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4 História enquanto Solo de Sustentação de Mundo, por isso: Tradição. Não Historiologia, estudo da história, mas
radicalmente História: Saberes que se enraízam na Vida e possibilitam a experiência da presença humana em relação
de uma forma correspondente a abertura de nossa Época.
desvelamento5 da “realidade”, como aponta Heidegger, “o conhecimento provoca
abertura. Abrindo, o conhecimento é um desencobrimento”6.
Que Saber, é o que abre a realidade na Era Técnica7? Heidegger nos diz que
“o desencobrimento dominante na técnica moderna não se desenvolve, porém, numa pro-
dução no sentido de poiesis8. O desencobrimento, que rege a técnica moderna, é uma
exploração que impõe à natureza a pretensão de fornecer energia, capaz de, como tal,
ser beneficiada e armazenada”9.
5ἀλήθεια: Verdade, desvelamento, desencobrimento. “Conceito” importante no interior do pensamento grego ancestral
e para o pensador Martin Heidegger. Descreve o movimento de fenomenologização dos fenômenos, a aparição (dar-
se) do ser dos entes. Cf HEIDEGGER, M. Platão: O Sofista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
6 HEIDEGGER, M. A Questão da Técnica. In: Ensaios e Conferências. Petrópolis: Editora vozes, 2012, p. 17.
7 Há uma importante ressonância entre “Técnica”, “Ciência”, “maquinação calculadora” etc. com Colonialidade,
Patriarcado, Racismo, Capitalismo etc., não sendo algo possível de destrinchar aqui, mas percebemos já de saída o fato
de que respondem ao apelo da mesma essência: Exploração.
Também reside um indicativo interessante para futuras explicitações: a nível ontológico, a própria Era Técnica serve
como disposição afetiva/ontologia que dá condições de possibilidade para fundamentação e alastramento de formas de
presença relacional que ressoem ao apelo exploratório da Técnica.
8 Ποίησις: poética.
9HEIDEGGER, M. A Questão da Técnica. In: Ensaios e Conferências. Petrópolis: Editora vozes, 2012, p. 19, grifo
nosso.
10Desenvolvemos esse nexo vital (cura e sofrimento da mãe terra com o ser humano) em outro trabalho. Cf. FONCK,
A. Ensaio Introdutório de Psicopatologia Ecofenomenológica Decolonial: Dos Saberes e Práticas de Cura dos Povos
Originários da Terra. São Paulo: Instituto Dasein, 2022. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1rWYe-
ZqWhpWxFgk1jtUNJdOAgSOYMAUY/view. Mas também presente na crítica de Kopenawa ao empobrecimento de
espírito do homem branco, em: KOPENAWA, D. & ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami.
São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
11 Sustento, em seu duplo aspecto: de “nutrição” e fundamento (Grund).
12Onotológico, mas também Onto-Teo-Lógico: Ontológico, e em seus aspectos espirituais/Formais (como em Plotino.
Cf HADOT, P. Plotino ou A Simplicidade do Olhar. São Paulo: É Realizações, 2019).
13 Mas também dos entes no geral.
racismo, a objetificação patriarcal, o especismo do homem-capitalista, todos
encontram sua validação exploratória em um modo de desencobrimento fixado
num caráter positivista-material. O que sustenta a possibilidade de relação
exploratória com as outras formas de vida é justamente o Espírito Técnico de
nossa era.
“O ‘entre’ do ser-aí supera a separação14; não na medida em que ele constrói uma ponte
entre o seer (a entidade) e o ente como margens por assim dizer presentes, mas na medida
em que ele transforma o seer e o ente ao mesmo tempo em sua coetaneidade”15.
17HEIDEGGER, M. Contribuições à Filosofia (Do Acontecimento Apropriador). Rio de Janeiro: Via Verita, 2015, p.
280-2, grifo nosso.
18 Ou seja, modo de ser.
19 E da própria Natureza como um todo, portanto: Φύσις [Phýsis].
e dominação humana sobre os outros entes. Aqui, podemos perceber que isto está
presente em diversos níveis: é a ciência-técnica que desencobre a natureza como
fundo de energia para o “bem” humano; é a colonialidade, o capitalismo e o
patriarcado que hierarquiza as diferenças humanas em nome da exploração; etc.
20 “Respeito vem de ‘respicere’, saber ver. Você vê por trás de cada coisa um episódio do divino, como em você.
Quando não deseja (ter) as coisas, não pense que você as trata pior, você as trata melhor. Porque respeita as coisas por
elas mesmas e não pelo que elas podem te servir”. GALVÃO, L. H. A Voz do Silêncio de Helena Blavatsky -
Comentários Filosóficos. Brasília: Nova Acrópole Brasil, 2016. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=NQs4bA4hMUw&ab_channel=NOVAACR%C3%93POLEBRASIL
21 HEIDEGGER, M. A Questão da Técnica. In: Ensaios e Conferências. Petrópolis: Editora vozes, 2012, p. 19.
A herança cultural22 da colonialidade, do capitalismo, da ciência técnica, é
a instauração de um modo de presença mediano na terra onde os seres humanos
se encontram em desarmonia com o Todo ao qual pertencemos. A grande parcela
das mazelas na qual os seres terrestres se encontram foram causadas pela
presença humana que não sabe viver em harmonia com outros entes, com
outros seres vivos. O Saber técnico reside em um não saber conviver (viver-com,
ser-com).
29 Ibid., p. 31.
30 Aqui temos a ressonância Platônica em Heidegger, onde o ser-aí humano é o canal de manifestabilidade da Ideia
(ιδέα: idéa), norteados por esta, somos radicalmente Cuidado por sermos Verdade (αλήθεια; des-velamento.
Desvelamento de Ser, desvelamento que traz da Ideia ao manifesto).
Cf HEIDEGGER, M. As Questões Fundamentais da Filosofia: (“problemas” seletos da “lógica”). São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2017. & WIBMER, E. H. B. Metafísica como Onto-Teo-Logia: uma interpretação da filosofia
de Platão à luz do pensamento de Martin Heidegger. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 2008.
Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=12369@1
31 Ibid., p. 31-2.
32 Ibid., p. 33.
33 Cf CABRAL, A. M. Niilismo e Hierofania: Uma abordagem a partir do confronto entre Nietzsche, Heidegger e a
tradição cristã – Nietzsche, cristianismo e o Deus não-cristão, volume 1. Rio de Janeiro: Mauad X, Faperj, 2014. 2v.
Não precisamos ir muito além para a compreensão desse nexo vital entre
Silêncio e Dimensão Espiritual da Vida: Helena Blavatsky, em A Voz do Silêncio34,
nos diz que, a voz do silêncio nada mais é que “a voz no som espiritual”35.
“Saber olhar o mundo sensível é ‘prolongar a visão do olho por uma visão do espírito’,
é, ‘por um potente esforço de visão mental, perfurar o invólucro material das coisas e ir
ler a fórmula, invisível ao olho, que desfaz sua materialidade’”37.
“Qual é então a relação entre o mundo das Formas e o mundo sensível? Se o primeiro
pode ser visto através do segundo, se a visão do espírito pode prolongar a visão do olho,
é por haver continuidade entre os dois mundos, é porque são a mesma coisa, mas em dois
níveis diferentes. Plotino insiste fortemente sobre essa continuidade: ‘como este mundo
aqui poderia existir se estivesse separado do mundo espiritual?’”38
34
Livro em que nos apresenta os Saberes Originários da Terra dos Povos do Tibete.
35BLAVATSKY, H. A Voz do Silêncio. São Paulo: Ajna Editora, 2021, p.31: “A voz sem som, ou a ‘voz do silêncio’.
Literalmente, isto devia talvez traduzir-se ‘voz no som espiritual’, visto que Nada é o equivalente sânscrito do termo
senzar”. Aqui vemos a ressonância entre Silêncio e Nada, assim como o clamor da consciência (uma voz sem voz) para
Heidegger em Ser e Tempo e a questão do silêncio nas Contribuições à Filosofia.
36Sobre Dimensão Material e Dimensão Formal/Espiritual da Vida, cf: HADOT, P. Plotino ou A Simplicidade do
Olhar. São Paulo: É Realizações, 2019.
“A imensidão está em nós. Está presa a uma espécie de expansão do ser que a vida
refreia, que a prudência detém, mas que volta de novo na solidão. Quando estamos
imóveis, estamos além; sonhamos num mundo imenso. A imensidão é o movimento do
homem imóvel. 40
(...)
Por paradoxal que pareça, é frequentemente essa imensidão interior que dá sua
verdadeira significação a certas expressões referentes ao mundo que se oferece à nossa
vista. Para discutir sobre um exemplo preciso, examinemos de perto a que corresponde
a imensidão da Floresta. Essa ‘imensidão’ nasce de um corpo de impressões que não
derivam realmente das informações do geógrafo. Não há necessidade de permanecer nos
bosques para conhecer a impressão sempre um pouco ansiosa de que nos
‘aprofundamos’ num mundo sem limite.
(...)
Há outra coisa a exprimir, além daquilo que se oferece objetivamente à expressão. O que
seria necessário exprimir é a grandeza escondida, uma profundidade.
(...)
39Que Heidegger chama de Acontecimento Apropriativo, Cf: HEIDEGGER, M. Contribuições à Filosofia (Do
Acontecimento Apropriador). Rio de Janeiro: Via Verita, 2015.
40 Imobilidade enquanto qualidade silenciosa de não acrescentar nenhuma camada ao que se mostra.
41BACHELARD, G. §7 da Poética do Espaço, “A Imensidão Íntima”. In: O Novo Espírito científico; A Poética do
Espaço (Coleção Os Pensadores). São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 228 e segs.
Esse Estado de Alma, que também podemos compreender como um Modo
de Presença ou o que Heidegger chama de Cuidado, é justamente a assunção
através do entre do Plano Espiritual/de Ser e o Plano Material da Realidade que
somos. A Grandeza possível de um ser só se exprime em relação com a imensidão
íntima da Presença Humana.
‘Assim como o homem branco destrói a folha da coca, a folha da coca destruirá o homem
branco’48
43BOFF, L. Ecoespiritualidade: ser e sentir-se Terra. In: Ética e Ecoespiritualidade. Rio de Janeiro: Editora Vozes,
2011. p. 72 e segs.
44Cf KOPENAWA, D. & ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das
Letras, 2020.
45 Cf CABRAL, A. M. Niilismo e Hierofania: Uma abordagem a partir do confronto entre Nietzsche, Heidegger e a
tradição cristã – Nietzsche, cristianismo e o Deus não-cristão, volume 1. Rio de Janeiro: Mauad X, Faperj, 2014. 2v.
46CASANOVA, M. Existência e Transitoriedade: gênese, compreensão e terapia dos transtornos existenciais. Rio
de Janeiro: Via Verita, 2021.
47Autoria desconhecida, disponível em:
https://web.facebook.com/ix.luzdadeusa/photos/a.114730386829413/114729453496173/?_rdc=1&_rdr
48Como aponta Eduardo Viveiro de Castros, homem branco é o correlato de inimigo, a partir do epistemicídio dos
povos originários; homem branco é o contrário de Índio, povo amigo. CASTRO, E. V. O Recado da Mata. Prefácio
de: KOPENAWA, D. & ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das
Letras, 2020. p.12-3.
No império Inca, tudo girava em torno das folhas sagradas da coca. Eram usadas como
moeda de troca, como oráculo e, principalmente, em cerimônias ritualísticas para
contatos espirituais. Os sacerdotes, após mascarem as folhas entravam em êxtase com o
espírito “Cocamama”. Outra utilixação espiritual simples era o ato de jogar as folhas
no chão para invocar divindades, como Viracocha.
Ainda nos tempos antigos, no templo da Coca localizado no Perú os homens de medicina
utilizavam para o transe, para afastar espíritos maléficos e induzir sonhos sagrados. O
espírito da planta, Coca Mama, era honrado neste templo promovendo uma conexão
íntima com o sagrado feminino, com a energia solar, com a cura e contemplação.
Fato histórico é que o conquistador Pizarro, através de ordens aos soldados espanhóis,
destruiu o templo consagrado a essa divindade e ordenou que queimassem as plantações
para desestruturar o modo de vida da população nativa e inserir uma forma de trabalho
tão cruel quanto a escravidão da população africana.
Há, porém, uma lenda sobre a destruição do templo que diz que sacerdotes incas
amaldiçoaram os destruidores e seus descendentes. ‘Assim como o homem branco destrói
a folha da coca, a folha da coca destruirá o homem branco’. A Deusa se veste de branco,
assim como a pele dos que macularam seu templo, e inicia a vingança por todo ódio e
destruição.
A cocaína, não a coca, é uma maldição. A utilização da cocaína sim levará a destruição,
desagregação de relações interpessoais, problemas de família, convulsões e mortes,
tanto por overdose de usuários quanto pelos riscos de morte que correm milhares de
jovens em situação de vulnerabilidade atraídos pelo narcotráfico. O mesmo espírito que
inspira amor, elevação e contato com o divino trás as duras consequências para aqueles
que dão mau uso ao seu corpo sagrado.
Sabendo disso, reflita sobre como utilizamos as plantas de poder. O Pai Tabaco é
honrado? O Pai Rapé? Todas elas possuem os seus dois lados e o que determina qual
deles iremos acessar é o intuito com o qual nos apresentamos diante delas.”
Catarina Nhimbopyruá durante Vivência de Fitoterapia Indígena na Aldeia Tapirema. Créditos:
Vivência na Aldeia e Cultive Resistência.
52E, em específico, na “Sabedoria Vegetal” presente na Natureza, essa sabedoria é conhecida como “Medicinas da
Floresta” ou “Plantas de Poder”.
53 A prática curandeira é mais antiga do que a farmacologia técnica, vale ressaltar.
54Λόγος [logos]. Cf. HEIDEGGER, M. Logos (Heráclito, fragmento 50). In: Ensaios e Conferências. Petrópolis:
Editora vozes, 2012.
silêncio, se tornam canal de manifestabilidade da possibilidade de Ser cura
possível55 das plantas, por exemplo.
55Ainda a título de exemplo: podíamos falar da “cura através do som”, que a música xamânica e a tradição espiritual
Vedanta trazem, ao abrir harmonicamente a vida (o que talvez para a “civilização” seja mais fácil ter um vislumbre no
canto gregoriano no mosteiro São Bento ou em uma meditação em um templo budista); a cura através de banho, inalação
e defumação que o Candomblé e a Umbanda nos abrem através das Plantas etc. etc. Todas essas práticas são,
radicalmente, modos de desvelamento através da presença relacional humana com a Vida.
56 JARBAS, T. Hinário “Deus no Silêncio”. Origem Desconhecida, 2015. URL:
https://soundcloud.com/beijamima/37-deus-no-sil-ncio-tony
É no silêncio que Deus está
Com ele eu vou me encontrar
57Não como uma retomada, em movimento de cega nostalgia, mas abrindo ressonância com uma Tradição Outra.
Fundar o Outro Início através do diálogo com a pluralidade de tradições que resguardam Ser para além da civilização
ocidental Grega, possibilitando nos arejar ontologicamente.
Meto terno por diversão
É subalterno ou subversão?
Tudo era inferno, eu fiz inversão
A meta é o eterno, a imensidão
O Futuro É Ancestral.58
Ou não existirá.