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O parto de Ponijao é o mais díspar dos quatro bebês: é feito em casa, sem auxílio de
médicos ou enfermeiras, e com pouco - ou nenhum - cuidado em relação a higiene. Já o
nascimento de Hattie, a bebê norte-americana, foi feito no hospital, com aparatos médicos e
tudo o que um parto tradicional ocidental determina.
Ponijao nasceu do modo mais natural possível e apesar de não ter sido cuidado por
profissionais, sua mãe esteve muito conectada com ele no puerpério, sempre tomando conta
do filho. Antes, durante e após o nascimento do bebê, é um período muito delicado na vida de
cada mulher, pois, além de estar responsável por uma vida, se conecta totalmente a ela, tanto
fisicamente quanto emocionalmente. Existe uma conexão estabelecida entre a mãe e o bebê, e
o parto é o momento em que o recém-nascido deixa de fazer parte da mãe, passando a viver
sua própria vida desconectado biologicamente dela. Por conta disso, ocorre o risco de uma
possível depressão na progenitora. Outro fator que pode influenciar essa patologia é a atenção
que estará mais voltada para o bebê, além da idealização dos pais em relação ao seu futuro
filho, sendo esse o momento da mãe se adaptar às novas condições de seu corpo, do seu
emocional e principalmente do bebê real.
Por muito tempo acreditou-se que o bebê não conseguia interagir com as pessoas ou o
mundo. Mas, com passar dos anos essa ideia mudou, “o bebê é, então, visto como um ser
complexo e previsível que interage com os adultos que o cercam. Ele os modela quase tanto
quanto é influenciado” (EIZIRIK e BASSOLS, 2013, p.112). Assim, é importante existir uma
ligação entre a mãe e o bebê desde o seu nascimento, já que ela tem uma função biológica
protetora. A ligação pode acontecer de várias maneiras, no caso do Ponijao, sua mãe o incluía
na sua rotina diária. O que não acontecia com o Bayar, tendo em conta o seu dia-a-dia
segregado da mãe - ficava deitado na cama, frequentemente amarrado, enquanto ela realizava
seus afazeres.
A locomoção do bebê começa aos 3 meses, nessa idade ele geralmente já consegue
rolar. Aos 6 meses senta sem apoio, aos 8 meses e meio senta sem auxílio e entre 6 e 10
meses começa a se arrastar ou engatinhar. Depois dos 7 meses já é capaz de ficar em pé com
ajuda de alguém ou algum objeto, e aos 11 meses o consegue fazer sozinho. Com 1 ano
normalmente é capaz de andar e aos 2 anos já consegue pular e correr. Ponijao, por ser uma
criança com muitos estímulos do ambiente e por ter liberdade para se movimentar sem
restrições, teve um desenvolvimento motor mais rápido do que os outros bebês. Essa
diferença, em grande parte, se dá pela influência da cultura em que cada bebê está inserido,
“algumas culturas encorajam desde muito cedo o desenvolvimento das habilidades motoras
[...] enquanto outras não o fazem” (PAPALIA, 2013).
Referente à higiene, a mãe de Ponijao utilizava sua própria boca para limpar a região
da cabeça e do pescoço do bebê. Em um momento, enquanto o recém-nascido estava em seu
colo, ela utiliza uma espiga de milho para limpar fezes que caíram em seu joelho. As crianças,
no geral, também tomavam banho em um rio, diferentemente da bebê norte-americana, que
apareceu tomando banho no chuveiro. No caso do nosso objeto de estudo, a sua autonomia e a
sua autopercepção foram mais estimuladas devido a ausência de roupas e a diversidade no
contato com o ambiente (variedade de texturas, obstáculos), como no momento em que toca a
sua genitália junto ao seu irmão mais velho, que logo o repreendeu.
Por outro lado, temos a perspectiva do início das relações interpessoais do bebê. Desde
o seu nascimento, é perceptível a interação integral entre os membros da
comunidade, principalmente entre as mulheres e suas crianças – que são integradas à rotina
de suas cuidadoras e separadas dos homens inicialmente. Com isso, ao longo do
desenvolvimento de Ponijao, é estabelecida uma relação segura relativa ao ambiente e aos
seus adultos de referência, tendo em vista a grande disponibilidade e proximidade daquela
mãe e daquela sociedade na função de apresentar o mundo externo ao seu recém-nascido
(WINNICOT, 1990), proveniente dos aspectos culturais arraigados referentes ao senso de
coletividade daquele ambiente. Gradativamente, são estabelecidos comportamentos de apego
característicos de cada bebê, inicialmente por sua mãe, garantindo a segurança psicológica tão
essencial para o desenvolvimento pleno (EIZIRIK e BASSOLS, 2013, p.85).
Nesse contexto, fica evidente a forte conexão entre todos os membros da comunidade
e o desenvolvimento de uma integração orgânica desde a chegada da criança à realidade fora
do útero. “Relações de apoio, cuidados e afetos no início da vida favorecem o desabrochar das
qualidades inatas do indivíduo” (EIZIRIK e BASSOLS, 2013, p.81). Se comparado aos outros
bebês, como Mari e Hattie em seus contextos urbanos e cosmopolitas, onde seus brinquedos
são comprados e a educação é feita primordialmente dentro de casa e não em comunhão ao
meio, Ponijao possui um desenvolvimento mais acelerado em razão dos estímulos externos
constantes. Isso posto, a criança namibiana é frequentemente apresentada a diversos tipos de
estranhos, seres ou objetos diferentes dele mesmo e da mãe: irmãos, outras crianças, adultos,
animais e objetos diversos. Assim, também é notável o estranhamento precoce de Ponijao em
relação aos outros bebês, manifestando um modo ainda mais específico de apego pelo outro.
“Ao estranhar, o bebê apresenta com clareza que já é capaz de distinguir o familiar do não
familiar, habilidade fundamental para o amadurecimento cognitivo e social de um indivíduo”
(EIZIRIK e BASSOLS, 2013, p.86).
Ademais, é válido ressaltar que desde a saída do útero, Ponijao teve contato quase
nulo com vestimentas, ao contrário dos outros recém- nascidos que foram cobertos de alguma
maneira logo após o nascimento. ”O contato de pele entre a mãe e o bebê é também
importante desde os primeiros momentos, pois o prepara para um bom desenvolvimento e o
ajuda a elaborar a perda da experiência de estar no útero materno” (EIZIRIK e BASSOLS,
2013, p.114). Logo, o contato direto com a pele da criança é decisivo na formação de uma
psique saudável e segura, além de preparar para a descoberta do seu próprio corpo e da sua
individualidade.
Eizirik, C.; Bassols, A.M. O ciclo da vida humana: Uma perspectiva psicodinâmica.
Capítulo 5: Gestação, Parto e Puerpério p.63-75. Capítulo 6: O Bebê e os Pais p.77-93.
Capítulo 8: A criança de 0 a 3 anos p.111-125. 2ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
Winnicott, D. Natureza Humana. Capítulo 10: O ambiente p.173-179. Rio de Janeiro: Imago,
1990.