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UNIJUÍ- UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

DHE- DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

O RECÉM NASCIDO PREMATURO: UMA PERSPECTIVA DE MELANIE KLEIN


NO CUIDADO HOSPITALAR NOS PRIMEIROS MESES DE VIDA

ANNA BERTON

Ijuí- RS

2019
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo relacionar a teoria de Melanie Klein em uma
situação de cuidado hospitalar a bebês prematuros; relacionando conceitos base da teoria
Kleiniana transpostos à situação descrita. A partir disto, discutir possíveis desdobramentos
desse cuidado que é atravessado pela instituição de saúde.

INTRODUÇÃO

O conhecimento de que, a criança, como um ser que tem necessidades, interesses, e


modos de pensar específicos nos apresenta um contexto novo na história da humanidade, até
então elas eram vistas como mini adultos; devido a isso, o alto índice de mortalidade infantil
era considerado normal. A ciência, modificando este pensamento, direcionou seu olhar para
os primeiros anos de vida e a partir de descobertas científicas sobre cuidados específicos com
as crianças, houve gradativamente, uma diminuição desse fator. (FONTANA, CRUZ, 1997).
Nesse contexto, o nascimento e os primeiros meses de vida se fazem de extrema importância
para o desenvolvimento de um ser que irá se constituir como um adulto saudável, nos âmbitos
físico e psicológico.

A qualidade da assistência pré-natal da gestante vai ser responsável pelas


consequências imediatas e futuras tanto para a mãe quanto para o feto. (VITOLO, 2008).
Nesse cenário, o nascimento deste bebê antes do tempo, ou seja, prematuro, muitas vezes será
motivo para hospitalização (SHAFFER, 2005 apud BORTOLIN BASEGGIO et al., 2017).
Quando há esta primeira intervenção que:
pode representar para os pais e para a criança um período complicado e
angustiante, pois a relação e os cuidados iniciais que poderiam ocorrer entre eles
de maneira natural são dificultados no ambiente da Unidade de Tratamento
Intensivo Neonatal (UTIN) e pelos procedimentos que o bebê necessita durante a
internação (DUARTE et al., 2010 apud BORTOLIN BASEGGIO et al., 2017).

Freud (1905), em seus escritos, teoriza um importante estudo a partir das relações
estabelecidas nos primeiros anos de vida, com base nas fases oral, anal, fálica, latente
e genital em que formula estágios importantes na vida psíquica da criança. A força de sua
teoria o trouxe diversos seguidores, dispostos a continuar, criticar e reelaborar seus trabalhos,
esses, conhecidos como pós- Freudianos. Aqui, vamos abordar as contribuições de Melanie
Klein a partir da psicanálise proposta por Sigmund que, por muitas vezes, está em
discordância superior, até mesmo, que Anna Freud, filha do autor. (ZIMERMAN, 1999). Ao
adiantar, em idade, a teoria Freudiana, Klein coloca-se em uma posição, onde estuda e analisa
bebês, desenvolvendo sua técnica muito específica de acesso às fantasias inconscientes: o
brincar (ZIMERMAN, 1999).
Nessa perspectiva, procurarei relacionar a teoria Kleiniana, em um contexto de
cuidado hospitalar, como se dá o desenvolvimento psíquico do bebê prematuro, uma vida que
depende de algo, além de um cuidado natural e, portanto, refletir possíveis desdobramentos
que podem se seguir desses primeiros meses de desenvolvimento a partir de um cuidado
institucionalizado.

CAPITULO 1 - O RECÉM-NASCIDO

no início da gravidez, é o bebê idealizado, bonito, saudável e perfeito. É o filho


sonhado como sua própria mãe havia sonhado em ter, mas como ela mesma não foi.
Com o passar dos meses irá relacionar-se com um bebê ainda imaginário, mas que
agita-se em sua barriga demonstrando ter vida própria (...). Finalmente, nasce o bebê
real, e este aos poucos obriga a mãe a rever os seus sentimentos e suas expectativas,
confirmando que ele será como é, não como a mãe imaginaram. (MONTARDO,
2002)
O fragmento acima nos apresenta as experiências vivenciadas por esta mulher, agora
mãe, em uma situação comum, envolvendo expectativas e planos para essa nova vida que se
inicia. Quando, em quadro específico, o recém-nascido, e prematuro, requerer do ambiente
não só uma assistência básica nesse início de vida, algo a mais, essas expectativas serão quase
que cessadas e aos pais a preocupação primordial será outra. Atravessado nesse contexto
hospitalar demanda cuidado especializado envolvendo toda uma equipe que irá buscar
garantir sua sobrevivência, com o auxílio de aparelhos, até que complete seu
desenvolvimento. Assim como:
para a Organização Mundial da Saúde, todo bebê que nasce com menos de 37
semanas e com até 2,500 kg é considerado prematuro ou pré-termo. Os bebês que
nascem entre 32 e 35 semanas de gestação são considerados bebês de risco, e os que
nascem antes de 32 semanas são considerados de alto risco e com chances reduzidas
de sobrevivência (Vidal, 2011 apud BORTOLIN BASEGGIO et al., 2017).

Nesse tempo de internação a separação da família é quase que inevitável; esse


contexto causa aos pais em grande intensidade ansiedade, insegurança e, principalmente à
mãe, culpa, por ter trazido a vida este ser, ainda, tão dependente dela. A prematuridade
impacta a família interferindo em todos os planos até então traçados (BRAZELTON TB,
CRAMER BG.,1992 apud GAMA FRAGA; RUBIM PEDRO, 2004). Como Brazelton e
Cramer (1992) em seus estudos.
o nascimento de um bebê prematuro é um severo golpe à auto estima das
mães as suas capacidades de maternagem e ao seu papel feminino. É
concebido como uma perda de uma parte do corpo, uma afronta à sua
integridade corporal e um sinal de inferioridade interior. O nascimento
prematuro reforça um sentimento de irreabilidade em relação à criança
que é percebido como estranha, portanto mais facilmente rejeitada
(BRAZELTON TB, CRAMER BG.,1992 apud GAMA FRAGA; RUBIM
PEDRO, 2004)
Essa internação, solitária, sem contato com os pais, pode durar meses, por vezes até
que o bebê complete seu tempo de desenvolvimento. Na maioria dos hospitais esse cuidado se
dá em uma incubadora, onde o recém-nascido não pode ter contato – pele a pele - com os
pais, além destes só poderem visita-lo em momento específicos e individualmente. O processo
de alimentação também se torna mais um agravante nesse contexto em que se da através de
sonda oral ou naso-gástrica.

CAPITULO 2 – KLEIN E A TEORIA DAS RELAÇÕES OBJETAIS

Uma das primeiras mulheres psicanalistas, Melanie Klein, se põe a estudar os


conceitos de Freud voltados aos bebês, onde, utiliza da teoria proposta por ele para olhar esse
ser, ainda tão novo, como complexo e passível de análise. Aponta que, para embasar
perspectiva analítica, ‘’ansiedades, desapontamentos e até mesmo impulsos sexuais se fazem
presentes desde os primários meses da vida da criança’’ (KLEIN, 1991). Ela apresenta a
técnica do brincar como forma de acessar as fantasias inconscientes da criança além de
defender que o recém-nascido possui um ego inato e rudimentar. (ZIMERMAN, 1999). Este
irá defender o sujeito contra a da angústia persecutória e utiliza mecanismos de defesa
primitivos e opera desde o nascimento (KLEIN, 1991).
Klein conserva conceitos importantes para Freud, como o Complexo de Édipo,
entretanto o situa em momentos mais primitivos do desenvolvimento (ZIMERMAN, 1999).
Ainda, aponta a extrema importância, na análise da criança pequena, a emergência de
sentimento de culpa, os quais foram gerados em fases anteriores do desenvolvimento
(KLEIN, 1991).
Desconforto e dor também são vivenciados como perseguição e estão relacionados aos
sentimentos do bebê em relação a mãe; ele se volta a ela por esta, nos primeiros messes de
vida, representar a ele todo o mundo externo. Melanie Klein diz que, ‘’ tanto o que é bom,
quanto o que é mau vêm à sua mente como providos dela, o que leva a uma dupla atitude em
relação à mãe mesmo sob as melhores condições possíveis’’ (KLEIN, 1991).
as vivências repetidas de gratificação e frustação são estímulos poderosos das
pulsões libidinais e destrutivas, de amor e do ódio...Desta forma, a imagem do
objeto, externa e internalizada, é distorcida, na mente do lactente, por suas fantasias,
ligadas à projeção de suas pulsões sobre o objeto. O seio bom, externo e interno,
chega a ser o protótipo de todos os objetos protetores gratificantes; o seio mau, o
protótipo de todos os objetos perseguidores externos e internos. Os diversos fatores
que intervêm na sensação do lactente de ser gratificado, tal como o aplacamento da
fome, o prazer de mamar, a liberação do incômodo e da tensão, isto é, a liberação de
privações e a experiência de ser amado, são todos atribuídos ao seio bom.
Inversamente, qualquer frustação e incômodo são atribuídos ao seio mau,
perseguidor (KLEIN, 1991)
Em um primeiro momento, o bebê irá satisfazer-se desse seio, de forma instintual,
afinal, se não o tomar como sua alimentação dificilmente sobreviverá, já que, sozinho não dá
conta de si mesmo. Nessa relação do bebê com o seu objeto, a mãe no caso, quando este
estiver muito faminto e raivoso ele não irá aceitar o seio da mãe; terá uma realidade alterada
devido as fantasias, o que faria com que ele recusasse o seio, mesmo com fome. (SEGAL,
1975)
é quando o bebê esteve sob o domínio de fantasias raivosas, atacando o seio que
uma experiência má verdadeira se torna ainda mais importante, visto que confirma
não apenas seu sentimento de que o mundo externo é mau, mas também a impressão
de sua própria maldade e da onipotência de suas fantasias malévolas (SEGAL, 1975)
Por outro lado, as experiências boas, tendem a diminuir a raiva e modificando
experiências persecutórias, irão convocar no bebê sentimentos como amor e gratidão,
alimentando assim a crença no objeto bom. Para o bom desenvolvimento do bebê as
experiências boas precisam ser predominantes (SEGAL, 1975).

CAPITULO 3 - UM OLHAR PARA A PREMATURIADE ATRAVÉS DA


PERSPECTIVA KLEINIANA
Melaine Klein apresenta em seus estudos um mundo diferente do que até então, se
observava, por exemplo, com Freud, onde traz à tona esse misterioso e curioso mundo infantil
dos bebês. Os adultos carregam consigo, para toda vida, experiências e afetos que foram
experenciados na infância, com isso, ela busca estudar partindo do nascimento e do contato
inicial deste ser com o mundo externo.

‘’ Psicologicamente o recém-nascido manifesta bem-estar, quando alimentado ou


satisfeito (bem acomodado ou segurado com carinho) ’’ (WEIL FERRERIA et al., 1985).
Essa aproximação mãe/bebê nos primeiros momentos do parto se faz necessária e essencial ao
olhar de Melaine Klein; essa íntima relação irá ser chave para o desenvolvimento psíquico da
criança. Enquanto este recém-nascido estiver afastado deste objeto, que lhe proporciona o
prazer e a satisfação pressupomos que ele vai estar carente de um desenvolvimento psíquico
sadio. Neste contexto, enquanto hospitalizado por precisar da atenção médica e estar em um
ambiente isolado, a estrutura se daria puramente instintiva, sem afeto, sem o prazer do contato
e toda sua gama de relações pulsionais com sua mãe, ou, aquele que dispõe da função
materna.

Nessa reflexão, podemos pensar na constituição subjetiva e como a questão da


prematuridade pode afetar tanto os pais e os bebês com esse corte da continuidade natural do
desenvolvimento psíquico; este parto que interrompe o imaginário e está ligado somente ao
instintivo

É inegável da importância desse afeto mãe/recém-nascido e como esse aconchego


materno irá formar o aparelho psíquico da criança, como assinala Melanie o ‘’inconsciente da
mãe e do bebê estão em íntima relação, amor e compreensão expressos pelo modo de
cuidar/lidar com o bebê, leva a um sentimento inconsciente de unicidade’’ (KLEIN, 1991).
Então, enquanto o bebe pré-termo estiver afastado da mãe, como objeto ele vai estar carente
de um desenvolvimento, o que pode se dizer, psicologicamente sadio.
esse aconchego é sentido como vindo de forças boas e torna possível a primeira
relação de amor do bebê com uma pessoa, com um objeto. E esse conhecimento
instintivo é a base da relação primordial do bebê com a mãe (KLEIN, 1991)

Agora, evidenciando essa mãe como função, o que se coloca em questão é de que
forma essa atribuição à mãe de tudo o que é bom se não há esta interação nesse primeiro
momento, de internação. Fatores que nos levantam mais questionamentos: o lugar de objeto
bom irá ser atribuído como esse cuidado terceirizado? Quais desdobramentos de deslocar esse
lugar a algo/alguém que não a mãe? Nessa relação de objeto parcial, um seio idealizado e
outro persecutório, ele ainda vai cindir a figura da mãe em seio bom e seio mau? Ou esse
papel será tomado por esse cuidador externo? De que forma esse bebê irá se relacionar sendo
que em um primeiro momento não foi sua mãe a representação de tudo que é externo?
Quando, tomado pelo sentimento de culpa por ter maltratado aquela mãe, antes cindida
e, agora, compreendida como uma figura única; o bebê irá criar uma espécie de vínculo
compensatório, devido as angustias e fúrias introjetadas e projetadas nesse cuidado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
a clínica de bebês pré-termo internados pressupõe pensar nas vicissitudes
da constituição subjetiva e em como a situação de prematuridade pode ser
traumática para os pais e para o bebê pela própria descontinuidade temporal
introduzida pelo parto antecipado (prematuro), parto que interrompe o processo
de construção do bebê imaginário e confronta os pais com o real orgânico do
bebê em uma situação – UTI neonatal – em que a temporalidade é urgente,
premente, relacionada à sobrevivência do bebê e não à qualidade de seus
cuidados. (ABU- JAMARA ZORNIG; STREIT MORSCH; ALMEIDA
BRAGA, 2004)

Ao discorrer sobre os escritos elaborados por Melanie Klein, Hanna Segal aponta que
‘’quando se observa o comportamento de bebês, quanto mais novos, maior a dificuldade para
interpretá-lo. As dificuldades encontradas no estudo das fases mais primitivas do
desenvolvimento normal são muito ampliadas na presença de fenômenos patológicos’’
(SEGAL, 1975) logo, as implicações desse cuidado diferenciado do que se toma por “natural”
só irá ser realmente constatado – ou não - em fases posteriores.
Nesse sentido, a partir dos pontos levantados acerca da teoria Kleiniana, não há a
possibilidade de encerrar as considerações e questionamentos que se desenrolam a partir dessa
abordagem visando o bebê prematuro. Cabe ressaltar a importância do apoio da instituição
hospitalar não só ao nascido, mas também a família que ele traz consigo.
REFERÊNCIAS:
ABU- JAMARA ZORNIG, Silvia; STREIT MORSCH, Denise; ALMEIDA BRAGA, Nina.
Os tempos da prematuridade. Rev. Latinoam. Psicopat., [S. l.], p. 135 - 143, 1 jan. 2004.
BORTOLIN BASEGGIO, Denice; SCHNEIDER DIAS, Marta Priscila; RODIGHERI
BRUSQUE, Simone; SCHNEIDER DONELLI, Tagma Marina; MENDES, Patricia.
Vivências de Mães e Bebês Prematuros durante a Internação Neonatal. Temas em Psicologia,
[S. l.], v. 25, n. 1, p. 153 - 167, 1 mar. 2017.
Freud, S. (1996). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In J. Strachey (Ed. e
Trad.).Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud(Vol.
7, pp. 117-231). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1905).
FONTANA , Roseli; CRUZ , Nazaré. (1997) Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo:
Atual Editora.
GAMA FRAGA, Iara Teresinha; RUBIM PEDRO, Eva Néri. SENTIMENTOS DAS MÃES
DE RECÉM-NASCIDOS PREMATUROS: implicações para a enfermagem. Rev Gaúcha
Enferm, Porto Alegre, n. 1, p. 89-97, 25 abr. 2004.
KLEIN, M. (1997) A psicanálise de crianças. Rio de Janeiro; Imago.
KLEIN, M. (1991) Inveja e gratidão e outros trabalhos. Rio de Janeiro; Imago.
MONTARDO J. L. (2002). Aprendendo a Vida. Ijuí; Editora Unijuí.
SEGAL, H. (1975) Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro; Imago.
VITOLO, Márcia Regina. (2008) Nutrição da gestação ao envelhecimento. 6. ed. Rio de
Janeiro: Rubio.
WEIL FERRERIA , Berta; TURK FARIA, Elaine; BEIRÃO, Josephina; I.P. ALVES, Maria
Renate; VERÍSSIMO VERONESE, Laura; VENERANDA MALLMANN, Liris; TIELLET
NUNES, Maria Lúcia; AVELINE, Suelly. (1985). Psicologia Pedagógica. 4. ed. Porto Alegre:
Sulina. 
ZIMERMAN, D. E. (1999). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica- uma
abordagem didática. Porto Alegre: Artmed.

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