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A Teoria do Desenvolvimento Emocional de Wilfred Bion: (BLEICHMAR e


BLEICHMAR, 1992)

LIVRO: “A psicanálise depois de Freud: teoria e clínica”. Editora Artes


Médicas, 1992.
- Psicanalista inglês pertencente ao grupo de Melanie Klein, com quem se
analisou;
- Foi presidente da Sociedade Psicanalítica Britânica;
- Interessou-se de maneira especial pela análise de pacientes psicóticos;
- CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE BION:

- CONTINENTE-CONTEÚDO:
O bebê tem necessidades corporais, mas também psicológicas. Uma
destas é a de contar com um objeto externo no qual possa derramar suas
angústias. Que tipo de angústias? De 0 a 5 meses angústias de
aniquilamento e persecutória, necessitando que a mãe tolere/contenha a
projeção de sua pulsão de morte e permita a introjeção do objeto bom (o
predomínio das experiências gratificantes, o colo aconchegante, vão
possibilitar isto ao bebê).
Quando a angústia é muito intensa, em especial pelas fantasias
persecutórias, a criança deve poder descarregá-las em sua mãe (chorando
ou não querendo mamar, por exemplo). A boa mãe (ou mãe continente)
não insiste em amamentar nestas condições. Espera que naturalmente,
após se sentir seguro, o bebê busque o seio. A mãe continente aguenta o
choro do seu bebê sem se angustiar junto com ele ou sem oferecer mamá
a fim de conter seu choro. A mãe continente entende que seu bebê não
está com fome e sim simplesmente angustiado (em razão de suas
fantasias) e o que precisa é apenas que ela suporte o seu choro, o seu
desconforto. Ela, se tiver certas capacidades emocionais como a
CONTINÊNCIA, poderá absorvê-las, metaboliza-las, devolvendo-as de
maneira menos angustiante e, portanto, mais assimilável para seu filho.
Assim, é a mãe que acalma quando há um pesadelo ou durante um
momento de intranquilidade (Como por exemplo quando a criança cai e se
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machuca muito, ou agora, diante da pandemia do coronavírus, esta mãe


filtra as informações para seu filho, suaviza o problema pra ele, evitando
demonstrar desespero com a situação ou evitando que ele fique exposto
às notícias dos telejornais sobre o coronavírus... Em lugar disso, ela tenta
oferecer a ele outras opções mais sadias para o seu psiquismo, como um
jogo, uma leitura, oportunizando a ele uma conversa dele com um amigo
pelo celular...). Pode fazer uso das palavras ou não; o que importa é como
recebe a angústia e a amortece.

Se a mãe se angustia muito e, em lugar de ser continente, devolve a


angústia à criança (por exemplo, sai correndo da criança quando ela cai e
sangra, ou tem crises de pânico com as notícias do coronavírus, ou se
desespera quando percebe que ele tocou no chão e depois tocou em seu
próprio rosto, podendo contrair o coronavírus) esta pode cair no estado
chamado “terror sem nome”. É papel materno, segundo Bion, exercer a
Função Alfa para seus filhos, ou seja, a função que implica em auxiliar na
nomeação das emoções e sentimentos, de modo a proteger a criança do
terror sem nome. As angústias que a criança não consegue identificar e
nomear, são chamadas por Bion de Elementos Beta. Então o papel
materno é o de exercer uma “alfabetização emocional” para seus filhos,
evitando o caos psíquico e o risco de psicossomatizações. (Dessa forma,
sempre que a criança se queixar de alguma dor ou desconforto físico, o
ideal seria primeiramente verificar se a criança está com medo de alguma
coisa ou situação, se está triste, com raiva, ansiosa por algo..., pois ela
pode estar com dificuldade de entrar em contato com seus sentimentos a
respeito de algo que a está afetando emocionalmente, como por exemplo
agora diante da pandemia, ou quando ela vive alguma mudança como o
nascimento do irmão, a separação dos pais, a morte de alguém querido, o
primeiro dia de aula, a mudança de residência, uma viagem... )
A relação Continente-conteúdo se expressa como algo complementar
entre a projeção da criança e a receptividade materna. A mãe é
continente do projetado, recebe-o e o processa. Bion designa com a
palavra rêverie (devaneio) o estado de receptividade materna. O bebê
necessita desta função da mente da mãe para poder enfrentar suas
intensas angústias.
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Bion, assim como Klein, acredita que a angústia está ligada ao sadismo e à
pulsão de morte. A criança expulsa (projeta) as emoções e fantasias que
não pode suportar (quando está com frio após o banho, com a fralda
molhada, com fome, com dor...) que lhe fazem sentir-se em perigo de
aniquilamento e desintegração. Para (nas outras etapas da vida) o sujeito
poder pensar ou tolerar qualquer emoção de certa intensidade e que
envolva um sofrimento psicológico (como a pandemia e suas
consequências econômicas, políticas, na saúde, nos hábitos, ou quando se
separa de alguém, quando perde alguém para a morte, diante de
fracassos OU de situações naturalmente traumáticas como um estupro,
um assalto, um acidente, uma catástrofe) é necessário que a mãe tenha
realizado bem sua função continente. Por identificação com esta
capacidade materna, adquire-se o “anteparo interno”, que permite o
processo secundário (ou seja, de adiamento da descarga dos impulsos,
que vai favorecer a capacidade da sublimação e da formação simbólica de
representação (escolha profissional), processos responsáveis em favorecer
atitudes mais sofisticadas e menos impulsivas/primitivas), o juízo de
realidade (a capacidade de diferenciar fantasia (o meu desejo) de
realidade (a coisa tal como ela realmente é) e a demora na descarga das
pulsões (ou seja, maior tolerância e menos imediatismo, que é um
processo secundário).
Quando alguém não tem esta capacidade continente interna adquirida
no vínculo com sua mãe, em qualquer situação de tensão, elimina
projetivamente, o aspecto ansiogênico em um objeto externo (podendo
apresentar-se em suas relações e diante das demandas de sua vida, de
modo intolerante, ansioso, imediatista e inseguro). Nos períodos de férias
da análise, é comum o acting out dos pacientes. Exs: beber mais, fazer
sexo de modo promíscuo, compulsivo e inseguro, comer
compulsivamente, usar drogas, andar em alta velocidade, envolver-se em
brigas, comprar mais...
Para Klein, o problema principal que leva ao desenvolvimento de
psicopatologias é de origem interna, ou seja, as pulsões e fantasias sádicas
da criança dificultando a sua assimilação dos aspectos bons no vínculo
com seus objetos de amor. Outros autores, com um critério ambientalista
como Winnicott, sustentam que a falha materna é a responsável direta
pela doença mental grave. Bion mostra a interação de ambos os
fenômenos. Assim, para este autor, as possibilidades de saúde mental são
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melhores quando o bebê não tem fortes pulsões agressivas, e a mãe por
sua vez, possui uma adequada capacidade continente.
Quando a mãe não realiza o processo de metabolizar as angústias e, em
lugar de diminuí-las, as aumenta, o bebê não adquire o anteparo interno
para pensar e sentir, que lhe permite depois desenvolver bem os
processos educativos (de tolerar bem e assimilar regras de conduta, como
ter que usar máscaras na pandemia do coronavírus, manter
distanciamento social, higienizar as mãos, respeitar as regras de trânsito,
respeitar a privacidade das pessoas, ter autocontrole, porque tudo isso
requer ADIAMENTO DA DESCARGA PULSIONAL, o que para ele é algo
muito difícil já que não tem o anteparo interno para sustentar esta tensão
provocada pelo adiamento dessa descarga dos impulsos) e de socialização
(para que consigamos estabelecer relacionamentos satisfatórios com as
pessoas, precisamos ser capazes de atitudes sofisticadas, que refletem um
funcionamento mais secundário e menos primitivo e
imediatista/impulsivo. Em outras palavras, é necessário que tenhamos
desenvolvido, por IDENTIFICAÇÃO COM A CONTINÊNCIA MENTAL
MATERNA, a necessária CONTINÊNCIA para nossas próprias angústias e
tensões psíquicas).
Quanto à técnica psicanalítica, esta teoria de Bion ajuda o analista para
que possa ser mais receptivo diante dos estados mentais de seus
pacientes. É imprescindível que o terapeuta suporte as emoções que seu
paciente projetar nele. Quando o paciente não pode tolerar a espera,
deixará seu analista esperar; quando sente ciúme, organizará situações
nas quais o exclui; outras vezes projetará nele sentimentos de inveja,
questionará seu narcisismo (Ex: você acha que sabe tudo sobre mim... ou
você acha que só a Psicologia pode me ajudar... ), em suma, o colocará a
sua disposição para evacuar as angústias insuportáveis que sente dentro
de si. Uma das funções do analista, é a de diminuir o sofrimento do
paciente, alcançada por sua capacidade continente (aguentar os
questionamentos e ataques, sem retaliar o paciente com atrasos, faltas,
esquecendo de sua sessão...), pela interpretação dos conflitos e pelo
insight (favorecendo esse insight) do paciente. Muitos de nossos erros
técnicos se originam quando não podemos suportar as emoções que o
vínculo com o nosso paciente produz. O terapeuta dessa forma, vai se
sentir incomodado (podendo se esquecer da sessão do paciente,
agendando outro paciente em seu lugar por acidente...), vai corresponder
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à erotização do paciente, vai irritar-se, assustar-se, sentir ciúme, pena,


inveja do paciente, medo, entre outros sentimentos.
Boa parte do efeito benéfico da psicoterapia depende de que o paciente
encontre em seu terapeuta alguém que o escute, acalme e suporte as
projeções. A Esquizofrenia, o autismo, a dependência química e o
alcoolismo, são doenças crônicas e que não tem uma cura, mas faz toda a
diferença para o paciente poder contar com um terapeuta que funcione
pra ele como o anteparo que ele não tem internamente, para suas
emoções e sentimentos pois aos poucos, a cada sessão, o paciente vai se
identificando com esta CONTINÊNCIA de seu terapeuta, vai internalizando-
a.
- CONCEITO DE OBJETO BIZARRO: termo relativo ao que acontece com os
pacientes psicóticos que se movem no mundo rodeado por objetos
bastante peculiares (vinculam-se com seres fantásticos, por objetos que
adquirem vida e vontade própria...). Um objeto bizarro pode ser uma
lâmpada que ri, um sofá que sufoca, ou a presença de algo sinistro. A
explicação de Bion é que o psicótico realiza identificações projetivas de
partes de seu aparelho mental e de emoções intensas dentro do mundo
físico que o rodeia.
Entre as muitas observações que Bion fez a respeito do tratamento de
esquizofrênicos, é o fenômeno que se refere ao ataque que estes
pacientes fazem ao vínculo com o terapeuta e ao pensamento deste. A
inveja do paciente é o que parece mobilizar este ataque ao terapeuta e
sua capacidade de pensar.
Uma proposta audaz de Bion é considerar que existe uma parte psicótica
da personalidade em todo sujeito, caracterizada pela intolerância à
frustração, o predomínio das pulsões destrutivas e da inveja e o temor a
um aniquilamento iminente (pessoas que tem grande dificuldade de
adaptação a mudanças, tendendo a resistir a elas ou a ressentir-se demais
com estas mudanças, como na pandemia... seria a dificuldade de
resiliência)

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