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FIGURAS DE APEGO:

Matriz dos Vínculos Afetivos.

Myrian Bove Fernandes; Claudia Ranaldi Nogueira; Eviene Abduch Lázaros;


Sandra Regina Cardoso Zinker e Tereza Cristina Pedroso Ajzenberg.

Sumário

Salientamos neste trabalho a importância das primeiras relações de apego que


a criança estabelece com sua mãe, com os membros da sua família ou da sua
comunidade que lhe trazem segurança, conforto e carinho, para a formação da
sua personalidade e para o seu desenvolvimento como ser social.
Apresentamos a Teoria de “Apego” elaborada por Bowlby, procurando
estabelecer uma compreensão dos comportamentos de apego exibidos pela
criança, às luzes dos postulados teóricos da Gestalt – Terapia.

Summary

We point pout in this paper the importance of the first attachment relations the
child establishes with it’s parents, family, members or a significant person in the
community, to build it’s own personality and to develop as a social being.
We present here the theory of attachment, by Bowlby, establishing a
comprehension of the attachment behavior in the light oh theoretical postulates
of Gestalt Therapy

Neste artigo procuramos apresentar a teoria do Apego, elaborada por Bowlby


articulada à compreensão e linguagem da Gestalt Terapia. Fazemos um
passeio entre as duas teorias, questionando, organizando percepções e
conceitos, ampliando enfim o nosso pensamento.
As refletirmos sobre o desenvolvimento humano temos em mente a
interdependência entre vários fatores como a herança genética, crescimento
físico, maturação do sistema nervoso, interação social e trocas com o meio.
Neste trabalho estaremos focalizando a importância dos laços afetivos como
um fator de primordial relevância dentre as várias facetas do desenvolvimento
psicológico.
A Gestalt Terapia concebe o contato como fator primordial e propulsor do
crescimento nos seres vivos. Convidamos você, leitor, a visualizar o contato
como uma dança de trocas entre figura e fundo, indivíduo e contexto, onde
acontecem processos circulares nos quais constantemente múltiplos fatores
vão interferindo ns nos outros e entre si, de modo a irem construindo,
desconstruindo; compondo, decompondo e recompondo; configurando,
desfigurando e reconfigurando... E assim entretecendo o processo da vida e a
realidade que a cada momento se transforma.
Bee (1995) afirma que o processo do desenvolvimento na criança é muito
gradual e afetada pela quantidade e qualidade das experiências que ela tem
em determinado domínio. Pensamos que aos poucos as crianças vão fazendo
ajustamentos criativos e construindo novas estratégias para lidarem com
diferentes situações.
Em alguns artigos anteriores, afirmamos que “o desenvolvimento se dá através
de processos circulares sucessivos de ajustamentos criativos que só podem
ser compreendidos, portanto, sob o enfoque relacional”. (Fernandes;
Ajzenberg; Cardoso; Lázaros e Nogueira; 1997). Acreditamos que logo após o
nascimento, mãe e bebê vão interagindo de modo a compor uma coreografia
aonde “os comportamentos de um vão moldando e, ao mesmo tempo, sendo
moldados pelos comportamentos do outro”. (Carvalho, 1993). Na medida em
que o bebê vai crescendo e desenvolvendo a percepção e a capacidade de
diferenciação, as figuras, sobretudo da mãe, mais também das pessoas que o
atendem em suas necessidades básicas vão se tornando mais nítidas e estas
interações carregadas de afeto passam a ser cada vez mais organizadas e
dotadas de sentido.
Montoro (1994, p. 49) ao discorrer sobre a Teoria de Apego elaborada por
Bowlby salienta que “há um campo de interação mãe / filho com configuração
própria”. Destas interações surgem os primeiros vínculos e a criança se apega
a determinadas figuras. Podemos dizer que o pego na criança está
intimamente ligado ao seu desenvolvimento cognitivo e motor e surge da
interação sócio-afetiva da criança com estas figuras. É importante notar que a
autora define o comportamento de apego como “toda a forma de
comportamento que tem como meta a obtenção ou manutenção da
proximidade com outra pessoa específica e preferida, mais apta a lidar como
mundo, chamada figura de apego”. (Idem, p. 45). Esta busca de proximidade
se torna evidente nos momentos em que a criança se vê em apuros, em uma
situação de insegurança, ou quando se percebe fragilizada. Por exemplo: Lívia
(1 ano e 2 meses) brinca tranqüilamente com seus brinquedos. De repente, ao
ouvir um barulho muito alto de objetos caindo a sua volta, sai correndo à
procura da mãe e quando a encontra se aquieta ao ser abraçada por esta. A
mesma criança, que costuma ter um comportamento independente, quando
está doente ou com mal estar, busca a mãe ou a babá, evidenciando o desejo
de estar agarrada ao colo nesta ocasião.
Pensamos que este comportamento de apego acontece quando emerge um
desequilíbrio qualquer na criança seja este proveniente de fatores internos ou
de um estímulo provocado pela situação exterior. O encontro com a figura de
apego promove nova reorganização e a criança pode então continuar seu
caminho.
Em seu primeiro livro “Cuidados Maternos e Saúde Mental” (1953) Bowlby
relata os resultados de alguns estudos psicológicos feitos em crianças
pequenas que foram separadas de suas mães, por motivos de segurança,
durante os bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Chama a atenção para o
fato de que estas crianças tiveram mais prejuízos emocionais do que aquelas
que tiveram a experiência de presenciarem os bombardeios, estando ao lado
de suas mães.
Seu interesse pela temático apego / separação levou-o a publicar em 1969 a
trilogia “Apego, Separação e Perda” onde se baseou em estudos sobre etologia
para elaborar sua teoria. Nestes estudos relata as observações do
comportamento de diferentes raças de símios. Em todas elas, com maior ou
menor intensidade, havia o comportamento de apego solicitado tanto pelas
mães que colocavam os filhotes para brincar diante de seus olhos, quanto
pelos mesmos que procuravam pelas mães, enquanto brincavam. Quando os
filhotes já evidenciavam terem desenvolvido recursos e autonomia para lidarem
com diferentes situações, mães e filhotes afastavam-se.
Relata que “a proporção de ciclo vital durante a qual se manifesta o
comportamento de apego varia muito de espécie para espécie. Em regra,
prossegue até a puberdade sexual. Para muitas espécies de aves, a fase em
que cessa o comportamento de apego é a mesma para ambos os sexos, ou
seja, quando os jovens estão prontos para acasalar... Para muitas espécies de
mamíferos, por outro lado, existe uma diferença acentuada entre os sexos. Nas
fêmeas das espécies unguladas (carneiros, cervos, bois), o apego à mãe pode
continuar até uma idade adulta avançada manadas de cervos, vê-se a jovem
fêmea que segue a mãe, que segue a avó, que segue a bisavó, e assim por
diante. Em contrapartida, os jovens machos destas espécies afastam-se da
mãe, quando atingem a adolescência. Daí em diante, apegam-se a machos
mais velhos e com eles permanecem toda a vida, exceto durante as poucas
semana, em cada ano, da época do cio”. (Bowlby, op. Cit., p. 197).
O autor afirma que com os humanos não é muito diferente: tanto as mães
quanto as crianças desenvolvem comportamentos de apego. A eleição é
determinada, em grande parte, pela sensibilidade do adulto em responder ao
bebê, seja através da rapidez de respostas às iniciativas do adulto em brincar
ou se relacionar com a criança e das interações sociais que ocorrem entre
ambos. Montoro (1994 p. 47) enfatiza “o prazer mútuo que os dois
experimentam no relacionamento”. Toda esta descrição do comportamento da
mãe caracteriza o que chamamos em Gestalt Terapia de um ciclo de contato
bem desenvolvido que se completa.
Podemos dizer que comportamentos de apego e separação são polaridades
em um mesmo campo. Desde a fase neonatal, a criança vive momentos em
que percebe a aproximação e separação de figuras que o confortam e atendem
suas necessidades. Estes movimentos já são experimentados pelos bebês e
seu início de vida. Entretanto só gradualmente ele vai desenvolvendo a
percepção, passando a distinguir e reconhecer a figura da mãe (ou quem mais
freqüentemente cuida dele) demonstrando nítida preferência por esta figura.
Aos poucos, à medida que aumentam a complexidade do quotidiano e os
recursos que a criança tem para lidar com uma variedade cada vez mais
abrangente de pessoas e situações, ela demonstra preferências nítidas em sua
procura de aproximação das pessoas com quem convive, estabelecendo, até
mesmo, um certo padrão. Se ela se machuca, por exemplo, procura a mãe; se
esta não está, procura o pai; a avó; a cozinheira da casa, a tia, etc. Segue, em
eventualidades semelhantes, sempre a mesma ordem de preferências. Ela
estabelece, portanto, uma hierarquia clara de figuras de preferência às quais
recorre em momentos em que busca a segurança. Esta hierarquia está sempre
ligada à qualidade do afeto que desenvolve com cada uma destas pessoas.
Interferimos, portanto, que a criança desenvolve a capacidade de classificar e
ordenar fundamentada não só na sua habilidade de discriminar e diferenciar,
com também na qualidade das relações afetivas que estabelece no contato
com as figuras de apego; o que por sua vez ajuda a criança a apurar suas
funções de contato... E assim por diante. A medida em que a criança cresce,
alimenta suas possibilidades de interagir e se comunicar: desenvolve a
linguagem falada além da expressão corporal. Passa a transitar livremente pelo
ambiente que lhe é familiar, desenvolvendo uma atividade específica com cada
pessoa em particular. Por exemplo: Beatriz escolhe sempre estar com sua tia
para determinadas brincadeiras, mas, na ausência da mãe, quer sempre a avó
quando está com sono, pedindo para ir dormir. Perls, Hefferlline e Goodman,
(1950, cp. IV) falam em dominância de figuras. Definem dominâncias
espontâneas como “... estimativas do que é importante na ocasião. Não são
avaliações adequadas, mas a evidência básica de um tipo de hierarquia de
necessidades numa situação atual”. (p. 84). Neste caso, além de se
estabelecer uma hierarquia das necessidades, há nítida avaliação hierárquica
das possibilidades para a obtenção de satisfação da mesma, completando,
assim, o contato.
Entendemos que a qualidade destas relações de apego são as matrizes
afetivas que propiciarão mais tarde que as pessoas estabeleçam relações
claras, diferenciem a figura do fundo, percebam o indivíduo em seu contexto,
enfim, crie condições para estabelecerem processos de auto regulação.
Quando as relações de apego são seguras, a criança cresce tranqüila, aceita
limites e vai aos poucos evidenciando suas escolhas. Se estas forem
atendidas, na medida do possível, a criança vai se assegurando de que existe
permissão para se expandir.
Montoro (1994) descreve que as crianças que demonstram um padrão de
apego seguro “exploravam ativamente o ambiente, especialmente com as
mães presentes... orientando o comportamento de exploração em relação à
mãe, trocando olhares, indo e voltando... estas crianças recebiam
calorosamente suas mães quando voltavam após estarem ausentes, e
buscavam intimidade de maneira não ambivalente”. (p. 50). A autora acredita
que este padrão de apego está enraizado como “cuidado confiável,
especialmente sensível e responsivo à expressão da necessidade da criança.
(...) Elas parecem ter expectativas positivas quanto ao comportamento da mãe;
usam sua proximidade como base segura, a partir da qual podem explorar o
mundo e buscam ativamente a mãe quando estão aflitas, deixando-se confortar
por elas”.(idem).
Neste caso, podemos dizer que a mãe e o filho (a) constroem um campo
interacional seguro e sintonizado, onde existe espaço para ouvir, olhar, sentir,
perceber, relacionar e expressar. Neste campo estão presentes todas as
funções de contato. Ao se perceber captada e ouvida pela mãe, a criança
sente-se confirmada, adquire confiança tanto na relação quanto na mãe e aos
poucos em sim mesma, nas suas habilidades para explorar, produzir, criar,
propor brincadeiras e alternativas. É alegra, sua expressão condiz com o seu
sentimento, vai crescendo e desenvolvendo seu estilo pessoal.
Embora a busca de segurança caracterize a relação de apego, nem sempre ela
transcorre calma e é nutritiva para a criança. Montoro descreve ainda o apego
ansioso resistente / ambivalente e o apego ansioso evitador. Bee (1996, p. 324)
citando Ainsworth refere-se à criança inseguramente apegada; desorganizada /
desorientada.
As crianças que demonstravam padrão de apego ansioso resistente /
ambivalente permaneciam “passivas e exploravam pouco o ambiente,
chupavam o polegar ou se embalavam, pareciam estar sempre ansiosas sobre
o paradeiro da mãe, choravam muito na sua ausência, mas, quando a
reencontrava seu comportamento oscilava entre buscar proximidade e rejeitar a
mãe resistentes e bravas, num típico quadro de ambivalência”. (Bee, op. Cit., p.
51). Afirma ainda que “estas crianças eram mais vulneráveis a qualquer
ameaça, mostravam extrema ansiedade de separação e dificuldade de serem
confortadas pela figura de apego; demonstravam petulância e rejeição raivosa
às aproximações da mãe”. (idem). A autora afirma que os estudiosos na área
acreditam que esta ambivalência por parte das crianças revela um modelo de
relacionamento internalizado, baseado em cuidado inconsistente, ou seja, pois
disponíveis em algumas ocasiões e em outras, não, onde a expectativa é a de
que o outro só será disponível com muita vigilância e que suas resposta serão
sempre imprevisíveis.
Montoro acrescenta que as crianças que demonstram um padrão de apego
ansioso evitador, ora pareciam muito independentes, ignorando as mães e ora
tornavam-se ansiosas, tentando reencontrá-las. Fingiam que não percebiam
quando a mãe voltava, recusavam seu contato e / ou não a procuravam. As
mães dessas crianças muitas vezes demonstravam ter horror ao contato físico.
Algumas destas mães aparentavam frieza e indiferença emocional e outras
reagiam com muita raiva e agressividade às demandas do bebê. Em alguns
casos mais graves notou-se que submetiam as crianças a vivencia crônica de
abandono e rejeição. A autora salienta que neste caso Bowlby considera “que a
criança percebe a figura de apego como não disponível e a si mesmo com não
merecedor de ser cuidado” (Montoro, op. Cit., p. 52).
Assim, segundo Montoro, as crianças que desenvolvem um padrão de apego
seguro têm exigências cabíveis, não exasperam os pais e estes, em resposta,
reforçam os sentimentos amorosos dos filhos que, por sua vez, não exasperam
os pais e estes, em resposta, reforçam os sentimentos amorosos dos filhos, por
sua vez, também lhes retribuem com amor. Entendemos que estas famílias
constroem, portanto, padrões de relacionamento onde os ajustamentos
criativos fluem com naturalidade, não havendo muitos impedimentos ou
paralisações no fluxo do processo de contato. As crianças aprendem a
direcionar sua energia para soluções criativas, conseguem se nutrir através das
trocas que estabelecem com o ambiente aprendem a tolerar frustrações e
desenvolvem um processo de auto regulação saudável. Crescem sentindo
prazer em desenvolver suas próprias habilidades, reconhecem que tem poder
para interferir nas situações, mas que este poder também é limitado pela figura
de apego mais forte e mais apta a lidar com a realidade. Elas aprendem a
confiar em si mesmas e nos que a cercam. Acreditamos que estas experiências
são à base do amor que posteriormente poderá se converter na valorização da
vida.
A representação interna vem com a ampliação da “awareness” cognitiva e
reflexiva. Não acreditamos que esta descrição de apego seguro seja
semelhante à confluência ou mesmo ao que outras abordagens teóricas
nomeiam de simbiose. Pensamos que, desde o início, a criança vive
momentos de união e separação com pessoas que são figuras de apego.
Através de inúmeros episódios vividos em que experimenta união com
segurança x separação da figura que lhe inspira segurança, vai formando a
representação por imagem da “união / separação”. Quando este processo
ocorre nos moldes acima descrito, as experiências de estar junto e separado
podem vir acompanhadas de sensação de bem-estar. A criança percorre o
caminho de um pólo ao outro com fluência e naturalidade.
No padrão de apego ansioso / ambivalente, as crianças vivem controlando o
comportamento dos pais, sobrecarregando-os com demandas de atenção
contínuas: “Choramingam, reclamam e raramente parecem satisfeitas porque
esperam sempre se frustradas; têm baixa tolerância a frustrações e são
sujeitas a medos e fobias variadas”. (Montoro, op. Cit., p. 57). Acreditamos que,
ao anteciparem a frustração, já existe uma perturbação no pré contato que
dificulta a livre fluência no processo de contato. Acontecem bloqueios que
prejudicam o livre fluxo da awareness, pois já existe um pré-conceito que
impede as funções de contato de cooperarem na situação presente. Ao
mobilizarem a energia, empregam-na sempre na mesma direção: as crianças
investem em repetir a ação (por exemplo, fazer uma cena de birra o simularem
um dor de barriga). O contato pode até acontecer, mas como as respostas dos
pais nestes casos são desfavoráveis, a criança não se nutri, não completa
satisfatoriamente o ciclo de contato e provavelmente não entra em retração:
está sempre vigilante. Estes episódios permanecem como figuras cristalizadas
e estão sempre interferindo como gestalten inacabadas nos contato
posteriores. Auto regulação não é funcional, pois, na sua interação com a figura
de apego, as respostas são sempre inusitadas. Sendo impossível estabelecer
uma relação clara de sentido entre o estímulo e a resposta, desenvolve
awareness difusa tanto da percepção das suas sensações e sentimentos
quanto do que se passa. Pode estabelecer conexões confusas sobre os fatos,
criar concepções distorcidas sobre o que experimentou. Este é um bom campo
para o desenvolvimento de certas fobias. Como está sempre “pisando em
ovos”, não confia na sua ação como capaz de promover a satisfação mais,
paradoxalmente, investe em manter o controle, exigindo dela mesma vigilância
total, estado de alerta quase permanente para garantir um contato com a figura
de apego que é instável, irrisório e que, de falto, a perturba e não satisfaz. (por
exemplo, medo de ir para a escola, pois não tem a garantia de que irão buscá-
la, evocando a sensação de ansiedade e abandono, uma vez que os colegas já
haviam saído e sentiu-se só, quando a mãe se atrasou para ir buscá-la).
Montoro afirma que as crianças que desenvolvem apego ansioso evitador
mostram-se distantes e rejeitam muitas vezes as aproximações amorosas dos
outros. Aqui também há perturbações por ocasião da antecipação que ocorre
no pré-contato. Acreditamos que, neste caso, o bloqueio do fluxo de energia é
maio, impedindo que a criança desenvolva o circulo de contato. Pedem pouco
ou de forma inconsistente, de modo a não receberem o suficiente, mantendo-
se, portando, carente. Não provocam empatia e nem resposta amorosas. As
crianças não confiam em sim mesmas como merecedoras da atenção de quem
pode satisfazer as suas necessidades básicas e, assim, estimulam muitas
vezes a rejeição. Acreditamos que, nestes casos, as crianças recuam suas
fronteiras de contato que se tornam herméticas. Não fá muitas possibilidades
de trocas afetivas e nutritivas com o ambiente. O fluxo do contato pode seguir
várias direções; existem, porém, duas que querermos salientar:

1. As crianças desenvolvem um padrão de exploração solitária do


ambiente. Detêm-se em atividades com ver TV, videogame, etc. Estes
jogos solicitam muito a atividade intelectual, havendo um
empobrecimentos das trocas afetivas. Podem até se interessar por
questões intelectuais altamente sofisticadas e talvez este
comportamento tenha com meta uma busca de reconhecimento. Usam o
afastamento com defesa, pois antecipam a rejeição e não querem ser
rejeitadas. Ao manterem este padrão de comportamento, reproduzem a
idéia que construíram de si mesmos e agem de forma a provocarem
situações que perpetuam as condições de rejeição. A deflexão poderia
ser um mecanismo de defesa desenvolvido nestas circunstâncias.

2. As crianças permanecem em um etário primitivo: o afastamento não


proporciona a nutrição afetiva que poderia possibilitar o crescimento e a
sofisticação dos comportamentos nas relações e no próprio viver. Não
desenvolvem awareness reflexiva, seus recursos pessoais são pobres,
enfim também vivem na defensiva, encolhendo suas fronteiras e
antecipando sempre uma rejeição. Pensamos que quadros de
delinqüência podem vir a ser desdobramentos destas condições de
apego, uma vez que o comportamento é primitivo, as respostas são
impulsivas e não existe valorização dos vínculos afetivos e nem mesmo
da vida.

Pensamos que no apego inseguro desorganizando / desorientando há


comprometimento do fluxo de “awareness”. A criança percebe mensagens
talvez contraditórias, fica confusa, sem poder identificar nem configurar sua
percepção e não consegue organizar suas respostas de forma consistente.
Acreditamos que alguns quadros psicóticos possam estar relacionados a esta
formação de apego, como aqueles descritos por Bateson em estudo sobre
famílias de pacientes esquizofrênicos.
Convém lembrar que, à medida que a criança cresce, o padrão de apego vai se
internalizando e tende a ser imposto a todas as relações.
Montoro afirma que as experiências de apego influenciam no desenvolvimento
posterior da sociabilidade nas crianças, pois elas tendem a se comportar dentro
de mapas prévios, agindo de maneira a confirmá-los. Salienta as seguintes
características com resultantes das influências dos padrões de apego
desenvolvidos pelas crianças: capacidade de se comunicar com clareza e
adequação, tanto no ouvir quanto no se expressar, capacidade de lutar, ser
ativo e persistente, na defesa das próprias necessidades, aprendendo a vencer
e a perder; capacidade de perceber as necessidades do outros e respeitá-las,
cooperar, agir em grupo, ter lazer e brincar com outras pessoas, capacidade de
ter inveja e ciúme de maneira adequada, capacidade de usar agressividade de
maneira funcional e não destrutiva.
No apego seguro, a criança desenvolve um modelo representacional seguro,
percebendo-se como merecedora de afeto, capaz de conseguir apoio e
conforto quando sentir necessidade. Percebe o outro com alguém receptivo e
disponível. Usa ajustamentos criativos funcionais, quando busca proximidade e
conforto. Por outro lado, a criança que desenvolve m modelo representacional
baseada em padrão de apego inseguro, seja este ansioso, ambivalente ou
evitador, antecipa a rejeição ou o atendimento insistente, passando a ter auto-
imagem marcada por baixa auto-estima, pouco valor e pouca eficiência para
conseguir o apoio e a atenção desejada. Usam ajustamentos criativos
disfuncionais, apoiando-se em estratégias defensivas, sejam estas tanto de
super ativação (no apego ansioso ambivalente) ou de desativação (no apego
ansioso evitador) do sistema de apego. Na verdade, gastariam de buscar
contato, segurança e conforto.
Consideramos que o indivíduo é ativo na interpretação do mundo. Acreditamos
que as primeiras relações afetivas que se desenvolvem no convívio com a
família extensa, professores, amigos e, posteriormente com a sociedade. O
apego que inicialmente se manifesta na busca de proximidade com os pais
pode, na adolescência, derivar para uma busca de pertença no grupo de
amigos, de m parceiro no casamento e na formação de uma nova família.
Ousamos inferir que o movimento de apego possa ser um dos fatores que, em
muitos casos, o levam à busca da espiritualidade. Ao logo da vida, também se
desenvolve a polaridade: o movimento de separação que é responsável pela
individualização, pelo crescimento se dá através da relação, mas a experiência
de trilhar o caminho é solitária. Só poderemos realizar nossa humanidade, se
conseguirmos entrar em contato com o outro como seres únicos que somos,
com nossas características absolutamente pessoais. Podemos dizer que uma
relação de apego segura proporciona que cresçamos nós mesmos com nosso
próprio estilo. Assim, neste vai e vem entre busca e separação,
desenvolvimento da “Awareness” para o Auto conhecimento e para a
abrangência da perspectiva do outro, podemos amadurecer e... Simplesmente
VIVER.

Referências Bibliográficas

Bowlby, S. Apego e perda. São Paulo, Martins Fontes, 1990, vol. I (apego)

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Bee, H. A Criança em desenvolvimento. Porto Alegre, Artes médicas. 1996, 7ª


edição

Carvalho, A. M. A. O desenvolvimento da criança. Psicologia e Pediatria.


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Fernandes, M. B; Ajzenberg, T. C.; Cardoso, S. R.; Lázaros, E. A.; Nogueira, C.


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