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CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS AMÉRICAS - FAM

ELISIA OLIVEIRA OTAVIANA PEREIRA – RA:123727


LUANA ALMEIDA SANTOS – RA: 198332
NAYARA VIEIRA DE SOUSA – RA: 343981
THAINÁ SOUZA BARROS – RA: 218517
THIAGO DE OLIVEIRA CÂNOVA – RA: 227212
VALÉRIA CINQUINA – RA: 347707

O COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E A DELINQUÊNCIA EM RESPOSTA AO


DESAMPARO SOCIAL E AFETIVO

Trabalho desenvolvido no curso de


Psicologia Fam, apresentado a disciplina de
Psicopatologia e Saúde Mental da Criança e
Adolescente, sob a orientação da Profª Jonia
Lacerda Felicio.

SÃO PAULO
2023
O COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E A DELINQUÊNCIA EM RESPOSTA AO
DESAMPARO SOCIAL E AFETIVO

Os sintomas que caracterizam a tendência antissocial se referem à presença de


brigas ou intimidações em excesso, episódios de roubo, mentiras, crueldade com
pessoas ou animais, desobediência grave e contínua, fugas, frequentes ataques de
birra, entre outros. Para Winnicott (1958/1999), a tendência antissocial fundamenta-
se em uma privação ocorrida no passado da criança, em um momento em que ela já
consegue perceber que a falha é ambiental, ou seja, quando apresenta uma
diferenciação mínima entre o eu e a realidade. De acordo com o autor, a criança com
tendência antissocial perdeu algo de bom que ocorreu em sua vida, e a duração dessa
retirada extrapolou o tempo em que ela teria sido capaz de reter a lembrança do objeto
e da experiência vivenciada, caracterizando a deprivação. Os comportamentos
delinquentes seriam uma tentativa de reencontrar o objeto e a experiência que foram
perdidos e de reconquistar a autoconfiança.

Winnicott (1958/1999) propõe a existência de duas vertentes para a tendência


antissocial: o roubo e a destrutividade. A primeira refere-se à situação em que a
criança busca a experiência perdida ligada ao seu relacionamento inicial com a mãe
e não a encontra, optando por buscar um objeto substituto. Na destrutividade, a
criança procura uma estabilidade ambiental que não foi encontrada no lar e que deve
suportar a tensão decorrente do seu comportamento impulsivo. É essa estabilidade
que define limites e que vai permitir à criança movimentar-se ou excitar-se, pois sem
ela há angústia e a criança ou se torna inibida ou atua de modo antissocial para liberar
a tensão.

A tendência antissocial, em sua vertente do roubo, estaria relacionada à ausência


da figura materna. Na vertente da agressividade, a tendência antissocial estaria
relacionada à falta de limites, que deveriam ser impostos por uma figura paterna
rigorosa, capaz de conter a criança e de proteger a mãe (Winnicott, 1958/1999). De
acordo com Winnicott, há uma característica positiva nos sintomas da tendência
antissocial, pois a criança comporta-se dessa maneira porque tem esperança de que
suas necessidades não satisfeitas ainda poderão ser atendidas, de forma que os
comportamentos disruptivos refletem uma procura por ajuda.
A tendência antissocial pode ser revertida mais facilmente e retroceder os sintomas
que a criança ou o adolescente apresentarem se forem compreendidos como um
pedido de socorro e forem tratados a tempo, ou seja, perto da origem da tendência
antissocial.

Winnicott estuda a tendência antissocial visando compreender as raízes do


problema, pois é uma tendência que se observada e tratada, pode não se transformar
numa delinquência e posteriormente, numa psicopatia. Para Winnicott, existe uma
linha, onde a tendência antissocial é um distúrbio maturacional, onde tem sua origem
numa falha ambiental. Essa tendência antissocial (sintomas – atos antissociais)
precisa ser compreendida e atendida pelo ambiente, caso não atendida, a criança ou
adolesceste pode ter ganhos secundários e o que seria apenas uma tendência pode
se cristalizar numa delinquência e posteriormente se a delinquência não for atendida,
pode se cristalizar numa psicopatia. Para Winnicott, esse é o caminho da origem até
a psicopatia que seria a questão antissocial cristalizada através dos ganhos
secundários.

Essa falha no ambiente, Winnicott vai chamar de deprivação. Como exemplificado


no artigo Violência, delinquência e tendência antissocial que relata a experiência de
um atendimento a crianças vítimas da violência em uma favela do Rio de Janeiro: “A
deprivação, ou seja, uma perda do ambiente acolhedor já experimentado pelo bebê,
que traz, consequentemente, um conjunto de comportamentos que o autor
denominou de tendência antissocial (Winnicott, 2000b)”.
É importante destacar a diferença do termo “privação” e o termo “deprivação”, pois
a privação (sem o “de”) representa a ausência de cuidados maternos, ou seja, algo
que nunca foi experienciado pela criança, já a deprivação por sua vez, refere-se a
uma perda de algo que já existiu (cuidado materno que já existiu). Sendo assim, a
criança tinha um ambiente acolhedor, de cuidados que abruptamente foram retirados
e que deixa de cuidar de maneira constante. Nessa fase, Winnicott entende que a
criança já tem maturidade suficiente para saber que está perda que ela sofreu veio
do ambiente - não de maneira consciente, mas talvez não totalmente inconsciente.
Ela tem essa percepção que a perda dos cuidados abruptos que foram rompidos veio
do ambiente. Isso reflete na separação do Eu (indivíduo) do ambiente (externo).
Aqui vale pontuar então a Teoria do Desenvolvimento de Winnicott, onde ele divide
em três fases, sendo a primeira fase dependência absoluta, a segunda fase a
dependência relativa e a terceira fase rumo à independência. Na primeira fase,
Winnicott compreende que no início de sua vida, o bebê ainda é completamente
dependente em termos de necessidades físicas, corporais e emocionais do seu
primeiro ambiente acolhedor, a mãe. Para tanto, a mãe precisa desenvolver uma
simbiose com o seu bebê por meio de uma “preocupação materna primária”
(Winnicott, 2000b). A criança ainda está fusionada com a mãe. Na segunda fase,
como no exemplo acima, o bebê já compreende que existe uma separação do EU. É
o início da compreensão intelectual por parte do bebê, aumento da confiabilidade do
bebê em relação à sua própria dependência e a capacidade do bebê de se identificar.
E a terceira fase, se não houve falhas no ambiente, ele é capaz de viver uma
existência pessoal satisfatória, numa realidade externa cada vez mais complexa. É o
momento da socialização e da vivência de relações triangulares em termos afetivos
e emocionais.

Quando a criança é deprivada ela perde a esperança de encontrar aquilo que ela
encontrava na fase de dependência absoluta. Se ela perde a esperança de encontrar
aquilo que ela tinha, ela fica com um certo humor deprimido (que não consideramos
como uma depressão ainda), mas fica descompensada. Se a criança percebe que o
ambiente pode entender aquilo que ela perdeu (ainda ter uma certa esperança), é
onde os atos antissociais começam aflorar. Por isso Winnicott chama a delinquência
como sinal de esperança, o que é totalmente contra o senso comum.

É na hora da esperança que a criança tenta voltar pra antes da deprivação - para o
ambiente que era bom e que ela perdeu. Mas essa volta é feita através dos atos
antissociais e Winnicott coloca os principais deles sendo roubo, mentira (relacionado
com a perda materna) e destrutividade (relacionada com a perda paterna), entre
outros sintomas possíveis. O mais importante aqui é entender que a principal
característica da criança antissocial é que ela incomoda, porque ela vai roubar, mentir,
destruir – mas tudo isso tem a ver com esperança, porque quando ela é deprivada,
ela fica dissociada. Existe uma dissociação da personalidade e essa parte que está
em busca do perdido é a parte dissociada que busca integração. E como o ambiente
se incomoda com esse tipo de sintoma ele é chamado a implicar no cuidado de quem
está passando por esse tipo de sofrimento.

A partir do momento em que o ambiente consegue se reorganizar a tempo de a


criança não perder a esperança (de que vai ser reconhecida na sua perda, ressarcida
daquilo que perdeu e poder de novo encontrar segurança no ambiente), se o ambiente
compreende e age a tempo as chances dos atos antissociais se cristalizarem das
defesas e se tornarem rígidas o suficiente para se tornar uma delinquência são
diminuídas. Winnicott tem um olhar para a tendência antissocial esperançoso de uma
maneira geral, possível de bom prognóstico, mas entende que o cuidado é
fundamental para o desenvolvimento do caso.

Pensando em acompanhamento, a psicanálise tradicional não é o tratamento


esperado para clínica do tratamento da tendência antissocial. Winnicott entende que
ela deve incluir um manejo com uma clínica ampliada, com orientação aos pais, a
escola, o médico que o acompanha, de todo o ambiente. Todo esse contexto ele é
chamado a participar, porque o ambiente total deve estar preparado para atuar junto,
até porque no processo pode ocorrer uma possível regressão. Muitas vezes o
paciente precisa voltar ao momento anterior a falha ambiental para poder ir
restabelecendo a confiança no ambiente.

Com relação ao tratamento para a tendência antissocial, Winnicott (1956/2000)


compreende que os sintomas relacionados à problemática poderão ser sanados se a
figura materna conseguir reconhecer e atender às necessidades da criança e se for
capaz de permitir que ela expresse o seu ódio pela privação sofrida.

Existe também a cura natural dentro da família, onde o próprio contexto familiar
pode curar (se aplica apenas nos momentos iniciais da deprivação. Para casos mais
agravantes é necessário o acompanhamento de clínica ampliada). Como exemplo de
cura natural, podemos exemplificar da seguinte forma: na chegada de um irmão mais
novo onde a criança mais velha passa a se sentir insegura e talvez fique de fato em
segundo plano, se sentindo excluída. Isso indica que o manejo da família não foi
adequado. Mas muitas vezes a família é capaz de enxergar isso e trazer a criança de
volta para um lugar de segurança, enchendo de mimo e reconhecendo que ela perdeu
e podendo fazer com que ela não precise implicar o ambiente mais duramente. Isso
diz muito em como o ambiente pode favorecer a resolução desses sintomas, sem
precisar necessariamente do analista ou terapeuta.

Segundo Winnicott, as atitudes moralistas, retalhadoras, apaziguadoras não


servem de nada nesse contexto, porque caso a criança não possa ser compreendida
ou que aquilo que aconteceu com ela seja compreendido, chegar à origem se torna
um caminho difícil. Existe atos destrutivos que precisam de um contorno e limite, mas
isso não é necessariamente feita através de um olhar moralista.
O valor dessa abordagem que Winnicott trás com seu estudo, é que pensando na
tendência, também podemos pensar em prevenção, que nesse caso, é o melhor
tratamento efetivo para esse tipo de distúrbio. Enquanto tendência antissocial, é
possível que ações sejam tomadas em termos de prevenção, evitando que esse
quadro evolua para delinquência e uma possível psicopatologia.

E vale ressaltar a importância de se pensar na prevenção, que é enfatizada por


Winnicott, quando a criança começa a mostrar os primeiros sintomas a família é muito
importante nesse processo, além de fornecer informação, para que as
famílias/instituições não rotulem uma criança de início como um potencial psicopata,
mas que o sintoma na infância tende a ser um pedido de socorro. “A punição serve
para quem pune, não para quem é punido”, Winnicott.

Outro ponto importante, A transmissão psíquica transgeracional corresponde a um


processo estruturante da organização familiar, que compreende a herança familiar
que ocorre em nível inconsciente, que transita entre os níveis intrapsíquicos e
intersubjetivos (Féres-Carneiro, Lisboa, & Magalhães, 2011) e que faz parte da
constituição do sujeito desde antes de seu nascimento (Santos, & Ghazzi, 2012). A
transmissão ocorre predominantemente em caráter inconsciente e por meio da
comunicação não verbal, a partir da repetição de comportamentos e da forma como
as pulsões se manifestam (Käes, 2001).

O que é transmitido corresponde àquilo "que não contém, aquilo que não se retém,
aquilo de que não se lembra" (Käes, 1998, p. 9). Pode também ser transmitido aquilo
que mantém os vínculos familiares, como os mecanismos de defesa e as
identificações (Käes, 1998; Valdanha, Scorsolini-Comin, & Santos, 2013).

Eiguer (1998) propõe uma teoria da transmissão psíquica transgeracional que se


baseia na ideia de que há um campo de forças psíquicas inconscientes, resultante de
um trabalho de sucessivas gerações. O papel assumido por cada membro na
dinâmica familiar influencia os outros envolvidos, uma vez que há circulação de
fantasias entre os membros, culminando com a instauração de um espaço simbólico
no qual habitam angústias e medos (Figueiras et al., 2007).

O que se transmite na cadeia intergeracional corresponde a representações de um


objeto que são colocadas em um outro por meio da intermediação de um sujeito,
sendo que esse indivíduo foi eleito porque já investiu e erotizou o objeto
anteriormente. Desta forma a psicopatologia do transgeracional estaria relacionada
ao fato de os filhos vivenciarem como seus os traumas de seus pais ou avós que não
puderam ser elaborados pelas gerações que os precederam.

CONCLUSÃO

A tendência antissocial e o comportamento delinquente na infância é resultante de


um contexto vivenciado pela criança ainda nos seus primeiros anos de vida, e que
refletem em características e comportamentos apresentados por elas ao longo do seu
desenvolvimento, notamos claramente essa afirmação quando observamos as
crianças ilustradas nos dois textos onde temos no primeiro “Violência, delinquência e
tendência antissocial. Sobre a experiência de um atendimento a crianças vítimas da
violência em uma favela do Rio de Janeiro” um exemplo de deprivação real, com a
retirada da figura materna e no texto “Psicodinamismos da tendência antissocial: um
estudo transgeracional” um exemplo de deprivação psicológica, onde a figura materna
ainda estava presente.

A tendência antissocial indica que a criança/bebê, pode experimentar um ambiente


suficientemente bom na época de dependência absoluta materna, mas que foi perdido
posteriormente, assim o ato antissocial seria uma forma de “esperança” de que o
mesmo venha a redescobrir aquela experiência boa anterior a perda, ou seja, é quase
que uma reivindicação por aquilo que lhe foi retirado.

Com isso, podemos concluir que a criança que sofreu deprivação traz consigo um
histórico de experiências traumáticas, o que resulta em um modo diferente de interagir
com o ambiente e pessoas ao seu redor, mas com o investimento certo de atenção
ao caso tanto por parte da família, escola e terapeutas, ela tem a possibilidade de se
recuperar, não evoluindo para casos permanentes e psicopatológicos no futuro.

QUESTÕES PARA DEBATE

1) Qual o melhor momento para uma intervenção para que a psicopatia não surja
no indivíduo?

R: O melhor momento é logo no início do sofrimento da criança ou do adolescente,


ou logo nas primeiras atitudes de atos de delinquência na escola e/ou em casa, para
que não agrave a situação e a sua saúde mental e não leve a psicopatia. Por isso é
muito importante ter um acompanhamento de um Psicólogo através de psicoterapias.
2) O que Winnicott quer dizer com a afirmação “A delinquência como sinal de
esperança”?

R: A criança anti-social, está buscando o amor da mãe, mas também do pai severo e
forte que a contenha. Winnicott explica como a provisão ambiental deveria ser
fornecida, afirma: “...pode-se oferecer-lhes um ambiente estável e forte, com
assistência e amor pessoais, e doses crescentes de liberdade” (p.133). Ele comenta,
que o cuidado com esta criança com sintomas antissociais vai ficando cada vez mais
difícil, na medida na medida em que ela evolui para a delinquência: “Na delinquência
plenamente desenvolvida, a situação fica difícil para nós como observadores porque
o que nos chama a atenção é a necessidade aguda que a criança tem de um pai
rigoroso, severo (...) O pai rigoroso que a criança evoca também pode ser amoroso,
mas deve ser, antes de tudo, severo e forte” (Winnicott, 1946/1999, p.131).

A conjugação de amor e força, força está representada pela necessidade que essas
crianças têm de alguém de dê continência a seu comportamento impulsivo, é a
proposta da concepção winnicottiana para cuidar das crianças e jovens anti-sociais.
Sabemos, contudo, que um ataque de agressividade também traz uma reação do
meio a esse gesto anti-social. E o que vemos, como norma, é a aplicação de punições
a criança que rouba, grita, destrói, ao mesmo tempo em que os crimes dos
delinquentes despertam, na sociedade, um desejo de vingança.

Sendo assim, quando não é eficaz a busca que esta criança implementa, do
acolhimento amoroso da mãe e pelo pai, no limite dos braços que a contenham em
seus impulsos agressivos dirigidos ao ambiente, isso a leva a se tornar cada vez mais
“inibida” no amor e, por consequência, cada vez mais deprimida e despersonalizada,
acabando finalmente, por ser incapaz de sentir a realidade das coisas, exceto a
realidade da violência”. (Winnicott, 1946/1999, p.131).
REFERENCIAS:

Medeiros, AP; Santos, MA; Barbieri,V. Psicodinamismos da tendência antissocial: um


estudo transgeracional. Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol. 29, n. 2, p. 275-295, 2017.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
56652017000200008&lng=pt&nrm=isso>. Acesso em 18 de mar 2023.

Paiva, RLS; I; Zamora, MHRV; Vilhena, J; Silva, SG Violência, delinquência e


tendência antissocial. Sobre a experiência de um atendimento a crianças vítimas da
violência em uma favela do Rio de Janeiro in Estudos e Pesquisas em Psicologia
vol.15 no.3 Rio de Janeiro nov. 2015. Disponível em: <
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v15n3/v15n3a07.pdf >. Acesso em 18 de mar 2023.

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