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C) Desafios vivenciados e expectativas das famílias em relação a criança

Ter expectativa é quando se espera que uma situação ou momento ocorra, portanto, os
seres humanos estão sempre tendo ou sendo impostos às diversas expectativas sejam
elas conscientes ou inconscientes. A expectativa existe desde antes do nascimento e
acompanha toda a trajetória de vida do indivíduo, inclusive, perpetuando, até depois da
morte.
Falaremos especialmente sobre a expectativa da maternidade e a expectativa que os pais
têm sobre o filho. A expectativa da maternidade está relacionada com uma construção
histórica e social, ou seja, são determinadas de acordo com a época vivenciada e sobre
as características econômicas e políticas da sociedade vigente. Por exemplo, antes do
advento do modelo econômico e político denominado capitalismo, não existia uma
noção da infância e nem da própria maternidade. Pois era negado o lugar da infância no
mundo, prevalecendo uma enorme indiferença da família sobre as crianças, período esse
marcado por altas taxas de mortalidade infantil.
Logo, a ideia de maternidade e a do amor materno, foram criadas e propagadas pela
consolidação do capitalismo e das normas burguesas que transformaram as regras
sociais, as relações entre os indivíduos e a própria estrutura familiar. A Criança agora
adquire um valor mercantil, e as mulheres passam a ter um papel central na criação e
cuidado da criança. Impondo-se a figura feminina, a ideia do amor incondicional à
criança e a pré-disposição natural a maternidade (Resende e Bedran, 2017) A
expectativa materna até os dias atuais segue essa lógica capitalista, onde envolve
associações condicionadas a sentimento positivos, e leva muitas das vezes a uma
divinização do amor materno biológico como algo abençoado pela natureza.
Nesse estudo de caso perguntamos sobre as expectativas maternas e de que forma essas
expectativas afetaram e afetam a gestação e a criação do filho da entrevistada. Para isso,
abordamos uma questão para ver se ela acha que existe um amor materno inato ou uma
construção do amor materno. Ela respondeu que o “amor materno foi algo que se
desenvolveu aos poucos” (diferente da norma estabelecida na sociedade contemporânea
como algo inato), entretanto, para ela houve uma “quebra da expectativa”, pois ela
acreditara que a maternidade mais fácil e marcada apenas com sentimentos de viés
positivos, porém para ela, a realidade foi um “pouco” diferente, sendo um período
repleto de sentimentos negativos como ansiedade e medo constantes. Conta que quando
o filho nasce, “a gente muda”, pois “antes a gente é egoísta e passa a ter que cuidar do
outro”. Ela também disse que “filho é uma benção”, mesmo com a privação do sono. E
por fim ressalta que “só caí na real com 2 meses”, e os primeiros cuidados com o filho a
deixaram aérea. Logo percebemos com base nesse relato que houve uma quebra de
expectativas sobre a maternidade e de como seria os cuidados com o filho.
Com esse relatado e de várias outras mães, juntamente com pesquisas sobre o tema,
podemos concluir que o amor materno não é inerente a mulher e sim adicional, e a
experiencia da maternidade é algo completamente individual e é injusto e maléfico essas
expectativas homogêneas impostas, que muitas das vezes, onde muitas mães por não se
adequarem a esses ideais sofrem e tem receio de expressar o que realmente sente, por
medo de julgamentos, acumulando assim, sentimentos negativos guardados (###).
Entretando, sabemos que na sociedade contemporânea houve alguns avanços sobre a
maternidade, graças as lutas feministas. Hoje em dia, mulheres podem escolher ter ou
não filhos e inclusive planejar a gravidez quando se sentirem estáveis economicamente
e emocionalmente. Obviamente existe um recorte por classe, nossa entrevistada por ser
de uma classe mais segura, nos relata que apesar de não planejada, foi uma gravidez
desejada por ambos os pais. Tendo um emprego estável, uma rede de apoio e uma
cuidadora da criança, nos conta que “não deixa de passear pelo filho”, já que para ela “o
filho tem que se moldar à realidade” e não ao contrário, que no contexto brasileiro é
bastante comum (onde mães deixam seus empregos e o lazer, para viverem em prol da
criança).
Agora, iremos falar sobre as expectativas dos pais perante os filhos. Os filhos sofrem
uma enorme pressão para seguir o ideal de filho perfeito criado no imaginário dos pais.
Perguntamos a nossa entrevistada sobre suas expectativas perante seu filho, ela diz que
deseja que ele seja responsável, que “ande do lado certo”, além de esperar que ele “não
seja o influenciado, mas sim a influência para outros”. A expectativa dos pais sobre o
filho é algo comum e podem ser positivas ou negativas, e ser for autoritária pode ter
consequências que poderá afetar toda a vida.
Existe vários autores de psicologia que vão abordar o desenvolvimento da criança
baseado na questão histórico-cultural. Onde essas expectativas sobre a criança e as
impostas pela sociedade irão afetar o desenvolvimento da criança. Existindo grandes
pensadores como o Vygotsky (1896-1934) que foi um percussor para toda a psicologia
infantil. Esse relevante autor, irá desenvolver uma teoria sobre o desenvolvimento
infantil e de que forma a sociedade e a própria mãe irão diretamente influenciar as
condições de vida do feto, partindo de uma perspectiva interacionista, que leva em conta
a questão genética e do ambiente. Para o autor existem 3 processos que iram marcar o
desenvolvimento do bebê, que são; a fase da vida uterina, o período pós-natal e o
período de relativa estabilidade na formação cultural do bebê (Cheroglu e Magalhães,
et.al , 2016).
Esses três processos, nesse caso específico, o primeiro, a fase da vida uterina, tem de
certa forma relação com algumas falas da entrevistada e algumas falas presentes no
senso comum. Ao perguntamos para a entrevistada quando que começa o cuidado com a
criança, ela responde que começa desde a gravidez. Segundo ela, “o que as crianças
ouvem na gravidez irá afetar todo o desenvolvimento”, e ressalta que o cuidado e
carinho deve começar desde a gravidez, já que “é essencial para o desenvolvimento da
criança se sentir amado”. Citando que crianças amaldiçoadas desde a fase uterina com
falas negativas sofrem durante todo o desenvolvimento e que as “crianças rejeitada é
triste”, e por essa razão “que crianças largadas em orfanatos tem mais medo”. Portanto
ela sempre tenta mostrar ao bebê que o ama, desde a gravidez, para seu filho saber que é
amado, para ela essa questão é essencial para um bom desenvolvimento da criança.
Para Vygotsky, na fase de vida uterina inicia-se o desenvolvimento fisiológico e
consequentemente as condições para a formação do psiquismo do feto. Os bebês
conseguem sentir toques e sons produzidos ao seu redor, porém, diferente do que a
entrevistada acha, os bebês não conseguem compreender o que lhe es dito, justamente
por não entenderam a linguagem. Mas, destaca que bebês entende a qualidade dos sons
que a mãe se expõe. Existindo um vínculo de dependência entre o feto e a mãe, onde as
mudanças de humor, ansiedade e estresse da mãe iram afetar consequentemente o bebê
em formação. Logo, de certa foram o cuidado e o carinho pela criança deve começar na
gravidez, conforme as palavras da entrevistada, pois o feto consegue perceber as
diversas emoções da mãe, seja elas negativas ou positivas.
Os outros dois processos de Vygotsky apesar de não falar sobre a questão da
expectativa, vão dialogar com a fase em que o bebê da entrevistada passou ou ainda está
(11 meses). No Período pós-natal, ou denominado por Vygotsky como o período da
passividade, é onde o bebê tem dependência absoluta pelo adulto e conforme o relatado,
foi o período de maior dificuldade enfrentado pela mãe, pois foi necessária uma
completa atenção e foco no bebê, o que causava medo. Relata que “demandam muito
cuidado, já que os bebês são muito pequenos e dependem completamente dos pais para
atividades como banho, cuidados com o umbigo, ter cuidado para não deixar cair” e que
“saber que o bebê é 100% dependente dela também lhe trouxe ansiedade, tendo em vista
o medo de o bebê se engasgar ou morrer”.
Vygotsky destaca que o início da vida psíquica já está presente no recém-nascido
mesmo de maneira rudimentar, principalmente na comunicação emocional do bebê, ou
seja nos estados sensitivos emocionais, que são emoções presentes no bebê desde os
primeiros dias de vida e são fundamentais para o seu desenvolvimento. Portanto, o bebê,
consegue perceber traços agradáveis ou desagraveis. Fase essa que é muito importante o
cuidado do bebê, e na situação da entrevistada, notamos que era um bebê bastante
comunicativo, fazia alguns sons como “mama”, era bastante expressivo também,
fazendo várias expressões de “alegria”, “curiosidade” e “choro”, ou seja, ele estava se
comunicando por meio de emoções.
Podemos perceber que a criança da entrevistada está na fase denominada por Vygotsky
em que sua principal atividade é a objetal manipulatória. Onde quando realizamos a
entrevista, a criança estava explorando o ambiente, pegando em nossas mochilas,
pegando vários brinquedos e especialmente gostava de segurar em sua mão um
“cavalinho” que ficou com ela grande parte do tempo. Para Vygotsky nessa fase há
manipulação dos instrumentos ao redor da criança e a assimilação dos procedimentos
elaborados socialmente de ações com os objetos e com uma colaboração praticas com
os adultos. Situação que ficou evidente, pois quando a criança segurava o cavalo de
brinquedo em suas mãos, a cuidadora fala para a criança que aquilo era um cavalo e
imitava os sons produzidos por esse animal na vida real.
Depois do bebê ter essa percepção fundamental (comunicação via emocional) ele
poderá “passar” para a próxima fase e a última desse período (desenvolvimento do
bebê) que é marcada pela atividade de comunicação emocional direta e com as
transformações nos processos sensoriais, motores e de percepção. Vygotsky destaca a
importância desse período para formação cultural do bebê, a presença de dois
indivíduos, que vão desempenhar o papel de sujeito e objeto da comunicação,
permitindo que o indivíduo se perceba como distinto do outro e assumindo papeis
diferentes. No estudo de caso, percebemos os meios para a formação cultural da criança
que são os pais, a rede de apoio e a cuidadora. Porém aqui, nossa entrevistada relata que
não pensa em colocar seu filho na creche ainda, pois ainda é cedo, e ele já tem os
cuidados da cuidadora que ela tem total confiança. Confessa que tem “medo de
maltratarem o filho na escolha e causarem-lhe algum trauma, tendo em vista os casos
sobre abuso na escola transmitidos nos jornais, que lhe trazem muita ansiedade”. Ela
afirma que é por isso que tem a cuidadora durante o dia, “não precisa de escola agora”,
logo por enquanto não precisa de outros meios sociais (como a creche) para a formação
cultural da criança.
Para concluir, notamos com base no estudo de caso certas relações com as teorias
discutidas ao longo da disciplina “Desenvolvimento I” e com os grandes pensadores
dessa área como o Vygotsky. Notamos algumas situações vivenciadas pela entrevistada
que exemplificam certos textos discutidos em sala de aula, entretanto, não realizamos
uma imposição da teoria na prática e sim uma relação e semelhança entres elas (prática
e realidade).
Referências
Cheroglu, S. E, Magalhaes, G. M., (2016). O primeiro ano de vida uterina, transição
pós-natal. Cap. 4 “O primeiro ano de vida; vida uterina, transição pós-natal e a
atividade de comunicação direta com o adulto”. Ltda
Resende, D. K., E Bedran, P. M., (2017). As construções da maternidade do período
colonial a atualidade: Uma breve revisão bibliografia. https://doi.org/10.38371-42031-
10-20190917-1
A descoberta da infância

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