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Associação Brasileira de Daseinsanalyse

fNDICE
Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse - n9 6 - 1985

APRESENTAÇÃO •••.••.••••••••.•••••••••••••••••••••• , 3

SONHAR E PSICOTERAPIA
""edard 80ss ....••••...•....•••.....••.........•.••... 5

ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
DOS SONHOS - I •.•..•.•••••••••••••••••••.••••••••••• 21

ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
DOS SONHOS _ II • . • • • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . . •• 31

Associação Brasileira de Daseinsanalyse


Rua Cristiano Viana, 172 - Fones: 282~9618 - 881 ~468 - CEP 05411 - São Paulo
FILIADA À "INTERNATIONALE GESSELLSCHAFT FUR DASEINSANAL YSE" - ZURICH . SUIÇA
.tl

APRESENTAÇÃO

o presente número de nossa revista é dedicado exclusivamente ao estudo


dos sonhos, fenômenos de interesse especial para a psicoterapia daseinsanalítica.

Desde a antiguidade o sonhar constitui-se de fundamental.interesse para o


entendimento da experiência humana. Em nossos dias, Freud na Interpretação
dos Sonhos chamou atenção dos psicoterapeutas para a importância desse
estranho mundo. A partir dessa obra, vários autores vêm abordando a questão
sob diferentes enfoques.

Nesse sentido julgamos oportuno oferecer a contribuição daseinsanalítica.


No entanto, convém lembrarmos o que Boss afIrma em "Na Noite Passada eu
Sonhei": tal contribuição não se constitui em mais uma arma que o analista
poderá incorporara seu arsenal terapêutico, uma vez que se encontra essencial-
mente vinculada, por um lado, a uma certa compreensão do existir humano - a
Daseinsanalytik de Martin Heidegger - e, por outro. ao entendimento da psico-
terapia como Medard Boss propõe.

Este número compõe-se de três artigos. O primeiro de Medard Boss enfa-


tiza basicamente a importância do sonho na psicoterapia e procura situar sua
abordagem em relação a outras. Este trabalho foi publicado originalmente na
Revista Hexágono Roche em 1980.

Os dois outros artigos foram o resultado de trabalhos apresentados por


Solon Spanoudis e David Cytrynowicz no simpósio sobre sonhos, promovido
pela Escola Paulista de Medicina em 1981.

Spanoudis faz inicialmente uma exposição do que significa "fenomenologia


existencial" conforme o pensamento de Martin Heidegger. A seguir discute as

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semelhanças e diferenças entre os estados onírico e de vig11ia. Procura, ainda ex-
por as semelhanças existentes entre a antiguidade e a maneira fenomenológica
existencial de abordar os sonhos. Finaliza mostrando sonhos que lhe foram re-
latados em psicoterapia e como os compreende.
SONHAR E PSICOTERAPIA*

Cytrynowicz apresenta a variabilidade do sonhar e como no cotidiano costuma- Medard Boss


mos utilizar nossos sonhos. Em seguida, procura nos aproximar do sentido que
tem para Heidegger o estado de ser-na-mundo. E é a partir dessa compreensão Para os menos avisados, "os sonhos são sonhos". Não servem para nada.
que o sonhar será visto. Por fun coloca, de forma pessoal, como a fenomeno- No entanto, quanto melhor nos aprofundemos no que, no como e no para que
logia pode contribuir, para o entendimento dos sonhos nos encontros psicoterá- da existência humana, tanto maior proveito - também no plano terapêutico -
picos. tiraremos do sonhado.

Esperamos que na leitura desses trabalhos permaneça presente o espírito A maneira que nos parece até hoje, possibilitar um acesso mais adequado
que os gerou, ou seja, não serem prescrições de uma atuação psicoterápica ao onírico em geral, é o método fenomenológico ou análise existencial. Este
específica. Pois esta será sempre o resultado da compreensão, que em cada orienta o analista no sentido de preocupar-se tão somente com os fenômenos
caso, teremos de uma dada situação. diretamente perceptíveis, dedicando-se e retomando sempre a eles até que se
desvele a essência mais íntima que os atravessa. Além disso, aconselha-o a não
A.B.D. extrair conclusões nem supor forças ocultas.

Vamos ilustrar com alguns exemplos concretos o caminho que se abre


com esse método de compreensão do fenômeno onírico.

Eis o que· contava um rapaz solteiro de trinta e quatro anos à sua analista:
"Na noite passada sonhei que diante de mim se estendia uma vasta planície.
É mais ou menos meio-dia. O sol está no zênite e brilha com grandeintensi-
dade. Ao longe ergue-se uma colina. Ao seu pé diviso, logo, um grupo de lin-
das moças; vejo-as muito pequenas por causa da distância, mas nenhum deta-
lhe me escapa. Busco desesperadamente um binóculo para observá-las melhor".
Apenas terminou o relato de seu sonho, acrescentou: "Se ao menos eu tivesse
conseguido um telescópio, que aumenta muito mais ..."

Tudo o que o sonhador viu era tão perceptível sensorialmente e tão pre-
sente em seu lugar e momento específico como costumava apresentar-se em
vigl1ia. A percepção no sonho era talvez ainda mais nítida pois, quando esta-
mos despertos, uma grande distância reduz as figuras humanas ao tamanho de

* Do original "EI ensueflo, um therapeuticum magnum" publicado pela revista


Hexágono (ROCHE) - 1980, Basllea, Suíça.

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um pavio, de modo que dificilmente elas se distinguem com a clareza com o separava das lindas garotas, únicas pessoas com quem se encontrou? Sua
que o sonhador as viu. Além disso, o paciente tinha a sensação de estar perfei. relação corneIas se limitava a um longínquo contato visual. E sua única rea-
tamente acordado enquanto contemplava as belas jovens, ao pé da colina. ção foi buscar desesperadamente um binóculo. No decorrer do sonho, toda
sua existência estava embargada no desespero; nessa disposição de ânimo o
Se nos ativermos ao realmente dado, não podemos dizer que ele
existir se reduzia à vontade de aproximar-se das jovens. Mas não terá seu de·
"criasse" ( * ) a situação nem "projetasse" para fora meras imagens proceden-
sejo "desesperado" de aproximar aquelas mulheres se esgotado em querer
tes do "interior" de sua psiquê. Também seria um erro pretender que o sonha·
aproximá·las apenas no campo visual? Também ao despenar, o sonho não
do fosse não mais que uma alucinação. Alucinação é sinónimo de ilusão dos
lhe sugere mais que um telescópio. Será isto algo mais que um instrumento
sentidos. Mas, os "sentidos" nunca se enganam. Só pode enganar-se um ho·
para conseguir uma maior proximidade ótica . . . ? Em vez de um telescópio
mem capaz de apreender significados. Está·nos vedado atribuir aos sonhos
poderia ter desejado, em seu sonho, botas de sete léguas, por exemplo. Com
uma gênese operada pelas atividades das células cerebrais porque a energia
elas teria se transportado num instante, em pessoa e não só com a vista, para
física gerada nelas só pode criar algo semelhante a si e nunca algo "espiritual"
junto das jovens para abraçá-las". Atónito, o paciente declarou: "Claro, isto
como o são a percepção e cognição de belas jovens.
nem sequer me ocorreu." Ao que a analista agregou: "Uma vasta distância o
Violenta-se o fenômeno onírico dizer que alguém "teve" um sonho. O separa das mulheres. Por outro lado, é urna planície um local plano, sem pos~
acontecer onírico se materializaria assim num objeto que se pode possuir quan- sibilidade de subida ou descida. Em seu universô onírico o único desnível que
do, tal como estar desperto, o sonhar é um modo de ser do nosso existir. Assim permite uma ascensão está para além das mulheres que você divisou à distân·
dizer que se "teve um sonho equivale a desvalorizá-lo, tomando-o como um ob- cia; é a colina que ali se elevava. Não lhe parece que muitas peculiaridades de
jeto de estudo, e a partir de uma perspectiva inteiramente distinta daquela do seu universo onírico caracterizam desse modo, em "sentido figurado" - ou
estado de vigília. melhor ainda, num sentido existencial originário - seu comportamento quan-
Assim, não vemos outro caminho a não ser aterroo-nos estritamente ao do acordado? Você costuma adotar também em sua vida desperta, uma ati·
que nosso solteiro de trinta e quatro anos recordava no dia seguinte ao do tude acentuadamente reservada diante das mulheres que, por seu aspecto e
sonho. É aconselhável proceder em três etapas. Primeiro, interroga-se o paciente idade, poderiam ser cogitadas como parceiras. O seu desenvolvimento pessoal
sobre que sentido lhe é possível ãesvelar, no seu sonho, sobreq~ão 'aces~"{;el ou também não tem se movimentado no mesmo plano? Não terá a sua vida real-
hermétíêo é, pãia ele, seu universo onírico e o que llie chama a ate~ção em sua mente se aplainado nesses últimos tempos? Às vezes, tenho a impressão de que,
própria atitude diante do que lhe sobrevém nos sonhos. Segundo, o analista no curso da análise, você se instalou comodamente no seguro lugar de obser-
terá que decidir, em virtude do horizonte de entendimento a que tenha che- vador".
gado a pessoa analisada, quanto se lhe poderá esclarecer já daquilo que ela
mesma disse acerca do sonhado e do que ele, o analista, captou além disso. Estas constatações e perguntas continham uma aplicação terapêutica· do
Procedendo desta maneira constatou-se, neste exemplo, que o modo de pre. enfoque puramente fenomenológico dos significados oníricos, tal como se
sença do paciente no mundo, percebido em seu sonho, revelava traços pecu. evidenciaram para o analisando e o analista.
liares: o primeiro que saltava à sua vista era a sua solidão. Não havia perto
dele nenhum amigo ou amiga, nem sequer um desconhecido. Diante dele não
Ainda que a planície do mundo onírico de nosso solteiro de trinta e qua-
havia mais que uma ampla e deserta distância. Apenas no extremo oposto,
tro anos indique uma parada momentânea no seu amadurecimento, o sonho
ao pé de uma colina, apontava um grupo de bonitas jovens que pareciam di-
releva já um grande progresso do sonhador em relação a sonhos anteriores.
minutas nessa lonjura. Por tudo isso, se perguntara ao analisado: "Não lhe
chama a atenção a solidão que viveu em seu sonho e a enorme distância que
Há um ano atrás ele sonhava consigo mesmo unicamente com atitudes de
* Todas as aspas e grifos são do texto original. (N.T.) um menino de doze anos. Este se encontrava na companhia de velhas senhoras,

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cujos càbelos brancos estavam aplUmafios em finas redinhas, e em meio às dos limites do aveludado salão de chá de sua mãe e o levará aos altos e lon-
quais sua mãe, majestosa, oferecia o chá num antiquado salão, com móveis de gínquos vales do Himalaia indiano. A perspectiva dessa expedição bélica o
veludo carmesin.Dócil e submisso, obedecendo a mãe, ele sen'ia às senhoras fascina. Você está entusiasmadíssimo. Isso só sente alguém cuja existência
açúcar e leite, numa bandeja de prata coberta por uma toallza de renda. acaba de ampliar-se e enriquecer-se consideravelmente". Mas depois, a ana-
lista teve que mostrar ao analisando - exatamente como correspondia ao fenô-
Depois deste sonho, a ação da terapeuta consistiu essencialmente em cha- meno em questão - as numerosas limitações de seu comportamento onírico
mar a atenção do analisando para sua puerilidade e seu servilismo ante a despó- e o fez nestes termos: "Não lhe chamou a atenção que a iniciativa desta ousa-
tica mãe. A isso se associou a pergunta de se percebia analogias entre sua dispo- da expedição guerreira não seja sua? No fundo, você só obedece a uma ordem
sição de ânimo no sonho e seu atual estado desperto e se recordava situações de alheia, exterior, de seus superiores hierárquicos. Ainda se acha dentro do âm-
sua vida nas quais tivesse adotado um comportamento similar ao do sonho. bito coercitivo de relações interpessoais, próprio do serviço militar. Além disso,
Mais uma vez se demonstraria a extraordinária facilidade com que os analisan- toda a sua combatividade e luta com os demais homens, não passa dos prepara-
dos recordam· episódios de sua vida passada, que surgem quase que esponta- tivos. Em seu sonho, sua diligência tropeça em regras e ordens rígidas, assim
neamente com um simples apontar, em .algum sonho recente, um comporta- como em sua própria indecisão. Você se perde em elocubrações sobre insigini-
mento infantil que implique em limitação, em vez de se remexer diretamente a ficâncias de ordem indumentária. Por fun, todo seu entusiasmo inicial vem
sua infância. abaixo, seu universo que de início se estendia até o longínquo Himalaia, de
repente se encolhe até a estreiteza de uma apertada moradia num bairro popular
Entre o sonho das senhoras que tomavam chá e o da vasta planície com de seu país. Ao menos, já não é sua casa paterna. Agora, já dispõe de várias
belas garotas, nosso solteiro sonhou uma noite o seguinte: Tenho que incorpo- habitações ainda que sejam unifonnes e impessoais. Coniudo, também não se
rar-me ao serviço militar ativo. Trata-se de um novo e fascinante tipo de ope- pode dizer que esse domicl1io lhe pertença totalmente. É assombroso o lugar
ração, em algum lugar da Cashemira indiana, talvez num alto vale do Hima- e o poder que ainda concede à sua mãe, talvez até contra sua vontade. Essa
ltzia. A aventura me fascina. O vento seco, as montanhas gigantescas e o céu intromissão dela o enfastia mas você se contém e nada faz para impedi-la de
azul me atraem como um imã. Assim deviam sentir-se os mercenários na Idade por seu pé gorduroso no seu próprio espaço".
Média. Tenho ainda meio-dia para preparar-me. Logo, um quarto de hora, ape~
'nas. Mas os regulamentos me detêm: uQue camisas devo levar por exemplo? É possível que após mais um ano de análise, se abra para este homem
O unifonne de gala, é melhor deixá-lo aqui. E os sapatos? Se continuo assim um universo onírico que não caia logo por terra, sem sofrimento mas tam-
indeciso, o avião ml1itar sairá sem· mim rumo à IÍ'ldia. De repente mudança bém sem glórias. E então, tanto desperto como sonhando, permitirá que, ao
total na cena: estou em outro lugar. Trata-se de um modesto apartamento invés de sua mãe, mulheres de sua idade se aproximem, já não necessitando
num grande edifício e que esteve fechado muito tempo. No chão, descubro mantê-las a tanta distância. Essa maturidade- talvez dependa de uma resoluta
uma folha de papel que alguém jogou por baixo da porta. Vejo nele uma pe- continuação de sua análise. Esta poderá lhe propiciar pouco a pouco o ânimo
gada gorduroSfl de minha mãe. Isso significa que ela havia estado em meu apar- para enfrentar, com todos os temores subjacentes, sua compulsiva necessidade
tamento antes de mim e que havia trazido utensz1ios domésticos. Mas eu não de distância.
quero isso. Me inita esta mãe tão pesada':
Outro exemplo de situação onírica, freqüentemente importante, é sonhar
Ao utilizar terapeuticamente a compreensão deste sonho, a analista ex- que nos acusam de uma falta grave. Às vezes se conhece o acusador, mas em
pressou sua satisfação ante a quantidade de aspectos positivos: "Ê alentador geral é um "desconhecido" que acusa o sonhador de haver cometido um crime.
que no sonho você já não seja um menininho da mamãe mas um homem adul- Em alguns casos, o acusado se considera culpado mas, em geral, os que assim
to capaz de uma ação tipicamente viril, junto com outros homens. Vai parti- sonham estão convencidos de sua inocência. De vez em quando, no entanto,
cipar de um valente, bélica e agressiva conquista do mundo que o arrancará os sonhadores suspeitam que, efetivamente, cometeram um assassinato no

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passado. Eis aqui, por exemplo, o sonho de um quarentão, professor de mate- reconhecer as mutilações da sua maneira de viver. A partir desse momento foi
mática num colégio feminino, tal como o relatou em vigl1ia: "Esta noite so- capaz de estabelecer relações humanas mais livres e corajosas.
nhei que estava· almoçando com minha faml1ia. Escutávamos as notz'cias. De
repente, horrorizado, dei-me conta, pelo rádio, de que existia contra mim A compreensão fenomenológica do acontecer onírico é de grande uti-
uma ordem de prisão, por suspeita de homicídio. Tive um sobressalto e meu lidade terapêutica, especialmente em situações patológicas, porque muitas vezes
único pensamento foi fugir e esconder-me. Corri por entre atalhos até chegar barreiras e distorções existenciais se manifestam no sonho primeiramente. É cla-
a um celeiro distante, num lugar completamente deserto. Empurrei a porta, ro que o sonhador, enquanto sonha, não se dá conta de que as peculiaridades das
fechando-a imediatamente atrás de mim e me escondi sob um monte de feno coisas e pessoas que aparecem em seu "mundo exterior" onírico têm seu equiva-
que se erguia num canto. Assim encoberto, fiquei de início seguro de que toda lente em aspectos de sua vida desperta. Mas o terapeuta experiente fará ao pa-
essa busca policial se constituúz num·· equivoco. Não estava consciente do me- ciente desperto a pergunta capital, desde o ponto de vista terapêutico, a saber:
nor delito. Mas logo depois as dúvidas me assaltaram. Não teria eu brigado com se, estando desperto e mais lúcido, não começa a perceber em si aspectos análo-
o colega que ensinava alemão no colégio, estrangulando-o ao final? Lentamente gos aos que caracterizam o mundo exterior material de seus sonhos. O requisito
entrevia algo. Um terrível sentimento de culpa foi me invadindo quando, subita- para tal questionamento será, sem dúvida, uma relação suficientemente resistente
mente, um grupo de policiais irrompeu no celeiro e agarrou-me. Arrancaram-me e sólida entre analisando e analista. Dela dependerá o momento em que o pacien-
toda a roupa e me atiraram. nu e atado, num carro de bois. Amarraram-me às te seja capaz de confrontar-se com os problemas suscitados na análise.
travas laterais. Nessa CIlrreta me conduziram até a cidade, em prisão preventiva.
Durante o caminho, uma mescla de culpa e medo de ser enforcado foi tomando Para o analista experiente os sonhos podem conter ademais, advertências
tal intensidade que soltei um grito e então, despertei." inestimáveis. Um homem de vinte e oito anos fazendo análise há seis meses
sonho, por exemplo, o seguinte: "Estou em um bosque cujo chão é coberto
Os analisandos, já contaminados pela psicologia, que sonham haver come- de musgo. Começo - não sei por que - a escavar o solo. Sob o musgo, a alguns
tido um crime, tendem apressadamente a interpretar seu crime como parricídio centzmetros de profundidade, dou com uma fina capa de material incandescente..
edipico. Mas o homem supostamente assassinado em nosso sonho era, na sua Sob ela se abre um imenso fosso, de amplitude e profundidade insondáveis.
maneira de ser, a antítese do pai do sonhador. Enquanto este último era um Cada Jlez mais sinto medo. Finalmente desperto, sobressaltado': Depois deste
técnico extremamente fmo, sereno e racional o professor de alemão assasinado sonho, o analista fez bem em não aprofundar-se demais na análise da existên-
no sonho tinha alma de p~ta, uma natureza branca e sentimental e uma certa· cia do paciente desperto. Ao contrário, deixou-lhe bastante tempo para cimen-
boemia. Além disso, era dez anos mais novo que o sonhador. Ao invés de incor- tar solidamente seu viver num clima de crescente confiança. Se o terapeuta não
rermos em tão infundada interpretação, julgamos melhor que o analista per- tivessse compreendido fenomenologicamente a advertência, é muito provável
gunte a seu analisando desperto se, nesse estado de maior lucidez e clarividên- que o analisando desperto acabasse fugindo apavorado da psicoterapia ou su-
cia, não vislumbra o quanto de humano tem matado no decurso de sua vida cumbido em uma psicose.
ou seja, aqueles seus modos essenciais de viver que correspondem ao caráte;
do professor assassinado no sonho: as possibilidades existenciais de estabele- Urna advertência similar está contida no sonho de uma jovem de vinte e
cer relações emocionais e poéticas. "Prosseguirá talvez o analista: O fato é seis anos.
que, sua existência "desperta" tem se estreitado numa atitude distante, acen-
tuadamente intelectual, que traduz em abstratos tennos matemáticos, tudo o "Estou completamente sozinha nos descampados de Luneburgo. O céu
que encontra". Como de costume, tal questl'o desencadeou, também neste se tinge de amarelo enxofre, anunciando maus augúrios. Ouço um surdo ron-
caso: ~m lento processo de ressurreição e reapropriação de possibilidades exis- car subterrâneo. O solo começa a estremecer. Um tremendo tremor se prepara.
tenCUl1s sepul~das, até então, pela neurose. Assim como provocou violentas As sacudidas são cada vez mais violentas. Estou aterrorizada. É o fim do mundo,
reações de reSlstência e evasão, típicas também, até que o paciente se atreveu a penso. De repente, a terra inteira se pulveriza sob meus pés. Flutuo no cosmos

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vazio e me sinto cada vez mais fraca. Meu corpo também se desmancha em pó. pois a cabeça tonteava, ainda. Não tinha vontade de levantar-me nem de fazer
Desapareço ': nada. Nesse momento, passou um trem expresso a toda velocidade e uma bela
mulher lançou-me, pela janela, um grande ramo de rosas. Um perfume deli-
Esta modalidade de sonhos é típica em pacientes que, na sua vida desperta, cioso exalava delas. A ressaca desapareceu como por encanto; para assombro
são manifestadamente esquizofrênicos, ou estão a ponto de sê-lo. Entre os meu. a guarita havia se convertido numa imensa mansão, parecida com a casa
150.000 relatos oníricos que me foi dado conhecer, há apenas uma dezena tão Rechberg de Zurique. Apenas as escadarias eram muito maiores. Em pé no
francamente indiciais da presença de urna esquizofrenia na vida desperta. Quero salão, vestido com esmero e o coração palpitando esperava de um momento
ressaltar que, ao contrário do que sucede com pacientes psiconeuróticos, é extre- para o outro, a mulher das rosas':
mamente raro que um sonho de um esquizofrênico permita estabelecer o diag-
nóstico. Nos sonhos daqueles, a restrição aparece cedo ou tarde com toda niti- Uma mulher de trinta e cinco anos, pouco depois de haver tenninado sua
dez, corno que através de uma lente de aumento, aos olhos de uma pessoa experi- análise, escreveu a seu terapeuta contando-lhe o seguinte sonho: "A rainha da
mentada. Os esquizofrênicos, por seu lado, comportam-se em quase todos os Inglaterra convidou-me ao palácio de Buckingham. Haviam me reservado, ali,
seus sonhos como pessoas sadias ou afligidas por uma neurose comum. Assim é uma suite. Essa distinção encheu-me de alegria. Foi-me pennitido acompanhar
que urna mulher de trinta e cinco anos, gravemente psic6tica, pode sonhar o a rainha em todos os seus passeios. Entendemo-nos divinamente. Nossas con-
seguinte: "Num cálido dia de primavera passeio por um parque florido e colho versas foram muito animadas. Assisti, inclusive a suas visitas a uma base naval
um ramalhete. Ao arrancar uma flor, dou-me conta de que tenho uma serpente e a um hospital pedúítrico. Lembro-me de cada detalhe tanto de nossas conver-
na mão. Espantada, lanço fora a flor e a serpente. " O mesmo podia ser sonha- sas como das instalações do hospital e da base naval. Passo. assim, três dias in-
do por uma mulher ligeiramente histérica, que ainda não estivesse capaz de teiros com a rainha. Cansada das muitas impressões do dia, dunno profunda-
viver em harmonia com as possibilidades animais e elementares de sua pr6pria mente à noite toda. Pela manhã. ao despertar, salto da cama lépida e repousada,
personalidade e da dos demais. pronta para estar o quanto antes, outra vez, com a rainha':

O que foi dito até aqui é o suficiente para possibilitar aos psicoterapeu- É evidente que o sonho tem a ver não só com uma grande mudança de
tas terem, na maioria dos casos, uma compreeensão adequada do onírico em humor, senão - e muito mais - com uma modificação correlata das circuns-
geral e de sua utilização com vistas ao propósito terap!utico. De qualquer mo- tâncias espaciais. A peculiaridade do segundo sonho, é que um evento que,
do, os analisandos não necessitam ir muito longe com suas perguntas. Apesar em tennos de tempo físico, deve ter durado no máximo meia hora, na expe-
dos conhecimentos acumulados até agora, os terapeutas tropaçam com pro- riência onírica ocupou três dias completos.
blemas insolúveis ante uma décima parte dos sonhos de seus pacientes. No
fundo, ainda não sabem o que é o fenômeno onírico nem o que justifica que, Para compreender o primeiro sonho, provavelmente seria preciso uma
a partir dele, se fonnulem perguntas acerca da conduta de um paciente durante maior aproximação da espacialidade da existência humana. O segundo sonho
sua vida desperta. Tem-se a impressão de que os sonhos foram sempre inter- exige urna compreensão mais profunda da sua temporalidade originária. Se
pretados somente a nível do sujeito, enfoque conhecido já por Freud e desta- olhamos atentamente, damo-nos conta de que, para um entendimento cabal de
cado depois por Maeder (9, 10) e Silberer (13) mas defInitivamente assim todos os exemplos anteriores, ambas as coisas são indispensáveis. Fixemo-nos
chamado por Jung (7, 8). Mas, alguém que tenha acompanhado minha argu- na espacialidade do primeiro de todos os exemplos. Aquele solteiro de trinta e
mentação até aqui, como interpretará os dois sonhos que se seguem? . quatro anos tinha os pés bem plantados num ponto detenninado da vasta planí-
cie. Sem dúvida, de algum modo ele estivera já antes, junto às belas e remotas
. Um homem de vinte e dois anos relata: c~ noite sonhei que havia per- jovens às quais, tão desesperadamente, quis espiar com o binóculo. Se não ti-
noitado como um vagabundo na gUarita de uma linha ferroviária em rulnaS, vesse estado já com essas mulheres, se seu ser não tivesse abarcado em seu es-
e que acabava de despertar. Na véspera, devia ler bebido muita aguardente, tar -lançado - no - mundo toda a ampla planície, incluindo as mulheres, corno

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teria podido descobri-las e, ainda, desejar tanto contemplá-las mais de perto? extraordinariamente rica e intensa. Tinha tempo para criar e realizar inúmerá-
Só podemos perceber, apreender e compreender aquilo em que já estamos. veis projetos ou simplesmente desfrutava-o. Desse modo, a estadia com a rai-
Assim, pois, a existência do homem de nosso primeiro exemplo nos aparece nha da Inglaterra, preenchida ao máximo, durou no sonho três amplos dias de
como o acolher dos conteúdos significativos daquilo que sobrevém, abarcando sua vida; Seu encontro· com uma das mais ilustres e ricas representantes de
o mundo inteiro ou, ao menos, o campo aberto da vasta planície estendida nossa sociedade faz supor que a sonhadora está se aproximando de sua pleni-
até o longínquo horizonte, onde o céu se confunde com a distante e terrena tude existencial.
colina. Se, no sonho, o paciente não existisse como ser aberto, com uma per-
cepção tão universal, não teria podido estar, no lugar em que seus pés pisa- Esta compreensão de temporalidade e espacialidade originárias da existên-
vam a terra e ao mesmo tempo além, junto às jovens distantes. Isto não signi- cia humana - próprias de sua vida tanto desperta como onírica - nos proíbe
fica que primeiramente tivesse estado fisicamente onde fazia ato de presença de continuar falando dos sonhos humanos como de algo que se possa ter, pos-
e, secundariamente saísse de modo misterioso de sua envoltura corporal ou suir ou produzir espontaneamente. Com tais expressões - como já dizíamos
de sua psiquê, para reunir-se com as mulheres. Significa que, desde o princí- no pr~ncípio - materializou-se o sonho impropriamente como ente em si,
pio, sentiu-se integrado, em corpo e alma, na sua relação com elas. Aprisio- quando na realidade é preciso vê-lo como uma determinada modalidade exis-
nado, seduzido pelas belas jovens, abriu-se por completo, correspondendo a tencial, análoga á do estado de vigl1ia, ainda que diferente em múltiplos aspec-
seu ardente desejO. e afã de aproximar-se delas. Nessa modalidade de encon- tos. Chamamos sonho a tudo o que se manifesta na existência onírica.
tro, tão importante para ele, malgrado a enonne distãncia métrica que os se-
parava, o sonhador, por sua experiência íntima, encontrava-se muito mais A presença humana no mundo - desperta ou em sonho - é "primaria-
perto das jovens do que do solo em que diretamente pisava. Neste, apenas mente" no modo de ser que desde sempre acolhe conteúdos significativos
reparou pois era-lhe alheio e indiferente. em tudo o que, à luz da existência humana, se manifesta pleno de significados.

Muito mais completo foi ocontato com uma mulher· que estabeleceu o Qualificar os sonhos como processos também não é exato. Se· o fossem,
sonhador quando, de errante vagabundo, numa mísera guarita ferroviária, seriam fenômenos mensurável, no plano dos objetos, dentro de uma eqüidade
se transfonnou em morador de uma enonne e aristocrática mansão onde, de universal - pressuposta e representada como algo homogêneo - e de uma se-
um momento para o outro, esperava a visita da dama das rosas. Aqui é parti- qüência cronológica de pontos igualmente uniformes. Ora, todos os exemplos
cularmente patente que a repentina mudança de estado de ânimo - da indo- descritos de sonhos evidenciam quão pouco homogêneas e previsíveis são as
lente ressaca ao despertar no sonho do sentimento de felicidade ao receber as dimensões espaço.temporais fundamentais do existir humano.
rosas da mulher - determinou também uma enorme ampliação do espaço
onírico. Ao compreender que sonhar é um modo de existir próprio do ser humano,
uma maneira peculiar de realizar seu primário "estar-no-mundo", entendemos
É característica essencial da existência humana tanto desperta como em o valor de recorrer terapeuticamente ao sonhado na relação com o paciente
sonhos a integração onírica na relação com o 'que, pleno de significados, apela desperto. Agora vemos claramente que, tanto o sonho como o estado de vigí-
desde o âmbito aberto do mundo e a isso responder física e emocionalmente, lia pertencem sempre à história de uma vida, como duas modalidades existen-
em pensamento e ações. Assim, se "temporializa" a existência humana, con- ciais suas, diferentes por certo, mas igualmente originárias. Para compreender
sumindo em si mesmo o tempo que lhe resta. Compreendendo isto, n~o é tão as relações peculiares que existem entre ambas, examinemos, mais de perto a
enigmática a dilatação temporal que constatamos no sonho da mulher de trinta diferença. Enquanto sonhamos permanecemos integrados - não sempre, mas
e cinco anos, dos três dias passados em companhia da rainha da Inglaterra. na imensa maioria dos casos - na nossa relação com fatos materiais presentes
Nesta época, a mulher que era pintora acabava de entrar numa fase especial- e perceptíveis pelos sentidos, embora alheios à nossa própria existência. Quan-
mente criativa em sua vida. Tanto desperta como em sonhos, levava uma vida do estamos despertos, ao contrário, existimos como abertura no mundo cons-

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tituída por um âmbito perceptivo muito mais claro e amplo, de modo que so- deriam dar-se e que eram os modos de ser análogos aos do professor de alemão.
mos capazes de entrar em relação com o não perceptível sensorialmente, e não A interpretação dos sonhos "a nível do sujeito", ao inverso, parte de que o
apenas com coisas materiais e presentes. Despertos, podemos nos ocupar perfei- professor de alemão sonhado personifica as possibilidades poéticas de conduta
tamente com coisas ausentes que apenas representamos, recordamos, imagina- do próprio sonhador projetadas para fora.
mos ou projetamos no futuro. Finalmente, em nossa existência desperta, dife-
rente do "estar-na-mundo" onírico, também tomamos consciência das possibi- Para chamar a tudo o que percebemos e vemos diretamente na existência
lidades de conduta imateriais e abstratas - tanto com as já realizadas, como humana de "produto" ou "efeito" do inconsciente individual ou coletivo, te-
as ainda pendentes, tanto com as que tenham sido notadas como com aquelas mos que pressupô-lo como já dado. Mas a natureza do que percebemos da
que até agora passaram inadvertidas. No final, são tais possibilidades de condu- existência humana também pode definir-se de maneira totalmente diferente.
ta que constituem fundamentalmente o nosso existir. Podemos considerar, por exemplo, que sa:o verdadeiros fenômenos, isto é:
manifestações e aparências de si mesmo e não produtos de uma instância m-
A correspondência essencial entre uma detenninada vida desperta os so- trapsíquica pré-existente.
nhos desta mesma existência por um lado, e por outro lado, a discrepância que,
apesar disso, existe na maneira de abrir-se desses dois modos de "estar-no-mun- Além de serem cientificamente indefensáveis, as transposições do onírico
do", requerem uma especial aplicação terapêutica do sonhado. Ante um con- baseadas em invenções são também perigosas do ponto de vista terapêutico.
teúdo significativo enfocado fenomenologicamente, o analista perguntará ao Incitam o terapeuta a subestimar a distância que existe - inclusive no estado
analisado desperto se, nesse estado devigl1ia, "mais lúcido", "amplo" e "aber- de vigília de urna pessoa determinada - entre seu modo de ser já apropriado
to" não reconhece, talvez pela primeira vez, significados análogos entre as e as possibilidades existenciais marginalizadas da vida desperta e acessíveis em
coisas e as pessoas de seu mundo onírico e sua própria existência. Ao homem son1.los apenas como elementos exteriores (em nosso exemplo, o professor de
que havia assassinado, em sonho, o seu colega professor de alemão e que se alemão). Mas essa distância é o que impõe certa prudência no momento· de
sentia culpado, era oportuno perguntar se vislumbrava o quanto de humano confrontar o analisando com possibilidades de conduta, 'suas desde sempre, mas
havia ele matado no curso de sua vida, ou seja aquelas possibilidades de com- das quais tem ainda que apropriar-se. A menorimpmdência o fara desistir.
portamento que notara no carãter do professor de alemão e que constituiam Como conseqüência da reapropriação - muito cautelosa via compreensão fe-
exatamenteas possibilidades de aproximar-se emocionalmente daquilo com que nomenológica da natureza onírica - das possibilidades existenciais desperdi-
deparava no seu existir. De fato, sua existência d~sperta consistia numa atitude çadas até então em virtude da neurose, cessam os sonhos carregados de culpa-
distante, hiperintelectualizada, que reduzia tudo a conceitos matemáticos. bilidade por algum crime capital. Este fenômeno se explica à luz da análise
existencial, para a qual a existência humana está basicamente destinada a ser-
. Com o conhecime~to que temos agora da estreita relação entre sonhos e vir de campo de manifestação aberto e estendido - possibilidade de perceber
VIda desperta. - considerados como fonnas distintas de "estar-no-mundo" de significados - de tudo o que há de ser e que só ali pode aparecer e estar presente.
uma e única existência - e da diferença entre as duas modalidades, não se poderá Ali estão juntos todos os seres humanos, com as coisas mesmas, num mundo
pensar na aplicação terapêutica da compreensão fenomenológica dos sonhos comum. Sonhar é parte da "existência humana enquanto diálogo", isto é: diá-
apenas como urna interpretação subjetivista, como há tanto tempo se conhece. logo entre o que invoca aos seres humanos desde a abertura de seu mundo e
Na realidade, trata-se do contrário. A compreensão fenomenológica dos sonhos os pensamentos e ações com que estes respondem. O ser humano só pode dar a
dá importância primordial ao fato, por exemplo, de que nosso sonhador so- resposta que deve se se apropriou - e dispõe segundo seu arbítrio - das con-
~ente "viu" o professor de alemão assassinado; é por isso que, no sonho, este dutas possiveis de seu ser completo, que constituem sua existência. Cairá "em
nao possa ~Igru"fi1ear" nad a mais do que justamente o professor de alemão.
. ". falta" com respeito a sua condição fundamental na medida em que recusa
~aãO haVIa m~~~m que ~ivesse olhos, ouvidos ou percepção necessária para apropriar-se das possbilidades existenciais indispensáveis para tomar-se livre e
ptar as pOSSIbilidades eXIstenciais do sonhador mesmo, isto é: aquelas que po- completo. Todos os sonhos de culpabilidade, como o citado, e as possibilidades

16 17
de liberar-se deles via a análise existencial se baseiam, no fim das contas, nessa
ça. Só então - demasiadamente tarde - a sonhadora se atreve a reprovar a mãe.
"dívida fundamental" do ser humano para com sua existência.
Par terminar, gostaria de opor à representação simbóiica no tonho (5) de Em vez de seguir a pretendida "livre associação" da sonhadora acerca dos
Freud, uma aproximação fenomenológica do mesmo sonho. Em 1911, sob o genitais que certa vez vira em seu pai de costas, teria sido terapeuticamente
título Os pequenos, como símbolo do genital, Freud narrou o seguinte sonho mais indicado chamar a atenção da paciente sobre o incrível poder que ainda
de uma paciente agorafóbica, mãe de uma menina de quatro anos: I~ sua concedia a· sua mãe, em sonhos. Uma mãe onírica tão onipotente indica por
mãe manda que a sua filha caminhe sozinha. Logo depois, ela a sonhadora, si mesma a persistência de uma fllha correspondentemente enfraquecida.
toma o trem com sua mãe e vê a fdhinha encaminhar-se diretamente para a
linha do trem onde será inevitavelmente atropelada. Ouve esmagarem-se seus o esmagamento -da fIlhinha pelo trem em que viajam ela e sua mãe revela
ossos (experimentando aqui uma sensação desagradável mas não um verda- a tremenda violência de sua dependência infantil com relação à mãe; tão forte
deiro espanto). Olha, então, para trás, pela janela, (tentando ver os pedaços que esmaga as possibilidades existenciais da fIlha de seguir seu próprio caminho
de ma filha atropelada). Depois volta-se para a mãe e a reprova por ter deixado para converter-se em mulher e mãe adulta e emancipada; pois, onde desaparece
sua filhinha andar sozinha. o filho, termina também a maternidade.

Sob a orientação de sua teoria, Freud modifIcou o texto do sonho. Eis Esta aproximação a partir da análise existencial não defonna nem ignora
aqui parte de sua análise. "Ela olha se se vêm os pedaços por detrás. A super- os fatos manifestos do sonho e teria podido ser comunicada inteiramente à pa-
fície do sonho faz pensar em pedaços da menina, enrolada e destroçada. Mas ciente despertá. O segundo passo terapêutico teria consistido em perguntar-lhe
a associação vai em outra direção. A paciente, recorda uma ocasião em que se lhe ocorriam situações de sua vida desperta - desde sua mais tenra idade -
viu seu pai nu e de costas, no banheiro; começa a falar das diferenças sexuais qu~ revelassem, de alguma maneira, uma atitude analogamente infantil e sub-
e observa que os genitais masculinos são visíveis mesmo estando a pessoa vol- missa com relação à sua mãe. Ante cada exemplo, o terapêuta teria que mani-
tada de costas; o que não contece com os femininos. Em conexão com isto festar o -seu assombro ante o fato de que a paciente tivesse aguentado tanto
interpreta por si mesma que a menina é o genital". Com a mesma desenvol- tempo a tirania materna e continuasse tolerando-a, ainda. Assim, ela poderia dar-
tura com que a paciente se entrega a eSsa "associação livre" a posteriori, Freud- se conta, talvez pela primeira vez, de que para com os mais idosos é possível ado-
sem levar isso em conta - trata o fato puro e simples de que ''ver algo olhando tar condutas diferentes da submissão que lhe era tão familiar tanto em sonhos
para trás" e "olhar algo por detrás" pode, enquant1 fenômeno, significar duas como na vida desperta.
coisas completamente diferentes. Não será acaso possível olhar para trás e ver
uma coisa de frente? Na verdade, absolutamente nada do conteúdo onírico
sugere um sexo visto por trás. Nas circunstâncias do sonhotamhém comparece
a ameaça de castração, segundo a interpretação de Freud para o fato de a menina
ter sido enviada a caminhar sozinha.

É muito diferente o que nos aparece no modo de abrir-se ao mundo da


sonhadora. Primeiro, ela se encontra - espacialmente - em contato muito
esttreito com a mãe. Mas também no plano humano estas ambas tão intima-
mente ligadas que a mãe exerce uma autoridade absoluta sobre a sonhadora,
até o ponto de ordenar-lhe que deixe vagar sozinha sua própria fllha. Em prin-
cípio, a sonhadora obedece sem reclamar, embora exponha assim sua fllha a
um grande perigo. O trem que ela e sua mãe viajam, mata efetivamente, a crian-

18 19
Bibliografia

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2. Boss, M.: Es Trãumte mir vergangene Nacht ... Berna, Stuttgart. Viena:
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Madrid: Alianza Editorial, 1969)
6. Jones, R.M: The New Psychology ofDreaming. N.Y. Londres: Grune & Nesta tentativa de expor a abordagem fenomenológico-existencial dos
Stratton, 1970. sonhos, não podemos deixar de considerar, antes de mais nada, o que significam
7. Jung, C.G.: Vom Wesender Trãume. Ciba-Zschr 3, N? 36 (1936). as expressões "fenomenológico" e "existencial".
8. Jung, C.G.:~~ychological Reflections. N.Y.:Harper. 1961.
9. Maeder, A.: Uber das Traumproblem. Zurich: Rascher, 1914. Para muitos, "fenômeno" é algo que aparece, e como aparência pode
10. Maeder, A.: Über die Funktion des Traumes. Psychoanalytsche Forschung, enganar.
Vol. IV, P 70, Viena, 1912.
11. Massennann, J.H.: Dreams Dynamics. Scientific Proceedings of the Para Husserl, o fenômeno é a pedra fundamental de seu pensamento. O mé-
American Academy of Psychoanalysis. Science and Analysis, Vol. XIX. todo fenomenológico que propõe se dirige para uma ciência eidética, onde
N.Y., Londres: Grune & Stratton, 1970. toda a tentativa de descrição dos fenômenos se baseia na objetividade do cons-
12. Meier, CÃ.: Die Bedeutungdes Traumes.Olten. Walter, 1972. ciente.
13. Silberer, H.: Symbolik des Erwachens und SchwellensynboIik überhaupt,
en:Jahrbuch für Psychoana~vtische und psychopathologische For- Por vezes chama-se "descrição fenomenológica" à descrição minuciosa dos
schungen, Vol. 3, p. 619, Viena, 1912. objetos ou das noções objetivadas para fms de observações exatas que, essencial-
mente, são noções empíricas. Empirismo não é fenomenologia. Empirismo é a
descrição na maneira de observação dos fenômenos, baseada em parâmetros e
variáveis.

Para Martin Heidegger - que é quem nos serve como guia de pensar e
refletir -, fenomenologia é simplesmente: as várias maneiras pelas quais algo
se mostra, se apresenta, se desvela, se toma presente a nós.

A aproximação do tenno "existencial" também nos pede que evitemos


distorções e mal-entendidos. Para tanto, convém não falar em "existencialismo"
como se este fosse um sistema fechado da fllosofia. O que há são existencia-
listas, que assim são chamados por compartilharem de um tema comum, mas

20 21
cada um deles o pensa de maneira própria e característica. Para o pensamento -ente que historiza de várias maneiras, mitos, lendas, poemas épicos e, na atuali-
ocidental, para a·ontologiaclássica, "existência" significa algo real, ou seja, a dade, cientificamente, aquilo a que chamamos de História, ou mais especifi·
objetividade das coisas contrastante com suas idéias - sua "essência". Dessa camente, Historiografia. Alerta para a historicidade, Heidegger nos convida
contraposição surgem teses e discussões sem fim: se a essência precede a exis- sempre a retomar ou buscar de volta as origens e significados dos fenômenos,
tência, ou se a existência é que precede a essência. . . "Existência", para M. H., tal como eles se desvelam ou se encobrem, parcial ou totalmente, em várias
guarda seu sentido etimológico original - EK·SISTENCIA -, quer dizer, algo .épocas históricas.
que emerge, toma-se manifesto, desvela·se. Fundamentando-se nesta compreen·
são da existência é que M. Heidegger nos aponta o existir humano (o Ser-aí,
Portanto, retomaremos algumas origens do fenômeno usonhar", não com
O Dasein) como sendo uma "clareira" que possibilita perceber, compreender,
a fmalidade de enriquecer nosso conhecimento enciclopédico e informativo,
entender e conhecer a totalidade dos significados de tudo o que encontramos
mas para ver de perto como este fenômeno se aproxima ou se afasta de nossa
no mundo. O ser como "clareira" não se refere a uma noção topográfica, mas
compreensão e entendimento.
a uma característica fundamental de ser humano. "Clareira" significa: as vá·
rias maneiras nas quais tudo o que é se toma presente, manifesta-se e se escla·
Artemidorus, um grande especialista da antiguidade grega em interpretar
rece; assim como sentimos, agimos, pensamos, enfIm, o como vivemos.
e explicar sonhos, elaborou sobre esse assunto obra interessantíssima. Temos
o sonhar é um fenômeno (entre outros) do mundo do Dasein. Um fenô- conhecimento de 5 volumes compilados sob o nome de "Qnirocrítica". (Sonho,
meno que 'pode ser objetivado e coisificado na expressa:o substantiva "sonho". no grego antigo "Onar", quer dizer, algo visto dormindo; Crites, do verbo crino,
significa avaliar, explicar.)
Medard Boss, em seu livro Na noite passada eu sonhei . .. , faz uma men-
ção crítica a um acontecido nos Estados Unidos quando, ao se dar um sonho . Tendo colhido enorme quantidade de material, Artemidorus o observa
para ser interpretado a vários psicanalistas, cada um deles apresentou inter- sistematicamente e elabora algumas proposições:
pretações completamente diferentes. O questionamento dessa multiplicidade
de posições está correta, mas incompleta, pois se déssemos um sonho a, por Classificação dos sonhos:
exemplo, 15 existencialistas, também nós obteríamos 15 respostas diferen·
teso Mas isto não. é novidade. Em seu trabalho Psychology of dreamutgs, 1) Sonhos simbólicos.
van Castle cita que, na Antiguidade, conforme relatos' históricos, o rabino 2) Sonhos com visões simplesmente do cotidiano.
~izna chamava já a atenção para interpretaç~es de sonhos. Uma ocasia:o, em 3) Revelações divinas através dos sonhos.
Jerusalém, consultou 24 diferentes especialistas a respeito de um sonho e ob· 4) Somnium: sonhos relacionados com o futuro, alegóricos.
teve 24 peculiares interpretações que, segundo sua própria opinião, eram todas 5) Insomnium: sonhos relacionados com o presente cotidiano, com sena
exatas. O que, entretanto, se presentifica nesse acontecimento? '-li" sações corporais.

O '''sonhar'', como um fenômeno que a nós se apresenta, não tem sentido Elaborou também um questionário que lhe permitisse interpretar os sonhos:
fundamental sem o sonhador. Isto, que para nós é fundamental e óbvio, ficou

~
f . ·.,.lq
esquecido ou desapercebido (o óbvio não é assunto encerrado; ao contrário é 1) Natura - os acontecimentos, o conteúdo dos sonhos é plausível ou
um ponto de partida para reflexões, pensamentos riquíssimos, segundo exemplos "1 extravagante, esquisito?
de M. Heidegger). 2) Lex - os acontecimentos no sonho são interligados, ttmcontinuação
ou não?
É preciso que atentemos, como nos alerta M.Heidegger, para a historicidade 3) Consuetudo - os fatos e acontecimentos oníricos são familiares ou es·
(no caso) do sonhador. Q homem é fundamentalmente um ser histórico, um tranhos ao sonhador?

22 23
4) Tempus - que acontecimentos antes do sono poderiam ter alguma in- Chama a atenção para a importância de captarmos na integralidade dos sonhos
fluência no sonhador? a afma9ão ou a disposi~ãO _do indivíduo sonhando, aSsim como a motivação
5)Ars - Atividades e profISsão do sonhador. que nos sonhos se manifesta - a finalidade da vida da pessoa, como por e~, as
6)Nomem - e por último, o nome do sonhador. di fi cul1ades, os medos, a coragem no encarar os problemas da vida. A motiva-
ção é esclarecida nos sonhos, através deles, para alcançar os alvos de sua vida.
Além dos esboços que trouxemos, Artemidorus chama a atenção para que
se perceba que o significado e a definição dos símbolos, aparentes no sonho, Medard Boss, por sua vez, baseia-se na ontologia fundamental de M. Hei-
mudam no decorrer do tempo e conforme os padroes culturais dos povos. degger. Este, em sua obra Ser e tempo, caracteriza o existir humano, o "ser-aí",
o "dasein" primordialmente como o ser de co-existir e existir com os outros.
Estamos citando e enfatizando estas posições de Artemidorus, em razão Mostra-nos as várias maneiras deste co-existir, existir com os outros, através
de grande proximidade que nós, preocupados com a compreensão fenomeno- de características fundamentais e primordiais do ser humano: o compreender
16gico-existencial dos sonhos, experimentamos em relação a ele. Em primeiro primordial (o atuar e mexer com as coisas anterior ao que comumente chama-
lugar, porque, de fato, sem conhecermos adequadamente o sonhador nenhum mos "cognição"), o dizer (discursar, no sentido de mostrar algo)falando, escu-
sentido há em esclarecermos o sonho. Em segunda lugar, pela compreensão da tando e silenciando. Estas características imbrincam-se na ajznação, na dispo-
fluidez e mudança dos significados dos símbolos, significados que não se con- sição. À totalidade interlaçada dessas características, a esta estrutura total
gelam e coisificam em noções objetivadas e de validez imutável e universal. M. Heidegger chama de "Sorge" - a "cura", ou melhor dizendo o cuidar e
zelar para algo. Nesta estrutura estão ancoradas outr~ características primor-
Outro pensador ainda mais remoto que Artemidorus foi Heráclito. Num diais - o ser mortal e o culpar-se, nas maneiras em que se manifestam, assim
dos fragmentos de seu pensar, que chegou até nosso conhecimento, escreve: como o espacializar primordial e, sobretudo, o primordial temporalizar, as vá-
"Cada homem vive dormindo e sonhando em· seú próprio mundo. Na vigí- rias maneiras nas quais o ser humano temporaliza e historiza.
lia volta a coabitar no mundo dos (outros) demais". Heráclito nos mostra que
o ser humano - acordado, dormindo e sonhando - tem maneiras próprias e Estranhamos, de início, as expressões usadas por Heidegger, mas elas são
características. por ele empregadas na tentativa de superar as dificuldades e os "becos sem
saída" que nossa época tecnocrática e tecnológica nos apresenta.
Estas reflexões e abordagens que encontramus na antiguidade estão mui-
to próximas do modo mesmo como nós apreendemos significado dos sonhos, Medard Boss, partindo do ensinamento fIlosófico de M. Heidegger, em
embasando-nos na ontologia fundamental de M. Heidegger, e mais concreta- duas obras principais, expõe a temática do sonhar. Em inúmeros exemplos,
mente, naquilo que Medard Boss nos mostra em suas obras sobre os sonhos. nos mostra a existência de semelhança entre os estados onírico e de vigI1ia.
Concordamos com ele quando diz que para compreendermos os sonhos· é pre-
ciso ter em vista a totalidade e a riqueza dos acontecimentos oníricas, sem
Quem também chegou muito perto desta abordagem dos sonhos foi AI-
reduzi-los aos esquemas padronizados. Boss mostra-nos também, e com niti-
fred AdIer" alguém que ficou eclipsado e pouco conhecido em razão do bri-
dez, as diferenças entre o estado de vigl1ia e o onírico. O sonhar é algo que
lho e da genialidade de Freud e Jung. Em Psicologia individual, sua principal
presenciamos como se fosse fora de nós, onde, entre outras coisas,espacializamos
obra, AdIer faz o seguinte comentário sobre os sonhos:
e temporalizamos numa maneira diferente e característica. Os sonhos têm
uma presença imediata, sensorialmente percebidas - como por ex.: imagens,
"Tanto sonhando como no estado de vigl1ia o homem na sua totalidade sons, cores, movimentos, sensações do próprio corpo, do paladar, do tato etc ...
(Eu Total), nos mostra o estilo individual da vida dele e o seu confronto com Discordamos, porém, quando M. Boss tenta avaliar o estado onírico como sen-
os problemas". do mais pobre e restrito do que o estado de vigília. Preferimos constatar, me-

24 25
lamente, que são diferentes e evitar conotações valorativas em relação a eles. ainda não se havia familiarizado com a nova situação.
Em sua presença imediata e intensa o sonho desvela freqüentemente uma ri-
queza imensa, a qual pode passar desapercebida no estado de vigl1ia. A "falta de lugar no mundo~' mostra-se, no sonho, no apartamento cheio,
onde a senhora não encontra lugar para nada. No decorrer dos encontros, ela
Nossa abordagem dos sonhos baseia-se no que se segue adiante: nos relatou uma seqüência de sonhos nos quais. começou a jantar em restau-
rantes, acompanhada. Depois, sonhos em que começou ela mesma a preparar
- Não há sentido em esclarecermos um· sonho em sua totalidade sem que co- jantares em casa, convidando amigos. Nestes sonhos a comida tem o significado
nheçamos bem a pessoa que o sonhou - o sonhador. do relacionamento social. A senhora entendeu que no mundo onírico começou
- Evitar a esquematização das formas de perguntas e comentários dirigidos para a se tomar ativa e sociável. Acordada, contudo, continuava deprimida.
o esclarecirnento dos sonhos.
- Deixar claro se no estado onírico a pessoa tem uma atitude ativa ou passiva. Num dos outros vários encontros que tivemos, relatou-nos o seguinte sonho:
- Esclarecer "como" a pessoa se sentia enquanto sonhava, independente de "Sonhei que estava sentada num banco de um bonito parque, e tive a impressão
como ela se sente na hora em que relata o sonho. de que várias lagartas que estavam nas árvores cairiam em cima ou perto de
- Entender o significado pessoal e próprio de tudo o que a pessoa encontra e mint'~
vivencia sonhando.
- Ter paciência, às vezes, de esperar a ocorrencia de uma série de sonhos antes Relatando o sonho ela mesma comenta que não sentiu medo nem nojo das
que se possa compreendê-los e os esclarecer. lagartas, o que é o contrário de quando está acordada, pois tem pavor delas.
- Esperar o momento propício para o esclarecimento. À nossa pergunta de se sabia que as lagartas se transformam em borboletas
- Tentar evitar, o máximo possível durante o esclarecimento do sonho, inter• respondeu emocionada: "Sim, é uma nova vida':
.ferir com a imposição de pontos de vista rígicos e arbitrários.
Salientamos aqui a importância de no sonho ela não sentir medo ou nojo das
- Coragem de admitir que, às vezes, não é possível entender o sonho. Há exis-
lagartas, pois assim ela começava a deixar espaço para uma nova vida. Logo
tênciasconfusas tanto no estado de vigília quanto no onírico.
depois, como demonstrava em nossos encontros, começou a retomar os afaze-
res dó- cotidiano com mais otimismo, saindo completamente da depressão.
Para fmalizar, citaremos alguns exemplos. Estamos conscientes, todavia, do
limite que encontramos nas circunstâncias de uma palestra e sabemos, portanto,
B. A respeito de psic6ticos, concordamos com vários autores, de que o melhor
que estaremos dando informações muito precárias a respeito das pessoas que nos
caminho para aproximá-los dos sonhos é participar da compreensão do
relataram os sonhos que se sucedem.
sonho sem tentar esclarecê-los para o paciente. Um rapaz que sofria de sur-
tos psic6ticos, com idéias persecutórias, alucinações auditivas ameaçadoras,
A. Sonho de uma senhora que se submeteu a uma mastectomia radical, após
e ficava completamente isolado, num dos nossos encontros (aliás, irregula-
constatação de câncer no seio, logo que recebeu alta do. hospital.
res por suas dificuldades) contou-nos o seguinte sonho:
"Estava voltando do hospital para meu apartamento. Na hora em que abri a
porta percebi que todos os quartos, móveis, armários. gavetas, cadeiras t - 'Wum prostibulo procurei uma prostituta. Depois da relação sexual ela
cama etc., estavam cheios de coisas, de maneira que nlo encontrava como pôr pegou uma faca e cortou os meus genitais. Apavorado vi como ela mos-
no chio a mala que carregava comigo." trava os meus órgãos cortados, exibindo em seu rosto um riso cl"nico. Acor-
dei suando de pânico. "
A senhora sentiu-se sufocada e acordou. Perguntamos se após a operação
ela se sentia inferiorizada,. marginalizada. Ela nos respondeu que de fato· ainda De nossa parte s6 mostramos como, de fato, tal sofrimento é doloroso.
nlo havia encontrado seu lugar neste mundo, que nio se sentia bem e que Provavelmente por nossa atitude compreensiva, sem entrar na armadilha das

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interpretações explicativas, o rapaz, a partir desse momento, retomou por al- processo que vai além do tratamento que se preocupa meramente com ·0 remo·
gum tempo todas as suas atividades, reencontrou seus amigos e voltou a fre- ver sintomas nocivos, corrigir defeitos, substituir peças danificadas, contraba-
qüentar O colégio que tinha abandonado. lançar o excesso ou falta de enximas;se a terapia zela para o enriquecimento
e esclarecimento do contexto de significados, assim corno os vivenciamos, pen·
Este rapaz, no decorrer do tempo, apresentava sempre altos e baixos e samos e concretizamos, então ela tem que respeitar e assimilar a sensibilidade
tinha uma série de sonhos aterrorizantes. Neles vários bichos ferozes o arra- do poeta e o questionamento dos fIlósofos, da mesma maneira .como respeita
nhavam e mordiam. Ele sofria sonhando dores e sangramentos horríveis. Con- e assimila as informações empíricas e os resultados das pesquisas planejadas e
tinuávamos demonstrando a ele compreensão, paciência e consideração para executadas através das ciências exatas.
com suas dificuldades, dando-lhe o máximo de apoio em sua existência frágil
e vulnerável. Assim se sentindo apoiado e abrigado, certo dia sonhou o seguinte:
Referências bibliográficas
"Os bichos tomaram-se meus amigos. Entrei com eles num quarto escuro,
AdIer, Alfred. .Praxis und Theorie des Individualpsychologie. Fisher Taschenbuch
e na hora em que eu queria acender a luz um deles me falou: 'Deixe isso comi-
Verlag, 1~74.
go' e acendeu a luz. Fiquei conversando com os bichos numa boa".
Boss, Medard,Na noite passada eu sonhei. Sumus Editorial, SP, 1979.
Boss, Medard. Der Traum und seine Auslegung. Verlag H. Huber, 1953.
Após este sonho apresentou uma melhora mais duradoura e estável.
Heideger, Martin. Sein und Zeit. Max Niemeyer, Verlag, 1972. Being and time.
Basil Blackwell, Oxford, 1973.
Que aconteceu? indagamos. Respondemos lembrando um trecho de Canas
Rilke, R. M. Cartas a um jovem poeta. Ed. Globo, Rio, 1976.
a um jovem poeta, de. R. M-Rilke.: Spanoudis, Solon &. Dulce Mára Critelli. Todos nós. .. ninguém. Um enfoque
fenomenológico do social. Moraes Ed., SP, 1981.
"Não sabemos o que houve. Facilmente nos poderiam fazer crer que nada Van de Castle, Robert L. The psychology of dreaming. General Leaming Press,
aconteceu, no entanto ficamos transfonnados como se transforma uma casa
1971.
em que entra um hóspede. Não podemos dizer quem veio, talvez nunca o ve-
nhamos a saber, mas muitos sinais fazer crer que é o Futuro - que entra em
nós dessa maneira para se transfonnar em nós mesmos muito antes de vir acon·
tecer".

Heidegger, em suas reflexões sobre a temporalidade, nos fala sobre a prima-


zia o Futuro. Essa primazia não tem conotação valorativa, como se o futuro
fosse superior ao presente ou ao passado, mas diz do sentido fundamental do
existir humano: o futuro convida, solicita à criatividade, à concretização de
algo.

Não serão os sonhos, muitas vezes, os hóspedes que entram e transfonnam


nossa casa? Não é o futuro que começa a transformar nossa existência?

Pode parecer que estas reflexoes sejam românticas, ingénuas, idealistas. a


uma questão que fica em aberto. Mas, se entendemos a psicoterapia como um

28
29
ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
DOS SONHOS - II
David Cytrynowicz

A compreensão dos sonhos tem sido há muito tempo um desafio para os


homens. Sabemos que desde a antigüidade os vários ramos da civilização, tanto
ocidental como oriental, têm dado uma importância relativamente grande para
a consecução deste objetivo. Isto se deve ao grande fascínio que os sonhos
sempre despertaram ao longo da história.

~ conhecida também a riqueza e variabilidade de significações atribuídas


aos sonhos e -a conseqüente fmalidade a que seu esclarecimento se destinava,
e ainda hoje se destina:

Sonhos de revelação religiosa, tanto de origem divina quanto demoníaca.


Sonhos de· solução de problemas.
Sonhos de criações artísticas.
Sonhos de premoniação ou proféticos.
E até sonhos totalmente identificados com a realidade desperta, como para
os índios cherokees. Quando um índio cherokee sonhava ter sido mordido
por uma cobra ele era tratado em vigl1ia exatamente do mesmo modo como
o seria se efetivametne tivesse sido mordido (6).

Os âmbitos de interesse, com relação ao mundo onírico são, então, bastante


amplos.

Podemos ainda acrescentar que, além do esclarecimento do conteúdo espe-


cífico dos sonhos, isto é, a respeito do que o sonho fala, há o fim a que se desti-
na contar um sonho. Vamos deixar por último relatar o sonho num encontro
psicoterápico e, rapidamente, passar por outros fins possíveis que oCorrem em
nosso cotidiano.

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o relato de sonhos entre amigos e casais pode ter muitas finalidades. Por Neste caso, o indivíduo é tomada como um sujeito isolado e pré-existente, e
exemplo: pode ser sinal de fidelidade, ou seja, de nada permanecer oculto entre ambiente tomada como um espaço já preenchido por coisas materiais e seres
eI es,. pode ter a fmalidade de impressionar, chocar; pode servir
. como ponte para
, . vivos e, às vezes por coisas não materiais como redes de inter-relações, todos
tocar-se em assuntos difíceis ou enviar duplas mensagens, Isto é, dar possIveIs também pré-existentes e objetivados. O entendimento da relação indivíduo-
recados sem se comprometer; também pode servir como assunto de conversa; no-ambiente seria então análoga a que se tem da relação "o lenço está na bolsa".
e, fmalmente, talvez o intuito mais comum de junto com alguém buscar o có-
t
Isto é, na relação entre os dois o em (no) indicaria uma inserção; estar dentro
digo oculto do sonho que revele sinais indicadores de eventos futuros, como por como oposto a estar fora. Mas quando alguém diz: "estou fora do mundo",
exemplo, mortes, namoros ou acertar o número do jogo do bicho. ele se refere a uma maneira como se encontra no seu mundo. Teria algum sentido
falannos "fora" do mundo se este dizer não se desse a partir de um mundo?
Não vamos aqui discutir a validade desses fms nem a veracidade de suas Para Martin Heidegger o em tem· um sentido de familiaridade, estar junto a, ma-
revelações, e muito menos tentar concluir qual seria o conteúdo essencia1~ente neira de relacionar-se.
verdadeiro a que o sonhar se reporta. Toda a variabilidade extremamente nca de
significados e fins decorre da multiplicidade do agir humano, de suas preocupa- Além disso, podemos acrescentar um outro ponto que comumente traz
ções e desejos, temores e aspirações, interesses e ocupações. Assim t por exemplo, confusão. Quando há pouco utilizamos a expressão Ser-no-mundo. nós o fi-
a solução em sonho de um problema matemática somente virá para alguém que zemos com referência a alguém, no caso o Ser-no-mundo do sonhador. Deve
esteja envolvido no ambiente da matemática. Os exemplos que temos de chefes ficar claro que nem a palavra ser nem a expressão toda Ser-no-mundo são subs-
políticos e guerreiros que recebiam em sonho a decisão quanto a um ataque ou titutos genéricos de Homem, e que sonhador não é uma simples qualificação
recuo militares são inúmeros. No entanto, guerrear, conquistar e vencer sempre deste. Pelo contrário, a pessoa que sonha é sempre um alguém específico que
foram temas básicos na vida como um todo desses mesmos chefes políticos. Além como estado básico é no mundo. Portanto, Sereno-mundo enquanto estado
desses exemplos temos também as revelações em sonho quanto a preocupações básico sempre se reporta a uma pessoa concreta, referindo-se a sua amplitude
mais gerais do homem, como o seu relacionamento com o além da morte ou com humana. Como é então esta amplitude humana? Como basicamente alguém é
o divino, que por si só são temas da condição humana. Não decorre daí, entre- no mundo? O que quer dizer viver na sua dimensão humana e que, portanto,
tanto, que todo homem deva estar igualmente envolvido com esses temas. difere da vida das plantas e dos animais?

Não cabe, no entanto, no contexto psicoterápico, a discussão sobre se tal. Para todo homem o seu viver ou existir é· constantemente a questão. Não
ou qual sonho traz uma revelação de ordem religiosa verdadeira ou falsa, ou temos aqui em mente a vida biológica, mas algo mais amplo que possa abran-
se um conteúdo específico de um sonho expressa uma profecia. O que nos ger, também, a maneira de viver de alguém, por exemplo, em uma greve de
interessa nos encontros psicoterápicos é um esclarecimento cada vez mais am- fome, em que a questão básica envolve outros aspectos do -êxístír. Para qual-
plo e nítido do ambiente de envolvimento e relacionamento do sonhador ou, quer um de nós o nosso existir não é uma questão alheia. Mesmo os estados
de modo mais preciso, do Ser-no-mundo da pessoa que sonha. de apatia e indiferença, a que muitas vezes nos referimos, somente tem sen-
tido para alguém a quem seu existir fundamentalmente diz respeito. Não
Antes de prosseguirmos com alguns exemplos de sonhos, nos encontros tem sentido dizennos que para uma cadeira é ou não indiferente o fato de
psicoterápicos, vamos nos deter nesse termo Sereno-mundo. estar inteira ou quebrada. No entanto, se alguém quebra o braço, perde o em-
prego, briga com a namorada e diz que isto lhe é indiferente, este indiferente
Ser-m-mundo ê uma expressão bastante conhecida, difundida, usada, mas mui- refere-se ao grau de importância que essas rupturas· tem na sua vida. Assim
to pouco entendida, pelo menos na amplitude alcançada pelo sentido que tem na sendo, para qualquer um de nós o nosso existir não nos é alheio, nem basi-
fenomendogia de Martin Heidegger. A canpreensão mais comum de Sereno-mundo camente coisificado ou objetivado, apesar de muitas· vezes ser tomado como
decorre de uma substituição pura e simples de indivíduo-na-ambiente. tal. Tudo que fazemos ou relutamos em fazer, tudo o que queremos ou aI-

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-"1

mejamos ou pensamos, ou tudo aquilo em que nos detemos ou achamos in- portanto, algo que possibilita o situar-se, e não algo que aniquila o existir. Ter
significante, tem um sentido para cada um de nós. Em outras palavras, nós que conviver com a fmitude para poder estar situado nos revela outra caracte-
temos uma compreensão nos mais variados graus de clareza de nossa vida. rística essencial do existir: ser-culpado.
Este compreender não deve ser tomada como uma capacidade meramente
cognitiva ou intelectual e, muito menos, como um conhecimento contraposto o situar-se na própria vida pode ser dar de maneira autêntica ou inautên-
à explicação. Pelo contrário, ele possibilita todas essas maneiras de entendi- tica, isto é, mais próximo ou mais distante de si mesmo. Não estamos aqui
mento. Este compreender é sempre um todo afinado, isto é, traz consigo uma enunciando dois conceitos mutuamente exclusivos, mas sim referindo-nos à
disposição básica. Este todo, que é articulado num discursar, possibilita as maneira de existir de alguém que está situado em relação a seu mundo, onde se
várias maneiras de dizer algo a que pertencem o falar, o escutar e o silenciar. ocupa das coisas junto com os outros.
a existir se dá, portanto, sempre numa totalidade inteligível, nos mais varia-
dos graus de clareza ou obscuridade. Este entendimento básico da totalidade Portanto, somente a partir dessa totalidade podemos entender o que é um
do existir que diz respeito a alguém específico, sempre tem um sentido para automóvel, o que é a pressa, o que é chegar a algum lugar, o que é estar com
esse alguém. É diante desse sentido para da totalidade inteligível que as coi- alguém, enfIm, todo o agir humano que é sempre orientado para algo. Este
sas podem significar algo, isto é dizer. para algo não é sinônimo de plano objetivo, ou de qualquer outro tipo de pro-
gramação. As planifIcações, como comumente as entendemos, somente são
a estado básico de Ser-no-mundo é, então, essa possibilidade das coisas sig- possíveis a partir dessa totalidade que não pode, ela mesma, ser enquadrada
nificarem numa totalidade familiar que diz respeito a alguém em seu atuar es- em nenhum tipo de sistema, por mais amplo que seja e por mais tentados que
pecífico. Vamos tentar esclarecer este ponto um pouco mais através de um estejamos em conhecer as respostas antes dos acontecimentos.
exemplo. Se quisennos entender o que é um automóvel, tanto em vigília como
sonhando, e nos perguntarmos qual o seu sentido, veremos que ele está clara- Essas considerações que fIZemos a respeito do Ser-no-mundo são igualmente
mente ligado aquilo para que ele serve, por exemplo, locomover alguém de um pertinentes a todas as maneiras de existir. Portanto, o sonhar também como ma-
lugar para outro. Mas isto não basta. O homem também pode caminhar. a au- neira de existir é sempre diante de uma totalidade que diz respeito à pessoa
tomóvel, então, diz da rapidez, da limitação humana em vencer distâncias, e que sonha, no sentido que não lhe é alheio. É esta pertinência que orienta a va-
ao mesmo tempo da capacidade humana de superar alguns de seus limites; diz riabilidade daquilo que pode vir à luz, bem como a maneira de relacionamento
também da pressa e da pressa para fazer algo, como visitar álguém, passear com e envolvimento com aquilo que aparece. Medard Bross, que através da fenome-
amigos, fugir, perseguir e assim por diante. nologia, ampliou os caminhos da psiquiatria e psicologia nos diz: "Para enten-
dermos a existência sonhada são necessários esses princípios: o que aparece
No entanto, para nos aproximarmos de um lugar, de automóvel ou não, no âmbito· de abertura e qual a sua relação como sonhador. Se entendermos
já devemos estar juntos dele à distância. Este dirigir-se para que nos deixa junto esses princípios não precisaremos fazer nada mais para o entendimento do
a algo e que permite que dele nos aproximemos ou nos afastemos lé o espacializar, sonho." (2). No entanto, se não entendermos isto que Hoss nos diz, dentro do
que é característica básica do existir. Além disso, este poder estirar-se em dire- pensamento de Martin Heidegger, o essencial pennanecerá obscuro. "O que
ção a algo que queremos fazer é igualmente possibilitado por um estar adiante aparece no âmbito de abertura" muitas vezes é confundido com a mera descri-
do acontecimento concreto que pennite estarmos situados em relação a ele, ção do que aparece no sonho e desta forma está de antemão mutilado. O escla-
mesmo antes que ele ocorra. Esta é outra característIca igualmente primordial recer da fenomenologia está longe de ser um procedimento descritivo.
do existir e que é o temporalizar.
Já vimos que a compreensão adequada do sonhar envolve sempre a com-
o situar-se
na própria vida podendo reconhecer suas condições do que se preensão que temos da pessoa que sonha. Podemos agora acrescentar que a
é capaz e do que não se é capaz, decorre da fmitude do existir. Ser-mortal é, compreensão da pessoa se dá através das várias maneiras de seu existir, inclu-

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sive o sonhar. Portanto, partimos da compreensão da pessoa para chegarmos entendimento é variada e depende do grau momentâneo de clareza que o pa-
nela mesma. Do ponto de vista lógico está aí caracterizado um círculo vicio- ciente tem de sua vida, o quanto nós mesmos estamos familiarizados com as
so. No entanto, é nesta circularidade que se dá a compreensão no seu sentido temáticas presentes nos sonhos e, finalmente, o quanto estamos sensibiliza-
fundamental. Heidegger, na sua obra Ser e Tempo, assim se refere a este ponto: dos para a variabilidde e riqueza infindáveis do existir. Isto tudo se refere
"Se vemos este círculo como um círculo vicioso e tentamos evitá-lo, ou mesmo ao primeiro momento em que ouvimos um paciente relatar um sonho.
se o tomamos no sentido de uma inevitável imperfeição, o ato de compreender
será de princípio mal-entendido ( ... ) O importante não é evitá-lo e sim dele A partir desta compreensão o procedimento em relação aos sonhos é dos
nos aproximarmos de maneira adequada. Este círculo da compreensão não é mais variados. Muitas vezes não comentamos o sonho no momento do relato
uma órbita na qual casualmente um modo específico de conhecimento se move. deixando para fazê-lo em momento mais apropriado na mesma sessão ou, so:
Ele é expressão da estrutura que caracteriza o existir" (3) mente, em sessões futuras. Este momento depende sobretudo da compreensão
total que temos naquele instante da vida do paciente e da relevância do sonho
Não podemos então nos lançar à tarefa do esclarecimento do sonho como diante de outros aspectos da vigl1ia que possam ter prioridade. Portanto, a per-
uma entidade autônoma e fazê-lo de maneira uniforme ou esquematizada, tinência ou não de abordarmos qs sonhos fica difícil de ser transmitida, através
muito menos ficarmos presos aos conteúdos específicos do sonho para que de exemplos isolados numa apresentação geral.
os tenhamos sempre decifrados e decodificados. Nenhum de nós tem uma cla-
reza uniforme do próprio viver, isto é, de si, de seus relacionamentos com Vamos agora relatar alguns exemplos em que a pertinência, ou não, do
os outros e de suas ocupações, e o sonhar sempre se reporta a essa clareza pos- esclarecimento do sonho na sessão psicoterápica estará presente, ainda que não
sível em um dado momento. O confuso, o obscuro, o duvidoso são também pressuposta. A partir deles tentaremos mostrar algumas peculiaridades do so-
modos dessa clareza e,portanto, também estarão presentes no sonhar. Não nhaf e sua importância.
podemos exigir, então, que todos os sonhos nos sejam igualmente inteligíveis.
O primeiro exemplo refere-se ao sonho de uma mulher cuja vida de modo
É importante agora fazermos uma distinção entre a· importância do so- geral se ca.racterizava, entre outros asPectos, por uma dificuldade bastante acen-
nhar para quem sonha, a compreensão que nós enquanto psicoterapeutas te- tuada em estabelecer relacionamentos mais íntimos e significativos, e uma
mos do sonho e a sua utilização nos encontros psicoterápicos. autocrítica muito severa. Em um de nossos encontros ela relata o seguinte
sonho: "Estou IUI minha casa quando você (terapeuta) chega para a terapia.
o sonhar enquanto tal já é para a pessoa que sonha uma maneira de exis- S como se você tivesse ido lá pra ver meus amigos, a minha vida. Eu reconheço
tir, e assim sendo, traz todas as riquezas e limitações inerentes a qualquer vi- você de longe, mas como todo o resto você está embaçado (comenta: como se
vência. Independente de quaisquer esclarecimentos posteriores, mobiliza o eu estivesse sem as lentes de contato). Os meus amigos estão todos de máscara
sonhador e este mobilizar já é uma clareza pertinente à sua vida, mesmo que e está tudo uma sujeira. Tento ajeitar tudo rapidamente mas não consigo. Ai
ele próprio, .em vigília, diga que não entendeu nada do sonho, ou que os ele- entro numa saia onde começa a sessão de terapia. Quando reparo melhor vejo
mentos específicos do sonho lhe pareçam absurdos ou irreais. A utilização uma fisionomia estranha e saio. "
terapêutica do sonho visa, primordialmente, esta clareza pertinente à vida
da pessoa como um todo, e não saber o significadoexato de todos 08 elemen· Este sonho nos foi relatado aproximadamente dois anos após o início dos
tos oníricos. Portanto, não devemos nos perder a meio caminho numa exaus- nossos encontros. Primeiramente perguntamos à paciente como ela se sentia
tiva explicitação destes. no sonho com a chegada do terapeuta. Ela respondeu que tivera uma sensação
difusa, algo parecido com verificar a sua vida, observar a sua vida. Então lhe
Quando um sonho nos é relatado, num encontro psicoterápico, ele nos dissemos: "será que eu continuo sendo um fiscal na sua vida?"Ela respondeu:
diz algo, isto é, temos um certo entendimento do mesmo. A amplitude desse "Acho que sim" e começou a falar da dificuldade crescente em vir aos encon-

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l

tros terapêuticos, da dificuldade em se aproximar afetiva.e abertamente, mostrar "Quando reparo melhor, vejo uma fisionomia estranha e saio'~ No distancia-
os seus ~ntimentos e não somente falar a respeito deles. Não era a primeira mento de uma situação mais pública e inclusive fisicamente mais distante, co-
vez que estes temas eram abordados, mas nesse sonho apareciam de modo mo aparece sensorialmente no sonho, através da distância "longe" ela reconhe-
menos difuso e diluído. Esta é uma peculiaridade do sonhar de modo geral: ce o terapeuta, mesmo que embaçado. Na proximidade da situação terapêuti-
freqüentemente traz os temas da vida de quem sonha de maneira mais "palpá- ca ela perde a familiaridade e tem, diante de si, um estranho a quem não ten-
vel", pois em vigl1ia, dada a multiplicidade das ocupações a que estamos entre- ta nem conhecer nem permitir ser conhecida, saindo da sala. Ao focalizar este
gues e às inúmeras solicitações - um constante convite à distração - estes aspecto, perguntamos se via o que dificultava ou ameaçava uma aproximação.
temas pennanecem geralmente mais dispersos. Não esperávamos uma resposta direta. O que queríamos era possibilitar-lhe
entrar em contato com sua dificuldade, mais do que buscarmos explicações
Uma outra peculiaridade do sonhar que também diz respeito ao "palpável" para sua conduta que, aliás, poderiam ser inúmeras.
a que nos referimos é que sonhando, de modo muito mais acentuado, estamos
entregues à maneira sensorial de perceber o que nos aparece. Isto ficará mais Vemos então que nesse exemplo específico somente perguntamos, sobre o so-
claro se nos detivennos em nosso exemplo. Um trecho do relato diz: "Eu reco- nho em si, como ela se sentia em relação à chegada do terapeuta. A situação
nheço você de longe, mas como todo o resto você está embaçado (comenta: pode agora parecer óbvia, mas o sentimento prevalecente poderia ser outro,
como se eu estivesse sem as lentes de contato)': Vemos então que no sonho ela como por exemplo, querer arrumar tudo rapidamente para agradar, ao estilo
não distingue com clareza o seu mundo. Isto lhe aparece de modo sensorial liga- de uma criança que quer ser reconhecida pelo adulto, ou outro sentimento
do a um ver-enxergar turvo que a impede de reconhecer mais nitiq,amente o qualquer.
mundo onde está envolvida. O ver, no entanto, não se encerra no conceito que
na biologia denominamos o sentido da visão. O ver-enxergar é uma maneira de D~ forma geral, com relação aos sentimentos vividos· nos sonhos, existe o
compreender. No nosso exemplo, a incapacidade de distinguir aspectos do mun- perigo de que nos relatos eles sejam distorcidos, de fonna não necessariamente
do, que não somente os grosseiros contornos superficiais, aparece de modo sen- voluntária, em função da moral vigente e dos padrões de conduta socialmente
sorialmente perceptível através de uma incapacidade visual. É também através aceitos ou rejeitados. Em acontecimentos que envolvem violência, atos social-
da sujeira, perceptível sensorialmente no sonho, que ela tem acesso ao seu mun- mente considerados ilegais, mesmo nas consideradas "boas ações" ou atitudes
do descuidado e indiferente, que somente adquire relevância quando se defron- "nobres", "vulgares", "baixas" ou atos de prazer e desprazer em situações
ta com uma possível avaliação externa por meio dos outros. Como ela enxer- erótico-sensuais, em todas elas devemos estar atentos para o sentimento du-
gava os amigos também aparece no sonho de modo mais "palpável": os amigos rante o sonhar. Às vezes uma pergunta é necessária, outras vezes não. Deve-
estão todos mascarados, isto é, querendo mostrar-se diferentes daquilo que mos, no entanto, evitar um excesso de perguntas para não transformarmos a
são, e deste modo se escondendo. Não podemos~ no entanto, extrapolar isto sessão terapêutica num debate acadêmico ou numa situação de pesquisa.
para um significado geral de máscara. Pois eram estas máscaras deste sonho
desta pessoa que diziam de um encobrimento que serve para mostrar algo di- O exemplo a seguir é o sonho de um homem que vivia um profundo senti-
ferente. mento de inferiOridade e incapacidade de realização, em um estado de depres-
são quase constante. As suas perspectivas de futuro estavam bloqueadas e al-
Nada do que acabamos de expor para exemplificar a peculiaridade do so- gumas vezes ele chegou a nos dizer: "Não consigo saber o que vou fazer ama-
nhar foi comentando no encontro. O que nos pareceu mais relevante naque- nhã." Havia um peso excessivo dos eventos passados, pelos quais ainda se sen-
le momento foi chamar-llie atenção para o aspecto da nossa relaç!o, que apa- tia responsável. Após um ano, em que ocorreram pequenas oscilações, come-
rece no sonho em dois momentos. O primeiro é quando o terapeuta chega a çou a se erguer de modo mais consistente. Nesta época nos disse: "Não tenho
sua casa, em meio a seus amigos e ela assim relata: ''Eu reconheço você de planos, mas também não me sinto um coitado; apesar de nada acontecer con-
longe"; e o segundo quando na sala, onde começa a sessão de terapia, ela diz: cretamente, tenho perspectivas. .. Tres meses depois ele relata o seguinte sonho:

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Não fizemos qualquer comentário a respeito do sonho~ pois isto segura-
7"llá um lugar, algo como dois quarteirões, que está fechado. Lá todos se rela-
mente nos afastaria da sua condição atual. O importante naquele momento
cionam bem, velhos e crianças. Só dá para saber que são diferentes pelo aspecto
era focalizar concretamente as suas dificuldades cotidianas que também ago-
(no fundo não envelhecem). Me sinto muito bem. Há algo de não passar o tem-
ra poderiam ser vistas mais de frente. Isto foi feito e a Dartir daí vieram-lhe
po. $ como se não tivesse. Aí ouve-se uma voz como de um grande alto-falante
uma série de situações recentes e remotas onde se mostr;vam suas exigências
que diz: o único perigo para isso é o sol. " em ter tudo limpo e arrumado, sua meticulosidade e idealismos exagerados,
sua necessidade de sempre ser forte e tudo suportar, as quais o impediam de
o que podemos compreender deste sonho? Ele nos diz: ''Há um lugar, algo quaisquer realizações que requeressem mais arrojo de sua parte, e onde sua
como dois quarteirões que está fechado. " É por tanto um lugar restrito e seguro. falibilidade se evidenciariam. No entanto, o que ocorreu não foi um simples
A segurança fica evidenciada pelo fechado a que se refere, mas somente dentro relato de eventos passados, mas sim um poder entrar em contato com suas
do clima gerlli do sonho. Além de restrito e seguro, é um lugar onde ~o há pro- dificuldades ainda presentes que traziam de volta sua vida como um todo.
blemas. Isto nos é dito pelo: "Todos se relacionam bem." O mundo do adulto e
da criança s6 diferem superficialmente. Permanecem eternamente iguais na o nosso último exemplo refere-se ao sonho de um rapaz de 15 anos, dota·
essência: Lá todos se relacionam bem, adultos e crianças. Só dá para saber que do de uma extraordinária capacidade intelectual, toda ela voltada para a ma·
são diferentes pelo aspecto (no fundo não envelhecem)." Nesta situação ele se temática, física e mundo dos cálculos de uma maneira geral. Está claro que a
sente bem e o passar do tempo não se faz presente. É uma situação imutável e predominância temática no início dos nossos encontros era toda nesse âm·
eterna: "Me sinto bem. Há algo de não passar o tempo. É como se não tivesse. " bito. Ele nos falava da hierarquia do conhecimento, onde o cálculo abstra-
No entanto existe um perigo, uma ameaça que é capaz de modificar toda essa to estava no topo da pirâmide e logo abaixo, as ciências puras. As ciências
situação. No sonho isto é anunciado de modo impessoal por uma voz que vinda aplicadas vinham a seguir mantendo uma escala diretamente proporcional
de um alto-falante, diz: "O único perigo para isto é o soL" Sabemos que o sol à sua" exatidão matemática. Muitas vezes nos encontros iniciava cálculos e de-
tem muitos significados. Entre outros, ele pode ser a divindade, um elemento senvolvia equações, requisitando nosso acompanhamento, no que era cor-
do ciclo temporal dia/noite, pode significar fonte de vida, fonte de calor, fonte respondido dentro da nossa própria limitação com os cálculos. No entanto,
de luz ou também o centro de nosso sistema planetário. No entanto, o que é apesar de efetivamente o acompanhannos em seus vôos numéricos e nas suas
importante para n6s é o fato de ser uma ameaça, como fica claro através do teorias, através de v~rias maneiras lançávamos questões a respeito da sua hie-
sonho, e desta ameaça vinda do sol, ser algo que vai além d~ condição humana rarquia. Em nenhum momento colocamos em dúvida a importância ou o al-
e do seu mundo, portanto, fora do alcance e controle humanos. E o que era cance da matemática ou da física. O que tentávamos trazer, sem polemizar,
ameaçado pelo sol? Ele ameaçava um lugar restrito, seguro, eternamente grati- era a validade desta maneira de pensar para a sua vida como um todo. Isso
ficante e imutáveL Era exatamente diante disso que esta pessoa ficava presa era feito sempre através de situações de dificuldade que ele nos apresentava,
em vigl1ia. Ao buscar esta condição, toda a sua atuação ficava bloqueada. como gozações de colegas ou brigas familiares.

Num desses primeiros encontros ele relata o seguinte sonho: ''Estou em


Repetimos que este sonho nos foi relatado quando já há algum tempo o so- frente a uma escada num sonho. (Comenta: Você sabe como é sonho nos fil-
nhador começava a se erguer em vigl1ia. O passado já não cobrava tanto, o fu- mes, com nuvens e aquela neblina, tudo meio flutuando). Aí eu penso - ago-
turo se abria e se alongava e, diante disso, o agir lhe era mais possível antes ra preciso provar que isso é um sonho. Me proponho a saltar por sobre a es-
mesmo da ocorrência de eventos concretos que o comprovassem. Esta era cada e imagino que flutuaria como se estivesse no l'ácuo. Pulo e caio no chão,
a sua predisposição básica na época em que sonhou. Foi exatamente por não do outro lado da escada, machucando meu braço e meu ombro. (Comenta:
estar tão frágil e vulnerável que o ameaçador pode emergir de modo mais cla· E doia mesmo). Ficou então provado que não era um sonho." Nisso, voltan-
ro no sonho. Ou seja, uma vez que a ameaça já não era tIo grande a ponto de do-se para nós, que o olhávamos fIxamente, disse com ar de espanto: ''Mas eu
tudo obscurecer, pôde aparecer e ser vista. . estava sonhando. " Durante alguns insiantes ficou desconcertado.

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1

Não foi por mero acaso que a interrogação ou o questionamento do seu preenàé-Io, acompanhá·lo e compartilhar a clareza que temos de seu existir
relato tivesse vindo exatamente na nossa presença. Ao longo do nosso con- e do seu mundo, sempre atentos ao que quer se mostrar de suas possibilidadcs
tato, essa já era a nossa atitude básica, inclusive através de perguntas e· afinna- próprias. É algo que se assemelha a ensinar e aprender, mas não como tradicio·
ções concretas. No entanto, o intervir não é sempre verb~. Neste. exemplo, nahnente os concebemos, isto é ligados à aquisição de conteúdos específicos
qualquer coisa que falássemos tiraria a força do que quenamos dizer, e ~o que uma pessoa com conhecimentos fornece a outra que ainda não os possui.
conseqüente impacto dele mesmo "cair em si". O silêncio, no entanto, nao a ensinar e o aprender a que nos referimos estão no âmbito do que Martin
pode ser tomado como regra geral, como também. não o podem .as pergun- Heidegger nos diz em sua série de palestras O que quer dizer pensar? e de onde
tas padronizadas ou qualquer outro tipo ~e proced:unent~ est.ereotlpado. Per- extraímos esta citação com a qual queremos finalizar nossa apresentação.
guntar, afirmar, concordar, discordar, seja através do silenCiar, do falar ou
do escutar, somente tem sentido se temos algo a dizer. Quando nada temos . Nos diz Heidegger:
a dizer, o silêncio, em vez de facilitar ao outro chegar "a si mesmo", bloqueia-o.
impedindo-o de se abrir. "Aprender significa fazer com que tudo que façamos responda ao que se
endereca a nÓS num dado momento. ( . . .) Ensinar é mais difícil que apren-
Gostaríamos agora de chamar a atenção para os seguintes aspectos que, der. Não porque o professor deva ter uma maior reserva de informações~ e
apesar de presentes nos nossos exemplos, merecem ser ressaltados. t~-las sempre à disposição, mas porque o que o ensinar busca é precisamente
deixar aprender. O verdadeiro professor não deixa efeiivamente nada ser apren-
Primeiramente, como a nossa apresentação é sobre os sonhos, poderia pare- dido que não o aprender. Sua conduta, portanto~ muitas vezes pode dar a impres·
cer que eles têm relevância maior para a psicoterapia. Não achamos que o sonhar são de que dele nada aprendemos se por 'aprender' meramente compreendemos a
seja uma maneira de existir privilegiada e que esteja mais próxima da verdade e procura de informações úteis. O professor está adiante dos seus aprendizes soo
do esclarecimento do que qualquer outra. Portanto, apesar de importante na mente na perspectiva de que ele tem muito mais a aprender que eles - ele
psicoterapia, muitas vezes deve ficar em plano secundário. A relevância. do tem que aprender a deixá-los aprender. E é exatamente nisso que o professor
sonho e a pertinência do momento em que será comentado esUo sempre hga- deve superá-los, não em conhecimentos, mas na capacidade que ele mesmo
das à compreensão que temos da pessoa como um todo. tem de aprender." ( 5 ).

Em segundo lugar, os exemplos que citamo~ se referem a sonhos de que


tivemos algum grau de entendimento e que foram claros o suficiente para que
pudessem aqui servir para ilustrar a maneira como os entendemos. No entanto, Referências bibliográficas
voltamos a enfatizar que nem todos eles são igualmente claros e que algumas
vezes entendemos muito pouco, ou· mesmo nada, a respeito de algum sonho 1. Boss, M. Na noite passada eu sonhei . .. Summus Editorial~ SP, 1979.
específico. 2. Boss, M. Encontro com Boss. ln: Daseisanalyse NÇ 1, Publ. da A.B.A.T.E.D.,
SP,1976.
Por último, os sonhos não são para nós provas de uma teoria. Isto porque
3. Heidegger, M. Being and Time. Oxford, Basil Blackwell, 1973.
não visamos à elaboração de uma teoria, como também porque mais do que
4. Heidegger, M. The thing. ln: Poetr)', /anguage, tJzought. Harper & Row,
provar a veracidade de algum conteúdo específico,·o que queremos é compar-
Publishers, New York, 1975.
tilhar a clareza que temos do sonhar e do existir como um todo.
S. Heidegger, M. What is called thinking? Harper & Row: Publishers, New
York.1975.
É esse também o nosso caminho na psicoterapia. Não pretendemos provar
6. Van de Castle, R.L. The psychology af dreaming. General Learning Press,
nem comprovar nada para o outro que está conosco. O que buscamos é com-
N.J.,1971.

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