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Teoria do Desenvolvimento emocional primitivo em Winnicott

"não existe um bebê o que existe é um bebê o que existe é um bebê - mãe"

No início da vida, o bebê não tem consciência do seu próprio corpo, bebê e mãe
formam uma unidade, o bebê encontra-se num estado de desamparo físico e
emocional. Nesta fase a criança se expressa através de suas funções fisiológicas,
não há trabalho de elaboração, não há conflito psíquico, apenas incômodos
vividos intensamente e a necessidade da presença do outro (a mãe) para contê-
los.
Segundo Winnicott, a realidade interna tem origem na fantasia do bebê que nessa
primeira etapa nada mais é que uma elaboração imaginativa muito simples de
sensações provenientes das funções somáticas. Com o passar do tempo o
amadurecimento das funções neurológicas e o contato com o outro propiciarão
que essa experiência primitiva de contato com o corpo e com as próprias
sensações e sentimentos se amplie até a percepção de que se é um indivíduo.
Nas palavras de Winnicott, " pode-se dizer a respeito de cada indivíduo que
alcançou um estado de ser, uma unidade com uma membrana limitadora e uma
parte de dentro e outra de fora, que existe uma realidade interna para este
indivíduo, um mundo interno que pode ser rico ou pobre e pode estar em paz ou
em estado de guerra".

ESTADO INICIAL DE DESAMPARO ® MATURAÇÃO

. tendência para o desenvolvimento (potencial herdado)

AMBIENTE : função materna (fornece condições para o desenvolvimento)

"O potencial herdado constitui o núcleo de uma pessoa e só pode ser atualizado
em um ambiente adequado"

LINHA DA VIDA: a vivência da continuidade da existência é essencial para a


maturação, se quebrada surgem as angústias impensáveis (angústias muito
primitivas como por ex. sensação de despedaçamento ou de cair para sempre).
A linha da vida se quebra pelas falhas maternas recorrentes.

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MENTE : no desenvolvimento emocional a atividade mental se desenvolve a partir
das falhas do ambiente (dosadas e progressivas). O bebê tem a necessidade de
desenvolver a capacidade de espera e de preencher a lacuna deixada pela falha
(ausência) da mãe. Se estas falhas são demasiadas, a mente é chamada a atuar
prematuramente, como que numa tentativa do bebê de cuidar de si mesmo. Esse
movimento causa um afastamento entre psique e soma, ocorre uma dissociação
que impede o processo de simbolização em detrimento de um funcionamento
intelectual (desordens psicossomáticas).

Sugestão para consulta: Abram.J, A linguagem de Winnicott, Rio de Janeiro, ed.


Revinter, 2000. Pg188 a 194

PERÍODOS DO DESENVOLVIMENTO

PERÍODO DA DEPENDÊNCIA ABSOLUTA (0 A 4 meses)


O bebê não tem noção sobre a qualidade dos cuidados maternos que recebe,
apenas obtém proveito ou sofre perturbações. Aqui o bebê ainda não se diferencia
da mãe, de modo que se recebe aquilo que precisava tem a ilusão que ele mesmo
pôde prover sua satisfação (onipotência). Por isso nessa fase o objeto é
subjetivamente concebido, ou seja, decorrente da fantasia onipotente que o bebê
tem a respeito de si mesmo.

PERÍODO DA DEPENDÊNCIA RELATIVA (até 2 ou 3 anos)


O bebê torna-se, aos poucos, consciente dos detalhes sobre os cuidados que
recebe e passa a relacioná-los com seus impulsos (desejos) pessoais. Nesta fase
começa a distinção entre o eu e o não eu, coincidindo com a época do desmame.
A mãe começa a falhar gradualmente em resposta ao desenvolvimento das
capacidades do bebê. E estas falhas contribuem para o desenvolvimento do
sentimento de self do bebê, um self que é separado da mãe. Tem início a
compreensão intelectual por parte do bebê que passa a se dar conta da sua
condição de dependência.
Neste momento o objeto passa a ser objetivamente percebido, ou seja é percebido
como algo pertencente ao mundo, portanto separado de si.

RUMO À INDEPENDÊNCIA (até a morte)

O indivíduo desenvolve meios para prescindir dos cuidados maternos


através das memórias de maternagem, da projeção das suas necessidades

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pessoais e da introjeção dos detalhes do cuidado materno. Opera a compreensão
intelectual (pensamento), ex: o bebê reconhece os ruídos da mãe preparando seu
alimento e sabe que em breve sua necessidade será satisfeita, assim pode
esperar.
Nesta fase a criança apresenta ansiedade ao separar-se da mãe o que
indica que já tem consciência dos seus cuidados (sabe em sua mente que a mãe
é necessária). O sentimento de ansiedade indica também que o bebê já está apto
para diferenciar o eu do não-eu, estágio denominado por Winnicott de “status
unitário”.
“Isso diz respeito ao estágio nos quais as tendências voltadas à integração
do bebê desembocam em um estágio em que ele é uma unidade, uma pessoa
completa, que tem um interior e um exterior, que tem uma pessoa habitando seu
corpo e que é mais ou menos limitada pela pele. Já que o exterior refere-se ao
não-eu, o interior significa eu, o que quer dizer que agora existe um lugar onde
guardar as coisas. Na fantasia da criança a realidade psíquica está localizada
no interior e o desenvolvimento da criança toma forma de um contínuo intercâmbio
entre a realidade interna e a externa.”
A criança torna-se capaz de povoar o mundo com sua vida interior, de
modo que a percepção dos fatos externos é, na linguagem usada por Winnicott
uma “apercepção criativa”, pois a percepção está conectada à subjetividade da
criança.
Neste percurso que vai da dependência absoluta até a dependência
relativa, Winnicott postula três realizações (tarefas) principais a serem vivenciadas
pelo bebê:

INTEGRAÇÃO:

O ego tende à integração desde o nascimento, entretanto depende dos cuidados


maternos para obtê-la de maneira satisfatória. É a partir do corpo que o bebê inicia
o trabalho de integrar-se. A mãe dá o suporte através do holding, ( suporte),
contendo o bebê no espaço e no tempo. É através do holding materno que o bebê
dá início à integração do esquema corporal e do psiquismo. Aqui é fundamental a
experiência da continuidade do ser ou linha da vida, pois é essa experiência que
conduzirá o bebê ao status unitário. O holding compreende não somente as
satisfações físicas reais mas também um apoio egóico dado pela mãe pelo fato
dela ter na sua mente a imagem da criança como uma pessoa completa. O
ego imaturo da criança se fortalece a partir do contato com o ego da mãe. Se
o ego da mãe for confiável, o bebê se permitirá permanecer por alguns períodos
em estado não integrado sem se sentir ameaçado na sua continuidade pessoal,
num estado de relaxamento no qual percepções do mundo externo e do seu
interior coexistem como fragmentos não integrados. Segundo Winnicott este
estado de não integração do bebê é o precursor da capacidade de relaxar e de
estar só do adulto, representando um sinal de maturidade no desenvolvimento
emocional.

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PERSONALIZAÇÃO:
Winnicott chamou de “handling”(manipulação) os cuidados maternos com o
corpo do bebê (banhar, trocar fraldas, vestir, etc). É a partir do handling que o
bebê passa a perceber seu corpo e se dá conta das sensações corporais. A partir
do toque da mãe sobre a pele do bebê dá-se a percepção da existência de uma
membrana limitadora e inicia-se a construção do esquema corporal.
Personalização foi o nome dado por Winnicott à trama psicossomática que
se inicia nessa fase do desenvolvimento. Ao contrário de muitos autores que
aceitam a existência dessa trama psicossomática sem discussão, Winnicott
postula que se trata de uma realização, algo que pode ou não ser conquistado.
Isso porque embora a psique imatura esteja desde sempre fundamentada no
funcionamento somático, considera que até este momento ainda não esteja
intimamente vinculada ao corpo. Indo mais além, Winnicott afirma que mesmo
depois do estabelecimento da trama psicossomática, ainda podem existir períodos
nos quais o contato entre o corpo e a psique fique perdido (quando o bebê acorda
de um sono profundo ou nas desordens psicossomáticas). A personalização
significa que “o corpo como um todo torna-se o lugar de residência do eu”, é o
momento em que tem início a integração da psique e do soma e que o sentimento
de self centra-se no interior do próprio corpo.
A psique é compreendida por Winnicott como "a elaboração imaginativa das
sensações que provém do corpo", dito de outra forma, as pulsões vão sendo
representadas a partir das sensações corporais.

REALIZAÇÃO: relações de objeto


Esta etapa do desenvolvimento do ego equivale à passagem da
dependência absoluta para a dependência relativa, portanto o eu do bebê ainda
não se distingue do não eu. No início o primeiro objeto é subjetivamente
concebido (permite a ilusão de onipotência do bebê), passando pouco a pouco a
ser percebido objetivamente. As relações objetais se constituem com base na
satisfação instintual (do id), pela gratificação, frustração, etc. A mãe que faz
demais ou de menos levará o bebê a reagir, ameaçando a vivência da
continuidade do ser do bebê. A mãe suficiente boa permite no início que o bebê
tenha a ilusão de ser onipotente e pouco a pouco através de falhas graduais vai
permitindo que o bebê se dê conta (realize) de que ela é um objeto separado
dele/sujeito. Essa adaptação da mãe possibilitará que o bebê venha a simbolizar.

Num primeiro momento, anterior à diferenciação eu/ não eu, a articulação


dos aspectos sensoriais constituem fenômenos de organização das experiências
estéticas (do campo da percepção) – “qualidades da experiência de se estar vivo
na presença de alguém”.

Ex: os elementos sonoros referentes à presença materna são a própria mãe


desde o ponto de vista da criança, sendo ao mesmo tempo sua própria
possibilidade de ser.

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Após a diferenciação eu/não eu, no processo maturacional a articulação
dos aspectos sensoriais do self passa a ser simbólica. Nessa passagem
observamos a passagem da representação de coisa à representação de palavra.
A representação de coisa é composta pelas impressões sensoriais, imagens
visuais, acústicas, cinestésicas, táteis, que passam a ser significadas, nomeadas,
pela representação de palavra.

Representações de coisas e representações de palavra remetem-se umas


às outras de tal maneira que formam entre si uma trama, uma rede de articulações
de signos.
Quando a sonoridade ganha valor de representação a criança passa a
utilizar um idioma onomatopéico, uma maneira de nomear o mundo a partir de
elementos vitais dos objetos.
É a linguagem diretamente em contato com a atividade lúdica, na qual “o
mundo é a criança e a criança é o mundo.”

EU - designa a representação que o sujeito faz de si mesmo após atingir o


estado integrado.

SELF – designa o sentimento de si

Desse sentimento de si faz parte a imagem corporal que constitui a imagem


primeira que o sujeito tem de si mesmo e todas as demais atualizações feitas no
decorrer da vida.

A IMAGEM INCONSCIENTE DO CORPO

ESQUEMA CORPORAL ® inconsciente, pró-consciente, consciente.

IMAGEM CORPORAL ® inconsciente ® consciente


linguagem

A imagem do corpo é eminentemente inconsciente, tornando-se em parte


consciente quando associada à linguagem (consciente).
Isso acontece a partir do uso de metáforas e metonímias relacionadas à imagem
do corpo, tanto através das palavras como através das mímicas.

Nas palavras de Dolto a imagem do corpo é a “síntese viva de nossas


experiências inter-humanas, repetidamente vividas através das sensações

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erógenas arcaicas ou atuais”. É a cada momento a memória inconsciente de todas
as relaações vividas, sendo ao mesmo tempo atual, viva e dinâmica. É atualizada
pela palavra, pelo gesto, pelo movimento, pela música, pelo desenho, modelagem,
etc.

POTENCIAL DE COMUNICAÇÃO ® A comunicação com o outro passa pela


imagem do corpo pois é através dela que o passado inconsciente ressoa na
relação presente. É justamnete quando a libido é mobilizada na relação atual que
uma imagem corporal arcaica pode retornar.

ESQUEMA CORPORAL® EXPERIÊNCIA

IMAGEM CORPORAL® COMUNICAÇÃO

Enquanto o esquema corporal estrutura-se pela aprendizagem e pela


experiência, a imagem do corpo se estrutura pela comunicação entre sujeitos. Por
causa disto o esquema corporal se constitui independentemente da linguagem e é
evolutivo no tempo e no espaço, enquanto a imagem corporal não.
Desde o nascimento palavras e fonemas acompanham os contatos com o corpo
da criança. As palavras com as quais pensamos estiveram na origem das palavras
e dos grupos de palavras que acompanharam a formação da imagem do corpo
durante o contato com o outro.

ESQUEMA CORPORAL® FONTE DAS PULSÕES

IMAGEM CORPORAL® LUGAR DE REPRESENTAÇÃO DAS PULSÕES

A experiência do contato com outro ser humano oferece à criança a


possibilidade de cruzar o esquema corporal, lugar da necessidade e vitalidade
orgânica, com a imagem do corpo, lugar do desejo. É essa trama que permitirá à
criança estruturar-se como ser humano.
Enquanto o desejo busca a satisfação, a palavra oferece a possibilidade da
espera. Os processos de tensão ou de dor que se estabelecem no corpo
(esquema corporal) são apaziguados pelas palavras vindas de um outro,
permitindo que estas percepções sejam humanizadas (imagem corporal).
O viver em um esquema corporal desprendido da imagem do corpo é um
viver mudo, solitário e silencioso, como vemos em casos de autismo ou psicose
nos quais o sujeito permanece cativo de uma imagem incomunicável, uma
imagem coisificada que respira e pulsa mas não tem prazer nem dor.
Na esquizofrenia a potencialidade de simbolizar a imagem do corpo foi
interrompida por não existirem palavras vindas da pessoa com quem a relação era
estruturante. Trata-se não exatamente da ausência de qualquer palavra, mas da
palavra carregada de afeto e de sentido, da palavra humanizada.

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A palavra carrega em si mesma um sentido simbólico e é potencialmente
objeto de comunicação entre os homens, mas de maneira geral sua compreensão
depende do esquema corporal e da constituição da imagem corporal de cada
indivíduo, pois a palavra remete às trocas vivas que acompanharam seu processo
de aquisição. Se faltar o esquema do corpo ou a imagem corporal referente a
uma determinada palavra esta não será compreendida por estar vazia de sentido
para aquele sujeito.

OS TRÊS ASPECTOS DINÂMICOS DA IMAGEM CORPORAL

IMAGEM DE BASE®é o que permite à criança sentir-se em uma “mesmice de


ser”, ou seja, uma continuidade narcísica no espaço-tempo desde o nascimento,
que resiste às mudanças do corpo e aos processos evolutivos. “É desta mesmice
que vem a sensação de existência”.
A imagem de base vai sendo constituída de acordo com a importância dada
às diversas zonas do corpo desde o nascimento. Num primeiro momento a
imagem de base é respiratório-olfativa-auditiva , referindo-se à percepção do
cavum e tórax, passando a seguir para uma imagem de base oral, que
compreende a primeira e acrescenta a percepção da zona bucal faringo-laringe e
à representação do cheio ou vazio do estômago (percepção ligada à fome ou
saciedade). A próxima será a imagem de base anal, que acrescenta às duas
primeiras a percepção da retenção ou expulsão do conteúdo da região inferior do
tubo digestivo, além da bacia, nádegas e períneo.
Quando a imagem de base é ameaçada aparece um estado fóbico, um
esforço de defesa contra um perigo ameaçador e persecutório, relacionado com a
região corporal à qual a imagem basal se refere.

IMAGEM FUNCIONAL® diferente da imagem de base que tem em si um


componente estático, a imagem funcional é a responsável pela realização do
desejo. Graças a ela as demandas provenientes do esquema corporal buscam
atingir a satisfação. A elaboração da imagem funcional enriquece as
possibilidades de relação com o outro, pois estimula o corpo a servir ao objetivo
de satisfazer o desejo em grande parte pela via da comunicação.
Quando a imagem funcional se encontra denegada total ou parcialmente, por
exemplo por uma intervenção repressora de um adulto, (tire a mão daí), a criança
pode escolher o caminho do recolhimento para evitar o contato entre a zona
erógena e o objeto proibido visto como perigoso.

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IMAGEM ERÓGENA® associa-se à imagem funcional do corpo, local onde se
vivencia o prazer ou desprazer na relação com o outro, abrindo caminho para o
prazer partilhado, humanizante no tocante ao valor simbólico e que pode ser
expresso pelo gesto e pela palavra (no início a palavra vinda do outro e mais tarde
a própria palavra).

A imagem do corpo é, portanto, a síntese viva destas três possibilidades,


atualizadas constantemente no que Dolto denomina Imagem Dinâmica, que
corresponde ao “desejo de ser e de preservar um advir”. A imagem dinâmica
não tem uma representação própria, mas corresponde a uma intensidade da
expectativa de atingir o objeto, é o “trajeto do desejo dotado de sentido, indo
em direção a um objetivo.”

A pele tem um importante papel na constituição da Imagem do Corpo, pois


as sensações táteis são responsáveis pela percepção da existência de um espaço
interno separado do externo, o que no processo de desenvolvimento primitivo leva
a percepção da individualidade. Sabemos que as experiências de contato cutâneo
entre a mãe e o bebê possibilitam que este vá, pouco a pouco, percebendo a
existência da sua pele. Além disso, é nessa relação de contato com a mãe que o
bebê vai delimitando o seu interior separado de exterior.

DISTÚRBIOS DA IMAGEM DO CORPO - alguns exemplos

Em “Considerações sobre o corpo em Psicanálise”, Jurandir Freire Costa se


refere à percepção imaginária do corpo como um envelope fechado como origem
da autopercepção do eu na formação narcísica, afirmando que “a identidade
egóica é modelada pela imagem corporal que atende à demanda do outro que
atribui ao sujeito uma completude física, emocional e moral proporcional à sua
fantasia de perfeição e exige em troca a submissão a este ideal”. A imagem do
corpo passa a ser usada como “moeda de troca” e o corpo é manipulado com o
intuito de garantir a satisfação narcísica de sustentar o interesse do outro. Nesse
jogo a unidade psicossomática pode ser abalada e a imagem do corpo desviante
passa a ditar os caminhos que levarão à destruição total ou parcial das funções
autorreguladoras do esquema corporal.
Um exemplo é o caso das adições o corpo torna-se o lugar absoluto de
gozo e o prazer pela sensorialidade passa a ser sua garantia. A estimulação dos
sentidos precisa ser constante o que leva a insaciabilidade. A droga ao ser
ingerida torna-se corpo, sua presença é introjetada em diversos níveis, fisiológico,
psíquico e comportamental. Não é possível prescindir da droga pois não é
possível constituir a imagem do corpo sem ela. Segundo Jeammet nos

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comportamentos adictivos em geral há uma alternância entre sensações de vazio
e de completude. Na toxicomania há a necessidade da droga, na bulimia da
comida e na anorexia a necessidade de prescindir da satisfação de uma
necessidade. Alguns autores vêem a relação da anoréxica e da bulímica com a
comida como um vínculo de sujeição, tal qual uma adição. Seu discurso é
preenchido por questões referentes ao se alimentar ou não se alimentar, ao peso,
as dietas, de forma que a própria identidade do sujeito passa a se constituir a
partir destas questões.
No âmbito dos distúrbios alimentares acho importante fazermos algumas
considerações sobre a questão da imagem do corpo na adolescência. Como bem
observou Carla Busato “os distúrbios da imagem do corpo na adolescência são
patologias que usam o corpo para narrar aquilo que a mente ainda não sabe faze-
lo”. Sabemos que este é um momento de transformações contínuas e
incontroláveis e por causa disso o corpo pode ser vivido como fonte de angústia,
um corpo estranho. Vítima de uma vivência persecutória surge a fantasia de que o
corpo deva ser aprisionado, bloqueado, já que é tomado por subversivo. Se a
vivência for de um corpo cujos limites estão ausentes, pode acontecer a tentativa
de tornar o ilimitado limitado através da solução bulímica de dilatar-se até sentir-se
cheia. A sensação de estar cheia pode estar diretamente relacionada com a
constituição da imagem de ter um contorno, pois se há um espaço interno que
está preenchido, dilatado até o limite, há um limite que contorna.
Outra questão recorrente na adolescência é a necessidade de
reconhecimento do que lhe pertence e do que pertence ao outro. Em termos
corporais, o corpo vivido como estranho pode trazer a percepção de ter partes em
excesso que precisam ser eliminadas. A solução anoréxica é eliminar os excessos
até tornar-se pele e osso, na tentativa de moldar um corpo que lhe pertença.
Em “Notas sobre a Cultura Somática”, Jurandir Freire Costa, se refere à
possibilidade do encontro de ideais de desempenho físico menos opressores e
alienantes, salientando que a serenidade, o equilíbrio e o conforto físico e mental
podem ser maneiras de resistir ativamente ao dever de gozar sensorialmente.
Já que o corpo se impõe através de múltiplos sintomas, talvez possamos
refletir sobre meios de reverter este processo encontrando meios de resgatar no
corpo sua memória, sua biografia tecida por lembranças e narrativas.

Bibliografia sugerida:

COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do


espetáculo, São Paulo:Ed. Casa do Psicólogo, 2004.
DAVIS. M & WALLBRIDGED. "Limite e espaço: uma introdução à obra de D.W.
Winnicott, Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1982. pg 47 a 59.
DOLTO, Françoise. A imagem inconsciente do corpo, São Paulo: Perspectiva,
1984.
FREUD, Sigmund (1914) (1923) O ego e o id. . IN Obras Psicológicas Completas,
vol.. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

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