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FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO

UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO E ARTES

CURSO DE PSICOLOGIA

Teorias em psicanálise

Resenha teórica sobre os de fenômenos transicionais de Winnicott

Laura de Moura Ferreira Lemes - 02210054

Lívia Lemes Silva - 02210144

Lívia Lemes Vianna - 02220190

Marcela Braga Fernandes - 02210245

Olívia Couto Bevilacqua - 02211217

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

2023 / 1 / 1ºbi
1. INTRODUÇÃO A OBRA DE D. W. WINNICOTT

Para Winnicott, o ser humano traz em si uma tendência inata a se


desenvolver e a se unificar. Porém tal desenvolvimento depende se o ambiente,
inicialmente representado pela mãe ou por um dos seus substitutos, permite ou não
o livre desenrolar do chamado “processo de maturação”, que refere-se à
estruturação e ao desenvolvimento do eu, do isso e do supereu.
Os fenômenos transicionais são atitudes originadas da “frustração” da
criança, um exemplo deste comportamento é quando a mãe sai do quarto do bebê
na hora de dormir, esta atitude gera uma angústia motivada pela desilusão, quando
o bebê compreende que ele e a mãe não são um só, e que existem suas próprias
necessidades.
Este episódio é assistido durante o segundo semestre de vida da criança e
pode ser observado a partir de certas atitudes, como: o bebê levar até a boca, junto
com os dedos, algum objeto externo como, uma ponta de lençol ou cobertor, ou
quando segura um pedaço de tecido, que ele chupa ou não chupa, os objetos
geralmente utilizados são fraldas e mais tarde lenços. A escolha do objeto se dá ao
que tiver no alcance da criança, desde os primeiros meses, o bebê começa a puxar
fiapos de lã e a fazer com ele uma bolota com que se acaricia.
O fenômeno pode haver ou não um objeto, porém quando aparece um objeto
nessas atividades chamamos de objeto transicional, que necessariamente possui
uma importância vital para a criança, que a ela se dedica em momentos em que
poderia surgir a angústia, especialmente em ocasiões de separação com a mãe. O
adjetivo transicional indica o lugar e a função em que esses fenômenos ocupam na
vida psíquica da criança. Eles se alojam na realidade interna e externa, esse espaço
serve como um amortecedor no choque da conscientização da realidade externa.
O objeto transicional é um sinal claro da existência de espaço na vida
psíquica da criança, o importante não é a existência de um objeto, mas a existência
de um espaço transicional.
Esse objeto representa a mãe e a transição da criança pequena que passa do
estado de união com a mãe para o estado de separação, seu aparecimento é o sinal
de que a mãe da primeira fase foi suficientemente boa, ele marca a passagem do
controle onipotente para o controle pela manipulação. Quando deixa de ser
necessário para a criança esse objeto é desinvestido, mas não esquecido. O espaço
transicional persiste ao longo de toda vida, ele terá por função aliviar o ser humano
da constante tensão suscitada pelo relacionamento da realidade de dentro com a
realidade de fora.
Para Winnicott existe uma normalidade dos fenômenos transicionais, mas em
alguns casos, podemos considerar uma psicopatologia, por exemplo quando a mãe
se ausentar por um tempo que ultrapassa a capacidade da criança mantê-la viva em
sua lembrança, percebe-se um desinvestimento do objeto. Os diferentes distúrbios
psíquicos ligados ao sentimento de falta de sobrevivência da mãe, podem ser
agrupados sob o termo “doenças da pulsão agressiva’, dentre elas encontramos a
tendência anti-social, a hipocondria, a aparência, a psicose maníaco-depressiva e
algumas formas de depressão.
O tratamento desses distúrbios se dá através de uma análise que cuida de
acontecimentos ligados ao embate entre a agressividade e a libido, entre o ódio e o
amor, num estádio em que a criança se preocupa com as consequências de seu
ódio e sente culpa por ele, é importante que o analista não faça julgamentos em
resposta ao ódio exprimido ou atuado pelo paciente.
Para Winnicott o ambiente continua a exercer influência na criança que
cresce, no adolescente e até no adulto, se essas influências descreverem na criança
uma curva decrescente, ela nunca pára por completo, ou seja, o ambiente constitui o
auxílio indispensável em que o ser humano se apóia para construir as bases de sua
personalidade.

2. O DESENVOLVIMENTO DA ÁREA TRANSICIONAL

No uso de sua primeira possessão ‘não-eu’, os bebês apresentam certos


padrões de comportamento, que correspondem a uma sequência de eventos que se
inicia no recém-nascido, com as primeiras atividades do punho na boca, e que com
o passar dos anos, leva a ligação com um objeto, normalmente um brinquedo, como
uma boneca ou um animal de pelúcia. A área intermediária entre o dedo e o objeto
representa o meio entre o interno e o externo, a atividade criativa primária e a
projeção do que já foi introjetado, o erotismo oral e a verdadeira relação objetal, é
tudo aquilo que se incide sobre ela é chamado de fenômeno transicional. Nela se
apresenta o uso dado a objetos que são externos ao corpo do bebê, ainda que não
sejam reconhecidos inteiramente como pertencentes à uma realidade externa. Tais
fenômenos surgem por volta dos quatro e seis aos oito e doze meses de idade,
manifestam-se fortemente durante o desenvolvimento da criança e podem
reaparecer numa idade posterior.
É possível dizer que a vida de um indivíduo é composta por duas partes:
existe uma realidade interna, que compreende a subjetividade, assim como também
existe uma realidade externa. Para Winnicott, se há essas duas, também há uma
terceira: a área intermediária de experimentação, que equivale a um lugar de
repouso para aquele que se dedica à eterna tarefa humana de manter as duas
realidades separadas, embora estejam relacionadas.
A progressão 'da mão na boca' para o manuseio de objetos ‘não-eu’ se inicia
com o surgimento de uma propensão a entrepor objetos reconhecidos como
'diferentes-de-mim' para representar o seio. Assim, os bebês começam a colocar o
polegar na boca enquanto acariciam o rosto com os dedos em movimento em uma
atividade acariciante que consiste em uma experiência auto erótica. Também há a
possibilidade de levar um objeto externo à boca, como um pedaço de tecido, ou
ainda, a reprodução de sons, como balbucios. Disso, pode surgir algo, como um
cobertor, palavra ou melodia, que se destaca e se torna extremamente importante
para o bebê, utilizado no momento de dormir e constituindo uma defesa contra a
ansiedade. No início da infância o objeto original permanece sendo necessário mas
é gradativamente substituído por brinquedos duros. Nessa relação entre a criança e
o fenômeno transicional há uma forte presença de simbolismo, pois é uma
representação simbólico de algum objeto parcial, como o seio da mãe. o fato de não
ser o seio da mãe, é tão importante quanto a representação em si, pois implica no
início da clara distinção entre a fantasia e a realidade para o bebê.
O destino do objeto transicional é ser gradualmente descatexizado, de forma
que, com o passar do tempo, perde seu significado e é desprezado. Um filme que
retrata de maneira interessante o literal desaparecimento de um objeto na história de
vida de alguém é em Divertida Mente (2015) onde as principais emoções são
personificadas e por conta de uma confusão na sala de controle interno de Riley, a
Alegria e a Tristeza se encontram em uma aventura nas profundezas da mente
adolescente da garota. A cena que evidencia o processo de descatexização é o
momento em que o amigo imaginário de Riley, Bing Bong, cai no imenso abismo de
memórias e é esquecido permanentemente. A cena é comovente e, mais que isso, é
brilhante em mesclar o gênero infantil junto a um dos momentos mais marcantes e
transicionais de uma criança que é a despedida da sua infância e do famoso objeto
transcricional, o amigo imaginário. Com o esquecimento definitivo de Bing Bong,
Riley pode superar a crise presente e deslocar-se para a próxima fase, com novos
conflitos e objetos transnacionais.

3. DESCRIÇÃO CLÍNICA DE UM OBJETO TRANSICIONAL

Deformação no uso do objeto transicional: À mãe de X “aprendera a ser mãe”


em seu trato de X quando este era bebê. Ela levou sua tarefa de mãe muito a sério e
o alimentou ao seio durante sete meses. Achava que, no caso dele, isso fora
demais, e X tinha sido muito difícil desmame. Nunca chupara o polegar ou os dedos,
quando o desmamar, ele não teve nada para o que se voltar. Nunca tivera
mamadeiras, chupetas ou qualquer outra forma de alimentação. Tinha uma ligação
muito forte e precoce a ela própria, como pessoa, era de sua pessoa real que ele
necessitava.
A partir dos 12 meses, X adotou um coelho, esse coelho específico poderia
ser descrito como um confortador, mas nunca possuíra a verdadeira qualidade de
um objeto transicional. Nunca fora, como um verdadeiro objeto transicional teria
sido, mais importante do que a mãe. No caso desse menino, os tipos de ansiedade,
que chegaram ao auge devido ao desmame aos sete meses, produziram
posteriormente asma,. Sua ligação à mãe ainda é muito forte, embora ela saiba na
definição ampla do termo normal ou sadio. Esse homem não se casou.
Uso típico do objeto transicional: O irmão mais novo de X, o Y,
desenvolveu-se de maneira bastante direta. Tem hoje três filhos saudáveis. Foi
alimentado ao seio durante quatro meses e, depois, desnatado sem dificuldade. Y
chupou o polegar nas primeiras semanas e isso, mais uma vez, tornou o desmame
mais fácil para ele do que para o irmão mais velho. Pouco depois do desmame,
adotou a ponta do cobertor, onde a costura termina. Ficava contente com que um
pedacinho de lã sobressaísse ao canto, com o qual fazia cócegas no nariz. Quando
completou um ano de idade, substituiu a ponta do cobertor por um macio jérsei
(tecido macio) verde, com um laço vermelho. Não se tratava de um “confortador”,
como no caso do depressivo irmão mais velho, mas de um “acalmador”. Constituía
um sedativo que sempre funcionava. Trata-se de um exemplo típico do que estou
chamando de objeto transicional. Quando Y era pequeno era certo que se alguém
lhe desse seu Baa, ele imediatamente o pegava e perdia a ansiedade, e, de fato,
caía no sono em poucos minutos, além de sugar os dedos. Hoje, mostra-se
interessado (como um pai) no sugar o polegar pelos filhos e no uso que estes fazem
de “Baas” (ponta do cobertor).
Na consulta com um genitor, frequentemente é valioso obter informações
sobre as primeiras técnicas e possessões de todas as crianças da família. Com
frequência, pode-se obter de uma criança informações a respeito de objetos
transicionais. Praticamente em toda história clínica pode-se encontrar algo
interessante nos fenômenos transicionais, ou na ausência deles.

4. ESTUDO TEÓRICO A RESPEITO DO OBJETO TRANSICIONAL

O objeto transicional não é um objeto interno, mas sim uma possessão. O


objeto de transição pode representar o seio “externamente”, e indiretamente ser
representante do seio “interno”. O “seio” (incluindo toda a técnica de maternagem) é
criado pelo bebe diversas vezes, pela capacidade de amar ou pela necessidade.
Portanto, desde pequeno o bebe envolvido com o problema de relação entre o
objetivamente percebido e o subjetivamente criado, sendo que na solução desse
problema não existe saúde para o homem que não tenha sido cuidado por uma mãe
suficientemente boa.
A ilusão é a principal função do objeto transicional. O problema do bebê, que
inicialmente é oculto, gradativamente se torna um problema evidente, pois a
principal função da mãe que inicialmente era criar uma ilusão, agora é criar uma
desilusão.

5. APLICAÇÃO DA TEORIA

Primeiramente, é preciso entender que os objetos externos presentes na


passagem de fases da criança não são, prontamente, transicionais e sim uma
representação daquela crise para o bebê que inicia o desprendimento da mãe e
começa a coexistir com ela. A relação se torna externa e dissociada e a criança
compreende que há uma vivência possível longe e fora da mãe. Posto isto, por mais
ordinário que os fenômenos transicionais sejam, é necessário evidenciar a patologia
que pode estar presente em certos casos, como por exemplo em situações de
separação, ausência e perda e como esses cenários podem influenciar os
fenômenos em questão.
Na hipótese em que a mãe ou a pessoa de quem o bebê vincula-se e
necessita se encontra afastada, nos primeiros momentos não existe uma
modificação visível, visto que a criança ainda possui memória e internamente a
figura materna ainda está ali. Entretanto, se aquele símbolo permanecer ausente por
muito tempo, a lembrança vai se enfraquecendo até perder o sentido para o bebê,
neste cenário, junto as memórias, os fenômenos transicionais também deixam de ter
significância e a criança não os experimenta como o previsto e o objeto é
descatexizado. Antes da perda total, é possível notar um uso exagerado de um
objeto transicional associado a negação de que ele irá se tornar insignificante.

6. MATERIAL CLÍNICO: ASPECTOS DO FANTASIAR

Utilizando o exemplo de uma paciente, Winnicott procura exemplificar como o


sentimento de perda em si mesmo pode se tornar uma maneira de integrar a própria
existência.
A paciente do caso trabalhado aqui é uma mulher adulta, mãe de vários
filhos, valorizada por todos ao seu redor e que, contudo, carregava consigo uma
enfermidade psíquica que passava despercebida aos olhos alheios. Fantasias e
sonhos eram frequentes, sendo alguns tranquilizantes e outros um tanto quanto
assustadores. Uma das diversas fantasias que tinha envolvia um acidente de trem,
no qual ficava incomunicável e imóvel, sem poder avisar da tragédia que lhe tinha
ocorrido para ninguém importante. Gritava e gritava, sem respostas.
A mulher relatou uma experiência desagradável com seu gato de estimação,
na qual ele miou e miou, durante muitas horas e ela não ouviu. Essa situação é bem
semelhante com o acidente de trem em que a paciente fantasia sobre, tendo uma
provável ligação entre esses cenários. Além do gato, a mulher relatou sobre vários
momentos que ocasionaram em traumas que ela carrega ainda na vida adulta.
Esse caso reflete o lado negativo que certos relacionamentos tiveram na vida
da moça, principalmente aqueles que implicam em abandono. Como mãe, se sente
muito culpada em relação aos próprios filhos por qualquer indício de negligência não
proposital, já que se baseia na própria experiência de ter sido negligenciada pelos
pais na infância. No estudo de Winnicott com essa paciente, ele procurou
exemplificar o sentimento que, tanto uma criança quanto um animal, tem em relação
ao abandono, seja de rápida ou longa duração. Se tal objeto desaparece por um
tempo, ele é dado como morto. A criança não tem a capacidade de mantê-lo vivo na
realidade psíquica interna enquanto ele não está ali. Se desaparece por muito
tempo, afeta de maneiras mais prolongadas o psiquismo daquela criança.
Foi esse desaparecimento prolongado que constituiu a mulher do caso
analisado aqui. O sentimento de desapego a levou a se desapegar das coisas,
sejam dos objetos e das pessoas. A levou a crer que a única coisa que é de fato real
é essa ausência, essa lacuna. É a morte, a falta, a amnésia. A paciente deseja, em
suas fantasias, ter algo que nunca se perca. Suas fantasias eram intensificadas por
conta de seu privilegiado intelecto, chegando a desenvolver inúmeras técnicas para
lidar com as separações ocorridas no passado.
Ao se deparar com a irrealidade da devoção e fidedignidade materna, com a
negligência não proposital vinda de sua mãe, percebeu que as coisas implantadas
na sua cabeça desde que nasceu eram irreais. As mães são perfeitas, eles diziam.
Mas a sua não era. Ela chega à conclusão que o único real é o irreal, o negativo é o
único positivo.
Todo esse fragmento clínico ilustra o valor de guardar em mente as distinções
existentes entre os fenômenos, em termos de sua posição na área situada entre a
realidade externa ou compartilhada e o sonho verdadeiro.

7. O FENÔMENO TRANSICIONAL E A TENDÊNCIA ANTISSOCIAL

Em seus estudos sobre os fenômenos transicionais, Winnicott relacionou a


conquista da experiência de transicionalidade com o desenvolvimento de sintomas
antissociais em crianças. Segundo ele, o uso desses objetos significaria que o bebê
já possui uma certa compreensão de 'eu' e 'não eu', fazendo com que possa
tomá-los para si e reagir caso lhe sejam retirados. O bebê apropria-se dos objetos
pois estes inicialmente foram corpo materno primário e só depois passaram a fazer
parte da realidade compartilhada, assim ele vive uma experiência na qual a mãe/o
mundo serão contemplados e nunca perdidos. Na tendência antissocial, os
fenômenos transicionais são a única forma de contato com a interrompida conexão
original da dupla, onde tudo era um só ("o que é seu, é meu").
A deprivação é a fase na qual a criança já consegue diferenciar o Eu do Tu,
ou seja, enxergar ela e mãe como dois seres distintos. A Teoria da Tendência
Antissocial engloba apenas uma parte dos fenômenos das condutas sociais, aquelas
que derivam da deprivação excessiva. Essa teoria não abrange casos mais
extremos, como aqueles que envolvem violência ou falta de recursos. Winnicott se
arrisca ao tentar explicar a violência extrema e a delimitação entre a psicopatia e a
psicose, já que na psicopatia a conduta antissocial pode atingir tanto a proximidade
local daquele indivíduo, como seus familiares e conhecidos, quanto afetar enormes
instituições.
O papel da deprivação neste campo de condutas antissociais está na forma
de utilização do objeto que foi externalizado durante o processo de amadurecimento
individual. Ao utilizar deste objeto de maneira exacerbada, para reprimir a angústia
da separação do Eu com o Outro, aumenta a predisposição com fenômenos
fetichistas e adicionais. Quando a experiência do sujeito é prejudicada pela ausência
de objetos transicionais verdadeiros, o próprio corpo pode se encaixar como objeto
precursor de transnacionalidade, como por exemplo a pele, que delimita a realidade
externa da realidade interna. A tecnologia dos dias atuais também pode afetar o
encontro de objetos transicionais verdadeiros, já que os aparelhos celulares usados
por crianças e adultos não são duradouros e sim descartáveis, tendo como objetivo
proporcionar apenas uma satisfação rápida e imediata. Acredita-se que esses
objetos contribuem no adoecimento do ser humano, já que são vazios e
substituíveis.
Quando a criança perde seu objeto transicional ocorre uma dissociação da
personalidade em duas partes, uma que envolve o mundo subjetivo e outra que se
submete ao mundo objetivo. Acontece uma quebra no processo de integração, de
forma que a ponte construída entre o interno e o externo se perde e impossibilita a
continuação de ser diferenciado do outro.

8. O FENÔMENO TRANSICIONAL NO FILME “O QUARTO DE JACK”

A história retratada no filme Quarto de Jack (2016) reproduz de maneira


notória o processo de constituição dos fenômenos transicionais, suas dimensões e
consequências dentro da vida da criança protagonista, Jack. Ele tendo sido
concebido, nascido, criado e vivido no mesmo minúsculo espaço, que logo o
espectador entende ser um abrigo onde Jack e sua mãe vivem reféns de um
sequestrador, não conhece nada além daquilo. É evidente que a mãe, Joy, se vê na
obrigação de ocultar a terrível verdade de Jack e desse modo, cria fantasias e
histórias mágicas para que a vivência de seu filho seja a melhor possível, apesar
das condições que ambos se encontram.
Em certo momento do filme, Joy percebe que se deseja poder criar Jack fora
daquele pesadelo que ela vive há sete anos desde que foi raptada, precisará agir e
para isso, vai demandar da ajuda do menino de apenas 5 anos. Logo, ela abre o
jogo com Jack e expõe a verdade sobre o mundo afora e conta para ele seu plano
de fuga. A primeira reação do menino é negação, ele afirma “quero ter 4 anos de
novo”, referenciando ao fato de que gostava mais do mundo imaginativo onde não
existiam preocupações ou cenários ruins. Logo em seguida, transfere sentimentos
de raiva para a mãe e opõe-se à escapatória proposta. Eventualmente, Jack
obedece a mãe, mas sem antes a edição do filme mostrar uma cena onde o garoto
fala com diversos objetos do Quarto, desejando bom dia a eles e demonstrando
visível carinho pelo local.
Fica claro, nesse momento, que Jack está passando pela sua primeira
transição e de maneira conturbada e nada convencional, onde ocorre uma quebra
de expectativa imensa e ele sofre as consequências de desligar-se da ilusão. Além
dos objetos e móveis que o menino desenvolveu conexões emotivas, também existe
na trama, o dente que Joy perdeu devido às terríveis condições sanitárias do Quarto
e que ela lhe presenteia como amuleto para que ele não se sinta sozinho durante a
fuga. Jack, inclusive, o guarda dentro da boca e fica evidente o apego que ele
desenvolve com a peça, o principal objeto transicional da história.
É importante entender que, as quatro paredes do Quarto são a única
referência para Jack de vida, de tudo o que é bom, ruim e suficiente. Por conta
disso, não há sentido em esperar que ele queira fugir ou deseje outra rotina. O
ambiente constitui o esteio indispensável em que o ser humano se apóia para
construir as bases de sua personalidade (NASIO, 1995) e Jack, repentinamente, vê
sua vida monótona e tudo o que ele conhecia se revirando completamente e então,
entra em uma crise transicional quando é retirado deste ambiente primário.
É interessante concluir que, na história, é possível identificar os fenômenos
transicionais de Winnicott na rejeição de Jack em aceitar a realidade, na raiva
mascarada dirigida a Joy, no seu apego afetuoso pelo Quarto e, acima de tudo, no
dente caído da mãe que ele, carinhosamente, guarda na boca. Todos esses
comportamentos retomam o fato de que, independente da situação que Jack se
encontra, ele ainda é uma criança entrando em uma fase desconhecida, que
consequentemente traz novidades assustadoras e tudo isso é antecipado pela teoria
apresentada nesta resenha.
Finalmente, após os protagonistas conquistarem sua liberdade e suportado
todos os desafios consequentes do trauma, Jack pede a mãe para que eles voltem
para casa, ao que Joy responde dizendo que eles já estão em casa, o garoto então
replica que quer visitar a outra casa, se referindo ao Quarto. Então, na última cena,
Jack e Joy se despedem do local, tal como o menino fazia com os objetos antes de
dormir e logo quando acordava. Desse modo, se conclui tanto a história como a
crise transicional de Jack, ao que ele se despede tanto do local físico como do seu
passado confortável que, todavia, já não cabe mais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIVERTIDA mente. Direção: Pete Docter. Produção Walt Disney Pictures. Estados
Unidos: Walt Disney Studios, 2015.

FREITAS, L. M. C; MIGLIORINI, W. J. M. Objetos transicionais e o desenvolvimento


da capacidade de incomodar. Jornal de Psicanálise, v. 51, n. 95, p. 89-103, 2018.

NASIO, J. D. Introdução às Obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein,


Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1995.

QUARTO de Jack. Direção: Lenny Abrahamson. Produção Irish Film Board.


Canadá: Element Pictures, 2016

WINNICOTT, D. W. Transitional Objects and Transitional Phenomena - A Study of the


First Not-Me Possession. International Journal of Psycho-analysis, vol. 34, p.
89-97, 1953.

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