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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE FRANCA Uni-FACEF

Profa. Dra. Irma Helena Benate Bonfim

O PERFUME: análises psicanalíticas e interpretações pessoais

Discente: Stella Follis Camargo, 23412


Psicanálise II

FRANCA
2023
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SUMÁRIO

1.0. Interpretações Textuais.............................................................................3

1.1. Donald

Winnicott.............................................................................3

1.2. As ansiedades da gravidez:

Soifer..................................................4

2.0. O Perfume.................................................................................................5

3.0. Reflexões Pessoais...................................................................................7

4.0. Considerações Finais................................................................................8

5.0. Referências...............................................................................................8
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1.0. INTERPRETAÇÕES TEXTUAIS

1.1. DONALD WINNICOTT

Winnicott foi um pediatra e psicanalista que nasceu na Grã-


Bretanha em 1896. Estudou na universidade de Cambridge biologia e
medicina, trabalhou por 40 anos no The Queen’s Hospital for Children como
pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista. Escreveu revistas para o público
geral e discutia problemas das crianças e das famílias.
Filho de um pai empreendedor e mãe dona de casa com
tendências depressivas, foi o primeiro pediatra a se tornar psicanalista. Se
interessou pela psicanálise ao perceber que não se recordava de seus sonhos.
O autor escreveu sobre o estudo do bebê e da mãe como unidade
psíquica – se conteve ao estudo da mãe e do bebê por motivos de o próprio pai
ter sido ausente-, por isso, para ele o bebê não existe, mas existe mãe-bebê
por serem uma unidade psíquica. Cunhou termos como mãe suficientemente
boa, preocupação materna primária, objetos e fenômenos transicionais e
outros. Para ele, quando a mãe tivesse gestos espontâneos e uma resposta
favorável, o bebê desenvolveria o verdadeiro self; se isso não acontecesse, o
falso self seria mais evidente (a pessoa seria moldada em desacordo com o
que realmente sente e pensa).
Durante seus estudos, Winnicott percebeu que a noção de EGO
não existe, mas sim a simbiose mãe-bebê e, a partir das experiências tradutora
e continente, a integração ocorre. Assim, a existência não é dada, ou inata,
mas sim construída a partir de um ambiente afetivo (ambiente mãe). O
ambiente afetivo é aquele em que há um objeto bom e mau, que frustram, mas
também gratificam, e entende os desejos e fantasias do bebê e, a partir das
experiências, traduzem o mundo à criança e acolhe suas fantasias de modo a
manter contato com a realidade. Sob essa perspectiva, o bebê tem uma
tendência inata a integração, mas isso pode ou não ocorrer de acordo com o
ambiente – se for facilitador, ocorrerá.
Winnicott também cunhos os termos holding, sustentação física e
psicológica dada pela mãe que favorece a constituição do ego do bebê, a
formação da “pele psíquica”, e handling, manuseio corporal nas atividades que
favorece a localização ou reconhecimento do self em um corpo, ou seja,
formação da “pele psíquica”. Ademais, considerava que as experiências
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vividas, internas ou externas, possuem qualidade diferencial dada pelas


diferentes formas possíveis de interação. A partir disso, o ponto de partida para
o conhecimento do funcionamento psíquico se funda nas condições
constitucionais e nas relações ambientais que o circundam.
De acordo com o psicanalista supracitado, a vida se funda em três
condições básicas: integração (proporcionada por um ambiente facilitador),
personalização (se sentir em um corpo) e realização (percepção de um mundo
interno que não se tem controle).
1.2. AS ANSIEDADES DA GRAVIDEZ: SOIFER
A gravidez é um momento na vida da mulher de muitas
mudanças. A regressão é o principal fenômeno que ocorre desde o início da
gravidez, pois a mãe se identifica com o bebê e relembra de seu bebê interno e
sua relação com a mãe. A primeira suspeita de gravidez ocorre sobre o sintoma
da sonolência, este é um indício de regressão pela percepção inconsciente de
mudanças orgânicas e hormonais. Assim, a mulher afasta os estímulos para se
recolher em repouso, e os sonhos são baseados em objetos continentes,
crianças ou animais pequenos. Com isso, vem a incerteza e a negação de se
estar grávida ou não. Muitas vezes, a mulher mesmo com os exames não se
sente grávida pelo bebê não demonstrar sua existência concreta para a mãe,
somente por via do ultrassom. Nesse momento, é comum também a
apresentação de terrores noturnos ou alguma ligeira enfermidade.
Essa incerteza supracitada demonstra as vivências persecutórias
que existem na própria mãe: sentimentos de culpa infantil pelos ataques à mãe
ou desejos de ocupar seu lugar, medo de, por estar grávida, perder a própria
mãe. O vômito é característica importante deste cenário, uma vez que quando
existiram situações em que a mulher de fato se viu prejudicada pela sua mãe, a
grávida tende a expulsá-las por medo de não serem capazes de proteção ao
próprio filho ou temerem serem insuficientes.
Durante a formação da placenta, sonhos que simbolizam o
movimento orgânico e que tenham a ver com nutrição são comuns. Ademais, o
perigo do aborto nessa época específica é muito evidente e o mecanismo
inconsciente de expulsão se ativa. Com isso, não existe uma mulher que não
desejou a gravidez, pois quando uma mulher engravida, significa que de
alguma forma ou outra a tendência à maternidade superou o terror aos filhos,
então quando ocorrem fenômenos de expulsão (como a diarreia), significa que
atinge um aspecto menor que o desejo da gravidez. Portanto, o apoio social é
fundamental na gravidez para que também a mãe seja contida em suas
ansiedades.
Após os três meses de gravidez, a mãe experiencia os
movimentos do bebê, que são descritos como pontapés. Nesse caso, o
mecanismo que implica é a projeção pois a mãe fantasia terrorificamente, a
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criança é sentida como algo perigoso que podem ameaçar e causar danos à
mãe; são fantasias hostis em relação à própria mãe grávida. Pode aparecer
medo da própria morte com a sensação de estar cedendo a vida ao filho, que
se passa por um desconhecido.
Por outro lado, podem ocorrer manifestações maníacas de
intensa idealização. A partir disso, ocorre também o medo da criança disforme
a partir de uma fantasia terrorífica e monstruosa que também tem a ver com
temor da incapacidade de criar e educar bem o filho. Ademais, a percepção dos
primeiros movimentos do bebê, concomitante ao medo do filho disforme, pode
acarretar temores de morrer no parto, corpo disforme e medo de permanecer
assim. Os sonhos dessa fase têm a ver com bebês que falam, que indica
presença de conflitos edipianos. Em outras dimensões, o pai, por sentir na mãe
uma união íntima com o filho e invejá-la, pode enxergar a mulher como única e
pura e rejeita relações sexuais, podendo até procurar em relações
extraconjugais.
Na esteira desse raciocínio, a partir do quinto mês, a mãe sente
os movimentos como mais bruscos, e a sensação de que algo estranho está
presente promove a impressão de que algo está empurrando os órgãos. O
parto prematuro a partir disso, tem relação com a percepção e o nível de
ansiedade, temor da incapacidade de criar bem o filho e negação persistente.
No final da gestação, a incerteza de quando será o parto, como
será o bebê e como será sua criação invadem o psiquismo materno; o temor à
morte no parto também é presente. Às vezes, a defesa é tão grande que a mãe
acaba com as incertezas por meio do parto prematuro e, quando a ansiedade
se torna intolerável, transtornos psicossomáticos aparecem, ou até psicoses e
depressões pós-parto.

2.0. O PERFUME
Para Winnicott, o bebê não existe, o que existe é a relação mãe-
bebê, assim, o senso de eu e de existência não ocorre no momento do
nascimento, mas sim é construído por um ambiente facilitador que apresente o
mundo, um outro e constrói a pele psíquica do bebê aos poucos. O que ocorre
quando não há esse ambiente facilitador, ou um objeto primário que frustra e
gratifica o bebê? Há diversos Jean Baptiste no mundo, ou em momentos da
vida de alguém.
Nas primeiras cenas do filme, deparamos com o desconforto do
parto de um bebê no meio de um lixão, deixado para morrer, o cordão umbilical
sendo cortado com um facão de peixe, um bebê chutado e escondido como se
fosse algo escrupuloso ou digno de vergonha. Todos seus irmãos foram
abortados, somente ele viveu por conta de sua característica mais marcante- o
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inalar. Desde o momento do nascimento, ele não teve contato com 2


características principais para a constituição do senso de EU – o holding e o
handling. Quando nasceu, foi jogado, sequer encostado pela mãe, jogado para
morrer. Assim, seu senso de EU foi descartado assim como seu corpo, o
personagem do filme fica com seu psiquismo tão primitivo que “para” no
sensório.
Para Soifer (1980), a mãe de Jean possivelmente foi tomada por
suas ansiedades terroríficas em todas as vezes que ficou grávida – não é só
seus filhos que são jogados no lixão para morrer, mas ela também vive neste
local e, ao acontecer sua regressão, entra em contato com seu bebê interno e
o expulsa da mesma forma que sua mãe a expulsou em sua fantasia,
literalmente joga fora o bebê interno. Nesse raciocínio, a mãe desejou ter os
bebês -pois estava grávida-, mas não sustentou seus desejos de forma
continente∕ não teve ambientes continentes para que suas ansiedades não a
dominassem.
De acordo com a teoria winnicottiana, o bebê não existe, mas sim
a simbiose mãe-bebê, mas o personagem do filme (não poderíamos dizer o
protagonista) não teve sequer a simbiose, estando em um estado atrás desta.
Jean não é percebido se não pela agressividade dos outros, mas não se torna
relevante, para ele próprio, seu corpo não tinha um odor, então não existia.
Para Winnicott, a existência da vida ocorre em 3 situações: a integração,
personalização e realização, logo, não foi possível que Jean se integrasse sem
antes vivenciar experiência de um objeto bom, nem se personalizasse sem ter
algo continente e tivesse realização, pois a realidade era uma extensão de si.
O personagem não matava as mulheres com o objetivo de matá-
las, pois não sabia o que era vida em si, ficava na inocência do sensório e, por
não ser reconhecer como ser distinto, percebia o mundo como extensão de si,
portanto possuía-o, era para extrair o odor. Para Jean Baptiste, ele somente
existia se conseguisse cheirar -então, quando não sentia cheiro de algo, como
no caso do vidro, se sentia muito irritado como se sua existência não valesse
de nada; ele estava funcionando antes, obviamente, do Princípio da Realidade,
mas mais ainda, antes do Princípio do Prazer, pois sem senso de existência,
não se pode experimentar o prazer. Quando irá se aproximar mulheres nuas
não tinha interesse sexual, somente sensorial, era uma questão de sentir
cheiros.
No filme, o personagem busca incansavelmente por cheirar coisas
novas, ou encontrar cheiros pois somente isso o fazia se sentir vivo, tanto que
quando entra em uma caverna, gosta da sensação de descansar por não
procurar estar vivo, mas logo é tomado por angústia por talvez não existir.
Nisso, até fantasia que a moça de Paris não o via pois era inodoro. No fundo, o
protagonista sabia que ele não tinha cheiro, portanto não existia mentalmente,
por isso seu objetivo era apossar-se de um perfume, ou seja, para ele, uma
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alma e se torna um serial killer justamente pelo anseio de algo que não viria
somente de fora em um estado tão primitivo.
Como Grenuille nem sequer experimentava o Princípio do Prazer,
estando em um estado mais primitivo, pode-se concluir que estava na posição
autística-contígua, pois não reconhece a existência de um outro, nem sequer a
dele mesmo. Não possui nem um objeto transicional, pois não teve uma
“primeira” parte para poder transitar para uma segunda, sua pele psíquica não
foi formada pois não foi tocado, cuidado – foi um estado mais primitivo que uma
manipulação grosseira da mãe, foi ausente, e grosseira do mundo. A partir
disso, é possível ver como um ambiente afetivo seria algo primordial para o
nascimento psíquico, e como a ausência deste pode acarretar consequências
não cinematográficas, mas do dia a dia, principalmente em uma clínica de
psicologia.

3. REFLEXÕES PESSOAIS
Durante o filme, fui tomada diversas vezes pelo sentimento de
torcer para que Jean Baptiste fosse reconhecido por si próprio, mas não
ocorreu. Me veio a pensar o porquê disso. A partir das leituras e associações
teóricas, pude perceber que seu estado era tão primitivo que necessitaria
realmente de um outro tradutor, assim como todos nós precisamos. Uma cena
que me marcou foi o nervosismo quando fica indignado que não consegue
sentir o cheiro do vidro, nem o perfumeiro; foi somente naquela cena que
percebi que sua angústia não era somente “ter que ser o homem que sente
tudo”, mas sim uma angústia de cunho existencial.
Fui tomada diversas vezes por entender o porquê de ele cortar o
cabelo das mulheres quando as matavam (já havia percebido que matava sem
saber o que estava fazendo, inclusive ainda acho que se as mulheres o
deixassem passar a gordura e fazer a raspagem, não as mataria). Com o
tempo, pensei na possibilidade de que sua mãe não existiu para ele, não teve
os cuidados principais, nem sequer o tocou e, principalmente para a época do
filme, o cabelo longo seria a característica mais marcante de uma mulher,
portanto penso se o cortar o cabelo também não seria uma forma de projetar
nas mulheres sua relação com a figura feminina, a mãe: cortada, cindida.
Outra questão foi que percebi que quando ele foi tomado pela
primeira vez pela sensação de objeto bom (moça de Paris), entra em um
estado obsessivo de ter, o que também acontece com os bebês, eles têm
vontade de possuir aquele objeto bom e somente o experimentá-lo, além de o
idealizar. Mas no caso do filme, essa una experiência não é suficiente para
nem chegar a uma posição esquizoparanóide, tamanha desintegração do ego.
Confesso que na hora do filme eu ficava confusa, pensando nessa posição,
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chegando em nenhuma conclusão pensando que nem era fato de cindir o


objeto em bom e mau, nem isso. Agora sei o nome: posição autística-contígua.
Um fato que me irritou no filme foi que eu achei que Jean nunca
iria conseguir estar satisfeito com a coleção dos perfumes, por isso fiquei muito
intrigada com o final do filme, por mais que toda aquela euforia seja fantasiada.
Depois, com as discussões em sala e com os colegas percebi que até ele
mesmo já sabia internamente que não existia psiquicamente, por isso o
perfume nem foi projetado por ele, não é ele o protagonista da história, mas
sim a coisa, o perfume, por isso foi completo, era um estado-coisa. No final,
Jean Baptiste volta no mesmo lugar que o início após perceber que a procura
pela coisa-perfume não era suficiente, e volta a ser aquele bebê que nasceu,
jogado.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dessas reflexões, foi possível perceber a importância de
todos aqueles conceitos, de início abstratos para mim, de Donald Winnicott e
foi possível imaginar como as ansiedades da gravidez descritas por Soifer
podem influenciar na hora do parto e da relação com o bebê. Como é
importante ter um ambiente afetivo, tradutor, a manipulação correta do bebê e,
por mais que ele tenha as fantasias individuais, ser continente – que é o papel
do analista.
Assim, junto com minhas reflexões, auxílio da teoria e discussões
com colegas, vou montando o quebra-cabeça da psicanálise e de como
atender um paciente e perceber essas nuances (não em quesito receita de
bolo, mas quesito construído e reflexivo, pois cada vivência é uma). Logo, o
filme foi capaz de nos mostrar como é a vida de alguém cindido, sem o Ego
construído e a importância primordial de se conhecer a história de uma pessoa
(se não, pensaria com raiva, como se fosse um assassino frio, mesmo que
fosse, há uma história por trás que merece ser ouvida, compreendida, contida).
Na clínica, receberemos pessoas assim, totalmente, ou parcialmente, e como
tais visões constroem, aos poucos, o ser-analista.

REFERÊNCIAS
MEDEIROS, C.; AIELLO-VAISBERG, T. M. J.. Reflexões sobre holding e
sustentação como gestos psicoterapêuticos. Psicologia Clínica, v. 26, n. 2, p.
49–62, jul. 2014. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/pc/a/wLtHmFGfDBWy4vR5Mwdt9Nb/?lang=pt#. Acesso
em 13 de maio de 2023.
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Quem foi Winnicott. Gesto espontâneo: psicanálise e cultura, 2018.


Disponível em: https://www.gestoespontaneo.com.br/quem-foi-winnicott/.
Acesso em 13 maio de 2013.
RIBEIRO, Paulo de Moraes M. Análise do filme: “Perfume: a história de um
assassino”.
SOIFER, Raquel. Psicologia da gravidez, parto e puerpério. Trad. Ilka Valle
de Carvalho. Porto Alegre, Artes Médicas, 1980. 

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