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Tópico III -A METODOLOGIA E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

I- Introdução

Desde os primórdios da humanidade o ser humano sempre se questionou sobre a sua origem
ou até sobre a origem de tudo que existe a sua volta. Na tentativa de encontrar respostas para
as suas curiosidades, o homem acumulou conhecimentos sobre o ambiente que lhe rodeia, sobre
os mecanismos para a sua sobrevivência, sobre o cosmo e sobre os diversos fenómenos do seu
dia-a-dia.

Se alguém visitar uma aldeia africana sem nenhum posto de saúde e perguntar sobre o tipo de
medicamentos que os nativos usam, provavelmente um dos anciãos ira apontar diversos tipos
de árvores, mostrando a importância das raízes, folhas sementes, e a sua aplicação consoante
cada tipo de doenças.

Se por ventura questionarmos aos cristãos sobre a origem do Homem e do mundo,


categoricamente apresentarão explicações sobrenaturais ou divinas.

Portanto, as respostas ou explicações para as suas curiosidades que resultaram no vasto leque
de conhecimentos que hoje o ser humano possui, variam desde justificações sobrenaturais,
divinas ou impiricas até às de ordem filosóficas (os filósofos foram os primeiros que ligaram
os seus pensamentos com observações empíricas e práticas) ou então científicas (através de
metodologias transparentes).

Alicerçado nos factos acima apresentados, esta unidade pretende através da revisão
bibliográfica proporcionar aos estudantes as bases conceituais sobre o conhecimento e os
respectivos tipos, buscando destacar as características de cada um.

1. O que é o conhecimento?

O homem é, por natureza, um animal curioso. Desde que nasce interage com
a natureza e os objetos à sua volta, interpretando o universo a partir das
referências sociais e culturais do meio em que vive. Apropria-se do
conhecimento através das sensações, que os seres e os fenômenos lhe
transmitem. A partir dessas sensações elabora representações. Contudo essas
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representações, não constituem o objeto real. O objeto real existe
independentemente de o homem o conhecer ou não. O conhecimento humano
é na sua essência um esforço para resolver contradições, entre as
representações do objeto e a realidade do mesmo. Fonseca (2002, citado
por Gerhardt & Silveira, 2009, p.13)

Partindo da concepção acima, pode-se concluir que a existência do conhecimento surge


mediante a presença de dois elementos fundamentais: O sujeito cognoscente (homem como
animal curioso com faculdade de conhecer) e objecto cognoscível (objetos à sua volta que
se podem conhecer).
Assim, no cômputo geral, o conhecimento é a reprodução sensível (sensações, perceções e
representações) e conceptual (conceitos, juízos, deduções, hipóteses, leis e teorias científicas)
da realidade objetiva (ou seja, que existe fora e independentemente da consciência), natural e
social, efetuada pelo cérebro humano.

Para ser mais sintético, o conhecimento pode ser encarado como sendo a manifestação da
consciência de conhecer. De acordo com Tartuce (2006, citado por Gerhardt & Silveira, 2009)
ao viver, o ser humano tem experiências progressivas, da dor e do prazer, da fome e saciedade,
do quente e do frio, entre muitas outras. É o conhecimento que se dá pela vivência circunstancial
e estrutural das propriedades necessárias à adaptação, interpretação e assimilação do meio
interior e exterior do ser.

Dessa maneira, ocorrem, então, as relações entre sensação, percepção e conhecimento, sendo
que a percepção tem uma função mediadora entre o mundo caótico dos sentidos e o mundo
mais ou menos organizado da atividade cognitiva.

2. Tipos de Conhecimentos

2.1 Conhecimento Empírico, Popular ou Senso Comum

Geralmente o conhecimento empírico, popular ou de senso comum existe desde da antiguidade.


É um conhecimento vulgar que as pessoas adquirem na vida quotidiana, ao acaso, baseado
apenas na experiência vivida ou transmitida por alguém ou passadas de geração em geração, e
que, muitas vezes, deram origem a todos os outros tipos de conhecimento.
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A descoberta da agricultura, por exemplo, foi um dos maiores ganhos para a sobrevivência da
Humanidade. O homem deve ter conhecido a agricultura por acaso, mas a partir do momento
que dominou a arte de produzir alimentos, passou a ter, pela primeira vez, a possibilidade de
deixar de viver a custa da caça e da recoleção. A época certa de se semear e colher determinados
tipos de cereais é também um exemplo de conhecimento muito antigo, que foi passado de
geração em geração.

De acordo com Marconi & Lakatos, (2008) muitos camponeses, mesmo iletrados e desprovidos
de outros conhecimentos, sabem o momento certo da sementeira, a época da colheita, a
necessidade da utilização de adubos e os tipos de solos adequados para diferentes culturas. Do
mesmo modo, os pescadores conseguem prever a vinda de uma tempestade só de observar a
chegada de certas espécies de pássaros ou comportamento do mar ou das nuvens do céu.

Muitos acreditam que o melhor momento para tentar engravidar é durante a lua cheia. No que
respeita a possibilidade de ter uma menina, é maior se a relação sexual ocorrer durante a lua
crescente, e de ter um menino, se a relação ocorrer na fase minguante.

Todas essas formas de conhecimento popular, quando devidamente comprovados, podem ser
sistematizados e apropriados pela ciência. No entanto, existem certas práticas derivadas do
conhecimento popular que foram passadas de geração em geração, mas que não possuem cunho
científico- caso dos mitos ou superstições, por exemplo: As peneiras são usas como aviões
nocturnos pelos feiticeiros; A cannabis afugenta os maus espíritos; Sexta-feira 13 é dia de azar;
Em suma, acreditam em um tipo de conhecimento não sistematizado e sem preocupação com a
questão da verificabilidade, ou seja, típico do conhecimento popular ou senso comum. Dentre
as características destacamos:

 Valorativo porque é influenciado pelos estados de ânimo e emoções do observador, que


impedem uma isenção de opinião sobre o objecto estudado.
 Reflexivo porque a familiaridade com o objecto estudado não instiga à formulação de
padrões, não permitindo uma formulação geral.
 Assistemático porque baseia-se em uma organização particular (subjectiva), que
depende do sujeito.

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 Verificável, porém apenas em relação ao que pode ser observado, no dia-a-dia, dentro
do âmbito do observador, ou seja, a verificabilidade é subjetiva.
 Falível porque se conforma apenas com o que se vê ou se ouviu falar, não se
preocupando em buscar a verdade.
 Inexato, porquê a falibilidade não permite a formulação de hipóteses verificáveis sob o
ponto de vista filosófico ou científico.

2.2 Conhecimento Religioso ou teológico

No passado não haviam explicações científicas para os grandes fenómenos da natureza ou para
os acontecimentos históricos. Para buscar o significado desses fenómenos ou para justificar a
sua existencia as sociedades antigas baseavam-se em histórias de origem imaginativa. Essas
historias imaginativas denominam-se mitos que segundo a historiografia classica, tinham como
função explicar a formação da realidade pela intervencao dos seres sobrenaturais.

O conhecimento sobre a origem do universo era notável e naquela época não havia ainda uma
ciência formalizada. Tomamos a liberdade de reproduzir nesse texto uma das crenças
sobrenaturais sobre a origem de todas as coisas:

No princípio, criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e
havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face
das águas e disse Deus: Haja luz. E houve luz e viu Deus que era boa a luz; e
fez Deus a separação entre a luz e a trevas; e Deus chamou à luz Dia; e as trevas
chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. E disse Deus: Façamos
o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os
peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e
sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua
imagem; à imagem de Deus o criou, macho e fêmea os criou (Bíblia Sagrada,
Gênesis, 1º Cap)

Contudo, tal como atesta Santos (s/d) é importante ressaltar que mito e religião não são a mesma
coisa, embora todas as religiões tenham os mitos como origem. Enquanto na literatura mítica a
realidade e a fantasia se confundem, já no campo religioso os dogmas revelam um
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conhecimento organizado do mundo (de onde viemos, qual a finalidade e qual é o nosso destino
final).

A função do conhecimento religioso é, como em qualquer tipo de conhecimento, o de fornecer


respostas para nossas perguntas. Neste caso, não são perguntas científicas, mas perguntas
relacionadas às nossas dúvidas existenciais, aos nossos anseios, destinos e laços que nos
remetem uma entidade superior.

O Conhecimento religioso ou teológica parte da certeza de que Deus criou o universo e actua
sobre ele de forma providente. Como na filosofia, este conhecimento baseia-se, na razão lógica
e na abstracção, mas está assente sobre algumas verdades inquestionáveis chamadas dogmas.
Preocupa-se em dar sentido à realidade a partir da certeza da presença de Deus criador na sua
criatura. Dentre as características destacamos:

 Valorativo porque baseia-se em doutrinas que possuem proposições sagradas


(dogmas), que emitem um juízo de valor.
 Inspiracional, porque é revelada pelo sobrenatural.
 Sistemáticos porque os dogmas revelam um conhecimento organizado do mundo (de
onde viemos, para qual finalidade e para que destino).
 Não verificável, porque não precisa, por depender da fé em um criador divino.
 Infalível e exato, porque os dogmas (revelações divinas) não podem ser discutidos.

3. Conhecimento filosófico

O conhecimento filosófico é baseado na reflexão e na construção de conceitos ou ideias a partir


do uso do raciocínio logico e na abstração em busca do saber. Este tipo de conhecimento procura
desenvolver explicações a partir da razão, mas dispensa a necessidade de verificação científica
por dois motivos listados aqui: o seu objecto de estudo são os próprios conceitos, e finalidade
é apenas critica (encontrar respostas sem necessariamente comprovar algo)

O conhecimento filosófico preocupa-se pelo porque das coisas, a sua razão de ser e o seu sentido
para o próprio homem. De acordo com Gerhardt & Silveira (2009) é o conhecimento
especulativo sobre fenômenos, gerando conceitos subjetivos, busca dar sentido aos fenômenos
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gerais do universo, ultrapassando os limites formais da ciência. Dentre as características
destacamos:

 Valorativa porque parte de hipóteses que não podem ser submetidas à observação,
ou seja, baseia-se na experiência, na argumentação, mas não na experimentação.
 Racional por consistir de um conjunto de enunciados logicamente relacionados. É
sistemático pelo fato das hipóteses e enunciados buscarem uma representação coerente
e geral da realidade estudada.
 Não verificáveis porque as hipóteses filosóficas, ao contrário das científicas, não
podem ser confirmadas nem refutadas.
 Infalível e exato porque as hipóteses filosóficas não exigem confirmação
experimental e não delimitam o campo de observação, exigindo apenas coerência e
lógica, que prescindem da experimentação.

4. Conhecimento Cientifico

De acordo com Júnior (1989, citado em Santos, s/d), o conhecimento científico começa a partir
do momento em que as explicações saem do campo da opinião ou especulação e entram no
mundo do método da ciência. A partir do momento em que informações não sistematizadas e
fragmentadas começam a ser justificadas por meio de argumentos aceitáveis, o senso comum
começa a evoluir em direcção à ciência.

Para Gerhardt & Silveira (2009) a evolução de senso comum para conhecimento científico
passa pela determinação de um objecto específico de investigação e de um método para essa
investigação. Os mesmos autores consideram também que, o conhecimento científico se dá à
medida que se investiga o que se pode fazer sobre a formulação de problemas, que exigem
estudos minuciosos para seu equacionamento.
Utiliza-se o conhecimento científico para se conseguir, por intermédio da pesquisa, constatar
variáveis. As variáveis são a presença e/ou ausência de um determinado fenômeno inserido em
dada realidade. Essa constatação se dá para que o estudioso possa dissertar ou agir
adequadamente sobre as características do fenômeno que o facto apresenta

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Marconi e Lakatos (2008) afirmam que o conhecimento científico é basicamente factual
(baseado em factos), mas também pode ser racional e formalizado (caso da Lógica e da
Matemática). Segundo eles, a ciência factual distingue dois tipos de factos: os factos naturais
(que deram origem às ciências exatas, biológicas, da terra e da saúde) e os factos sociais (que
deram origem às ciências humanas, tais como a Sociologia, a Antropologia, o Direito, a
Economia, a Psicologia, a Educação, a Política etc).

Por sua vez o Gil (2008) considera a ciência como uma forma de conhecimento que tem por
objectivo formular, mediante linguagem rigorosa e apropriada - se possível, com auxílio da
linguagem matemática -, leis que regem os fenômenos. Segundo ele, embora sendo as mais
variadas, essas leis apresentam vários pontos em comum: são capazes de descrever séries de
fenômenos; são comprováveis por meio da observação e da experimentação; são capazes de
prever - pelo menos de forma probabilística - acontecimentos futuros.

Características do conhecimento científico:

 O conhecimento científico é objectivo porque descreve a realidade independentemente


dos caprichos do pesquisador.
 É racional porque se vale sobretudo da razão, e não de sensação ou impressões, para
chegar a seus resultados.
 É sistemático porque se preocupa em construir sistemas de ideias organizadas
racionalmente e em incluir os conhecimentos parciais em totalidades cada vez mais
amplas.
 É geral porque seu interesse se dirige fundamentalmente à elaboração de leis ou normas
gerais, que explicam todos os fenômenos de certo tipo.
 É verificável porque sempre possibilita demonstrar a veracidade das informações.
 É falível porque, ao contrário de outros sistemas de conhecimento elaborados pelo
homem, reconhece sua própria capacidade de errar.

5. Resumo sobre as características de cada tipo de conhecimento

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Empírico/Popular/Se Teológico ou Filosófico Cientifico
nso Comum Religioso

Valorativo Valorativo Valorativo Real ou factual

Reflexivo Inspiracional, Racional Racional

Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático

Verificável, Não verificável Não verificáveis Verificável,

Falível Infalível e exato Infalível e exato Falível e


aproximadamente
exato

VI- Referencias Bibliográficas e leituras recomendadas

1. Gerhardt, T, Engel & Silveira, D,Tolfo (2009) Método de Pesquisa. Rio Grande do
Sul: UFRGS Páginas: pp 11-29
2. Gil, A. Carlos. (2008). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Editora
Atlas. Páginas: pp 01-06
3. Marconi, M. de Andrade; Lakatos, E. Maria (2008). Fundamentos de metodologia
Científica. 6. ed. São Paulo: Atlas; Páginas: pp 75-81
4. Santos, Carlos José G (s/d) Metodologia Científica in www.oficinadapesquisa.com.br,
acesso aos 15/05/22 Páginas: pp 01-15

Exercícios e trabalhos práticos

1. Dê exemplos de conhecimentos derivados da intuição, da tradição, da autoridade da


ciência.
2. Considere como o tema "vida" é analisado diferentemente por filósofos, cientistas,
poetas, sacerdotes e pessoas comuns.
3. Identifique algumas "verdades" amplamente reconhecidas que se justificam apenas pelo
argumento da autoridade.

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4. Analise a expressão: "A ciência, ao contrário de outros sistemas elaborados pelo
homem, reconhece sua capacidade de errar."
5. Relacione certo número de ciências e, a seguir, procure definir seus objetos.
6. Analise em que medida o conhecimento sociológico é objetivo, racional, sistemático,
geral, verificável e falível.

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