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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA


CLÍNICA

O brincar como um ato político

Mirela Borba de Lacerda

Esse Trabalho tem como objetivo refletir sobre a dimensão política e o


brincar na clínica Winnicottiana. Em seus estudos, Winnicott não teorizou sobre
política, Contudo, em sua teoria existe um circuito político de afetos e a
circunscrição do sujeito no ambiente. A criança e o ambiente estão em
constante negociação e isso mostra e o que é isso se não uma dimensão
política?
Na teoria de Winnicott, o sujeito e o ambiente estão sempre em constante
negociação. Durante o processo de amadurecimento do individuo, Winnicott
(1960/200) descreve alguns conceitos muito importantes. A mãe, para o autor, tem um
papel fundamental nesse processo. Se ela for uma mãe suficientemente boa, ou seja,
aquela que se ajusta as necessidades crescentes e vai se adaptando à dependência
do mesmo, assim como a crescente independência a medida que o amadurecimento
avança, ela não só ajuda nesse processo, como é parte integrante do mesmo.
Winnicott, (apud, MONTEIRO, 2003) percebeu que alguns problemas
emocionais pareciam ter origem nas primeiras etapas do desenvolvimento, com isso,
ele concentrou seus estudos na relação mãe-bebê, pois para ele, a base da saúde
mental se dá nessa etapa da primeira infância.
Um dos conceitos básicos descrito por Winnicott (1960/2000) nessa relação
mãe-bebê é o conceito do holding. A mãe suficientemente boa, nos primeiros meses
de vida, tem três funções: holding (sustentação), handling (manejo) e apresentação
dos objetos.
O holding, ainda segundo o autor, tem uma característica física e uma
simbólica. Ele tanto representa o modo como a mãe segura o bebê no colo, como
mostra também o modo como esse filho é amado e desejado. Holding significa
segurar, sustentar. Essa sustentação significa pegá-lo com firmeza para que ele não
caia, aquecê-lo e amamentá-lo. O holding, se for satisfatório, pode acelerar o processo
de maturação. Um holding deficiente, ou seja, mudança de técnicas da maternagem,
falta de apoio para a cabeça, ruídos altos, acarretará em uma sensação de
despedaçamento, de desconfiança na realidade externa.
O Handiling é a etapa seguinte e é caracterizada pela maneira que o bebê é
tratado, cuidado e manipulado. A falta de contato com o corpo pode acarretar em
problemas psicológicos para a criança, pois a criança acaba tendo dificuldade em
aceitar suas limitações físicas e pode desenvolver problemas na imagem corporal e na
compreensão da sua estrutura, além de retardar o amadurecimento. (WINNICOTT,
apud, MONTEIRO, 2003),
A apresentação dos objetos começa quando a mãe vai introduzindo o mundo
para a criança. A partir dessa apresentação, novos objetos vão fazendo parte do
mundo da criança e a mãe deixa de ser o único objeto, ela começa a se mostrar
substituível e vai apresentando novos objetos que serão mais adequados para o seu
desenvolvimento. Essa fase também é chamada de fase de realização, pois o impulso
criativo da criança se torna real.
Sendo assim, como foi visto, a Mãe representa o coletivo, o ambiente e
a criança está o tempo todo negociando afetos com esse ambiente. O potencial
de criação de si envolve o Outro (a Mae/ o ambiente) e, de Acordo com Miriam
Rosa (2015), política é mobilizar o que é singular dentro do coletivo. Podemos
perceber, a partir disso, a contribuição política de sua clínica.
Dando continuidade ao trabalho e entrando agora no campo do brincar,
segundo Winnicott:

A psicoterapia se efetua na sobreposição de duas áreas do brincar, a


do paciente e a do terapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas
que brincam juntas. Em consequência, onde o brincar não é possível,
o trabalho efetuado pelo terapeuta é dirigido então no sentido de
trazer o paciente de um estado em que não é capaz de brincar para
um estado em que o é (WINNICOTT, 1971, p. 59).

Nesta citação acima, Winnicott nos traz alguns pontos importantes, os


quais, eu gostaria de comentar a respeito nesse trabalho. O primeiro deles é
sobre a importância do brincar. Segundo o autor, brincar é coisa séria, o brincar
na infância seria sinônimo de saúde. A criança doente seria aquela que não
consegue brincar e o terapeuta seria aquele que traria essa capacidade de
volta para a criança.
Outro ponto importante a ser visto é que o discurso do outro, opera na
construção subjetiva do sujeito. Isso é muito forte na clínica Winnicottiana. A
relação com o ambiente é um facilitador ou não para um processo de
amadurecimento saudável.
Quando o indivíduo brinca ele estabelece, através do espaço
transicional, uma relação do mundo interno com o mundo externo. Também é
através do brincar que o self do indivíduo pode ser fortalecido (ABRAM, 2000).
O brincar está presente desde que o bebê é muito novo. Winnicott
(1971), em sua teoria da brincadeira, viu que existe uma faze em que o bebê e
objeto são um, estão fundido. Depois, o objeto é repudiado e, quando aceito de
novo, é objetivamente percebido, porque antes era tido de forma subjetiva.
Todo esse processo depende da figura materna. Como já foi dito nos capítulos
anteriores, se a mãe cumpre suficientemente bem sua função, ela permite que
o bebê viva uma experiência de onipotência que é fundamental para seu
crescimento psíquico. A confiança na mãe vai fazer com que surja uma espécie
de playground nesse intermédio entre a mãe e o bebê e é aqui onde a
brincadeira começa (WINNICOTT, 1971).
Depois de criar este intermédio, a criança pode nem estar mais na
presença da pessoa amada, mas como confia, tem segurança, a mesma
permanece disponível quando lembrada. O estágio seguinte, então, segundo o
autor, é o de que a criança possa desfrutar de duas áreas do brincar. A mãe
brinca com o seu bebê, se ajustando as brincadeiras, e, aos poucos, isso o vai
preparando para brincadeiras em grupo.
Winnicott (1971) falava da importância do brincar não somente de uma
maneira subjetiva, mas sim de maneira prática. Para o autor, a brincadeira é
universal, facilita o crescimento e assim, a saúde, além conduzir aos
relacionamentos grupais e ser também uma forma de comunicação na
psicoterapia. Sendo assim, o brincar, por si só, já é terapêutico. Conseguir que
uma criança brinque, já tem um caráter, por si só, terapêutico.
Em 1964, o autor ainda nos traz com “o livro a criança e o seu mundo”,
que é através da brincadeira que as crianças podem liberar o ódio e a agressão
que estão guardados. Um ambiente suficientemente bom seria aquele que
sobreviveria a todos os sentimentos agressivos da criança, se esses fossem
expressos de uma forma mais ou menos aceitável. A criança não se sentirá
bem se tiver que esconder ou negar algo da brincadeira porque não foi aceito
pelo ambiente. É importante que o ambiente aceite essa agressividade.
Esse processo de expressão da agressividade através da brincadeira
em uma finalidade muito importante. Socialmente falando, essa expressão da
agressividade ajuda a liberar essa energia na brincadeira e não em um
momento de raiva (WINNICOTT, 2015).
Ainda segundo o autor, a angústia é outro sentimento que está sempre
presente na brincadeira. As crianças brincam para dominar as angústias que
não foram dominadas. É notório que as crianças brincam por prazer, contudo, o
sentimento de angústia está sempre presente, em maior ou menor grau, mas
sempre vai existir (WINNICOTT, 2015).
Outra importância da brincadeira seria a experiência. As crianças
ganham experiências através da brincadeira. O brincar ocupa uma parte
importante das suas vidas. É nesse meio que a criança está sempre criando o
mundo e vai criando um elo entre o meio interno e o meio externo.
(WINNICOTT, 2015).
Uma criança não consegue fazer um elo entre a realidade interior com a
realidade exterior é uma criança em que a personalidade está dividida. Essa
criança não é capaz de brincar, pelo menos, segundo Winnicott (2015), não de
uma forma reconhecível pelos outros.
Voltando para a primeira citação, para Winnicott, na psicoterapia, duas
pessoas, capazes de usar o espaço potencial, brincam juntas. Para o autor, a
psicanálise é uma forma especializada do brincar.
A brincadeira, contudo, não está na realidade psíquica interna, nem
muito menos na externa. O local onde a brincadeira ou a experiência está,
seguindo Winnicott (1971), no que ele denominou de espaço potencial. O bebê,
desde muito novo tem experiências nesse espaço potencial que se caracteriza
pela relação do eu com objetos e fenômenos situados fora do controle
onipotente. Para ter o espaço potencial, o bebê precisa ter uma relação de
confiança.
A tarefa do analista, então, seria criar um espaço em que o paciente seja
capaz de descobrir algo por si só, através de gestos espontâneos. A
brincadeira pede criatividade e é sendo criativo que o indivíduo descobre o eu
verdadeiro (WINNICOTT, 1971).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com tudo o que foi exposto neste trabalho, concluo que o
Brincar em Winnicott, traz uma dimensão de autonomia para a criança. Brincar
parece ser um ato político, um ato de resistência aos imperativos impostos pela
sociedade. O brincar parece ser um modo de sobreviver e enfrentar os
imperativos que existem hoje. o brincar é uma ação espontânea que permite
ser. Os seres humanos são moldados pela cultura a fazer o que os outros
fazem. No brincar, o individuo descobre o mundo espontaneamente e se
descobre. É na brincadeira que o individuo tem a possibilidade de ser ele
mesmo e se inaugurar nas situações (WINNICOTT ,1971).

REFERÊNCIAS

ABRAN, J. A linguagem de Winnicott: Dicionário das palavras e expressões


utilizadas por Donald W. Winnicott. Rio de Janeiro: Livraria e Editora RevinteR
Ltda, 2000.

MONTEIRO, M. C. Um coração para dois: a relação mãe-bebê cardiopata


(Dissertação de mestrado). Rio de Janeiro: PUC, 2003.

ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do


sofrimento. São Paulo: Escuta, 2016.

WINNICOTT. D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

WINNICOTT. D. W. Teoria do relacionamento paterno-infantil, 1960. In:


WINNICOTT. D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos
sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artes Médicas,
1979.

WINNICOTT. D. W. A preocupação materna primária, 1956. In: WINNICOTT. D.


W. Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2000.

WINNICOTT, D. W. Raízes da agressão, 1964. In: WINNICOTT, D. W.


Privação e delinquência. 5 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. 6 Ed. Rio de Janeiro: LTC,


2015.

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