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DESENVOLVIMENTO INFANTIL EM HENRI WALLON

Wallon: um homem e seu contexto

Para entender uma teoria, uma obra de arte, ou mesmo um pensamento, é


necessário entendermos seu contexto, ou seja, os fluxos e forças sociais, politicas,
culturais e afetivas que permitiram ou impulsionaram a sua criação. Uma história,
uma teoria, uma obra de arte sempre trazem em si as condições de sua produção,
assim como qualquer ser humano traz em si marcas não só genéticas e biológicas, mas
também de sua cultura, de sua língua, de sua posição econômica em uma sociedade.
Assim sendo, antes de iniciarmos a exposição da teoria do desenvolvimento infantil
de Henri Wallon, falaremos brevemente sobre seu contexto de vida, que certamente
influenciou e determinou sua produção.
Wallon nasceu em Paris em 1879 aonde passou toda a sua vida até sua morte
em 1962 aos 82 anos.
Membro de uma família de tradição universitária e política. Antes da
Psicologia passou pela Filosofia e Medicina. Formou-se em Filosofia. Depois em
Medicina. Atuou como médico em instituições psiquiátricas. Os conhecimentos no
campo da Neurologia e da Psicopatologia tem grande importância na construção de
sua teoria psicológica. Assim como sua participação no Círculo da Rússia Nova, no
qual era discutido o Materialismo Dialético como método de análise.
Viveu em um período marcado por muita instabilidade social e turbulência
política. Duas guerras mundiais e o avanço do fascismo entre as guerras. Revolução
Socialista e as guerras de libertação das colônias, que atingiram os países europeus e
particularmente a França. Participou da resistência francesa durante a ocupação
nazista da França (1941-1944). Alinhava-se com o pensamento da esquerda. Foi
perseguido pela Gestapo. Filiou-se ao partido comunista em 1942 e permaneceu até o
fim da vida. Foi à Moscou em 1931 e foi convidado a integrar o Círculo da Rússia
Nova. (GALVÃO, 2010)
Assim, sua formação traz as marcas da filosofia e da medicina. Além disso, o
pensamento materialista dialético orienta toda a sua obra, concebida entre o orgânico
e o social. Conjugando a dialética e a experiência médica que o colocava
cotidianamente em contato com a sístole e diástole da atuação cardíaca, com o
anabólico e o catabólico do metabolismo celular, Wallon foi levado a perceber a vida
dos organismos como uma pulsação permanente, uma alternância de opostos. Assim
constrói uma ciência psicológica híbrida, situada na intersecção de dois mundos, o da
natureza e da cultura, uma dimensão nova que resulta do encontro e da tensão
permanente desse jogo de forças. (DANTAS, 1992)
Vamos agora a uma compreensão mais geral dos aspectos fundantes de sua
teoria para posteriormente entendermos suas formulações sobre o desenvolvimento
infantil.

Wallon e a psicogênese da pessoa completa

Para Wallon, o homem é um ser indissociavelmente biológico e social, pois


sua existência se dá entre as exigências do organismo e da sociedade, entre os mundos
contraditórios da matéria viva e da consciência. O estudo do psiquismo portanto não
deve tratar esses termos como independentes nem desconsiderar qualquer um deles.
Assim, o campo da Psicologia deve ser situado entre os campos das ciências naturais
e sociais.
Para Wallon, o organismo seria sim, a condição primeira do pensamento, pois
toda função psíquica supõe um equipamento orgânico. No entanto, adverte que essa
não é condição suficiente para a produção do pensamento, pois para ele o objeto da
ação mental vem do exterior, ou seja, do grupo ou do ambiente no qual o indivíduo se
insere. Entre os dois – natureza orgânica e natureza social – as fronteiras são tênues.
Entre eles é tecida uma complexa relação de determinação recíproca. Entende a
contradição como constitutiva do sujeito e do objeto, o que faz do materialismo
dialético um referencial fecundo para a Psicologia, ciência que estuda uma realidade
híbrida.

“a psicogênese no homem está ligada a dois tipos de condições, umas


orgânicas, outras relativas ao meio de que a criança recebe os motivos de
suas reacções. O recém nascido de nossa espécie é um ser longe ainda de
estar concluído. Se ele possui já todos os neurônios, de que poderá até
nunca chegar a dispor, a maior parte deles não está ainda em estado de
funcionar por falta das conexões necessárias. Os seus prolongamentos
neuro-fibrilares só muito gradualmente se tornam capazes de conduzir o
influxo nervoso. Assim vão progressivamente se fechando os circuitos
que correspondem ao exercício de cada função. Diz-se então que ela
atingiu a maturação. É o que se poderá chamar o seu ponto inicial. Mas o
seu desenvolvimento ulterior pode ser muito variável conforme ela
encontre ou não ocasiões para se manifestar. Aqui intervém o meio. Ele é
o complemento indispensável da função. Sem ele, aquela não teria
objecto e permaneceria virtual ou atrofiada.” (WALLON, Henri.
Psicologia e Educação da Infância. Lisboa: Editorial Estampa, 1975. P.
61)

Uma característica muito singular do pensamento de Wallon é seu objetivo de


fazer uma psicogênese da pessoa completa. Ele recusou-se a selecionar um único
aspecto do ser humano e isolá-lo do conjunto. Dessa forma propõe o estudo integrado
do desenvolvimento, ou seja, que este abarque todos os campos funcionais nos quais
se distribui a atividade infantil, quais sejam: afetividade, inteligência, motricidade e a
própria pessoa, que é considerada por ele também um campo funcional. Wallon,
elabora assim uma psicologia geral, concebida como conhecimento do adulto através
da criança. Além disso, Wallon propõe o estudo da criança em seu contexto concreto,
ou seja, nas suas relações com o meio.
Apresentaremos a seguir os campos funcionais constituintes do
desenvolvimento infantil. Advertimos no entanto, que a articulação entre esses
campos é bastante dinâmica, constituída por antagonismos, rupturas e
descontinuidades. Além disso, eles são influenciados pelo meio externo, portanto a
concepção de desenvolvimento infantil de Wallon é dinâmica e complexa. A
linearidade da escrita e o tempo escasso podem nos fazer correr o risco de simplificar
por demais essa dinâmica. Mas vamos lá.

Afetividade, inteligência, motricidade e pessoa.

Esses campos estão presentes desde o nascimento da criança e dependendo de


cada fase um ou outro torna-se mais relevante para o desenvolvimento infantil. Na
verdade, o desenvolvimento faz-se na alternância da predominância de um campo
sobre outro, como um pêndulo. Entre esses campos existe uma relação constante,
porém antagônica e de sucessões e rupturas. Além disso, esses campos são
responsáveis alternadamente pelas conduta e desenvolvimento infantil em cada uma
das fases propostas por Wallon. Assim sendo, é quase impossível fazer uma exposição
linear e organizada do processo do desenvolvimento infantil, pois esse é um processo
que articula os campos funcionais entre si e também com as fases do
desenvolvimento. Posto isso descreveremos sucintamente cada um desses campos,
trazendo em um primeiro momento uma definição conceitual dos campos, em um
segundo momento as interações entre campos e em um terceiro as fases de
desenvolvimento infantil circunscrevendo nelas os campos mais determinantes para as
condutas infantis na fase. Isso para tentar minimamente dar uma apresentação
dinâmica à sua teoria no sentido de ser mais fiel ao seu complexo pensamento.

Afetividade
Dentre as manifestações afetivas, Wallon dará especial destaque à emoção,
cujo enfoque tem uma forte inspiração darwinista (DANTAS, 1992). A emoção
constitui uma conduta com profundas raízes na vida orgânica, especificamente na
função tônica. Para Wallon ela é simultaneamente social e biológica. Sua raiz está na
vida orgânica, mas ela faz uma função social. Quando alguém entra sorrindo e de bom
humor em uma reunião altamente tensa, de duas uma: ou o sorriso destensiona a
reunião, ou a tensão da reunião apaga o sorriso.
Sendo assim, por seu caráter simultaneamente orgânico e social ela é a
conduta que permite ao bebê, em seu primeiro ano de vida estabelecer relações sociais
imprescindíveis para sua sobrevivência. Isso porque uma das características da
emoção é seu caráter epidêmico, contagiosos. É impossível que um adulto não se
deixe afetar pelo choro, gritos ou mesmo risadas de um bebê. Dessa forma, através do
contágio dessa emoção o bebe garante seu cuidado e consequentemente sua
sobrevivência.
Bem depressa, porém, impressõ es sensoriais, resultantes de
circunstâ ncias que acompanham habitualmente a satisfaçã o ou
frustraçã o de necessidades essenciais sentidas pela criança, vã o ligar-
se à s suas manifestaçõ es e vã o constituir uma primeira série de
associaçõ es condicionantes. Destas destacar-se-ã o algumas por causa
de sua frequência e da sua regularidade: as devidas à presença de
pessoas que assistem continuamente a criança, em particular a mãe.
Assim se estabelecerã o entre as duas, segundo as disposiçõ es
recíprocas do momento, toda uma sinalizaçã o expressiva, feita de
mú sica e de atitudes. É apenas dela que a criança pode tirar no início
resultados ú teis, sendo praticamente ineficazes os seus outros gestos.
Na espécie humana sã o, com efeito, as relaçõ es afectivas com o meio
que começam por dominar o comportamento. (WALLON, Henri.
Psicologia e educação da infância: Editorial Estampa, 1975, p. 63)

Segundo Wallon, é através da emoção que o sujeito converte-se de biológico a


social.
A motricidade
Grande eixo de sua teoria. Os outros surgem associados a ele, pois ele é
completamente associado ao conjunto de funcionamento da pessoa. A psicogênese da
motricidade, portanto, se confunde com a psicogênese da pessoa. Em Wallon, motor é
sempre psicomotor.
Fiel à sua disposição infraestrutura, Wallon busca os órgãos do movimento: a
musculatura e as estruturas cerebrais responsáveis pelo sua organização. Duas funções
na atividade muscular: cinética: responde pelo movimento visível, pelas mudanças de
posição do corpo. Postural ou tônica: responsável pela manutenção da posição
assumida e pela mímica. A primeira é atividade do músculo em movimento e a
segunda do músculo parado. Wallon realça a função tônica, ou seja a responsável pelo
músculo parado, que para ele é vista não como negatividade, mas como sede de uma
atividade tônica que pode ser intensa. Presente na emoção, cujas flutuações
acompanha e modula, a função tônica se torna residual quando a função simbólica
internaliza o ato motor. (DANTAS, 1992)

A inteligência
Na concepção de desenvolvimento da pessoa a inteligência ocupa o lugar de
meio, ou seja, um instrumento colocado à disposição daquela. No começo da vida do
bebê, está latente e indiferenciada da atividade emocional e motora. Quando consegue
uma certa diferenciação aparece como inteligência prática ou das situações. Seria a
inteligência sensório motora que para Wallon começa a partir do primeiro ano de
vida. Ao final do segundo ano encontra-se com a emergência da fala. Essa função,
frágil no começo apoia-se bastante nos gestos, o que Wallon nomeia por projetiva.
Entre pensamento e linguagem existe uma relação de reciprocidade. A
linguagem exprime o pensamento ao mesmo tempo em que o estrutura. Wallon elege
o pensamento verbal como a função privilegiada da inteligência para seu estudo. O
impacto da linguagem sobre o pensamento é imenso. A aquisição da linguagem marca
uma diferenciação muito grande no comportamento da criança. O gesto vai sendo
substituído pela fala e a criança vai deixando de se utilizar de gestos para se
comunicar. Isso não quer dizer que o ato motos não faz parte do pensamento. Apenas
que ee está presente na forma de movimento tônico ou postural.
Em seu estudo, Wallon apoia-se nas manifestações verbais do pensamento.
Para isso solicitava que as crianças falassem sobre coisas presentes em seu cotidiano,
mantendo com elas um diálogo. Esse estudo está descrito em origens do pensamento
da criança de 1989.
A princípio o pensamento da criança é sincrético. Isso significa que ele
apresenta um caráter confuso e global. No sincretismo tudo pode se ligar a tudo. Não
existe contradição, nem oposição. Ë um pensamento que por vezes se aproxima da
lógica da poesia, ao invés da lógica formal. Conversando com um aluno de 5 anos,
escuto com atenção a história que ele me conta:
“Sabe Valéria, eu sei que os dragões matam as sereias dentro do mar.
É mesmo Dimitri? Como?
Com o fogo, eles queimam elas.
Mas o fogo não apaga na água?
Apaga.” E sai correndo para brincar...
“Olha Valéria, a plantinha tem leite! Uai, ela não é bicho... Planta tem leite?
Ao que o coleguinha responde: “lógico que tem né? Senão como ela ia dar de
mamar para a florzinha filhinha dela?”
Ë muito comum na educação infantil, crianças que estranham quando o
coleguinha diz o nome de sua mãe e ele é o mesmo que o da sua. Às vezes as coisas
até esquentam: Eliane é a MINHA mãe!! Como se fosse impossível duas mães terem
o mesmo nome. No pensamento sincrético é como se o colega estivesse dizendo que
era a mesma mãe e não apenas o mesmo nome. É que não acontece a separação entre
os objetos e suas qualidades.
Na verdade, essa forma de conceber o mundo é muito presente na arte. Manoel
de Barros, Picasso...
No pensamento sincrético, os critérios afetivos prevalecem sobre os critérios
lógicos e objetivos. Isso porque a inteligência, já tendo se desvinculado da
motricidade ainda está muito conectada com a afetividade.
O processo de simbolização que se dá via inserção na cultura é fundamental
para o surgimento do pensamento categórico.
Ainda no estágio personalista, a progressiva diferenciação do eu e do não eu
leva a redução do sincretismo no pensamento. A partir dai a criança torna-se capaz de
formar categorias, ou seja de organizar o real em séries, classe, apoiada em um fundo
simbólico estável. A análise categorial separa os objetos de suas qualidades, o que
permite a análise a síntese e a generalização.
A redução do sincretismo e a consolidação da função categorial são processos
em estreita dependência do meio cultural. (GALVÃO, 2010)
Emoção em relação com a motricidade: ou meu coração, não sei porque,
bate feliz quando te vê.
A emoção esculpe o corpo, imprime-lhe forma e consistência. (DANTAS,
1992, p. 89). Entre os sujeitos persiste um diálogo tônico, uma comunicação forte e
primitiva que se faz por meio da atividade tônico-postural.
A emoção é altamente orgânica, altera a respiração e os batimentos cardíacos,
e até o tônus muscular tem momentos de tensão e de distensão que acompanham os
estados emocionais do sujeito. A depressão por exemplo está associada a um estado
hipotônico assim como a ansiedade está associada a uma hipertonicidade. Mesmo no
senso comum costumamos dizer que ficamos sem ar devido a alguma forte emoção,
ou até mesmo que nosso coração dispara quando avistamos o grande amor. Já dizia
Pixinguinha: meu coração, não sei porque, bate feliz, quando te vê. E os meus olhos
ficam sorrindo e pelas ruas vão te seguindo... As emoções provocam alterações na
mímica facial, na postura, na forma como são executados os gestos e até no tom da
voz.
Ao longo do desenvolvimento a afetividade vai adquirindo relativa
independência dos fatores corporais. Quando falamos em afetividade por exemplo, o
conceito afetividade já se constitui em um diferenciador em relação ao conceito de
emoção. A afetividade está em articulação mais com o campo reflexivo, ou seja da
inteligência, do que com o corporal.

Emoção em relação com a inteligência: ou o amor tem razões que a


própria razão desconhece
A relação da emoção com a razão é de filiação, mas ao mesmo tempo de
oposição. Dantas (1992) afirma: “a razão nasce da emoção e vive de sua morte.” As
emoções aparecem como forma primeira de adaptação ao meio e depois são
subsumidas por outras formas de ações psíquicas. Assim, as funções intelectuais vão
adquirindo uma importância progressiva na forma da criança interagir com o meio.
Esse acontecimento tem a ver também com o surgimento da linguagem, que assim
como a atividade intelectual depende do coletivo. Pelas interações sociais que
propiciam, as emoções permitem o acesso ao universal simbólico da cultura.
(GALVÃO, 2010)
Porém, uma vez instaurada a função intelectual, esta manterá com a função da
emoção uma relação de antagonismo.
Na vida cotidiana podemos observar bem esse antagonismo. Uma emoção
intensa tende a embaralhar ou inibir o desempenho intelectual e impedir a reflexão
objetiva. A sabedoria popular tem ditados que ilustram bem essa concepção. Já dizia o
ditado popular: o amor é cego, ou quem amo o feio, bonito lhe parece. Ou então na
fala do poeta: o amor tem razões que a própria razão desconhece, o que aponta para
uma razão desarrazoada do amor.
No contraponto, a reflexão racional sobre um estado emocional tende a fazê-lo
desaparecer ou diminuir. Quando passamos a tentar entender o porque de uma crise de
raiva, muito provavelmente a raiva tenderá a ser amenizada, ou mesmo desaparecer.

Motricidade em interação com a inteligência: ou sobre Rodin e o


pensador.
As variações tônicas expressam o curso do pensamento. Por exemplo, é bem
comum alterarmos as nossas expressões quando pensamos sobre determinados
assuntos. Nossa expressão se altera conforme o pensamento traga alegria ou
preocupação. Também nossas expressões se alteram conforme lemos um texto.
Podemos fazer cara de dúvida ou de entendimento e concordância com o que diz o
autor. Um professor ao dar aulas não precisa necessariamente que os alunos
verbalizem se estão entendendo ou não o conteúdo. Por meio de suas expressões o
professor o sabe.
A criança pequena frequentemente utiliza-se de gestos para expressar o
pensamento: ganhei um caminhão desse tamanho ó! E faz um gesto com as mãos
demonstrando o tamanho do caminhão. Esse diálogo muitas vezes é reforçado pelos
pais que perguntam: qual o tanto que você gosta de mim? Ao que a criança responde:
gosto de você um tantão assim... e estica os bracinhos abrindo-os o máximo que
consegue.
Assim podemos afirmar que o ato mental nasce do ato motor, no entanto,
passa depois a inibí-lo, sem deixar de ser função corpórea no entanto. O que tende a
se reduzir é a motricidade em sua função cinética, ou seja, a motricidade responsável
pelo movimento visível. A postural ou tônica acompanha o curso do pensamento.
A motricidade em sua função cinética tende a se reduzir, virtualizando-se em
ato mental, ao longo do processo de aquisição dos signos culturais. Esse processo está
vinculado à maturação dos centros corticais de inibição assim como das estruturas
responsáveis pelo controle automático do tônus: cerebelo. Isso corresponde à inibição
da atividade muscular à sua função tônico-postural. Mesmo imobilizada pelo esforço
mental, a musculatura permanece envolta em intensa atividade tônica: O pensador
(Rodin) Assim o ato mental, que se desenvolve a partir do ato motor passa a inibi-lo,
sem contudo deixar de ser atividade corpórea. (DANTAS, 1992)
Pensa-se com o corpo em duplo sentido: com o cérebro e com os músculos.
Assim, o ato mental, que desenvolve-se a partir do ato motor, passa em
seguida a inibi-lo, sem deixar de ser atividade corpórea no entanto.

As fases do desenvolvimento infantil

O desenvolvimento psicológico da criança é regulado pela lei de alternância


funcional e integração funcional. De acordo com o materialismo dialético e também
às pulsações rítmicas do organismo, Wallon concebe o desenvolvimento infantil como
descontínuo, cheio de rupturas e antagonismos. O suporte biológico garante as
sucessão das fases, mas sua duração é singular e depende de cada criança em inserção
em seu contexto social e cultural.
Na sucessão das fases alternam-se funções e comportamentos destinados a
construir sua individualidade com funções e comportamentos destinados a estabelecer
relações com os outros. Cada fase tem um colorido próprio, uma unidade solidária,
que é dada pelo predomínio em um determinado tipo de atividade. As atividades
predominantes correspondem aos recursos de que a criança dispõe no momento para
interagir com o ambiente. (GALVÃO, 1992)
O processo de desenvolvimento infantil é caracterizado pelo princípio da
integração funcional, principio extraído do processo de maturação do sistema nervoso,
no qual as funções mais evoluídas, ou seja de aparecimento recente, não suprimem as
arcaicas, mas exercem sobre elas o controle. As novas possibilidades que surgem em
um estágio não suprimem as capacidades anteriores. Dá-se uma integração das
condutas mais antigas às mais recentes e essas exercem o controle sobre aquelas.

Estágio impulsivo emocional (0-1)


Ocorre no primeiro ano de vida.
Principal campo funcional: emoção
Orientação: interior do indivíduo. Está preocupado com seu eu corporal. Só
consegue acesso ao mundo exterior por intermédio de outras pessoas. A inteligência
ainda não se diferenciou da emoção e nem da motricidade. Estimular a emoção
consiste em nutrir a inteligência. Diálogos, balbucios, troca de sorrisos, troca de
emoção, enfim.
Termina com a aquisição do andar, que impele a criança ao mundo exterior.

Estágio sensório-motor e projetivo (1-3)


Função dominante: atividade sensório motora com dois objetivos básicos:
manipulação de objetos e imitação. Inteligência prática e simbólica
Orientação: para o exterior, para os outros e para os objetos.
Aquisição da marcha e da preensão possibilita à criança maior autonomia na
manipulação de objetos e na exploração do espaço.
O termo projetivo refere-se à característica do pensamento nessa fase. Começa
a se diferenciar da emoção e da motricidade mas ainda precisa dos gestos para se
expressar. Os gestos ou da fala ainda apoiam ou conduzem o pensamento. Exemplo
do desenho.
Desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. “A denominação
sensório-motor projetivo indica a proximidade entre uma forma de lidar com a
realidade e aquela outra que a reduzirá. Quando atinge seu apogeu, a gestualidade o
germe da função que tornará, em certo sentido, regressiva a sua evolução. O destino
da evolução psicomotora é a economia, a especialização a virtualização.”(DANTAS,
1992, p. 94). A linguagem passa pouco a pouco a estruturar o pensamento.

Estágio personalista (3-6)


Principais funções: consciência e afirmação da personalidade na construção de
si mesmo. Inteligência afetiva. Percepção de si (corporal) vai se transformar em
consciência de si (mental). Expulsar o não-eu para afirmar o eu. O conflito faz parte
dessa fase.
Orientação: para o interior, necessidade de se diferenciar, se afirmar.
Sub fases:
- 2 e 3 anos: oposição: eu você, meu seu. Ex Bartolomeu, Bartoloseu
- 3 e 4 anos: período narcisista. A criança fica cheia de graça nas atividades
expressivas e motoras e gosta de ser o centro das atenções. Conquistado na batalha da
oposição, o eu ainda frágil precisa da aprovação do outro.
- por volta dos 5 anos: imitação. O outro negado agora é imitado, em um
processo de identificação e consolidação do processo de construção do eu.
O pensamento é sincrético. Atrelado à emoção. Não separa as coisas de suas
qualidades, não tem oposição nem contradição. A construção do pensamento é muito
mais poética do que lógica. Picasso, Manuel de Barros. Manuel Bandeira.

Pensamento categorial (6-11)


Função principal: conhecer e conquistar o mundo exterior.
Orientação: para o exterior. Interesse especial por alguns objetos.
Idade da razão. Idade escolar. Traz importantes avanços no campo da
inteligência. Apesar de ainda apresentar traços do pensamento sincrético dos 6 aos 9
anos, ao fim do estágio do pensamento categorial se consolida a função simbólica e se
constrói a diferenciação da personalidade. Aquisição da capacidade conceitual que
permite definir e explicar coisas e acontecimentos.

Puberdade
A partir dos 11 ou 12 anos
Função principal: definição de novos contornos da personalidade e do
esquema corporal. É preciso reinstalar-se no seu próprio corpo. Abertura de espaços
para novas definições do eu. Dimensões ideológicas, políticas, religiosas. Interesses
dos jovens longe de serem objetivos e racionais são muito mais passionais, pois trata-
se de descobrir quem é ele próprio, de que lado ele está. Objetiva manter um eu
diferenciado e ainda assim integrado. Isso requer toda a extensão da inteligência.
Crise da puberdade. Retorno ao eu corporal e ao eu psíquico (oposição). Dobra
do pensamento sobre si mesmo (preocupações teóricas, dúvida). Tomada de
consciência de si mesmo no tempo (inquietudes metafísicas, orientação de acordo
com eleições e metas definidas).
Orientação: para o interior

Nesse processo de construção de si, os campos funcionais, alternam-se


transformam-se, integram-se e se tornam antagônicos. A afetividade torna-se cada vez
mais racionalizadas. Os sentimentos são elaborados no plano mental. Os jovens são
capazes de teorizar sobre suas relações afetivas. (GALVÃO, 2010)
O processo que começou com a simbiose fetal tem no seu horizonte a
individuação, ou seja, a construção da pessoa. Não há nada mais social do que um
processo em que o individuo se singulariza, se diferencia, pois isso só acontece pela
intermediação da cultura.

BIBLIOGRAFIA

DANTAS, Heloysa. Do ato motor ao ato mental. In De LA TAILLE, Yves. Piaget,


Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas emdiscussão. São Paulo: Summus, 1992.

DANTAS, Heloysa. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de


Wallon. In De LA TAILLE, Yves. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas
emdiscussão. São Paulo: Summus, 1992.

DANTAS, Pedro da Silva. Para conhecer Wallon: uma psicologia dialética. Sào
Paulo: Editora Brasiliense, 1983.

GALVÃO, Isabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento


infantil. Petrópolis: Vozes, 2010.

WALLON, Henri. Psicologia e Educação da Infância. Lisboa: Editorial Estampa,


1975.

WALLON, Henri. Fundamentos metafísicos ou fundamentos dialéticos da psicologia.


In: Objectivos e métodos da psicologia. Lisboa: Editorial Estampa, 1975

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