvolvimento e Alternativas ao Desenvolvimento


são um “farol de esperança” e qualquer que seja o movimento de transição terá que envolver
mais do que nunca questionamentos mais radicais sobre crescimento, extrativismo e até mesmo
sobre modernidade.

2.1.2 A abordagem do Desenvolvimento Humano: das contribuições às contradições ao


Desenvolvimento Territorial

A abordagem das capacidades encontra em Amartya Sen um de seus principais


expoentes quando trata do tema em sua mais importante obra “Desenvolvimento como
liberdade”, baseando-se na ideia do alargamento das liberdades e capacidades humanas. O
desenvolvimento, segundo Sen (2000, p. 10), “(...) é a eliminação de privações de liberdade que
limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição
de agente”. A partir dos anos de 1990, essa ideia passa a balizar as ações da Organização das
Nações Unidas (ONU) para o combate à pobreza, cujos princípios são encarnados na noção de
Desenvolvimento Humano. Se por um lado o mundo experimentou um incrível crescimento
econômico, progresso material e avanço tecnológico jamais visto, por outro, os mesmos
indicadores são insuficientes e inadequados para revelar que a pobreza e a vulnerabilidade
social avançaram com igual intensidade.
Por mais que fossem apresentados números positivos como resultado do que até então
se entendia como desenvolvimento, o fato é que as benesses geradas foram cada vez mais
concentradas em poder de uma minoria, enquanto a desigualdade, a pobreza e a vulnerabilidade
social avançavam a passos largos em todo o mundo. O “Desenvolvimento como liberdade”
surge, assim, a partir dos esforços em oferecer novos conceitos e abordagens que levem em
conta as privações, bem-estar e expansão das capacidades individuais.
Ao questionar as abordagens convencionais e economicistas do desenvolvimento, Sen
(2000) oferece um quadro analítico imbuído de uma mudança substancial colocando no centro
o bem-estar humano e se afastando de uma lógica utilitarista. O autor considera que o
crescimento do PIB ou da renda per capita pode ser muito importante como meio de expandir
as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade, mas defende que as liberdades passam
a depender também de outros determinantes como as disposições sociais e econômicas (os
serviços de educação e saúde) e os direitos civis (a liberdade de participar de discussões e
averiguações públicas), por exemplo. Neste sentido, o alcance desse estado de liberdade que
deve ser promovido pelo desenvolvimento, requer “que se removam as principais fontes de
47

privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição


social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva
de Estados repressivos” (SEN, 2000, p.18).
Outro ponto a destacar é que a pobreza ganha atenção especial na obra de Amartya Sen
quando o autor desloca o seu sentido puramente monetário para uma concepção de estado de
privação das capacidades básicas. A renda não seria, então, a única influência sobre tais
privações que ajudam a entender a pobreza de forma relativa (acesso e bens em relação a outros
indivíduos da sociedade) e absoluta (padrões mínimos de existência humana). A pobreza passa
a ser encarada não apenas como uma mensuração negativa (a falta de) de um indicador objetivo
como a renda, mas também como uma condição que envolve critérios subjetivos, relacionados
à cultura e aos hábitos das sociedades nas quais os indivíduos se encontram inseridos, e dos
quais se valem para determinar os modos de vida que consideram mais apropriados.
No que se refere às políticas públicas (e isso importa bastante para o desenvolvimento
territorial) a abordagem das capacidades pode ser utilizada para avaliar tais políticas de acordo
com seu impacto nas capacidades das pessoas, ou seja, avaliação sobre a saúde e a existência
de meios para alcançá-la como saneamento, acesso a médicos, proteção e imunização a doenças
infectocontagiosas. É também uma avaliação sobre se estão bem nutridas e se reúnem condições
para obter alimentação de qualidade. Representa uma avaliação sobre o acesso à educação de
qualidade, a participação política concreta e envolvimento com atividades comunitárias.
Embora a contribuição de Amartya Sen seja amplamente reconhecida pela comunidade
acadêmica, especialmente por ampliar a discussão em torno do núcleo epistemológico do
desenvolvimento econômico a partir da abordagem das capacidades e, também, por empreender
esforços para teorizar a possibilidade e a necessidade da escolha social, não ficou isenta de
algumas contraposições (EVANS, 2002; O’HEARN, 2004; BALLET et al 2007; OLIVEIRA,
2007; NORTHOVER, 2012; BONENTE; MEDEIROS, 2016; AMADO; MOSANER, 2016),
as quais merecem ser apreciadas enquanto fontes de aprimoramentos para a abordagem das
capacidades.
Evans (2002) em sua contribuição crítica, chama a atenção para o fato da análise de Sen
se concentrar nos indivíduos e sua relação com o contexto social e não nas coletividades como
o elo necessário entre esses dois contextos. O referido autor defende que a capacidade de
escolha do indivíduo em relação ao que ele valoriza para sua vida depende da possibilidade da
atuação desse indivíduo junto a outras pessoas que valorizam coisas semelhantes, ou seja, as
capacidades individuais dependem das capacidades coletivas. Ao levar em conta que a realidade
social é diretamente influenciada pela configuração do poder geopolítico e econômico, expõe
48

não ser possível uma transformação social ou mesmo individual a partir da condição de agência
individual. O poder, nesse caso, tem papel determinante e precisa ser entendido de forma
relacional, determinado pelos capitais em poder dos agentes em seus campos de disputa.
Retornando a Evans (2002), é possível explorar tais contradições, tendo em vista as
formas pelas quais a concentração do poder econômico sobre os meios de produzir e difundir a
cultura pode comprometer a capacidade de decisão dos indivíduos sobre as coisas que tem
motivo para valorizar e, consequentemente, sobre as suas preferências. Para o autor, na mesma
obra (p.58, tradução nossa), o que falta é “uma análise da extensão em que os modernos
processos de mercado podem constituir um impedimento ao tipo de formação de preferências
deliberativas que é essencial para a expansão de capacidades”. Desta forma, não são exploradas
as maneiras pelas quais as influências sobre o condicionamento mental podem refletir
sistematicamente os interesses daqueles com maior poder econômico e poder político.
Tal fato é decisivo na homogeneização de preferências e gostos e torna-se muito mais
adverso para os países do terceiro mundo, pois, suas experiencias e visões de mundo nunca
serão refletidas como valores globais, pelo contrário, o poder econômico do Norte sempre foi
um condicionante do padrão de consumo nos países do Sul. Furtado (1974) é preciso a esse
respeito ao contextualizar o caso brasileiro explicando como dessa forma o subdesenvolvimento
torna-se um subproduto do desenvolvimento. Ao incorporar o padrão de consumo dos países
centrais tal qual um mimetismo cultural, a indústria brasileira de igual forma se submeteu a esse
mesmo padrão.
Assim, Peter Evans privilegia em sua análise as capacidades coletivas baseadas na
promoção da vida associativa, o que permite aos menos privilegiados estabelecer suas próprias
preferências de acordo com suas posições econômicas e circunstâncias de vidas compartilhadas.
O sociólogo insiste nas capacidades coletivas, principalmente para os vulneráveis, como forma
de acessar serviços básicos, direitos, bens, infraestrutura, ou seja, alcançar verdadeiramente o
desenvolvimento através da ação coletiva. Portanto,

(...) as coletividades organizadas como os sindicatos, partidos políticos, conselhos


(...), grupos de mulheres, são fundamentais para a capacidade das pessoas de escolher
as vidas que tem razões para valorizar. Elas fornecem uma arena para formular valores
e preferências compartilhadas e instrumentos para persegui-los, mesmo em face de
oposição poderosa (EVANS, 2002, p.56, tradução nossa).

Continua o autor a explicar que algumas das maiores satisfações intrínsecas da vida
advém da interação social com outras pessoas que compartilham nossos interesses e valores -
amigos, famílias, comunidades e outros grupos. Esses tipos de interações não são apenas fontes
49

de “utilidade”, elas também são centrais para o desenvolvimento de nossas identidades, valores
e objetivos. Eles são fundamentais em nossos esforços para descobrir o que “temos razão para
valorizar”. A despeito da existência de eleições democráticas e direitos civis amplos e
garantidos à sociedade, o autor insiste que tais conquistas não são suficientes em si mesmo,
sendo necessária uma ação coletiva densa para explorar as oportunidades criadas pelas eleições
e pelos direitos civis. Ou seja, tipos de liberdades como eleições e direitos civis aumentam as
possibilidades de ação coletiva, mas as oportunidades ampliadas de ação coletiva não estão
garantidas mesmo quando outras liberdades estão presentes. O autor reforça que as estratégias
institucionais para facilitar as capacidades coletivas são tão importantes para a expansão da
liberdade quanto para sustentar as instituições eleitorais formais.
Ballet et al (2007) reconhecem o mérito de Sen ao introduzir a noção de agência na
abordagem das capacidades, embora reconheçam também que esta é falha quanto à capacidade
coletiva. A noção de agência em Sen é tratada como sendo a liberdade do indivíduo de agir em
busca de objetivos que não o interesse próprio. No entanto, para os autores, essa ainda é uma
versão fraca da agência, pois falta ao indivíduo uma definição clara de sua responsabilidade
pessoal. De outro modo, quando a responsabilidade pessoal é introduzida por meio do
comprometimento e das interações sociais, surge daí uma versão forte de agência que pode ser
utilizada para constituir uma capacidade coletiva. Os relacionamentos interpessoais produzem
conflitos e negociações que, quando incorporadas na abordagem das capacitações enriquecem
a representação social e permitem reconhecer desejos e aspirações mútuas baseadas em nossas
diferenças, além do que, as relações de interdependência entre indivíduos e coletividades
permitem maior alcance em retratar a realidade social (DENEULIN, 2008; DEAN, 2009).
A justificativa em favor da constituição de capacidades coletivas ganha ainda mais força
quando se reconhece que o acesso às capacidades valorizadas pelos indivíduos é dificultado ou
impedido por problemas sociais causados em grande parte pelo modo de acumulação capitalista
(AMADO; MOSANER, 2016). A esse respeito, a abordagem de Sen tem encontrado críticas
(O’HEARN, 2004; DEAN, 2009) também em relação ao seu posicionamento em não tecer
críticas diretas ao papel do Estado e instituições sob a lógica capitalista e apenas considerando
ajustes sem levar em conta as assimetrias de poder e outras funcionalidades que se tornam
invisibilizadas pela economia de mercado.
Sobre isso, Dean (2009) afirma que embora Sen tenha tratado a pobreza e a fome não como
resultado de fatores naturais, mas sim, humanos, a sua abordagem não aponta para os
impedimentos sistêmicos à liberdade humana que estão associados ao capitalismo. Além do
mais, outros funcionamentos necessários e valiosos como cuidar de crianças ou parentes
50

deficientes, estudar, trabalhar voluntariamente na comunidade e atividades artísticas amadoras


não têm valor de troca e não são recompensados como trabalho. Desta maneira, sob o
capitalismo nossas percepções e nossa experiência de trabalho são distorcidas. O autor
acrescenta que se isso não restringir diretamente nossas capacidades, com certeza irá
comprometê-las, tendo em vista que em uma economia de mercado global nossos
funcionamentos em qualquer momento particular, como escolhemos, podem ser
necessariamente alcançados à custa da liberdade dos outros.
Outra contribuição importante é oferecida por Ibrahim (2013) quando argumenta que as
coletividades não são apenas meios para perseguir aquilo que se valoriza como meta, mas
também são arenas para formular essas metas, são resultado da ação coletiva e cujos benefícios
se acumulam para o indivíduo e para a coletividade. O autor enfatiza as vantagens que os mais
pobres podem obter quando constituem capacidades coletivas por aumentar seu poder de
barganha, compartilhamento de recursos e criação de um senso de autoestima e maior
participação nas decisões locais.
A partir da contribuição de Ibrahim (2013) fica claro que os indivíduos que se envolvem
em ações coletivas geralmente assim o fazem para buscar não apenas seus próprios interesses,
mas também outros objetivos, principalmente ligados à sua concepção mais ampla de um bem
comum. Vale reconhecer, entretanto, que a construção de capacidades individuais também é
crucial para o sucesso de qualquer ato de agência coletiva. Desta forma, existe uma relação
entre capacidades individuais e coletivas que se reforçam mutuamente e isso é determinante
para a agência humana individual, pois ela molda e é moldada pelas relações sociais e
institucionais, ou seja, há de se considerar o papel instrumental e constitutivo desempenhados
pelas coletividades e isso é fundamental para compreender a força das capacidades coletivas
quando proporcionam aos indivíduos atuarem como agente de mudança social. Capacidades
coletivas, portanto, pressupõe agência humana coletiva e com caráter empoderador, permitindo
que outros agentes obtenham novas capacidades.

2.2 Instituições, território e o papel das novas institucionalidades no desenvolvimento


territorial

As novas institucionalidades representam, como definido em Delgado e Leite (2011), o


conjunto de instituições no sentido de regras de funcionamento, normas existentes (explícitas e
implícitas) e organizações colegiadas criadas pelos programas federais (e estaduais) para
conduzir a gestão social, a governança e a escolha dos projetos estratégicos da política
51

territorial, com a participação de representantes do Estado e da sociedade civil e com o


propósito de descentralização e empoderamento dos atores sociais. Nesta direção, o presente
estudo adotará a Economia Institucional enquanto suporte teórico de onde serão retirados os
instrumentos para analisar o papel das políticas públicas, as novas institucionalidades e a gestão
social para o desenvolvimento territorial, tendo um olhar especialmente voltado para o
Colegiado Territorial e o seu papel no fortalecimento da participação social, no
acompanhamento, monitoramento e controle público das ações implementadas.
Resulta desta concepção, o entendimento de que efetividade e o êxito das novas
institucionalidades, da participação e de uma concertação social, requer a construção de um
capital social considerado aqui como de fundamental importância para uma efetiva mudança
institucional em torno de uma identidade e de um valor comum, a despeito do reconhecimento
da existência de obstáculos para este fim. Esta seção pretende situar as institucionalidades
criadas no âmbito da política territorial no quadro teórico da Economia Institucional, buscando
entender como as instituições operam enquanto fonte de constrangimentos, mas também
enquanto capacitadoras da ação humana, enquanto constitutivas de capacidades coletivas e
institucionais dentro da política de desenvolvimento territorial.

2.2.1 O Institucionalismo e seus pressupostos teóricos

O pensamento institucionalista ganha força no início do século XX, entre os anos de


1920 e 1930 nos centros acadêmicos norte-americanos, tornando-se uma das principais escolas
do pensamento heterodoxo. De acordo com a literatura, tem como origem o pensamento de
Thorstein Veblen com o artigo seminal Why is Economics not an Evolutionary Science?
publicado em 1898, no qual o autor defende uma ciência econômica que reconheça o processo
evolutivo das instituições. Entretanto, de acordo com Morais e Azevedo (2012), a economia
institucional ficou fortemente desacreditada durante um período aproximado de 40 anos, até o
surgimento de novas abordagens a partir da década de 1980, como a Nova Economia
Institucional (NEI) e o Neoinstitucionalismo.
A essência da economia institucional, fundamentada no institucionalismo originário de
Veblen, é uma concepção que se propõe revolucionária e, portanto, de resistência, de que a
economia é moldada por forças coletivas e não um sistema mecânico ou um conjunto de
preferências individuais. Essas forças incluem, como destaca Amin (1999, p. 367), instituições
52

formais, como regras, leis e organizações, bem como instituições informais ou tácitas, como
hábitos individuais, rotinas de grupo e normas e valores sociais.
Adicionalmente, Reis (2007) não deixa perder de vista que ao falar de institucionalismo
(ou institucionalismos, com ele recorrentemente enfatiza) é preciso considerar “o Estado e a
sua estrutura, natureza e forma de representar os cidadãos e o coletivo”. Também é o mercado
e o “significado da troca e do negócio na calibragem da sociedade”. O institucionalismo
também se ocupa da comunidade e das relações horizontais de proximidade que nos integram
socialmente e criam densidades territoriais específicas, de que as cidades e as regiões são
exemplos. São também “as empresas e os modos como se organiza a produção e a criação e
distribuição de riqueza”. E, naquilo que nos interessa olhar mais de perto neste trabalho, as
instituições também se manifestam nas associações e nas formas de expressão da organização
coletiva dos cidadãos, nas redes e no desenvolvimento de formas relacionais de organização
dos atores, processos e territorialidades.
Com base em alguns trabalhos observados na literatura internacional e nacional
(EGGERTSSON, 1990; ARVANITIDIS, 2004; CONCEIÇÃO, 2001; MORAIS;AZEVEDO,
2012) três grandes grupos podem categorizar as correntes institucionalistas mais influentes: o
antigo institucionalismo norte-americano de Thorstein Veblen, John Rogers Commons e
Wesley Clair Mitchel; a Nova Economia Institucional (NEI) de Ronald Coase, Oliver
Williamson e Douglas North; o neoinstitucionalismo de John Kenneth Galbraith, Allan Gruchy,
Geoffrey Hodgson, Warren Samuels e Malcolm Rutherford.
A NEI encarna os pressupostos e princípios do institucionalismo enquanto restrições e
possui dois principais níveis de análise, um macro e um micro. O primeiro se debruça sobre o
ambiente institucional e sobre o processo pelo qual ocorre a mudança institucional, e tem como
objeto de estudo questões como contratos, leis, normas, costumes, convenções, ou seja, as
instituições formais e informais. Essa abordagem tem Douglass North como o seu principal
teórico cuja obra Institutions, institutional change and economic performance (1990) é a
principal referência nesse campo. O segundo nível de análise trata dos arranjos institucionais
ou mecanismos de governança, com ênfase nos custos de transação cujos princípios teóricos
evoluíram a partir dos trabalhos de Oliver Williamson (Markets and Hierarchies, 1975; The
Economic Institutions of Capitalism, 1985; The Mechanisms of Governance, 1996). Nesse nível
analítico, a ênfase recai sobre as restrições impostas pelo ambiente institucional, sobre o
entendimento de que a racionalidade é limitada e sobre possibilidade de comportamento
oportunista. Portanto, interessa ao institucionalismo dos custos de transação a organização e
coordenação das relações contratuais (os mecanismos de governança).
53

North (1991, p. 97) definiu instituições como sendo restrições humanamente concebidas
que estruturam a interação política, econômica e social. Elas consistem em restrições informais
(sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta) e regras formais (constituições, leis,
direitos de propriedade), sendo, portanto, “as regras do jogo em uma sociedade” (NORTH,
2018, p.13). De acordo com o referido economista norte americano, as instituições reduzem a
incerteza ao conferir uma estrutura estável à vida cotidiana, sendo um guia para a interação
humana, pois, definem e limitam o conjunto de escolhas dos indivíduos. Essas limitações são
impostas pelas restrições e “as instituições abrangem quaisquer formas de restrição que os seres
humanos engendrem para moldar a interação humana” (NORTH, 2018, p.14).
Por sua vez, Chang (2002, tradução nossa) embora não descarte o caráter
restritivo/constrangedor das instituições, considera mais importante compreender as
instituições também moldando os próprios indivíduos, logo, estes não são pré-formados e
imutáveis como quer a NEI, ou, como contestado em Hodgson (1994), indivíduos que
permanecem entidades atomísticas, que agem perante restrições e convenções ou perante as
possibilidades que se lhes abrem. As instituições são dispositivos que possibilitam a realização
de metas que exigem coordenação supraindividual, são constitutivas dos interesses e visões de
mundo dos agentes. As instituições, assim, assumem uma função muito mais ampla de
constituir e possibilitar a ação humana, além de apenas restringi-la.
Nessas bases, os neoinstitucionalistas reconhecem o importante papel das instituições
não apenas em restringir o comportamento individual, mas também em fornecer a estrutura
cognitiva para interpretar os dados dos sentidos e transformar as informações em conhecimento
significativo. O argumento é que o ambiente institucional tem um efeito significativo na
percepção humana, preferências, expectativas e comportamento (Myrdal, 1957; Ayres, 1962;
Hodgson, 1988; Chang, 2002; Arvanitidis, 2003). Além disso, a referência à função cognitiva
das instituições é importante para compreender não só a sua relativa estabilidade e capacidade
de replicação, mas também a sua virtude em reduzir a instabilidade e a incerteza nos assuntos
humanos. A forte interação entre instituições e cognição individual pode explicar alguma
estabilidade significativa nos sistemas socioeconômicos.

2.2.2 Instituições importam, o território também: uma aproximação institucional para a


abordagem territorial

Esta seção descreve alguns elementos que mostram como as categorias território e
instituições estão intimamente interligadas por elementos comuns e que as constituem, a
54

exemplo da cultura, das interações, das rotinas, das mobilidades e territorialidades. Em uma
abordagem territorial importa saber como o território torna-se o elemento central enquanto
espaço de proximidades e diferenciações, determinadas por condições materiais e simbólicas e,
por isso, um espaço relacional que estrutura as interações econômicas, políticas e culturais.
Especificamente sobre a política de desenvolvimento territorial, importa saber em que medida
essas condições intervém e são afetadas pelos mecanismos de governança.
Reis (2007, p. 241) diz que as perspectivas territorialistas que surgiram a partir da
segunda metade do século XX tem como pressuposto entender como o espaço desempenha
papel importante no conhecimento e na “formação das estruturas e das dinâmicas sociais
contemporâneas”. O autor chama atenção para o fato de que, quando se trata do
desenvolvimento econômico, o componente espacial é tão fundamental e determinante quanto
o tempo, pois, se reconhece a existência de diversidade espacial na forma como se manifesta os
fenômenos sociais.
A abordagem territorial pretende, então, superar o antigo modo setorial de enxergar a
heterogeneidade, em que toda a análise se concentrava na agricultura e no rural como elementos
de diferenciação relativos à natureza urbana e industrial. Nesse sentido, o território volta a
ganhar importância e, seguindo de perto o que propõe Reis (2007, p.193), ele deve ser
considerado enquanto meio e contexto de vida e de “organização material e simbólica e
enquanto capital de possibilidades e de conhecimentos”. Também deve ser compreendido a
partir da iniciativa (a agência) enquanto expressão das capacidades dos atores. Interessa
também compreender os sistemas locais e as redes de proximidade que são organizadas pela
economia moral e ética dos comportamentos produtivos e institucionais. A heterogeneidade
socioeconômica, nesse sentido, deve ser avaliada não a partir dos setores diferenciados pelas
relações de propriedade ou pelas características técnico-produtivas, mas sim, conforme defende
Reis (2007), é o território que deve ser o elemento central enquanto espaços de vida coletiva
diferenciados por características de natureza material e simbólica.
Sob uma perspectiva institucionalista, a abordagem territorial do desenvolvimento
pressupõe uma interpretação sobre a natureza das estruturas e das dinâmicas da sociedade e da
economia (portanto, territoriais), um entendimento sobre como alcançar a “coordenação dos
processos coletivos”, sobre “o papel desempenhado pelos atores neles intervenientes” e sobre
as “relações (hierárquicas ou não) entre atores e processos de diferentes escalas especiais”
(REIS, 2007, p.242). Temos aqui, então, uma aproximação entre território e instituições, uma
relação de causalidade mútua, pois, o entendimento das estruturas e das dinâmicas sociais
passam pela compreensão de elementos comuns às instituições e à genealogia dos processos
55

territoriais: os atores, as interações, os poderes (a morfologia do poder), as capacidades e as


iniciativas.
Sobre a natureza das estruturas e das dinâmicas territoriais, Reis (2007, p.250-251)
estabelece três dimensões: proximidade; densidade e polimorfismo estrutural. A proximidade e
a densidade “formam a rede matricial interna dos territórios: representam a identidade, a
copresença e a capacidade dinâmica, assim como representam o conflito, a ausência, as
tendências regressivas”. O polimorfismo estrutural representa essencialmente “as relações de
poder em que os territórios participam (e que podem ser positivas ou negativas, promocionais
ou degradativas) e o modo como esses territórios se inscrevem no mapa estrutural do mundo”.
Quando tais elementos não são considerados, corre-se o risco de tratar o espaço, a região, como
um lugar comum, enquanto ativo relacional, de todos os grupos e de todos os interesses que o
constituem. Nesta conformação, “as regiões são espaços abertos, instrumentos necessários das
visões liberais que veem nelas entidades úteis para a promoção da inovação e da aprendizagem
na economia global, que é quem as molda e lhes define as possibilidades” (REIS, 2007, p. 255).
Isso anula a materialidade territorial e deixa de lado qualquer possibilidade de entendermos a
morfologia, não só do poder, mas também das próprias realidades socioeconômicas.
Portanto, uma perspectiva institucionalista para o território debruça-se sobre as
territorializações dos processos e dos fenômenos sociais que são elementos radicais do
conhecimento das dinâmicas sociais e das formas de estruturação das sociedades. Mais do que
mobilidades, o território estabelece territorialidades das quais resultam processos constituintes
de transformações, diferenciação, regularidades, aprendizagem. Como esclarecem Saquet e
Sposito (2009), o território é resultado das territorialidades efetivadas pelos homens,
significando relações sociais simétricas ou dessimétricas que produzem historicamente cada
território, ou seja, todos processos espaço-temporais e territoriais inerentes a nossa vida na
sociedade e na natureza.
Isso nos coloca diante daquilo que Pecqueur (2005, p.13) chama de “território
construído”, território enquanto construção social, em oposição ao “território dado”, um
território institucional, político-administrativo. No Brasil, os territórios submetidos às políticas
públicas foram delimitados a partir de uma regionalização, cuja base foi o conjunto de
municípios com características econômicas, sociais e culturais comuns, especialmente
municípios que compartilham das mesmas necessidades e vulnerabilidades. No estado da
Bahia, essa regionalização foi criada a partir de uma identidade comum, determinada pela base
econômica, pelos aspectos culturais e modos de vida, os Territórios de Identidade. Essa
delimitação, dada por um processo político-administrativo representa o “envolvente”
56

(PECQUEUR, 2005, P.13), aquilo que contém o resultado de processos de relações sociais, da
construção social do território ou territórios. Ou seja, em um território dado pode haver vários
territórios construídos.
O Território de Identidade Litoral Sul é um exemplo de uma unidade espacial de
planejamento, um “território dado” que abriga múltiplos territórios interrelacionados. Em sua
genealogia dos processos que o constituem, estão presentes relações de proximidade e
densidades (sua rede matricial interna) e relações de poder e assimetrias. Como veremos
adiante, o Litoral Sul abriga projetos e iniciativas que se apropriam de ativos territoriais e até
mesmo reivindicam uma identidade territorial em favor de grandes empreendimentos, a
exemplo do complexo turístico, da cadeia produtiva do cacau e chocolate e dos latifundiários,
os quais rivalizam e disputam o espaço com outros movimentos reivindicatórios, como os
assentados, trabalhadores sem-terra, trabalhadores da agricultura familiar, trabalhadores rurais
assalariados, povos indígenas, comunidades tradicionais e movimento ambientalista.
Portanto, o território sob tais condições, entendido como “dado” e, ao mesmo tempo
“construído”, é melhor compreendido como um território-rede. Mais à frente isso será melhor
detalhado. Por enquanto, importa compreender como essa relação entre instituições e território,
ou institucionalidades e territorialidades, desempenham papel central nos mecanismos de
governança dado o relevo que esta tem dentro da política territorial.

2.2.3 Instituições, novas institucionalidades e a governança territorial

Na última década do século XX a governança teve sua abordagem ampliada, passando


a ser focalizada tanto na capacidade do Estado quanto da iniciativa privada e da sociedade civil
como atores do desenvolvimento e, assim, passou a ser enfatizada a sua natureza democrática,
abrangendo mecanismos de participação, formação de compromissos, pactos e envolvimento
da sociedade civil. Mayntz (2005) relata que o termo passou a ser utilizado para indicar uma
nova forma de governar que é diferente do modelo de controle hierárquico, uma forma mais
cooperativa na qual atores estatais e não estatais participam de redes mistas público-privadas.
Nesta direção, a questão colocada por Reis (2007) quanto à governança, é sobre a
coordenação das diversas ordens relacionais, considerando que a lógica de organização
hierárquica vertical nunca conseguiu, e, tampouco agora, captar o essencial da ação coletiva.
Também não se pode compreender de forma adequada como as relações coletivas se
territorializam a partir de um único mecanismo de coordenação, por exemplo, o mercado. Como
57

bem explica o referido autor (2007, p.38), “a morfologia do poder e das interações nas
sociedades de hoje é plural, complexa e reticular”. Nesse caso, importa compreender que o
tecido econômico, social e político é originado por uma matriz de relações interdependentes,
prevalecendo, assim, ordens relacionais. Assim sendo, o ordenamento da diversidade representa
o elemento-chave dos mecanismos de governança.
A ideia central sobre a qual se debruça a governança (incluindo a territorial) é a de
imperfeições e assimetrias. Disso resultam, por um lado, “condições naturais para a geração de
interdependências ativas, para a criação de dinâmicas e para a intencionalidade positiva de
atores” e, por outro lado, surgem limitações provenientes do modelo cognitivo (a racionalidade
é limitada), da incerteza e do oportunismo, ou seja, limitações advindas da “fricção do sistema
econômico e dos custos de o fazer funcionar”. Esta última perspectiva é própria do quadro
analítico da economia dos custos de transação de Oliver Williamson (REIS, 2007, p.38). Assim,
a governança pode ser definida como “o conjunto de processos pelo qual se coordenam ordens
relacionais diversas e parciais, através de relações dos poderes diferenciados de mecanismos
plurais e de vocabulários cognitivos próprios, tendo em vista a geração de dinâmicas societais
e organizacionais” e, nesse caso, envolve “hierarquia” (poder e dissemelhança), “proximidade”
(interações e copresença) e “mudança” (redefinições situacionais) (REIS, 2007, p.40).
Amin (1999, p. 368, tradução nossa) apresenta o que ele chama de axiomas gerais da
governança. Primeiro, deve haver uma preferência por ações políticas destinadas a fortalecer
redes de associação, ao invés de ações que se concentrem apenas em atores individuais. Em
segundo lugar, parte do propósito da ação política pode ser incentivar a voz, a negociação e o
surgimento de racionalidades processuais e recursivas do comportamento, a fim de garantir
visão estratégica, aprendizagem e adaptação. Terceiro, ênfase nas ações políticas que visam
mobilizar uma pluralidade de organizações autônomas. Quarto, o estresse sobre formas
intermediárias de governança estende-se à preferência por construir uma ampla "espessura
institucional" local que possa incluir sistemas de apoio empresarial, instituições políticas e
cidadania social. Quinto, as soluções devem ser específicas do contexto e sensíveis às
dependências de trajetórias locais.
Os instrumentos analíticos da Nova Economia Institucional, precisamente em sua forma
particular dos custos de transação, têm sido utilizados para uma aproximação com essa forma
mais ampliada de considerar a governança. Dentro da NEI, o conceito de governança emerge
dos estudos dos custos de transação, especificamente de Oliver Williamson (1996), sobre os
mercados e as hierarquias como formas alternativas de organização econômica. De acordo com
Mayntz (2004) a tipologia de Williamson vem sendo ampliada para incluir outras formas de
58

ordem social como clãs, associações e redes, ou seja, considerando os mecanismos de


governança para englobar todas as formas de coordenação social, não só na economia
(mercados e hierarquias empresariais) mas também em outros âmbitos.
A economia dos custos de transação trata da identificação, explicação e a mitigação dos
riscos através da governança, a qual, é o meio pelo qual a ordem é realizada em uma relação
em que potenciais conflitos ameaçam desfazer ou perturbar oportunidades para realizar ganhos
mútuos (WILLIAMSON, 1996, p.12). Portanto, em um nível micro e meso analítico, as
estruturas de governança devem funcionar para reduzir os custos de transação, os riscos dos
oportunismos e das incertezas. Em um nível macro, a NEI direciona sua atenção ao ambiente
institucional. As estruturas de governança situam-se entre o ambiente institucional e os
indivíduos e se estabelecem em uma relação mútua entre esses níveis, ora sofrendo
intervenções, ora transformando e/ou restringindo o ambiente institucional e os indivíduos.
Essa perspectiva encontra nas políticas públicas de desenvolvimento territorial um
campo para o uso dos seus instrumentos analíticos, tendo em vista as institucionalidades que
foram criadas para a sua operacionalização. No Brasil, a política territorial implantada a partir
do ano de 2003 criou um quadro de institucionalidades no sentido de avançar na democratização
da gestão e controle social das políticas públicas ao ampliar os espaços públicos de participação
e compartilhamento de decisões. Representou um incremento na arquitetura institucional
vigente com novo conjunto de regras formais criadas para conduzir a gestão social e a
governança territorial com ênfase na participação dos representantes do Estado e da sociedade
civil. Esse tipo de arranjo institucional é o elemento chave dessa política, pois, não raro, o êxito
de uma determinada política de desenvolvimento (local, rural, territorial, endógena) depende
muito do nível de participação e mobilização dos atores locais e da capacidade de lograr uma
concertação social estratégica.
Portanto, podemos considerar que as políticas territoriais são aquelas em que a
coordenação entre atores se faz a partir das interdependências entre agentes ou entre agentes e
instituições, que originam dinâmicas específicas e que devem estabelecer laços entre os atores
sociais, estruturar e capacitar o território, desenvolver o capital social e dá coerência a políticas
setoriais. Na Bahia, as institucionalidades criadas no âmbito da política de desenvolvimento
territorial foram constituídas com o propósito de incentivar e valorizar a participação social nos
processos decisórios e de monitoramento das ações de planejamento e execução das políticas
públicas. Representam um conjunto de regras formais que pode assumir um caráter constitutivo
e capacitador sobre os hábitos e estrutura cognitiva dos atores sociais e que podem desencadear
um processo de mudança institucional.
59

De acordo com North (2018), quando incrementadas ao quadro institucional vigente, as


regras formais podem ser implementadas para modificar, revisar ou substituir restrições
informais e, por vezes, é possível suplantar as restrições informais existentes. No entanto,
suplantar ou modificar restrições informais a partir de regras formais constitui algo mais difícil
de ocorrer. Não podemos perder de vista o que diz Douglass North (2018) sobre a existência de
complexas relações entre restrições formais e informais, pois, como explica o autor, a interação
do regime político e da economia, os vários atores com diversos graus de poder de barganha
para influenciar a mudança institucional, o efeito da herança cultural, tudo isso contribui para
essa complexidade, especialmente quando as regras formais mudam, mas as restrições
informais não, gerando uma continua tensão entre as duas, dada a tenacidade destas últimas.
Essa tenacidade da qual North se refere está fortemente vinculada ao componente
cultural. São informações socialmente repassadas entre gerações, rotinas, costumes, tradições,
convenções e que expressam a persistência das restrições informais. Em virtude disso, as
restrições informais não mudam imediatamente quando mudam as regras formais. Ao contrário,
persistem tensionamentos entre as duas forças, exercendo efeitos com implicações
significativas sobre o desenvolvimento social e econômico. Segundo North (2018), o filtro
cultural proporciona continuidade de modo que as soluções baseadas em instituições informais
do passado se transpõem para o presente e se tornam importantes fontes de continuidade na
mudança social de longo prazo. Ou seja, a cultura constitui uma fonte de dependência de
trajetória e sua mudança acontece de forma incremental.
Em trabalho voltado para as questões do desenvolvimento rural no Uruguai, Miranda
(2006, p.60) aponta que a desigual distribuição do poder entre os atores pode inviabilizar o
processo de mudança institucional. Nesse caso, os modos de transação são definidos por aqueles
que possuem maior poder, o que emerge dificuldades de manter relações de cooperação e
maiores custos de transação. A solução, nas palavras do autor, requer um quadro institucional
completo de normas que são obrigatórias. Esse arcabouço institucional, juntamente com a
tecnologia institucional utilizada, pode determinar baixos custos de transação e negociação,
possibilitando as trocas e, mais genericamente, o desenvolvimento. Manzanal (2006, p. 21,
tradução nossa) considera que a questão-chave para o desenvolvimento rural deve ser a
concertação público-privada através da promoção das relações entre os atores locais, a
mobilização da população, a coesão social, a identidade cultural, a colaboração entre as
instituições e formação de redes.
Contudo, Favareto (2010) destaca que a implementação dessa nova visão esbarra em
algumas questões em relação ao lugar que o rural ocupa, chamando atenção para o caráter
60

residual do rural e sua associação automática à ideia de pobreza e de atraso (um mito construído)
que restringem de partida as possibilidades de investimentos científicos, políticos e
econômicos, gerando um ciclo que reforça essa posição marginal do rural. O autor não vê sinais
de uma verdadeira mudança institucional enquanto o encaminhamento dos esforços ao
desenvolvimento rural associar a ruralidade à pobreza e ao lugar destinado à produção de bens
primários, na forma de dependência de trajetória como definido pelo individualismo
metodológico do institucionalismo de Douglas North.
Nas palavras de Favareto (2010, p. 301), as regras do jogo continuam fortemente
orientadas pelo viés setorial, na formulação das políticas e na mobilização dos atores. A nova
visão do desenvolvimento rural “(...) não foi acompanhada da criação de novas instituições
capazes de sustentar esse novo caminho”, mas sim, como sugere o autor, parece ocorrer “uma
incorporação por adição dos novos temas em que, sob nova roupagem, velhos valores e práticas
continuam a dar os parâmetros para a atuação dos agentes sociais, coletivos e individuais na
forma de uma dependência de trajetória. No mesmo trabalho, o autor (p. 314) explica como a
mudança institucional pode acontecer e, assim, promover a superação do enfoque setorial das
políticas voltadas ao desenvolvimento rural. Primeiro, a mudança pode ocorrer através de longo
processo incremental pelo aprendizado, o que seria “a forma mais comum, mas também a
menos direcionável”. Segundo, a mudança pode ser obtida “pela alteração das posições e do
peso social dos agentes portadores das novas e das velhas instituições”, o que ocorre em
importantes momentos de rupturas, porém, raros. Terceiro, pode ser “induzida por alterações
nos sistemas de incentivos e constrangimentos”, sendo essa a mudança preconizada pelas
políticas públicas.
Favareto (2010) argumenta que a criação de instituições mais favoráveis à dinamização
dos territórios e à diminuição das desigualdades parece emergir de tecidos sociais marcados por
uma maior desconcentração e descentralização da posse das diferentes formas de capital (social,
humano, econômico, simbólico), pois estes são ambientes mais propícios ao engendramento de
formas mais dinâmicas de interação, facilitando o aprendizado coletivo e a cooperação que
estão na base da formação de novas instituições
Nesta direção, High, Pelling e Nemes (2005) indicam algumas possibilidades. Primeiro,
argumentam que, embora as abordagens institucionais no nível macro tenham reivindicado
algum sucesso em explicar o papel das instituições, ainda é pouco compreendido o
comportamento institucional dos indivíduos e das instituições informais, ou seja,
comportamentos que moldam as interações no nível micro. Ademais, algumas abordagens
procuraram tratar as intuições informais como fonte de inércia, resistência, ao invés de um
61

recurso para mudança. Segundo, para entender o papel das instituições, especialmente para uma
compreensão satisfatória das instituições informais, os autores sugerem dois padrões de
organização social: comunidades e redes. Redes e comunidades são fundadas em
relacionamentos de confiança. Dentro de uma comunidade, explicam os autores, a confiança
surge do interesse compartilhado e do envolvimento contínuo. Em uma rede, a confiança é
necessária para negociar um interesse mútuo e surge por meio do envolvimento contínuo.
Analisar conjuntamente estas duas estruturas sociais parece ser um caminho para o
entendimento das instituições informais e das realidades organizacionais formais presentes no
campo do desenvolvimento rural. As comunidades permitem compreender a força dos laços
sociais e sua resiliência, mas sem a função de ligação fornecida pelas redes elas correm o risco
de ficar isoladas do amplo conjunto de experiências e aprendizados humanos. Dentro da
abordagem das redes, uma das suas formas caracteriza-se por relações horizontais em que a
preocupação se funda na integração da economia rural não agrícola com um conjunto de
espaços urbanos e rurais (HIGH; PELLING; NEMES, 2005). Nesta direção, os laços
estabelecidos em uma comunidade dão substância ao capital social, a participação social, e, a
construção de redes lastreadas na reciprocidade podem oferecer contribuições ao entendimento
das instituições enquanto estruturas sociais capazes de promover transformações nas dinâmicas
territoriais.
Portanto, ao analisar as políticas territoriais sob uma perspectiva institucionalista é
preciso considerar o ambiente institucional em um nível macro e as estruturas de governança
em um nível meso e micro analítico, pois, são instâncias intervenientes tanto como restrições,
quanto como capacitadoras das ações e dinâmicas locais, podendo criar estabilidade ou reforçar
constrangimentos e oportunismos. Deve-se considerar também o território não só como um
recorte espacial para intervenção de políticas públicas, mas também, deve se ter um olhar para
a sua centralidade enquanto espaço de diversidade, diferenciação e proximidade, constitutivo,
pois, de mobilidades e dinâmicas próprias, de territorialidades, constrangimentos e
capacitações, onde a cultura assume papel determinante na trajetória de desenvolvimento do
lugar. Importa, então, entender a identidade territorial, as interações e a densidade intervêm nos
mecanismos de governança.
Dentro desta perspectiva, cabe ressaltar o papel da arquitetura institucional,
especialmente o papel do Codeter Litoral Sul nesse processo enquanto facilitador da
constituição de capacidades individuais, coletivas e institucionais, consideradas aqui como
necessárias no processo de participação social, de constituição de laços e redes sociais, de
aprendizagem e mudança cognitiva. A próxima seção retoma a discussão da abordagem das
62

capacidades, com ênfase nas capacidades coletivas, e, como estas podem se constituir em
capacidades institucionais em função das novas institucionalidades criadas.

2.2.4 Das capacidades coletivas às capacidades institucionais: uma perspectiva instrumental ao


Desenvolvimento Territorial

A abordagem do desenvolvimento humano foi sem dúvida um marco para uma nova
perspectiva em se olhar o desenvolvimento e para a constituição de políticas públicas de
combate à pobreza a partir da visão para além da falta ou insuficiência de renda. No entanto, a
abordagem privilegia a agência humana individual, como se o indivíduo de posse de suas
capacidades pudesse realmente escolher seu destino. Também se apresenta de forma
despolitizada e sem apresentar a face daquilo que concretamente impede a conquista das
liberdades individuais e coletivas de forma plena. Não apresenta, assim, a estrutura do modo de
produção vigente que opera em forma de uma agência antiliberdade. E, ao priorizar o indivíduo
como agente do seu destino, esconde um campo de luta com forças opostas e desproporcionais.
Fazendo assim, não revela o poder desse agente antiliberdade que insiste em oferecer projetos
de desenvolvimento à sua lógica, motivados por crescentes demandas por recursos naturais para
o centro de consumo e financiado pelo grande capital financeiro. Projetos estes que capturam o
Estado e subjugam populações tradicionais, indígenas e agricultores familiares em nome do
progresso.
Deste modo, quando se pensa em desenvolvimento territorial, considerando que o que
dá sentido a essa abordagem é a busca por soluções pautadas na interação social, na criação e
fortalecimento de laços e redes culturais e sociais, compartilhamento de experiencias, inclusão
socioprodutiva, cidadania e participação social, o conceito de capacidades coletivas torna-se
uma base fundante para construir uma visão centrada em valores socialmente compartilhados a
partir de um processo de concertação social.
Cada território possui suas especificidades, suas dinâmicas socioprodutivas,
características identitárias, ou seja, suas territorialidades próprias. Pensar o desenvolvimento é
tratar dessa complexa trama de relações sociais e institucionais presentes nos municípios que
integram um território. A sua indução requer, nesse caso, para além do comprometimento dos
agentes territoriais com a concertação social, o reconhecimento de que elementos sistêmicos
operam para limitá-la, a exemplo dos fatores conjunturais, estruturais, o ambiente institucional
e as disputas em vista dos interesses de classes divergentes, o que, tem efeitos sobre as
institucionalidades criadas com a política territorial.
63

As institucionalidades criadas no âmbito da política territorial são aqui defendidas como


necessárias para que as capacidades coletivas se articulem quando da consecução dos objetivos
socialmente valorizados. Representam o conjunto de regras e normas, espaços e fóruns
consultivos, conselhos, colegiados de desenvolvimento territorial, instrumentos de
planejamento participativo etc., e sua análise será baseada no quadro teórico institucionalista,
regido por normas e regras formais e não-formais e hábitos individuais e coletivos, ou seja,
instituições. As instituições se mostram determinantes seja de forma restritiva ou capacitadora
para as coletividades. Instituições enquanto capacitadoras significa que, para além do seu
caráter instrumental, também são constitutivas de novos hábitos, podem capacitar os indivíduos
para o processo político-participativo e a tomarem posição de agenciamento no processo de
desenvolvimento. Nesta direção, quando a gestão social e os mecanismos de governança do
território estão amparados por um quadro de capacidades institucionais, poderão surgir daí
condições concretas que podem contribuir para a concertação social, mediada principalmente
por instrumentos de controle social e interlocução com a sociedade.
No contexto do desenvolvimento territorial essas capacidades também estão associadas
àquilo que Druciaki (2017) chama de fatores intangíveis, resultantes de uma construção social
estritamente vinculada à cognição dos atores sociais a empreender ações coletivas de interesse
comum. Representa também a capacidade de mobilização social, política e de cooperação com
vistas a melhor trabalhar seus recursos territoriais.
A capacidade de mobilização é determinada principalmente pelos atores sociais
representantes da sociedade organizada e que são interligados justamente pelas
institucionalidades constituídas, capazes de induzir um processo de desenvolvimento no
território. Estes atores, como explica Druciaki (2017), são os representantes diretos da
governança territorial e assumem a tarefa de promover e participar do processo decisório que
influenciará nos rumos do território.
As capacidades institucionais, portanto, devem ser entendidas como o conjunto de
forças e qualificações da sociedade civil e poder público capaz de mobilizar e interconectar os
principais fatores intangíveis resultantes das capacidades coletivas como o capital social e o
capital institucional, determinantes, pois, para a governança e gestão social do território.
Compreende dessa forma instituições formais e informais abrangendo por exemplo órgãos
estrategicamente estabelecidos no território e com ações diretamente associadas a indução do
desenvolvimento e, acima de tudo, inter-relacionadas. Esse conjunto de organizações
juntamente com as normas e regras formais ou não, podem facilitar a concertação social e a
governança do território.
64

O Território Litoral Sul é privilegiado por abrigar importantes entidades públicas e da


sociedade civil, detentoras de expressivo conjunto de capitais científico e tecnológico, a
exemplo da Universidade Estadual de Santa Cruz, da Universidade Federal do Sul da Bahia,
dos Institutos Federais, do complexo Sesi-Senai, da Ceplac e do Instituto Biofábrica do Cacau.
Destacam-se também entidades que desempenham papéis estratégicos para as prefeituras na
captação e execução de projetos, como os consórcios intermunicipais. De igual forma, também
são importantes as entidades e os movimentos sociais ligados aos trabalhadores rurais como a
Fetag, MST e MLT. Todas essas entidades tem assento no Codeter Litoral Sul, mas, como
veremos adiante, parecem agir de forma isolada ou integram projetos alheios à proposta
territorial.
Como explica Wesendonck (2017), a noção de capital institucional está relacionada à
profundidade das relações organizacionais no território, regidas por regras concertadas para a
promoção do desenvolvimento territorial tendo como premissa básica a inserção social,
cooperação entre indivíduos e a participação entre as instituições (organizações) internas do
território. Entretanto, embora a constituição de capacidades institucionais possa representar um
trunfo para o desempenho do Codeter Litoral Sul enquanto dispositivo de governança e gestão
social do território, a literatura e as experiências nos colegiados territoriais no Brasil revelam a
existência de condições que limitam a efetividade desses espaços. Constam como principais
problemas, além do caráter setorial já discutido anteriormente, a ausência do poder público
municipal nas discussões, reduzida legitimidade e autonomia dos colegiados territoriais,
domínio de grupos de interesse, influência política e ausência de segmentos do setor privado
(PIRAUX et al., 2017; DELGADO; GRISA, 2014; DELGADO; GRISA, 2015; DELGADO;
LEITE, 2011)
Entendendo que as capacidades institucionais são fundamentais para a efetividade da
Política Pública Territorial, no ano de 2011 a então Secretaria de Desenvolvimento Territorial
(SDT) do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), assim as definiu:

(...) condições e recursos disponíveis às estruturas organizativas do Território -


considerando seu arranjo político-institucional - e às organizações autônomas da
sociedade civil e de representação estatal/social, para a gestão social das políticas
públicas, bem como para a execução dos seus projetos” (BRASIL, 2011, p.1).

A presente pesquisa se inspira nesta ideia de capacidades institucionais e procura


vinculá-la ao marco teórico da Economia Institucional ou Institucionalismo Econômico, ou
seja, levando-se em conta o papel das instituições no âmbito das políticas de desenvolvimento
65

territorial. Isso implica em considerar estratégias baseadas no coletivismo metodológico,


reconhecendo que o processo de desenvolvimento embora seja complexo e multidimensional,
deve ser inclusivo, cujas condições determinantes são temporais, espaciais, culturais e
institucionais, e, nesse caso, as territorialidades estão intrinsecamente ligadas às instituições e
juntas estruturam interações e relações sociais.
Portanto, a concepção de capacidades institucionais aqui considerada remete ao
conjunto de atributos, recursos materiais e imateriais, arranjos político-institucionais, que
emergiram ou deveriam emergir das institucionalidades criadas com a política de
desenvolvimento territorial nas esferas federal e estadual, a exemplo dos Colegiados
Territoriais, capazes de induzir os municípios do TLS a uma trajetória de desenvolvimento,
cujos pressupostos básicos, assumidos neste trabalho, assentam-se na possibilidade de uma
mudança institucional. Conta a favor disso, uma estrutura de governança efetiva, ou seja, que
minimize os efeitos negativos de comportamentos oportunistas e do ambiente institucional, que
promova uma maior e mais qualificada participação social, fortalecimento do capital social,
incentivo a novas dinâmicas econômicas rurais não-agrárias e inclusão socioprodutiva,
especialmente tendo os recursos territoriais e identitários como vetores.
É necessário também reconhecer que o funcionamento e o desempenho do colegiado
territorial enquanto espaço institucional de participação e dispositivo de governança territorial
são determinados não apenas por sua organização interna, competências ou habilidades do seu
grupo gestor, mas também por condições conjunturais, estruturais, relações assimétricas de
poder, pelo ambiente institucional e pelas restrições formais e informais. Também ocupa lugar
importante nessa discussão, a formação territorial em seus aspectos sociais, econômicos e
culturais, como elementos intervenientes sobre o comportamento dos atores sociais e
direcionamento das ações estratégicas para o território.
66

CAPÍTULO 3 – FORMAÇÃO TERRITORIAL DO SUL DA BAHIA: da economia


cacaueira às novas territorialidades

3.1 Aspectos da regionalização do espaço sul baiano

O conceito de território é um elemento-chave nas agendas de pesquisa em torno das


políticas públicas de desenvolvimento territorial, embora, por muitas vezes as abordagens de
tais políticas o tomem como um elemento reificado, homogêneo, negligenciando suas
dinâmicas e territorialidades próprias e específicas. O processo de regionalização do espaço
geográfico que o instrumentaliza e o denomina de “território”, enquanto unidade de
planejamento para a ação de políticas públicas, mostra alguns limites para o fortalecimento das
territorialidades e das identidades, a exemplo da enorme extensão geográfica que foi atribuída
a algumas dessas escalas regionais, como é o caso do Território de Identidade Litoral Sul da
Bahia. Como consequência, esses espaços geográficos, enquanto unidades de planejamento,
compreendem dentro dos seus limites uma vasta diversidade de culturas, tradições, modos de
vida, dinâmicas socioprodutivas e territorializações que geralmente não são capturadas e, para
os quais, não convergem esforços em direção a uma estratégia comum de desenvolvimento.
Em se tratando do Litoral Sul, antes de uma escala espacial de planejamento e
intervenção, é um espaço que foi apropriado e dominado pela monocultura agroexportadora
cacaueira e cujas relações econômicas, sociais e culturais foram por ela determinadas. A
cacauicultura se tornou predominantemente a base econômica de uma escala regional
constituída por 41 municípios e denominada de Microrregião Geográfica Ilhéus-Itabuna, de
acordo com a então classificação regional criada pelo IBGE em 1990 (Figura 3), também
designada de Região Cacaueira do Sul da Bahia ou, simplesmente, Região Cacaueira. Por sua
vez, dentro dessa mesma classificação, a Microrregião Geográfica Ilhéus-Itabuna está inserida
na Mesorregião Geográfica Sul Baiano (Figuras 1 e 2) ou Região Sul da Bahia, a qual contempla
também as Microrregiões de Valença (10 municípios) e a de Porto Seguro (19 municípios).
67

Figura 1 - Mesorregiões geográficas do Estado da Bahia, 2018

Fonte: BAHIA/SEI (2020).

Embora o cacau sempre estivesse presente na Região Sul da Bahia, são os municípios
que compõem a Microrregião Ilhéus-Itabuna que concentraram o maior volume de produção
do fruto e que sofreram os efeitos mais diretos em suas estruturas sociais. O Litoral Sul faz
parte de uma regionalização no âmbito da Política de Desenvolvimento Territorial do Estado
da Bahia, regionalização essa denominada de Territórios de Identidade, formada por 27
territórios (Figura 3). Nesta abordagem, a Região Sul da Bahia abrange 4 Territórios de
Identidade: Baixo Sul; Litoral Sul; Costa do Descobrimento; Extremo Sul. Fazem parte do
Território Litoral Sul 26 municípios que sofrem mais diretamente a influência dos municípios
68

de Ilhéus e Itabuna e, por conseguinte, mais homogêneos quando se trata da produção e dos
efeitos da cacauicultura.

Figura 2 - Microrregiões Geográficas do estado da Bahia, 2018.

Fonte: BAHIA/SEI (2020).


69

Figura 3 - Territórios de Identidade da Bahia

Fonte: Santos (2019).

Sobre o papel desempenhado pelo cacau no Sul da Bahia, Milton Santos (1957, p.8) já
destacava a sua importância enquanto produção agrícola, sendo “o responsável por inúmeros
dos traços da fisionomia do seu habitat, tanto no aspecto econômico, como no social, e, até
mesmo, no psicossocial”. Em outra obra sobre a Região Cacaueira, Rocha (2008) relata que
monocultura do cacau foi responsável pela formação de classes socioeconômicas, compostas
por coronéis, comerciantes e trabalhadores rurais, sendo signo de dominação, riqueza, crises,
pobreza e crescimento. Nas palavras da autora, o cacau é “um signo regional de grande
expressão, por ter sido o produto agrícola mais importante do Sul da Bahia a ponto de constituir,
geográfica e economicamente, em sua área de atuação, uma microrregião cacaueira” (ROCHA,
70

2008, p. 15). A autora detalha essa condição de signo regional descrevendo como o cacau se
manifestou em todos os momentos do desenvolvimento, das crises e da reestruturação da região
Sul da Bahia:

Considerado o manjar dos deuses pelos sacerdotes astecas, fruto de ouro pelos
exportadores, registrado pelos escritores e internalizado pela população, virou
riqueza, viveu grandes crises, ultrapassou as fronteiras do Sul da Bahia ganhando o
mundo nas páginas literárias, poesia, teatro, filmes, cordel. Marcou e marca presença
nos mais importantes momentos da vida regional. Impulsionou o aparecimento e,
muitas vezes, o declínio de povoados, vilas e cidades. Foi o pivô de crises cíclicas em
função de doenças que o acometeram, de preços aviltantes no mercado internacional,
de quem é refém. Foi o personagem principal de muitos romances, crônicas, poesias
e literatura de cordel. É tema recorrente de monografias de conclusão de curso,
especialização, dissertações de mestrado, teses de doutorado. Foi o modelador de uma
civilização do cacau com seus desbravadores, coronéis, jagunços, contratistas,
alugados, caxixes, juparás. Trouxe a CEPLAC, uma comissão que, apesar de ter
função provisória, persiste como tal desde 1957. Permitiu a construção de estradas,
escolas e da universidade mais importante da região, a hoje Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC). Por ele muitos nasceram, cresceram, morreram e mataram. Todo
este poder o cacau tem, pois foi dado aos humanos como uma dádiva dos deuses,
conforme a mitologia (ROCHA, 2008, p. 125).

Figura 4 - Território de Identidade Litoral Sul da Bahia

Elaboração: Alan Azevedo P. dos Santos


71

Todo esse contexto foi sintetizado naquilo que Asmar (1983, p. 69) chamou de “Pobre
Região Rica”, marcada pela natureza contraditória de um modelo monocultor-exportador que,
ao mesmo tempo que foi símbolo de riqueza, também aprofundou as desigualdades sociais.
Portanto, pretende-se abordar neste capítulo as condições econômicas, sociais e culturais que
definiram a formação do Sul da Bahia, considerando a sua intrínseca relação com o cultivo do
cacau, uma monocultura cujas características e condições se assemelharam a outros cultivos em
outras partes do Brasil quando se pensa no processo de apossamento das terras e avanço da
fronteira agrícola a partir do século XIX.
Nas próximas seções serão abordados elementos constitutivos da formação
socioeconômica do Sul da Bahia, o papel da economia cacaueira e os processos de
territorializações ocorridas no referido espaço. Inicialmente, será apresentada uma breve
descrição do processo de colonização no Sul da Bahia, o qual, longe de ser um processo que
estimulou a formação de inúmeras pequenas propriedades, contribuiu para a concentração
fundiária. Em seguida, será feita uma discussão buscando encontrar, inspirado no trabalho de
João Pacheco de Oliveira (2016), elementos históricos e sociais que expliquem a Região
Cacaueira como uma fronteira, enquanto mecanismo de incorporação de novas terras, em
condição subordinada e dentro da economia capitalista.
Além disso, será feito uma discussão sobre como a economia cacaueira, sob uma
estrutura política coronelista, contribuiu para reforçar comportamentos fortemente
individualistas e clientelistas de parte da sociedade sul baiana. Também não se pode
negligenciar o processo de territorialização de lutas pelo acesso à terra pelos índios e
trabalhadores rurais quando da expansão da cacauicultura. Outra discussão empreendida diz
respeito à crise da economia cacaueira no final da década de 1980 que provocou efeitos
devastadores na região e reconfigurou sua estrutura produtiva, provocando a construção de
novas territorialidades em torno do eixo Ilhéus-Itabuna.

3.2 Processo de colonização e origens da concentração fundiária no Sul da Bahia

O Sul da Bahia ocupou lugar de importância quando se tentou empreender um processo


de colonização dirigida em terras baianas a partir da primeira década do século XIX. Por meio
da doação de sesmarias a colonos nacionais e estrangeiros seguiu-se a mesma dinâmica de
outras regiões do país cujos objetivos estavam vinculados aos princípios da colonização
agrícola. Tais objetivos estavam sob a orientação de uma política liberal do governo imperial
voltada a implantar em uma estrutura escravocrata e latifundiária novas relações de produção
72

de base capitalista priorizando preencher as áreas despovoadas do país e substituir o trabalho


escravo por mão-de-obra livre e, ainda, incentivar o surgimento de pequenas propriedades de
núcleos coloniais. Como visto em Jones (2014), foi justamente na parte sul que ocorreram as
primeiras experiências de colonização agrícola do Estado, sendo iniciada no ano de 1816 a
primeira colônia com imigrantes estrangeiros não portugueses na tentativa de povoar aquela
região onde predominavam imensas florestas, povoados esparsos e população rarefeita.
A porção sul, da Bahia, foi descrita por Lyra (1982) como uma área pouco povoada e
com abundância de terras durante o século XIX e com forte potencial para a expansão agrícola.
O autor sugere que os núcleos coloniais agrícolas ali criados estavam diretamente vinculados a
uma política governamental muito mais voltada para direcionar o excedente populacional da
província para a constituição de mão-de-obra do que para a fixação de colonos enquanto
proprietários de terras.
Ainda sobre a colonização baiana, Jones (2014) defende que sua periodização pode ser
dividida em quatro fases: a primeira, entre 1816 e 1830 (colonização estrangeira); a segunda,
de 1857 a 1870 (colonização nacional); a terceira, do ano de 1873 ao de 1878 (retorno da
colonização estrangeira); e a última entre 1880 e 1900. Na primeira fase foram empreendidas
seis experiências de colonização estrangeira no Sul da Bahia por meio da cessão gratuita de
terras: a colônia Almada (1816), colônia Rio Salsa (1818), Leopoldina (1818), a colônia
Frankental (1821), a colônia de São Jorge dos Ilhéus (1822) e, a colônia Santa Januária (1828)
(LYRA, 1982; JONES, 2014).
Pelo que expõe o autor, quatro das colônias instaladas na primeira fase (Almada, São
Jorge, Leopoldina e Frankental) conseguiram cumprir o objetivo de povoar aquela parte da
Bahia. Já as outras duas colônias, desapareceram. Quanto ao objetivo de implantar o trabalho
livre e substituir o trabalho escravo, apenas por pouco tempo essa condição foi alcançada, pois,
as quatro colônias que sobreviveram tornaram-se fazendas e utilizaram mão de obra escrava.
Quanto ao objetivo de estimular a pequena propriedade através dos núcleos coloniais, o autor
afirma que essa meta foi cumprida em parte, tendo em vista que as quatro colônias seguiram
sua trajetória como fazendas de pequeno e médio porte. O que se sucedeu no Sul da Bahia levou
esta região a uma condição de alta concentração fundiária.
A segunda fase da colonização baiana (1857-1870) foi marcada pelos desdobramentos
ocorridos após a criação da Lei de Terras de 1850 e com a extinção do tráfico de escravos a
partir da lei Eusébio de Queiros naquele mesmo ano. A extinção do tráfico de escravos
significou escassez de mão-de-obra nos moldes escravocratas e a urgente necessidade de obter
braços para a lavoura. A Lei de Terras transformou a terra em mercadoria e incentivou a
73

iniciativa privada em criar colônias particulares. De acordo com Jones (2014), as experiências
voltadas à colonização neste período foram majoritariamente baseadas na atração de colonos
nacionais. Foram duas colônias formadas por imigrantes estrangeiros e sete formadas por
nacionais. As estrangeiras foram as colônias de Engenho Novo (1857) e a colônia de Jequiriçá
(1857). As nacionais foram as seguintes: colônia Sinimbú (1857), Rio de Contas (1857),
Nacional Agrícola (1857), Colônia do Salto do Rio Pardo (1857), Colônia de Comandatuba
(1867), Colônia Cachoeira (1870) e, Colônia Jequiriçá (1877).
Foi na terceira fase, de 1873 a 1878, que se deu a mais expressiva tentativa de
colonização por estrangeiros com quase dois mil colonos europeus instalados na região Sul do
Estado. Com a aprovação da Lei do Ventre Livre no ano de 1871, o programa de imigração foi
retomado pelo império de modo a substituir a mão de obra escrava pelo trabalho livre, não mais
com a criação de colônias, mas sim através de contratos particulares. O que o autor em revisão
relata é que no ano de 1873, através da Empresa Moniz, foram criadas as colônias Moniz e
Theodoro e os núcleos coloniais Rio Branco e Carolina, sendo as três primeiras na região de
Comandatuba e a última próxima ao rio Pardo. Para aquelas colônias foram introduzidos um
total de 1.825 imigrantes, em oito expedições, entre alemães, austríacos, suíços e poloneses. A
Figura 1 mostra a distribuição espacial das colônias no Sul da Bahia, entre os anos de 1816 e
1898.
A Lei do Ventre Livre (1871) teve papel decisivo para a promoção da colonização e
imigração quando passou a nortear as ações do império e das províncias e submeter os
produtores a uma legislação que os forçava a substituir o trabalho escravo por braços livres.
Jones (2014, p.68) ressalta que a questão econômica também foi determinante na “urgência em
promover políticas de colonização e imigração” na província a partir do ano de 1882, em meio
à crise da indústria açucareira sendo os imigrantes considerados como solução imediata
mediante projetos de colonização, onde as terras devolutas do sul da província ganharam a
atenção desse propósito.
Após decretada a abolição da escravatura no ano de 1888, a colonização no Sul da Bahia
foi fortemente marcada pelos esforços promovidos para a imigração como alternativa de oferta
de braços em substituição do trabalho escravo. O então governo republicano na primeira metade
dos anos de 1890 teve participação decisiva nos assuntos referentes à colonização e imigração,
quando intensificou as ações para trazer imigrantes europeus a fim de atender às demandas das
lavouras em expansão no sul do país, ao mesmo tempo aumentando os gastos com passagens,
alojamento, atendimento médico e ampliação do quadro de funcionários na capital e nos estados
(JONES, 2014, p.92).
74

Mais tarde, em decorrência dos efeitos da nova constituição de fevereiro de 1891, os


Estados passaram a assumir a responsabilidade sobre os assuntos relacionados à colonização e
imigração e, da mesma forma, o controle sobre as terras devolutas, iniciando um período de
redução da intervenção estatal e de apossamento das terras públicas. Segundo Silva (2002)
citada por Jones (2014, p.91) a ocupação territorial na primeira república foi caracterizada pelo
“liberalismo agrário” quando os prazos sucessivamente alargados para a efetivação das
legitimações seria uma marca presente em todos os estados da federação e refletiria os interesses
políticos após a proclamação da república.

Figura 5 - Distribuição espacial das colônias no Sul da Bahia, 1816-1898

Fonte: Jones (2014)

Os movimentos abolicionistas também foram decisivos nesse processo, fazendo surgir


associações com o objetivo de promover a substituição do escravo pelo trabalhador livre
75

imigrante. Na capital do império já havia se constituído, em 1880, a Sociedade


Central de Imigração e, mais tarde, em 1885, é fundada em Ilhéus a primeira filial baiana de tal
instituição: a Sociedade de Imigração de Ilhéus. Naquele momento o cacau já representava o
principal produto da pauta de exportações de Ilhéus, superando o Pará como maior produtor de
cacau do império. Como mostra a Figura 6, a partir da segunda metade do século XIX a
produção de cacau inicia um processo de expansão significativo chegando alcançar 2.608
toneladas no ano de 1885, um aumento de 3.377% em relação ao ano de 1835. Daí em diante a
produção se intensifica alcançando no ano de 1935 a expressiva marca de 108.438 toneladas.

Figura 6 - Produção de cacau em amêndoas na Bahia, 1835-1935

Fonte: Rocha (2008).

A lavoura cacaueira passou a ser vista como solução para o pagamento das dívidas da
Província que, desde a segunda metade do século XIX, passava por dificuldades causadas
principalmente pela extinção do tráfico de escravos e a consequente escassez de mão de obra.
Ao mesmo tempo, com a decadência das lavouras canavieira e algodoeira e, da mesma forma
quanto a pecuária do Nordeste, a zona de cultivo do cacau seria um receptor natural do
excedente da mão de obra dessas áreas (JONES, 2014; ROCHA, 2008). Neste sentido, Lyra
(1982) argumenta que tudo leva a crer que as iniciativas de colonização no Sul da Bahia estavam
vinculadas ao direcionamento do contingente populacional a ser utilizado como força de
trabalho justamente em um período em que a lavoura cacaueira começava a despontar como
76

alternativa à exportação, possibilitando assim a partir da última década do século XIX e início
do século XX a abertura de uma frente de expansão para o cultivo do cacau.

3.3 A expansão da lavoura cacaueira sob a ideologia da fronteira: um mecanismo de


incorporação de novas terras, em condição subordinada e dentro da economia de mercado

A despeito dos esforços dirigidos para o povoamento e implantação de núcleos agrícolas


no Sul da Bahia por meio dos imigrantes estrangeiros, foram os fluxos migratórios internos que
mais participaram e contribuíram para a expansão da lavoura cacaueira. Além dos colonos
europeus, foram responsáveis pela expansão dessa cultura agrícola de forma decisiva os
migrantes do Nordeste brasileiro, fazendeiros descendentes dos colonizadores de Ilhéus, índios
pacificados, escravos africanos e negros libertos, assim como os grandes produtores de açúcar
do Recôncavo baiano, que a partir da crise dessa cultura passaram a investir em cacau no sul
do estado (ROCHA, 2008; LINS, 2013).
Os sergipanos constituíram o maior contingente de migrantes a partir do final do século
XIX e início do XX, quando milhares deles foram atraídos pela fama do eldorado que ali se
criava e a promessa certa de riqueza e prosperidade. De acordo com Lins (2013), desde o final
do século XIX que o governo e as elites econômicas intensificaram o estímulo à migração para
a região com promessas de progresso e enriquecimento fácil para quem se dispusesse a trabalhar
na imensidão de terras disponíveis. Entretanto, o referido autor explica que tudo não passava
de uma manipulação das informações com o objetivo de atrair um grande contingente
populacional e atender aos interesses dos grandes proprietários rurais já instalados, os quais já
estavam sofrendo com a escassez de mão-de-obra para a expansão da lavoura.
A chegada de uma massa de trabalhadores para o cultivo do cacau remete ao que o
professor João Pacheco de Oliveira (2016, p.128) chamou de “ideologia da fronteira”: uma
ideologia fabricada e difundida que oferece aos migrantes potenciais “um conjunto de
informações e juízos sobre aquela área que se apresenta como uma alternativa às suas condições
presentes”. Segundo o autor, cabe a essa ideologia transmitir aos indivíduos notícias concretas
e parâmetros de comparação que tornem a migração uma escolha vantajosa, aliciando um
grande número de pessoas apesar de todos os riscos e dos custos envolvidos.
A fronteira ganha relevância enquanto construção teórica a partir da Tese da Fronteira
(Frontier Thesis) de Frederick Jackson Turner voltada para a conquista do oeste estadunidense.
A visão de Turner reúne elementos que marcaram a formação da identidade americana, cuja
narrativa foi definida pela superação das barreiras e das condições inóspitas oferecidas pela
77

selvageria da natureza, o isolamento dos povos situados nas áreas fronteiriças, o choque da
cultura europeia com a “barbárie” dos nativos e o espírito progressista dos pioneiros, bem como,
sua devoção ao trabalho que imprimiu um movimento sempre em direção à conquista das terras
livres, fazendo emergir, assim, as instituições daquele país. Posto isso, a democracia
estadunidense nasce das próprias condições da América e não de ideias exógenas (AVILA,
2006; SANTOS, 2010).
Entretanto, como alerta Santos (2010), a tese de que a disponibilidade de terras livres
tenha gerado a democracia social e política dos EUA não se aplica à realidade das Américas
espanhola e portuguesa. Especificamente no Brasil, a disponibilidade destas terras esbarrou na
estrutura escravocrata da sociedade brasileira, não resultando numa distribuição fundiária
democrática. O referido autor também discorre que a falta de uma ingerência mais ostensiva do
poder central sobre essas terras foi acobertada por uma total falta de liberdade do trabalhador
naquela sociedade escravocrata. A posse da terra era livre, mas o trabalhador, não. Portanto, a
disponibilidade de terras devolutas aqui no Brasil não significou o estabelecimento de
condições para o surgimento de uma democracia social como foi no avanço da fronteira nos
Estados Unidos. Santos (2010) ressalta que no Brasil o acesso à terra teve caráter distintivo e
seletivo, fazendo surgir uma estrutura oligárquica baseada na concentração dos poderes, da
riqueza e de um sistema político atrasado.
A lei de terras de 1850 privilegiou a elite oligárquica brasileira que se apossou das terras
públicas. O apelo à imigração serviu apenas para atrair mão-de-obra e não para a formação de
núcleos coloniais baseados na pequena propriedade. O que se viu, por conseguinte, foi a
consolidação de uma estrutura fundiária altamente concentrada. Em terras brasileiras, o Mito
da Fronteira não teve o mesmo papel como foi para os Estados Unidos, sendo aqui considerada
como tendo efeito inverso, como explica Santos (2010).
A grande disponibilidade de terras também operou para a manutenção da concentração
e centralização do poder, sendo a terra um elemento-chave ao ocupar o centro de relações
clientelistas como instrumento de barganha do governo central e dos governos regionais para
obtenção de apoio político. Um processo que acabou fortalecendo ainda mais as oligarquias
regionais. De acordo com Santos (2010, p.129), em um sentido oposto ao que aconteceu nos
EUA, o avanço da fronteira no Brasil não criou as condições para o surgimento de instituições
políticas e uma economia moderna, ao contrário, “promoveu uma estrutura política atrasada e
sustentada pela violência e usurpação das terras”. Nos Estados Unidos, o avanço da fronteira
foi responsável pela ocupação e povoamento de forma moderna e que deu origem à
configuração capitalista do território americano.
78

Em seu trabalho sobre a colonização na Amazônia o professor Joao Pacheco de Oliveira


(2016) buscou analisar o processo de ocupação de novas terras direcionadas para um modelo
extrativista da borracha subordinado a uma economia de mercado em substituição a agricultura
nativa (modelo caboclo), tendo como pressupostos alguns elementos que permitiram
compreender o seringal dentro da ideia de fronteira. Neste sentido, o autor enumera alguns
elementos constitutivos da fronteira enquanto modelo de análise para os fenômenos históricos
e sociais, aplicados nesse caso à Amazônia. Destacamos a seguir alguns desses elementos e
posteriormente buscamos encontrá-los da mesma forma para tratar o processo de expansão da
lavoura cacaueira no Sul da Bahia.
De acordo com Oliveira (2016), a fronteira representa o estabelecimento de um
mecanismo que correlaciona de forma regular e complementar diferentes partes de uma
totalidade que tanto pode ser dentro dos limites da nação quanto pode associar partes
pertencentes a diferentes países. Como exemplo, o autor cita o vínculo que existiu entre a
Amazônia e o Centro-Oeste no processo de expansão do seringal. Embora a
complementariedade natural entre regiões seja um componente ideológico fundamental do Mito
da Fronteira de Turner, o professor João Pacheco adverte em não aceitar a crença de que essas
partes “estejam dotadas naturalmente de características complementares: a abundância de terras
livres e a superpopulação não constituem fatos concretos e inexoravelmente referidos a uma
região ou a uma específica articulação entre duas regiões” (p.126). De acordo com o autor, são
traços que podem ser gerados ou alterados a partir de uma intervenção sobre outros elementos
dessas realidades.
A Região Cacaueira também estava integrada a uma totalidade, inserida em um conjunto
espacial maior e vinculado a uma cadeia global de valor. Como bem explicado por Diniz e
Duarte (1983), aquele espaço interage com processos sociais e políticos que ocorrem não só na
Bahia, mas também no Brasil como um todo, bem como é influenciada pelo sistema mundial
através do consumo e comercialização do cacau. Trindade (2011), na mesma direção,
argumenta que naquele contexto regional engendrado pela produção e comercialização do
cacau, integrada ao sistema global de produção capitalista, diferentes atores sociais
participaram de um mesmo processo, ainda que em posições diametralmente opostas. Segundo
o autor,
(...) de um lado, a nascente burguesia comercial, produtora de cacau, constituída pelos
grandes proprietários de terras, pelos comerciantes e exportadores, e pelos membros
da administração político-administrativa regional, oriundos desses segmentos sociais;
e de outro lado, trabalhadores rurais com remunerações precárias, administradores das
fazendas e até mesmo jagunços, contratados para proteger as propriedades e seus
proprietários (p.106).
79

Quanto ao fluxo migratório, os escritos sobre a região do cacau descrevem como os


primeiros ocupantes foram migrantes que, expulsos de sua terra por causa da grande seca no
ano de 1887 no nordeste brasileiro, aqui aportaram à procura de sobrevivência (ROCHA 2008)
ao passo que o governo baiano estimulava a migração dessas populações em direção às terras
devolutas no Sul da Bahia como alternativa à superação da crise da indústria açucareira.
Contudo, nem sempre o fluxo migratório é resultado da espontaneidade ou promovido
pelas adversidades climáticas como a seca ou por indução de políticas públicas. Oliveira (2016)
explica que na análise de fronteiras, sem contar os movimentos migratórios causados por fatores
climáticos ou por conflitos, guerras, etc., é sempre a destruição das condições de reprodução do
pequeno produtor que cria o excedente populacional, seja sob a forma de despojamento de seus
meios de subsistência e de supressão de sua condição camponesa, ou seja pela supressão da sua
condição autônoma com seu enquadramento em uma condição naturalmente subordinada. São
estas condições que “permitem explicar a colonização como um movimento de massas, e não
como simples reflexos de políticas governamentais tendentes a favorecer ou a dirigir o processo
migratório’ (p. 127).
Em se tratando do fluxo migratório para a expansão do cultivo do cacau, os motivos
relatados na literatura estão assentados nas condições climáticas e no papel do governo em atrair
braços para a lavoura, mas é uma possibilidade que, assim como ocorrido em outras partes do
país e em decorrência da dinâmica capitalista, as razões sejam aquelas que forçaram os
movimentos pela destituição da condição de produtores independentes. No próprio Sul da
Bahia, o descaso provincial com as colônias ali instaladas provocou de forma brusca o
desaparecimento de núcleos coloniais como os de Cacheira e Comandatuba (LYRA, 1982)
fazendo surgir na região uma população de ex-colonos, destituídos de terras e disponíveis como
força de trabalho.
De toda sorte, o afluxo de famílias atraídas para o Sul da Bahia em busca de riqueza fez
nascer uma estrutura agrária que definiu as bases econômica, cultural e social na trajetória de
desenvolvimento da região e o expressivo aumento populacional foi uma das consequências
deste processo. De acordo com Mahony (2007), no ano de 1880 a comarca de Ilhéus era um
território de mata ocupado por cerca de 100 índios independentes e cerca de 500 propriedades
agrícolas de vários tamanhos, cujas plantações variadas eram trabalhadas por aproximadamente
10.000 habitantes, entre escravos e livres. Nos quarenta anos seguintes, a comarca ostentava
mais de 6.000 fazendas de cacau de vários tamanhos, divididas em dois municípios e ocupadas
por pelo menos 105.000 habitantes.
80

Em outra pesquisa, Lins (2007) apresenta o crescimento demográfico para alguns


municípios do Sul da Bahia entre os anos de 1872 e 1907, como descrito na Tabela 2. É possível
notar o expressivo aumento populacional, passando de 59.575 habitantes (livres e escravos)
para um total de 216.018, representando um crescimento da ordem de 262%. A Tabela 2
apresenta o contingente da população escrava para as localidades relacionadas, totalizando
6.609 escravos, com destaque para os maiores quantitativos nos municípios de Valença (1.521),
Ilhéus (1.051) e Camamu (964).

Tabela 2 - População livre, população escrava, crescimento populacional entre os anos de 1872
e 1907, Sul da Bahia
1872 1907
Localidade População livre População escrava total População total
Alcobaça 2.916 543 3.459 7.462
Areia1 - 26.486
Barcelos2 1.556 460 2.016 4.391
Barra do Rio de Contas3 3.102 510 3.612 13.515
Belmonte 3.861 462 4.323 24.759
Camamu 8.065 964 9.029 18.871
Canavieiras 2.933 189 3.122 20.450
Caravelas 3.826 205 4.031 6.719
Ilhéus 4.631 1.051 5.682 36.563
Maraú 2.399 362 2.761 13.900
Novo Boipeba4 - 14.416
Porto Seguro 3.004 124 3.128 3.761
Prado 2.008 218 2.226 6.664
Una - 7.005
Valença 14.625 1.521 16.146 11.056
Total 52.926 6.609 59.535 216.018
Fonte: Lins (2007).

A pesquisadora Mary Ann Mahony (2007), lança um olhar crítico sobre a narrativa
dominante do desenvolvimento da Região Cacaueira que descreve o grande atrativo da lavoura
do cacau como residindo no fato de não se precisar de muito capital nem de braços para cultivá-
la, especialmente quando comparada com as lavouras de cana-de-açúcar e fumo, os dois
grandes produtos de exportação da Bahia à época. Segundo consta, era uma cultura aberta a
todos, desde os mais pobres até os senhores de engenho. Todavia, de acordo com a autora, o
que não disseram foi que as melhores roças de cacau e café pertenciam a um pequeno grupo de

1
Atualmente município de Ubaíra; 2 Barcelos do Sul - distrito do município de Camamu; 3 Atualmente município
de Itacaré; 4 Atualmente município de Taperoá.
81

grandes proprietários, os quais também eram os donos dos engenhos, engenhocas e serrarias,
assim como de muitas terras e escravos.
Os registros oficiais também não mencionaram que muitos dos lavradores “pobres”
eram escravos dos grandes proprietários ou dos bem estabelecidos e que estes cativos
cultivaram cacau na terra dos donos como parte da economia interna da escravidão. Outros
lavradores “pobres” eram descendentes dos povos indígenas que haviam sido aldeados em
Almada, Ferradas, Catulé ou Olivença no período colonial ou nas primeiras décadas do Império
(MAHONY, 2007).
A autora chama a atenção para o fato de que apesar do crescimento da economia
cacaueira, as diferenças entre os produtores de cacau não foram apagadas. Em 1880, a maioria
das roças de cacau estava nas mãos de pobres com um pouco mais ou um pouco menos de 1.000
cacaueiros, enquanto outro grupo de agricultores possuía entre 5.000 e 10.000 pés e, outra
porção, dos grandes proprietários, tinham conseguido plantar entre 50.000 e 200.000 pés de
cacau. Cabe destacar também, de acordo com Lins (2007), que naquele momento não era o
latifúndio que predominava, mas sim, um tipo de concentração fundiária caracterizada pela
existência de alguns grandes proprietários de inúmeras pequenas propriedades que juntas
formavam grandes extensões de terra.
Em Mahony (2007), vê-se que o maior desafio para todos os produtores de cacau, como
para todos os agricultores do Brasil à época, era o acesso à mão de obra. A autora descreve que
a terra para plantar cacau era razoavelmente fácil de encontrar em Ilhéus no século XIX, sendo
a mão de obra o fator mais escasso. Apenas poucos produtores dispunham de muitos
trabalhadores, escravizados ou livres. Em muitos casos, os lavradores eram ex-escravos que
complementavam a renda familiar prestando trabalho temporário nas grandes propriedades.
Plantar cacau ou qualquer outra cultura em larga escala era muito difícil para a maioria da
população e a implantação da nova lavoura fez asseverar as desigualdades já existentes na
região.
Nesse aspecto, foi um processo concentrador da riqueza que não resultou em ganhos
concretos para a grande maioria dos migrantes nordestinos, pelo contrário, subordinou o
pequeno produtor independente, da mesma forma como foi na fronteira amazônica descrita por
Oliveira (2016), integrada ao sistema capitalista e, invertendo assim as razões da sua eficácia
ideológica. No Sul da Bahia, a expansão da fronteira agrícola também não sedimentou as bases
para uma nova civilização no sentido democrático e descentralizador no acesso à terra como na
Tese da Fronteira de Turner.
82

A esse respeito, sob a ideologia da fronteira, o professor João Pacheco de Oliveira


ressalta que é necessário surgir algum mecanismo de controle sobre a mão de obra que impeça
que cada trabalhador venha a se estabelecer como produtor independente, ou uma classe de
indivíduos destituídos dos meios de subsistência. O professor explica que podem ser dois os
tipos de mecanismo: a instauração de um regime capitalista de propriedade de terra, limitando
o seu acesso a uma classe privilegiada e transformando-a em mercadoria, adquirida
exclusivamente por meio da compra, ou, a instituição de algum tipo de laço jurídico de
dependência, vinculando, dessa forma, seja através da relação à terra ou diretamente ao próprio
senhor, a mão de obra aos detentores de uma cidadania plena, capacitando estes últimos a
proceder, até mediante o uso de métodos compulsórios, à imobilização da mão de obra, e a
obter regularmente o desempenho das necessárias atividades produtivas.
A Lei de Terras de 1850 foi um desses mecanismos e tornou-se a instituição legal da
propriedade privada da terra, passando a ser, nesses termos, o instrumento regulador da posse
e do uso do solo no Brasil. De acordo com Santos (2010, p.125), o acesso à terra, a partir daí,
seria regulado por aqueles que detivessem os títulos de propriedade do solo, os quais poderiam
somente ser obtidos mediante à compra e venda desses fragmentos do território. Portanto, o
acesso à terra e às condições e meios de trabalho não foram garantidas ao trabalhador pobre,
aos imigrantes, aos ex-excravos e seus descendentes. No entendimento do autor, o que se
estabeleceu foi uma condição para a manutenção de um vigoroso regime oligárquico fundado
no poder das elites regionais.
O sistema comercial, financeiro e creditício também foi devastador para o pequeno
produtor e, nas palavras de Mahony (2007), contribuiu para aumentar as desigualdades
hierárquicas entre os cultivadores de cacau. Na mesma direção, Lins (2013) reforça o aspecto
desigual da condição econômica e social entre os produtores de cacau explicando que os
migrantes nordestinos que chegaram à região no século XIX geralmente utilizavam mão de
obra familiar, não tinham acesso ao crédito agrícola e não controlavam os mecanismos de
comercialização, tendo em vista que a produção era voltada à exportação.
Outro fator de peso, explica Lins (2013), refere-se ao ciclo produtivo do cacaueiro que
leva, em média, entre quatro e seis anos, forçando os pequenos produtores a endividar-se junto
aos comerciantes exportadores, ou junto aos grandes fazendeiros que também eram
financiadores. O endividamento poderia ocorrer no próprio ato da aquisição e instalação na
terra e, na maioria das vezes, no investimento da produção. Não é difícil deduzir o resultado
dessa situação, nefasta para o pequeno produtor, acabando por comprometer toda sua renda no
83

pagamento de juros e, no extremo, a perda da propriedade, fato muito comum nas terras do
cacau.
Outra parte da narrativa de ocupação e construção da região cacaueira que contribui para
explicar o processo de subordinação do pequeno trabalhador independente, como na ideologia
da fronteira descrita por Oliveira (2016), é aquela que atribui aos sergipanos o caráter
desbravador e heroico dos seus feitos. Uma narrativa idílica atribui aos desbravadores a
responsabilidade pelo processo de fundação e desenvolvimento da região através do
enfrentamento e superação de todo o tipo de adversidades tais como o clima, a mata, as doenças,
as feras e “os selvagens” e, ainda, fizeram surgir plantações com o esforço do próprio trabalho,
sem qualquer outro capital, nem mesmo o trabalho escravo.
Lins (2013) afirma que esta versão transformou os desbravadores em heróis e encobriu
o fato de o acesso à terra não ter sido para todos, sendo para isso necessárias relações
privilegiadas. Além disso, escondeu os conflitos pela terra, o caxixe5, os assassinatos, subornos,
agiotagem, expulsão e genocídio de indígenas, transformando esses episódios em sinônimos de
bravura. Ademais, na mesma direção, Mahony (2007, p.739) argumenta que ao expor as
dificuldades dos desbravadores do século XIX, a narrativa dominante ajuda a “obscurecer
desigualdades raciais e a justificar a imensa concentração de terra e de renda que se
desenvolveram na região no século XX”, afirma ainda serviu, que tal narrativa serviu como
uma “arma na luta da elite cacaueira por legitimidade e poder tanto no contexto local quanto
nos contextos regional e nacional”.
Os desbravadores, segundo Heine (2004, p. 39) eram descritos como “homens de pouca
instrução, pouco preparo intelectual, mas muita coragem e persistência” e que à medida que
acumulavam dinheiro iam se transferindo para a cidade de Ilhéus. A ele coube a conquista da
terra com a finalidade de prepará-la para o plantio do cacau, o que ocorria muitas vezes através
da expulsão dos índios (MAHONY, 2007; ROCHA, 2008).
A mesma narrativa dominante, lastreada nos registros oficiais e na literatura grapiúna6,
afirma que lavoura cacaueira embora assemelhe-se às outras culturas em outras regiões quanto

5
Termo utilizado para se referir ao modo de apossamento das terras alheias, no Sul da Bahia, durante o período
de expansão da lavoura cacaueira por meio de falsas escrituras de propriedade e da expropriação dos ocupantes da
terra, geralmente pequenos produtores e índios, com uso de violência. De acordo com Cruz (2012) os pequenos
produtores eram analfabetos, não possuíam o título da terra e nem assistência judiciária e, nesse caso, era muito
fácil serem usurpados com a cumplicidade dos notários e magistrados, quando não pela violência e pelo assassinato
dos que ousassem resistir.
6
Adjetivo que designa aqueles originários da Região Cacaueira no Sul da Bahia e a sociedade que ali se formou
em decorrência da expansão da lavoura do cacau.
84

a derrubada da floresta e da mata e à violência com os povos indígenas, difere-se em relação ao


uso do trabalho escravo.
A não utilização do escravo na expansão da cacauicultura no Sul da Bahia é anotação
recorrente em algumas obras (ADONIAS FILHO, 1976; GARCEZ, 1977; FALCÓN, 1983;
WILLUMSEN; DUTT, 1991). Falcón (1995), por exemplo, levanta questão em defesa do
argumento do não uso de escravos nas lavouras de cacau, principalmente por causa do grande
número de pequenas propriedades onde a força de trabalho dos próprios proprietários era o mais
comum de ocorrer dado o alto custo da mão de obra escrava. De fato, o maior desafio à época
para os produtores de cacau, assim como para todos os agricultores no país era o alto custo da
mão de obra escassa, sendo a terra um fator ainda de baixo custo e fácil acesso no Sul da Bahia
no século XIX.
No entanto, Mahony (2001, p.96) em pesquisa sobre a escravidão no Sul da Bahia,
apresenta outro argumento desprovido de romantismo e com maior criticidade em relação a
forma como a história da Região Cacaueira foi contada, segundo a qual “os primeiros
plantadores de cacau não tinham acesso ao trabalho escravo, ou, quando tinham, o número de
escravos que possuíam era tão pequeno que chegava a ser insignificante”. De acordo com a
pesquisadora, os documentos sobre o Sul da Bahia no século XIX “não deixam dúvidas de que
se tratava de uma sociedade escravocrata” (p.96). Discorre ainda que a economia cacaueira
estava intimamente ligada ao sistema escravocrata e à hierarquia social da Bahia e do Brasil e
que os escravos foram essenciais para o estabelecimento da economia cacaueira e para a
sociedade que se desenvolveu com ela.
A posse de escravos desempenhava papel central no sistema comercial e financeiro da
cadeia produtiva do cacau. Segundo Mahony (2001) no século XIX a posse de escravos era
determinante para as inversões de capital na lavoura cacaueira. “Os escravos serviram de
garantia para a maioria, se não para todo o capital investido na área antes da abolição” (p.138).
Explica a pesquisadora que os escravos não eram importantes apenas pelo trabalho que faziam,
mas também pelo papel que desempenhavam nas redes de comércio em Ilhéus, pois serviam
como a mais importante forma de caução no Brasil, especialmente em áreas mais remotas.
Os escravos eram valiosas garantias para os plantadores de cacau que obtinham por isso
acesso direto ao crédito agrícola. Um pequeno número de grandes proprietários de terras e seus
parentes, com investimentos em açúcar, cacau, madeira e escravos, monopolizavam o comércio
com Salvador e o crédito agrícola. Eram os principais compradores e vendedores de cacau,
forneciam a maior parte do crédito agrícola para latifundiários e fazendeiros de cacau, e,
também, constituíam-se como principais fornecedores da maioria dos bens mercantis na região.
85

Os donos das grandes propriedades não só eram os maiores produtores de cacau, como
também controlavam as ligações comerciais com Salvador, o porto internacional mais próximo
a Ilhéus. Essa posição-chave derivou da prática dos comerciantes exportadores, em todo o
Brasil escravista, de negociar apenas com os maiores proprietários, visto que eram eles que
possuíam os muitos escravos que serviriam como garantias. Isso significava para os
comerciantes a segurança de que haveria o reembolso de capital em caso de endividamento do
freguês. Durante o período imperial, a pessoa escravizada como bem móvel era a única garantia
de crédito agrícola que interessava aos comerciantes. Tendo em conta que esses comerciantes
eram também a principal fonte de crédito agrícola no Brasil, apenas o proprietário que possuísse
muitos escravos tinha acesso direto ao crédito.
Assim, a maioria dos agricultores de Ilhéus não conseguia negociar diretamente com os
comerciantes da praça de Salvador. Era preciso adquirir crédito agrícola e vender seus produtos
de exportação através destes intermediários. Desta forma, esses proprietários que já eram os
maiores donos de terras, os maiores produtores de cacau, assim como de açúcar, café, madeira
e produtos alimentícios, também monopolizavam o comércio entre Ilhéus e Salvador e,
consequentemente, a distribuição do crédito agrícola local.
Outro fator determinante foi o processo de comercialização. O capital comercial foi
fundamental para o processo de formação e concentração da propriedade da terra no Sul da
Bahia. Esse processo, da mesma forma que em outras regiões, contribuiu para a formação de
uma elite que controlou os meios de comercialização e de financiamento da produção na Região
Cacaueira. Ao final do século XIX e início do século XX diversas casas exportadoras passaram
a atuar na zona cacaueira e a operar como agentes de comercialização e de financiamento. Com
o tempo, passaram a atuar em diversos setores: representantes de bancos e companhias
nacionais e estrangeiras, companhias de navegação, empresas de transportes, seguradoras e
fornecedores de produtos alimentícios.
Parte desses comerciantes era oriunda da capital do estado da Bahia, e outros, os
maiores, eram subordinados ou representantes de empresas estrangeiras, inicialmente europeias
e posteriormente norte-americanas, interessadas na dupla possibilidade de ganho, no
financiamento da produção e no comércio, assegurado através do controle da produção exercido
pela dependência financeira a que estava submetido o produtor, transformando a renda
camponesa em lucro mercantil (LINS, 2013).
Dessa forma, o mesmo capital passou a atuar nas diversas áreas, desde a produção,
comercialização e financiamento. Segundo Lins (2013), fazendeiros tornaram-se comerciantes
e financiadores, e comerciantes financiadores transformaram-se em fazendeiros, e ambos, ao
86

mesmo tempo passaram a obter lucro e renda, tendendo a se constituir numa só classe designada
por “burguesia cacaueira” (GUERREIRO DE FREITAS; PARAISO, 2001). A consequência
disso foi um processo de concentração fundiária e expropriação dos pequenos produtores
principalmente em decorrência das perversas e aviltantes condições para obtenção do crédito.
Dificilmente os pequenos produtores poderiam atender às exigências feitas pelos bancos
oficiais, tendo que se submeterem aos juros escorchantes do crédito especulativo geralmente
oferecido pelos grandes produtores e, muitas vezes, não sendo possível saldá-lo.
Assim, ao recorrer a Oliveira (2016), encontramos na formação histórica e social do Sul
da Bahia elementos constitutivos que assemelham-se aos fatos narrados por aquele autor em
sua análise da Amazônia enquanto fronteira: uma rede de financiamento e comercialização;
condições favoráveis do mercado internacional; mecanismos de controle da terra, capital e
trabalho, determinante para a passagem de um modelo de agricultura diversificada para uma
monocultura de exportação e, a existência de barreiras entre proprietários e não proprietários,
representada pela posse de capital necessário à exploração e expansão da produção.

3.4 Apropriação e dominação do espaço sul baiano sob a estrutura coronelista

A partir do início século XX prevaleceu no Sul da Bahia o poder político e econômico


de uma elite cuja base material era o cacau, formada especialmente por dois grupos políticos.
De um lado, representantes da aristocracia local, tendo como principais nomes Domingos
Adami de Sá e seu tio Ernesto Sá Bittencourt, de famílias tradicionais, latifundiárias e
escravocratas, cuja fortuna se originou nas minas de ouro de Minas Gerais e no serviço aos reis
de Portugal na época colonial (MAHONY, 2007). Do outro lado, os chamados novos-ricos que
emergiram das camadas sociais inferiores, descendentes de índios, tropeiros, comerciantes
alcançando riqueza através da lavoura cacaueira ou por meio de atividades ligadas ao cacau.
Este grupo tinha sua liderança política encarnada na figura de Antônio Pessoa da Costa e Silva,
e rivalizava com o grupo anterior à disputa pelo controle do poder local.
A disputa entre “Adamistas” e “Pessoistas” pautou os rumos do Sul da Bahia no início
do século XX, sendo a comarca de Ilhéus o epicentro do poder político e econômico da região.
A ascensão dessa elite fortaleceu a narrativa da formação de uma sociedade baseada no
heroísmo dos “desbravadores”. Uma narrativa que obscureceu as desigualdades raciais e de
classes e justificou a concentração fundiária e de renda que se desenvolveu na região. Foi
justamente essa elite que patrocinou a construção de uma memória social baseada na bravura
87

frente às adversidades e usando a força dos seus próprios braços. A burguesia cacaueira
sedimentou uma ideologia unificadora baseada na valorização do cacau que deveria ser
defendida por fazendeiros, comerciantes, assalariados, ocultando assim as diferenças e
conflitos, questões fundiárias, questões indígenas, ao mesmo tempo que reproduziu a estrutura
social e econômica vigente. O quadro político e social que emergiu desse processo de expansão
da lavoura cacaueira foi caracterizado por relações coronelistas e clientelistas associadas ao
controle das estruturas de poder institucionalizados vinculados ao Estado como o poder
judiciário, delegacias de terras e instituições de crédito.
O coronelismo demarcou uma importante passagem da história do país e ainda reverbera
seus efeitos em seu interior, especialmente no que diz respeito ao poder local nos municípios
rurais do nordeste brasileiro. A obra Coronelismo, enxada e voto - o município e o regime
representativo no Brasil, de Victor Nunes Leal, publicada em 1948, representa um dos mais
importantes estudos sobre o coronelismo e o aponta como um sistema político que surge dentro
de um contexto histórico específico, inserido na conjuntura política e econômica do Brasil no
período da República Velha (1889-1930). Representa, de acordo com Leal (2012), uma
complexa rede de relações que vai desde o coronel até o Presidente da República, envolvendo
compromissos recíprocos.
Vitor Nunes Leal explica que o coronelismo tem sua origem naqueles que eram
chamados de coronéis, autênticos ou não, integrantes da Guarda Nacional, que mesmo após a
sua extinção continuaram a usufruir desse título. Além daqueles que ocupavam tal posto, o
tratamento de coronel começou a ser dado pela população rural a todo e qualquer líder político,
toda e qualquer pessoa de influência. Geralmente, eram os fazendeiros mais ricos ou aqueles
cidadãos mais ricos ligados ao comércio e à indústria que obtinham em cada município o direito
de exercer o alto comando da Guarda Nacional e, ao mesmo tempo, o controle político de forma
patriarcal.
Assim, o coronelismo passou a representar um novo esquema de relações de força entre
fazendeiros, eleitorado e governos municipais, estadual e federal. Com a criação do
federalismo, como explica José Murilo de Carvalho (1977), criou-se um novo ator político com
amplos poderes, o Presidente de Estado. No âmbito econômico, os fazendeiros passavam por
uma situação de decadência, cuja manutenção do seu poder político necessitava da presença do
Estado que se fortalecia cada vez mais. Portanto, foi a perda do poder econômico que levou o
coronel a depender do apoio do governo provincial para manter sua posição de domínio. O
coronel “hipotecava” seu apoio ao governador que em troca lhe dava poder sobre seus
dependentes com a cessão do controle de cargos públicos. O Governador, por sua vez, apoiava
88

o presidente da República em troca de reconhecimento deste de seu domínio no estado


(CARVALHO, 1977, p. 132).
O coronel exercia papel determinante no processo eleitoral, pois tinha a função de
arregimentar os eleitores e angariar os votos necessários, além de impedir a oposição de votar.
O coronel quase sempre aliciava os eleitores de seu distrito mediante favores pessoais. Eram
capazes de oferecer uma variedade de serviços e mercadorias para promover posições de
autoridade social e política, bem como estabelecer relações difusas com os seguidores nos
níveis municipal e regional. Dentro de sua esfera de influência, poderiam arranjar emprego,
emprestar dinheiro, proteger advogados, influenciar juízes, persuadir testemunhas, impedir que
a polícia confiscasse as armas de seus clientes, legalizasse os direitos à terra, concedesse
isenções fiscais em sua capacidade de autoridade local, resolvesse disputas interpessoais
(RONIGER, 1987; CREMONESE, 2006).
Enquanto sistema, tal qual proposto por Leal (2012), o coronelismo mantém aspectos
que vão muito além do político, sendo indissociáveis os fatores políticos e econômicos. De
acordo com Carvalho (1977, p.138) o controle do poder político era um trunfo no campo
econômico. O papel do juiz, do delegado e de tantos outros detentores de cargos públicos estava
estreitamente vinculado à sustentação dos interesses econômicos dos donos da terra e dos
grandes comerciantes. O juiz e o delegado desempenhavam importante tarefa para o controle
da mão de obra e para a competição com fazendeiros rivais. Ser capaz de oprimir ou proteger
os próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais, fazendo uso da política,
era um trunfo importante na luta econômica. O coletor de impostos podia, pela ação, ou inação,
afetar a margem de lucro dos coronéis. Até mesmo uma professora primária era importante para
conservar valores indispensáveis à sustentação do sistema.
Na Região Cacaueira o tipo de coronelismo que ali se estabeleceu foi fundante em
termos da estrutura social e econômica que se seguiu. Diferentemente das razões estabelecidas
por Leal (2012), a relação entre coronéis e governo nas terras do cacau durante a Primeira
República não se deu em função de um poder econômico decadente, mas sim, como explica Ivo
(2001), em decorrência do reconhecimento do papel ativo que os chefes locais ainda exerciam
sobre a vida política e pública desde o Império, uma continuidade do antigo mandonismo
adaptado então às necessidades de aliança e de compromisso entre os poderes púbico e privado
e que no Sul da Bahia foi associado a mecanismos de violência e atos discricionários das elites
locais. De fato, durante a Primeira República (1890-1930) a produção de cacau cresceu
exponencialmente, conforme visto anteriormente na Figura 6, contrariando assim, a tese da
decadência econômica dos coronéis.
89

Outra distinção em relação a outros tipos de coronéis que existiram no Brasil e em outras
partes da Bahia, deve-se ao fato de que nas terras do cacau o poder do coronel, como esclarece
Heine (2004), não tem origem no latifúndio, mas sim na quantidade de cacau produzido e na
receita proveniente, havendo até uma hierarquia constituída entre os coronéis. De acordo com
Rocha (2008) citando Barbosa (1977), o cacauicultor que colhesse cinco mil arrobas de cacau
no ano já era considerado coronel, mesmo sem ter adquirido a patente. Alguns coronéis
detinham grande poder econômico, não possuindo, contudo, relevância política, a exemplo do
coronel Manoel Misael Tavares, o Rei do cacau. Outros, exerciam forte poder político, mas não
eram grandes produtores, como foi o caso do coronel Domingos Adami de Sá (ROCHA, 2008).
De acordo com Falcón (1983) três fatores foram determinantes para a constituição do poder do
coronel: a força econômica, o prestígio político e a violência.
Outra característica do coronelismo na região cacaueira apontada por Rocha (2008) foi
o absenteísmo. O coronel não tinha o apego de viver sobre suas terras, ele procurava viver nas
cidades, característica essa que o tornou um fundador de vilas que se transformaram em cidades.
Distinguindo-se dos senhores de engenho que não dependiam da vila ou da cidade, o coronel
do cacau fazia delas o seu núcleo de poder, de onde exercia o seu mando e disputava o controle
das instâncias administrativas e jurídicas com outras lideranças políticas. Fez das cidades o
palco para seus mandos, elegeu seus representantes e criou seus próprios partidos políticos
(ROCHA, 2008).
A estrutura coronelista e as disputas pelo poder político local na região cacaueira
criaram um ciclo pela busca da dominação do eleitorado desencadeando um sistema de
barganha e forçando da mesma forma os trabalhadores a se utilizarem desse expediente. A
figura do coronel representava o único acesso da população às esferas de poder, principalmente
em localidades rurais isoladas dos centros decisórios. De acordo com Souza e Dantas (2014),
baseados no trabalho de Maria Isaura Pereira de Queiroz (QUEIROZ, 1997), a manutenção de
uma relação de proximidade com um coronel ou mesmo a dependência em relação às benesses
concedidas pelo mesmo, poderia servir como uma estratégia por parte dos trabalhadores, pois
tinham no voto a possibilidade de se obter alguma vantagem, não sendo, pois, uma atitude
inconsciente ou adestrada.
90

3.5 Processos de (re) territorialização de lutas pelo acesso à terra e produção do espaço
no Litoral Sul

A expansão da cacauicultura no Sul da Bahia desencadeou um processo histórico de


resistências e enfrentamento aos efeitos expropriatórios causados por uma monocultura
agroexportadora. Tal processo de territorialização da luta pela terra deve ser entendido como
um elemento constituinte da produção do espaço do Sul da Bahia e dos seus sujeitos sociais.
Como explicado por Freitas (2018), representa um processo histórico que nos remete ao marco
do colonialismo através dos movimentos de lutas e resistências dos povos Pataxós Hã-Hã-Hãe
e Tupinambás de Olivença em defesa das suas territorialidades originárias e que ainda hoje
mantém suas lutas pela demarcação dos seus territórios. É também um processo de
territorialização através do aquilombamento dos negros contra à escravidão nos engenhos de
açúcar e fazendas de café e cacau implantadas às margens do Rio Almada. Já no século XX,
temos também uma territorialização associada às ações políticas do sindicalismo rural e das
ligas camponesas (décadas de 1950 e 1960), das lutas dos posseiros (décadas de 1970 e 1980)
e das lutas dos trabalhadores rurais sem terra a partir do ano de 1990.
Sobre o processo de territorialização dos povos indígenas, mais precisamente nas
delimitações do Território Litoral Sul, destacam-se os movimentos de lutas e resistências do
povo Pataxó Hã-Hã-Hãe e do povo Tupinambá de Olivença. De acordo com Freitas (2018), o
Litoral Sul abriga a Reserva Pataxó Caramuru-Paraguassu, criada em 1937, numa área de
54.100 hectares, organizada entre as comunidades de Caramuru-Mundo Novo e Água Vermelha
no município de Pau Brasil, a comunidade de Panelão no município de Camacã e a comunidade
de Bahetá em Itaju do Colônia. A área encontra-se atualmente em condição sub judice pela
intrusão de cerca de 300 posses de não-índios, algumas delas com títulos de propriedade
concedidos pelo estado da Bahia.
Quanto aos Tupinambás de Olivença, estes reivindicam uma área de cerca de 47 mil
hectares, perpassando os municípios de Ilhéus, Buerarema e Una e sendo constituída por 22
comunidades: Cururupe, Olivença, Campo de São Pedro, Curupitanga, Cururutinga, Gravatá,
Mamão, Pixixica, Sapucaieira, Santana, Santaninha e Águas de Olivença (Ilhéus); Serra Negra,
Serra das Trempes, Serra do Padeiro, Serra do Ronca e Serra do Serrote (Ilhéus e Buerarema);
Acuípe de Baixo, Acuípe do Meio e Acuípe de Cima (Ilhéus e Una); e Maruim e Maruinzinho
(Una).
91

Figura 7 - Terra indígena Tupinambá de Olivença

Fonte: Alarcon (2013).

As trajetórias dessas duas etnias têm sido marcadas por uma série de conflitos que
delimitam a luta desses povos indígenas pela conclusão dos processos de demarcação e, assim,
o reconhecimento definitivo dos seus territórios. De acordo com Alarcon e Couto (2014), o
povo Tupinambá desde o ano 2000 vêm reivindicando do Estado o reconhecimento das terras
que tradicionalmente ocupam (conforme ilustra a Figura 8) e vem tentando recuperar as áreas
expropriadas com ações chamadas de retomadas de terras. Como explicam as pesquisadoras,
desde o final do século XIX quando a região se tornou a principal fronteira agrícola do estado
da Bahia com a introdução da lavoura do cacau que ocorreram a entrada massiva de não-
indígenas no território Tupinambá, se intensificando entre os anos de 1920 e 1940. Como
resultado, aqueles que não migraram para as áreas urbanas, tiveram que assumir a condição de
trabalhador nas fazendas de cacau, em condições precárias e, alguns deles servindo como mão
de obra escrava.
92

Figura 8 - Marcha dos povos indígenas do Sul e Extremo Sul da Bahia até o Ministério da
Justiça, em Brasília, contra o marco temporal e pela demarcação de terras, 16/10/2019

Fonte: Povos... (2019); Foto: Tiago Miotto/Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

No ano de 2004 a Fundação Nacional do Índio (Funai) criou um grupo de trabalho para
dar início ao processo de demarcação das terras Tupinambás e, desde então, como forma de luta
e pressão, os tupinambás realizaram ocupações em 70 fazendas da região, entrando em conflitos
com fazendeiros. Em 2009, a Funai publicou o relatório de identificação e delimitação da Terra
Indígena Tupinambá de Olivença, inclusive no Diário Oficial, e ainda prevendo que os atuais
ocupantes não indígenas sejam indenizados por benfeitorias e sejam reassentados pelo governo
em determinados casos (FÁBIO, 2016).
Os últimos conflitos mais expressivos aconteceram entre os anos de 2013 e 2014, mais
precisamente no município de Buerarema, quando eclodiram ocupações mais intensas como
resultado de um processo de resistências e lutas contra ataques cometidos pelo Estado e por
fazendeiros e, também, como forma de pressionar o governo federal pela demarcação,
especialmente a partir de 2009. Os conflitos se intensificaram de tal forma que foi necessário a
presença da Força Nacional a partir de agosto de 2013 como forma de evitar o agravamento da
violência. Naquele mês, entre os dias 02 e 13, 300 indígenas intensificaram as ações ocupando
40 fazendas na localidade conhecida como Serra do Padeiro, entre os municípios de Buerarema,
Ilhéus e Una. Naquele momento o município de Buerarema foi o epicentro dos confrontos,
inclusive na sede do município. O Quadro 4 apresenta um resumo das principais ocorrências
veiculadas pela imprensa sobre a luta do Povo Tupinambá de Olivença.
93

Quadro 4 - Notícias veiculadas pela imprensa sobre a luta do Povo Tupinambá de Olivença pela
retomada das suas terras, 2012 – 2019

Fonte: veículos de imprensa diversos.

No início de 2014, por determinação do Ministério da Justiça, a Força Nacional e a


Polícia Federal instalaram uma base na Serra do Padeiro, marcando presença permanente
naquele território indígena. Logo em seguida, no mês de fevereiro daquele ano desembarcaram
94

500 soldados do exército por ordem do governo federal com o objetivo de garantir a lei e a
ordem na região. Atualmente, em um cenário político altamente desfavorável imposto por um
governo ultraconservador que ataca sistematicamente os direitos de todas as minorias, os
Tupinambás aguardam o desenrolar do processo de demarcação em meio às ameaças, ataques
e outras violências cometidas por fazendeiros e autoridades que se sentem legitimados pelos
atos do governo federal e pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro em favor de pecuaristas,
latifundiários, mineradores e, quando assim declarou: “Enquanto eu for presidente, não tem
demarcação de terra indígena” (CARTA CAPITAL, 2019).
O povo negro também mantém uma história de resistências no Litoral Sul como
enfrentamento à escravização ocorrida nos engenhos de cana de açúcar e fazendas de café e
cacau implantadas às margens do Rio Almada, na Capitania de São Jorge dos Ilhéus. Freitas
(2018) relata um processo que tem como síntese a luta e resistência de 35 comunidades
quilombolas estabelecidas atualmente no Litoral Sul, sendo que destas, 13 são certificadas pela
Fundação Cultural Palmares (FCP). As comunidades certificadas estão localizadas nos
municípios de Maraú (Quitumba, Maraú, São Raimundo, Empata Viagem, Minério e Terra
Verde) e Itacaré (Água Vermelha, Fojo, João Rodrigues, Porto do Oitizeiro, Santo Amaro e
Serra de Água) (PROJETO GEOGRAFAR/UFBA, 2019). A Figura 9 apresenta o mapa com a
espacialização das comunidades quilombolas certificadas no estado da Bahia, por Território de
Identidade. A partir do mapa é possível visualizar que a concentração de comunidades
quilombolas no Litoral Sul ocorre ao norte do território, nos limites com o Baixo Sul, Território
de Identidade que abriga maior concentração de comunidades quilombolas na Mesorregião Sul
Baiano.
O Litoral Sul também é marcado por um processo de territorialização da luta dos
trabalhadores rurais pelo acesso à terra, desencadeado por um processo violento e
expropriatório em sua história e que foi agudizado a partir do início do século XX com a
expansão da lavoura cacaueira, responsável pela “ocupação indiscriminada de terras devolutas,
expropriação de posses camponesas e exploração do trabalho assalariado no campo”
(FREITAS, 2018, p. 77). Um processo que desencadeou o movimento sindicalista rural no Sul
da Bahia, inserindo a região na vanguarda do sindicalismo rural brasileiro com a fundação em
1934 de um dos primeiros sindicatos de trabalhadores rurais do Brasil, em Pirangi, então distrito
de Ilhéus e hoje município de Itajuípe. Em 1952 também foi criado o Sindicato Itabuna-Ilhéus,
chegando a ter mais de 6.000 trabalhadores filiados e sendo considerado um dos maiores
sindicatos do Brasil (FREITAS, 2018).
95

Figura 9 - Espacialização das comunidades quilombolas por Território de Identidade no Estado


da Bahia, 2013

Fonte: Freitas (2018)

Os conflitos se agravaram nas décadas de 1950 e 1960 quando ocorreram as primeiras


ocupações de terras como forma de enfrentamento dos posseiros ao avanço dos cacauicultores
que requeriam ao Estado a posse legal de grandes áreas devolutas. A partir de 1960 o
movimento ganhou mais força com presença das Ligas Camponesas no Sul da Bahia,
movimento organizado pelo Partido Comunista do Brasil em prol da reforma agrária e melhores
condições de vida no campo. Na década de 1980 os conflitos se agravaram ainda mais com o
avanço das grilagens de fazendeiros e madeireiros em áreas tradicionalmente ocupadas pelos
posseiros. Em meio às violências sofridas, os trabalhadores em luta pelo acesso à terra
ganharam o apoio de entidades da sociedade civil, religiosas, político-partidárias e sindicais,
96

como o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da
Diocese de Itabuna e da Cáritas Diocesana de Ilhéus, do Polo Sindical do Trabalhadores Rurais
do Sul da Bahia (FETAG-BA), da Central Única dos Trabalhadores da Região Cacaueira (CUT
Cacaueira), do Partidos dos Trabalhadores (PT) e do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
(FREITAS, 2018). Todo esse movimento desencadeou o movimento denominado de Luta dos
Posseiros, na década de 1980, o que segundo Freitas (2018), representa o marco da
territorialização da luta pela reforma agrária no Sul da Bahia.
Como resultado e em resposta a esse processo de violência e conflitos, o Estado
interveio com a implantação dos primeiros assentamentos de reforma agrária no Sul da Bahia,
com a criação de 7 projetos, beneficiando 336 famílias e abrangendo uma área de 10.169,23
hectares entre os anos de 1986 e 1987. Entre os anos de 1986 e 2017, foram implantados 540
projetos de assentamento de reforma agrária no estado, beneficiando um total de 45.157
famílias assentadas e uma área de 1.538.436,30 hectares, a exemplo do Assentamento Terra
Vista, no município de Arataca (Figura 10). Atualmente, o Território Litoral Sul abriga a maior
quantidade de assentamentos da reforma agrária na Bahia, conforme mostra a Figura 11, com
74 assentamentos, equivalendo a 13,7% do total, com 2.829 famílias assentadas (6,38%) e uma
área de 43.630,77 hectares (2,8%) distribuídos nos 26 munícipios do TLS (FREITAS, 2018).

Figura 10 - Assentamento Terra vista, município de Arataca (BA), imagens comparativas entre
os anos de 1998 e 2014

Assentamento Terra Vista (1998) Assentamento Terra Vista (2014)


Fonte: O Assentamento... (2014).

Embora a crise da economia cacaueira tenha criado condições para a luta pelo acesso à
terra e criado brechas para o enfrentamento das condições históricas da expropriação, ainda
perdura no Litoral Sul uma estrutura fundiária muito concentrada. Com base nos dados do
97

Censo Agropecuário de 2006, Freitas (2018) apresenta a distribuição dos estabelecimentos


agropecuários por área naquele território, conforme Tabela 2. Percebe-se o quanto a estrutura é
concentrada quando 14.225 estabelecimentos, 42,76% do total, representam apenas 3,36% da
área total ocupada, enquanto que 1.631 estabelecimentos que possuem área de mais de 200
hectares, 5,28% do total, ocupam 52,22% da área total.
A pesquisadora também estabeleceu a concentração fundiária no Litoral Sul em termos
do índice de Gini, considerando a seguinte classificação: nula (0,00 a 0,10); nula a fraca (0,101
a 0,250); fraca a média (0,251 a 0,500); média a forte (0,501 a 0,700); forte a muito forte (0,701
a 0,900) e dos muito forte a absoluta (0,901 a 1,000). Assim, conforme a estrutura fundiária no
Litoral Sul, 18 dos 26 municípios apresentaram índices de Gini entre 0,501 e 0,700, portanto,
de média a forte concentração, enquanto que oito municípios apresentaram índices de Gini entre
0,701 e 0,900, classificados com concentração forte a muito forte.

Tabela 3 - Número de estabelecimentos agropecuários por grupo de área no TI Litoral Sul da


Bahia, 2006
Grupo de área total (ha) Nº de estabelecimentos % Área (ha) %
Menos de 1 a 10 14.225 42,76 56.841 3,36
De 10 a menos de 20 6.252 18,53 81.645 4,82
De 20 a menos de 50 6.439 19,09 195.682 11,55
De 50 a menos de 100 3.178 9,42 217.249 12,82
De 100 a menos de 200 1.812 5,37 242.138 14,29
De 200 a menos de 500 1.195 3,54 351.443 20,79
De 500 a menos de 1.000 294 0,87 198.029 11,69
De 1.000 a menos de 2.500 126 0,37 179.900 10,62
De 2.500 a mais 16 0,5 171.566 10,12
Total 33.537 100 1.694.493 100
Fonte: Freitas (2018); IBGE (2006).
98

Figura 11 - Espacialização das áreas de assentamentos de Reforma Agrária no TI Litoral Sul da


Bahia, 2017

Fonte: Freitas (2018); Elaboração: Laura Chamo/Projeto Geografar.

A próxima seção mantém o foco na crise da economia cacaueira e descreve como este
evento foi determinante para a deterioração das condições de vida dos trabalhadores rurais,
fazendeiros, comerciantes e, ao mesmo tempo, favoreceu o surgimento de novas dinâmicas
produtivas, principalmente vinculadas ao setor de serviços, promovendo assim novas
territorialidades.
99

3.6 Apogeu, crise e novas territorialidades no Sul da Bahia

A expansão da lavoura cacaueira e sua comercialização integrada ao modelo


agroexportador proporcionou a expansão de investimentos em infraestrutura como abertura de
novas estradas, ferrovias e melhorias no porto de Ilhéus. Ao mesmo tempo, surgiram novas
vilas e distritos e, os já existentes, transformaram-se em municípios, a exemplo de Ilhéus e
Itabuna, os quais tornaram-se o centro econômico da região e fizeram desenvolver outras vilas
e municípios.
Como descrito em Lins (2007), em torno dos municípios de Ilhéus e Itabuna se
desenvolveram vários povoados e vilas em razão da expansão da lavoura cacaueira: Itaúna
(atual Itapé); Palestina (atual Ibicaraí); Macuco (atual Buerarema); Pirangy (atual Itajuípe);
Itapuhy (atual Itororó) e outros que com o passar do tempo também se transformaram em
municípios. Essas localidades, de acordo com o autor, sempre mantiveram maiores ligações
comerciais com o antigo Distrito de Cachoeira do Itabuna ou Arraial de Tabocas, que no ano
de 1910 foi emancipado sob a denominação de Itabuna. Ainda segundo o autor, o crescimento
dessas cidades propiciou uma nova oferta de serviços e empreendimentos, com o
desenvolvimento do comercio varejista, serviços públicos, escolas, empreendimentos
imobiliários, bancos, hotéis, cinemas, bares, porto, entre vários outros que levavam a uma
diversificação também no perfil de novos profissionais como estivadores, doqueiros,
funcionários da estrada de ferro, ensacadores e carregadores de cacau, trabalhadores dos
armazéns e depósitos, administradores de fazendas, artesãos, operários, comerciários,
trabalhadores da construção civil, prostitutas, dentistas, médicos, advogados, professores,
músicos, artistas.
Até a década de 1980 a economia cacaueira foi responsável por uma transformação
espacial na região, criando territorialidades em torno dessa matriz econômica. Toda a base
produtiva e toda infraestrutura que se formou na região teve como vetor a economia cacaueira.
Costa (2012) expõe que a expansão da economia cacaueira proporcionou transformações na
região especialmente com investimentos em infraestrutura, abertura de casas comerciais,
empresas exportadoras, bancos e transporte ferroviário, com a economia se organizando
principalmente em torno de Ilhéus, integrando-se a um modelo primário-exportador em nível
estadual e nacional. Portanto, foi uma dinâmica econômica e social que, embora tenha gerado
benefícios em infraestrutura, conformou uma estrutura concentradora de renda e terra nas mãos
dos grandes cacauicultores e dos detentores do capital comercial e financeiro, em detrimento
100

do grande contingente de trabalhadores que, principalmente, foram atraídos para as lavouras de


cacau.

Figura 12 - Colheita do cacau em uma fazenda no Sul da Bahia

Fonte: Ribeiro (2014); Foto: Stefan Koluban

A Figura 13 mostra a evolução da produção de cacau no Brasil (1900 - 2018) e na Bahia


(1974-2018). O período de 1890 a 1930 representa para a Região Cacaueira o início do ciclo de
expansão da cacauicultura voltada para a exportação, fazendo o Brasil ocupar lugar de destaque
entre os maiores produtores, inclusive, em 1910 o país liderou a produção mundial (ROCHA,
2008). Em outro ciclo, demarcado entre os anos de 1930 e 1956, o cacau experimenta momentos
ainda mais expressivos na pauta de exportações chegando a representar a segunda maior fonte
de divisas do país.
De acordo com Pinto et al. (2013), até o ano de 1930 a lavoura se desenvolveu bem com
forte expansão e na década de 1940 a região já estava consolidada como produtora de cacau,
uma economia baseada em um modelo monocultor-exportador e, portanto, sofrendo de todas
as consequências dessa condição: “dependência do mercado externo, importação dos produtos
de primeira necessidade, burguesia dominante, exploração da mão-de-obra dos trabalhadores
rurais, desníveis sociais marcantes” (p.101). Entretanto, esse ritmo de produção sofre reveses
com o surgimento de pragas e doenças infestando as lavouras e fazendo assim a produção
declinar. “Doenças e pragas infestaram os cacauais, levando-os a uma situação antieconômica,
101

e os produtores endividados, aos poucos, foram abandonando o cultivo desta lavoura” (PINTO
et al., 2013, p.101).

Figura 13 - Evolução da produção de cacau (Ton.) no Brasil e na Bahia,1900 a 2018

Fonte: Produção Brasil (1900 – 2018) (IPEADATA); Produção Bahia (1974 – 2018) (IBGE).

No período compreendido entre os anos de 1957 e 1989, o Estado intensificou seu papel
intervencionista como forma de enfrentamento às crises cíclicas, realizando investimentos em
infraestrutura, oferecendo novos financiamentos, repactuação das dívidas dos produtores,
assistência técnica e inovação tecnológica. A cada crise conjuntural ou eventos relacionados a
choque externos o Estado interveio de modo a restabelecer os níveis de produção, dado o papel
estratégico ocupado pelo cacau na pauta de exportações do estado da Bahia. Assim, foram
criados o Instituto de Cacau da Bahia (ICB) em Ilhéus e a Estação Experimental de Água Preta
no município de Uruçuca, no ano de 1930, em meios aos efeitos da crise de 1929. No ano de
1957, após os efeitos da Segunda Guerra (1939-1945), foi criada a Comissão Executiva do
Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Em outra crise nos anos 1970 foi construído o Porto de
Ilhéus (1971) e a construção da BR 101 (1973).
O ICB e a Ceplac tiveram papel importante enquanto organizações criadas pelo Estado
e direcionadas para o atingimento da política pública de reestruturação da cacauicultura com
aportes financeiros e suporte tecnológico. No ano de 1963 é instalado na Ceplac o Centro de
Pesquisa do Cacau (Cepec), responsável pelo desenvolvimento de tecnologia de ponta para o
cultivo e beneficiamento do cacau. A introdução de novas tecnologias proporcionou uma
102

modernização dos métodos de produção levando o estado da Bahia a alcançar o pico de 395.486
toneladas de cacau e o Brasil 458.754 toneladas no ano de 1986, números estes que fizeram o
país alcançar a posição de segundo maior exportador de cacau. No entanto, é também nesse
período, mais precisamente ao final dele, que todas as áreas produtoras de cacau na Região Sul
da Bahia são contaminadas com a doença da Vassoura de Bruxa (Moniliophthora perniciosa),
conforme ilustrada na Figura 14. A partir de então, associada a fatores externos e às
características estruturais da economia cacaueira, a região entrou em uma profunda crise cujos
efeitos ainda são sentidos na atualidade.

Figura 14 - Frutos do cacau afetados pela doença da vassoura de Bruxa (Moniliophthora


perniciosa)

Fonte: Pesquisa... (2019).

A crise da cacauicultura é comumente associada à doença da Vassoura de Bruxa que


afetou os cacauais da região e contaminou grande parte da área produtora de cacau no Sul da
Bahia no final da década de 1980. Entretanto, de acordo com Trindade (2011), outros fatores
de ordens externa e interna devem ser associados ao período de crise que se acentuou na década
de 1990. Como fatores externos destacam-se a queda dos preços do cacau devido aos grandes
estoques internacionais do produto (Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Malásia e Indonésia), a
substituição e/ou diminuição do cacau nos chocolates e afins, a entrada de novos concorrentes
da Ásia meridional e Oceania, com inovações tecnológicas e redução de custos, reestruturação
da lavoura e da indústria processadora, especialmente na Costa do Marfim, maior produtor
mundial. Internamente, foram decisivos os seguintes fatores: as doenças do cacaueiro,
103

principalmente a rápida disseminação da vassoura de bruxa; prolongadas estiagens ao longo


dos anos 90, em decorrência das interferências climáticas provocadas pelo el niño e la niña;
gestão regional ineficiente, conservadora e clientelista; quedas do rendimento e da
produtividade do trabalho; redução dos preços e da produção; baixo nível de escolaridade na
zona rural; reduzida inversão de técnicas modernas de produção agrícola.
Os efeitos da crise sobre a produção baiana foram sentidos a partir de 1990 com uma
trajetória descendente e atingindo seu nível mais baixo no ano de 2002 com uma produção de
110.205 toneladas de amêndoas. Na pauta de exportações, o valor negociado caiu de US$ 360
para US$ 110 milhões no período de 1991 a 2000, fazendo o Brasil sair da 2ª para a 7ª posição
no ranking dos maiores exportadores e, para garantir o mínimo necessário para atendimento do
parque moageiro instalado em Ilhéus, a Bahia passou a importar cacau da Costa do Marfim e
da Indonésia (ROCHA, 2008).
Também foram devastadores os impactos sobre as condições de vida da população,
especialmente no que diz respeito ao nível de renda e emprego. A região que foi sinônimo de
pujança e riqueza com a monocultura do cacau viu-se em meio a um quadro de recessão, perda
de postos de trabalho e desocupação de trabalhadores na área rural. A dinâmica territorial que
acontecia em torno da produção do cacau foi duramente afetada com a queda dessa produção,
com efeitos em todos os setores econômicos e afetando principalmente os trabalhadores rurais.
A migração populacional foi um dos efeitos mais notórios da economia cacaueira. Se o
inicio da expansão da economia cacaueira foi responsável pelo grande fluxo migratório de
pessoas, o que se seguiu com a crise que se abateu na região foi também responsável pelo grande
êxodo a partir do final da década de 1980 e início dos anos de 1990, sendo este fato histórico
uma importante fonte de constituição de novas territorialidades na região. Costa (2012) oferece
a informação de que cerca de 200 a 250 mil trabalhadores foram absorvidos pela lavoura
cacaueira. Esse contingente, segundo o autor, ampliava a população das fazendas e em seus
entornos, favorecendo o surgimento de povoados. Consta em Falcón (1995) que entre os anos
de 1892 e 1920 a população dos municípios de Ilhéus e Itabuna passou de um total de 7.000
para 105.000 habitantes. Contudo, essa trajetória de crescimento populacional foi interrompida
a partir da década de 1991 quando a região foi atingida pela crise econômica da lavoura
cacaueira, o que resultou em queda vertiginosa da produção de cacau e a consequente perda dos
postos de trabalho nas fazendas da região.
Em pesquisa realizada por Freitas (2018), consta que o desemprego na região afetou
cerca de 250 mil trabalhadores rurais assalariados em decorrência da estagnação da produção,
descapitalização e endividamento dos produtores. O resultado foi intenso êxodo rural e aumento
104

do fluxo migratório para os centros urbanos, principalmente para os municípios de Ilhéus e


Itabuna, e também para outras cidades da mesorregião e para outros Estados. De acordo com
Aguiar e Pires (2019), é a partir dessa crise que se intensificam os processos de luta por reforma
agrária na região por meio da ocupação de fazendas, acampamento e conflito armado, ou
mesmo negociação, visando à criação de assentamentos rurais.
As Tabelas 4 e 5 permitem constatar a evolução e a variação do contingente
populacional das microrregiões baianas no período em questão. Na primeira década em análise
(1970 – 1980) o crescimento populacional da microrregião Ilhéus-Itabuna alcançou uma taxa
média de 2,87% ao ano, quando a população passou de 727.680 para 936.331 habitantes. Entre
os anos de 1980 e 199 houve um crescimento menor, da ordem de 1,4% ao ano. A partir do ano
de 1991 a região passa a enfrentar taxas negativas, em torno de 0,3% a.a. e entre os anos 2000
e 2010 a queda foi da ordem de 0,7 % ao ano, já nesse caso, sendo evidenciado os efeitos da
crise da economia cacaueira.
A Tabela 4 permite comparar as microrregiões entre si quanto à variação do contingente
populacional nos decênios em análise, estando as microrregiões dispostas em ordem
decrescente tomando-se por base a variação ocorrida entre os anos de 1991 e 2010. Em
comparação com as outras microrregiões da Bahia, a Região Cacaueira foi uma das quatro
microrregiões que apresentaram decréscimo no número de habitantes entre os anos de 1991
(quando se iniciou os efeitos da crise) e 2010, ocupando a última posição nesse quadro com
uma redução média de 10% da população em seus municípios. As microrregiões de Brumado,
Jacobina e Senhor do Bonfim apresentaram redução de 1%, 2% e 3%, respectivamente, e todas
as outras microrregiões apresentaram aumento com destaque para a microrregião de Barreiras
com 74% de incremento, impulsionado principalmente pelo agronegócio.
Em comparação com as outras duas microrregiões (Valença e Porto Seguro) que
compõem a Mesorregião Sul Baiano, a Microrregião Ilhéus-Itabuna, conforme Figura 15, foi a
única que apresentou uma trajetória de queda em sua população a partir do ano de 1991, saindo
de um total de 1.130.142 para atingir 1.020.642 habitantes no ano de 2010, uma redução de
cerca de 10%, enquanto a Microrregião de Valença teve incremento de 16% e a de Porto seguro
um crescimento de 46%. A Região Cacaueira só apresentou crescimento populacional nas
décadas de 1970 e 1980 (Tabela 5), com aumento de 29% e 21%, respectivamente. Essas taxas
de crescimento estavam fortemente vinculadas ao bom momento experimentado pela economia
cacaueira.
105

Tabela 4 - Evolução da população nas Microrregiões Geográficas da Bahia, 1970 - 2010


Microrregiões 1970 1980 1991 2000 2010
Alagoinhas 165.116 203.248 246.123 280.584 308.410
Barra 94.307 118.244 148.997 159.825 171.646
Barreiras 67.964 99.331 164.414 206.331 286.118
Bom Jesus da Lapa 78.575 112.102 146.862 159.959 171.236
Boquira 125.293 142.164 170.470 180.055 187.398
Brumado 179.386 202.825 237.637 263.250 235.970
Catu 121.803 153.566 173.845 188.841 212.070
Cotegipe 75.772 90.497 110.899 110.839 114.824
Entre Rios 62.750 67.486 81.697 103.230 115.524
Euclides da Cunha 184.389 220.670 275.153 295.986 298.180
Feira de Santana 505.184 640.983 802.106 895.796 990.038
Guanambi 240.417 278.753 338.582 354.631 371.379
Irecê 205.780 259.067 338.779 350.371 373.298
Itaberaba 197.539 223.326 249.957 247.692 249.359
Ilhéus-Itabuna 727.680 936.331 1.130.142 1.097.438 1.020.642
Itapetinga 174.573 169.154 179.674 210.229 197.868
Jacobina 205.106 256.499 332.372 317.432 326.824
Jequié 359.346 410.251 492.353 517.249 507.347
Jeremoabo 57.039 65.577 95.723 106.576 99.393
Juazeiro 204.052 288.228 342.550 407.501 454.405
Livramento de Nossa Senhora 69.911 76.350 86.060 91.688 97.826
Paulo Afonso 82.831 113.022 131.554 149.749 167.118
Porto Seguro 381.176 422.837 500.071 633.692 727.913
Ribeira do Pombal 195.350 232.414 275.385 292.440 309.450
Salvador 1.147.821 1.766.724 2.496.521 3.021.572 3.458.571
Santa Maria da Vitória 135.596 156.099 174.908 178.878 178.311
Santo Antônio de Jesus 395.709 441.225 464.520 506.971 539.858
Seabra 167.105 183.134 233.522 253.245 254.192
Senhor do Bonfim 160.437 210.580 294.902 270.530 286.781
Serrinha 241.301 300.313 398.884 386.416 414.965
Valença 126.128 175.136 227.372 239.321 263.185
Vitória da Conquista 358.001 439.256 525.957 607.451 626.807
Total Geral 7.493.437 9.455.392 11.867.991 13.085.768 14.016.906
Fonte: IBGE (2010).
106

Tabela 5 - Variação percentual da população nas microrregiões geográficas da Bahia, por


década, 1980 - 2010
Var. % Var. % Var. % Var. % Var. %
Microrregiões 1980-1970 1991-1980 2000-1991 2010-2000 2010-1991
Barreiras 46% 66% 25% 39% 74%
Porto Seguro 11% 18% 27% 15% 46%
Entre Rios 8% 21% 26% 12% 41%
Salvador 54% 41% 21% 14% 39%
Juazeiro 41% 19% 19% 12% 33%
Paulo Afonso 36% 16% 14% 12% 27%
Alagoinhas 23% 21% 14% 10% 25%
Feira de Santana 27% 25% 12% 11% 23%
Catu 26% 13% 9% 12% 22%
Vitória da Conquista 23% 20% 15% 3% 19%
Bom Jesus da Lapa 43% 31% 9% 7% 17%
Santo Antônio de Jesus 12% 5% 9% 6% 16%
Valença 39% 30% 5% 10% 16%
Barra 25% 26% 7% 7% 15%
Livramento de Nossa Senhora 9% 13% 7% 7% 14%
Ribeira do Pombal 19% 18% 6% 6% 12%
Irecê 26% 31% 3% 7% 10%
Itapetinga -3% 6% 17% -6% 10%
Boquira 13% 20% 6% 4% 10%
Guanambi 16% 21% 5% 5% 10%
Seabra 10% 28% 8% 0% 9%
Euclides da Cunha 20% 25% 8% 1% 8%
Serrinha 24% 33% -3% 7% 4%
Jeremoabo 15% 46% 11% -7% 4%
Cotegipe 19% 23% 0% 4% 4%
Jequié 14% 20% 5% -2% 3%
Santa Maria da Vitória 15% 12% 2% 0% 2%
Itaberaba 13% 12% -1% 1% 0%
Brumado 13% 17% 11% -10% -1%
Jacobina 25% 30% -4% 3% -2%
Senhor do Bonfim 31% 40% -8% 6% -3%
Ilhéus-Itabuna (região cacaueira) 29% 21% -3% -7% -10%
Fonte: IBGE (2010).
107

Figura 15 - Variação populacional nas microrregiões do Sul da Bahia, %, entre as décadas de


1970 e 2010

Fonte: IBGE (2010).

A Figura 16 mostra a variação populacional espacializada, ocorrida nos 70 municípios


que integram a Mesorregião Sul Baiano e em cada uma das suas Microrregiões (Ilhéus-Itabuna,
Valença e Porto Seguro) entre os anos de 1991 e 2010. É possível observar aqueles municípios
que apresentaram as maiores e as menores taxas de crescimento populacional no período.
Notadamente, a Região Cacaueira foi aquela que concentrou o maior número de municípios
com redução em sua população e, de acordo com os dados, merece destaque os municípios de
Coaraci, Pau Brasil, Barra do Rocha, São José da Vitória, Almadina, Jucuruçu, Uruçuca, Nova
Ibiá e Barro Preto que perderam, cada um deles, mais de 30% da sua população. Em oposição,
os municípios localizados na Microrregião de Porto Seguro, no Extremo Sul da Bahia, foram
aqueles que tiveram as taxas mais expressivas de crescimento populacional, destacando-se
Santa Cruz Cabrália (302%), Porto Seguro (266%), Mucuri (105%) e Teixeira de Freitas (62%).
Não à toa, a literatura aponta para a estreita relação desse aumento populacional com a crise
econômica na Região Cacaueira, de onde saíram um grande número de famílias em busca de
ocupação, motivadas pela expansão da atividade turística em Porto Seguro e Santa Cruz
Cabrália.
108

Figura 16 - Variação do contingente populacional na Mesorregião Geográfica Sul Baiano, %,


1991 - 2010

Fonte: IBGE (2010) / Elaboração própria.


109

Quando se olha para a população rural (Tabela 6), percebe-se o quanto aquela crise foi
determinante para o êxodo na Região Cacaueira entre os anos de 1991 e 2010, embora tenha
sido um fenômeno ocorrido em quase todas as microrregiões, a exemplo do Brasil como um
todo, como decorrência da urbanização.

Tabela 6 - Variação da população rural nas microrregiões da Bahia


Microrregiões Variação Variação Variação Variação Variação
1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010 1991-2010
Entre Rios -18% 0% 18% 13% 33%
Alagoinhas 8% -3% 5% 3% 8%
Paulo Afonso 14% 5% 7% 0% 7%
Juazeiro 30% -14% 5% -4% 1%
Catu -16% -14% -3% 3% 0%
Barreiras 9% 28% -14% 16% 0%
Bom Jesus da Lapa 37% 16% -1% -1% -2%
Barra 13% 15% -6% 3% -3%
Livramento de Nossa Senhora 5% 3% -3% -4% -7%
Santo Antônio de Jesus 1% -10% -5% -3% -7%
Boquira 10% 13% -4% -5% -8%
Ribeira do Pombal 10% 6% -7% -3% -9%
Euclides da Cunha 16% 13% -3% -8% -11%
Valença 41% 24% -12% -1% -13%
Cotegipe 13% 9% -10% -5% -14%
Jeremoabo 16% 30% 4% -19% -16%
Guanambi 5% 4% -10% -8% -17%
Santa Maria da Vitória 2% -5% -7% -11% -17%
Feira de Santana 3% 0% -10% -9% -18%
Porto Seguro 4% -40% -13% -7% -19%
Irecê 14% 10% -19% -1% -19%
Vitória da Conquista 7% -5% 3% -22% -20%
Seabra 4% 12% -8% -15% -21%
Brumado 6% 6% 5% -25% -22%
Serrinha 16% 16% -19% -5% -23%
Jequié -3% 0% -15% -15% -28%
Senhor do Bonfim 22% 33% -27% -2% -28%
Jacobina 19% 4% -23% -10% -31%
Itaberaba -2% -9% -21% -12% -31%
Itapetinga -21% -25% 16% -41% -32%
Salvador 0% 7% -37% -8% -42%
Ilhéus-Itabuna 19% -1% -32% -27% -50%
Fonte: IBGE (2010)

No entanto, o caso particular da Região Cacaueira merece especial atenção por revelar
os efeitos de uma crise econômica que levou a perda de 50% da sua população rural, o maior
110

êxodo dentre as microrregiões da Bahia no período em análise, provocando aumento da


favelização nas periferias não só de Ilhéus e Itabuna, mas também em outros municípios no Sul
da Bahia.
De acordo com o último censo demográfico de 2010 (IBGE, 2010) e, como mostra a
Figura 17, prevalece no TLS uma população urbana, com 632.787 habitantes (81,9%), enquanto
que na zona rural são 139.896 habitantes (18,1%). A exceção é o município de Maraú cuja
população rural representava à época cerca de 80% da sua população total. Cabe uma ressalva
quando se aponta essa expressiva taxa de urbanização no território, pois cerca de 61% dos
municípios possuem até 20.000 habitantes e com fortes vínculos com o meio rural, tanto
econômicos quanto socioculturais.
Assim, a grande crise que se abateu na Região Cacaueira provocou uma nova dinâmica
demográfica com efeitos que aprofundou a precarização das condições de vida na periferia
urbana e, no meio rural, trabalhadores que antes eram assalariados foram submetidos a uma
relação de parceria, condição essa que designou os trabalhadores como meeiros.

Figura 17 - Distribuição da população urbana e rural no Território Litoral Sul

Fonte: Santos (2019).


111

Além das alterações ocorridas na dinâmica populacional, o Território Litoral Sul passou
por uma reorganização socioeconômica, com transformações que segundo Trindade (2011)
alteraram o ritmo, a intensidade e o volume das interações espaciais entre os centros regionais
e as pequenas cidades em cujos municípios a cacauicultura se desenvolveu. Para o
enfrentamento da crise da economia cacaueira foi necessário reunir esforços em torno de
alternativas concretas de restruturação produtiva e, principalmente, para uma mudança de
mentalidade que deveria voltar-se para além do cacau enquanto commodity, buscando a
diversificação da sua cadeia produtiva. Outras atividades agrícolas e não agrícolas foram
desenvolvidas e incentivadas como o turismo, introdução de industrias e especialmente no
comercio e prestação de serviços.
Essas novas iniciativas fizeram o eixo Ilhéus-Itabuna consolidar-se como polo regional
de serviços, com destaque para o comércio, lazer, serviços de atendimento médico-hospitalar e
o ensino superior. Essas cidades concentram em torno desses serviços e equipamentos um fluxo
constante de pessoas dos outros municípios que compõem o TLS e também municípios de
outros Territórios de Identidade. Seja em busca de atendimento médico, exames clínicos, seja
para acesso a serviços especializados, seja para o comercio varejista e/ou atacadista, seja por
motivo de lazer, ou, seja para ter acesso à rede de ensino superior público ou privado, a
população do Litoral Sul e de outros municípios em seu entorno acabam criando um vínculo
com o eixo Ilhéus-Itabuna com repercussões em várias cadeias de valor e, mais ainda, criando
uma identidade territorial com níveis de territorialidades diversas.
A territorialidade é aqui entendida não apenas partir do seu aspecto imaterial, simbólico-
cultural, mas também, pela sua funcionalidade, uma dimensão do vivido (LEFEBVRE, 1986)
conjugando materialidade e imaterialidade ou, como em Raffestin (2003), uma territorialidade
imediata correspondendo à territorialização das nossas ações cotidianas. Como afirma Sack
(1986), além de incorporar uma dimensão política, a noção de territorialidade considera também
relações econômicas e culturais, pois está intimamente ligada ao modo como as pessoas
utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como dão significado ao lugar.
Por outro lado, como aponta Trindade (2011, p.230, 233) existe uma multiplicidade de
fluxos que ampliaram as assimetrias urbanas, consolidando uma relação em que as pequenas
cidades contribuem com o crescimento dos centros regionais, ou seja, com o eixo Ilhéus-
Itabuna. São destas pequenas cidades ao redor desse centro regional (Ilhéus-Itabuna) que
emergem grande parte dos consumidores de bens e serviços, o que segundo Trindade (2011),
fazem ampliar ainda mais as assimetrias e, assim, “os nós da rede urbana concentram
equipamentos, capital e serviços que reproduzem um padrão assimétrico de coexistência com
112

as pequenas cidades” (p.230). O autor ainda explica que o desenvolvimento dos centros
regionais, com é o caso de Ilhéus e Itabuna, que se expandem horizontal e verticalmente, ocorre
ao mesmo tempo em que acontece a estagnação da pequena cidade pois grande parte dos
recursos locais é transferida para o centro regional através do consumo dos produtos e serviços
no comércio dessas cidades.
A partir da Tabela 7 é possível ver o peso do setor de serviços na economia dos
municípios de Ilhéus e Itabuna, quando este setor representou no ano de 2015 uma participação
de cerca de 43% e 55,80% respectivamente. A agricultura que foi responsável pela expressiva
renda obtida por estes municípios, atualmente tem peso muito menor no produto municipal,
representando 4,61% do PIB de Ilhéus e 0,77% do PIB de Itabuna, excetuando-se o valor
adicionado pela administração pública. Juntos, os dois municípios representam cerca de 66%
do PIB do território. Quanto aos outros municípios do TLS, a maioria deles encontra na
administração pública e na agricultura seu maior componente do PIB municipal. Dos 26
municípios do TLS, 18 deles apresentam maior proporção do PIB municipal concentrada na
administração pública: Almadina (38,07%), Arataca (37,83%), Aurelino leal (41,5%), Barro
Preto (41,10%), Canavieiras (32,13%), Coaraci (37,71%), Floresta Azul (40,98%), Ibicaraí
(41,79%), Itaju do Colônia (37,59%), Itapé (41,43%), Itapitanga (46,53%), Jussari (40,18%)
Maraú (32,79%), mascote (36,44%), pau Brasil (39,42%), Santa luzia (38,93%), São José da
Vitória (47,93%), e Uruçuca (36,79%).
São municípios que dependem economicamente dos repasses governamentais e que
geram contratações e movimentação da renda na localidade. Embora nenhum destes municípios
tenham apresentado a agricultura como principal componente do produto municipal, o setor
ainda ocupa lugar de importância na economia da maioria destes municípios, com destaque para
Almadina (34,55%), Arataca (36,18%), Barro preto (30,20%), Canavieiras (28%), Itaju do
Colônia (35,89%), Itapé (25,71%), Itapitanga (24,98%), Jussari (32,79%), maraú (27,23%),
Mascote (27,95%), pau brasil (30,83%), santa luzia (28,49%) e Una (25,62%).
A despeito das transformações ocorridas desde a crise do cacau, os municípios de Ilhéus
e Itabuna mantiveram o predomínio como centros econômicos do território com influência
ampliada para outros territórios no Sul da Bahia. No âmbito dessa centralidade regional e para
além da sua importância no TLS, o município de Itabuna tornou-se, como bem diz Aguiar e
Pires (2019), o centro regional do comércio varejista e atacadista e também em razão dos
serviços médico-hospitalares, dada a oferta de equipamentos e variados serviços especializados.
Além disso, o município exerce a função de entroncamento rodoviário na malha rodoviária
baiana. Essa condição permite ao município estabelecer interações mais densas e constantes
113

com as demais cidades da rede urbana, através dos fluxos, via rede de transportes rodoviários
(TRINDADE, 2011).
O município de Ilhéus dispõe de alguns equipamentos de saúde, mas é na atividade
turística que está seu principal vetor de fluxos. Além de Ilhéus, os municípios de Itacaré, Maraú,
Canavieiras, Una e Uruçuca integram o eixo turístico no Litoral Sul denominado de Costa do
Cacau. Ilhéus é a principal porta de entrada devido à sua infraestrutura portuária e aeroportuária
e à sua rede hoteleira.
114

Tabela 7 - Produto Interno Bruto, Valor Adicionado Bruto (VAB) por setores, a preços correntes, por município do Território Litoral Sul, 2015
VAB Impostos, líquidos
VAB da VAB da VAB
PIB População PIB per capita Administração de subsídios,
Município % PIB Agropecuária Indústria Serviços
(R$ 1.000) (R$ 1,00) Pública (R$ sobre produtos
(R$ 1.000) (R$ 1.000) (R$ 1.000)
1.000) (R$ 1.000)
Itabuna 3.840.425 34,71% 219.680 17.481,91 29.703 650.133 2.143.027 636.901 380.660
Ilhéus 3.639.669 32,90% 180.213 20.196,49 167.766 821.383 1.566.407 541.129 542.984
Canavieiras 299.946 2,71% 33.268 9.016,06 84.038 15.913 92.172 96.360 11.464
Una 282.836 2,56% 22.105 12.795,13 72.450 15.773 102.121 72.972 19.520
Camacan 266.623 2,41% 33.197 8.031,53 30.543 18.021 103.262 99.518 15.279
Itacaré 262.577 2,37% 27.619 9.507,12 45.835 17.865 106.014 83.468 9.396
Itajuípe 258.740 2,34% 21.754 11.893,92 32.960 62.331 73.385 67.303 22.761
Buerarema 216.098 1,95% 19.283 11.206,68 17.071 10.425 109.826 54.376 24.400
Ubaitaba 214.352 1,94% 20.813 10.298,96 22.433 14.506 91.754 68.301 17.358
Maraú 208.133 1,88% 21.175 9.829,17 56.681 11.460 66.033 68.244 5.715
Uruçuca 189.467 1,71% 21.849 8.671,67 32.423 15.994 61.829 69.713 9.508
Ibicaraí 176.544 1,60% 24.029 7.347,13 19.190 9.782 67.104 73.782 6.685
Coaraci 152.057 1,37% 19.770 7.691,32 26.831 8.381 53.563 57.341 5.942
Mascote 135.491 1,22% 14.877 9.107,38 37.872 6.896 35.244 49.369 6.109
Aurelino Leal 106.719 0,96% 13.089 8.153,32 29.294 6.756 21.711 44.293 4.664
Santa Luzia 106.257 0,96% 13.626 7.798,13 30.277 6.122 24.846 41.366 3.647
Arataca 98.994 0,89% 11.737 8.434,36 35.815 5.953 17.760 37.453 2.013
Pau Brasil 88.363 0,80% 10.905 8.102,97 27.246 5.219 18.364 34.832 2.702
Itapé 83.499 0,75% 10.228 8.163,73 21.467 4.129 21.018 34.592 2.293
Floresta Azul 81.250 0,73% 11.313 7.182,04 19.128 4.793 21.213 33.296 2.820
Itapitanga 75.151 0,68% 10.800 6.958,44 18.771 3.622 16.206 34.967 1.586
Itaju do Colônia 69.086 0,62% 7.353 9.395,58 24.795 3.646 12.823 25.972 1.850
Almadina 57.990 0,52% 6.145 9.436,99 20.036 3.197 11.559 22.075 1.123
Barro Preto 54.925 0,50% 6.492 8.460,46 16.587 2.540 11.874 22.577 1.347
Jussari 54.256 0,49% 6.378 8.506,77 17.793 2.387 11.050 21.801 1.225
S. J. da Vitória 44.870 0,41% 6.118 7.334,11 5.292 2.407 13.624 21.506 2.041
Total 11.064.320 100,00% 793.816 251.001 942.297 1.729.633 4.873.789 2.413.508 1.105.093
Fonte: IBGE - PIB dos municípios brasileiros
115

3.6.1 Novos vetores de desenvolvimento e multiterritorialidades no Território Litoral Sul

A crise da lavoura cacaueira e seus desdobramentos foram decisivos para o


encaminhamento de uma nova conformação social e da estrutura produtiva e institucional na
Região Cacaueira. Por muito tempo as relações de dominação e apropriação do espaço
estiveram concentradas na “burguesia cacaueira”. Toda a dinâmica territorial, incluindo os
fluxos humanos e de capitais, convergiu para atender aos grandes produtores e exportadores de
cacau, subordinados ao mercado internacional. A partir da crise da cacauicultura o processo de
territorialização, ou re-territorialização da Região Cacaueira, direcionou os investimentos para
novos segmentos, tendo peso significativo o setor de serviços, uma reconversão produtiva como
definido em Mira (2013).
Atualmente, o TLS contempla dinâmicas distintas e múltiplas, múltiplos territórios ou
multiterritorialidades. Sob a apropriação e dominação do cacau, a região cacaueira esteve mais
associada a um “território unitário” (HAESBAERT, 2016, p.341), em uma condição clara e
estaticamente definida, aproximando-se de um território-zona. Dentro dessa nova estrutura
produtiva na qual se encontra hoje, prevalece no Litoral Sul uma “dinâmica combinada de
múltiplos territórios ou multiterritorialidades” (p.341), em que as mobilidades dominam as
relações com o espaço. De acordo com Haesbaert (2016, p. 341), “essas dinâmicas se
desdobram num continuum que vai do caráter mais concreto ao mais simbólico, sem que esteja
dicotomicamente separado do outro”. Para o autor, os indivíduos ou grupos sociais constroem
seus (multi) territórios integrando sua experiencia cultural, econômica e política em relação ao
espaço.

Esta multiplicidade e/ou diversidade territorial em termos de dimensões sociais,


dinâmica (ritmos) e escalas resulta na justaposição ou convivência, lado a lado, de
tipos territoriais distintos (...) correspondendo à existência de múltiplos territórios ou
múltiplas territorialidades (HAESBAERT, 2016, p.341-342).

Para o autor, a multiterritorialidade implica na possibilidade de acessar ou conectar


diversos territórios, o que pode se dar tanto através de uma mobilidade concreta (deslocamento
físico), quanto de forma virtual, sem deslocamento físico, proporcionada por novas
experiências espaço-temporais através do ciberespaço. Representa uma forma de experimentar
vários territórios ao mesmo tempo, dado que se considerarmos que o processo de
territorialização pode se dar tanto ao nível individual ou em pequenos grupos, toda relação
social, diz o autor, implica uma interação territorial e, hoje de forma mais intensa, ampla e com
maior velocidade em razão das inovações nas redes de transporte, comunicação e internet.
116

Essas possibilidades de acessar ou conectar vários territórios estão muito associadas ao


que Haesbaert (2016) chama de territórios pessoais ou território de baixa intensidade, pois estão
relacionados à construção territorial que fazemos através das funções que desempenhamos e
das significações que propomos através de nossos movimentos no interior dos espaços urbanos.
Ademais, argumentamos que não apenas nos espaços urbanos, pois cada vez mais os espaços
urbanos e rurais se aproximam de um continuum espaço-tempo, especialmente porque a
construção de novas territorialidades no meio rural envolve relações pessoais, sociais,
comerciais, trabalhistas e de lazer fortemente integradas ao meio urbano. Seja por motivos
sazonais, climáticos, financeiros, empreendedorismo, as famílias do meio rural estão cada vez
mais se envolvendo em múltiplas atividades produtivas nos meios urbano e rural
simultaneamente. Pessoas que passam parte do ano na lavoura e outra parte desempenhando
funções em atividades urbanas, por exemplo.
Dessa forma, como explica Haesbaert, as pessoas vivenciam muitos territórios ao
mesmo tempo e constroem multiterritorialidades próprias. Essas multiterritorialidades
dependem do contexto social, econômico, político e cultural. Esses territórios se aproximam de
um território-zona quando consideramos a sua casa ou até mesmo sua cidade, dependendo das
relações e mediações que se constroem no espaço e às quais estão submetidas, principalmente
as relações de poder, dominação e apropriação. Essas multiterritorialidades próprias também
estão vinculadas às linhas e fluxos estabelecidos em cada conexão com outras zonas,
construindo assim, de acordo com Haesbaert, um território-rede de baixa intensidade.
Essa é uma realidade no Litoral Sul quando consideramos a influência do centro Ilhéus-
Itabuna sobre os demais municípios do território e, até mesmo, sobre outros Territórios de
Identidade. A construção das multiterritorialidades neste espaço se deve em grande parte ao
complexo de serviços que foi criado, especialmente, em torno dos serviços de saúde, educação,
comércio e lazer. Em decorrência disso as pessoas estão continuamente construindo
territorialidades, se conectando com outras pessoas, estabelecendo relações e a elas se
submetendo, a depender de como opera as instâncias de dominação e apropriação do espaço em
cada zona. Esse conjunto de territorialidades conectam indivíduos, capitais e informações em
forma de redes e podem, assim, conformar territórios ou um território-rede.
A esse respeito, Freitas (2009) a partir de uma análise do Diagnóstico Territorial da
Bahia Rural (SEI/BAHIA, 2004), constata a sobreposição espacial de distintas definições
territoriais no TI Litoral Sul, identificadas e denominadas como “matrizes territoriais”,
correspondendo estas a territórios distintos, originados seja por interesses capitalistas, seja das
políticas públicas ou ainda territórios definidos pelas ações das organizações e movimentos
117

sociais. Esses territórios expressam os diversos e conflitantes interesses políticos e concepções


de desenvolvimento territorial, definidos a partir de uma “ideia-guia” relacionada à articulação
em rede dos sujeitos sociais.
Assim, Freitas (2009) identificou sete “matrizes territoriais” as quais, segundo a autora,
explicitam as lógicas distintas de apropriação do espaço geográfico no Litoral Sul, seja através
do Estado (Territórios da Amurc do Comitê de Bacias Hidrográficas do Leste), dos proprietários
fundiários e capitalistas (Territórios Grapiúna e do Turismo), dos camponeses e trabalhadores
rurais (Territórios da Reforma Agrária e Indígena) ou das organizações não-governamentais
(Território dos Movimentos Ambientalistas e ONGs). O Quadro 5 apresenta as matrizes
territoriais com suas respectivas ideias-guia e os atores que fazem parte da construção dessas
territorialidades.
Para além dessas matrizes territoriais, é preciso destacar outras fontes de
territorialidades como os complexos de serviços educacionais e médico-hospitalares. O eixo
Ilhéus-Itabuna consolidou-se como um polo regional de educação superior e tecnológica,
fazendo do Litoral Sul da Bahia um dos poucos territórios no Brasil a reunir um quadro de
profissionais de alta capacidade intelectual, cientifica e tecnológica, além da infraestrutura de
apoio à pesquisa oferecida principalmente pelas instituições públicas. Atualmente o TLS conta
com uma universidade estadual, a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), uma federal, a
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), dois Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia (Ilhéus e Uruçuca), faculdades particulares em Ilhéus (Faculdade Madre Thaís,
Faculdade de Ilhéus) e Itabuna (UniFTC, Unime, Faculdade Santo Agostinho) sem contar com
os vários cursos oferecidos pelas grandes redes de ensino à distância presentes nas cidades de
Ilhéus e Itabuna. Vale ressaltar também os cursos profissionalizantes e tecnológicos oferecidos
pela unidade do Sesi-Senai, em Ilhéus.
Para além dos efeitos gerados quanto à formação do capital humano e produção do
conhecimento para o desenvolvimento socioeconômico do território, esse complexo de
instituições constitui-se como um vetor da dinâmica territorial com repercussões e efeitos de
caráter econômico, social e espacial. São milhares de pessoas que se deslocam diariamente de
vários municípios do Sul da Bahia, ou então que mudam para o eixo Ilhéus-Itabuna, e até
mesmo pessoas que vêm de outros estados e acabam por criar vínculos e desencadeando
incentivos em diversas cadeias de valor.
118

Quadro 5 - Matrizes Territoriais no Território de Identidade Litoral Sul da Bahia


Matriz Territorial Projeto político Ideia-guia Entidades/organizações/atores
Projeto político originado na Promoção da reforma agrária Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento de Luta
mobilização e na organização social articulada com a organização pela Terra (MLT), Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e
e política dos trabalhadores rurais e social e produção agrícola dos Agricultoras do Estado da Bahia (FETAG-BA), Movimento de Libertação
urbanos desempregados e assentamentos dos Sem Terra (MLST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Federação de
agricultores familiares Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Instituto de Estudos
Território da
Socioambientais (IESB), Centro de Desenvolvimento Agroecológico do
Reforma Agrária
Extremo Sul da Bahia (Terra Viva), Sindicatos dos Trabalhadores Rurais,
Associações e Cooperativas dos Assentamentos e as Escolas Rurais; Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC), Coordenação de Ação Regional (CAR) e
Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário (CDA).
Reconfiguração tecnológica e do Aplicação de inovações Conselho Nacional dos Produtores de Cacau (CNPC), Federação da
espaço produtivo da lavoura tecnológicas desenvolvidas para Agricultura do Estado da Bahia (FAEBA), Associação Brasileira das
cacaueira proposta pelos produtores a convivência com a vassoura- Indústrias de Chocolate (ABIC) Associação Brasileira dos Exportadores de
Território Grapiúna rurais e empresários que integram o de-bruxa Cacau (ABEC), Associação Brasileira de Cacauicultores (ABC), Comissão
circuito espacial do cacau Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), Instituto Biofábrica,
UESC, IESB, Fundação Pau Brasil (FUNPAB), Almirante Cacau Comércio
e Exportação, Chocolates Mars.
Exploração do potencial turístico Ampliação da infraestrutura Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur),
pelos representantes do setor de turística Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia (Bahiatursa),
Território do hotelaria e proprietários de pousadas Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia (DERBA), Empresa
Turismo locais Baiana de Água e Saneamento (EMBASA), associações de classe de
empresários e instituições internacionais, como o Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e a Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Projeto político originado em função Implantação das inovações Terra Viva, IESB, Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais
dos impactos ambientais derivados tecnológicas características da (SASOP), Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Baixo Sul da Bahia
da crise da lavoura cacaueira e agroecologia (IDES), Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo
Território dos expansão das plantações de eucalipto Sul da Bahia (CEPEDES), FASE, Fundação Jupará, Grupo de Resistência às
Movimentos e da exploração da madeira Agressões ao Meio Ambiente (GRAMA), Instituto Brasileiro do Meio
Ambientalistas e denunciados pelos agricultores Ambiente (IBAMA), UESC, Associação dos Municípios do Sul, Extremo
ONGs familiares, trabalhadores rurais, Sul e Sudoeste da Bahia (AMURC), Comitê de Bacias do Leste, Flora Brasil,
técnicos e pesquisadores Núcleo de Educação Ambiental e de Difusão de Práticas Sustentáveis
(NEAM), Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Associações de Produtores
Rurais.
119

(Conclusão)
Matriz Territorial Projeto político Ideia-guia Entidades/organizações/atores
Projeto político originado a partir das a afirmação étnica pela Povos Indígenas (Pataxós, Pataxó Hã-hã-hãe, Camaká, Maxali),
lutas por reconstrução do território reconquista do território em áreas Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Conselho Indigenista
Território Indígena indígena dos Pataxós, Pataxó Hã-hã-hãe de reserva e seu reconhecimento Missionário (CIMI), Centro de Estudos e Pesquisas para o
e Tupinambás de Olivença como povos indígenas Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES), FASE e Terra
Viva.

Projeto político originado da articulação modernização da gestão AMURC, Consórcio Intermunicipal do Sul da Bahia (CISUBA),
institucional da AMURC visando à municipal Consórcio Intermunicipal Costa do Descobrimento (CICODE), o
Território da AMURC
formação de consórcios intermunicipais Consórcio Intermunicipal de Integração do Alto Sul (CIASUL) e as
prefeituras do Litoral Sul da Bahia.

Projeto político originado com a criação o gerenciamento dos recursos CEPLAC, Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), AMURC, UESC,
do consórcio intermunicipal de hídricos mediante mobilização Prefeitura de Itabuna, Prefeitura de Santa Cruz da Vitória, Prefeitura de
gerenciamento das bacias hidrográficas social e de instituições Una, Empresa Baiana de Água e Saneamento (EMBASA), Empresa
Território do “Comitê do Sul do Estado relacionadas Municipal de Água e Saneamento (EMASA), Nestlé, Hotel
de Bacias Transamérica, Associação dos Usuários da Água da Sub-bacia do Rio
Hidrográficas do Leste Colônia, do Rio Salgado, Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE)
de Itororó, Organização pró-Defesa e Estudos dos Manguezais da Bahia
(ORDEM) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA).

Fonte: Freitas (2009).


120

A Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), vide Figura 18, foi a primeira instituição
de ensino superior e por muito tempo foi a única em toda Mesorregião Sul Baiano. Atualmente
é a principal IES de todo o Sul da Bahia e uma das mais importantes do estado com
reconhecimento nacional e internacional em ensino, pesquisa e extensão. No ano de 2018, a
Uesc contou com 11.636 alunos matriculados nos 33 cursos de graduação. A instituição ainda
contou naquele ano com 5 cursos de educação à distância, 7 cursos de pós-graduação lato sensu
(especialização) presenciais e 3 especializações EAD, 30 cursos stricto sensu, sendo 18 cursos
de mestrado acadêmico, 6 mestrados profissionais e 6 doutorados.

Figura 18 - Campus da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Ilhéus - BA, vista aérea

Fonte: Campus... (2020).

Trindade (2011) diz que além da Uesc, as outras instituições de ensino superior de
caráter privado contribuem para ampliar o raio de influência do eixo Ilhéus-Itabuna e acrescenta
que cerca de 30% dos alunos matriculados na UniFTC em Itabuna são oriundos de outros
municípios do Sul da Bahia e até mesmo de outras regiões do Estado. O autor, ao destacar a
contribuição das faculdades privadas na alteração dos fluxos intra-urbanos em Itabuna e Ilhéus,
relata que a paisagem dessas cidades foi transformada com novos usos do espaço urbano e com
a requalificação de espaços que estavam marginalizados durante a noite como é o caso do
entorno da praça José Bastos onde está localizada a UniFTC e a Avenida José Soares Pinheiro,
onde está a Faculdade União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime), em Itabuna.
Em consonância com o argumento que aqui se propõe, Trindade (2011, p.244) considera
que a “a aglomeração Itabuna - Ilhéus” é um polo regional de ensino superior e essa função
121

soma-se “àquelas historicamente consolidadas em torno da cacauicultura, tornando mais densas


e complexas as articulações entre as cidades que integram a rede urbana”.
Quanto ao complexo de serviços médico-hospitalares, os municípios de Ilhéus e Itabuna
são conhecidos por concentrarem atendimentos especializados e de alta complexidade, e tal
qual o complexo educacional, representa um importante vetor de fluxos com repercussões na
dinâmica territorial. Por outro lado, existe a precariedade ou inexistência de serviços de saúde
e instalações adequadas ao atendimento da população nos outros municípios do território. Esse
quadro contribui para que a rede de serviços médico-hospitalares seja responsável pelo grande
fluxo diário de pessoas e interações espaciais, principalmente no município de Itabuna, com
repercussões também em várias cadeias de valor em sua economia urbana: transporte, comércio,
alimentação, hospedagem, shopping center etc.
De acordo com Trindade (2011), à época da sua pesquisa, Itabuna possuía sete hospitais
de atendimento de média e alta complexidade. Em dezembro de 2017, foi inaugurado no
município de Ilhéus o Hospital Regional Costa do Cacau (Figura 19), um importante
equipamento público que atende a 70 municípios da região, oferecendo serviços médicos de
média e alta complexidade, inclusive cirurgia cardíaca.

Figura 19 - Hospital Regional Costa do Cacau, Ilhéus - BA, vista aérea

Fonte: Hospital... (2020); Foto: Manu Dias.

Além disso, existem no município mais de 50 clínicas privadas e públicas nas mais
diversas especialidades, inclusive as clínicas oftalmológicas, mais raras de se encontrar nas
122

pequenas cidades. No entanto, o assim chamado polo de serviços médico-hospitalares, atribuído


ao eixo Ilhéus-Itabuna, não se reverte em qualidade e alcance, especialmente para os usuários
do sistema público de saúde. Em Itabuna, por exemplo, os problemas vêm se agravando há
muitos anos, com situações que vão desde a falta de atendimento ao fechamento de hospitais.
O quadro é tão grave que recorrentemente os noticiários relatam maternidades negando
atendimento às grávidas e crianças sem atendimento e até morrendo na porta de hospital
infantil.
O eixo Ilhéus-Itabuna também é um centro de comércio, serviços e lazer com uma ampla
variedade de bens e serviços especializados, reforçando ainda mais a atratividade destes dois
municípios, gerando movimentações e absorvendo fluxos de capitais no Litoral Sul. O
comércio, principalmente o de Itabuna, é reconhecido por sua variedade e ampla rede de lojas
automotivas, peças e acessórios, equipamentos e insumos agrícolas, móveis etc, e, além disso,
a instalação do Jequitibá Plaza Shopping (Figura 20) no ano de 2000 em Itabuna incrementou
ainda mais as opções de compra e também de lazer. O empreendimento é o único shopping
center do seu porte na Mesorregião Sul Baiano. De acordo com as informações contidas no site
oficial (http://www.jequitibaplaza.com.br/o-shopping) o shopping conta com importantes lojas
âncoras e mega lojas como a C&A, Riachuelo, Renner, Marisa, Hiper Bompreço, Lojas
Americanas, Centauro, Le Biscuit e McDonalds, recebendo em média 30.000 clientes por dia.

Figura 20 - Jequitibá Plaza Shopping, Itabuna - BA, vista aérea

Fonte: Novos... (2020).


123

De acordo com Mira (2013), o Jequitibá Plaza Shopping talvez seja a organização
econômica que melhor represente o descolamento da economia regional do negócio cacau. Seu
sucesso foi tamanho que, em 2011, 11 anos após sua inauguração, foi ampliado em 40 lojas e
quatro lojas-âncoras. Atualmente o shopping encontra-se em nova fase de expansão da sua área
bruta locada (ABL) em mais de 7 mil metros quadrados, agregando mais operações de produtos
e serviços ao empreendimento, como o complexo Cinemark com 4 salas de cinema com
tecnologia 3D, academias inteligentes Smart Fit, Casas Bahia, Kalunga, Burguer King e Ice
Creamy, com estimativa de geração de mais 200 empregos diretos e uma estimativa de 20% a
mais em vendas.
A partir de 2010, os municípios de Ilhéus e Itabuna são alvos da expansão das grandes
redes multinacionais de lojas atacadistas, recebendo investimentos para a instalação das lojas
Makro Atacado (SHV - Steenkolen Handels Vereeniging), Atacadão (Carrefour), Maxxi
atacado (Walmart), GBarbosa (Cencosud) e, em 2019, foi instalada em Ilhéus uma unidade do
Assaí Atacadista (Grupo Pão de Açúcar / Casino). Estes empreendimentos contribuíram para o
aumento dos fluxos de pessoas, capitais e mercadorias no entorno do eixo Ilhéus-Itabuna,
quando famílias e pequenos comerciantes das cidades circunvizinhas passaram a realizar
compras nestas lojas e, ao mesmo tempo, provocou maior concorrência entre os hipermercados
localizados naquelas duas cidades.
Cabe destacar também que a atividade turística foi e continua sendo uma das apostas
para a retomada do desenvolvimento socioeconômico no pós-crise na região cacaueira. O
Território Litoral Sul, particularmente, conta com municípios detentores de recursos
paisagísticos e culturais que os tem colocado como alguns dos principais destinos turísticos do
estado e do Brasil, a exemplo dos municípios de Ilhéus, Itacaré, Canavieiras, Uruçuca (Serra
Grande), Maraú (península de Maraú) e Una (Ilha de Comandatuba). São destinos que
encontram em seu capital natural, especialmente nas praias, seu principal fator de atratividade.
O município de Ilhéus é o principal destino e principal porta de entrada. Além do mais, Ilhéus
construiu uma identidade vinculada ao seu passado de lutas, conquistas, conflitos, glórias e
riquezas em torno da “civilização do cacau”, uma saga narrada e eternizada na obra amadiana.
Ainda hoje, o cacau e tudo o que o envolveu, é um valor simbólico da cultura sulbaiana que é
utilizado no marketing turístico.
124

Figura 21 - Casa de Cultura Jorge Amado, localizada na rua Jorge Amado, Ilhéus – BA

Fonte: Casa... (2015).

A esse respeito, existem esforços para que a atividade turística incorpore outros
elementos da cultura local e incremente outras cadeias de valor, como o turismo rural associado
a produção de cacau cabruca. Algumas fazendas estão buscando alternativas de diversificação,
incorporando em suas rotinas a possibilidade de visitação, oportunizando uma experiência de
conhecer as várias etapas da produção de cacau e, algumas outras, estão também investindo na
produção e comercialização do chocolate.
A partir de uma articulação entre a Secretaria do Turismo da Bahia (Setur), a Secretaria
de Planejamento da Bahia (Seplan), Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) e a Associação de
Turismo de Ilhéus (Atil) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae), foi criada, enquanto produto turístico, a “Estrada do Chocolate” (Figura 22),
localizada na BA 262, com a proposta de interligar 20 fazendas entre os municípios de Ilhéus e
Uruçuca. A ideia é oferecer aos visitantes uma experiência com o contato direto com as
plantações de cacau, casarões históricos, com a mata atlântica, além de desfrutar de outras
amenidades e consumo de produtos da fazenda, inclusive o chocolate fabricado na propriedade.
Outras alternativas foram aventadas e continuam na pauta de discussões para a retomada
do desenvolvimento da região, como é o caso da aposta no cacau orgânico e no cacau fino. O
cacau orgânico estaria inserido em uma perspectiva agroflorestal considerando as
características da biodiversidade da mata atlântica. Essa alternativa se deslocaria do modelo
comoditizado de mercado no qual o cacau está inserido e passa oportunizar um maior valor
125

agregado para o produtor em um mercado diferenciado pelo alto valor ambiental incorporado.
De acordo com Noia, Midlej e Romano (2015), o preço mínimo verificado para o cacau
orgânico, em média, tem sido de 1.800 a 2.000 mil dólares a tonelada, sendo que o preço do
cacau produzido de forma convencional varia entre 1.000 e 1.500 dólares por tonelada.

Figura 22 - Rota turística Estrada do Chocolate, Território Litoral Sul da Bahia

Fonte: Beneficiamento... (2019).

As condições sob as quais o cacau é plantado já oferecem naturalmente um potencial


para desenvolver o tipo orgânico. Como destacado em Rocha (2008), o cacau é produzido em
um sistema ecológico de cultivo entre a vegetação nativa da mata atlântica, sistema este
chamado de cabruca (Figura 23). Segundo a autora, a técnica de cultivar os cacaueiros entre a
vegetação nativa da Mata Atlântica, além de ser ecologicamente correta, poupa trabalho e
melhora a qualidade do fruto. O termo cabruca vem do ato de cabrucar, termo utilizado pelos
primeiros plantadores de cacau e significa abrir o interior da mata, deixando as árvores mais
altas para sombreamento.
Os produtores de cacau orgânico estão organizados através da cooperativa dos
Produtores Orgânicos do Sul da Bahia (CABRUCA). De acordo com as informações do site
oficial, a cooperativa conta com 28 cooperados e 33 propriedades, abrangendo uma área
produtiva de 969,779 ha e uma área de reserva legal de 474 ha, envolvendo 76 famílias.
126

Figura 23 - Sistema agroflorestal cacau-cabruca, Sul da Bahia

Fonte: (SCHROTH et al., 2011).

Nesse caminho de diversificação da cadeia produtiva do cacau, muitos produtores estão


investindo na produção de chocolates finos ou gourmet, um chocolate de alta qualidade com
amêndoas selecionadas e maior intensidade de cacau em sua composição. Esse mercado está
em forte expansão devido ao crescimento da demanda internacional e já sendo notado seu
crescimento também internamente. Essa tem sido uma alternativa implementada no Sul da
Bahia com um real potencial de crescimento, inclusive com integração na cadeia do turismo.
Em documento apresentado pelo Sebrae, “Análise estratégica Setorial - cacau do Sul da
Bahia” (SEBRAE, 2019), a estrutura produtiva da cadeia do cacau no Sul da Bahia envolve
como principais agentes os produtores de cacau estimados em cerca de 28.000, os trabalhadores
rurais, as instituições fornecedoras de mudas e insumos com destaque para o Instituto
Biofábrica de Cacau e Ceplac, as cooperativas de produtores de cacau, as empresas fabricantes
de fertilizantes e equipamentos agrícolas, as moageiras a exemplo da Cargill, Barry Callebaut
e Olam, os fabricantes de chocolate bean to bar e tree to bar, empresas compradoras de cacau,
as universidades, instituições de pesquisa e institutos técnicos, que trabalham com os produtores
desenvolvendo e aplicando novas tecnologias para o plantio e manejo (Ceplac, Embrapa, Uesc,
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), As instituições parceiras, como o Centro
de Inovação do cacau (CIC), a Associação dos Produtores de Cacau do Sul da Bahia, a
127

Associação Chocosul e Instituto Cabruca, representantes do governo como o Ministério da


Agricultura, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), laboratórios
e certificadores.
De acordo com o estudo, os pequenos produtores (< 50 ha) representam cerca de 80%
dos produtores de cacau. Fazem parte desta categoria os produtores da Agricultura familiar,
meeiros, assentados da reforma agrária, lavouras diversificadas. Ainda de acordo com o estudo,
apesar de representar apenas 3% da produção total, a produção de cacau fino tem crescido em
virtude do seu valor agregado. Enquanto o cacau commodity atingiu um valor de US$ 2,00/Kg
na bolsa de Nova York no ano de 2017, o cacau fino alcançou um valor de US$ 4,69/Kg naquele
mesmo ano.
Um marco para a valorização e incentivo à produção do cacau de qualidade no Sul da
Bahia foi a obtenção do selo de Indicação Geográfica (IG), concedido pelo Instituto Nacional
da Propriedade Industrial (INPI) no ano de 2018, por solicitação da Associação Cacau Sul Bahia
(ACSB), entidade formada por cooperativas, associações e instituições setoriais, ligadas aos
produtores de cacau do Sul da Bahia. A concessão do selo de origem motivou produtores,
cooperativas e o Centro de Inovação do Cacau (CIC/Uesc) a se engajarem na produção e
promoção do Chocolate Sul da Bahia (Figura 24), um chocolate de origem certificado com o
selo de IG Cacau Sul da Bahia, na modalidade Indicação de Procedência (IP).

Figura 24 - Chocolate certificado com o selo de Indicação de Procedência, produzido pela


Associação Cacau Sul Bahia (ACSB)

Fonte: Lançamento... (2020).


128

Assim, os distintos territórios e distintas territorialidades (territórios construídos)


justapostos e sobrepostos no Litoral Sul (território dado) juntamente com as dinâmicas
territoriais decorrentes dos fluxos de pessoas e capitais gerados pelos serviços que integram os
complexos de saúde, educação, lazer e comércio atacadista e varejista, concentrados
especialmente nos municípios de Ilhéus e Itabuna, desencadeiam processos de territorialidades
ou multiterritorialidades como defende Haesbaert, ou, como em Reis (2007), estabelecem a
genealogia dos processos territoriais.
A multiterritorialidade pode ser compreendida por meio dos vínculos e relações que as
pessoas mantêm com sua cidade e com outras cidades do território, pela possibilidade de
compartilhar e disputar espaços e ativos em distintas conformações territoriais, como o
assentado que participa das lutas em defesa da reforma agrária, mas também tem seu espaço
integrado ao do cacau, ao do turismo e ao movimento ambientalista. Outro exemplo é o do trade
turístico que se utiliza da infraestrutura portuária e aeroportuária de Ilhéus, mas os fluxos
gerados e os recursos e espaços que são apropriados pelo capital não se restringem àquele
município, pelo contrário, outros estão simultaneamente envolvidos a exemplo dos municípios
de Canavieiras, Itacaré, Maraú, Una e Uruçuca.
Portanto, o modo de vida e a busca pelo atendimento das demandas e interesses não
estão confinadas a um território do tipo zona, fechado, existem múltiplas relações construídas
com outros espaços e com outras organizações que definem uma outra forma de convivência
que se aproxima de uma conformação do tipo território-rede. Haesbaert (2010; 2016) esclarece
essa relação entre território-rede e multiterritorialidade quando afirma que esta é caracterizada
em razão da possibilidade de acessar ou conectar diversos territórios ou territorialidades, tanto
através da mobilidade física quanto virtual, tendo em vista a possibilidade de acionar diferentes
territorialidades sem deslocamento físico, em decorrência das novas experiências espaço-
temporais proporcionadas através do ciberespaço.
Para o autor, na contemporaneidade a multiterritorialidade envolve a presença de uma
grande multiplicidade de territórios e territorialidades, bem como sua articulação na forma de
territórios-rede. Estes são sempre territórios múltiplos na medida em que podem conjugar
territórios-zona (manifestados numa escala espacialmente mais restrita) através de redes de
conexão (numa escala mais ampla). Portanto, considerar a multiterritorialidade implica “a
vivência de uma multiterritorialidade, pois todo território-rede resulta da conjugação, em uma
escala diferente, de territórios-zona, descontínuos” (HAESBAERT, 2010, p.37).
É importante destacar que esta flexibilidade territorial é mais acessível a alguns grupos,
em geral os mais privilegiados, seja no sentido da sua sobreposição num mesmo local, seja da
129

sua conexão em rede em várias escalas, e isso, evidentemente, revela um elemento político
envolvido no conceito de multiterritorialidade: o acesso a essa multiplicidade de territórios ou
de territorialidades se dá muito mais para os grupos privilegiados, para aqueles atores
(“hegemônicos”) que tem o território ou suas territorialidades como recurso em oposição
àqueles (“hegemonizados”), para os quais o território é apenas abrigo ou, no extremo, não têm
sequer essa opção.
Como forma de representar a movimentação de pessoas, recursos, capitais, bens e
serviços que são gerados principalmente pelo eixo Ilheus-Itabuna, foi elaborado um mapa de
fluxos de ligações rodoviárias na Microrregião Geográfica Ilhéus-Itabuna, com base nos dados
do IBGE para o ano de 2016. A pesquisa sobre ligações rodoviárias analisa os fluxos gerados a
partir dos sistemas de transporte interurbano de passageiros no País. A partir de um recorte
espacial foi possível verificar a interligação entre as cidades da microrregião, contemplando por
sua vez o Território Litoral Sul, de modo que é possível identificar a frequência de saídas
semanais de veículos rodoviários por par de municípios (IBGE, 2016), considerados a sua
regularidade espacial e temporal representando, assim, a relação entre os municípios e o fluxo
de pessoas no território (Figura 25) e principalmente a atração exercida pelo centro Ilhéus-
Itabuna em função da oferta de bens e serviços.
O eixo Ilhéus-Itabuna representa o centro de influência para as demais cidades em
função daqueles complexos de serviços. As pessoas acabam por manter uma identidade e
vínculo com esse centro a partir das múltiplas territorialidades que são construídas, pois, por
exemplo, são pessoas que residem em seu município, se deslocam para frequentar a faculdade
em Itabuna ou na Uesc, eventualmente fazem estágio ou trabalham em Itabuna e após essa
jornada retornam ao seu município. Ou ainda, pessoas que buscam por serviços médico-
hospitalares e acabam criando uma rotina permanente com aquele centro. São
microempresários que buscam o comércio atacadista e varejista para abastecer seus negócios.
Enfim, estas e outras movimentações possibilitam a construção de uma rede de relações
econômicas, sociais e culturais.
130

Figura 25 - Fluxos de ligações rodoviárias no Território Litoral Sul, em 2016.

Fonte: IBGE (2016) / Elaboração própria.

Portanto, é um traço característico do Litoral Sul essa mobilidade e intenso fluxo de


trabalhadores, estudantes, visitantes, recursos e capitais. Toda dinâmica econômica ocorre
principalmente em torno do eixo Ilhéus-Itabuna e qualquer evento que afete as interações e as
cadeias de valor neste centro econômico vai afetar toda a rede de fluxos no território. Um
exemplo disso foi o que aconteceu no Litoral Sul em decorrência dos efeitos da Covid-19 que
131

fez desse território um dos mais afetados no estado da Bahia. De acordo com o boletim
epidemiológico do estado da Bahia (https://bi.saude.ba.gov.br/transparencia/), o município de
Itabuna ocupava em 26/12/2020 a terceira posição em número de casos, totalizando 16.247
pessoas infectadas, enquanto que o município de Ilhéus registrava 8.898 casos à mesma época.
Juntos, os dois municípios representavam cerca de 5% do número de casos do estado (482.113
casos). Em termos de óbitos, os números são ainda mais alarmantes, com os municípios de
Itabuna e Ilhéus ocupando a 3ª e 4ª posição, totalizando 493 e 451 óbitos, respectivamente.
Juntos, esses municípios representavam 10% do número de óbitos confirmados no estado
(8.983 óbitos).
De certo, o intenso fluxo de pessoas tem um peso significativo para explicar o elevado
número de casos e óbitos. Da mesma forma, essa dinâmica territorial pode explicar grande parte
da queda na renda e no emprego devido às medidas restritivas que foram tomadas para conter
o avanço do vírus, a exemplo do fechamento do comércio, toque de recolher e suspensão dos
serviços de transporte intermunicipal. A aprendizagem que disso resultou, da forma mais
nefasta e, especificamente para o Litoral Sul, é que qualquer estratégia de desenvolvimento
territorial deve-se compreender os fenômenos socioespaciais marcados pela mobilidade e fluxo
de pessoas, bens, capitais, informações, vírus e doenças, e, portanto, deve-se analisar tais
fenômenos em uma concepção de redes, desde uma perspectiva ambiental até econômica. Dada
a importância do capital natural presente no Litoral Sul, essa visão oferece um importante
instrumento de conservação e valorização ambiental baseada em corredores ecológicos.
Igualmente, a constituição de redes socioprodutivas, principalmente priorizando as ligações
rural-urbanas, pode contribuir para o fortalecimento da produção e comercialização da
agricultura familiar, assentados e movimentos agroecológicos.
132

CAPÍTULO 4 – IDENTIDADE E PARTICIPAÇÃO: elementos para uma compreensão das


condições que interferem na formação de capacidades coletivas no Litoral Sul

O presente capítulo explora o conteúdo das entrevistas e oferece uma interpretação das
condições que intervém no desenvolvimento territorial no Litoral Sul, à luz da literatura
pertinente e mediante as técnicas qualitativas e quantitativas utilizadas para análise do material
coletado. Inicialmente, a primeira seção descreve os elementos identitários do território
apontados pelos entrevistados, seus significados e seus efeitos sobre o processo de
desenvolvimento territorial no Litoral Sul. Em seguida, considerando que dentro da política
territorial é o Codeter que tem a função de integrar a sociedade civil, governo e agentes do setor
produtivo em torno da construção de políticas públicas para o território, serão descritas as
condições que intervêm no Colegiado Territorial enquanto espaço de participação e constituição
de coletividades.

4.1 Percepções sobre os elementos identitários e seus efeitos sobre o desenvolvimento


territorial no Litoral Sul

4.1.1 A identidade territorial: um processo histórico e relacional de territorialização do espaço

Os traços distintivos de uma população e que expressam os atributos étnicos, culturais,


econômicos ou políticos, associados a um espaço, são representados comumente por aquilo que
é definido como identidade territorial. De acordo com Saquet (2003, p.79), a identidade
territorial é construída a partir das múltiplas relações (sociais, econômicas, políticas e culturais)
e das territorialidades estabelecidas, construídas e reconstruídas cotidianamente pelos
indivíduos, envolvendo tanto os aspectos materiais quanto imateriais, funcional e simbólico. É
também um elemento aglutinador, dado que está relacionada às origens do território e com os
modos de ocupação e apropriação do espaço, gerando um sentimento de pertencimento, sendo
assim um fator que pode influenciar ou direcionar processos de desenvolvimentos no território.
133

Nesta direção, Haesbaert (2014) afirma que a identidade territorial não pode ser
identificada nos objetos que a expressam, como é o caso da natureza, função e localização, mas
sim, deve basear-se na atribuição de um valor simbólico da cultura ou do cenário. Em outra
obra (HAESBAERT, 1999), o autor expõe que a identidade territorial recorre a uma dimensão
histórica, do imaginário social, de modo que o espaço que serve de referência condense a
memória do grupo. Esse argumento é, assim, subjacente à definição de identidade expressa em
Castells (2018, posição 928): “o processo de construção de significado pautado em um atributo
cultural ou como conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (is) prevalece(m)
sobre outras fontes de significado”.
Por isso, a relação entre identidade e desenvolvimento territorial está centrada nos ativos
que podem ser construídos a partir da atribuição de valor social aos recursos territoriais
específicos, buscando identificar o que possa se constituir no potencial identificável e próprio
de um território (PECQUEUR, 2005), a partir de suas diferenças e especificidades
socioculturais, políticas e econômicas e que possam estimular laços de cooperação baseados no
interesse comum de proteger, valorizar e capitalizar essas especificidades enquanto recurso e
enquanto patrimônio ambiental, práticas produtivas e potencialidades econômicas (ALBAGLI,
2004).
No que cabe às políticas públicas de desenvolvimento territorial, a identidade é um
componente central, podendo até mesmo definir o seu sucesso ou o seu fracasso. Em Caniello,
Piraux e Bastos (2014, p. 25), a identidade é considerada o “elemento agregador” de tais
políticas, visto que para os autores, se constitui um elo para a ação coletiva, um fator de coesão
social “profundamente arraigado nos indivíduos”. Ademais, as ações dos indivíduos, dado o
conjunto de valores culturais, a memória social e as referências históricas, são determinadas
intersubjetivamente a partir de uma dialética entre “parâmetros racionais, por um lado, e
códigos de conduta e princípios de pertença por outro” (p.25).
É importante também ter uma compreensão, conforme alerta Albagli (2004, p.63), de
que “a valorização das diferenças e especificidades territoriais” pode assumir um caráter
eminentemente instrumental quando é predominantemente movida por interesses externos ao
território sobre o qual se pretende atuar. Ou seja, a forma como a identidade territorial é
apropriada pode representar um instrumento de dominação e subordinação dos indivíduos a
projetos de desenvolvimento que muitas vezes não atendem às demandas e realidades das
comunidades, beneficiando poucos em detrimento da função social e redistributiva que deve
permear as estratégias do assim chamado desenvolvimento territorial.
134

É preciso, então, não perder de vista que as identidades são construídas e relacionadas
a um determinado processo histórico. Como explica Roberto DaMatta (2004), as identidades
são construções discursivas que enaltecem determinados contextos e relações enquanto
encobrem outros. Sendo uma construção, a identidade não é imutável e tem como principal
característica a capacidade de naturalização das relações para um devido fim. Na mesma
perspectiva, Manuel Castells (2018, posição 952) concorda com o fato de que, do ponto de vista
sociológico, toda e qualquer identidade é construída e, sobre isso, o autor acrescenta que a
principal questão diz respeito “a como, a partir de que, por quem, e para que isso acontece”.
Embora o autor reconheça que a matéria prima dessa construção é fornecida pela
história, geografia, biologia, por instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva
e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso, ele ressalta
que todos esses materiais “são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que
reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em
sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço” (posição 952). Sua hipótese
sobre quem e para que essa identidade coletiva é construída, são em grande medida os
determinantes do conteúdo simbólico dessa identidade, bem como de seu significado para
aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem.
Considerando que as identidades são construídas em contextos marcados por relações
de poder (um atributo territorial, portanto), Castells (2018) propõe três formas e origens
distintas de sua construção: identidade legitimadora; identidade de resistência e, identidade de
projeto. A identidade legitimadora é introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no
intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. Esse tipo de
construção identitária dá origem a uma sociedade civil, ou seja, um conjunto de organizações e
instituições, bem como uma série de atores sociais estruturados e organizados, que, embora às
vezes de modo conflitante, reproduzem a identidade que racionaliza as fontes de dominação
estrutural.
A identidade de resistência é criada por atores que se encontram em posições
desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras
de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as
instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos. Quanto à identidade de projeto,
esta é criada quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu
alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-
lo, buscam a transformação de toda a estrutura social (CASTELLS, 2018). Então, a identidade
de projeto além de resistir à identidade legitimadora, propõe substituí-la principalmente quando
135

é consequência da identidade de resistência, o que é capaz de promover mudanças estruturais


na sociedade.
Dessa forma, saber das construções identitárias e como estas intervêm na dinâmica
territorial ou no processo de desenvolvimento no Litoral Sul, é uma questão que importa
investigar quando se planeja o desenvolvimento territorial a partir de políticas públicas. Por
exemplo, qual o significado que ainda tem a cacauicultura nas estratégias de desenvolvimento
no Litoral Sul? Ou ainda, em que medida as estruturas sociais, econômicas e políticas
resultantes do processo histórico de apropriação e dominação do espaço no Sul da Bahia ainda
intervém nos mecanismos de governança, seja como restrições, seja como oportunidade de
mudança? Por conseguinte, a próxima seção explora o conteúdo das entrevistas e aponta os
sentidos e significados que as percepções dos entrevistados oferecem sobre a identidade
territorial.

4.1.2 Os sentidos e significados dos elementos identitários do Litoral Sul

De acordo com os procedimentos metodológicos já descritos, o material obtido nas


entrevistas foi submetido à análise qualitativa de conteúdo com o objetivo de sistematizar as
informações contidas nos relatos e fazer emergir seus sentidos e significados através do
processo de codificação dos segmentos de texto associados à identidade territorial do Litoral
Sul. Logo, aos membros do colegiado territorial foram submetidas algumas questões visando
obter uma compreensão sobre o que e como eles sentem, percebem e identificam como sendo
os marcadores identitários do TLS.
Em vista disso, a cada um dos 16 entrevistados foram colocadas as seguintes questões,
conforme já foi dito: O que considera como características (econômicas, sociais, culturais) que
definem a identidade ou os elementos identitários do Litoral Sul da Bahia? Pensando nessas
características identitárias e, como base nelas, quais as potencialidades existentes ou que
venham a surgir, que podem contribuir para o desenvolvimento (econômico, social, ambiental)
do Território Litoral Sul? Quais as condições associadas a identidade territorial que oferecem
restrições ou constrangimentos a um processo de desenvolvimento no território?
De forma a obter uma visão geral e preliminar dos sentidos encontrados nas entrevistas
quanto à identidade territorial, foi gerada uma nuvem de palavras (Figura 26) com os 50 termos
mais frequentes contidos nos relatos dos entrevistados. A nuvem de palavras é uma
representação visual, utilizada para descrever os termos mais frequentes de um texto, em que o
136

tamanho de cada uma das palavras está em função da sua frequência e, nesse caso, pode apontar
caminhos ou pistas para compreender os significados do material em análise.
Quando se olha para a nuvem de palavras gerada, claramente é identificado o termo
“cacau” como o elemento central e mais citado pelos entrevistados, sugerindo, assim, que o
mesmo ocupa um lugar de relevo enquanto elemento identitário do Litoral Sul. É possível
também visualizar outros elementos como “território”, “chocolate”, “cultura” e “agricultura”,
os quais, de certa forma, já apontam para o que será detalhado no decorrer deste capítulo.

Figura 26 - Nuvem de palavras com os 50 termos mais frequentes, associados aos aspectos
identitários do Território Litoral Sul

Fonte: Conteúdo das entrevistas; elaboração própria (software Maxqda).

Ao realizar os procedimentos de codificação do corpus textual, os segmentos associados


às respostas foram agrupados em três categorias previamente estabelecidas, correspondentes à
identidade territorial: os elementos identitários, as potencialidades, e, as restrições ao
desenvolvimento do território. Por seu turno, à medida que as respostam foram sendo tratadas,
subcategorias foram sendo criadas a partir dos sentidos que emergiram de cada segmento de
texto analisado. A Tabela 8, além de mostrar as categorias e subcategorias, apresenta também
a quantidade de segmentos que foram codificados, o número de documentos (entrevistas)
analisados, bem como suas frequências relativas.
A partir daquilo que foi relatado nas entrevistas, emergiram quatro componentes
identitários para o Litoral Sul, codificados e categorizados da seguinte forma: cacau/cultura
cacaueira, diversidade étnico-cultural, agricultura e a questão agrária. Como esperado, dada a
137

configuração do colegiado territorial, as respostas convergiram em sua maior parte para os


aspectos rurais do território. Conforme mostrado na Tabela 8, a referência ao cacau foi
preponderante com 13 segmentos codificados, representando cerca de 16% de todos os
segmentos. Considerando que para este grupo cada segmento codificado esteve associado a um
único documento (entrevistado), constatou-se que 13 (81%) dos 16 entrevistados mencionaram
o cacau como sendo o elemento identitário do território. Em seguida, aparece a diversidade
étnico-cultural, sendo mencionada por sete entrevistados e representando 28% dos segmentos.
A agricultura surge como terceira característica mais citada com 4 segmentos e a questão agrária
com apenas uma menção.

Tabela 8 - Categorização do conteúdo analisado, associada à identidade territorial do Litoral


Sul
Segmentos % Documentos %
Categoria Subcategoria
codificados segmentos (entrevistas)
Cacau/cultura cacaueira 13 15,85% 13 81,3%
Diversidade étnico-cultural 7 8,54% 7 43,8%
Componente
Agricultura 4 4,88% 4 25%
identitário
Questão agrária/ reforma
agrária 1 1,22% 1 6,3%
Diversificação agrícola 7 8,54% 5 31,3%
Diversidade étnico-cultural 4 4,88% 7 43,8%
Produção de cacau
Potencialidades
fino/gourmet 4 4,88% 3 18,8%
associadas à
Agregação de valor ao
identidade
cacau 6 7,32% 2 12,5%
territorial
Cacau cabruca 3 3,66% 3 18,8%
Turismo e cacau 4 4,88% 2 12,5%
Turismo 2 2,44% 2 12,5%
Restrições Individualismo 13 15,85% 7 43,8%
associadas à Cultura arraigada no cacau 12 14,63% 6 37,5%
identidade Herança coronelista 1 1,22% 1 6,3%
territorial Clientelismo 1 1,22% 1 6,3%
Total 82 100%
Fonte: Conteúdo das entrevistas.

Para a maioria dos entrevistados, o cacau ou a cultura cacaueira é o principal elemento


identitário do território. Toda a história do Sul da Bahia esteve atrelada à monocultura
agroexportadora do cacau sob o sistema agroflorestal cabruca, que marcou e ainda marca
profundamente as relações econômicas, sociais, culturais e as lutas delas decorrentes com
repercussões até hoje sentidas, seja na memória coletiva, seja nas instituições, seja enquanto
base produtiva e até mesmo em seu papel conservacionista para a mata atlântica. No Litoral
138

Sul, conforme visto nas seções iniciais deste capítulo, nos deparamos com construções
identitárias forjadas no processo histórico da sua formação territorial, cuja forma pela qual se
deu a apropriação do espaço e dos recursos foi decisiva para a estruturação das interações
econômicas, políticas e culturais, e, com efeitos que se cristalizaram na morfologia do poder
local e na sua desigual distribuição.
No centro dessas relações está o cacau e todos os processos sociais e materiais
decorrentes do seu cultivo e do modo de exploração desta cultura agrícola. Disso resulta um
processo de dominação das condições materiais daquele espaço que fixou no campo simbólico
uma ideia e uma narrativa do “fruto dourado” carregando em si mesmo um valor sobre o qual
se erigiu uma sociedade ou “civilização do cacau” (ADONIAS FILHO, 1978; AMADO, 1981)
e que foi sedimentada no imaginário regional, reforçando ainda mais a identidade cacaueira, de
desbravamentos, progresso e riqueza. Portanto, uma identidade legitimadora que impôs o poder
e a dominação de uma classe (a burguesia cacaueira) sobre os demais atores sociais e sobre a
estrutura social e econômica do território.
Por outro lado, em condições antagônicas, identidades outras resistiram em torno das
lutas e mobilizações em defesa do seu “território” e da sua sobrevivência. A mesma narrativa
que legitimou o processo de desenvolvimento da região cacaueira baseado na saga dos coronéis,
responsáveis por toda sorte de transformações daquele espaço, obscureceu uma trajetória de
violência e expropriação no decorrer daquele mesmo processo e com efeitos ainda hoje sentidos
e com disputas ainda em efervescência. Fazem parte dessa construção identitária,
principalmente, os povos indígenas (Pataxós Hã-Hã-Hãe e Tupinambás de Olivença), os
quilombolas e os trabalhadores do campo.
Os depoimentos dos participantes deixam evidente a importância do cacau para a
construção identitária do território e como o seu simbolismo e a sua funcionalidade-
materialidade ainda hoje é muito forte e influencia as relações e territorialidades estabelecidas.
É possível notar que o cacau fornece um sentimento de pertencimento do homem do campo
àquele espaço, conferindo-lhe um sentido de vinculação à terra:

(...) agora o nosso, o nosso, o nosso território realmente tem o cacau como uma das
coisas importantíssimas, quando o cara tá na sua terra que ele, que mata e morre
pela sua cultura, então muito tempo a gente, a gente ficou na ótica do cacau, na ótica
do cacau (...) (Participante1/movimento social).

(...) tem na produção agrícola, tem um uma cultura que é preponderante, que é o
cacau, apesar de já ter modificado e foi interessante que houvesse algumas
modificações mas ainda é muito o cacau ainda (...) difícil é você não encontrar uma
139

pessoa no território, dos agricultores inclusive, o principal público-alvo, essas


comunidades tradicionais, o principal foco das ações no território, que não tenha
uma relação ou que já tenha uma relação com a cultura do cacau(...)
(Participante8/Entidade Federal).

Há também uma associação do cacau com as dinâmicas econômicas que foram criadas
com a cacauicultura e sua importância em termos de geração de renda para os municípios do
território:

(...) eu percebo que estamos em 2019, são quase 3 séculos com a cultura do cacau e
a maior parte do PIB de muitos dos municípios do território, se a gente pegar os
dados sociais e econômicos, então, qual é a economia que tá girando, se não a
economia do cacau? (...) então a economia do cacau ainda tem um PIB bastante
significativo nessas cidades que a gente tem aqui no Litoral Sul, Baixo sul e, Extremo
Sul já entra outra linha de agropecuária, mas, ainda é uma renda agrária (...).
(Participante16/ONG socioambiental).

A agricultura, ela é pujante, agricultura, ela é fortalecida em todos os 26 municípios


do território Litoral Sul. Alguns municípios desses tenta ter uma identidade de
pecuária, mas na sua totalidade é uma agricultura do cacau, agricultura da cabruca.
E o que mais nos identifica é o cacau. (Participante5/Entidade estadual).

Outra percepção sobre o cacau se concentra em valores de diferenciação que pode e


deve ser potencializado, especialmente na agregação de valor com base na procedência e origem
e, também, no seu melhoramento e beneficiamento:

As culturas de produção, onde a gente não tem com as mesmas características em


nenhuma outra parte do Brasil a cabruca, cacau cabruca é território Litoral Sul, você
não vai encontrar nem na Amazônia. Cabruca é uma coisa daqui.
(Participante2/poder público municipal).

(...) eu acho que o cacau é importante, agora a gente tem uma demanda, uma opção
que é o cacau fino, então quer dizer, você triplica o valor de uma arroba de cacau. A
gente sabe que hoje isso fica mais voltado para o grande agricultor, que ainda não
chegou agricultura familiar e hoje a gente percebe uma outra coisa, até então o
brasileiro não conhecia o chocolate com 70% de cacau, 35% de cacau, e isso
fortalece aos produtores, então, o que acontece, com essa chegada desse mercado
pulsante em relação ao cacau, a amêndoa do cacau (...). (Participante
13/Universidade).

Embora seja reconhecida a importância do cacau enquanto elemento definidor de uma


identidade regional ou enquanto pertencente a uma “identidade legitimadora”, não foram
esquecidos os elementos culturais ocultados pela prática discursiva da formação do Sul da
140

Bahia. São elementos culturais que remetem aos núcleos de resistência àquela narrativa
dominante e que se manifestam em modos diversos de culturas, próprios daquele espaço. Temos
aqui, então, a diversidade étnico-cultural a ocupar uma posição importante, como resultado de
um antagonismo frente à identidade legitimadora da região cacaueira. Trata-se do
reconhecimento das manifestações de práticas e valores culturais, resultado de um processo
histórico de ocupação e exploração do território, expropriação, dominação, violência, lutas e
diferentes modos de vida. São reprodutores dessas manifestações os trabalhadores rurais, os
pequenos agricultores, os pescadores, as marisqueiras, os quilombolas, os povos indígenas
Pataxós Hã-Hã-Hãe e os Tupinambás de Olivença, os quais estiveram presentes na formação
do Litoral Sul, entretanto, invisibilizados por uma narrativa que se perpetuou na memória
coletiva com repercussões nas instituições e na estrutura social de toda a Região:

A identidade tá muito voltada para o cacau, quando você fala no litoral sul qualquer
política que é pensada no território é em nível de cacau, e chocolate também. Quando
se fala em Litoral Sul você relembra a época do coronelismo, a terra onde as mulheres
são gabrielas, tem essa noção, você se remete também ao povo indígena, aos povos
de terreiros, você se reporta também aos quilombos, há uma diversidade no nosso
território, se fala muito no cacau, mas tem outras formas de cultura, mas quando se
remete a identidade, é cacaueira mesmo. (Participante3/Entidade estadual).

As características que definem nosso território de identidade, primeiro são os saberes


e os fazeres, isso dentro de uma perspectiva de sabedoria popular, de cultura popular,
de identidade, até da culinária, e principalmente vem o nosso produto que é o cacau
(...) (Participante 5/Entidade estadual).

(...) mas o ideal é que a gente tem como elemento importante, é a pluralidade, nós
temos um território que ele tem uma riqueza muito grande, porque temos os
quilombolas, índios, comunidades indígenas, trabalhadores rurais informais,
trabalhadores rurais assalariados, agricultores familiares informais, agricultores
familiares tradicionais, e nós temos um agronegócio, temos o comercio, a economia
de serviços, então, é um...temos muitos espaços de educação, (...) então, é um
território que tem, assim, o que eu destaco é essa característica de pluralidade
(Participante 11/ Entidade sindical da agricultura familiar).

(...) a questão agrária pré e pós vassoura de bruxa, esse marco você só encontra aqui,
reforma agrária no sul da Bahia só aconteceu por conta da crise do cacau, sem a
crise do cacau a gente estaria cheio de latifúndio (...) (Participante2/Poder público
municipal).

Um melhor entendimento sobre o que está sendo aqui considerado como componentes
identitários do Litoral Sul pode ser obtido quando se olha para as questões que buscaram
identificar as condições ligadas às suas características e que podem potencializar ou
141

restringir/constranger um processo de desenvolvimento territorial. Em se tratando das


potencialidades, retomamos as informações contidas na Tabela 7 onde é possível notar que
foram extraídas dos segmentos selecionados sete subcategorias, conforme descritas a seguir:
diversificação agrícola, diversidade étnico-cultural, produção de cacau fino/gourmet, agregação
de valor ao cacau, valorização do cacau cabruca, turismo e cacau (turismo associado à cadeia
do cacau) e turismo (atividade turística de forma ampla).
Algumas dessas categorias expressam sentidos semelhantes, complementares e
convergentes e, nesse caso, por meio de uma segunda etapa de codificação foi possível agrupá-
las de acordo com essas semelhanças. Portanto, foram agrupados a produção de cacau
fino/gourmet, agregação de valor ao cacau, turismo e cacau, e, atividade turística, que passaram
a integrar uma única subcategoria denominada por “Integração das cadeias do turismo, cacau e
chocolate”. Esta nova categoria reúne valores convergentes que podem direcionar os projetos
de desenvolvimento no território para alternativas que valorizem um cacau com maior
qualidade, inclusive com apostas no mercado do cacau fino ou gourmet e na produção do
chocolate de alto teor de cacau. Esta é uma perspectiva para a qual já existe uma preocupação
e iniciativas a considerar a viabilidade do cacau para além da sua exploração tão somente
enquanto commodity.
Quanto ao turismo, o Litoral Sul tem as cidades de Ilhéus e Itacaré como principais
referências, as quais, além das praias, têm recorrido ao patrimônio ambiental e cultural como
fatores de atratividade, inclusive os símbolos da cultura cacaueira presentes nas obras de Jorge
Amado. Outras possibilidades foram levantadas pelos participantes, reforçando a
potencialidade para o turismo rural, o ecoturismo, o turismo cultural, utilizando-se dos
elementos históricos, culturais e naturais presentes naquele espaço e, ainda, com agregação de
valor ao cacau a partir do turismo, com formatação de produtos que contemplam desde as
fazendas de cacau até a produção do chocolate fino:

(...) então, são coisas que a gente vem trabalhando para mudar a mentalidade de
algumas pessoas que, ainda tem pessoas turrantes, que não, não acredita que aquele
produto dele vai agregar pra que ele ganhe muito mais do que ele vem ganhando (...)
a gente divulgando a necessidade de divulgar o cacau pra agregar valor (...)
(Participante1/Movimento social).

(...) eu acho que o cacau é importante, agora a gente tem uma demanda, uma opção
que é o cacau fino, então quer dizer, você triplica o valor de uma arroba de cacau, a
gente sabe que hoje isso fica mais voltado para o grande agricultor, que ainda não
chegou agricultura familiar e hoje a gente percebe uma outra coisa, até então
brasileiro não conhecia o chocolate com 70% de cacau, 35% de cacau, e isso
fortalece aos produtores, então o que acontece, com essa chegada desse mercado
pulsante em relação ao cacau, a amêndoa do cacau, tá favorecendo (...).
142

(Participante13/Universidade).

(...) a ideia da estrada do chocolate, da ciência, as estrada do jequitibá, estão todas


na rota do chocolate, ou nas vias do chocolate, a gente tem o maior jequitibá do
mundo em Camacan (...) mas há uns atrativos que estão na rota do chocolate, ele
visita as fazendas de chocolate, as florestas de chocolate, as fazendas de chocolate,
isso a gente não vê, são poucas as propriedades que tem serviço de alimentação, café
da manhã, almoço, dormida, hospedagem, tem algumas que fazem isso,
assentamentos também, o Terra Vista (assentamento Terra Vista) já está fazendo isso,
o turismo de base comunitária, já recebe pessoas do mundo todo, mas ainda não está
formatado, o custo, a diária, os cursos que estão sendo realizados lá. A região tem
sim a parte do cacau e turismo, diria pra você que a gente muito que avançar e
consegue agregar valor em cima disso (Participante16/Movimento social).

As outras categorias foram consideradas possuindo diferenciações próprias, e assim


foram mantidas. A valorização do sistema agroflorestal cacau-cabruca passa por investimentos
na recuperação da lavoura e melhoramentos na qualidade da amêndoa com respeito ao sistema
agroflorestal cabruca, contribuindo, assim, para a conservação da mata atlântica, o que, por
sinal, é um valor ambiental atribuído ao sistema cabruca:

(...) o cacau tem um protagonismo, tem simbolismo, turismo rural, muita gente
produzindo chocolate, cabruca! sim, aí eu entro de sola na aprovação da nossa
matéria maior que o é cacau. Sem o cacau (cabruca) nós não teríamos mais a mata
atlântica no sul da Bahia, por que o cacau cabruca que é plantado dentro da mata,
ele preserva a mata, tem a necessidade da mata atlântica. Para mim esse é o maior
legado, deixar de produzir cacau, jamais (Participante5/Entidade estadual).

(...) o cacau foi importante para a manutenção do que nós chamamos hoje de mata
atlântica, do que restou, mas ele foi, ele não deixa de ser uma monocultura também,
mas uma monocultura que utiliza para se produzir da mata, do sombreamento, foi
uma monocultura, digamos assim, benéfica para a preservação da mata atlântica,
indiretamente. (...) foi vantajoso, tem vantagens e desvantagens, .a vantagem é a
manutenção do que chamamos hoje de mata atlântica, são as cabrucas, na realidade
a maioria do que a gente chama de mata atlântica no sul, extremo sul e baixo sul da
Bahia, é área de produção de cacau, é cabruca, não mata atlântica nativa, ela já tem
além do cacau foram introduzidas outras plantas, jaca, eritrina etc
(Participante14/ONG socioambiental).

A “diversificação agrícola”, especialmente na produção de alimentos, também não pode


estar dissociada da cabruca e da conservação da floresta e, nesse sentido, há um grande potencial
a ser explorado na agroecologia. A quantidade de assentamentos, o número de unidade da
agricultura familiar e outras pequenas propriedades oferecem condições para a diversificação
da matriz produtiva rural. Nesse caso, é fundamental o apoio das políticas públicas vinculadas
ao desenvolvimento rural como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), aquisição de terras para a reforma agrária,
143

assistência técnica e infraestrutura para assentados da reforma agrária, assistência técnica para
a agricultura familiar, crédito e logística. As dificuldades e o potencial do território quando se
trata da diversificação agrícola é algo recorrente nas falas dos entrevistados:

(...) a nossa região aqui produz de tudo, produz banana, palmito, piaçava, dendê,
mandioca, se nós olharmos a quantidade de produtos que a gente produz aqui, é uma
região tão rica quanto Jaguaquara. O que falta aqui pra gente é a garantia dessa
produção. Nós temos por exemplo a região de Buerarema que é conhecida como a
melhor farinha, mas você vai em salvador pra encontrar uma farinha de Buerarema,
você tem a maior dificuldade, por que o produtor aqui, ele vende pra uma região
aqui, quase que seleta, mínima, ele não tem uma escala suficiente para que ele possa
empreender naquilo que ele tem uma expertise, que tem um conhecimento
(Participante9/Associação).

(...) não podemos deixar de lado os outros nichos, a gente tem que ver a jaca, a gente
tem que ver a pitanga, por aqui é uma área da mata atlântica, a gente não pode ficar,
a gente tem que ver também como a gente pode diversificar, ampliar o leque de opções
(...) (Participante13/Universidade).

(...) então eu vejo que, com a questão do advento da vassoura de bruxa, foi o divisor
de águas, e aí surgiu assentamentos rurais, surgiu o...a relação de trabalhou que
mudou, surgimento de muitos meeiros, mudou um pouco essa situação e aí veio a se
trabalhar essa questão da mudança da base produtiva. Então, essa história da
agroecologia, ela vem, desponta muito nesse período aí...anos 80, 90, e aí vem se
construindo tudo isso aí, a questão da do surgimento da rede povos da mata é
consequência de um trabalho que já vinha sido feito há muito tempo, desde os anos
80, não surgiu agora, uma coisa que vem sendo construída. Várias experiências
agroecológicas aqui na região, assentamento Terravista, assentamento em Santa
Luzia, assentamento em Ibirapitanga, desenvolvendo suas experiências
agroecológicas (...) (Participante14/ONG Socioambiental).

A “diversidade étnico-cultural” já foi citada anteriormente enquanto elemento


identitário e representa também um fator de desenvolvimento para o território especialmente
quando associado ao turismo, aos saberes tradicionais, na valorização de cadeias
socioprodutivas de comunidades tradicionais, pescadores, marisqueiras, artesãos, indígenas,
quilombolas, os quais representam fontes de saberes e fazeres, podendo encontrar nos valores
solidários e associativos um caminho para a autonomia dessas comunidades.
Quanto às condições ligadas às características identitárias consideradas como restrições
ao desenvolvimento territorial, destacaram-se dois grupos temáticos a partir das falas dos
participantes: o primeiro formado pela categoria “Cultura arraigada no cacau” e o segundo
grupo agregando as categorias “Individualismo”, Clientelismo” e “Herança coronelista”. Os
participantes foram enfáticos em relação a essas características que julgam ainda persistirem no
território e que de alguma forma tem sido elementos impeditivos para a construção de esforços
de concertação social e a concretização de estratégias socioprodutivas.
144

Sobre a dificuldade de se desapegar do cacau enquanto única base produtiva, os


entrevistados assim relatam:

(...) e chegou em um determinado momento de que tinha que diversificar, e o maior


problema é esse pertencimento da diversificação que muita gente não quer desatrelar
da cultura do cacau, pra juntar com outra cultura (Participante1/Movimento social).
(...) então eu vejo, além disso, da questão do individualismo, a cultura do cacau criou
esse pensamento da preguiça no agricultor, nosso agricultor é preguiçoso, não que
eu tô falando na preguiça de não querer trabalhar, mas de pensar só no cacau. Nós
não temos diversidade produtiva, a nossa região é uma região com baixa diversidade
de produção, se você analisar o que nós produzimos aqui e o que nós consumimos,
você vai ver que a maioria dos produtos que nós consumimos vem de fora, hortifruti
vem de tudo de fora, a hortaliça que nós consumimos aqui não é produzida aqui , vem
de conquista, vem do espírito santo, vem de outros lugares, as frutas e as verduras
que são comercializadas aqui na nossa região, 90% é de fora, não é produzida aqui
na região, a galera se concentrou muito no cacau, e aí criou esse ... quando eu falo
na preguiça , não é da preguiça de não querer trabalhar, mas é a preguiça de querer
diversificar a sua produção (...) (Participante14/ONG socioambiental).

(...) então a gente fica muito preso no cacau e não consegue virar a página, precisa
virar a página do cacau pra entender que ele é importante, de como ele vai se situar
dentro desse novo planejamento. Se nós não virarmos essa página, como não viramos,
a gente vai continuar fazendo investimentos macros, investimentos de montantes
elevados sem resultado direto em termos de eficiência do que tá sendo proposto, por
que nós não compreendemos que o cacau é importante em uma nova página, não
naquela página que não queremos virar. (...) esse protagonismo exacerbado
prejudica mais do que ajuda (Participante9/Associação).

Sobre o individualismo, o clientelismo e a herança coronelista, esses são traços


assinalados como presentes e com forte interveniência nas estruturas sociais do território, de
acordo com o que foi captado nas entrevistas:

(...)a própria história do cacau ainda marca bastante, a questão do coronelismo


ainda é bastante latente, das famílias, do nome das famílias do cacau ainda é uma
coisa bem viva no território (...) (Participante2/Poder público municipal).

Esse é um território dividido, não há um coletivo buscando o bem comum, existe


grupos que se dissolvem, são individuais, cada um busca o seu (...) o que falta é união,
o território tem perdido muito porque cada um busca o seu, é muito individual(...).
(Participante3/Entidade estadual).

(...) e nós aqui tivemos sempre dificuldade para reunir coletivamente, é uma
característica pela nossa história, a gente tem uma história do cacau perversa (...)
(Participante4/ONG socioambiental).

(...) não é uma coisa que contribui, a cultura do cacau ela criou a cultura, apesar de
ser importante, de dá visibilidade pro território, pra região, pra Bahia, a Bahia terra
do cacau, sul do Bahia, foi reconhecida mundialmente, temos reconhecimento
mundial, Jorge Amado, mas ela criou uma outra cultura que é a cultura do
individualismo, as pessoas aqui são individualistas, ações coletivas elas são difíceis
de acontecer por causa do individualismo, as pessoas pensam só em si, não pensam
no coletivo (...) (Participante14/ONG socioambiental).
145

(...) muitos grupos de interesse são aqueles que eu te falei, participam com cadeira
no colegiado territorial e apenas aparecem no momento que lhes é conveniente. Isso
traz dificuldades, por que na verdade essas pessoas não estão ali pelo colegiado, elas
estão ali pelo seu umbigo, pessoas e instituições, mas na hora que é para...que é para
(ter) uma voz coletiva eles não aparecem, na hora que é para uma voz individualista,
pelo seu bel-prazer ou pelo seu, pela sua forma de se locupletar, de aprovar projeto,
eles aparecem (Participante5/Entidade estadual).

A respeito do coronelismo, cabe esclarecer que se trata de um fato histórico ainda


recorrente na memória coletiva do Sul da Bahia e que comumente lhe é atribuído um caráter
determinante das condições que ainda restringem ações coletivas e cooperativas, como se tal
fato ainda fosse o responsável pelas assimetrias, densidades e proximidades que conformam a
morfologia do poder regional. É preciso ter em conta que o coronelismo marca uma época
determinada e específica da história agrária do Brasil, sendo um sistema político (LEAL, 2012)
que determinava a estrutura e a forma pelas quais as relações de poder se desenvolviam na
Primeira República, a partir do município, cuja condição socioeconômica da sua prática era a
existência no meio rural de uma estrutura pré-capitalista em que as relações de produção eram
dadas com sendo de dominação e dependência pessoal.
A despeito de ter existido no sistema coronelista relações clientelistas e uso de violência
(CARVALHO, 1977; QUEIROZ, 1997), a sua base fundante consiste na dependência pessoal
dos trabalhadores em face uso das terras do patrão (o coronel) para a sua moradia e subsistência,
criando, assim, um vínculo de obrigação e lealdade dos trabalhadores para com o proprietário
das terras, sendo o voto de cabresto o signo mais representativo dessa relação. O domínio sobre
a terra, nesse caso, foi o principal sustentáculo local da política coronelista (FARIAS, 1999).
Portanto, pode ser um equívoco atribuir de forma direta e causal o comportamento
individualista ou não cooperativo dos atores sociais ao passado coronelista do Sul da Bahia.
Uma explicação mais aderente à realidade pode ser atribuída à ascensão do clientelismo, quando
os vínculos de dependência que marcam o coronelismo são substituídos pelo vínculo mercantil,
relação típica clientelista, ou seja, uma relação de barganha em torno de vantagens materiais
e/ou simbólicas.
De acordo com Farias (1999, p.18), a condição socioeconômica sobre a qual se assenta
o clientelismo (do tipo privado) é a predominância de relações de produção capitalistas
(relações de dependência impessoal), o que pressupõe a existência do trabalhador “livre”,
despojados dos meios de subsistência, em particular do vínculo à terra. Já no âmbito político, o
clientelismo assume a forma estatal (FARIAS, 2000) quando políticos distribuem recursos
públicos e favores associados às instituições governamentais em troca de apoio nas eleições,
146

apresentando um caráter coletivo e impessoal. Nesse caso, a mobilização e a participação social


podem ser capturadas e apropriadas por esquemas políticos de cunho eleitoreiro.
Farias (1999) explica que o cidadão se insere na rede de clientela estatal não como ator
individual, mas representado pelo líder de uma dada associação. A participação do indivíduo
na associação é induzida pela lógica utilitária, mais pelas vantagens materiais imediatas do que
pelos laços de solidariedade na busca de interesses amplos e comuns. Outro ponto destacado
pelo autor é que no clientelismo estatal a estrutura concorrencial se desloca para o polo
dominado, quando, ao invés de dois cabos eleitorais disputarem o mesmo voto, são as
associações que disputam entre si os recursos escassos do governo. De fato, como afirma Farias
(1999), isso fragmenta as ações coletivas e reivindicatórias das classes populares, deslocando a
participação dos trabalhadores enquanto classe social ligada à esfera da produção para uma
condição de coletivos instáveis e concorrenciais entre si, ligados à esfera do consumo.
Como forma de sintetizar todas as informações captadas na forma de proximidades e
diferenciações entre os entrevistados em termos daquilo que foi considerado como identidade
territorial e, como essa identidade favorece ou cria restrições ao desenvolvimento do Litoral
Sul, recorreu-se à Análise de Correspondência Múltipla (ACM), sendo possível, dessa forma,
estabelecer um mapa relacional ou matriz de posições sobre as variáveis categóricas que
caracterizam a percepção desses indivíduos. A partir do mapa relacional foi possível definir
quadros de valores e representações, possibilitando identificar distintas configurações de grupos
de indivíduos. A definição desses agrupamentos, a identificação das especificidades das
associações entre as categorias e, a observação do posicionamento relativo dos distintos grupos
permite enxergar a existência de relações de associação ou de oposição.
Após o procedimento da ACM, a primeira saída de resultados (Tabela 9) mostra os
valores próprios e a inércia para as duas dimensões extraídas e, principalmente, mostra o valor
do Alpha de Cronbach, o qual permite avaliar a qualidade do ajustamento do modelo. Nesse
caso, o valor médio de 0,885 indica uma alta confiabilidade. A Figura 27 representa o mapa
perceptual onde estão dispostas as categorias submetidas à ACM, a identidade territorial (cacau,
diversidade etnico-cultural), condições favoráveis (diversidade agrícola, cabruca e turismo-
cacau-chocolate) e as restrições ao desenvolvimento territorial (comportamento oportunista,
cultura arraigada no cacau).
147

Tabela 9 - Resumo dos coeficientes do modelo da Análise de Correspondência Múltipla


Alpha de Variância
Dimensão
Cronbach Total (valor próprio) Inércia
1 0,917 3,752 0,750
2 0,845 3,090 0,618
Total 6,842 1,368
Média 0,885a 3,421 0,684
Fonte: Dados da pesquisa; Análise realizada com o software SPSS; a. valor baseado no valor próprio médio.

A seguir, a Tabela 10 apresenta as coordenadas das categorias dentro do mapa


relacional, distribuídas em suas duas dimensões. A primeira dimensão concentrou as
subcategorias cacau, diversidade étnico-cultural, diversidade cultural, comportamento
oportunista e cultura arraigada no cacau. A dimensão 2 concentra as subcategorias turismo-
cacau-chocolate, cabruca, diversificação agrícola. As subcategorias que integram a dimensão 1
parecem representar valores culturais, simbólicos, mais voltados para os aspectos culturais
materiais e imateriais da identidade do Litoral Sul. Já a dimensão 2 sugere representar valores
mais associados à dinâmica e reprodução material da identidade territorial. A figura 27 mostra
como essas relações estão dispostas de acordo com o posicionamento dos indivíduos frente às
suas percepções.

Tabela 10 - Dimensões e frequências por categorias e suas respectivas coordenadas da ACM


Coordenadas dos centróides
Dimensões
1 2
Frequên
Categoria Aspectos simbólico- Aspectos materiais
cia
culturais da da identidade
identidade territorial
territorial
Identidade territorial
Cacau 13 -0,439 -0,011
Diversidade étnico-cultural 3 1,794 -0,211
Potencialidades para o Desenvolvimento
territorial
turismo-cacau-chocolate 8 -0,364 -0,910
Sistema cabruca 3 0,787 0,792
Diversidade agrícola 4 -0,634 1,136
Diversidade cultural 1 2,765 -0,423
Condições restritivas
Comportamento oportunista 12 0,287 0,159
Cultura arraigada no cacau 2 -1,081 0,611
Valores omissos 2
Fonte: Dados da pesquisa/análise realizada com o software SPSS.

O mapa perceptual apresentado na Figura 27, mostra em um plano relacional a


distribuição das categorias em duas dimensões. A dimensão 1 (eixo horizontal) está aqui
148

considerada como aquela que reúne categorias que estão mais associadas aos valores culturais,
nomeada aqui de aspectos simbólico-culturais da identidade territorial. Esta dimensão distingue
os indivíduos que valorizam mais os elementos imateriais da cultura (à direita do eixo) enquanto
potencial ou como restrição para o desenvolvimento (diversidade étnico-cultural, diversificação
cultural, comportamento oportunista) daqueles que valorizam os aspectos materiais da cultura
(à esquerda do eixo), sendo, então, o componente “cacau” considerado enquanto potencialidade
e a “cultura arraigada no cacau” enquanto restrição. A dimensão 2 (eixo vertical) estabelece
uma distinção entre os indivíduos (vetor superior do eixo) que percebem e valorizam as
condições de reprodução material ligadas à terra, à agricultura (diversidade agrícola e cabruca)
e os indivíduos que priorizam condições materiais com valor mais agregado (vetor inferior do
eixo), a exemplo da “integração das cadeias do turismo, cacau e chocolate”.
Nesse sentido, é possível estabelecer quatro agrupamentos distintos que indicam as
proximidades e diferenciações quanto às potencialidades e restrições da identidade territorial
para o desenvolvimento do território. O primeiro grupo, representado no primeiro quadrante,
aproxima aqueles que priorizam características que estão associadas aos aspectos mais
simbólicos da cultura e mais ligados ao setor primário. Destaca-se aqui a cabruca (sistema
agroflorestal cacau-cabruca) como elemento distintivo da identidade do Litoral Sul. Embora
seja o componente que mais represente a base material agrícola do litoral sul, o sistema cacau-
cabruca vai além disso, pois, nele assentam valores históricos, ambientais, sociais, modos de
vida, ou seja, uma fonte tanto simbólica quanto material para o direcionamento das ações
voltadas ao desenvolvimento no território.
O segundo agrupamento representa a valorização da diversificação agrícola e nisto está
envolvida a produção de alimentos, a agroecologia e a desvinculação do cacau enquanto única
base produtiva. Há também aqui uma referência a uma cultura fortemente vinculada ao cacau,
constituindo-se fator restritivo a uma mudança na trajetória de desenvolvimento do território, o
que sugere um caso de dependência da trajetória que inviabiliza alternativas socioprodutivas.
As entidades associadas a este grupo são aquelas ligadas aos movimentos sociais e à educação.
O terceiro quadrante reúne os aspectos que estão mais associados a um potencial de
maior agregação de valor à cadeia do turismo, cacau e chocolate. Nesse conjunto de
potencialidades prevalece a valorização da profissionalização, conhecimento técnico,
capacitação e uso mais intensivo da tecnologia. As entidades que estão associadas a este grupo
são ligadas às instituições de ensino superior, ONGs, cultura, reforma agrária e apoio
empresarial. É também uma perspectiva que prioriza o cacau, não só em relação à qualidade
da amêndoa, mas também enquanto valor simbólico, valor este que pode ser apropriado pelas
149

cadeias do turismo e do chocolate. Embora a ideia seja de que essa integração venha a alcançar
pequenos produtores e agricultura familiar, é claramente um projeto para o território que ainda
corresponde aos interesses de um capital mais concentrado, formado por empresários do
chocolate, moageiras, complexo turístico e grandes fazendeiros.
Uma outra configuração (quarto quadrante) se aproxima dos aspectos mais simbólicos
e imateriais da cultura do território. O potencial para o desenvolvimento nesse caso está
assentado no reconhecimento e valorização dos saberes, da história, dos modos de vida, da
tradição e oferecendo suporte às condições materiais das comunidades envolvidas.

Figura 27 - Mapa perceptual, configuração do espaço de representação das identidades

II I

III IV

Fonte: Dados da pesquisa/análise realizada com o software SPSS.

Embora o cacau ainda represente um valor identitário em torno daquilo que foi
construído no imaginário regional, há o reconhecimento por parte dos membros do colegiado
da existência de outras formas de identidades que foram construídas, essencialmente em
resistência às condições impostas pela cacauicultura, condições essas que invisibilizaram
modos de vida que fizeram parte da formação do Sul da Bahia, como os indígenas,
trabalhadores rurais, pequenos agricultores e comunidades tradicionais. Há também o
150

reconhecimento da necessidade de outro projeto para o território que seja desvinculado do cacau
enquanto commodity e de apostar em outras cadeias de valor, mesmo que mantendo e
aproveitando o valor simbólico do cacau e da história que nele reside, para gerar outras
alternativas, como o chocolate, o turismo, a diversificação agrícola, a agroecologia e a produção
de alimentos.
Diante do que foi exposto, percebe-se um conjunto de ressignificações para a economia
cacaueira que priorizam outras cadeias de valor, ainda que baseadas no cacau e no seu
simbolismo, com a valorização da diversidade étnica e cultural, da mata atlântica e do sistema
agroflorestal cabruca, os quais oferecem uma diferenciação para o cacau e para o chocolate de
origem, e, também, com a valorização da cadeia do turismo quando este se apropria dos valores
ambientais e históricos.
São iniciativas que podem desencadear novos projetos ou, de acordo com Castells
(2018), novas “identidades de projeto” que longe de não estabelecerem conflitos, podem reunir
os distintos grupos e interesses em torno de objetivos comuns e dentro de uma estrutura de
governança eficaz. Essas cadeias de produção representam um potencial para a construção
dessa nova identidade, desde que integradas em um complexo socioprodutivo fundado na
conservação da mata atlântica, na inclusão de pequenos produtores e no turismo não-predatório
com ênfase nos ativos étnico-culturais, ecológicos e rurais, elementos estes destacados no
Quadro 6. Caso contrário, ocorrerá apenas um deslocamento de uma hegemonia que antes
estava concentrada na matriz cacaueira para uma outro arranjo, concentrador e excludente de
igual forma.
151

Quadro 6 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo quanto aos elementos identitários
Segmentos % % 2º ciclo de Síntese
Categoria 1º ciclo de
codificado segmento Documento codificação
primária codificação
s s s
Cacau/cultura Cacau/cultura
cacaueira 13 15,85% 13 81,3% cacaueira A identificação dos participantes com Litoral
Diversidade étnico- Diversidade étnico- Sul está fortemente vinculada ao simbolismo
Componente
cultural 7 8,54% 7 43,8% cultural que o cacau representa em função das relações
identitário
Agricultura 4 4,88% 4 25% Agricultura econômicas, sociais, culturais e ambientais que
Questão agrária/ Questão agrária/ foram historicamente construídas em torno dessa
reforma agrária 1 1,22% 1 6,3% reforma agrária matriz econômica e, principalmente, subjacentes
Produção de cacau a uma identidade cacaueira. Além do
fino/gourmet 4 4,88% 3 18,8% simbolismo, é também reconhecida a
Integração das materialidade do cacau dada a sua importância
Agregação de valor
cadeias do turismo, enquanto base produtiva e sua função ambiental
ao cacau 6 7,32% 2 12,5%
cacau e chocolate e ecossistêmica para o Sul da Bahia,
Turismo e cacau 4 4,88% 2 12,5%
Potencialidades considerando que o desenvolvimento do
Turismo 2 2,44% 2 12,5%
associadas à território requer a valorização e agregação de
Cacau cabruca valorização do
identidade valor da cadeia produtiva do cacau sob o sistema
sistema agroflorestal
territorial agroflorestal cabruca, associada à diversificação
3 3,66% 3 18,8% cacau-cabruca
Diversificação Diversificação e iniciativas agroecológicas e ao turismo
agrícola 7 8,54% 5 31,3% agrícola sustentável, com o reconhecimento da
necessidade de superação das limitações
Diversidade étnico- Diversidade étnico-
impostas pelo individualismo e pela mentalidade
cultural 4 4,88% 7 43,8% cultural
resistente à diversificação produtiva.
Individualismo 13 15,85% 7 43,8%
Restrições Cultura individualista
Herança coronelista 1 1,22% 1 6,3%
associadas à e clientelista
Clientelismo 1 1,22% 1 6,3%
identidade
Cultura arraigada no Cultura arraigada no
territorial
cacau 12 14,63% 6 37,5% cacau
Total 82 100%
Fonte: Conteúdo das entrevistas.
152

Assim, considerando as características que definem a identidade do território e as


condições delas advindas que favorecem ou constrangem os esforços para o Desenvolvimento
Territorial, a identificação dos participantes com Litoral Sul está fortemente vinculada ao
simbolismo que o cacau representa em função das relações econômicas, sociais, culturais e
ambientais que foram historicamente construídas em torno dessa matriz econômica e,
principalmente, subjacentes a uma identidade cacaueira. Além do simbolismo, é também
reconhecida a materialidade do cacau dada a sua importância enquanto base produtiva e sua
função ambiental e ecossistêmica para o Sul da Bahia, considerando que o desenvolvimento do
território requer a valorização e agregação de valor da cadeia produtiva do cacau sob o sistema
agroflorestal cabruca, associada à diversificação e iniciativas agroecológicas e ao turismo
sustentável, com o reconhecimento da necessidade de superação das limitações impostas pelo
individualismo e pela mentalidade resistente à diversificação produtiva.

4.2 Participação e capacidades coletivas no processo de construção, monitoramento e


avaliação da política territorial no Litoral Sul

Esta seção busca compreender as condições que intervêm no desempenho do Codeter


Litoral Sul enquanto espaço institucional de participação social e constituição de capacidades
coletivas no território dentro da Política de Desenvolvimento Territorial do estado da Bahia.
Entende-se que o Colegiado Territorial representa a principal instância dentro da estrutura de
governança de tal política, e, sua importância para o desenvolvimento territorial reside na
função que aquele espaço exerce no sentido de integrar sociedade civil, governo e agentes do
setor produtivo em torno da construção de políticas públicas para o território. Ademais, o
colegiado também se propõe a promover e a fortalecer a participação dos agentes territoriais e,
por consequência, a participação das comunidades no processo de construção, monitoramento
e avaliação da política de desenvolvimento territorial. A ideia subjacente é que a participação
promove interações e proximidade entre os atores sociais, desencadeando um processo de
aprendizagem e mudança cognitiva, constituindo novos hábitos, laços sociais e redes em torno
de interesses comuns. Para isso, buscou-se na visão dos membros do colegiado os elementos
que podem ajudar a descrever tais condições, quer sejam favoráveis ou enquanto restrições.
153

4.2.1 Perspectivas e desafios aos espaços institucionais de participação social

As novas institucionalidades criadas com a política territorial representam um avanço


em termos de ampliação dos espaços institucionais de participação desde a redemocratização,
quando naquele momento, com a Constituição Federal de 1988, acontece a descentralização
das políticas públicas com grande ênfase no processo participativo da sociedade civil mediante
a criação de diversos conselhos e dispositivos de participação popular no âmbito das políticas
públicas, a exemplo dos conselhos municipais de saúde, educação, da criança e do adolescente,
e outros mais, bem como de instrumentos como o referendo e o plebiscito.
Essa ampliação dos espaços de participação promoveu uma maior aproximação entre o
Estado e a sociedade civil e, nas palavras de Abramovay (2001, p.121), constituiu-se como “a
mais importante inovação institucional das políticas públicas no Brasil democrático.” Todavia,
o autor já apontava algumas fragilidades (que persistem até hoje) associadas ao funcionamento
dos conselhos, a exemplo de problemas de representatividade, participação, qualificação e
apropriação indevida do espaço. Mesmo assim, esses conselhos significaram e ainda
representam o principal mecanismo para que grupos sociais tenham acesso ao processo de
construção de políticas públicas.
Para Tatagiba (2002), esperava-se com a participação cidadã uma nova forma de
planejamento das políticas públicas, evitando a confusão entre os interesses públicos e
interesses de grupos privilegiados pela proximidade com o Estado, bem como tendo em conta
que a participação desencadearia um processo de aprendizagem na promoção da cidadania. Para
além da democracia representativa, a ocupação desses espaços, principalmente quando
qualificada, representa uma forma de enfrentamento e ruptura de uma condição que
historicamente direcionou as políticas públicas e os serviços públicos de acordo com os
interesses de uma minoria.
Decorridos mais de 30 anos desde a promulgação da Constituição Federal, muito
daquilo que tem sido divulgado na literatura sobre os problemas e os desafios inerentes à
participação da sociedade civil nas políticas públicas é explicado pela falta de qualificação dos
participantes, excesso de formalismo em detrimento da prática, interesses oligárquicos,
cooptação das lideranças de movimentos sociais, relações clientelistas entre governo e
sociedade, a desigualdade no empoderamento dos espaços institucionais, alta burocratização,
centralização das decisões, resistência à partilha de poder e ausência de ação deliberativa
(SILVA, 2010; TATAGIBA, 2002; MOREIRA, 2008; FUCKS et al, 2004; KOLODY; LUIZ,
2014).
154

No ambiente rural, os desdobramentos da redemocratização e os instrumentos de


participação assegurados pela Carta Magna também propiciaram um cenário social, político e
institucional favorável aos camponeses e agricultores quanto à reivindicação de direitos e
quando intensificaram sua atuação social pelo reconhecimento da categoria de trabalhadores
rurais como sujeitos de direitos, tanto na esfera individual quanto social, especialmente quando
novos espaços para participação social foram apresentados e novas garantias começaram a ser
pensadas (MATURINO; BORGES; BORGES, 2019).
Essa condição de sujeitos de direitos alcançada pelos trabalhadores rurais se amplia
quando são considerados dentro da categoria de agricultores familiares, haja vista o
estabelecimento de políticas públicas especificas para a Agricultura Familiar nas últimas duas
décadas. De acordo com Grisa e Schneider (2014), o advento da redemocratização trouxe com
ele a abertura para a participação da sociedade civil vinculada à Agricultura Familiar, nas
discussões e críticas à atuação governamental, em especial buscando a defesa da reforma
agrária, a demanda por políticas públicas específicas e por uma legislação trabalhista e, assim,
os representantes da agricultura passaram a adotar estratégias propositivas e adentraram nas
arenas públicas, propondo e disputando a construção das políticas públicas (GRISA e
SCHNEIDER, 2014, p. 130).
Isso se concretiza a partir do ano de 1996 com a criação dos Conselhos Municipais de
Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) quando da criação do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), e, em 1999, com a criação do Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA), cujo direcionamento das ações estavam voltadas
prioritariamente para o fortalecimento da Agricultura familiar.
A partir de 2003 o processo foi ampliado através do Programa Nacional de
Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat), a cargo da Secretaria de
Desenvolvimento Territorial (SDT), vinculada ao MDA. O programa estabeleceu a criação de
fóruns em cada território constituído por organizações da sociedade civil e do poder público,
responsáveis pelo planejamento territorial, articulação institucional, elaboração de propostas e
projetos técnicos, acompanhamento e controle social das ações do programa e de outras
políticas públicas que concorrem para o desenvolvimento sustentável dos territórios.
O Pronat definia os territórios como recorte espacial de intervenção governamental
voltada para a constituição de uma nova política de desenvolvimento rural com ênfase na
Agricultura Familiar, por meio da criação dos Territórios Rurais e em substituição a um modelo
que tinha o município como unidade de referência. O programa oportunizou a ampliação das
institucionalidades e um avanço dentro do processo de descentralização do Estado e, nesse caso,
155

propondo-se a ser uma inovação na construção de uma democracia participativa, aproximando


as decisões de interesse público das demandas e dos atores locais, priorizando uma abordagem
sociocultural para o conceito de região em substituição a uma abordagem econômica. Essa nova
abordagem também significou um passo importante na construção de uma proposta de política
nacional de desenvolvimento, integrada a uma nova visão do meio rural, especificamente de
superação do enfoque setorial e em direção a uma abordagem territorial.
No ano de 2008, o escopo de atuação da política territorial foi ampliado com o Programa
Territórios da Cidadania (PTC), representando uma estratégia para articular mais de 20
ministérios, integrados de forma a promover o desenvolvimento regional sustentável e garantir
direitos sociais aos territórios mais deprimidos economicamente e socialmente vulneráveis. A
ideia era direcionar aos territórios ações e recursos interministeriais para além do foco agrário
e com ênfase no acesso a uma gama muito maior de serviços e direitos sociais. Tal arranjo
governamental-institucional viabilizou em certa medida a construção de políticas
descentralizadas (bottom-up) mais próximas às demandas dos atores locais e mais propícias à
viabilização de ações coordenadas entre eles, tendo em vista a geração de processos endógenos
de desenvolvimento local. Foi um processo que também estimulou a construção de uma
governança local, descolada do antigo modus operandi tradicional vinculado ao poder político
municipal, pautado pelo clientelismo (DELGADO; GRISA, 2014).
A política de desenvolvimento territorial implantada pelo MDA criou novas
institucionalidades com ênfase no processo participativo, integrando a sociedade civil, os
agentes do mercado e o Estado, com o propósito de estabelecer uma gestão social para o
enfrentamento dos problemas que afetam os territórios, social e economicamente deprimidos.
Assim, essas novas institucionalidades estão materializadas nos Colegiados Territoriais, os
quais representam um dos tipos daquilo que Avritzer (2008) chama de instituição participativa,
baseada, nesse caso, no processo de partilha de poder, em que agentes da sociedade civil e do
poder público, de forma conjunta, propõem e monitoram políticas públicas.
A próxima seção pretende oferecer uma compreensão das condições que interferem no
desempenho do Codeter Litoral Sul, no contexto da política territorial do estado da Bahia, para
a construção e fortalecimento da participação dos agentes territoriais e, por consequência, da
participação das comunidades no processo de construção, monitoramento e avaliação da
política de desenvolvimento territorial.
156

4.2.2 Condições intervenientes sobre o Codeter Litoral Sul: potencialidades e restrições à


participação e constituição de capacidades coletivas

De forma análoga ao que foi realizado no capítulo anterior, a discussão acerca dos
sentidos e significados que emergiram dos relatos dos entrevistados sobre a participação e
constituição laços e redes sociais, associados ao funcionamento e desempenho do Codeter
Litoral Sul, será iniciada com a utilização do recurso da nuvem de palavras (Figura 28), gerada
a partir das respostas dos participantes.
Ao olhar para a imagem, constata-se que os termos “política”, “participação” e
“instituições” foram os mais frequentes, o que, nesse caso, suscitam indícios da relevância
desses constructos quando das manifestações dos entrevistados sobre potencialidades e
restrições à participação e constituição de coletividades. A presença de outros termos que
também apresentaram uma quantidade importante de citações, a exemplo das palavras
“entidades”, “comunicação” e “governo”, pode reforçar tais indícios e apontar os caminhos para
a observação que deve ser feita no conjunto de documentos. Todavia, é importante ressaltar que
o recurso visual, per si, não responde a uma questão de pesquisa e deve ser utilizado apenas
como um complemento para a interpretação do corpus textual, cujos significados só poderão
ser compreendidos após concluído todo o processo analítico, conforme será demonstrado a
seguir.

Figura 28 - Nuvem de palavras com os 50 termos mais frequentes, associados à participação e


capacidades coletivas

Fonte: Conteúdo das entrevistas; elaboração própria (software Maxqda).


157

Mediante o exposto, as entrevistas com os representantes permitiram captar e extrair


informações a respeito das condições que intervêm no funcionamento do Codeter Litoral Sul.
Após o primeiro ciclo de codificação, realizado de forma tanto dedutiva quanto indutiva, foram
definidas 18 categorias temáticas iniciais. A primeira fase desse procedimento consistiu em
identificar os segmentos associados às categorias pré-estabelecidas, portanto, um processo
realizado dedutivamente. As categorias definidas preliminarmente foram criadas na tentativa
de identificar como os entrevistados consideram a constituição de laços e redes sociais, a
participação e engajamento dos representantes junto ao Codeter, as condições favoráveis e
restritivas à participação e constituição de laços/capital social, conforme descritas na Tabela 11.

Tabela 11 - Categorias temáticas definidas no 1º ciclo de codificação, durante o processo de


Análise de Conteúdo
Categoria Segmentos %
primária Categoria secundária codificados Segmentos Documentos %
Laços e redes Existência de laços socias
13 9,09% 13 81,3%
sociais isolados
Participação e
Participação enfraquecida 23 16,08% 13 81,3%
engajamento dos
membros do
Atuação ativa de alguns grupos 7 4,90% 5 31,3%
Codeter
Voz 4 2,80% 2 12,5%
Condições Inclusão 2 1,40% 1 6,3%
favoráveis à
participação e Acesso às políticas públicas 2 1,40% 1 6,3%
formação de Mobilização das entidades 2 1,40% 5 31,3%
laços/redes
sociais Divulgação de informações 1 0,70% 1 6,3%
Capacidade de conectar grupos 1 0,70% 1 6,3%
Falta de compromisso 17 11,89% 5 31,3%
Individualismo 15 10,49% 9 56,3%
Necessidade de renovação 8 5,59% 5 31,3%
Comunicação/interlocução
7 4,90% 6 37,5%
precária
Descrença no processo 7 4,90% 6 37,5%
Atuação isolada dos grupos 6 4,20% 5 31,3%
Muita discussão e pouco
6 4,20% 5 31,3%
resultado
Condições Falta de apoio à mobilidade e
5 3,50% 5 31,3%
restritivas à logística
participação e Controle social precário 5 3,50% 5 31,3%
formação de Transição do governo federal 4 2,80% 2 12,5%
laços/redes
sociais Desânimo dos representantes 3 2,10% 3 18,8%
Extensão territorial 3 2,10% 2 12,5%
Atendimento às pautas do
1 0,70% 1 6,3%
governo
Falta de reconhecimento por
1 0,70% 1 6,3%
parte do governo
Fonte: Conteúdo das entrevistas.
158

A definição dessas categorias primárias foi orientada a partir das seguintes questões:
Como avalia a participação e engajamento dos representantes junto às discussões no Codeter?
Em sua opinião, o colegiado territorial em sua trajetória atuou e atua na promoção e
fortalecimento da participação social? Existem laços e redes sociais constituídas e fortes o
suficiente para induzir os atores sociais a lutar pelo bem comum? Quais os fatores que facilitam
e/ou dificultam esse processo?
Os pressupostos adotados para o delineamento de tais questões partiram do
entendimento de que a nova institucionalidade incorporada no Codeter tem na participação e
engajamento dos atores sociais o seu principal foco. O fortalecimento dos espaços institucionais
de participação favorece a inclusão dos atores sociais no processo político, mobiliza as
comunidades em suas demandas internas, constitui capacidades coletivas e o capital social.
Existe uma aposta na mudança cognitiva desencadeada por um processo de aprendizagem que
é próprio da prática participativa e, também, por conta do surgimento de novos hábitos. O
Codeter representa, pois, um mecanismo de participação social e de descentralização das ações
que se propõe a aliar participação e desenvolvimento.
Em trabalho realizado por Souza (2014) encontramos uma citação de Favareto (2013)
que sintetiza bem o sentido dado à participação dentro do arranjo institucional da política de
desenvolvimento territorial na tentativa de aproximá-la da gestão social e do desenvolvimento:
a criação de regras de participação acabam por facilitar a participação de agentes sociais
portadores dos interesses dos mais pobres ou até então excluídos da gestão das políticas e, por
conseguinte, melhora a qualidade dos serviços públicos, o que, por sua vez, faz melhorar a
cidadania, a política, desencadeando um movimento dinâmico e cumulativo.
Portanto, essas institucionalidades ou os novos arranjos institucionais representaram um
avanço inovativo dentro da arquitetura institucional das políticas de desenvolvimento territorial
rural. Para o então Ministério do Desenvolvimento Agrário (BRASIL, 2009), representou um
processo voltado para o empoderamento dos atores sociais e de ação-reflexão sobre a prática
social, no sentido de desenvolver a capacidade e habilidade coletiva de transformar a realidade.
Sobre a existência de laços e/ou redes sociais no Litoral Sul, constatou-se nos relatos de
13 entrevistados que existem grupos ou comunidades que se articulam de forma isolada em
suas localidades e sem uma conectividade ampla com outros grupos similares dentro do
território, suscitando uma reflexão sobre a necessidade de criar mecanismos que integrem esses
grupos e passem a incorporar em suas estratégias a inserção em redes que possam conectá-los
a outros grupos e empreendimentos em suas demandas e objetivos comuns, conforme mostra
algumas das evidências relatadas a seguir:
159

(...) existem micro redes, o território é espaço de disputa, não tem uma rede formada
ampla, existem micro redes, você tem uma micro rede em Ilhéus, tem uma em Arataca
(...) (Participante2/Poder público municipal).

(...) eu acredito que ainda não (atuação em redes), esse movimento mais forte em
rede, não há. Precisa haver porque tem vários movimentos nesse território, mas não
atuam em rede, isolados, o que precisa é essa atuação em rede pra se fortalecer (...)
(Participante10/Movimento social).

Foram citadas experiências de grupos e associações existentes em algumas cidades,


considerados com um bom nível de organização e articulação em torno de suas demandas, a
exemplo da Associação Mãe da Reserva Extrativista de Canavieiras (Amex), grupos que
integram a rede de Agroecologia Povos da Mata, Assentamento Terra Vista em Arataca, alguns
grupos de economia solidária e os agentes do setor cultural. Ao que parece, o contexto descrito
pelos entrevistados, reconhecendo a existência de grupos organizados principalmente em
cidades diferentes, porém, não conectados a outros grupos no território, configura-se como uma
forma de laços sociais onde os vínculos se dão entre atores de um mesmo círculo social,
aproximando-se daquilo que foi descrito por Granovetter (1973) como laços fortes.
Embora os laços fortes ofereçam coesão, paradoxalmente “levam à fragmentação geral”
(GRANOVETTER, 1973, p. 1.378), pois, quanto mais forte é o vínculo de confiança e
reciprocidade entre pessoas do mesmo grupo, mais fechado ele se torna, restringindo a sua
conexão com outros atores externos. Por outro lado, os laços fracos são vistos como
indispensáveis às oportunidades dos indivíduos e à sua integração nas comunidades. Indivíduos
vinculados por relações de laços fracos se conectam com outros grupos e, por isso, são
importantes para o estabelecimento de redes, superando o ilhamento dos grupos. Assim, as
relações de laços fracos funcionam como pontes entre os grupos supostamente isolados,
possibilitando o fluxo de informações, conhecimento e inovação.
A ausência dessas pontes ou ligações entre os grupos e comunidades no Litoral Sul
fragiliza a rede matricial interna, ou seja, a proximidade e a densidade das interações no
território (REIS, 2007), o que também cria obstáculos para que esses mesmos grupos acessem
múltiplos territórios ou as múltiplas territorialidades existentes (HAESBAERT, 2016), ou até
mesmo possam criar novas territorialidades.
Sobre a participação e engajamento dos representantes das entidades que compõem o
Codeter, foram encontradas em quase todo o material analisado evidências de que o colegiado
vem passando por um momento de esvaziamento, de participação enfraquecida por parte dos
seus membros, em que se registra a ausência de muitas entidades que outrora participavam
regular e ativamente, como pode ser constatado em alguns relatos, a exemplo destes a seguir:
160

O território (entenda-se o colegiado) teve um momento bem forte, de bastante


representatividade, quando tinha a Secretaria de Desenvolvimento Territorial,
quando existia o MDA, quando existia o MDS, nessa época a colegiado era cheio.
Agora o colegiado vem de uma queda, passou um tempo, pouca gente vindo, poucas
reuniões, se fosse seguir o Regimento à risca muitos órgãos que compõem o colegiado
hoje tava fora por não ter comparecido às reuniões (...) (Participante2/Poder público
municipal).

(...) o povo também tradicional tá um pouco ausente, eu não vi nas últimas reuniões
essas pessoas presentes por lá, a gente tava até falando sobre isso, que é preciso que
o povo retome seus lugares e a gente vai precisar de uma sensibilidade muito grande,
uma sensibilização de mobilização (...) (Participante4/ONG socioambiental).

Nesse caso, a participação e o engajamento de forma mais ativa ocorrem por parte de
alguns representantes ligados a agricultura familiar, movimentos sociais, associações e
segmento cultural, e, também, representantes de entidades governamentais, com destaque para
instituições de ensino superior e órgãos do governo estadual. Essa é uma questão que perpassa
quase todos os colegiados e/ou outros espaços institucionais de participação no Brasil, cujo
efeito é a apropriação desigual do poder decisório. A voz mais ressonante geralmente está com
os representantes das instituições públicas e da sociedade com maior força política e que detém
maior conhecimento e poder de verbalização. Não acontece, todavia, a mesma
representatividade por parte daqueles grupos que historicamente ficaram alijados do processo.
Tudo se conformando como se fosse mais um recurso gerencial a serviço de determinados
grupos e do governo, do que um recurso de poder da sociedade (NOGUEIRA, 2005;
GUIMARÃES, 2007).
Junte-se a essa questão conjuntural, uma perversidade estrutural da desigualdade no
país, determinado ao que parece pelo poder simbólico de uma classe historicamente privilegiada
detentora do capital cultural que, por seu turno, arregimenta o capital econômico e o capital
social, fatores decisivos do seu sucesso, inclusive intergeracional, e, ao mesmo tempo,
determinantes para a marginalização as classes periféricas e para a manutenção dessa condição.
Condição esta que distancia cada vez mais os espaços institucionais do sentido de participação
popular.
Nesse ponto, a apropriação do capital cultural e capital social pelos indivíduos é
determinante para uma participação efetiva, qualificada e soberana. A participação social
representa para o cidadão o uso da prerrogativa de manifestar a sua insatisfação, a sua vontade,
a sua “voz” (HIRSCHMAN, 1973). No entanto, é preciso considerar que a apropriação do
capital social é assimétrica e não é da forma linear como descrito em Putnam (2006). É inegável
161

que os laços sociais baseados em confiança e reciprocidade são recursos valiosos e torna a
cooperação mais fácil, porém, como contesta John Harriss (2001), o capital social descrito por
Putnam parece acessível a toda sociedade e não considera as relações de classe e de poder, uma
concepção que despolitiza os problemas associados a pobreza e justiça social, portanto,
despolitiza o desenvolvimento.
Nesse caso, em um mundo de desigualdades e com assimetrias de poder, Harriss (2001)
argumenta que faz mais sentido o conceito de capital social de Pierre Bourdieu (1980, p. 2,
tradução nossa) para quem esse constructo representa o conjunto de recursos atuais ou
potenciais que estão vinculados à “posse de uma rede duradoura de relações mais ou menos
institucionalizadas de conhecimento e reconhecimento mútuos” e que pode fornecer acesso
diferenciado aos recursos. Nessa visão, de acordo com Harriss (2001), o capital social não é
um atributo de toda a sociedade, mas sim, um aspecto da diferenciação de classes, um
instrumento de poder. O referido autor ainda diz que o capital social em Bourdieu está
intimamente ligado a outras formas de capital (cultural e simbólico) que entram de forma
significativa na formação e reprodução da classe. Afirma ainda que “os capitais
cultural/simbólico/social são, evidentemente, social e historicamente limitados às
circunstâncias que os criaram. Eles são contextuais e construídos” e, por isso, não basta apenas
estabelecer a existência de uma rede (p.22, tradução nossa).
Na tentativa de compreender como a participação dos membros afetam a efetividade do
colegiado em conduzir suas ações e criar condições que favoreçam e incentivem cada vez mais
a participação das entidades no processo político e institucional das políticas públicas no
território, bem como a mobilização dos grupos socioprodutivos, movimentos sociais e
comunidades em direção a constituição de laços e redes sociais, procurou-se identificar no
conteúdo das entrevistas, segmentos que indicassem as condições inerentes ao colegiado e/ou
externas a ele que contribuem e/ou ofereçam restrições nesse sentido.
Quanto às condições e/ou contribuições do Codeter para o fortalecimento da
participação e constituição de redes sociais, foram criadas inicialmente seis categorias que
emergiram indutivamente quando da análise das entrevistas, sendo assim definidas: voz,
inclusão no processo participativo, acesso às políticas públicas, mobilização das entidades,
divulgação de informações (editais, projetos, recursos) e potencial para conectar os grupos.
Estas categorias, juntamente com os sentidos que carregam, foram condensadas e reagrupadas
em apenas duas categorias, conforme dispostas na Tabela 12.
162

Tabela 12 - Categorias temáticas referentes às condições favoráveis a participação social,


derivadas do 2º ciclo de codificação, durante o processo de Análise de Conteúdo
Categoria
primária Categorização – 1º ciclo Nº Segmentos Categorização – 2º ciclo
Voz 4 Capacidade para integrar os
Condições Inclusão 2 grupos socias no processo
favoráveis à Acesso a políticas públicas 2 político-institucional
participação e potencial para mobilizar e
Mobilização das entidades 2
formação de conectar comunidades em torno
laços/redes sociais Divulgação de informações 1
de experiências e interesses
Potencial para conectar grupos 1 comuns
Fonte: Conteúdo das entrevistas.

Merece destaque a categoria inicialmente definida como “voz”, pois foi aquela que
representou o maior número de segmentos e indica a capacidade do Codeter em oferecer
condições para que grupos e comunidades historicamente excluídos das discussões e das
demandas sociais, possam agora participar ativamente no sentido daquilo que nos fala
Hirschman (1973), de reivindicar, apresentar objeções, fazer pressão, na tentativa de mudar
hábitos, normas, regras, e, assim, serem alcançados pelas políticas públicas, pelo menos
enquanto não prevalecer outra alternativa à voz. Algumas evidências dessa categoria podem ser
vistas nos seguintes segmentos:

(...) sim, foi importantíssimo, por que deu voz aos excluídos, foi um processo de
inclusão. A política territorial traz isso, é intrínseco, essa questão da inclusão. Então,
a partir dessa inclusão deu voz e isso foi importante (...) (Participante11: 10 –
10/Entidade sindical).

(...) eu vejo que o colegiado tem um papel importante de ser o nosso porta-voz, ele
tem feito isso, tem colocado nossas necessidades, nossos pontos de vista, isso tem
feito, não significa que o que ele fala vai ser executado, mas o colegiado tem colocado
isso, é um espaço de participação popular e da sociedade civil importante, importante
que haja o colegiado (...) (Participante14/ONG socioambiental)

Por meio do segundo ciclo de codificação, a categoria “voz”, juntamente com as


categorias “Inclusão” e “Acesso às políticas públicas”, foram todas as três agrupadas em um
único constructo, tendo em conta que convergem para um mesmo sentido de integração dos
movimentos sociais e grupos socioprodutivos no processo democrático de reivindicação e
acompanhamento das demandas sociais, acesso a recursos e infraestrutura no âmbito das
políticas públicas e fortalecimento da autonomia econômica e política. Deste modo, esta nova
163

codificação foi atribuída ao colegiado como a “capacidade de integrar os grupos socias no


processo político-institucional”.
O segundo agrupamento reuniu as categorias “mobilização das entidades”, “divulgação
de informações” e “capacidade de conectar as entidades”. Embora representem um menor
número de segmentos codificados, foram aqui considerados por revelar, mesmo que de forma
tímida, um potencial existente no colegiado para estabelecer conexões entre as entidades e
especialmente entre os grupos e comunidades em torno de objetivos comuns. Assim, essas
questões passam a ser integradas em uma única categoria que considerou o Codeter como
detentor de um potencial para mobilizar e conectar comunidades em torno de interesses comuns.
Os segmentos destacados a seguir evidenciam essa percepção por parte de alguns entrevistados:

(...) mas o colegiado tem feito esse papel sim de mobilizar a sociedade civil, poder
público, para terem consciência de que tem um equipamento de controle social e de
construção de políticas públicas e que estes espaços devem ser ocupados por nós que
fazemos parte desse território, e o colegiado tem feito esse papel (...).
(Participante3/Entidade estadual).

(...) eu acho que a gente tem ao longo desses anos...já é uma percepção disso... tinha
muita gente que fazia o seu trabalhozinho lá no município tal e o território (entenda-
se colegiado) permitiu esse ator perceber que em outro município tinha outra pessoa
que faz esse mesmo trabalho no seu espaço. Eu acho que essas pessoas, até muitas
delas, não se conheciam e através do território passaram a se conhecer. A gente
percebe que tinha muita gente, o pessoal inclusive dá esse testemunho lá no território
(...). Então esse espaço faz com que esses atores que estavam fazendo..., tendo sua
atuação em um espaço pequeno, se juntando com outros, cria essas redes e passam
a, inclusive, a demandar muito mais dos governos a partir do momento que passam a
entender essa dinâmica (Participante8/Entidade federal).

Considerando as condições inerentes ao funcionamento do colegiado e de acordo com


o que foi captado nas entrevistas, depreende-se que existe um reconhecimento da importância
daquele espaço para aproximar as comunidades e grupos socioprodutivos às instâncias de
poder, bem como, capacitá-los para o processo de participação institucional e acesso às políticas
públicas. Também foi ressaltada a importância do colegiado enquanto fórum de discussões e
compartilhamento de experiências, o que o torna uma instância e um espaço onde há um
potencial para conectar interesses comuns e aprendizados, determinante para a constituição e
fortalecimento de laços socias e do capital social. No entanto, como será mostrada a seguir, há
uma série de barreiras e condições que constrangem os esforços para que esse potencial se torne
uma realidade.
164

A respeito disso, as condições que restringem ou até mesmo impedem o processo de


participação e a constituição de laços e redes sociais foram identificadas e categorizadas em um
primeiro ciclo de codificação, resultando em 14 categorias, conforme descritas na Tabela 13,
com destaque para a quantidade segmentos que indicaram a falta de compromisso e o
comportamento individualista das entidades. Nesse rol de categorias identificam-se condições
próprias do funcionamento e da estrutura do Codeter, como também é possível identificar
fatores externos que intervém na efetividade do colegiado para constituir um conjunto de
capacidades para o fortalecimento da participação social e formação de redes sociais.

Tabela 13 - Condições restritivas à participação e formação de laços e redes sociais no Codeter


Litoral Sul
Categoria Nº
primária Categorização – 1º ciclo Segmentos Categorização – 2º ciclo
Falta de compromisso 17 Comportamento motivado por
Individualismo 15 interesses individualistas e
Atuação isolada dos grupos 6 clientelistas
Necessidade de renovação 8
Condições Descrença no processo 7
restritivas Descrença na efetividade do
Muita discussão e pouco Codeter
internas resultado 6
Desânimo dos representantes 3
Comunicação/interlocução
precária 7 Fragilidade dos mecanismos
comunicação e controle social
Controle social precário 5
Extensão territorial 3 Extensão territorial
Falta de apoio à mobilidade e
logística 5
Condições Atendimento às pautas do Falta de apoio e reconhecimento
restritivas governo 1 governamental
externas Falta de reconhecimento por
parte do governo 1
Mudança de governo no plano Conjuntura política no plano
federal 4 federal
Fonte: Conteúdo das entrevistas

Seguindo o mesmo processo analítico anterior, por meio de um segundo ciclo de


codificação, buscou-se identificar os segmentos que convergiam para um mesmo sentido e,
assim, as 14 categorias iniciais foram reduzidas a apenas seis, sendo três associadas a fatores
internos e três associadas a fatores externos. Dentro das condições internas, o primeiro
agrupamento reuniu a falta de compromisso, o individualismo e atuação isolada das entidades.
Conjuntamente, essas três categorias representam a maior parte dos segmentos codificados no
165

que se refere às condições restritivas à participação social. Indicam um comportamento que é


muito atribuído a formação do território, ligado ao seu passado coronelista, conforme foi
evidenciado em algumas falas na seção anterior que tratou dos elementos identitários do Litoral
Sul.
No entanto, pelas razões já expostas, esse tipo de comportamento que inviabiliza a ação
coletiva no Litoral Sul e compromete a eficácia institucional do Codeter, pode ser melhor
explicado pela ascensão do clientelismo privado logo após a derrocada do sistema coronelista
e reforçado por relações de clientela na esfera estatal. A partir do segundo ciclo de codificação,
as categorias definidas inicialmente como “falta de compromisso”, “individualismo” e “atuação
isolada das entidades” foram agrupadas em uma nova categoria denominada de
“comportamento motivado por interesses individualistas e clientelistas”.
Dentro do quadro teórico institucional, esses aspectos reforçam aquilo que é chamado
de comportamento oportunista (WILLIAMSON, 1996), constituindo hábitos que priorizam o
benefício individual dos atores sociais, organizações públicas e da sociedade civil, e
movimentos sociais, em detrimento da ação coletiva. O oportunismo fica mais evidente quando
ocorre as disputas por editais, projetos, acesso a recursos diretamente das instâncias estaduais
e federais, quando por muitas vezes só neste momento recorrem ao colegiado, ou, quando se
aproveitam (especialmente agentes do poder público municipal) de outros canais que lhes
ofereçam menores custos de transação (econômicos e/ou políticos) para terem acesso aos
recursos de forma mais rápida e unilateral.
Outro ponto a considerar, conforme Harriss (2001), é que interesses particulares podem
ser organizados contra o interesse social mais amplo (o lado nocivo do capital social), o que
converge com Mancur Olson (1982) quando este afirma que grupos de interesses bem
organizados não têm incentivos para trabalhar em prol do bem comum da sociedade quando há
incentivos para o engajamento em ações mais lucrativas do ponto de vista privado.
De fato, existem grupos de interesses que exercem poder deliberativo em seu próprio
proveito e, do lado oposto, representantes da sociedade civil sem a devida qualificação técnica
e informacional que lhe permita participar de maneira consciente, autônoma e com voz ativa.
Ao identificar as barreiras que inibem a eficácia das políticas públicas, Moreira (2008, p.29)
destaca a captura de interesses especiais de natureza econômica, corporativa, regional,
ideológica, política, partidária, patronal ou sindical por uma minoria que tendo alto poder de
voz e de organização em torno de privilégios, “são capazes de bloquear a adoção de políticas
públicas que beneficiariam no longo prazo maiorias carentes, de baixa capacidade de
organização e sem poder de vocalização”. Tatagiba (2002, p.63), em um contexto semelhante,
166

esclarece que “(...) apesar de suas prerrogativas legais, não conseguem impedir que muitas
questões importantes sejam decididas nos gabinetes dos altos escalões do governo, sob a
influência dos interlocutores tradicionais”.
No decorrer da análise quatro outras categorias iniciais foram integradas em uma única,
indicando a falta de efetividade do Codeter, pois representam os segmentos onde estão relatados
“o sentimento de descrença no colegiado”, relatos de que o colegiado é um “espaço onde há
muita discussão e pouco resultado”, e da “necessidade da sua renovação”. Também foi relatado
o “desânimo dos representantes” que está muito associado a tais questões. Portanto, estas quatro
categorias foram agrupadas em uma única denominada de “descrença na efetividade do
Codeter” e que acaba reforçando e reproduzindo o comportamento descrito na categoria
anterior, um comportamento motivado por interesses individualistas e clientelistas.
Ou seja, tal situação além de desmotivar a participação das entidades e, dado os
incentivos para o oportunismo, cria um ambiente onde a opção de “saída” prevalece sobre a
opção de “voz”, um mecanismo essencialmente político (HIRSCHMAN, 1973). Nesse caso, a
saída representa o atingimento dos objetivos das organizações por outras vias que ofereçam
menor custo de transação (econômico e político) e de forma mais rápida (geralmente não
institucional) mesmo que isso represente o enfraquecimento da ação coletiva. Os relatos a seguir
indicam tais situações:

Eu vejo que ainda são poucas as pessoas que participam, pela extensão do território,
a gente faz reuniões do Codeter com poucas pessoas, com 20 e 30 pessoas, um
território que tem 26 municípios, 70 membros representantes, e pouquíssimas pessoas
estão dispostas a discutir política territorial. Mas as pessoas estão muito cansadas
também, desgastados, discute muito e pouco se faz (...) (Participante6: 6 – 6/segmento
cultural).

(...) Oxigenação! Para mim, a oxigenação. (...) a instituição tem a cadeira, mas não
tá participando, então a gente criou o mecanismo que até três reuniões sem
justificativa clara do Porquê não veio às plenárias, a instituição passa, na quarta ela
já é informada do seu desligamento e da colocação de uma outra instituição.... e
ninguém nunca fez isso. Nenhuma sociedade, nenhuma instituição, nenhum coletivo
vive sem oxigênio, precisa oxigenar, trazer novas pessoas, novas instituições, ouvir
mais as pessoas, tem que renovar, não tem outra forma (Participante5/Entidade
estadual).

(...) o colegiado foi criado em 2000 e pouco, já teve uma participação forte, só que
...quem participa do colegiado não vê efetividade nas ações, são reuniões de
planejamento disso, daquilo, se discute, se planeja, se pensa, se sonha, mas eu não
tenho como monitorar, se o colegiado não tem função de monitorar, não monitora,
não supervisiona, não fiscaliza, se ele não faz isso, ele perde a função. Vou ficar aqui
me reunindo, reunindo, reunindo, planejando, planejando, daqui a 4 anos eu volto de
novo aqui pra planejar (...) (Participante14/ONG socioambiental).
167

A terceira categoria, ainda dentro das condições internas, sinaliza as dificuldades


existentes no Codeter para constituir mecanismos e instrumentos de interlocução com a
sociedade e de controle social, sendo denominada de “fragilidade dos mecanismos
comunicação, monitoramento e controle social”. Alguns relatos oferecem evidências dessa
situação:

(...) então vai ter escuta de PPA (Plano Plurianual), aí você não vê uma propaganda
um chamamento, as pessoas muitas vezes não sabem, as pessoas são as mesmas que
sempre participam (...) o que está ali em jogo são as reivindicações de uma sociedade,
de um conjunto das pessoas que se faz representar (...) (Participante9/Associação).

A maior dificuldade é a participação, deveria ter um discurso, uma conscientização


maior de cada segmento, pra ter uma formação, trazer cada representante, fazer uma
formação, conscientização para a importância do colegiado para a sociedade, para
o território, muitas vezes as pessoas não tem a dimensão da importância desse
colegiado (...) (Participante12/Entidade estadual).

(...) eu creio que o colegiado territorial deveria estar funcionando melhor como
instrumento de controle social, porque quando eu controlo, quando eu chego, quando
eu denuncio, quando eu não tenho medo de denunciar, eu provoco um desconforto,
mas provoco também além do desconforto uma possibilidade de acerto, e assim, eu
não tenho dúvida que as pessoas querem acertar (...) (Participante5/Entidade
estadual).

(...) o colegiado é muito importante no entanto ele tem perdido a sua força justamente
por que não adianta desenvolver, planejar, se você não tem como monitorar, se você
não tem como analisar e avaliar, se aquele trabalho que você fez deu resultado ou
não, nunca existiu isso, não é culpa do colegiado, é culpa do processo como um todo,
se levanta a informação, se faz o planejamento, mas não tem critérios, indicadores
de monitoramento, se ninguém monitora... pelo menos do território ninguém monitora
(...) então a gente vê essa esfriamento da participação do colegiado por conta da falta
de efetividade da ação do colegiado, enquanto ação territorial, enquanto ação de
monitoramento, de fiscalização e controle (...) (Participante14/ONG socioambiental).

Dentro das condições externas, foram cinco categorias inicialmente definidas, as quais
foram reagrupadas no segundo ciclo de codificação e reduzidas a três categorias. A primeira
permaneceu como foi definida inicialmente e representa as dificuldades inerentes a “extensão
geográfica” do território que impõem um custo elevado de deslocamento para as entidades para
participar das reuniões, conforme fica explicitado na fala de um dos participantes:

(...) e ele falou que viria como ocorre em todas as reuniões e pergunto se tem alguma
dificuldade, eles falam não, nós vamos, mas não vem. o importante é ele estarem lá
para exporem suas dificuldades, tem um coordenador que diz que é por conta da
logística da distância entre as cidades (...) (Participante3/Universidade).

O segundo agrupamento reuniu as categorias iniciais que convergem no sentido de


indicar a “falta de apoio e reconhecimento do governo do estado para com o colegiado” e, mais
168

ainda, utilizar o colegiado para legitimar suas ações. Essas questões também intervêm para o
afastamento das entidades pois os representantes não sentem que o colegiado é de fato uma
instância relevante para governo, sendo apenas um espaço que foi capturado pela política
territorial do governo do estado sem uma efetiva autonomia, como mostra os relatos abaixo:

(...) nós temos que convir que não é fácil uma pessoa sair de uma comunidade como
em Itacaré e Maraú ás 5 horas da manhã sem tomar café e chegar numa reunião do
colegiado onde só tem copo de água e no máximo cafezinho e não possamos servir
um almoço para que aquela pessoa retorne a sua casa com a qualidade, pelo menos
com alimentação, então a pessoa não tem condição de bancar a sua vinda e a sua
estadia com alimentação e às vezes até com hospedagem como.. a cidade como
Itabuna, não é possível que as pessoas façam isso, em um certo momento existiu um
subsídio financeiro para que isso fosse bancado, naquele momento que isso perdeu a
condição aí você esvazia (...) (Participante5/Entidade de apoio empresarial).

(...) nós não ganhamos nada, é tudo voluntário e você sabe que na voluntariedade
você só vai até...minha avó sempre dizia e eu continuo dizendo que a gente só pode
colocar o braço... colocar o chapéu até onde o braço alcança. Então a gente fica
penalizado, em alguns momentos de tá pedindo a um e outro e colocando até do seu
bolso (...) (Participante1/Movimento social).

(...) nesse sentido (...) eu tenho uma preocupação muito grande por que em tese a
nossas atividades é muito mais de estarmos despachando necessidades do governo,
ou seja, a nossa agenda é muito mais pautada pelo Estado do que pela gente, nós
estamos muito mais executando atividades que o estado nos coloca como uma agenda
de pauta para nós, estamos discutindo uma coisa ou outra do que propriamente a
gente levando propostas para o estado. Essa inversão diminui a participação por que
as pessoas cansam de levar propostas e essas propostas não serem escutadas (...)
(Participante9/Entidade estadual).

A última categoria indica o enfraquecimento da participação associada à conjuntura


política no plano federal quando da mudança de prioridades logo após o impeachment da
presidente Dilma. O episódio demarcou de uma vez por todas o desmonte da política territorial,
com efeitos que repercutiram na supressão de investimentos e, consequentemente, afetando o
funcionamento dos colegiados territoriais inclusive quanto à mobilização e participação dos
membros, conforme mostra o relato a seguir:

a partir do momento que entra o governo Dilma, ainda continua a política territorial,
quando chega o governo temer há um enfraquecimento e agora no governo Bolsonaro
a gente tá... a gente não sabe como vai acontecer essas políticas públicas, se vão ser
ainda nutridas, como vai ser o bolsa família, o PAA, as políticas públicas que foram
galgadas ao longo desses 10 anos de governo. O governo da Bahia, ele tá fazendo
uma parte mas a gente sabe que depende dos recursos federais pra que as políticas
públicas aconteçam (Participante13/Universidade).
169

A partir do momento em que a política territorial foi sendo segundo, terceiro, quarto
plano, enfraquecendo com os governos subsequentes a esses dois governos de Lula e
Dilma, não digo, não digo nem no governo Dilma, talvez até no segundo governo de
Dilma houve uma diferença um pouco em relação a essa participação por conta da
falta de Investimentos. Se não existe investimento, se não existe projetos, se não existe
editais, logicamente existe um certo esvaziamento das pessoas, das entidades que
participam do colegiado territorial (...) o que é que nós vamos falar de política para
território no governo Bolsonaro? absolutamente nada (...) não tem a mínima
concepção disso (...) (Participante5/Entidade estadual).

Tendo essas questões em vista, o êxito das novas institucionalidades para o


desenvolvimento territorial requer, além da participação e engajamento dos agentes que
compõem o colegiado, a capacidade de mobilizar as entidades e as comunidades envolvidas na
construção, direcionamento e avaliação das políticas públicas. Quando o Codeter efetivamente
assume essas questões como centrais em sua diretriz, torna-se um mecanismo para a
consolidação de relações de confiança, laços sociais, formação de capital social e construção
de sinergias entre Estado e sociedade.
Quanto a isso, é preciso reconhecer que sobre o desempenho do Colegiado Territorial
no Litoral Sul intervém efeitos advindos de condições próprias e externas que se manifestam
enquanto favoráveis e/ou restrições ao seu papel de fortalecer a participação e formação de
laços e redes sociais, conforme sintetizados no Quadro 7, a seguir.
170

Quadro 7 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo quanto à participação e formação de laços sociais
Segmentos %
Categoria primária 1º ciclo de codificação codificados Segmentos Doc. % 2º ciclo de codificação Síntese
Existência de laços socias
Laços e redes sociais Existência de laços socias isolados 13 9,09% 13 81,3% isolados Sobre o desempenho do Codeter Litoral Sul
Participação e Participação enfraquecida 23 16,08% 13 81,3% Participação enfraquecida intervém efeitos advindos de condições próprias
engajamento dos Atuação ativa de poucos e externas que se manifestam enquanto
membros do Codeter Atuação ativa de poucos grupos 7 4,90% 5 31,3% grupos favoráveis e/ou restrições ao seu papel de
fortalecer a participação e formação de laços e
Voz 4 2,80% 2 12,5% Capacidade para integrar os redes sociais. Enquanto condições favoráveis, o
Condições grupos socias no processo Colegiado territorial tem uma capacidade
Inclusão 2 1,40% 1 6,3%
favoráveis à político-institucional própria para integrar os grupos sociais no
participação e Acesso a políticas públicas 2 1,40% 1 6,3% processo político-institucional, dando voz e
formação de potencial para mobilizar e acesso às políticas públicas, especialmente para
Mobilização das entidades 2 1,40% 5 31,3% grupos marginalizados. Existe também o
laços/redes sociais conectar comunidades em
Divulgação de informações 1 0,70% 1 6,3% torno de experiências e reconhecimento que o funcionamento do
capacidade de conectar os grupos 1 0,70% 1 6,3% interesses comuns colegiado tem um potencial para mobilizar e
conectar comunidades em torno de experiências
Falta de compromisso 17 11,89% 5 31,3% e interesses comuns. Quanto às condições
Comportamento motivado
Individualismo 15 10,49% 9 56,3% restritivas ao fortalecimento da participação e
por interesses individuais
constituição de laços e redes sociais, o colegiado
Atuação isolada dos grupos 6 4,20% 5 31,3% é afetado por interesses individuais, pelo
Necessidade de renovação 8 5,59% 5 31,3% sentimento de descrença no espaço
institucional, pela fragilidade dos mecanismos
Descrença no processo 7 4,90% 6 37,5% de comunicação e controle social, pelo distância
Codeter desacreditado
entre os municípios em decorrência da extensão
Muita discussão e pouco resultado 6 4,20% 5 31,3%
territorial, a falta de apoio e reconhecimento
Condições restritivas Desânimo dos representantes 3 2,10% 3 18,8% governamental e, também, foi afetado pelo
à participação e Fragilidade dos mecanismos enfraquecimento da política territorial quando
formação de Comunicação/interlocução precária 7 4,90% 6 37,5% da mudança de governo no plano federal no pós-
comunicação e controle
laços/redes sociais Controle social frágil 5 3,50% 5 31,3% social impeachment.
Extensão territorial 3 2,10% 2 12,5% Extensão territorial
Falta de apoio à mobilidade e
logística 5 3,50% 5 31,3% Falta de apoio e
Atendimento às pautas do governo 1 0,70% 1 6,3% reconhecimento
Falta de reconhecimento do governamental
governo estadual 1 0,70% 1 6,3%
Mudança de governo no
Mudança de governo federal 4 2,80% 2 12,5% plano federal
143 100%
171

Portanto, enquanto condições favoráveis, o Codeter Litoral Sul tem uma capacidade
própria para integrar os grupos sociais no processo político-institucional, dando voz e acesso às
políticas públicas, especialmente para grupos marginalizados. Existe também o reconhecimento
de que o funcionamento do colegiado tem um potencial para mobilizar e conectar comunidades
em torno de experiências e interesses comuns. Quanto às condições restritivas ao fortalecimento
da participação e constituição de laços e redes sociais, o colegiado é afetado por interesses
individuais, pelo sentimento de descrença no espaço institucional, pela fragilidade dos
mecanismos de comunicação e controle social, pelo distância entre os municípios em
decorrência da extensão territorial, a falta de apoio e reconhecimento governamental e, também,
foi afetado pelo enfraquecimento da política territorial quando da mudança de governo no plano
federal no pós-impeachment.
172

CAPÍTULO 5 - NOVAS INSTITUCIONALIDADES E O PAPEL DO COLEGIADO


TERRITORIAL NA ESTRUTURA DE GOVERNANÇA E GESTÃO SOCIAL DO
LITORAL SUL

5.1 A abordagem territorial, governança e a territorialização das políticas públicas

A abordagem territorial no Brasil seguiu na mesma direção dos programas e políticas


de desenvolvimento territorial iniciados no final dos anos de 1990 na maioria dos países da
América Latina. Sabourin et al. (2016, p.79) enfatizam que uma das características marcantes
dos Programas de Desenvolvimento Territorial Rural na América Latina é a associação híbrida
e diversamente conjugada entre planejamento nacional e regional e participação dos
beneficiários. Segundo o autor, o objetivo é “ao mesmo tempo reequilibrar as áreas rurais
marginalizadas e valorizar os atributos específicos dos territórios rurais” e, como abordagem
metodológica promover a “concentração de investimentos produtivos estratégicos e o
fortalecimento das capacidades de ação e de decisão dos atores locais por meio da participação
da sociedade civil organizada” e, para tanto, a estrutura e modelo de gestão social e governança
territorial torna-se determinante.
A estrutura de governança e gestão social implantada no Brasil a partir do Pronat, no
ano de 2003, foi pensada para garantir a participação de atores representantes do Estado, da
sociedade civil e do mercado (atores públicos, associativos e privados) e passou a ser entendida
como uma nova arquitetura institucional para a ação pública (DELGADO; LEITE, 2011;
CAMPAGNE; PECQUEUR, 2014; DELGADO; GRISA, 2014; DELGADO; GRISA, 2015),
em que o Colegiado Territorial é a sua expressão máxima.
Essa nova arquitetura institucional pode possibilitar o surgimento de relações sinérgicas
(EVANS, 1996) entre Estado e sociedade, o que favorece a formação de capital social, mesmo
em condições adversas. Significa, ao mesmo tempo, a possibilidade de constituir novos hábitos
e fornecer uma estrutura cognitiva que superem as restrições que operam para inviabilizar um
processo concertação social, pois, como argumentam Delgado e Leite (2011), esse novo arranjo
institucional tem reflexos diretos na forma com que os diferentes atores se envolvem com
173

implicações nos processos de participação social, na constituição de arenas consultivas e


decisórias, no acompanhamento, monitoramento e controle público das ações implementadas.
Entretanto, sob o olhar crítico de Gómez e Favaro (2012), a política de desenvolvimento
territorial implementada no Brasil a partir de 2003 dilui as tensões numa suposta convergência
de projetos entre os grupos do território e impõe uma ideologia de consenso, fortalecendo
processos supostamente baseados em confiança, reciprocidade e cooperação, mas que minimiza
os conflitos inerentes ao território, associados às questões de pobreza, desigualdade, assimetrias
de poder, patrimonialismo e clientelismo.
No estado da Bahia, as políticas públicas foram descentralizadas e territorialiazadas
desde a implantação do primeiro Plano Plurianual Participativo (PPA 2008 - 2011), quando
foram definidos os Territórios de Identidade como unidades de zoneamento para o
planejamento estratégico das ações governamentais. Embora a configuração espacial tenha sido
a mesma do MDA, o governo da Bahia ampliou o escopo da abordagem territorial para além
do foco nas questões do desenvolvimento rural e as integrou juntamente com a dimensão
urbana, objetivando o fortalecimento das identidades culturais, crescimento econômico,
fortalecimento dos pequenos empreendimentos, ampliação do emprego e melhor distribuição
de renda, maior qualidade de vida e enfrentamento de problemas sociais associados às questões
de gênero, raça, etnia e geracional (SOUZA, 2008; CERQUEIRA; ORTEGA; NEDER, 2014).
Assim, os programas de políticas públicas executados no estado da Bahia passaram a
ser territorializados e o Território de Identidade é entendido como:

(...) a unidade de planejamento de políticas públicas do Estado da Bahia, constituído


por agrupamentos identitários municipais, geralmente contíguos, formado de acordo
com critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos, reconhecido pela sua
população como o espaço historicamente construído ao qual pertencem, com
identidade que amplia as possibilidades de coesão social e territorial, conforme
disposto no Plano Plurianual do Estado da Bahia” (BAHIA, 2014).

Em Delgado, Bonnal e Leite (2007) encontra-se a defesa do conceito de território de


identidade como um ponto de partida para um programa de intervenção governamental, pois
reforçam a possibilidade de construção coletiva tanto da proposta de desenvolvimento territorial
como de sua gestão, entretanto, alertam para o cuidado que se deve ter para não incorrer no erro
de considerar as identidades como fixas, imutáveis, mas, ao contrário disso, podem ser
transformadas como resultado das mudanças econômicas, sociais, culturais e políticas
decorrentes dos processos de desenvolvimento que venham a ser implementados no território.
Portanto, identifica-se aqui uma territorialização da ação pública que valoriza as
caracteristicas identitárias e recursos do território. Para Sabourin, Massardier e Sotomayor
174

(2016), o território deve ser entendido como o local de definição e solução de problemas
públicos e a territorialização deve empreender um tratamento localizado de certas questões e,
portanto, “o desenvolvimento de uma pluralidade de atores envolvidos na produção de um laço
político e social” (p.77). Esta nova abordagem buscou implementar a intervenção
governamental de forma territorializada sob três aspectos (DELGADO; BONNAL; LEITE,
2007; DELGADO; GRISA, 2015): a territorialização das políticas públicas; a territorialização
da governança e, a territorialização do desenvolvimento.
A territorialização das políticas públicas está subordinada às decisões governamentais
em nível federal ou estadual concernente com o plano de governo para a resolução dos
problemas enfrentados pela sociedade e, nesse caso, “o território é identificado principalmente
com referência ao zoneamento de determinado problema ou carência da sociedade”
(DELGADO; GRISA, 2015, p51). De acordo com os autores, o desafio para o poder público é
adequar a definição e implementação de políticas públicas com as especificidades locais, o que
pode levar a uma valorização ou a uma desvalorização do território decorrente “dos tipos e da
qualidade dos serviços públicos e dos acertos ou inadequações das políticas públicas
territorializadas” (p.51).
De acordo com os autores, essa territorialização tem sido implementada no Brasil a
partir de duas perspectivas,

(...) por um lado, de uma perspectiva de reordenamento/reorganização territorial que


busca atualizar as políticas tradicionais de desenvolvimento regional, passando de
uma ênfase que prioriza as grandes regiões administrativas do país para outra que
destaca a relevância de escalas menos abrangentes, como é o caso da escala micro ou
mesorregional. Por outro, de uma perspectiva que enfatiza a territorialização de
políticas públicas específicas, usualmente de recorte setorial, diferenciadas ou
universais, com o objetivo de alcançar maior eficácia e efetividade na implementação
da descentralização desse tipo de programa (p.52).

Na territorialização do desenvolvimento, como reforça Delgado e Grisa (2015), o foco


da análise é sobre a questão do desenvolvimento, que passa a ser concebido numa perspectiva
territorial, uma abordagem territorial do desenvolvimento (sustentável), que envolve não só as
questões da governança e da descentralização de políticas, mas também outras questões
suplementares que dizem respeito às dinâmicas econômica, social e cultural endógenas ao
território. Ou seja, a unidade espacial de intervenção governamental considerada é o território,
onde uma determinada institucionalidade pública deve ser construída e dinamizada, sendo
capaz de “criar ou de estimular oportunidades para o deslanche de processos econômicos,
sociais e políticos julgados coletivamente como adequados ao desenvolvimento sustentável do
território” (p.53).
175

Portanto, a abordagem territorial do desenvolvimento ou simplesmente o


desenvolvimento territorial, requer, como explicam Delgado e Grisa (2015), a consideração
metodológica de três componentes seguintes: a) as dinâmicas econômicas, sociais, políticas e
culturais endógenas ao território; b) a arquitetura institucional predominante – as regras de jogo
e as organizações (arenas estatais e/ou espaços públicos) existentes – na qual se exercita a forma
particular de inter-relação entre os atores sociais e suas tentativas para influenciar e apropriar-
se das políticas públicas que incidem no território; c) os processos sociais e os mecanismos
institucionais por meio dos quais as estratégias de desenvolvimento territorial são concebidas,
negociadas e implementadas, o que inclui as possibilidades de o território se relacionar com
instâncias extraterritoriais ou com o resto do mundo.
Delgado, Bonnal e Leite (2007) argumentam que o desenvolvimento territorial deve ser
pensado levando necessariamente em conta as dinâmicas econômicas, sociais, políticas e
culturais endógenas ao território, dinâmicas essas que determinam o território enquanto
construção social e que o faz preferível enquanto unidade de intervenção de políticas públicas,
dado que estas podem alcançar maior número de atores socias, organizações e maiores
articulações entre o rural e o urbano. Todavia, alertam os autores, as dinâmicas endógenas e o
tipo de ação governamental a ser implementada, são influenciados pelas características do
território, ou seja, pode ser um território dotado de uma base econômica razoavelmente
estruturada, um tecido social minimamente articulado e atores sociais relativamente capazes de
ação coletiva, em que elementos como capital social, participação social e identidade territorial
estão presentes, mesmo que incipientes. Nesse caso, onde já existem essas “dotações” (EVANS,
1996) a ação governamental pode assumir um caráter mais indutor do desenvolvimento ou mais
facilitador de novos empreendimentos.
Ou então, pode ser um território onde a economia, o tecido social e a capacidade de ação
coletiva dos atores ainda precisam ser construídas e onde prevalece altos índices de pobreza e
vulnerabilidade social. Nesse caso, a ação governamental deve assumir um papel muito mais
ativo, no sentido de liderar a construção de uma estratégia de desenvolvimento para o território,
aproximando-se daquilo que Evans (1996) chamou de processo de construtibilidade na
formação de relações sinérgicas entre Estado e sociedade.
Quanto à territorialização da governança, essa dimensão “busca utilizar a noção de
território como um lócus espacial e socioeconômico privilegiado para implementar processos
de descentralização das atividades governamentais e da relação entre Estado e sociedade no
nível local” (DELGADO; GRISA, 2015, p.52). Nesse caso, os avanços no processo de
descentralização administrativa promovidos pela política territorial representaram um elemento
176

essencial para que grupos e movimentos sociais historicamente excluídos do sistema político
tradicional passassem a ter visibilidade e voz no direcionamento, monitoramento e controle
social das políticas públicas para além dos espaços tradicionais, permitindo, assim, uma
recomposição de forças.
De acordo com Caniello e Piraux (2016), a política territorial criou dispositivos de
governança territorial responsáveis pelo processo participativo, disputas e concertação social
em torno do planejamento, implementação, avaliação e monitoramento de políticas públicas
voltadas para o desenvolvimento rural. Portanto, essa política lançou mão de uma estratégia
que pressupõe uma dialética ativa, produtiva e progressiva entre identidade, participação social
e desenvolvimento rural sustentável. Adicionalmente, ressalta-se mais um elemento
determinante em tal estratégia que é a transversalidade (SABOURIN; MASSARDIER;
SOTOMAYOR, 2016), ou seja, os instrumentos de governança operam entre uma diversidade
de setores, atores, cadeias produtivas, instituições e instrumentos de regulação.
Piraux et al. (2017) destacam as condições favoráveis que foram criadas pela
governança territorial a partir do Pronat ao garantir a participação de atores sociais até então
excluídos (principalmente agricultores sem instrução, mulheres e jovens) nas tomadas de
decisão públicas e ao incentivar o envolvimento em questões políticas: Projetos de
desenvolvimento agrícola e apoio à agricultura familiar foram promovidos em áreas rurais
menos influenciadas pelo agronegócio e outros papéis da agricultura foram reconhecidos e
valorizados como a segurança alimentar; geração de emprego; gestão da biodiversidade;
agroecologia e diversificação produtiva no meio rural. Destacam-se também impactos positivos
em termos de aprendizados, inclusive no exercício do poder e na melhoria das relações entre os
atores, o que pode levar ao fortalecimento das redes sociais por meio de arranjos produtivos
locais e, mais amplamente, de proximidade organizada.
Entretanto, os autores também relatam questões sérias a serem superadas, dado que, “a
presença dos atores nos debates, não é suficiente” (PIRAUX et al., 2017, p.182, tradução nossa).
Ressaltam que os arranjos institucionais (as regras do jogo) que conduzem a governança
territorial devem ser adequados o suficiente para desencadear processos de tomada de decisão
transparentes e eficientes. Outros problemas são apontados como “a falta de presença de órgãos
públicos, fraca legitimidade e alta rotatividade de participantes” (p.182, tradução nossa).
Acrescente-se que a ausência dos órgãos públicos é um fato que recai com maior peso sobre o
poder público municipal.
O relato dos problemas não se esgota, com destaque para a fragilidade das regras de
tomada de decisão e do funcionamento dos colegiados, a organização dos atores da Agricultura
177

Familiar em torno de grupos de interesse e, portanto, em torno das relações de poder, a não
resolução de conflitos, resultando em bloqueios e, a dominação de certos grupos ou indivíduos
e influências políticas que prejudicam a qualidade das decisões. O trabalho de Piraux et al.
(2017) conclui, então, que a legitimidade dos mecanismos de governança foi limitada pela
dependência da estrutura administrativa federal (restrições dos procedimentos burocráticos para
desembolsos e implementação de projetos), instabilidade nos mecanismos locais de facilitação
e uma estrutura legal que os torna muito dependente da boa vontade dos prefeitos e dos estados
federados. Portanto, a consolidação da governança territorial requer inovações nos arranjos
institucionais de forma a garantir maior autonomia para os mecanismos locais (colegiados,
fóruns etc).
Os colegiados territoriais assumem papel central dentro da estrutura da governança
territorial, representando os principais espaços de discussão nos territórios, responsáveis por
dar corpo às institucionalidades territoriais. Delgado e Leite (2011) definem assim as principais
atribuições do Codeter: a) divulgar as ações do programa; b) identificar demandas locais para
o órgão gestor priorizar o atendimento; c) promover a interação entre gestores públicos e
conselhos setoriais; d) contribuir com sugestões para qualificação e integração de ações; e)
sistematizar as contribuições para o Plano Territorial de Ações Integradas; f) exercer o controle
social do programa.
Assim, os colegiados constituíram-se como espaços públicos de participação e de
caráter estratégico para a prática da política de gestão social e de governança territorial. Nesse
caso, a descentralização que foi concebida no âmbito da política territorial deve estar vinculada
à ampliação e fortalecimento dos espaços públicos de participação para muito além da
participação formal, dando voz aos movimentos e organizações sociais antes excluídos do
campo político decisório, sempre controlados ou dominados principalmente pelas oligarquias
municipais.
Decorridas quase duas décadas desde o início da política de desenvolvimento territorial
no Brasil, cabe indagar se a estrutura de governança e institucionalidades criadas conseguiram
redefinir o curso em direção a uma mudança institucional com espaços de participação
amplamente apropriados, inclusive por atores historicamente excluídos e oprimidos pelas
relações assimétricas de poder. Cabe indagar, também, como os colegiados territoriais foram
afetados e, especificamente, como o Codeter Litoral Sul responde em termos de capacidades
coletivas e institucionais frente às expectativas de participação e controle social.
As próximas seções buscarão lançar luz ou se aproximar das condições que determinam
a atuação do Codeter Litoral Sul na estrutura de governança territorial. Em primeiro lugar, será
178

apresentada uma discussão sobre estrutura interna do colegiado e sua composição, sobre o Plano
de Desenvolvimento Territorial, suas estratégias, limites e potencialidades para o
desenvolvimento territorial do Litoral Sul e um comparativo com as condições extraídas das
entrevistas. Em seguida, será apresentada uma discussão baseada na análise qualitativa do
conteúdo, buscando fazer emergir as condições estruturais e conjunturais que geram efeitos no
desempenho do colegiado dentro da estrutura de governança territorial.

5.2 O Codeter Litoral Sul: estrutura, objetivos e diretrizes para o desenvolvimento


territorial

No estado da Bahia, a estrutura de governança da política de desenvolvimento territorial


está assentada no Plano Plurianual Participativo (PPA-P) com seu processo de escuta social, no
Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial (Cedeter), no Conselho de
Acompanhamento do PPA (Cappa) e nos Colegiados Territoriais de Desenvolvimento
Sustentável (Codeter), os quais, nas palavras de Rocha (2015), constituem-se como as
representações políticas dos Territórios de Identidade e a base deste arcabouço institucional.
A atuação do Codeter é direcionada pelo plano de desenvolvimento territorial,
atualmente denominado de Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável e Solidário
(PTDSS), e pelo regimento interno que define suas normas e regras de funcionamento ao
mesmo tempo que estabelece a institucionalidade territorial. Delgado e Grisa (2015) afirmam
que estes instrumentos orientam as condições a serem seguidas pelos atores no colegiado e,
também, constrangem, limitam e influenciam sua atuação futura, ou seja, estabelecem um tipo
de path dependency.
Segundo os referidos autores, essa interação entre regras de funcionamento,
organizações e ação coletiva dos atores (a institucionalidade em movimento) é vista como a
forma pela qual a governança é efetivada no território e tem como objetivos a democratização
da ação pública e a gestão social do território. De fato, esse espaço ou arena institucional gerou
uma expectativa principalmente por parte dos movimentos sociais de luta pela terra, enquanto
um espaço de voz e de fortalecimento na luta pela reforma agrária e para garantia de melhores
condições para os assentados e trabalhadores da agricultura familiar.
Quando se olha apenas para a composição do poder público (Tabela 14), constata-se um
peso muito maior das prefeituras, representando 72% dessas entidades, o que suscita uma
reflexão sobre a importância do poder público municipal e o seu papel no processo de
desenvolvimento territorial. No âmbito federal, são cinco órgãos (14%) a compor o colegiado:
179

a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), o Instituto Federal de Educação Superior e


Tecnológica (IFBaiano), o Banco do Nordeste, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura
Cacaueira (Ceplac) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). No
âmbito estadual também são cinco entidades: a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), o
Centro Territorial de Educação Profissionalizante do Litoral Sul (Cetep), uma unidade de
gestão e planejamento da rede de educação básica (Núcleo Territorial de Educação - NTE), a
Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR) e uma unidade da Superintendência
Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater).

Tabela 14 - Entidades do Poder Público integrantes do Codeter LS, distribuídas por esfera
administrativa
Entidades / Esfera administrativa Frequência Percentual
Prefeituras 26 72%
Órgãos estaduais 5 14%
Bahiater 1
Centro Territorial de Edu. Prof. do Litoral Sul - Cetep 1
Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional - CAR 1
Núcleo Territorial de Educação 05 - NTE 1
Universidade Estadual de Santa Cruz - Uesc 1
Órgãos federais 5 14%
Banco do Nordeste do Brasil - BNB 1
Comissão Executiva do Plano da Lav. Cacaueira - Ceplac 1
Instituto de Colonização e Reforma Agrária - Incra 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Baiano 1
Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB 1
Total 36 100%
Fonte: Dados da pesquisa.

Quanto às entidades da sociedade civil, a Tabela 15 apresenta a distribuição de entidades


de acordo com a sua natureza. As maiores proporções são formadas por organizações sociais e
movimentos ambientalistas (20%), associação de agricultores (14%) e cooperativa de
agricultores familiares (11%). Das 35 entidades, 18 (51%) tem sua atividade finalística
vinculada diretamente ao ambiente rural ou atividades socioprodutivas rurais. São associações
de assentados, associação de produtores da agricultura familiar, cooperativas, associação de
extrativistas, movimentos de trabalhadores sem-terra e organizações não governamentais.
Outro aspecto a ser ressaltado é que três das entidades que compõem o quadro da sociedade
civil são vinculadas às prefeituras, a Associação de Municípios da Região Cacaueira (Amurc)
180

e os dois Consórcios intermunicipais (CIMA, CDS), e, neste caso, cabe entender em que media
estas entidades representam a voz e interesse da sociedade civil.
Desta forma, é uma composição que tem uma representatividade muito forte dos agentes
ligados ao meio rural, especialmente da agricultura familiar, assim como é praticamente nula a
participação dos segmentos produtivos não-agrícolas e empresariado local. Embora exista a
ideia de participação ampla e de desenvolvimento baseado em uma concertação social, alguns
trabalhos (DELGADO & GRISA, 2014; DELGADO; GRISA, 2015; DELGADO & LEITE,
2015) indicam que apenas os atores estatais e da sociedade civil participam desta nova
institucionalidade enquanto que os atores privados estão ausentes. Outra questão apontada é
que a visão que predomina nas discussões no âmbito dos colegiados é aquela dos agricultores
familiares, acentuando assim a perspectiva setorial da política como ênfase nos aspectos tão
somente agrícolas do desenvolvimento rural, o que reduz o poder de voz de outros grupos e
também reduz as discussões em torno de outros interesses difusos e coletivos, enfraquecendo o
caráter multidimensional para a qual foi pensada a política.

Tabela 15 - Entidades da Sociedade Civil, distribuídas por natureza organizativa/funcional


Entidades / Natureza Qtde %
Organizações sociais e movimentos ambientalistas 7 20%
Associação agricultores 5 14%
Cooperativa de agricultores familiares 4 11%
Associação cultura afro e movimento negro 3 9%
Conselho municipal 2 6%
Consórcio intermunicipal 2 6%
Etnia indígena 2 6%
Movimento de trabalhadores sem terra 2 6%
Sindicato trabalhadores rurais 2 6%
Associação de classe 1 3%
Associação de municípios 1 3%
Coletivo educação popular 1 3%
Fórum de cultura 1 3%
Instituição de ensino superior 1 3%
Organização de apoio às micro e pequenas empresas 1 3%
Total Geral 35 100%
Fonte: Dados da pesquisa.

De fato, em pesquisa realizada na América Latina, Sabourin, Massardier e Sotomayor


(2016) trazem evidências que a política territorial implantada no Brasil é (paradoxalmente) uma
política setorial, precisamente rural e fortemente vinculada à Agricultura Familiar, embora
181

ressaltem o seu papel inovador, destacando a abordagem integradora de ordenamento territorial,


agregação de valor à produção local, desenvolvimento sustentável e luta contra a pobreza.
Algumas razões podem explicar a ausência dos atores do setor privado e o
direcionamento das ações no sentido da agricultura familiar, dentre elas, destacam a filiação do
Pronat ao programa Pronaf Infraestrutura e Serviços que o antecedeu e com o qual manteve
semelhanças em relação “ao modelo de política adotado, ao conceito de ruralidade incorporado
e à concepção de desenvolvimento rural privilegiada, estabelecendo uma espécie de trajetória
de dependência” (DELGADO; GRISA, 2015, p.55).
Ou seja, também ocorre no Território Litoral Sul aquilo que Sabourin, Massardier e
Sotomayor (2016) chamaram de paradoxo, pois, o principal dispositivo de governança da
política territorial é essencialmente setorial quando se trata da sua composição, fato este que
pode impor obstáculos para que uma estratégia ampla de desenvolvimento territorial seja
traçada.
Na tentativa de investigar a participação das entidades a partir da assiduidade dos
representantes nas reuniões do colegiado, foi solicitado a alguns representantes que atuam mais
ativamente no colegiado que indicassem, a partir da sua percepção e experiência, o grau de
frequência das entidades nas reuniões, conforme mostra a Figura 29. Verificou-se, assim, um
reduzido número de entidades que sempre ou quase sempre participam (23%). Aquelas que
nunca participam representaram uma proporção de 39% e aquelas que raramente participam
representaram 34%, resultando em uma proporção de 73% de entidades que estão praticamente
ausentes das atividades do colegiado.
Em relação ao elevado absenteísmo, importa destacar que das 26 prefeituras que
compõem o colegiado, 23 delas, 32% do total das entidades, nunca ou raramente participam das
reuniões do colegiado, fato este em que a literatura anteriormente citada (PIRAUX et al., 2017),
já expõe como recorrente na maioria dos territórios. Cabe destacar também o elevado número
de entidades da sociedade civil que também estão ausentes das atividades do colegiado, sendo
25 entidades que nunca ou raramente participam, o que representa 35% do total de entidades e
71% das cadeiras reservadas à sociedade civil no Codeter.
182

Figura 29 - Participação das entidades nas reuniões do Codeter Litoral Sul

Fonte: Dados da pesquisa.

Das 16 entidades que sempre ou quase sempre participam, nove delas (56%) são do
poder público e sete (44%) são entidades da sociedade civil, mostrando um equilíbrio em termos
de participação entre aquelas entidades que participam mais ativamente, conforme mostra o
Quadro 8. Considerando a atuação destas entidades, constata-se que fazem parte do poder
público 3 prefeituras, 1 agência estadual de assistência técnica e extensão rural, 1 agência
estadual de desenvolvimento, 1 banco de desenvolvimento federal, 2 universidades públicas (1
estadual e 1 federal) e 1 instituto de reforma agrária. Quanto àquelas entidades pertencentes à
sociedade civil, 2 são ligadas à agricultura familiar, 1 ligada a defesa dos direitos da mulher, 1
ONG socioambiental,1 consórcio intermunicipal, 1 entidade de agentes da cultura e 1 ligada ao
movimento de trabalhadores sem-terra.

Quadro 8 - Natureza das entidades que sempre ou frequentemente participam das reuniões no
Codeter LS, distribuídas por poder público e sociedade civil e natureza.
Entidades do poder público 9 Entidades da sociedade civil 7
Prefeitura 3 Agricultura familiar 2
Agência estadual de ater 1 defesa dos direitos da mulher 1
Agência estadual de desenvolvimento 1 Socioambiental 1
Banco de desenvolvimento federal 1 consórcio intermunicipal 1
Universidade pública 2 Cultura 1
Instituto de reforma agrária 1 Movimento de trab. sem terra 1
Fonte: Dados da pesquisa.
183

5.3 O Plano de Desenvolvimento Territorial e as diretrizes estratégicas para o Litoral


Sul

O instrumento pensado para nortear o planejamento, diretrizes e ações de governança


nos colegiados de desenvolvimento territorial foi denominado de Plano Territorial de
Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), o qual deve ser elaborado a partir de um
processo participativo por parte dos representantes da sociedade civil e poder público que
integram o colegiado. Trata-se de um documento que nasceu com o Pronat e contém o
diagnóstico e a identificação dos eixos de desenvolvimento com as diretrizes e estratégias
dentro da abordagem territorial. O Território de Identidade Litoral Sul teve seu plano atualizado
em 2016, quando passou a ser denominado de Plano Territorial de Desenvolvimento
Sustentável e Solidário (PTDSS), seguindo as orientações da II Conferência Nacional de
Desenvolvimento Territorial Sustentável e Solidário - CNDRSS realizada em 2013 e em
conformidade com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF.
Os princípios que norteiam o plano territorial do Território Litoral Sul, de acordo com
o próprio documento (PTDSS, 2016), estão assentados em quatro tipos de capital, inspirados
no trabalho de Kliksberg (1998): o capital natural, formado pela dotação de recursos naturais
com que conta uma sociedade; o capital construído, formado pelo que o homem produziu
(infraestrutura, capital comercial, capital financeiro etc.); o capital humano, que diz respeito à
qualidade dos recursos humanos (implica investimentos em educação, saúde e nutrição); e o
capital social, definido como um conjunto de valores e atitudes compartilhados, capazes de
assegurar um grau máximo de confiança entre os atores sociais de uma sociedade, de uma
comunidade ou de um grupo social.
Em seu diagnóstico, o plano ressalta que a região “tem retomado o crescimento de seu
maior produto, o cacau, bem como um aumento no número de pequenas indústrias produtoras
de chocolate gourmet”. Também destaca o potencial turístico associado à mata atlântica, à
lavoura cacaueira e às praias dos municípios de Ilhéus, Una, Uruçuca, Maraú e Itacaré. O
PTDSS chama atenção para o capital humano “associado a esta paisagem” formado por cerca
de 14.610 agricultores familiares, 3.528 famílias assentadas, 2.743 pescadores, 11 comunidades
quilombolas e duas terras indígenas, sendo ainda marcante a presença da agricultura tradicional.
A partir dessas considerações em seu diagnóstico, o plano apresenta um quadro
contendo o que foi denominado de potencialidades e limites para o desenvolvimento sustentável
do território, de acordo com as dimensões socioeconômica, sociocultural, ambiental e político-
institucional, conforme mostra o Quadro 9.
184

Quadro 9 - Diagnóstico do PTDSS acerca das potencialidades e limites para o desenvolvimento


sustentável do território Litoral Sul
(Continua)
Dimensão Potencialidades Limites
Capacidade e diversidade produtiva Acesso a recursos para investimento/custeio
Turismo urbano/rural Burocratização do crédito para agricultores
Descontinuidade do serviço de ATER e
Conservação ambiental
ATES
Infraestrutura e logística inadequada para o
Sistema cacau-cabruca
escoamento da produção
Vocação para aquicultura/piscicultura Descontinuidade do PAA e PNAE;
Acesso das famílias às políticas públicas que
permitam uma melhoria na condição e
Forte presença de órgãos públicos, inst. de
manutenção das famílias no campo; Baixo
ensino e sociedade civil organizada
número de programas /política públicas
voltadas a economia solidária
Falta de investimentos para verticalização do
Socioeconômica

Diversidade cultural processo produtivo das principais cadeias


produtivas
Documentação do produtor e da propriedade
desatualizada
Reordenamento agrário e regularização
fundiária
Manutenção, armazenamento, captação e
distribuição de água para consumo e
produção
Educação ambiental;
Desenvolvimento da agroecologia territorial
Insuficiência de educação do campo e no
campo; Reorganização do zoneamento
agrícola/agroecológico
Preconceito no sistema de saúde com o
público LGBT, por falta da capacitação dos
profissionais para atender a esse público
Dificuldade de emissão de DAP da mulher
Necessidade de educação financeira
Existência de materiais didáticos e Assegurar a formação continuada para
paradidáticos contextualizados, a partir de educadores (as) com base nos princípios da
experiências de universidades e de Educação Contextualizada, através da
organizações da sociedade civil em diversas articulação dos movimentos sociais e
áreas dentro do território universidades públicas
Existência de memória afrodescendente:
Necessidade de uma formação continuada no
terreiros, capoeira, comunidades quilombolas,
intuito de capacitar e sensibilizar profissionais
ribeirinhas, artesanato, blocos
Sociocultural

públicos
afrodescendentes
Reduzir os índices de analfabetismo e de
Fomento aos pontos de culturas
distorção de idade
Firmar parcerias com os governos municipais
Existência de manifestações artísticas locais:
para promover o transporte escolar, a oferta
poetas, escritores, pintores, teatro, música,
de ensino médio e alimentação escolar no
dança, canto, circo
campo
Existência de espaços culturais Fechamento de escolas do campo
Riqueza de saber em culinária: árabe, Ausência de capacidades voltadas a realidade
indígena, africana, europeia, natural rural
Oferta de editais públicos e específicos de Falta de construção e reforma de espaços e
cultura e territorialidades equipamentos culturais
185

(Continuação)
Dimensão Potencialidades Limites
Falta de envolvimento do empresariado local
Presença contínua do representante cultural
com a cultura
Registro (vídeo) do patrimônio material e Ausência de políticas de incentivo à produção
imaterial artística
Existência de comunidades de identidade A mídia não traduz a diversidade local
Falta de políticas para articulação e formação
Diversidade de patrimônio material
para agregação dos artistas
Falta de informação e formação sobre a
Presença da mata atlântica no território
institucionalização dos coletivos
Pouca capacidade de execução do território
Sociocultural

Má utilização dos espaços culturais


Falta de capacitação para os agentes
populares do território
Utilização não sustentável da mata atlântica
Dificuldade de difusão do registro do
patrimônio;
Existência de um roteiro ecoturismo com fama Falta de conservação do patrimônio material;
internacional Inexistência de políticas para o resgate das
raízes culturais
Fraca formação em cultura digital
Falta de perspectiva em relação ao
patrimônio imaterial
Centralização da capacitação em algumas
cidades
Intolerância religiosa
Efetivação da Lei 12.305/2010; tratamento do Tratamento de resíduos sólidos: não há
esgoto residencial comprometimento do poder público
Espaço para desenvolver ações de educação Dificuldade de implementação da política de
ambiental (CEFIR) saneamento básicos
Dificuldade de local para aplicação da
Desenvolver ações de PSA no território
política de resíduos sólidos
Existência de relação/acordos entre prefeitos
Turismo ecológico nas UC; turismo de base
e empresas coletoras de lixo, fato que
comunitária; existência de atributos ambientais
dificulta a aplicação da Lei de Resíduos
(florestas montanhas e submontanhas)
sólidos
Degradação ambiental nas propriedades
Ambiental

agrícolas
Mau uso da água (falta de barragem, de
reservatório e esgotos canalizados aos rios)
Inexistência de um programa de proteção das
nascentes e margens dos rios
Potencial para uso de água de qualidade através Falta de estratégias de integralização das
do sistema de cisternas para coleta de água de unidades de conservação nos níveis
chuvas municipal, estadual e federal
Falta de linhas de crédito para execução do
Cadastro Estadual Florestal de Imóveis
Rurais (CEFIR) e pouco recurso do Estado
para realização do CEFIR nas propriedades
familiares
Falta de monitoramento das águas
subterrâneas em função do uso da última seca
186

(Conclusão)
Dimensão Potencialidades Limites
Existência de instituições das esferas
Envelhecimento dos quadros nos institutos
municipal, estadual e federal
Escolas técnicas voltadas para vocação Ameaça de desaparecimento de institutos
natural do território importantes para o território
Dificuldade de participação por conta da falta
Existências de cooperativas
de pertencimento
Espago para criação de novas cooperativas Falta de conhecimento
Existência de universidades e faculdades Falta de comprometimento
Político-Institucional

Existência de fóruns, conselhos, comitês,


colegiado e espaços de participação e Desconhecimento dos gestores do seu papel e
controle social para a democratização das das políticas públicas, inclusive do papel real
possibilidades de formulação de políticas dos conselhos
públicas.
Inexistência da garantia de representação da
sociedade civil por município
O não funcionamento dos conselhos de
desenvolvimento rural em alguns municípios
Falta de conhecimento por grande parte da
população do seu papel cidadão
Baixa participação da mulher nas
representações institucionais
Baixa participação dos representantes de
comunidades e povos tradicional
Fonte: PTDSS (2016).

Quanto às estratégias, foram encontrados no PTDSS 51 objetivos distribuídos de acordo


com suas respectivas vinculações aos 14 temas definidos no Plano Plurianual (PPA) do governo
do estado da Bahia, conforme mostra o Quadro 10. De forma a complementar as informações,
a Figura 30 mostra de forma sintetizada que o tema “Educação, Conhecimento, Cultura e
Esporte” apresentou o maior número de objetivos (10), seguido por “Desenvolvimento rural e
agricultura familiar” com nove objetivos e “Geração, cidadania e direitos humanos” com sete
objetivos, para ficar nos três temas que mais reúnem objetivos estratégicos.
187

Quadro 10 - Objetivos do PTDSS Litoral Sul, distribuídos de acordo com os temas estratégicos
do PPA-P estadual (2016-2019)
(Continua)
Temas Estratégicos
Objetivos do PTDSS - Litoral Sul
do PPA-P Estadual
I. Pobreza, inclusão Fomentar a agro industrialização, a comercialização, a gestão, a organização, o
socioprodutiva e empreendedorismo, o cooperativismo da agricultura familiar e economia solidária, dos
mundo do trabalho. povos e comunidades tradicionais, assentados de reforma agrária, economia solidária,
jovens e mulheres, considerando as particularidades e potencialidades territoriais
Promover o desenvolvimento socioeconômico e sustentável da agricultura familiar,
povos e comunidades tradicionais, assentados, garantindo a transição agroecológica
Fortalecer as atividades de pesca e aquicultura no território
Fortalecer ações de emprego, trabalho e renda ampliando a rede de serviços e
promovendo ações de qualificação social e profissional
Promover a inclusão socioprodutiva de empreendimentos individuais e familiares dos
setores populares, prioritariamente inscritos no CadÚnico
II. Desenvolvimento Promover a inovação e o acesso à tecnologia com foco na agricultura familiar,
rural e agricultura assentamentos, povos e comunidades tradicionais e economia solidária
familiar Ampliar a infraestrutura e serviços rurais para a agricultura familiar, povos e
comunidades tradicionais e assentados da reforma agrária e economia solidária
Disponibilizar serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER, ATES, para a
agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária,
jovens, negros e mulheres e economia solidária
Ampliar a participação da produção da Agricultura Familiar, de povos e comunidades
tradicionais e de assentados da reforma agrária e economia solidária na política estadual
de segurança alimentar e nutricional
Garantir, fomentar e fiscalizar a ATER e ATES no Território Litoral Sul
Promover maior competitividade e agregação de valor aos produtos das principais
cadeias produtivas, com vistas a ampliar sua inserção nos mercados nacional e
internacional.
Promover a certificação participativa agroecológica para a agricultura familiar e
comunidades tradicionais
Transformação das antigas unidades da Polícia Rodoviária Estadual que estão
desativadas em postos de venda da Agricultura Familiar
Ampliar a infraestrutura hídrica de uso múltiplo, garantindo a transição agroecológica
para o desenvolvimento rural
III. Aprimorar a qualidade e o alcance do sinal oferecidos a população, ampliando e
Desenvolvimento modernizando o sistema de radiodifusão pública da Bahia
urbano e rede de Fortalecer a gestão municipal na área de desenvolvimento urbano
cidades Promover a implantação do sistema estadual de mobilidade urbana, por meio da
instituição de políticas e planos de mobilidade urbana sustentável
IV. Saúde e Promover o acesso ao direito humano a alimentação adequada e saudável e a segurança
assistência social alimentar e nutricional as famílias em situação de vulnerabilidade e risco social
Contribuir para a elevação do índice de aprovação e redução do índice de abandono na
educação básica na rede de ensino
Fortalecer a alfabetização e a educação de jovens, adultos e idosos que não concluíram a
educação básica no tempo correto
V. Educação, Fortalecer a educação profissional (formal e não formal)
conhecimento,
Assegurar as políticas de educação no campo, educação ambiental e atendimento a
cultura e esporte
diversidade, nas unidades escolares da educação básica.
Promover a inclusão digital, visando atender a população de menor renda do estado,
com a disseminação dos recursos da informática e do acesso à internet
Ampliar rede de pontos de cultura (Cultura Viva) redes de museus e pontos de memória.
Consolidar os Sistemas Municipais de Cultura
188

(Continuação)
Temas Estratégicos
Objetivos do PTDSS - Litoral Sul
do PPA-P Estadual
Legitimação dos fóruns e conselhos de cultura no Território Litoral Sul
V. Educação, Preservar o patrimônio cultural propiciando o acesso ao conhecimento e a memória
conhecimento, com vistas a sua sustentabilidade e o atendimento a sua função sociocultural
cultura e esporte Promover o esporte de participação, as práticas esportivas tradicionais e não
tradicionais, preservando a cultura, o desenvolvimento integral e a formação da
cidadania, permitindo o acesso dos povos e comunidades tradicionais
Promover ações de proteção, promoção social e garantia de direitos, fortalecendo a
VI. Segurança
cidadania e a qualidade de vida das populações em situação de vulnerabilidade, nas
pública cidadã
áreas críticas e/ou prioritárias
VII. Consolidação e Fortalecer os segmentos turísticos e a cadeia produtiva associada nas zonas turísticas
diversificação da
matriz produtiva
estadual
Fomentar a ampliação da biomassa energética a fim de viabilizar a produção de
VIII. Infraestrutura biogás
para o Promover a universalização do acesso a energia elétrica em todo o meio rural.
desenvolvimento
Promover a universalização do acesso aos meios de telecomunicação em todo o meio
integrado e
rural
sustentável
Ampliar o acesso à banda larga para o desenvolvimento socioeconômico sustentável
IX. Inserção Promover a inclusão socioprodutiva de empreendimentos individuais e familiares dos
competitiva e setores populares, prioritariamente inscritos no CadÚnico
integração Promover maior competitividade e agregação de valor aos produtos das principais
cooperativa e cadeias produtivas, com vistas a ampliar sua inserção nos mercados nacional e
econômica nacional e internacional.
internacional
X. Meio ambiente Fortalecer as ações de conservação e proteção ambiental
segurança hídrica,
economia verde e
sustentabilidade.
Promover a autonomia social e econômica da mulher
XI. Mulheres, gênero
e diversidade. Promover o fortalecimento e integração das ações de assistência a mulher e de
prevenção a violência
Promover segurança e saúde ocupacional para grupos produtivos de mulheres
pescadoras e marisqueiras
Assegurar ações de promoção, popularização e educação para os direitos humanos,
XII. Igualdade racial
com ênfase em práticas restaurativas e comunitárias, visando ao acesso a justiça e ao
e identidades
fortalecimento da cidadania de grupos estratégicos e vulneráveis
Promover a inclusão social e a autonomia dos jovens negros, reduzindo a
vulnerabilidade da juventude negra em situação de violência física e simbólica
Promover a regularização fundiária das áreas ocupadas, priorizando agricultores
familiares, povos e comunidades tradicionais
Promover ações de proteção, promoção social e garantia de direitos, fortalecendo a
cidadania e a qualidade de vida das populações em situação de vulnerabilidade, nas
áreas críticas e/ou prioritárias
XIII. Geração,
Assegurar ações de promoção, popularização e educação para os direitos humanos,
cidadania e direitos
com ênfase em práticas restaurativas e comunitárias, visando ao acesso a justiça e ao
humanos.
fortalecimento da cidadania de grupos estratégicos e vulneráveis
Promover ações de proteção, promoção social e garantia de direitos, fortalecendo a
cidadania e a qualidade de vida das populações em situação de vulnerabilidade, nas
áreas críticas e/ou prioritárias
Promover o protagonismo juvenil através da articulação e da execução de políticas,
para a garantia da vida, com dignidade e sem violência.
189

(Conclusão)
Temas Estratégicos
Objetivos do PTDSS - Litoral Sul
do PPA-P Estadual
XIII. Geração, Promover a inclusão social e a autonomia dos jovens negros, reduzindo a
cidadania e direitos vulnerabilidade da juventude negra em situação de violência física e simbólica
humanos. Promover acesso as políticas públicas do estado, as pessoas com deficiências e
necessidades especiais, nos municípios polos dos territórios de identidade.
XIV. Gestão Fortalecer as câmaras setoriais, como instrumento de planejamento, articulação e
governamental e implementação das políticas publicas
governança Promover a governança territorial, com o suporte aos espaços de participação e
socioeconômica concertação e o acompanhamento da Política de Desenvolvimento Territorial do
Estado da Bahia
Fonte: PTDSS (2016).

Cada um desses temas estratégicos está vinculado a uma secretaria de governo


específica e podem contemplar várias ações que perpassam direta e/ou indiretamente por mais
de um objetivo dentro das estratégias de desenvolvimento territorial. Por exemplo, um objetivo
que esteja ligado a uma ação da secretaria de trabalho, emprego e renda pode surtir efeitos
diretos e indiretos tanto sobre atividades produtivas urbanas quanto sobre atividades rurais.
Portanto, quando se olha para os objetivos a partir desta perspectiva, identificam-se 23 objetivos
(38%) que, embora distribuídos em diversos temas estratégicos, estão diretamente associados a
ações no âmbito do desenvolvimento rural, demonstrando como as questões ligadas ao
desenvolvimento rural dominam o PTDSS no Litoral Sul, em conformidade com a maioria dos
colegiados territoriais no Brasil.

Figura 30 - Quantidade de objetivos do PTDSS de acordo com os temas estratégicos do PPA

Fonte: Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável e Solidário (PTDSS) – 2016.


190

Tendo em conta os objetivos definidos nos eixos estratégicos, as potencialidades e os


fatores que restringem o desenvolvimento do TLS, estabelecidos no PTDSS, buscou-se
compará-los às entrevistas visando identificar as semelhanças e dissemelhanças no conteúdo
analisado. Assim, foi realizada uma análise de similaridade entre o PTDSS e o conteúdo das
entrevistas e, neste caso, a ideia foi tentar saber como as entrevistas se assemelham ao PTDSS
levando em conta como unidade de análise os segmentos de texto codificados que expressaram
as condições favoráveis e desfavoráveis ao desenvolvimento territorial, bem como as
estratégias pensadas neste sentido.
Nas entrevistas foram levados em conta os códigos que integram a estrutura de
categorias temáticas, as quais evidenciam as condições favoráveis, potencialidades e fatores
restritivos ao desenvolvimento territorial no Litoral Sul. No PTDSS, foram considerados os
códigos associados às potencialidades, aos limites e aos eixos estratégicos de desenvolvimento
para o Litoral Sul descritos no plano territorial, resultando em 187 códigos.
A Tabela 16 mostra o resultado da análise com os coeficientes para cada entrevista em
relação ao PTDSS. Assim, o coeficiente de similaridade médio foi de 0,10, ou seja, apenas 10%,
em média, do que foi codificado ou categorizado como potencialidades, limites e estratégias
para o desenvolvimento territorial do Litoral Sul é comum ou ocorrem simultaneamente tanto
nas entrevistas quanto no PTDSS. Dito de outra forma, o conjunto de entrevistados e o plano
territorial não convergiram em 90% do que foi descrito como potencialidade, limites e
estratégias para o Litoral Sul, sendo parte descrita apenas nas entrevistas e parte apenas no
PTDSS.
Cabe ressaltar que tal resultado não enseja, a princípio, algo bom ou ruim, uma avaliação
nesse sentido dependerá muito de um entendimento do que se considere como elementos mais
assertivos no contexto socioeconômico do território. Ao olhar para a referida tabela, constata-
se que os três maiores coeficientes encontrados (0,18; 0,18; 0,14) ocorreram respectivamente
com o participante 04 (representante de uma organização social com ênfase em ações
socioambientais), o participante 09 (representante de entidade ligada aos municípios) e o
participante 05 (representante de órgão estadual).
191

Tabela 16 - Coeficientes de similaridade entre as entrevistas e o PTDSS


Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável e
Documento
Solidário (PTDSS)
PTDSS 1,00
Participante04 0,18
Participante09 0,18
Participante05 0,14
Participante01 0,12
Participante11 0,12
Participante03 0,11
Participante06 0,11
Participante08 0,11
Participante02 0,10
Participante12 0,10
Participante10 0,09
Participante13 0,08
Participante16 0,07
Participante07 0,06
Participante15 0,06
Participante14 0,04
Coeficiente médio 0,10
Fonte: Conteúdo das entrevistas.

Como forma de identificar os principais pontos de convergência e as dissemelhanças


entre o PTDSS e o conteúdo das entrevistas, foi realizado outro procedimento cujo resultado
gerou o mapa de similaridade entre os dois grupos de documentos (PTDSS, Entrevistas),
podendo ser visualizado na Figura 31. Os principais códigos convergentes associados às
condições favoráveis, condições desfavoráveis, potencialidades, limites e diretrizes
estratégicas, ou seja, aqueles que estão presentes simultaneamente nos dois grupos, podem ser
visualizados no centro da figura e referem-se à participação enfraquecida, falta de
comprometimento das entidades, comunicação deficiente com a sociedade, colegiado sem
prioridade para o poder público municipal, assistência técnica insuficiente e influência de
grupos de interesse, enquanto condições desfavoráveis.
Dentro das condições favoráveis destacam-se: diversidade cultural, a mata atlântica e a
biodiversidade, o turismo, pluralidade de entidades presentes no Codeter e diversidade agrícola.
Como diretrizes estratégicas e reivindicações para o desenvolvimento no TI Litoral Sul, os
principais destaques são: fortalecimento da cadeia cacau-chocolate-turismo, fortalecimento da
agricultura familiar e produção de alimentos, políticas para a mulher, agregação de valor e
investimento na qualidade do cacau.
192

Figura 31 - Mapa de similaridade entre as entrevistas e o PTDSS, de acordo com as diretrizes


estratégicas, limites e potencialidades para o desenvolvimento territorial no Litoral Sul

Fonte: Conteúdo das entrevistas.

Em outro agrupamento, foram identificados e codificados segmentos existentes apenas


no Plano territorial (na parte direita da Figura 31). Nesse grupo destacam-se como condições
desfavoráveis: impacto e degradação ambiental, falta de apoio à cultura, e capacitação, falta de
comprometimento do poder público com o saneamento, desconhecimento da política territorial
pela sociedade, enfraquecimento das organizações públicas, infraestrutura precária para
educação no campo. Como condições favoráveis destacam-se: existência de cooperativas e
associações, presença de instituições do poder público e sociedade civil, presença de
universidades e institutos tecnológicos, espaços institucionais de participação social. Dentro
das diretrizes estratégicas e reivindicações, temos: ampliação da rede de proteção social,
universalização dos serviços de comunicação (rádio, tv, internet), necessidade de investimento
em educação, fortalecimento e valorização da cultura e equipamentos culturais, investimentos
em agroindústria, fortalecimento da atuação do Codeter, política de assentamento e reforma
agrária.
Quando se olha para as categorias identificadas e que emergiram apenas no conteúdo
das entrevistas (na parte esquerda da Figura 31), destacam-se como condições favoráveis: papel
do Codeter no acesso às políticas públicas, condução democrática das atividades, atuação ativa
de algumas entidades, articulação com outras instâncias e espaços. Dentro das condições
desfavoráveis: cultura individualista e clientelista, enfraquecimento da política territorial no
193

plano federal, o Codeter como um espaço sem efetividade, cultura cacaueira arraigada, interesse
individual das entidades, falta de renovação do quadro de entidades, espaços para
comercialização insuficientes ou precários, atuação isolada dos grupos. Quanto às diretrizes
estratégicas, destacam-se: cacau e a diversificação da agricultura.
Portanto, os elementos descritos no tipo de análise apresentada contribui para mostrar
que alguns fatores ou condições atinentes às condições favoráveis, condições desfavoráveis,
potencialidades, limites e diretrizes estratégicas não foram captados pelo PTDSS, deixando-o
subdimensionado em seu diagnóstico para o desenvolvimento territorial no Litoral Sul. Estes
fatores podem contribuir no entendimento da realidade do território em seu processo de
concertação social. A próxima seção explora mais detalhadamente as condições que interferem
no funcionamento do colegiado enquanto dispositivo de gestão social e governança territorial
no Litoral Sul, bem como, identifica suas capacidades e potencialidades.

5.4 Condições intervenientes sobre o desempenho do Codeter enquanto dispositivo de


gestão social e governança territorial no Litoral Sul

A partir da análise qualitativa do conteúdo das entrevistas, buscou-se identificar as


condições que interferem no funcionamento do Codeter Litoral Sul dentro da estrutura de
governança territorial tanto no nível local quanto nas esferas administrativas superiores e, para
isso, foram levantadas as seguintes as questões centrais: Como avalia a atuação do Colegiado
no atendimento dos interesses e demandas do território? Quais os fatores (externos e internos)
e /ou condições que tem efeito sobre desempenho do colegiado na estrutura da gestão social e
governança territorial? Como avalia a articulação do colegiado com as instâncias do poder
municipal, estadual e federal e com outros segmentos da sociedade? É importante dizer que
estas foram as questões disparadoras para o entendimento dessa dimensão específica da
governança territorial. Entretanto, a entrevista permitiu obter relatos que, para além de uma
determinada questão, possuíam ligações com várias outras. Por isso, as categorias relacionadas
à governança territorial foram extraídas não só das perguntas acima, mas também de todo o
conteúdo das entrevistas.
Seguindo o mesmo rito de análise utilizado nas duas seções anteriores, será mostrado
inicialmente os termos mais frequentes que emergiram das respostas dos participantes quando
provocados sobre as condições que intervêm no desempenho do Codeter dentro da estrutura de
governança e gestão social no Litoral Sul. A Figura 32 sugere que os termos “política” e
“governo” assumem posição de destaque nos relatos dos entrevistados, o que reflete uma
194

perspectiva coerente com os aspectos da governança e gestão social. Resta saber os sentidos
atribuídos a estes dois termos, questão essa que será abordada mediante os procedimentos de
análise detalhados a seguir.

Figura 32 - Nuvem de palavras com os 50 termos mais frequentes, associados ao desempenho


do Codeter na estrutura de governança e gestão social no Território Litoral Sul

Fonte: Conteúdo das entrevistas; elaboração própria (software Maxqda).

Ao realizar a análise qualitativa do conteúdo das entrevistas, foram codificados 177


segmentos de texto organizados em dois grupos, um representando as condições favoráveis ao
desenvolvimento territorial e o outro contemplando as condições restritivas. Inicialmente a
Tabela 17 apresenta as categorias que foram extraídas das entrevistas como sendo as condições
favoráveis à governança territorial e gestão social, dentro do funcionamento do Codeter Litoral
Sul.
Cinco categorias emergiram abarcando 52 segmentos, com destaque para aquilo que foi
categorizado como a “importância do colegiado no acesso às políticas públicas”, com 21
segmentos codificados (40%) distribuídos entre as 16 entrevistas, sendo 12 segmentos de texto
constantes em entrevistas da sociedade civil e nove presentes em relatos dos representantes do
poder público. As demais categorias dizem respeito à “gestão democrática”, com 12 segmentos
(23%), seguida por “valorização das características identitárias” na formação e estrutura do
Codeter (13%), “Pluralidade de entidades no Codeter” (12%) e “papel ativo na articulação com
outras instâncias e espaços” (12%).
195

Tabela 17 - Condições Favoráveis ao Codeter na estrutura de governança territorial no Litoral


Sul, a partir das categorias extraídas das entrevistas.
Soc.
Condições favoráveis Segmentos % P.Público Documentos
Civil
Acesso às políticas públicas 21 40% 12 9 12
Gestão democrática 12 23% 10 2 9
Valorização características identitárias 7 13% 2 5 7
Pluralidade de entidades no Codeter 6 12% 3 3 5
Papel ativo na articulação com outras instâncias 6 12% 5 1 5
SOMA 52 100% 32 20
Fonte: Conteúdo das entrevistas.

Ao analisar as cinco categorias iniciais, foi possível agrupá-las em um nível maior de


abstração, resultando em duas categorias temáticas. A primeira reúne a “importância do
colegiado no acesso às políticas públicas”, “gestão democrática” e “papel ativo na articulação
com outras instâncias e espaços”. Dessa forma, infere-se que estas questões revelam uma gestão
comprometida com a democracia participativa e na promoção do acesso às políticas públicas.
Alguns segmentos das entrevistas são apresentados a seguir, evidenciando essas questões a
partir das falas dos participantes da pesquisa:

(...) Com certeza trouxe. Eu não conhecia bem antes, mas, pelos relatos, o colegiado
foi o instrumento que deu acessibilidade a muitas outras políticas dentro do território,
muitos produtores e agricultores puderam acessar, muitas associações, cooperativas,
puderam acessar muitas políticas que foram discutidas, com os editais, levar as
propostas, foram levadas as demandas, foram discutidas e foram transformadas em
políticas públicas. Então, a política é eficaz sim e que precisa ser mais valorizada
prioritariamente por quem faz parte do colegiado, precisa discutir e mais valorizada
por aqueles que tem assento no colegiado (Participante 3/Entidade estadual).

(...) mas no cômputo geral tudo isso gerou uma concepção e uma ...vamos dizer assim,
a mensuração de muitos avanços sem sombra dúvida, e um dos exemplos que eu
gostaria de citar, um dos exemplos que gostaria de citar a Universidade Federal do
Sul da Bahia, pouca gente sabe, ou compreende, mas tudo que tá existindo em relação
à educação também no território estava nas discussões do colegiado territorial, desde
o início, está no plano de desenvolvimento Rural sustentável e solidário do colegiado
até hoje, que foram debatidas e discutidos demais com a sociedade civil organizada
e também com os poderes públicos que fazem parte deste colegiado. (...) os editais de
chamadas públicas que hoje existem para os povos indígenas e Quilombolas na Bahia
foram discussão da histórias foram discussões e várias discussões e vários avanços.
Com certeza diversos debates que nós tivemos e que construiu todo esse bojo que hoje
a gente entende como positivo para o território (Participante 5/ Entidade estadual).

(...) avalio como um avanço do que eu tenho convivido, muitas conquistas


aconteceram depois da discussão via territorial, por exemplo, a gente conquistou as
delegacias que não tinham, as DEAMs, agora tem a casa abrigo que já foi sancionada
a lei também, essa casa abrigo vem sendo uma luta nos 4 anos atrás, seguidamente,
não só nas escutas mas também nas conferências. Cito também o fortalecimento da
agricultura familiar, com investimento na compra da produção, há também uma
política de incentivo a produção orgânica, facilitando as feiras, o governo
196

possibilitou o transporte, barracas. (...) e o território (colegiado) é um espaço que


você chama todos os movimentos pra discutir de uma forma coletiva e busca-se dali
a melhoria de cada um e de todos ao mesmo tempo (Participante 10/Movimento
social).

Acredito que é importante o colegiado, ele é fundamental nessa questão de


representação do nosso territórios e se não houvesse o colegiado, se essa discussão
não acontecesse, poderia ser bem pior, então a gente vê a importância do colegiado
para nossa região , pq a gente leva as questões que realmente nos afligem , que são
necessárias ser atendidas, não digo todas, mas se não houvesse o colegiado, se não
houvesse essa discussão, acredito que seria uma situação bem pior em nossa região
(Participante 12/Entidade estadual).

(...) eu vejo que o colegiado tem um papel importante de ser o nosso porta-voz...ele
tem feito isso, tem colocado nossas necessidades, nossos pontos de vista, isso tem
feito, não significa que o que ele fala vai ser executado, mas o colegiado tem colocado
isso, é um espaço de participação popular e da sociedade civil importante, importante
que haja o colegiado (Participante 14/ONG socioambiental).

A segunda categoria reúne elementos que expressam o reconhecimento dos


entrevistados da pluralidade e diversidade de entidades na composição do colegiado, formada
pelas subcategorias “valorização das características identitárias” e “Pluralidade de entidades”.
Essas categorias emergem a partir dos segmentos que indicam que uma das principais
características do Codeter litoral Sul é a sua composição formada pelos mais diversos grupos e
movimentos da sociedade, revela e representa a diversidade do território, manifestado pelas
entidades que o compõem, como pode ser visto nos relatos dos entrevistados, a seguir:

(...) sim, o colegiado leva muito em conta essas questões, a identidade do território e
assim... e a gente (tem que) fazer fortalecer ainda mais a identidade, para que ela se
torne mais presente ainda no nosso dia a dia (Participante 12/Entidade estadual).

(...) Sim, isso é bem evidente, a partir da participação das entidades que compõem o
colegiado, colegiado hoje é multi, você tem indígenas, quilombolas, assentamento da
reforma agrária, pequeno produtor as entidades regionais, Ongs, então reflete nisso
aí, um colegiado territorial. Ele é a voz de todo mundo, mas principalmente a voz dos
que sempre esteve excluído (...) (Participante 2/Poder público municipal).

(...)então, é um território que tem, assim, o que eu destaco é essa característica de


pluralidade, de ter muitos segmentos, movimento social presente, organizado, atuante
(...) só como exemplo, nós temos o grupo gestor, a assembleia plena é
composta por 70 organizações que representam esses municípios, toda essa
pluralidade (...) (Participante 11/Entidade sindical).

Portanto, considerando os relatos dos entrevistados e, a partir disso, as categorizações


temáticas resultantes, depreende-se que alguns fatores operam como condições favoráveis ou
potencialidades para a governança e gestão social do território no âmbito das capacidades do
197

Codeter. Neste sentido, fica definido como um espaço de participação caracterizado pela
pluralidade e diversidade em termos das entidades que o compõem, com uma gestão social
reconhecidamente imbuída de esforços para uma atuação democrática e promoção do acesso às
políticas públicas.
Essas condições favoráveis que foram reveladas é um ponto de partida, necessário então,
para avançar em direção a um processo mais amplo de controle democrático das políticas
públicas, de aprendizagem decorrente do processo participativo e fortalecimento dos laços
sociais (CANIELLO; PIRAUX, 2016), pois a diversidade e a pluralidade das entidades, bem
como a valorização identitária estão na base de sustentação da abordagem territorial, sendo o
colegiado a sua maior expressão e representação desses elementos.
Por outro lado, condições restritivas à governança territorial foram relatadas e extraídas
das entrevistas. A Tabela 18 apresenta 13 categorias temáticas que emergiram desse contexto,
representando fatores que limitam a capacidade do colegiado dentro da estrutura de governança
e gestão social. Esses fatores foram extraídos a partir de 125 segmentos de texto, distribuídos
em todas as 16 entrevistas. O principal componente limitante foi categorizado como “colegiado
sem prioridade para o poder público municipal” com 19 segmentos codificados e representando
15% das codificações.

Tabela 18 - Condições restritivas ao Codeter na estrutura de governança territorial no Litoral


Sul, categorias extraídas das entrevistas
Soc. Poder
Condições restritivas Segmentos % Doc.
Civil público
Colegiado s/ prioridade para o poder público municipal 19 15% 10 9 12
Falta de participação/engajamento das entidades 17 14% 8 9 12
Enfraquecimento da Política territorial no plano federal 15 12% 5 10 7
Influência de grupos de interesse 15 12% 7 8 9
Comunicação/mobilização/articulação deficientes 14 11% 7 7 9
Espaço inócuo/sem efetividade 10 8% 4 6 5
Interesse individual das entidades 9 7% 5 4 8
Falta de renovação/ausência de alguns segmentos 7 6% 1 6 5
Falta de estrutura e recursos para mobilidade e logística 5 4% 3 2 4
Falta de apoio e reconhecimento do governo Estadual 5 4% 1 4 2
Cooptação pelo Estado 4 3% 1 3 2
Controle social insuficiente 4 3% 3 1 3
Plano territorial defasado 1 1% 0 1 1
SOMA 125 100% 55 70
Documentos 16 9 7
Fonte: Conteúdo das entrevistas
198

Os 13 fatores foram submetidos a um processo de abstração na tentativa de agrupá-los


em categorias correlatas dentro de uma dimensão superior. Dessa forma, foram distribuídos em
cinco dimensões, sendo a primeira cobrindo 35% dos segmentos codificados, formada pelas
seguintes categorias: “Colegiado sem prioridade para o poder público municipal”,
“Enfraquecimento da Política territorial no plano federal”, “Falta de estrutura e recursos para
mobilidade e logística”, Falta de apoio e reconhecimento do governo Estadual”.
Esses quatro fatores estão intimamente associados à falta de apoio do poder público ou
ao enfraquecimento das políticas públicas de apoio aos territórios dentro da estrutura de
governança no âmbito das três escalas governamentais, municipal, estadual e federal. Alguns
relatos a seguir deixam claro a indignação dos entrevistados com esta realidade:

(...) eu lembro que a política territorial era vinculada ao SDT e ao MDA, de onde
vinham os recursos. A partir do momento que tinha recursos para manter essa
estrutura...e com a desestruturação daquelas instâncias, o colegiado agonizou,
agonizou, e tentou sobreviver com a condição que tinha (...) (Participante 16/ONG
socioambiental).

(...) a partir do momento que entra o governo Dilma, ainda continua a política
territorial, quando chega o governo Temer há um enfraquecimento e agora no
governo Bolsonaro a gente tá... a gente não sabe como vai acontecer essas políticas
públicas, se vão ser ainda nutridas, como vai ser o bolsa família, o PAA, as políticas
públicas que foram galgadas ao longo desses 10 anos de governo. O governo da
Bahia, ele tá fazendo uma parte, mas a gente sabe que depende dos recursos federais
pra que as políticas públicas aconteçam (Participante 13/Universidade).

(...) mas se for um grupo somente para debate aonde não há um olhar de importância,
de empoderamento por parte do estado (Bahia), aí você tá perdendo tempo, então eu
acho que o estado, ele precisa dá essa condição de empoderamento aos codeters, por
que são representatividade legítimos (...) (Participante 9/Associação).

Eu acho que ainda é fraco, eles (prefeitos) poderiam participar mais, pensar mais em
fortalecer...eles não participam, isso é uma constante. Prefeito só aparecem quando
é reunião na Amurc, quando é reunião na Amurc eles aparecem, mas, fora isso,
pergunta quantos vão para reunião do Codeter? (Participante 6/segmento cultural).

O exemplo mais claro dessa situação ocorre no plano federal onde a política territorial
já não mais existe. A desestruturação das instâncias da SDT e MDA, como relatou o
entrevistado 16, ocorreu de forma deliberada depois do golpe de 2016 que resultou no
impeachment da Presidente Dilma e deu início ao Governo Temer. A partir de então, emergiu
uma reconfiguração político-ideológica cujas repercussões desembocaram no desmantelamento
(SABOURIN; CRAVIOTTI; MILHORANCE, 2020) da política de Agricultura Familiar e de
Desenvolvimento Territorial.
O processo de desmantelamento das políticas de Agricultura Familiar e, por extensão,
da política territorial no Brasil ocorreu em decorrência de uma confluência de fatores externos
199

e internos, como detalhado no trabalho de Sabourin, Craviotti e Milhorance (2020). Estes


fatores estão vinculados aos interesses do capitalismo financeiro internacional, principalmente
do agronegócio, ao avanço de um movimento global de fragilização das instituições
democráticas e à chegada ao poder dos grupos conservadores de direita. Segundo os autores,
embasados em uma estrutura analítica para processos de desmantelamento de políticas públicas
(BAUER; KNILL, 2012; BAUER et al., 2012), no Brasil o processo foi iniciado de maneira
difusa e imperceptível ainda no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (2014-2016),
com mudanças institucionais dispersas. Posteriormente, com a ascensão do novo projeto
político-institucional esse processo se tornou mais ativo e justificado por medidas de
austeridade fiscal como necessário ao enfrentamento da crise econômica vigente.
De acordo com Sabourin, Craviotti e Milhorance (2020, p.9, tradução nossa), os
primeiros sinais do desmantelamento dos instrumentos de política de agricultura familiar no
Brasil ocorreram quando o Governo Dilma (2014-2016) “tomou decisões ambíguas sobre a
reforma agrária”, priorizando a titulação de terras já alocadas ao invés de “alocar terras a novos
beneficiários”, reduziu recursos, tentativas de fusão do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) e do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e paralisia da nova Agência
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). Para os pesquisadores, esse
contexto foi resultado do “enfraquecimento do apoio parlamentar ao governo, da priorização
do apoio ao agronegócio no contexto de recessão econômica e diminuição de recursos públicos
para essas políticas”. Dentro das categorias analíticas utilizadas, Sabourin, Craviotti e
Milhorance (2020) classificaram como “desmantelamento por padrão” (BAUER et al, 2012) o
início desse processo (2014-2016) relacionado à diminuição de recursos financeiros ou
políticos. Esse enfraquecimento da política territorial no governo Dilma foi pontuado por alguns
entrevistados conforme relatos a seguir:

(...) nos três primeiros anos de Lula o desenvolvimento territorial era um...o apoio à
política territorial era muito maior, no governo de Dilma a política territorial, ela já
caiu um pouco mais e agora a política está em total...acredito e que vai deixar de
existir, não que isso seja bom ou ruim, não sei, mas no sentido do apoio, existia muito
mais apoio quando se ainda tinha o MDA, as secretarias voltadas ao desenvolvimento
territorial (...) (Participante 2/Poder público municipal).

(...) antes do impeachment a gente já havia tomado a pancada muito grande, depois
do impeachment, adiós muchachos! O MDA era a instituição que mais amparava e
cuidava da política territorial no país inteiro, o MDA colocava recursos para essas
coisinhas bobas: alimentação, transporte. Era um fomento para que a gente... um
recurso... encontre um espaço onde a gente reúna para discutir a política territorial,
o plano de desenvolvimento territorial, para se encontrar, para inter-relacionar-se,
nos conhecermos melhor, entendermos um ao outro e as nos ajudarmos (...)
(Participante 5/Entidade estadual).
200

Posteriormente, quando Michel Temer assume a presidência em outubro de 2016, logo


após o impeachment, um novo projeto de governo se inicia capitaneado por uma coalizão
alinhada como ideias conservadoras e ultraliberais (SABOURIN; CRAVIOTTI;
MILHORANCE, 2020) e, desde então, o que resultou disso foi o “desmantelamento ativo e
rápido das políticas de agricultura familiar” (p.9) e, por extensão, da política territorial. O que
se viu foi uma reconfiguração político-ideológica, garantidora do projeto neoliberal e de
consolidação do Estado mínimo através das reformas em curso (fiscal, trabalhista,
previdenciária).
Ademais, o Novo Regime Fiscal (NRF), levado a cabo por meio do Projeto de Emenda
Constitucional nº 241, conhecida como PEC dos gastos públicos, propôs como supostamente
necessário o ajuste estrutural das contas públicas em todas as esferas de governo (federal,
estadual e municipal) e em todas as esferas de poder (executivo, legislativo e judiciário). Ao
congelar os gastos públicos por 20 anos, em termos reais, o governo promoveu o engessamento
orçamentário em todos os níveis de governo e não considerou no decorrer deste período as
demandas reivindicatórias que surgirão sobre os serviços públicos decorrentes, principalmente,
do crescimento populacional.
No âmbito da política territorial um fato comprometeu os avanços conquistados e, ainda
mais grave, retirou da pauta governamental o esforço de induzir estrategicamente o
fortalecimento dos territórios. Trata-se do rebaixamento do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) pelo Governo Temer ao status de Secretaria Especial de Agricultura Familiar
e do Desenvolvimento Agrário, vinculado agora à Casa Civil. Além da Secretaria Especial de
Agricultura Familiar, o programa de reforma agrária também foi transferido para a casa Civil.
Embora as linhas de crédito fossem mantidas, não ocorreu o mesmo com a assistência técnica,
afetada pela supressão orçamentária.
Posteriormente, houve também uma redução drásticas dos gastos e investimentos para
a política territorial, agricultura familiar e reforma agrária, conforme demonstrado em Niederle
et al. (2019) e apresentado na Tabela 19 e na Figura 33. Retornando às categorias analíticas de
Michael Bauer, o processo conduzido inicialmente por uma estratégia de “mudança de arena”
foi posteriormente substituído por um “desmantelamento ativo” (SABOURIN; CRAVIOTTI;
MILHORANCE, 2020, p.10, tradução nossa).
201

Tabela 19 - Recursos destinados a políticas públicas de apoio à agricultura familiar e reforma


agrária, 2015 – 2018, em R$ 1.000.000,00
Investimentos (R$ 1.000.000) / Ano
Política pública 2015 2016 2017 2018
Aquisição de terras para reforma agrária 800,00 333,40 257,02 34,29
Suporte para assentamentos: infraestrutura 261,93 168,22 242,52 75,35
Assistência técnica e extensão rural - assentamentos 355,37 199,57 85,40 12,64
Assistência técnica e extensão rural - Agricultura familiar 607,37 250,97 235,22 133,04
Educação no campo 32,55 27,03 14,80 2,05
Reconhecimento dos territórios quilombolas 29,50 8,00 4,92 1,85
Org. econômica e prom. da cidadania para mulheres rurais 18,95 9,52 11,45 3,28
Apoio ao desenv. sustentável dos territórios rurais 372,46 136,24 110,19 0,00
Quilombolas, comunidades indígenas e tradicionais 1,79 1,29 1,27 0,00
Programa de crédito rural 54,74 19,71 24,81 5,13
Programa fundiário legal 46,32 20,75 15,51 8,09
MDA: Programa de Aquisição de Alimentos, PAA 32,84 13,68 11,48 3,29
MDS: Programa de Aquisição de Alimentos, PAA 609,36 526,83 318,63 0,75
Fonte: Niederle et al. (2019), adaptado.

O desmonte do MDA negligenciou o papel da agricultura familiar e da reforma agrária


enquanto vetores de superação da pobreza rural e os colocam em um patamar secundário, o que
significou um retrocesso em relação aos avanços conquistados desde a redemocratização
quando as políticas públicas foram socialmente construídas, com a sociedade civil ganhando e
ampliando os espaços consultivos e também deliberativos.
A onda global conservadora e de extrema direita da qual falavam Sabourin, Craviotti e
Milhorance (2020) encontrou acolhimento ainda maior com a eleição de Jair Bolsonaro à
presidência da república, levando a um recrudescimento muito maior do processo de
desmantelamento da política de agricultura familiar e, mais ainda, como expõe Sabourin,
Craviotti e Milhorance (2020, p. 10, tradução nossa), “o processo desmantelamento foi
expandido para setores adicionais, incluindo políticas ambientais e educacionais, e seguiu uma
estratégia ainda mais radical e aberta”. Conforme relatam os autores, a Secretaria Especial para
Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (SEAD) foi renomeada para Secretaria de
Agricultura Familiar e Cooperativismo e subordinada agora ao Ministério da Agricultura
(Decreto 9667/2019) historicamente “identificado com os interesses dos setores do
agronegócio”.
202

Figura 33 - Recursos destinados a políticas públicas de apoio à agricultura familiar,


Desenvolvimento territorial e reforma agrária, evolução 2015 - 2018, em R$ 1.000.000,00

Fonte: Niederle et al. (2019), adaptado.

Os fundos para agricultura familiar permaneceram congelados por medidas de


austeridade e os conselhos para o desenho e o monitoramento dessas políticas (assim como
vários outros conselhos) foram extintos por decreto presidencial, particularmente o Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) (Decreto 9759/2019). E os retrocessos
não param por aí: os ataques aos povos tradicionais têm sido constantes, com a obstrução da
demarcação e titulação de terras, sob o discurso de que as terras indígenas impedem a expansão
de atividades produtivas e, consequentemente, freia o desenvolvimento.
Portanto, essa onda global conservadora e de extrema direita encontrou espaço favorável
para sua acomodação e reprodução no Brasil com o governo Bolsonaro, desafiando o
funcionamento das instituições e da própria democracia, cujos valores, em pleno ano de 2020,
precisam ser cotidianamente defendidos. Para a agricultura familiar e demais grupos e espaços
que foram atendidos pela política territorial, o desmantelamento continuado e ampliado no
governo Bolsonaro significou um ataque aos princípios básicos inerentes àquelas políticas
como a participação social, inclusão socioprodutiva e proteção das minorias. E isso,
evidentemente, obstrui a formação de capital social, especialmente com a ofensiva de extinção
203

de conselhos e, mais ainda, anula toda e qualquer possibilidade do governo federal se integrar,
mesmo que de forma verticalizada (COLEMAN, 1994), na formação desse capital social e
assim favorecer o surgimento de sinergias (EVANS, 1996) entre Estado e sociedade.
No campo externo, como estrutura macro determinante, temos como fator
impulsionador desse desmantelamento o modelo econômico dominante, que na América Latina
opera em favor do Neoextrativismo (ESCOBAR, 2015; GUPTA; POUW, 2017; BRAND;
BOOS; BRAD, 2017; NIEDERLE et al., 2019). Tal modelo tem no Brasil a mineração e o
complexo exportador de commodities do agronegócio como sua expressão máxima, para os
quais o apoio governamental e das instituições financeiras sempre foi expressivo e permanente.
Essa condição deixa o Brasil em uma situação a que Pinto (2011) classifica como
vulnerabilidade externa estrutural em virtude da especialização regressiva da pauta exportadora
e de uma desindustrialização em curso.
Filgueiras (2018) descreve essa condição como subsumida a um padrão de acumulação
capitalista que desde a década de 1990 se impõe ao Brasil e que ele chamou de Padrão de
Desenvolvimento Capitalista Liberal Periférico, caracterizado pelos seguintes aspectos: a)
aumento da assimetria na relação capital-trabalho, que resultaram no crescimento do
desemprego estrutural, do trabalho informal, da terceirização e da precarização do trabalho em
todas as suas dimensões; b) em razão da abertura comercial-financeira e das privatizações, surge
uma nova dinâmica de acumulação capitalista com o capital financeiro a ocupar posição
dominante, o capital estrangeiro sobrepondo-se ao capital estatal e fortalecimento de grandes
grupos econômicos nacionais produtores e exportadores de commodities e o agronegócio; c)
vulnerabilidade externa estrutural determinada, de um lado, pela reprimarização da pauta de
exportação e aprofundamento do processo de desindustrialização iniciado na década de 1980 e,
de outro, crescimento da dependência financeira do Estado, reduzindo sua capacidade de
financiar e regular a economia e de operacionalizar políticas macroeconômicas; d) substituição
de investimentos estrangeiros diretos e empréstimos internacionais por investimentos
estrangeiros financeiros associado à redução da taxa de investimento público; e) constituição
de um novo bloco de poder, formado hegemonicamente, em um primeiro momento, pelo capital
financeiro e pela burguesia cosmopolita, e, em fase posterior, assumiram importância o
agronegócio e a indústria produtora de commodities, como novos protagonistas da burguesia
interna.
Portanto, Filgueiras (2018, p.532) conclui que o padrão Liberal periférico, do ponto de
vista estrutural, “atualizou, e até piorou, algumas das características mais marcantes da
formação econômico-social brasileira” e destaca tais características como sendo a “dependência
204

externa tecnológica e financeira”, “a inserção passiva e subalterna na divisão internacional do


trabalho”, “a enorme concentração de renda e desigualdade social”, “o rebaixamento
permanente do estatuto do trabalhador” e a “apropriação do público (e do Estado) pelo privado
(grande capital)”. A partir do governo Temer, segundo o autor, tem-se a recomposição da
hegemonia absoluta do capital financeiro e da burguesia cosmopolita, com uma nova onda de
reformas dentro da agenda neoliberal “em sua face mais radical” (p. 532).
Fatores institucionais também foram decisivos. No Brasil, o poder de veto ao
desmantelamento das políticas públicas e às reformas em curso foi insuficiente e frágil dada a
configuração predominantemente conservadora do Congresso Nacional. O sistema de freios e
contrapesos que poderia restringir o desmantelamento e impedir estratégias unilaterais
(SABOURIN; CRAVIOTTI; MILHORANCE, 2020) não representou um custo elevado para o
governo. Quanto maior o número e o poder dos vetos, menor a probabilidade de que uma
estratégia de desmantelamento ativa seja usada ou seja bem-sucedida (Bauer et al., 2012), o que
não se verificou no Brasil.
Outra questão relaciona-se às institucionalidades que regulavam as políticas de
agricultura familiar e territorial, que tinham nas ações interministeriais do governo federal sua
principal fonte de recursos e que foram enfraquecidas logo após o impeachment e advento do
Governo Temer. Sabourin, Craviotti e Milhorance (2020) reconhecem que o sistema de freios
e contrapesos é fundamental mas não é suficiente para impedir ataques a instituições
democráticas e estratégias de desmantelamento de políticas públicas, pois sua resiliência
também depende de normas informais ou, em outras palavras, do compromisso da sociedade e
dos políticos com essas instituições, o que, para os autores, “a mobilização de movimentos
sociais e seu impacto na opinião pública nacional e internacional são as demais opções de
resistência” (p.12).
Em um plano micro institucional, dentro da estrutura de governança territorial, as
prefeituras representam integrantes importantes na composição do colegiado. No entanto, a
participação do poder público municipal no Codeter Litoral Sul é praticamente nula, como
expõe um dos entrevistados “(...) as prefeituras não olham para o território (colegiado)”, e isso
tem fragilizado aquele espaço, tendo em vista que representam 72% das entidades do poder
público. Os segmentos categorizados como “O colegiado sem prioridade para o poder público
municipal” infelizmente revelam uma situação que é muito comum ser relatada na literatura
(DELGADO; BONNAL; LEITE, 2007; OLIVEIRA; PERAFÁN; CONTERATO, 2013;
DELGADO E GRISA, 2014; CANIELLO; PIRAUX, 2013; CANIELLO; PIRAUX, 2016), em
que as prefeituras se eximem de qualquer sentido de compromisso com a política territorial.
205

De acordo com a referida literatura, uma das principais razões para o baixo engajamento
do poder municipal está relacionada a ameaça que a política territorial representa para a
estrutura do poder político tradicional que esteve sempre associado às relações de clientelismo.
No Litoral Sul, além dessa redução do poder local, um outro fator que contribui para o
distanciamento das prefeituras do colegiado é a existência de dois consórcios públicos criados
por gestores municipais do território, o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável (CDS) e o
Consórcio Intermunicipal da Mata Atlântica (CIMA).
Os consórcios são dotados de personalidade jurídica o que lhes permitem realizar
convênios com os governos estadual e federal para recebimento de recursos financeiros e
equipamentos, o que, para alguns dos entrevistados, representa um incentivo para que os
prefeitos busquem os consórcios em detrimento da sua participação no colegiado territorial. De
fato, a literatura indica que a existência no mesmo espaço desses dois tipos de arranjos
institucionais, um intermunicipal e o outro territorial, tem levado muito mais à ocorrência de
sobreposições de ações e de competição do que uma articulação entre essas instâncias sob uma
estratégia comum de desenvolvimento para o território (CALDAS; MOREIRA, 2013;
MASCARENHAS, 2015; OLIVEIRA, 2015). Os trechos das entrevistas selecionados e
apresentados a seguir, mostram a percepção de alguns dos participantes com o tema levantado:

(...) na minha concepção houve um avanço que foi discutido dentro do colegiado
territorial, mas que enfraqueceu o colegiado territorial que foi...que foi a criação dos
consórcios públicos...por que... um exemplo claro, um maquinário, um equipamento,
uma patrulha mecânica para resolver estradas vicinais, isso poderia vir pelo
colegiado territorial mesmo sendo uma Instância sem CNPJ que, ao contrário, eu
achava que deveria ter, sempre achei (...) (Participante 5/Entidade estadual).

(...) e aí avançaram para os consórcios, os consórcios é onde no meu entendimento


os prefeitos têm discutido de forma mais efetiva, tem presença bem efetiva, o
consórcio tem CNPJ, você tem na legislação políticas públicas para consórcios
municipais, lixo, esgoto, saneamento, e aí têm recursos públicos para os consórcios
municipais que não tem para o colegiado (Participante 16/ONG socioambiental).

Além dos consórcios, as prefeituras buscam sempre um canal de comunicação direto


com o governo do estado e com o governo federal como forma de implementar ações e
investimentos em seus municípios, de forma muito mais rápida e com menor custo. A
participação nas atividades do colegiado e em todo o seu rito institucional, representa um
elevado custo de transação para os prefeitos, pois requer tempo, disponibilização de pessoal,
recursos e, assim, acabam prevalecendo os incentivos para agir egoisticamente, dado que os
206

consórcios e as relações diretas com as instâncias governamentais superiores garantem


benefícios de forma mais rápida.
Estes fatores operam para constranger uma ação coletiva por parte das prefeituras
municipais. Por que as prefeituras agiriam cooperativamente se, dentro de uma lógica
racionalista como em Olson (1971), quando os indivíduos avaliam custos e benefícios, sua
utilidade seria muita mais valorizada agindo egoisticamente? As prefeituras agem, assim, como
grupos de interesses, que tendo a possibilidade de agir livremente, sem nenhum tipo de coerção
ou seguir normas, não seriam impelidas a buscar objetivos comuns. É o que Belo (2018) coloca
como problema central da ação coletiva: como se desenvolve a cooperação quando os
indivíduos possuem claros incentivos para agir egoisticamente? O argumento central
apresentado por Mancur Olson em “A lógica da ação coletiva” (OLSON, 1971), é de que os
indivíduos racionais e movidos por interesses egoísticos, não cooperam com o grupo para
obtenção de um bem coletivo ao menos que haja incentivos individuais.
Assim, retornando à dimensão em análise, formada pelas categorias “Codeter sem
prioridade para o poder público municipal”, “Enfraquecimento da política territorial no plano
federal”, “Falta de estrutura e recursos para mobilidade e logística”, “Falta de apoio e
reconhecimento do governo estadual”, estamos diante de um processo, cuja convergência de
fatores conjunturais, estruturais, político-ideológicos e institucionais levaram a uma
deterioração do apoio governamental e reduzido desempenho institucional em suas três escalas
de poder, dentro da estrutura de governança territorial. De forma resumida, essas condições
estão assentadas, no plano federal, pelo desmantelamento das políticas públicas de
Desenvolvimento rural (agricultura familiar, desenvolvimento territorial e política fundiária)
associado ao que foi chamado por Filgueiras (2018) de padrão de desenvolvimento capitalista
liberal periférico e à ascensão de uma onda conservadora global. No plano estadual, pela falta
de apoio financeiro e logístico ao funcionamento do colegiado e, na escala local, prevalece um
comportamento não cooperativo e egoístico por parte do poder público municipal.
Outra dimensão foi construída a partir das seguintes categorizações: “Falta de
participação/engajamento de entidades da sociedade civil”; “Influência de grupos de interesse”;
“interesse individual das entidades”. Os segmentos assim codificados sugerem que muitas
entidades da sociedade civil parecem ser guiadas por interesses próprios, descomprometidas do
bem comum e do interesse coletivo. Mais uma vez, temos comportamentos que restringem a
ação coletiva e que podem estar associados aos incentivos para agirem egoisticamente como
determinado pelo problema do carona (free rider) ou determinada por uma avaliação de custo-
benefício (OLSON, 1971). Tal situação cria barreiras à construção de laços de confiança e
207

reciprocidade, necessários à formação do capital social. Assim, essa dimensão foi denominada
“participação oportunista e sem compromisso coletivo”. Essa dimensão abrange 32% dos
segmentos codificados dentro da estrutura de governança e demarca uma realidade que impõe
uma restrição forte no desenvolvimento das capacidades coletivas e institucionais e, pior ainda,
transforma o colegiado em um espaço de legitimação de tais interesses, o que pode ser
destacado nas falas dos entrevistados:

(...) muitos grupos de interesse são aqueles que eu te falei, participam com cadeira
no colegiado territorial e apenas aparecem no momento que lhes é conveniente, isso
traz dificuldades que na verdade... essas pessoas não estão ali pelo colegiado, elas
estão ali pelo seu umbigo... pessoas e instituições….. mas na hora que é para...que é
para uma voz coletiva, eles não aparecem. Na hora que é para uma voz individualista,
pelo seu bel-prazer ou pelo seu, pela sua forma de se locupletar, de aprovar projeto,
eles aparecem (participante 5/Entidade estadual).

Esse é um território dividido, não há um coletivo buscando o bem comum, existem


grupos que se dissolvem, são individuais, cada um busca o seu...e aí quando aquilo
não me interessa você faz de tudo para denegrir a imagem daquele grupo que tá lá
e... o que falta é união, o território tem perdido muito porque cada um busca o seu
(...) é muito individual, aqui é muito dividido (participante 3/Entidade estadual).

A maior dificuldade é a participação, deveria ter um discurso, uma conscientização


maior de cada segmento, pra ter uma formação, trazer cada representante, fazer uma
formação, conscientização para a importância do colegiado para a sociedade, para
o território, muitas vezes as pessoas não tem a dimensão da importância desse
colegiado (participante 12/Entidade estadual).

(...) a gente peca ainda muito por que nós somos poucos, poucas pessoas
participam...e isso faz com que de vez em quando você tome ações e tenha reações,
as pessoas não compreendem mas também não participam, eu acho que a
participação tem que ser mais efetiva (participante 13/Universidade).

Como visto nos depoimentos, a participação e engajamento em defesa do bem comum,


da coletividade, parece ser sufocada por um comportamento egoísta por parte de algumas
entidades, por um individualismo exacerbado que constrange uma governança efetiva e que
muito se deve, como discutido anteriormente, às relações clientelistas tanto privadas quanto
estatais.
Avançando ainda mais na análise do conteúdo, foi possível elaborar uma outra dimensão
onde estariam agrupadas as categorias “comunicação, mobilização e articulação ineficientes”,
“necessidade de renovação da composição do colegiado”, “Controle social ineficiente” e
“necessidade de reformulação do plano territorial (PTDSS)”. Essa dimensão estaria relacionada
à capacidade do colegiado de operacionalizar as institucionalidades e a gestão social do
território. Os Colegiados de Desenvolvimento Territorial assumem papel central dentro da
estrutura da governança territorial, representando os principais espaços de discussão e
208

deliberação nos territórios, responsáveis por dar corpo às institucionalidades territoriais


(DELGADO; LEITE, 2011; OLIVEIRA; PERAFÁN; CONTERATO, 2013) e dentre suas
principais atribuições destacam-se a divulgação das ações, identificação de demandas,
promoção e interação entre os atores sociais e exercer o controle social do programa ou política
territorial. Portanto, tendo em conta essas características e de acordo com os segmentos
extraídos, a dimensão aqui analisada será nomeada como Fragilidades nos mecanismos de
gestão social.
Cabe ressaltar que tais fragilidades estão vinculadas não só à forma como o colegiado é
organizado e conduzido, mas também, em alguma medida, à própria estrutura de governança
territorial, especialmente pela falta de apoio e compromisso governamental em suas três
instâncias de poder, pois, muitas das ações necessárias dependem de recursos materiais,
financeiros e humanos. Outra questão diz respeito ao controle social que representa uma
deficiência não só do colegiado, mas também de toda a estrutura de governança. Na escala
estadual, o Cedeter e o Cappa não oferecem nenhum tipo de mecanismo de divulgação,
acompanhamento, monitoramento das ações da política territorial, não há nenhum tipo de
publicização.
Por fim, duas categorias emergiram a partir dos relatos que indicavam a frustração de
alguns entrevistados que veem o “colegiado como um espaço sem efetividade” e “cooptado
pelo Estado”. Esses relatos expressam o cansaço e a sensação de inércia diante da falta de ações
efetivas do Codeter, da falta de apoio governamental e da percepção de que tudo o que é feito
atende unicamente aos interesses do governo estadual e, por isso, essas categorias serão
agrupadas em uma outra denominada de condição subordinada ao interesse governamental.
Alguns relatos expõem tal condição:

(...) o colegiado é muito importante no entanto ele tem perdido a sua força justamente
por que não adianta desenvolver, planejar, se não tem como monitorar, se não tem
como analisar e avaliar, se aquele trabalho que você fez deu resultado ou não...nunca
existiu isso, não é culpa do colegiado, é culpa do processo como um todo (...) então
se você não tem essas respostas , eu não tenho como planejar pra frente, por que vou
ficar dando murro em ponta de faca, falando a mesma coisa 50 vezes, e eu não tenho
como comparar o que foi feito e o que foi planejado, o que foi feito e o que não foi
feito, pra poder dá prioridade a essas coisas, então a gente vê essa esfriamento da
participação do colegiado por conta da falta de efetividade da ação do colegiado
(Participante 14/ONG socioambiental).

(...) o que me preocupa muito e o que enfraqueceu muito o colegiado territorial... por
que você faz um processo de mobilização, de trazer vários entes públicos, várias
pessoas, pra um diálogo de políticas públicas, conferências, escutas, vários outros
artifícios que o governo utiliza, a gente demanda, e se você perceber na penúltima
reunião que a gente fez a avaliação, percebemos que somente 33% das propostas
elencadas foram atendidas na escuta do último PPA, então você, como é que você
209

convoca novamente essas pessoas pra discutir uma coisa, que não chega lá no final,
não é atendido, você gera uma expectativa, você gera uma expectativa para uma
população, você gera expectativa pra uma entidade, e então muito do que é discutido
no território e repassado, a gente percebe que não chega (Participante
13/Universidade).

(...) mas para que você possa conseguir esse objetivo é necessário do Codeter também
ele tenha uma receptividade uma legitimidade por parte do governo, por que para
fazer parte de um grupo de tantos grupos que já faço parte, eu preciso saber qual a
finalidade desse grupo (...) mas se for um grupo somente para debate aonde não há
um olhar de importância de empoderamento por parte do estado, aí você tá perdendo
tempo, então, eu acho que estado ele precisa dá essa condição de empoderamento
aos Codeters (...) e com isso a gente fica muito mais com agenda dos outros do que
com agenda nossa, como a gente não tem uma agenda estruturante plural inclusiva
(...) então a pauta é um pouco frágil porque é uma pauta quase que imposta, é muito
mais demandadas do que demandantes, daí eu acho que a pauta mesmo sendo nossa,
ela é muito frágil (Participante 9/Associação).

(...) só que tem o lado negativo que é de ter um pouco de cooptado o território, é como
se a política territorial ela tivesse numa encruzilhada, tivesse uma crise de identidade,
não sabe se ela é chapa branca ou é sociedade civil, se é governo ou é...então tem
essa crise atualmente, então isso é negativo por conta dessa tutela, essa palavra
atrapalha, a tutela (...) (Participante 11/Entidade sindical).

As razões para isso podem estar assentadas na forma como a política territorial é
executada na Bahia. Rocha (2015) indica alguns caminhos nesta direção quando relata que o
governo não assume politicamente os espaços de concertação territorial (o colegiado territorial)
para além da escuta do Plano Plurianual e sem a certeza de que as propostas serão pactuadas na
execução orçamentária. Ademais, como esclarece o autor, os grandes projetos de logística,
mobilidade, infraestrutura, energia e transporte não são apreciados nos espaços dos colegiados,
e sim, tratados à parte, em esferas fechadas de decisão e, quando ocorre a escuta, a mesma se
dá em forma de audiências públicas através da mediação do Ministério Público. Também
inexiste campanha publicitária institucional sobre os territórios e sua democracia participativa.
Para Rocha (2015, p. 168) “o governo pratica uma relação utilitarista com os colegiados
territoriais e não aporta nos mesmos um mínimo de empoderamento político, para além da
escuta do PPA”. Um outro fator reside no fato de que o Codeter é muito mais acionado quando
é para selecionar projetos e manifestação de interesse para concorrer aos editais públicos de
financiamento de projetos socioprodutivos. Na mesma direção, Gómez e Favaro (2012) aponta
que importante parcela das comunidades rurais ou suas representações ficam à margem do
processo, apenas participando de uma dinâmica de reuniões, resultando em um desgaste e um
desencanto em função dos parcos resultados atingidos.
Dessa forma, ao considerar as condições que favorecem e aquelas que restringem a
atuação do colegiado na estrutura de governança territorial e gestão social, foram definidas
algumas categorias que emergiram dos relatos das entrevistas e que evidenciam e indicam as
210

potencialidades e fragilidades inerentes ao Codeter Litoral Sul. Dentro das condições


favoráveis, o conteúdo analisado permitiu extrair categorias que, agrupadas, resultou em uma
dimensão que considera o colegiado como um espaço definido pela pluralidade e diversidade
em sua composição, com uma gestão reconhecidamente imbuída de esforços para uma atuação
democrática e promoção do acesso às políticas públicas. Embora os entrevistados reconheçam
os avanços e as potencialidades do Codeter, concretamente o que se vê é um esforço para manter
o colegiado em funcionamento diante das condições internas e externas que operam para
fragilizar o processo de governança.
Dentre os fatores que constrangem e limitam a capacidade do colegiado merece atenção
o fato de que o colegiado vem sofrendo um processo de deterioração do apoio governamental
dentro da estrutura de governança territorial determinado principalmente pelo desmantelamento
da política territorial em nível federal e pela falta de engajamento do poder público municipal.
Segundo, embora a composição do colegiado seja marcada pela diversidade e pluralidade, são
poucas as entidades que participam ativamente, e, no âmbito da sociedade civil os relatos
indicam que muitas entidades acabam exercendo uma participação oportunista e sem
compromisso coletivo.
Em se tratando dos fatores associados às condições internas, de coordenação do
colegiado, foi constatado problemas que foram categorizados e agrupados em uma dimensão
denominada Fragilidades nos mecanismos de gestão social, que afeta diretamente a construção
de bases necessárias para a concertação social. Outra dimensão agrupa elementos narrativos
que entendem o colegiado como um espaço sem efetividade e cooptado pelo estado, servindo
em grande parte para atender e legitimar as ações do Estado, o que impõe ao colegiado uma
“condição subordinada aos interesses governamentais”.
Todos esses aspectos tratados aqui neste capítulo enquanto condições que intervém no
desempenho do Codeter dentro da estrutura de governança e gestão social do Território Litoral
Sul, estão descritos e sintetizados no Quadro 11.
211

Quadro 11 - Processo de codificação subjacente à análise qualitativa de conteúdo quanto às condições que intervém no desempenho do Codeter
Litoral Sul dentro da estrutura de governança e gestão social do território
Categorização
primária 1º ciclo de codificação Segmentos % 2º ciclo de codificação síntese
Importância do colegiado no acesso às políticas 21 12% Gestão comprometida com a
Condições favoráveis públicas democracia participativa e
ao desempenho do Gestão democrática 12 7% na promoção do acesso às O desempenho do Codeter Litoral Sul,
Codeter LS dentro Papel ativo na articulação com outras instâncias 6 3% Políticas Públicas dentro da estrutura de governança e
da estrutura de gestão social, é determinado por
governança Valorização características identitárias 7 4% Pluralidade e diversidade de condições que facilitam o diálogo e a
territorial Pluralidade de entidades no Codeter 6 3% entidades na composição do condução democrática das suas ações,
colegiado lastreadas na pluralidade e diversidade
Codeter s/ prioridade para o poder público 19 11% processo de deterioração do das entidades, mas, ao mesmo tempo,
municipal apoio governamental em enfrenta condições que o fragiliza, em
Enfraquecimento da Política territorial no plano 15 8% suas três escalas de poder virtude de mecanismos e processos não
federal dentro da estrutura de eficazes de gestão social no interior do
Falta de estrutura e recursos para mobilidade e 5 3% governança territorial colegiado, do comportamento
logística 35% individualista de parte de algumas
Falta de apoio e reconhecimento do governo 5 3% entidades da sociedade civil e do poder
Condições restritivas Estadual público, pela ausência das prefeituras e
ao desempenho do Falta de participação/engajamento das entidades 17 10% participação oportunista e enfraquecimento do colegiado pela
Codeter LS dentro falta de apoio governamental em suas
Influência de grupos de interesse 15 8% sem compromisso coletivo
da estrutura de 32% três escalas de poder, especialmente
governança interesse individual das entidades 9 5% pelo desmantelamento da política
territorial Comunicação/mobilização/articulação deficientes 14 8% Fragilidades nos territorial no plano federal, e, por sua
mecanismos de gestão condição subordinada aos interesses
Falta de renovação de entidades 7 4%
social 20% governamentais.
Controle social insuficiente 4 2%
Plano territorial (PTDSS) 1 1%
Espaço inócuo/sem efetividade 10 6% condição subordinada ao
Cooptação pelo Estado 4 2% interesse governamental
11%
SOMA 177 100%
Fonte: Conteúdo das entrevistas.
212

Portanto, como forma de síntese das condições que favorecem e constrangem as


capacidades de colegiado dentro da estrutura de governança territorial, conforme descritas no
Quadro 11, propomos que a governança e a gestão social do Codeter litoral sul são determinadas
por condições que facilitam o diálogo e a condução democrática das suas ações, lastreadas na
pluralidade e diversidade das entidades, mas, ao mesmo tempo, enfrentam condições que as
fragilizam, em virtude de mecanismos e processos não eficazes de gestão social no interior do
colegiado, do comportamento individualista de parte de algumas entidades da sociedade civil,
pela ausência das prefeituras e enfraquecimento do colegiado pela falta de apoio governamental
em suas três escalas de poder, especialmente pelo desmantelamento da política territorial no
plano federal, e, por sua condição subordinada aos interesses governamentais.
213

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A consecução deste trabalho foi resultado de um esforço em compreender de que forma


as institucionalidades criadas no âmbito da política de desenvolvimento territorial no estado da
Bahia são efetivas no sentido de fortalecer a gestão social e a governança no Território de
Identidade Litoral Sul (TLS), levando em conta a ampliação da participação social e
constituição de capacidades coletivas e institucionais. Para tanto, o olhar foi voltado para o
funcionamento do Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável Litoral Sul (Codeter
Litoral Sul), principal dispositivo de tal política, bem como sobre as condições que favorecem
ou restringem o seu desempenho. Nesse caso, foram considerados enquanto fatores
intervenientes a formação territorial e suas territorialidades, a formação identitária, o ambiente
institucional e as restrições formais e informais que afetam a estrutura de governança e gestão
social.
Para o atingimento dos objetivos propostos, os resultados obtidos foram fundamentados
nos relatos dos representantes das entidades que compõem o colegiado, considerando a
experiência e engajamento desses atores dentro das novas institucionalidades criadas com a
política territorial. Nesse sentido, a abordagem foi predominantemente qualitativa, com
entrevistas em profundidade, cujo material constituiu o corpus textual, base para a análise
qualitativa de conteúdo.
Adotando um quadro teórico que buscou integrar Desenvolvimento, Instituições e
Território, a pesquisa teve como objetivo investigar as condições que afetam o desempenho do
Codeter e seus efeitos para a constituição de capacidades coletivas e institucionais, voltadas ao
direcionamento das políticas de desenvolvimento territorial no Litoral Sul da Bahia.
Especificamente, compreender de que forma a formação territorial do Litoral Sul impõe
restrições e/ou potencialidades ao fortalecimento da participação e constituição de laços e redes
sociais; Verificar em que medida a participação social tem ocupado lugar a partir das novas
institucionalidades criadas no âmbito da política territorial no Litoral Sul; identificar as
condições decorrentes do ambiente institucional e das restrições formais e informais que afetam
a gestão social e a estrutura de governança territorial.
A primeira questão levantada exigiu um olhar sobre a formação territorial do Litoral Sul
e, consequentemente, sobre a sua identidade. A pergunta que se faz é se os aspectos econômicos
e culturais incrustrados no Sul da Bahia, especialmente na Região Cacaueira, da qual o território
Litoral Sul faz parte, carregam em si os traços daquela “civilização do cacau”, social e
214

economicamente desigual e institucionalmente estruturada em favor de latifundiários e


empresários e, como isso interfere nos processos e estratégias de desenvolvimento territorial.
Quanto a isso, cabe assinalar que de acordo com o que foi encontrado nas entrevistas
tais aspectos tem, sim, um peso significativo, principalmente quando apontaram a
predominância de comportamentos individualistas no Litoral Sul como resultante do seu
passado coronelista. Entretanto, parece fazer mais sentido que a ascensão de relações
clientelistas privadas e estatais (relações de dependência impessoal/mercantil) logo após a
queda do coronelismo (relações de dependência pessoal), seja uma melhor explicação para a
existência de comportamentos que ainda restringem a ação coletiva.
É importante não perder de vista que a formação territorial do Sul da Bahia, com seus
aspectos culturais, econômicos e políticos, foi determinante para a constituição de
territorialidades e instituições responsáveis pela estruturação de interações e relações sociais
que moldaram e ainda interferem na construção de estratégias de desenvolvimento. Nesse
sentido, a identidade territorial representa um componente decisivo, aglutinador e sob o qual
convergem ações tanto do Estado quanto da sociedade, embora isso nem sempre resulte em um
processo de desenvolvimento inclusivo, com justiça social e redução da pobreza.
A identificação dos participantes está fortemente vinculada ao simbolismo
intersubjetivamente construído em torno do cacau e em função das relações econômicas, sociais
e culturais decorrentes dessa matriz econômica. Muito da narrativa de formação do Sul da Bahia
foi para construir uma identidade que legitimasse a estrutura social e econômica criada pela
economia cacaueira, cujos benefícios e vantagens foram apropriados por uma minoria,
ocultando e subalternizando outros modos de vida, de saberes e fazeres, materializados nos
trabalhadores rurais, povos indígenas, comunidades tradicionais, pescadores, comunidades
quilombolas, que ainda hoje lutam por melhores condições de vida e até mesmo por sua
existência.
Compreensivelmente, nasce precisamente deles uma chama de esperança para um
desenvolvimento territorial do tipo inclusivo e baseado na diversidade étnico-cultural, na
diversidade agrícola, nos valores agroecológicos e na conservação da mata atlântica. A luta e
os movimentos em torno destes valores existem, estão presentes na pauta do colegiado, mas
ainda há um longo caminho de lutas e demandas, cujo sucesso depende do fortalecimento dos
espaços de participação, especialmente do Codeter, e da efetividade das políticas públicas no
território.
A esperança também vem do cacau. Embora a região tenha sofrido as consequências de
um modelo baseado na monocultura destinada à exportação, os principais projetos e estratégias
215

de desenvolvimento para o território tem no cacau e no seu valor simbólico, a sua principal
força, a exemplo das iniciativas de produção de cacau fino, da cadeia do chocolate com alto
teor de cacau e da cadeia do turismo, principalmente nos segmentos rural, ecológico e histórico-
cultural. Há também apostas no selo de Indicação Geográfica obtida pelo cacau que vai
valorizar ainda mais a cadeia cacau-chocolate-turismo. O cacau também se destaca por sua
função ambiental e ecossistêmica para o Sul da Bahia, dada a sua estreita relação com a mata
atlântica, qual seja de conservação, como resultado do sistema agroflorestal cacau-cabruca.
Resta saber se esses projetos são capazes de tornarem-se inclusivos, integrando
assentados, agricultores familiares, comunidades tradicionais, povos indígenas, ou seja, tipos
identitários que ainda lutam para se posicionarem e serem valorizados diante de grandes
projetos subjacentes aos interesses de alguns grupos, que se apropriaram da identidade
hegemônica e legitimadora construída sobre as bases da cultura cacaueira.
De fato, as restrições impostas pela identidade cacaueira ainda são determinantes dentro
da estrutura de governança territorial, ou seja, são fatores que condicionam as
institucionalidades em um quadro de mentalidade arraigada ao cacau e resistente à
diversificação produtiva, com relações marcadas por comportamentos individualistas e
clientelistas e que interferem direta e indiretamente na nova arquitetura institucional
proveniente da política territorial, em especial quando se trata da ampliação da participação
social e constituição de coletividades.
A esse respeito, um dos principais desafios a ser enfrentado quando se trata de
empreender estratégias de desenvolvimento territorial no Litoral Sul, diz respeito a formação
de laços e redes que integrem comunidades e unidades socioprodutivas. Os relatos obtidos nas
entrevistas sugerem que os grupos e comunidades atuam de forma isolada em suas localidades,
com pouca ou nenhuma articulação com outros grupos no território cujas demandas e objetivos
sejam comuns. Uma condição que se aproxima daquilo que é chamado de laços fortes.
Quando se olha para a participação e engajamento dos representantes, o conteúdo
analisado trouxe evidências de esvaziamento e enfraquecimento pelo qual vem passando o
Codeter Litoral Sul, com muitas entidades dispersas e ausentes das reuniões plenárias e das suas
discussões. As razões para isso foram identificadas em decorrência de condições e fatores
internos e externos. Dentro dos fatores internos destacam-se o comportamento motivado por
interesses individuais, a descrença no Codeter e fragilidade dos mecanismos comunicação e
controle social. O primeiro fator está associado à falta de compromisso das entidades, ao
individualismo e à atuação isolada dos grupos. O sentimento de descrença no colegiado ocorre
em função da não efetividade daquele espaço, em que seu funcionamento já não oferece
216

respostas às demandas das entidades, com reuniões inócuas, representantes desanimados e com
a necessidade de renovação do quadro de entidades, requisito necessário para revitalizar o
colegiado. O terceiro fator pode ser explicado pela quase inexistência de instrumentos que
garantam o monitoramento e controle social das políticas públicas e das ações do colegiado,
bem como pela interlocução precária com a sociedade.
Quanto às condições e fatores externos que afetam a participação dos representantes no
colegiado e, consequentemente, o seu funcionamento, os relatos apontaram para a extensão
geográfica do território, a falta de apoio e reconhecimento do governo do estado e, também, a
conjuntura política no plano federal. A forma como foi delimitado e dimensionado os territórios
no Brasil sempre foi um fator crítico para a efetividade das políticas territoriais e, no Litoral
Sul, não é diferente. São 26 municípios que compõem o território, com distâncias entre os
municípios que impõem um custo elevado de deslocamento e logística para as entidades.
A falta de apoio do governo do estado também foi um ponto recorrentemente citado,
principalmente em termos de apoio logístico e infraestrutura para o funcionamento do
colegiado. As entidades acabam se afastando pois os representantes não sentem que o Codeter
é de fato uma instância relevante para governo. Outro fator externo que interferiu bastante no
desempenho do colegiado foi a mudança de direção da política territorial no plano federal logo
após o impeachment da Presidente Dilma e que demarcou definitivamente o período de
desmonte da política de desenvolvimento territorial, repercutindo na supressão de
investimentos e, consequentemente, afetando o funcionamento dos colegiados territoriais
inclusive quanto à mobilização e participação dos representantes.
Ao buscar identificar as condições favoráveis e aquelas que interferem no
funcionamento do Codeter Litoral Sul dentro da estrutura de gestão social e governança
territorial, considerando o ambiente institucional e as restrições formais e informais, foram
obtidas evidências de que o colegiado se constitui como um espaço de participação
caracterizado pela pluralidade e diversidade em termos das entidades que o compõem, com uma
gestão social reconhecidamente imbuída de esforços para uma atuação democrática e promoção
do acesso às políticas públicas. Tais condições são essenciais para o Codeter enquanto espaço
institucional de participação, controle social e aprendizagem, e, ainda, considerando que a
diversidade e pluralidade das entidades são valores fundantes da abordagem territorial.
Sobre as condições que interferem no desempenho do colegiado enquanto restrições, a
pesquisa constatou que fatores conjunturais, estruturais, político-ideológicos e institucionais
levaram a uma deterioração e desmonte do apoio governamental e reduzido desempenho
institucional em suas três escalas de poder, dentro da estrutura de governança territorial. Essa
217

condição é explicada, no âmbito macro institucional, pelo desmantelamento das políticas


públicas de desenvolvimento agrário (agricultura familiar, desenvolvimento territorial e política
fundiária) associado a um padrão de desenvolvimento capitalista liberal periférico e, pela
ascensão de uma onda conservadora global. No plano estadual, pela falta de apoio financeiro e
logístico ao funcionamento do colegiado e, na escala local, prevalece um comportamento não
cooperativo e egoístico por parte do poder público municipal.
Outro fator está associado a uma situação que cria barreiras à construção de laços de
confiança e reciprocidade, necessários à formação do capital social. Trata-se da existência
dentro do colegiado e dentre muitas entidades e grupos de um comportamento oportunista e
sem compromisso coletivo. As evidências baseadas nos relatos sugerem que muitas entidades
da sociedade civil e do poder público parecem guiadas por interesses próprios,
descomprometidas com o bem comum e como o interesse coletivo, comportamentos que
restringem a ação coletiva e que podem estar associados aos incentivos para agirem
egoisticamente.
Também foi constatado um conjunto de elementos que apontam para a existência de
fragilidades nos mecanismos de gestão social, associadas a divulgação das ações, identificação
de demandas, promoção e interação entre os atores sociais, controle social da política territorial
e, vinculadas não só à forma como o colegiado é organizado e conduzido, mas também
condicionadas à própria estrutura de governança, especialmente pela falta de apoio e
compromisso governamental em suas três instâncias de poder, pois, muitas das ações
necessárias dependem de recursos materiais, financeiros e humanos.
Outra condição identificada a interferir na efetividade do colegiado é a sua subordinação
ao interesse governamental, manifestada através dos relatos de cansaço dos representantes
diante da sensação de inércia do Codeter e da percepção de que tudo o que é feito atende
unicamente aos interesses e à agenda do governo estadual.
Portanto, ao buscar uma compreensão sobre a constituição de capacidades institucionais
a partir do desempenho do Codeter Litoral Sul, suas condições intervenientes e efeitos sobre o
desenvolvimento territorial, deve-se olhar não só para as condições exclusivamente inerentes
ao colegiado ou aos seus representantes. Para além da responsabilização dos grupos e entidades
que compõem o colegiado pelo individualismo, enfraquecimento da participação e falta de
efetividade, é preciso reconhecer que o funcionamento do daquele espaço sofre os efeitos do
ambiente macro institucional, das restrições informais associadas a cultura e formação
territorial do litoral sul, da falta de apoio governamental, principalmente no plano federal em
decorrência da ruptura e desmonte da política de desenvolvimento rural, com ações deliberadas
218

de enfraquecimento da participação social e popular e, na esfera municipal com a falta de


engajamento das prefeituras.
O Codeter Litoral Sul enquanto dispositivo da política territorial no litoral sul tem sido
um espaço de voz para os grupos e comunidades historicamente desfavorecidos, mas sua
perenidade requer uma valorização muito maior por parte do poder público, um processo
sinérgico que garanta maior empoderamento do colegiado enquanto dispositivo da política
territorial, que garanta um novo alinhamento institucional de valorização das diversas
identidades para além da cacaueira, com estratégias de diversificação agroecológica, a defesa
da mata atlântica e do sistema cacau-cabruca enquanto patrimônios ambiental-histórico-cultural
do Sul da Bahia. Requer também a oxigenação do colegiado por meio da renovação do seu
quadro de entidades, principalmente com a inclusão de segmentos do comércio e da indústria,
e fortalecimento dos mecanismos de governança para criar condições de concertação social,
controle social, mediação de conflitos e coibir oportunismos e comportamentos clientelistas.
219

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234

NOVAS INSTITUCIONALIDADES E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO LITORAL SUL DA


BAHIA: condições intervenientes e seus efeitos sobre a formação de capacidades institucionais

APENDICE
Nome: Idade: Genero:
Entidade: Universidade Federal Setordo Sul da
(poder publico/ | UFSB civil):
Bahiasociedade
Programa de Pos-Graduaÿao emEstado e Sociedade | PPGES
Sobre a entidade Roteiro de entre vista
pacidad
1. Fale um pouco da entidade a qual esta vinculado(a) e como a mesma se posiciona (pauta de reivindicacoes,
Este qido o total sigilo das informaqoes aqui contidas. A pesquisa tern como tenia a "
bandeira de luta etc) diante das discussoes no Codeter. _
xXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Informacoes
Identidade Territorial
Corresponde aos traqos distintos de wna coletividade, elementos naturais, historicos, socioeconomicos, tornando-se elementos
aglutinadores que podem facilitar a coesao social e contribuir para o desenvolvimento do territorio.

2. Em sua opiniao, o que considera como 4. Quais as condicoes associadas a identidade territorial
caracteristicas (economicas, sociais, culturais) que que oferecem restrigoes ou constrangimentos a um
definem a identidade do territorio? processo de desenvolvimento no Litoral Sul?

3. Considera que essas caracteristicas contribuem ou


podem contribuir para o desenvolvimento (economico,
social, ambiental) do territorio? Como? Quais os
desafios para isso?

Participacao social, mobilizacao e fortalecimento do capital social


Considera-se aqui o comprometimento dos representantes com o colegiado;a frequencia e qualidade de sua participaqao, formaqao de
laqos sociais e redes socioprodutivas e incentivo a participaqao da sociedade civil.

5. Como avalia a participacao e engajamento 7. Em sua opiniao, existem lacos e redes sociais
dos representantes junto ao Codeter? constituidas e fortes o suficiente para induzir os atores
sociais a lutar pelo bem comum? Quais os fatores que
facilitam e/ou dificultam esse processo?

6. Em sua opiniao, o colegiado territorial, em sua


trajetoria, atuou e atua na promocao e fortalecimento
da participacao social?
Governanÿa e Gestao Social do territorio 235
Refere-se a gestao do colegiado territorial em termos de capacidade tecnica, atuacdo na andlise e direcionamento dos projetos,
resolugdo de conflitos; articulagao com outras entidades; coordenagdo das agoes do colegiado
8. Como avalia a atuagao do Colegiado no 10. Como avalia a interacao/articulagao do colegiado
atendimento dos interesses e demandas do territorio? com as instancias do poder municipal, estadual e
federal? Como estas instancias interferem no
desempenho e atuagao da gestao social e govemanga
do territorio?

9. Quais os fatores (extemos e intemos) e /ou 11. Em sua opiniao, os municipios que integram
condigoes que tern efeitos sobre desempenho do o territorio dispoem de estrutura de scrvicos
colegiado na estrutura da gestao e governanca institucionais e infraestratura capaz de apoiar as
territorial? iniciativas de desenvolvimento territorial?

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