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SÃO PAULO
2022
ANDRÉ LUÍS FONSECA MACEDO (ANDRÉ FONCK)
SÃO PAULO
2022
Às Marias que iluminam meu Caminho, minha mãe Rita,
minhas afilhadas Maju e Cayari, dedico o presente trabalho,
em sinal de agradecimento pelo gratuito amor destinado a
mim e o eterno saber que me doam.
People ain't been prayin' for you, but you have to understand this, man, that we are a cursed people
Deuteronomy 28:28 says: The Lord shall smite thee with madness, and blindness, and astonishment of
heart
See family, that's why you feel like you feel, like you got a chip on your shoulder
Until you finally get the memo, you will always feel that way
(...)
(...)
(...)
So until we come back to these commandments, until you come back to these commandments, we're
gonna be in this place, we're gonna be under this curse
Because he said he's gonna punish us, the so-called Blacks, Hispanics, and Native American Indians, are
the true children of Israel. We are the Israelites according to the Bible
For our disobedience because we chose to follow other gods that aren't his son, so the Lord thy God
chasten you
So just like your children, your own son, he's gonna chastise you because he loves you
So that's why we get chastised, that's why we're in the position we're in
Until we come back to these laws, statutes and commandments, and do what the Lord said, these
curses are gonna be upon us
We're gonna be at a lower state in this life that we live here in today, in the United States of America. I
love you, son, and I pray for you
1. Introdução 8
a. Posicionamento prévio da problemática em questão: sofrimento, filosofia e
saberes dos povos originários da terra .......................................................................... 10
b. Do possível diálogo entre Filosofia, Saberes dos Povos Originários da Terra e
Práticas de Cura .............................................................................................................. 14
c. Decolonização, saber e poder(-ser) ............................................................................ 15
2. Sofrimento enquanto índice de Separatividade com a Vida 19
a. Da Fuga dos Deuses: Apontamentos iniciais para a preparação do caminho de
pensamento sobre a niilização da Vida como indicativo do modo de presença da
Separatividade ................................................................................................................ 20
b. A Hermenêutica Contemporânea do Sagrado e o Sofrimento na Fuga dos
Deuses na obra de Kendrick Lamar ................................................................................ 22
3. A Identificação do modo de presença da angústia como indicativo da espiritual
condição humana: abertura para o silêncio, rearticulação possível em Vida Harmoniosa como
Modo de Presença Próprio 25
a. Da Espiritual Condição Humana: angústia e espiritualidade ............................. 26
b. Angústia e Liberdade ......................................................................................... 27
c. Modo de Presença Próprio em Heidegger ........................................................ 29
d. A Imensidão Íntima da Presença Humana: Cuidado como capacidade de
harmonizar a vida ........................................................................................................... 30
4. Do Silêncio, Da Cura e do Habitat de Deus 34
a. Afinação e Cuidado em Heidegger .................................................................... 36
5. Do Sofrimento da Separatividade à sua Cura: Intimidade como Método Clínico 40
6. Conclusão: Ecofenomenologia dos Povos Originários da Terra (Ontologia, Natureza,
Ciência-Técnica: Da Colonialidade do Ser ao Movimento Contracolonial) 42
7. Indicativos futuros 45
8. Bibliografia 46
Fragmentos do Caminho 51
a. Introdução Parabólica às Meditações Filosóficas: Ciência-Técnica como
Destinatório da Humanidade e da Mãe Terra ............................................................... 51
1. Introdução
Sidarta Ribeiro
Das várias formas possíveis de levar este empreendimento a cabo, aqui teremos
como fio condutor a noção de Separatividade apreendida pela filosofia tibetana2, e em
ressonância a esta, dialogaremos com alguns autores da tradição filosófica buscando
compreender como a Separatividade é fundamento dos fenômenos da subjetividade
humana exploratória atual. Para isso, iremos usar como indicativos as noções de Era da
Técnica e Colonialidade, como paradigmas epocais de radicalização da Separatividade,
fundando uma ontologia específica de desrespeito e desarmonia frente às outras formas
de Vida.
1
Há uma interessante ressonância em toda a história humana entre: Todo, Unidade, Ser (seer, seyn), Pachamama, Mãe
Terra, Gaia, Um, Natureza, Deus, Vida. Iremos brincar um pouco com essa misteriosa correlação ao decorrer do texto,
sem necessariamente apontar em notas de rodapé as correlações, buscando, a cada vez, ressaltar um aspecto importante
que a nomeação em questão nos conecta e descreve em cada contexto presente.
2
Helena Blavatsky é uma pensadora importante para o que está presente aqui, mas essa escolha se trata apenas de uma
pessoa com quem conseguimos dialogar no momento sobre o que vemos na Vida, mas outras sabedorias dos Povos
Originários da Terra poderiam ser utilizadas aqui como base e sem grandes dissonâncias, como a Sabedoria Ancestral
Xamânica, que ressoa indiretamente e por vezes diretamente por todo o trabalho. Como a própria Helena descreve, isto
que aqui chamamos de Saber Originário da Terra, necessariamente aponta para o Um, para o Todo, para o Ser. Sobre
o que é nomeado como Saber dos Povos Originários da Terra, consultar a continuidade do trabalho. Ao mérito
específico de Blavatsky, a pensadora consegue reunir diversas Sabedorias Ancestrais para nortear o Caminho humano.
8
aqui se encontra como questão fundamental é o traçar de um estilo, a polinização de
um diálogo frutífero vindouro.
9
científica, a era da radicalização da Separação, bem como também estes saberes nos
abrem compreensões originárias do próprio sofrimento humano e sua íntima relação
com a mãe terra.
10
pela paulatina instauração histórica do Ego, do Eu3, onde nos vemos enquanto entes
separados da Natureza45.
Partiremos dos Saberes Originários dos Povos da Terra para uma compreensão
ecofenomenológica dos fenômenos: a vida humana não só é possível a partir da Mãe
Terra, como a própria humanidade é uma parte deste todo; a vida humana é impensável
em qualquer uma de suas possibilidades de ser sem esta conexão.
3
A noção de Ego na sabedoria tibetana também pode ser compreendida a partir da problemática da identidade na
filosofia contemporânea. A questão se apresenta nesta, principalmente a partir da identificação da separatividade na
obra de Nietzsche, como binômios. A esse respeito, consultar a obra Psicologia Pós-Identitária, de Alexandre M.
Cabral.
4Este trabalho visa o realce de aspectos existenciais frente o dilema da Separatividade, mas é incontestável que o caráter
histórico-hermenêutico deste sofrimento é condição inseparável para sua compreensão. Como nos estudos de Nietzsche
e Heidegger trazidos aqui, a perda do fundamento histórico é condição fundamental para a Morte e Fuga dos Deuses,
entretanto, pelo caráter “introdutório” deste estudo, a medida epocal e a historicidade aqui em jogo estão em segundo
plano. Um trabalho complementar para elucidar esta questão, a título de exemplo: Cristine Mattar – “Depressão:
Doença ou Fenômeno Epocal?”, 2021, Via Verita.
5
Como para Espinosa (2015): Deus sive natura (Deus, ou seja, a Natureza).
6
Neste presente trabalho não será possível detalhar a Hipótese Gaia, mas uma rápida busca pode suprir este
conhecimento, caso falte ao leitor. Indicativos desta questão podem ser encontrados nos ricos estudos de Bruno Latour,
bem como no Saber Ancestral resguardado pelo Candomblé ou na Mito-Teo-Ontologia Xamânica presente nos Povos
Originários da Nossa Terra (tendo como representantes exemplares na interface com o mundo acadêmico, Ailton
Krenak e Kaká Werá).
7A inquietação que guia a noção de ecofenomenologia aqui presente reside no horizonte em descobrir o que aconteceria
no Planeta Terra se vivêssemos amando/respeitando as outras formas de Vida incondicionalmente. Para alguns, isto se
chama paz.
8 Compreendemos que, a fenomenologia hermenêutica, assim como Heidegger nos lega, se torna ferramenta
imprescindível para o que aqui nos importa, pois esses paradigmas históricos que fundam modos de presença, ao mesmo
tempo fundamentam modos de ser. Do paradigma da Separatividade, radicalizado pela Era da Técnica científico-
colonial, ao paradigma de Ser dos Povos Originários da Terra, temos na ecofenomenologia um modo de compreensão
do que se altera no modo de apreensão da própria Realidade, do Todo, de nós mesmos. O que se altera aqui? O que é
diferente nessas Formas de Vida? A fenomenologia é o método aqui necessário para este tipo de investigação. A
ecofenomenologia nos ajuda a nomear com maior exatidão ao que está sendo buscado: uma compreensão ontológica
do dar-se da Natureza.
11
Para esta Psicopatologia (enquanto compreensão dos sofrimentos) se fazer fiel
ao ser humano, seu enquadre descritivo é ecofenomenológico, ou seja, busca uma visão
holística da Vida (da qual somos debitários e parte constituinte).
9
Ao nosso ver, ecofenomenologia decolonial tende a ser um pleonasmo, mas só para aqueles que se enraízam nessas
duas concepções de uma maneira alinhada com a visão do presente trabalho, por isso não ser uma regra, achamos
importante utilizar os dois termos para realçar diferentes aspectos do fenômeno das Sabedorias Ancestrais da Terra.
10
Por mais que, justamente o próprio Maldonado Torres, aponte para a problemática de uma ontologia única a partir
da visão europeia e colonial acerca do Ser. A respeito desse importante posicionamento crítico para a discussão deste
trabalho, consultar MALDONADO-TORRES, 2008.
11
Aqui buscamos nos aproximar da pergunta sobre o Ser possíveis indicativos, não só presente na vida humana, mas
em todos os modos de vida. Como aponta Heidegger, “ser, aqui, não só como ser do homem (existência), o que também
ficará claro pelo que se segue. O ser-no-mundo contém em si a relação da existência com o ser em seu todo:
entendimento-do-ser” (2012, p. 59).
12
consonância com a Verdade do Ser12, mas identificar em seu caminho de pensamento,
o que ainda ecoa da Sabedoria Originária da Terra: “vislumbres de olhar Deus nos olhos”,
a partir do contato com a Sua extensão através da criação. Refazer a conexão entre nós
e Deus, em outros termos, trazer a presença de Deus para habitação da terra, não
visando um plano transcendente. A importância de Deus neste trabalho não é a de
identificação de um ente criador, mas sim da compreensão de um modo possível de se
afinar com a Vida de forma harmoniosa, pacífica e, consequentemente, sem sofrimento
para nenhum de seus componentes: Deus é um estado de presença relacional possível.
12
Este Saber Originário que ressoa a Verdade do Ser, nas palavras de Heidegger, é aquele que “só se encontra na
verdade como algo criador. Criar – no sentido mais amplo aqui visado – significa todo abrigo da verdade no ente."
(2015, p. 39).
13
definida em nossa “ciência psicológica”, potencialmente perderia seu sentido em meio
ao horizonte deste escrito13.
Qual o nexo vital entre filosofia, vida, sofrimento, Saberes Ancestrais e práticas
de cura? É possível e até mesmo desejável reconduzir as Ciências da Área da Saúde à
Filosofia e aos Saberes Originários?
13
Da ilusão da separatividade e a implosão da noção de sujeito-objeto advinda da superação desta ilusão.
14
como “uma metamorfose total da maneira de ver o mundo e de estar nele” (HADOT,
2014, p. 15), em outras palavras, há na filosofia um caráter fundamentalmente
existencial (DASTUR & CABESTAN, 2015, p. 7), que diz respeito à própria condição do
filosofar enquanto um trabalho sobre si, uma “escolha de vida que supõe que o ser
humano ao mesmo tempo se liberte e cure os males que o perturbam” (ibid.).
14
Ao decorrer deste trabalho, tentaremos abordar este “outro modo de existência”, observando e descrevendo modos
de presença humana na Terra, comparando-os em duas modalidades: o modo de presença harmônico (densa e plena
presença junto ao Ser) e o modo de presença separativo (presença na não presença, niilização da vida), buscando assim
identificar o dar-se do fenômeno da paz e do sofrimento humano, respectivamente; na existência humana e na sua
relação com seu Todo constitutivo.
15
que o colonialismo é coisa de passado, tendo terminado com os
processos de independência. Realmente, o que terminou foi uma
forma específica de colonialismo — o colonialismo histórico com
ocupação territorial estrangeira. Mas o colonialismo continuou até
aos nossos dias sob muitas outras formas, entre elas, o
neocolonialismo, as guerras imperiais, o racismo, a xenofobia, a
islamofobia, etc. Todas estas formas têm em comum implicarem a
degradação humana de quem é vítima da dominação colonial. A
diferença principal entre os três modos de dominação é que,
enquanto o capitalismo pressupõe a igualdade abstrata de todos os
seres humanos, o colonialismo e o patriarcado pressupõem que as
vítimas deles são seres sem plena dignidade humana, seres sub-
humanos. Estes três modos de dominação têm atuado sempre de
modo articulado ao longo dos últimos cinco séculos e as variações são
tão significativas quanto a permanência subjacente. (SANTOS, 2019).
16
possíveis não só nos abrem as condições de modos de ser conosco mesmos, mas o
próprio modo de aparição dos outros seres e o conjunto de comportamentos possíveis
frente a eles.
O foco dos resgates das Sabedorias Originárias da Terra não é uma tentativa
irrefletida e cegamente nostálgica de reconduzir à uma condição de humanidade
passada, mas poder abrir condições de possibilidades relacionais entre os seres vivos a
partir de saberes que estão enraizados em outros princípios éticos. Introduzir uma
psicopatologia ecofenomenológica necessariamente aponta para a urgência de
compreendermos o sofrimento humano atrelado ao seu nexo vital (a condição de
possibilidade da vida humana é a própria existência da mãe terra), e alguns ecos desse
Saber se encontram na ancestralidade. Que tem a ver desmatamento com ansiedade,
por exemplo? Talvez algo maior que a ciência-técnica atual possa nos fazer ver.
15
Presente desde o nome do álbum de Emicida (Amar-Elo), nesta obra encontramos polinizado os norteadores éticos
para o combate da Separatividade Colonial de tal maneira esplêndida que necessitaríamos de um trabalho todo à parte
para aprender e se nutrir desta obra. Frases como “Enquanto a Terra não for livre eu também não sou”, “todo mundo é
um”, “refaça o laço”, “mano, crer que o ódio é a solução é ser sommelier de anzol”, “tudo que nóis tem é nóis” e “eu
descobri o segredo que me faz humano, já não está mais perdido o elo, o amor é o segredo de tudo, e eu pinto tudo em
amar-elo”, nos brinda com a Sabedoria Ancestral Ecofenomenológico-Decolonial que visamos.
17
Minha caneta 'tá fodendo com a história branca
É subalterno ou subversão?
18
2. Sofrimento enquanto índice de Separatividade com a Vida
Helena Blavatsky
16
O termo Povos Originários da Terra não só identifica “comunidades humanas ancestrais”, enquanto indicativo
temporal de sua presença na Terra, mas principalmente um vínculo qualitativo, um modo de presença com a Vida em
sua maior potência de fundamentação sagrada (por isso Originários, nos sentidos que Heidegger apresenta para
Fundamento (a este respeito: Gunter Figal, “Introdução à Martin Heidegger”), se tornando assim um conceito
importante para podermos compreender o presente trabalho. Talvez a ciência moderna se aproxime dessa
sabedoria/ontologia de melhor modo com a proposta de um "giro decolonial", mesmo que por vezes essas palavras
estejam vazias de Vida.
17 Para Lacan, por exemplo, esse é o caráter de linguagem do sintoma: anunciação da Separatividade, da ruptura.
19
a. Da Fuga dos Deuses: Apontamentos iniciais para a
preparação do caminho de pensamento sobre a
niilização da Vida como indicativo do modo de presença
da Separatividade
Nós chegamos muito tarde para os deuses e muito cedo para o ser.
Martin Heidegger
19Estado de presença é uma descrição do acontecimento do próprio ato de existir. Enquanto conceito criado para o
presente trabalho, buscamos uma compreensão das variações de modos de ser/habitar. Na tradição filosófica, o que
mais se aproximaria desse conceito seria a noção de Cuidado, Clareira do Ser e Acontecimento Apropriativo na obra
de Martin Heidegger (também versando com uma possível “fundamentação” da abertura da existência para as
Tonalidades Afetivas Fundamentais).
20
identificação da Fuga dos Deuses é a descrição da destinação epocal de nossa era, do
estado atual de presença da civilização humana, onde um estado de Graça ou Sagrado
se perdeu. Se Oxóssi não mora mais na mata, não é por não estar mais lá, mas sim por
não podermos acessá-lo a partir de nosso atual modo de presença cotidiano20.
A niilização da Vida aponta para uma fixação no plano material, como Heidegger
descreve nossa relação com a Natureza em A Questão da Técnica, há um modo de
presença/um desencobrimento21 onde a própria realidade/natureza/o Todo é aberto de
maneira exploratória. A resultante deste processo de abertura do Ser do ente é
justamente a niilização da Vida, pois a exploração depende de uma fixação no caráter
material da realidade, inviabilizando assim um modo de presença humano que consiga
acessar o plano energético/espiritual/das Formas da realidade. Nos detenhamos ao
seguinte exemplo: uma curandeira só pode abrir cura através de uma planta, não por
ler isso em um livro, não por explorar uma potência material da planta para realizar um
processo de cura, mas sim em sua relação de amor e respeito com o ente vegetal, este,
em sinal de amizade, lhe lega sua potência curadora. A Técnica inverte esta ordem, não
é mais no silêncio que conseguimos colher o Ser das Coisas, sendo nós o canal de
manifestabilidade do Mistério da Vida, mas estamos incessantemente extraindo do real
20
Aqui também, vale a citação da modulação de presença ocorrida através da transição de práticas de cura das
curandeiras para a era farmacológica, bem como da medicalização da vida, até o giro da prática de cuidado do partejar
das curandeiras para uma prática da ciência médica, e todo o desenraizamento do sagrado a partir deste giro. A
radicalização da separatividade e o consequente esvaziamento ontológico da Vida se dá através dos modos de presença
relacionais humanos junto à Vida, mas os modos de presença são enraizados no próprio Espírito da Época, Espírito
Técnico este que enraíza o desenraizamento e distanciamento ontológico junto aos outros entes.
21
ἀλήθεια: Verdade, desvelamento, desencobrimento.
21
o que queremos. Essa poluição esvazia o espiritual na vida. Davi Kopenawa descreve
este fenômeno como A Queda do Céu (KOPENAWA & ALBERT, 2020).
22
De saída, se faz pertinente o apontamento que, em algum nível, toda a produção
de saber da periferia do mundo resguarda os ecos das sabedorias dos povos
ancestrais, pois justamente por carregar esta sabedoria em sua tradição
(ancestralidade) também detém a sabedoria frente a norma do mundo técnico-
capitalista22. Este povo periférico, resultado da violência da norma do mundo
(FONCK & MARTINS, 2020), carrega em sua Vida ensinamentos de reconexão
importantes, pois, como nos descreve Kendrick Lamar,
Porque Ele disse que vai nos punir, os chamados negros, hispânicos e
índios nativos americanos, são os verdadeiros filhos de Israel. Os filhos
de Israel, eles vão ser punidos por seus pecados, por nossa
desobediência (LAMAR, 2017).
O que significa ser filho de Israel, senão a constatação de que este é um Filho Originário
da Terra - de Deus -? E que justamente a humanidade, por sua desconexão com os
princípios de Deus (ou seja, com seu caráter indelével de Cuidado, como descreve
Heidegger, 2012 e 2015), está em sofrimento. Pecado nada mais é que um nome para o
sofrimento, para a heresia da separatividade com o Todo.
22
A Separatividade, o Eu frente a separação do Uno, é uma das pedras angulares do capitalismo (mas também do
colonialismo, do racismo, do patriarcado etc.): o princípio de mais valia, motor do Capital, depende necessariamente
da subvaloração de uns para sobrevalorização de outros, aqui, a Separatividade já ganhou contornos comunitários e
epocal. Essas lógicas de nossa época humaniza o ser humano de tal modo que já o posiciona enquanto suas
possibilidades de desejo como necessariamente a sua vitória ante a derrota de outro: o capitalismo impede de modo
pleno o senso comunitário dos seres vivos.
23
Para colher os mandamentos de Deus, precisamos nos reencontrar com Ele.
Onde Deus habita? O Poeta23, nos diz que
Eu ouço o silêncio
Do meu pensamento
Eu ouço o silêncio
Da harmonia
23
Assim como entendido para Heidegger, como aquele que se encontra junto à Nascente do Ser; a partir disso,
podemos afirmar que o poeta é aquele que resguarda a deização dos Deuses na Terra.
24
3. A Identificação do modo de presença da angústia como indicativo da
espiritual condição humana: abertura para o silêncio, rearticulação
possível em Vida Harmoniosa como Modo de Presença Próprio
sirviendo a la muerte,
Naces,
¿Sabes respirar?
Observa el viento,
abre el corazón
y deja,
Quem somos nós? Heidegger nos diz que somos os que são capazes de poder-
apreender:
25
Mas quem é este que apreende? Como apreende? O que pode apreender? Neste
capítulo, tentaremos compreender a interconectividade entre o Plano Ontológico e
Espiritual na Realidade Material, onde o próprio ser humano tem como especificidade
ser o entre desses planos. O primeiro indicativo para esta tarefa reside na compreensão
da angústia humana como indicativo da condição espiritual deste ente que nós somos.
26
possibilidade de ser-capaz-de” (2018, p. 48), ou seja, diante do próprio espírito
enquanto condição fundante de poder-apreender. O modo de presença da angústia
acessa a harmonia trazendo à tona a afinação da paz, pois a angústia reside
b. Angústia e Liberdade
24
Ek-sistere, ser-para-fora, como descrito em Ser e Tempo.
25
A esse respeito, Heidegger, “Os Conceitos Fundamentais da Metafísica - Mundo - Finitude – Solidão”.
26
A respeito deste fardo: Ser e Tempo como um todo, e neste caso específico, págs. 375 e seguintes; bem como as
descrições acerca do caráter de Cuidado da existência humana.
27
Ou seja, por sermos Mortais e compreendermos nossa condição temporal.
27
Meu coração de Navegador
Eu Sou
Só um Barquinho no Mar
Busco na Natureza
Rumo ao Infinito
o Jaguar espreita
28
Como nos diz a compreensão originária da palavra: inocência, ou seja, sem-causa.
28
Para Kierkegaard, a criança consegue nos dar indicativos do modo de presença
da angústia, pois
29
alma, nota-se uma “felicidade estranha”, bem como nos descreve Deleuze ao tematizar
o segundo de três gêneros de conhecimento no pensamento de Spinoza:
Eu me jogo!
(...)
(...)
[...] uma Arte de instaurar, ou Arte de fazer existir seres que ainda
vagam na penumbra, ficcional, virtual, longínqua e enigmática.
Portanto, todo seu pensamento poderia ser colocado sob o signo
desse chamado por uma “obra por fazer” – e por obra não se entende
aqui necessariamente obra de arte; mesmo o homem é uma “obra por
fazer”, incompleta, aberta, inantecipável. Assim, em cada caso, não se
trata de seguir um projeto dado que caberia realizar, mas abrir o
campo para um trajeto a ser percorrido conforme as perguntas, os
problemas e os desafios imprevistos aos quais é preciso responder a
cada vez, singularmente. O desafio vital que se coloca a cada um de
nós, pois, não é ‘emergir’ do nada, numa criação ex nihilo, mas
atravessar uma espécie de caos original e “escolher, através de mil e
um encontros, proposições do ser, o que assimilamos e o que
rejeitamos”. Nada está dado, nada está garantido, tudo pode
colapsar, a obra, o criador, a instauração[...] o trajeto vital é feito de
exploração, descobertas, encontros, cisões, aceitações dolorosas
(PELBART, 2016, p. 394).
30
Um modo de presença abre e instaura um modo de existência29, em um único
movimento, como um devir em bloco (DELEUZE & PARNET, 1998). A este movimento
que define a essência humana e sua vinculação com a Vida, Heidegger chama em Ser e
Tempo de Cuidado: cuidado é justamente a constatação de que os seres humanos
possuem modos de ser-aí (modos de presença), e que nesses modos de presença, o ser
humano abre (das possibilidades possíveis históricas) modos de existência (aqui usamos
a nomenclatura de Soriau, em Heidegger, isto fica mais evidente com o parágrafo 31,
onde “Existindo, o Ser-aí é o seu aí” (HEIDEGGER, 2012). Para essa experiência humana,
Heidegger também cunhou outros termos, como Pastor do Ser, Clareira do Ser, etc.
Assim também é com os rituais. Rito é um Saber que abre Prática de Cura. Esse
modo de presença afina um modo de existência curador possível. Sabedoria enraíza a
experiência possível, aqui, na harmonia Sagrada da Vida. Em Deus. Toda planta de
29
Aqui deixaremos de lado uma problemática possível que a fenomenologia hermenêutica nos lega, acerca da palavra
existência (ek-sistere; ser-para-fora). Entendemos que para Soriau, os Modos de Existência em “Diferentes Modos de
Existência” são justamente os Modos de Ser para Heidegger de “Ser e Tempo”. Portanto, o que no presente trabalho se
encontrar como Modos de Existência, entenda, baseado em Heidegger, como Modos de Ser. O que aqui apresentamos
como Modo de Presença, entenda em meio à problemática do que é Existência e Cuidado em Ser e Tempo (e até mesmo
o que é ser-aí humano), e das contribuições sobre Acontecimento Apropriador e Habitação nas obras tardias de
Heidegger.
31
poder, desenraizada de sua ritualística, se torna uma mazela humana, por não abrir
Sagrado, apenas Poder (cocaína, maconha, álcool, tabaco, etc.).
32
Espaço não é algo calculável, por isso mesmo, espaço se dá de maneira poética,
o modo de existência do espaço depende do modo de presença do ser humano para se
abrir de tal ou qual forma. A essa experiência afetiva da presença humana, Bachelard
chama de Imensidão Íntima. Ela é a angústia, é a nossa imensidão íntima enquanto
capacidade de ser afetado pela Vida e poder extrair desse contato uma possibilidade
possível, um modo de existência, da mesma, a partir do modo em que ela ressoa em
nosso modo de presença.
A morte de Deus, A fuga dos Deuses, o Esquecimento de Ser (aqui não nos
importa no momento a diferença conceitual, mas justamente o que é importante aqui
é o que liga estes conceitos), apontam justamente para o esquecimento fundamental
na ligação e fundação entre modo de presença e modo de existência/de ser. A morte de
Deus simboliza a perda do fundamento de nossa época, de nosso tempo histórico, para
a capacidade de harmonizar as existências a partir de nossa presença humana.
33
4. Do Silêncio, Da Cura e do Habitat de Deus
Helena Blavatsky aponta que a “’Voz Sem Som’, ou a ‘Voz do Silêncio’. Do ponto
de vista literal, talvez a melhor tradução seja ‘A Voz no Som Espiritual’, já que Nada é a
palavra equivalente, em sânscrito, de um termo em senzar” (2016, p. 5). Heidegger
quando compreende a essência humana como Nada (também descrita como
Liberdade31), está justamente olhando para o caráter indelével espiritual da condição
humana.32
A partir do que aqui está exposto, resgatar o caráter espiritual da Vida humana
é um caminho necessário frente ao modo de como escutamos o sofrimento humano.
Quando a reconexão entre a vida humana trans-passa seu caráter material-objetivo
estudado pelas ciências técnicas modernas, realizamos um salto qualitativo para dentro
do problema do sofrimento enquanto ilusão da separatividade33. Como comenta Helena
Blavatsky,
30Também importante para melhor compreensão da noção de Silêncio, consultar Luz no Caminho, de Mabel Collins
(2021).
31
A respeito da correlação entre a condição humana enquanto Liberdade e Nada, consultar HEIDDEGER, A
Essência da Liberdade Humana: introdução à filosofia, 2012a.
32
O que, para a psicologia técnico-científica, se trata de um tabu, de uma palavra não-científica, mesmo que
paradoxalmente a questão espiritual seja indelével ao ser humano, como constatado, por exemplo, no pensamento de
Kierkegaard, em obras como “O Conceito de Angústia”.
33 Nos falta fôlego para pormenorizar a conexão entre cura/saúde e silêncio no presente trabalho. Ficam os indicativos
de, além da “Voz do Silêncio” de Helena P. Blavatsky, a obra “Luz no Caminho”, de Mabel Collins (2021), ambas
traduzidas por Fernando Pessoa para língua portuguesa.
34
Como descrito acima, Helena Blavatsky recupera a sabedoria ancestral tibetana
para dar luz ao cerne constituinte da vida humana, seu próprio interior, este nada que
silenciosamente é Deus ao poder escutá-lo e dar harmonia ao caos constitutivo da Vida.
O ruidoso modo de presença desarmônico, fonte do sofrimento humano, só é passível
de ser curado ao ouvir esta voz silenciosa, da Anunciação dos Deuses na Vida, através
de nós mesmos. Heidegger chamaria esta experiência de clareira, identificando a
linguagem como morada do Ser, ou na compreensão de que somos-o-aí no qual
habitamos e participamos da Fundação do Ser em forma de História.
Essa afinação harmônica com a Vida, sendo uma sintonia que define um modo
de Ser possível a partir de um modo de presença, desemboca na superação da ilusão da
separatividade, reconectando o ser humano através de seu modo de presença
harmonioso, com a matriz da vida e cura o ser humano como o Todo; ao mesmo tempo
que o permite ser curador, pois em essência, “o homem é feito à imagem e semelhança
de Deus” (Gênesis 1:26-27). Esta afinação depende de uma posição respeitosa ao
encarar a Vida, pois
respeito vem de "respicere", saber ver. Você vê por trás de cada coisa
um episódio do divino, como em você. Quando não deseja (ter) as
coisas, não pense que você as trata pior, você as trata melhor. Porque
respeita as coisas por elas mesmas e não pelo que elas podem te servir
(GALVÃO, 2016).
Respeito este, que sendo sintoma do modo de presença harmônico, faz com que o ser
humano possa perceber que “quando eu começo a fazer as coisas por um verdadeiro
sentido de Unidade, sem querer deixar para trás nenhum pedaço dessa Unidade”
(Ibidem), a cura do Todo se torna a sua própria cura ao superar a separação Eu-Todo (ou
seja, ao superar a ilusão do egoísmo34).
Mas afinal, o que seria essa “sintonização”, esse tom? A este aspecto da condição
humana, Heidegger descreve como Afinação.35
35
Na tradução de Ser e Tempo de Fausto Castilho, Encontrar-se (befindlichkeit), característica essencial da abertura
do ser humano na Vida. Optamos por harmonizar as compreensões possíveis do Encontrar-se através do termo
Afinação, Tom ou Tonalidade Afetiva, pois, a depender da etapa do texto, darão a tônica que busco ressaltar. Assim
como a afinação de um instrumento abre o seu campo de possibilidades musicais, a afinação humana é a estrutura
básica de sua abertura para receber e criar a vida, para Parir-Ser na ressonância do escutar dos Deuses.
35
a. Afinação e Cuidado em Heidegger
Quando Heidegger define o ser humano como Cuidado, é por observar justamente
sua capacidade frente à Vida de gerar valor37, pois “o ente que é essencialmente
constituído pelo ser-no-mundo é cada vez ele mesmo o seu “aí” (HEIDEGGER, 2012).
Este modo de conceber a estrutura da Vida Humana através do Cuidado 38, é o modo
como Heidegger consegue se livrar do resquício subjetivista da noção Husserliana de
Intencionalidade39 e sua consequente separatividade do Todo a partir desta proposição.
36
A este respeito, vale a indicação da obra: MOREIRA, P. & MACRAE, E. Eu venho de longe: mestre Irineu e seus
companheiros. Bahia, SciELO & EDUFBA: 2011.
37
Qualidade.
38
Sorge, em alemão. Em algumas traduções como preocupação, ocupação. Preferimos manter como Cuidado por
expor melhor o pensamento proposto no presente trabalho.
39
Literalmente, tender-ao-interior-de(-o-fenômeno).
36
A riqueza da percepção de Heidegger é inominável. Temos em termos descritos a
própria condição humana ela mesma, enquanto instauradora de Vida, ou, nas palavras
de Heidegger, como Pastor do Ser, que abre na Vida o que é intencionado em si, ouvindo
do Ser (Deus) uma possibilidade possível no Real: ser-no-mundo.
A capacidade de nos conectarmos com a vida está tão afetada, tão distanciada de
nós, que até para conseguirmos compreender a necessidade vital do outro - na clínica,
por exemplo – necessitamos dos instrumentais técnicos da ciência moderna.
40
ἀλήθεια.
41
Serenidade; Silêncio como abertura primordial de Ser. A esse respeito, consultar Serenidade (2000) e Caminho do
Campo (1969). Como afirma o poeta: “É no silêncio que Deus está”.
42 HADOT, P. 2019. Págs. 39 e segs.
37
O Modo de Presença ansioso, depressivo etc. traz com ele mesmo alterações das
inúmeras formas do manifestar-do-sofrimento-pela-separatividade. O ritmo
respiratório, o ritmo de fala, o olhar e sua direcionalidade. Na clínica, poucas vezes
conseguimos estar abertos para acolher estes sinais, tendo a necessidade de solicitar
uma descrição da própria pessoa em nossa frente sobre o que ela sente. Porque isto não
me é perceptível ao simples entrar-em-contato com a pessoa enferma? Por estar
anestesiado, com o olhar cientificamente entorpecido. Assim como os povos originários
colhem nas plantas a sua sabedoria, podemos colher na própria presença vital o
adoecimento do paciente. A nossa dificuldade em realizar este procedimento atesta
justamente a identificação de Heidegger frente a atual condição humana: o niilismo.43
Heidegger atesta isso ao introduzir o propósito da obra Ser e Tempo, ao posicionar a
precedência da questão-do-ser como algo que
O que se trivializou aqui, é justamente essa conexão pujante com a matriz da Vida.
Ao identificar a afinação como estrutural para o caráter de cuidado que define o Ser
Humano, Heidegger afirma que, onticamente, “o estado-de-ânimo deixa manifesta
‘como alguém está e como anda’” (2012, p. 385), a saber, justamente este como alguém
está e como anda é o que identificamos como Estado ou Modo de Presença. Para
Heidegger, é “nesse ‘como está’ o ser do estado-de-ânimo leva o ser a seu ‘aí’” (ibidem),
trazendo à tona o Ser possível em questão, ressoante a seu modo afetivo sintonizado
em sua presença, como descreve Heidegger, mesmo o ser humano tentando se alienar
43
Assim como em Nietzsche. Chamamos de niilismo aqui pois, a própria nadificação da vida é resultado (e/ou
resultante) da Separatividade (e consequente desarmonia) com o Todo, que sustenta estruturas histórico-sociais como
a Colonialidade, o Capitalismo, o Patriarcado, o Especismo etc.
38
de seu caráter fundamental como cuidado, como ser-o-aí44, é justamente “naquilo para
que tal estado-de-ânimo não dá atenção, o Dasein se desvenda em seu entregar-se a
responsabilidade do ‘aí’. O ‘aí’ é aberto na esquivança também” (2012, p. 387).
44
Ser-em-o-mundo (HEIDEGGER, 2012).
39
5. Do Sofrimento da Separatividade à sua Cura: Intimidade como
Método Clínico
O que define a posição do mestre é que ele cuida do cuidado que aquele que
ele guia pode ter de si mesmo, diferentemente do médico ou do pai de família,
ele não cuida do corpo nem dos bens. Diferentemente do professor, ele não
cuida de ensinar aptidões e capacidades a quem ele guia, não procura ensiná-
lo a falar nem a prevalecer sobre os outros etc. O mestre é aquele que cuida do
cuidado que o sujeito tem de si mesmo (FOUCAULT, 2010, p. 55).
40
A intimidade se instaura visando a recondução não apenas do paciente à sua
liberdade constitutiva do estado inaugural da angústia, mas vivenciando o afetivo modo
de presença harmonioso entre os seres na própria relação terapêutica. Este é o
horizonte clínico da “alta”, da constatação da Saúde-de-Ser e o caminhar pleno na vida.
45 Evitemos aqui levantar juízos de moral e valorações que não estão presentes no conceito. Serenidade (gelassenheit,
literalmente, deixar-ser) não é passividade frente a vida, muito pelo contrário. A clínica também é local de identificação
das lutas que valem a pena serem lutadas na vida, lugar de acolhimento da revolta e da resistência que dá sentido de
ser e busca fazer viver a Vida, em todos os seus elementos e seres constitutivos.
41
6. Conclusão: Ecofenomenologia dos Povos Originários da Terra
(Ontologia, Natureza, Ciência-Técnica: Da Colonialidade do Ser ao
Movimento Contracolonial)
É o ouvir do clamor da voz da consciência (HEIDEGGER, 2012), essa voz sem som,
que abre ser na Vida - ou melhor, deixa-ser (SÁ, 2017) - de um tal modo onde o que se
mostra, o ser de algo sobre algo, é propriamente o fluxo intuitivo-intencional da Vida, a
própria matriz poética46 da Vida. Esse redirecionamento Fundamental, abre um outro
42
modo possível de habitação na Terra, um outro modo de presença relacional entre os
Seres Vivos. Esse silêncio, quando acessado, torna possível que a Separatividade do
Plano ontológico-espiritual com o Plano material seja suprimida, e assim uma ética
respeitosa e amorosa com a Vida possa entrar em disputa na vida deste humano em
questão.
Por fim, o que está em jogo para nós nada mais é do que o resgate do que a
Colonialidade do Ser tenta soterrar, do que toda a tradição exploratória-técnica deixa
invisível para se fazer-viger: a saber, a própria harmonização dos Seres Vivos.
47Sempre necessário pontuar que o caráter material de uma Medicina da Floresta não encerra suas potências (benéficas
ou maléficas). Toda Medicina da Floresta, toda Planta de Poder, necessita de uma ritualística para que se intencione-e-
desvele uma Prática Sagrada. Essa Prática só é Sagrada a partir da orientação dos Saberes Originários da Terra.
48 Fundamento, Grund.
43
Antes de podermos fundamentar nossas ciências e saberes a partir destes Povos,
também precisamos nos deixar entender além do que está em jogo principalmente nisso
(como a hecatombe terrestre), mas onde nos perdemos, e em troca do quê. A Doença
Humana começa no próprio Modo de Presença Relacional Exploratório com os outros
Seres Vivos, é este Modo de Presença que fundamenta todas as manifestações de
exploração (colonialidade, patriarcado, racismo, sociedade de classes, etc.), a base dos
dilemas relacionais da humanidade reside nos próprios paradigmas da Exploração e
fundamentalmente na Separatividade. Enquanto não nos debruçarmos sobre essas
problemáticas, toda tentativa de “reparo social” será um cuidado do sofrimento
humano e do Todo de maneira a combater um sintoma, e não a causa, a matriz desta
problemática.
44
7. Indicativos futuros
- A aniquilação das práticas de cura dos Povos Originários realizado pela Era da Técnica,
niilizando práticas sagradas, como o parto e a cura farmacológica (a farmacologia e
medicina científicas anulam os Saberes Originários de Cura das parteiras, dos pajés etc.,
por não se enquadrar na métrica técnico-científica);
- A conexão, em termos gerais, com a Vida, onde se afugentam os Deuses que nos
rodeiam, assim como os Deuses que moram em nós, para continuação da maquinação
técnico-capitalista-patriarcal-colonial-racista;
45
8. Bibliografia
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada: Novo Testamento. Tradução de Padre Fábio Meira.
Santa Catarina: Inove, 2014. 2334 p.
46
EMICIDA. Eminência Parda (feat. Dona Onete, Jé Santiago & Papillon). In: AmarElo. São
Paulo: Laboratório Fantasma, 2019.
_______. Leitura Comentada: Luz no Caminho, de Mabel Collins, por Lúcia Helena
Galvão, professora de Nova Acrópole, 2018. Consultado a 13 de julho de 2022. URL:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLhS5OrpTv6-Yi7PXcO41uCZ7301ldd_TS
HASCHI, A. Onde o Jaguar Espreita. In: Visionário Vegetal - A Luz, a Serpente e Tudo Que
Estava Escondido. Online: REC'n'Play, 2020.
47
HEIDEGGER, M. Caminho do Campo. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1969. Disponível
em: https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2014/03/heidegger-sobre-o-
problema-do-ser-a-caminho-do-campo.pdf
_______. Seminários de Zollikon: protocolos, diálogos, cartas. São Paulo: Escuta, 2017.
48
KOPENAWA, D. & ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São
Paulo: Companhia das Letras, 2020.
LAMAR, K. FEAR. In: Damn. Estados Unidos: Editoras Discográficas Top Dawg
Entertainment, Aftermath Entertainment e Interscope Records, 2017.
49
SANTOS, B. S. Descolonizar o saber e o poder. In: Outras Palavras. Brasil: Coluna Crise
Civilizatória, 2019. Acesso em 15 de julho de 2022. URL:
https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/descolonizar-o-saber-e-o-poder/
50
Fragmentos do Caminho (Lado B)
51
No rio da Vida, sendo-Eu-finito-no-infinito, sou apenas caminho:
apenas canoa.
53 ἰδέᾱ.
Inclusive, aqui ressoa a problemática da Heresia da Separatividade. Como comenta Heidegger, sobre o contexto do que
seria essa imagem de Deus (ἰδέᾱ) enquanto horizonte orientador da humanidade, na busca da deização da Vida em meio
a necessidade do Outro Início após a constatação da Fuga dos Deuses: “Sobretudo no outro início é preciso que – em
consequência da pergunta acerca da verdade do seer – seja logo levado a termo o salto para o interior do ‘entre’. O
‘entre’ do ser-aí supera o χωρισμός (chōrismós, separação); não na medida em que ele constrói uma ponte entre o Ser
(seer, seyn, a entidade) e o ente como margens por assim dizer presentes, mas na medida em que ele transforma o Ser
e o ente ao mesmo tempo em sua coetaneidade.” (2015, p. 29-30).
Falar em nome de Deus; Falar em Verdade; justamente isto define ser este “Entre” do Outro Início.
Outro início pois o princípio define as possibilidades do caminho. A necessidade do Saber Originário é Saber que no
Início Era o Verbo (sobre verbo, Psicologia pós-identitária, primeira parte sobre devir e a gramática existencial),
portanto, a instauração, a criação: devir.
54“Realidade” enquanto percepção da autodação (intencionalidade) da vida. Mas sempre Intencionalidade só se dá
enquanto abertura-e-recepção-de-Ser. (consciência é sempre consciência de; Cuidado com o Ser é o movimento
qualitativo que instaura-o enquanto algo como algo. Quê algo é esse? Ser se dá em meio ao movimento de Valoração
da Vida, em meio ao nosso Modo de Presença junto à própria Vida).
55 Heiddeger, A Era da Técnica.
56 em forma de Ciência, Ambientalismo, Filosofia, Psicologia, Teologia, Sociologia, etc. etc.
57Afinação, Disposição, Tom, Tonalidade, Tônica, Matiz: sintonia na Vida que Abre-Ser, simultaneamente em nós e
na realidade, essencialmente entre.
52
habitando no ecoar-direcionador da Finalidade Destinadora do Último
Deus no Além do Homem, propiciadora de Práticas58 de relação
Significativa com a Vida.
Do povo do oriente
Eu posso me curar.
53
A tarefa de Introduzir à Sabedoria Filosófica, em seu grau61 de
Exercício Espiritual, essa Intenção-de-Saber é a confrontação da
Babilônia, esta, enquanto metáfora indicativa da Fuga dos Deuses: O
Saber Filosófico introduz na Vida a possibilidade de Reconexão com
Deus62.
A Linguagem, enquanto morada do Ser, é a morada de Deus.
Curioso.
Verdade é parir Deus63 na Vida, sendo extensão do criador: uma
vez mais, imagem e semelhança.
Não por sermos algo de especial na Vida, à priori, pois justamente
antes de ser, nada somos. Quem é o canoeiro na canoa que sou?
O modo que minha canoa vaga pelo infinito, quem é o canoeiro que
carrego? O que do infinito re-paro em minha vida finita?
Se este canoeiro não for capaz de olhar Horizonte, navegará
perdido.
O que norteia?
Canoa Banô
Canoa-canoeiro
pelo infinito de quem sou
Canoa-canoeiro
54
renasciendo en abuelos
Soy más fuerte quando canto al sol
Quando canto al Sol
Caminho el sendero
De los rios
Busco el brillo del espejo de tus ojos
Sinto lluvia, canto vida
Que o canto que o poeta filosófa, que a Sabedoria de nossa Filosofia, seja
uma Memória do Eterno, pois eterno também é aquele que a carrega em
Vida com Princípios e Valor.
A superação da Babilônica situação técnica de nossa sociedade-
científica reside na Sabedoria Filosófica de falar identificando o Um em
suas muitas línguas. Enquanto os que fazem Filosofia, nos apropriar
deste Norte é ser introduzido ao Saber Filosófico.
55