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AVALIAÇÃO FINAL

CAROLINA PEREIRA CRESCENCIO

Rio de Janeiro

2019
Seguindo o exemplo das autoras Cadoná e Strey que utilizaram campanhas de
amamentação para realizar suas análises, abordando os discursos contidos nessas
campanhas promovidas pelo Ministério da Saúde, discursos esses construídos através de
modelos sociais, voltados para a mulher/mãe, construídos tendo como perspectiva uma
essência universal e biológica, colocando a mulher na posição de cuidadora, educadora,
por natureza, das crianças, ou seja, os significados de maternidade são construídos
através de um discurso biológico de que ser mãe é natural, instintivo, principal
responsável pela saúde do filho sem levar em consideração suas condições e problemas,
busco utilizar nessa análise uma das várias páginas no Instagram 1 que compartilham
conteúdo sobre amamentação, introdução alimentar, escolha dos alimentos, receitas,
marcas de fraldas, brinquedos pedagógicos e maternidade em geral, fabricando assim
um modo de ideal de ser mãe ao compartilhar seu dia a dia dando dicas para outras
mães.

“Todos esses enunciados presentes nas campanhas estão ligados a um


ideal de mãe perfeita, que é a mãe ‘natural’, noção que se pauta na crença do
instinto maternal presente em todas as mulheres”.

A idéia de escolher uma página do Instagram para realizar a análise se deve ao


fato dessa rede social estar se tornando, cada vez mais, uma ferramenta para criadores
de conteúdo2 e blogueiros3 em geral, atraindo assim cada vez mais seguidores e outras
pessoas que acompanham o dia a dia um do outro, compartilhando diariamente sua
rotina (pessoal ou profissional), influenciando através de seu conteúdo ou até mesmo
fazendo propaganda de seu produto ou negócio. O Instagram vem também
transformando anônimos em “digital influencer 4”, que é uma pessoa que influencia
outras pessoas, seja influenciando a comprar algo ou a adotar determinado estilo de vida
e postura. A página analisada é a @amulherqueengoliuomundo 5, da Verônica que se
tornou uma digital influencer e ganhou 33.600 mil seguidores ao compartilhar o dia a
dia com suas gêmeas Alice e Bia.

1
Instagram é uma rede social online de compartilhamento de fotos e vídeos entre seus usuários
2
Criador de conteúdo é o profissional que atua na produção de textos para web, em estratégias de
marketing digital.
3
Aquele que cria, possui autoria ou escreve em algum blogue, site, página pessoal, utilizado para partilhar
informações, experiências pessoais ou notícias.
4
O digital influencer é a pessoa que detém o poder de influência em um determinado grupo de pessoas.
Os influenciadores digitais impactam centenas e até milhares de seguidores, todos os dias, com o seu
estilo de vida, opiniões e hábitos.
5
https://www.instagram.com/amulherqueengoliuomundo/?hl=pt-br
Verônica Linder é mãe solo de duas meninas, formada em jornalismo, porém se
tornou uma digital influencer quando passou a compartilhar sua rotina diária com as
filhas gêmeas. Segundo a mesma, nunca chegou a exercer a profissão de jornalista.
Atualmente, é pós graduanda em Aleitamento Materno. Através da sua página oferece
consultoria em amamentação, almofadas para amamentação produzida por ela mesma,
mapa astral para bebês também realizado por ela mesma, é doula, além de oferecer
gratuitamente informações em geral sobre amamentação e maternidade em geral. A
descrição da sua página é:

Vê Linder

Pós graduanda, ativista e militante do aleitamento materno, doula, astrologia


para conectar famílias, radfem6. Almofadas no site:
www.amulherqueengoliuomundo.com.br

Verônica compartilha diariamente stories (vídeos) mostrando sua rotina,


amamentando, alimentando, colocando as filhas para dormir, brincando, fazendo
compras, no lazer e até estudando. Seu discurso é bem claro: É totalmente a favor do
aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e pela continuação do mesmo junto de
oferecimento de comidas pelo maior tempo que a mãe consegue oferecer. Há algumas
semanas ao conhecer um estudo no XV ENAM7 e do V ENACS8 que aconteceram
simultaneamente com III Conferência Mundial de Aleitamento Materno (3rd
WBC) e da I Conferência Mundial de Alimentação Complementar (1st WCFC) no Rio
de Janeiro, do dia 11 a 15 de novembro, compartilhou um estudo sobre o aleitamento
materno contínuo após os 2 anos e a sua possível ligação com o aumento do QI nessas
crianças amamentadas ainda após os 2 anos, confidenciou aos seguidores considerar
amamentar suas filhas até elas realizarem seu próprio desmame.

Constantemente cria caixas de diálogo onde estabelece um tema e seus


seguidores fazem perguntar de acordo com o tema, onde a própria responde e tira
dúvidas. Seu posicionamento é bem claro e se baseia em recomendações do Ministério
6
Feminista radical
7
XV Encontro Nacional de Aleitamento Materno
8
Encontro Nacional de Alimentação Complementar Saudável
da Saúde, da OMS e de artigos científicos, por isso dificilmente aceita alguma crítica e
se sente segura em seus discursos. Os temas mais polêmicos geralmente são sobre
fórmulas e bicos artificiais. Apesar de reconhecer que existem fatores que levam ou que
são necessários a mãe ou ao responsável oferecer fórmula, a mesma acredita que as
mães possuem escolhas. Segundo diversos discursos da própria, nenhuma mãe é
obrigada a nada, mas é adulta e é quem faz as escolhas, ou seja, é responsável pelas
escolhas que faz pelo filho.

Diante desse discurso, a própria entende que as mães são livres para fazer
escolhas que melhor se encaixe com suas necessidades e vontades, porém alerta que as
mesmas são responsáveis também pelo que acontece ou possivelmente pode acontecer
com os filhos. Diversas vezes chegou a dizer que fórmula mata, já que somente o leite
materno possui e oferece anticorpos necessários para a proteção do bebê, porque ao
escolher dar fórmula e não amamentar o bebê está desprotegido, tal discurso leva ao
entendimento de que a mãe que não amamenta escolhe, subjetivamente, não cuidar da
saúde de seu filho.

O discurso dessa página e de diversas outras semelhantes é delicado, porque é de


conhecimento comprovado de que nenhuma fórmula se iguala ao leite materno, porém
para a amamentação exclusiva é necessário que a mãe tenha a oportunidade de se
dedicar exclusivamente a atividade, que tenha uma rede de apoio que possibilite que a
mesma amamente de forma exclusiva e tranquila, esteja bem emocionalmente e
fisicamente. Frequentemente, esses discursos de incentivo não levam ou até
desconsideram abordar esses fatores em consideração apesar de saber que não é
necessária apenas a vontade de amamentar para uma mãe amamentar.

“As regras parecem governar a forma como as pessoas tentam ou não


tentam sentir-se de maneira “adequada à situação”. Essa noção sugere o quão
profundamente “social” é o individuo, e o quanto é “socializado” para tentar
pagar o tributo às definições oficiais das situações com nada menos do que seus
sentimentos.”

Sabendo que amamentar envolve outras questões para além do ato de


amamentar, a página através do seu discurso vende um modo ideal de ser mãe, e que a
maternidade sendo solo ou não e suas dificuldades, deve se concentrar em oferecer, a
qualquer custo, o que é melhor para o bebê. Sendo assim é possível identificar que o
discurso sugere que a mãe deve procurar gerenciar suas emoções da melhor maneira
possível a fim de oferecer o que é melhor para o bebê, segundo as regras implícitas, que
a mãe deve emocionalmente se adequar as necessidades do filho, onde as emoções não
devem impedir a mãe de oferecer o que é melhor, sugerindo que as emoções são
interativas. Nessa perspectiva, segundo Hoschild, rotular, gerenciar e expressar os
sentimentos são processos que constroem aquilo que chamamos de emoção. As
influencias sociais permeiam as emoções, “os fatores sociais afetam o modo como as
emoções são suscitas e expressas”. Para Hoschild, gerenciamos aquilo que sentimos de
acordo com regras implícitas, por isso o que sentimos é frequentemente adequado à
situação. Através das regras sociais e suas convenções é possível gerenciar o que
sentimos, já que nos é ensinado como nos portar diante de determinado contexto.

As campanhas e a página analisada nesse trabalho produzem um modo de ser


mãe, e é possível entender que esse modo é construído através de um discurso biológico
de que ser mãe é natural, instintivo, principal responsável pela saúde do filho sem levar
em consideração suas condições sociais e problemas. A página exerce um papel
semelhante ao das campanhas que produzem um modo de ser mãe, onde é possível
entender que a maternidade é construída através e por meio de modelos sociais, porem
justificadas através de caráter biológico (Ministério da Saúde, estudos científicos e
OMS), porém o que seria “instintivo”, obrigação e natural pode ser aperfeiçoado
segundo a digital influencer que fornece dicas de como amamentar, assim como a
campanha, quando a mesma ensina sobre a mamada correta, por exemplo. Através de
páginas desse tipo, a mãe passa a buscar seguir esse tipo ideal de maternidade, onde é a
principal responsável pela saúde e por criar filhos equilibrados, saudáveis e até
inteligentes, porque é ensinada pelas normas sociais e por discursos desse tipo que
reforçam e legitimam esse “ensinamento”.

Hoschild aborda também outra perspectiva sobre as emoções denominada


organísmica, onde as emoções são fragmentos de experiências, “reação visceral,
imediata e instantânea a um estimulo percebido”. Segundo essa abordagem, os fatores
sociais não influenciam o modo como as emoções são contidas ou expressadas. As
emoções segundo essa perspectiva não são passiveis de gerenciamento. As regras
sociais, segundo essa abordagem, são aplicáveis e influenciam no comportamento e
pensamento, mas não sobre as emoções, pois não seria possível controlar e gerenciar as
emoções. A interação social não afeta as emoções. Na abordagem organísmica, “os
fatores sociais só podem entrar para explicar o modo como as emoções são estimuladas
e expressas.”

“Eles não são vistos como uma influência sobre o modo como as
emoções são ativamente suprimidas ou evocadas. A emoção é na verdade
caracterizada pela fixidez e universalidade de um reflexo do joelho ou de um
espirro. Nessa visão, a possibilidade de gerenciar uma emoção é a mesma de
gerenciar um reflexo do joelho ou um espirro”.

Referências Bibliográficas:

CADONÁ, Eliane e STREY, Marlene. “A produção da maternidade nos discursos de


incentivo à amamentação”. Estudos Feministas, Florianópolis, 22(2): 304, maio-
agosto/2014

HOCHSCHILD, Arlie. (2013). “Trabalho Emocional, Regras de Sentimento e Estrutura


Social”. In: COELHO, Maria Claudia (org.). Estudos sobre Interação. Rio de Janeiro:
EdUERJ.

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