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Austríaco Filósofo da Ciência (1924-1994)
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Adeus à Razão, p. 18-19
(como muitos atribuem a Feyerabend), mas legitimar todo tipo de método a fim de eliminar a
máquina da monotonia que direciona o mundo para a mesmice científica. O manifesto de
Feyerabend é deixar de dar razão a quem vive preso num laboratório a quilômetros de
distância e ouvir as pessoas que vivem ao nosso redor e que entendem, mais do que qualquer
um, a vida que possuem.
I Percepção
Para que tenhamos uma teoria do conhecimento, primeiro precisamos entender o
mundo que queremos conhecer. E esse mundo está infestado de eventos. Para qualquer
direção que olharmos, existe eventos acontecendo. A luz entra por uma janela aberta, essa
mesma luz que ilumina a cama e seus cobertores, as cores dos lençóis que só poderiam ser
visualizadas dessa forma devido à luz que escapa pela janela aberta. São inúmeros.
Entretanto, essa mesma infinidade de eventos não seriam percebidos e, consequentemente,
entendidos da mesma forma se outro indivíduo estivesse assistindo. Principalmente se este
indivíduo fosse de outro país, tivesse outra cultura, falasse outro idioma ou até mesmo se este
evento estivesse acontecendo em um século passado. “Nem todos vivem no mesmo mundo”
(Ibid., p. 127). Como poderíamos então esperar que todos percebam as coisas da mesma
forma? A própria linguagem tempera a compreensão do mundo de uma forma que, dizer do
mundo em que vivo só poderia ser compreendido por aqueles que compreendem o que eu
digo, ou seja, por aqueles que compartilham da mesma linguagem.
Os índios Delaware... abordam o mundo como pintores que usam um pincel
diferente, cores diversas e um tipo diferente de pincelada para cada episódio da
neve. Eles não só não conseguem perceber “a neve”, mas não podem sequer
imaginar que “ela” existe. (Ibid., p. 128).
Como fazer entender que a neve “nada mais é” do que a precipitação da água em
estado sólido, que é uma etapa do ciclo hidrológico que acontece no mundo inteiro e que,
dado ao clima frio da região numa determinada época, não precipita em forma de chuva, pra
uma sociedade que nem ao menos entende o que é neve? Como é possível afirmar que,
irrefutavelmente, esse “progresso” na compreensão irá melhorar a vida dos índios? E como
introduzir isso sem eliminar a forma como eles percebem o mundo?
II Conhecimento
Conhecer o mundo é interpretar o mundo 3. Todo fenômeno meteorológico tem uma
interpretação própria para cada civilização da antiguidade, e as interpretações, por mais
mitológicas e fantasiosas, tem relevância e utilidade para eles. Tribos indígenas brasileiras
consideram a terra como sendo um reflexo do céu e todo o conhecimento que eles precisam
para o plantio, colheita e caça é dado pela interpretação dos fenômenos celestes. 4 A
3
Ibid., p. 129
4
Cf. AFONSO, Germano Bruno. O céu dos índios do Brasil. 2004.
interpretação, que está intrinsecamente interligada com a linguagem, necessariamente possui
caráter subjetivo, e os elementos subjetivos desse conhecimento tornam-se rotina, à medida
que ele é introduzido na cultura.
A nova maneira de olhar pode interferir de tal forma que o reconhecimento
passa a ser impossível sem ela – ela agora é “parte da realidade” – ou, para virar o
argumento ao contrário, a “realidade” original era uma visão “subjetiva”, mas
popular. (Adeus à Razão, p. 131).
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Platão e Feyerabend criticam a escrita por motivos diferentes. Platão privilegia a interação social porque é nela
que se manifesta a dialética, sendo esse, para ele, o único caminho para a Verdade. Já Feyerabend dá ênfase ao
relativismo que se manifesta nessa interação, longe de guiar os indivíduos para uma única possibilidade de razão.
considerações usuais, abdicar da história, da situação e dos vários elementos interpessoais que
culminaram na teoria científica é abdicar da própria humanidade. E, “um procedimento cujo
objetivo principal é livrar-se de todos os elementos humanos com certeza irá levar a ações
desumanas.” (Ibid., p. 355, grifo meu).
III Forma
O conhecimento possui várias formas, mas basicamente consiste numa ordenação de
eventos (Feyerabend, 1987), e as histórias (ordenação de eventos temporais), tiveram muita
importância na formação das relações sociais, astrológicas, biológicas e teóricas da
antiguidade. 6 Essa forma de conhecimento (na antiguidade grega, histórias como a Odisséia e
a Ilíada eram transmitidas através da oralidade) possuía uma diferença particular com relação
à abordagem teorética da filosofia. Conceitos como coragem, justiça e sabedoria em Homero
apresentavam-se através das atitudes das personagens. Não era Homero quem fazia o juízo
dessas atitudes (como comumente percebemos nos mais diversos artigos filosóficos e
científicos. O autor nos dá a definição pronta dos conceitos para que possamos engolir com
mais facilidade), mas os próprios ouvintes percebiam os limites das virtudes. “Os conceitos
introduzidos assim não são entidades abstratas e nem separados das coisas. São aspectos
delas.” (Adeus à Razão, p. 138). A separação veio acontecer quando da tentativa dos filósofos
gregos de dar conta, através da própria racionalidade, do cosmos. Quiseram eles resolver os
problemas da abundância de definições e da complexidade do mundo, “simplificando-o” por
meio de conceitos abstratos, anistóricos e apartados da humanidade. Perceberemos adiante as
problemáticas dessa atitude.
IV Racionalismo Ocidental
Os filósofos gregos da antiguidade (os precursores do dito racionalismo ocidental)
iniciaram um movimento intelectual que ia de encontro com a postura social e intelectual da
tradição. Rejeitavam a ideia de que o mundo era abundante e complexo, como era até então 7,
para declará-lo “simples, uniforme, sujeito a leis universais estáveis e o mesmo para todos”
6
Adeus à Razão, p. 137
7
Na realidade, ele permaneceu abundante e complexo. Os chamados “muitos”, os não-filósofos, continuavam a
perceber o mundo como a tradição declarava. Por mais difundidos ou por mais geniais que pudessem parecer, os
conceitos filosóficos não se integravam ao hábito popular. A simplicidade do cosmos restringia-se à mente dos
racionalistas. Mais sobre, cf. Adeus à Razão, p. 142 e nota de rodapé 18.
(Ibid., p.140). E para tal feito, assim como guerreiros que invadem, saqueiam e transformam
um território que desejam dominar, os filósofos utilizaram a sua arma: a palavra.
Uma grande quantidade de sua obra (e da obra de cientistas desde Descartes
e Galileu até nossos ganhadores do prêmio Nobel e inclusive eles) consistia em
combater, ridicularizar e, se possível, eliminar as idéias e práticas que, embora bem
estabelecidas, bem-sucedidas e vantajosas para muitas pessoas, não estavam de
acordo com seus padrões idiossincráticos. (Ibid., p. 141).
Feyerabend nos apresenta que o conhecimento teórico dos filósofos antigos não é tão
anistórico quanto se presumia. Assim como qualquer manifestação da percepção que tenta dar
razão ao mundo – até mesma esta que pretende, com todo seu aparato lógico e argumentativo,
apartar-se da humanidade e construir uma razão universal e eterna – passa pelo crivo da
subjetividade; sendo, portanto, histórica:
As tradições teóricas são opostas às tradições históricas [tradições do senso
comum] em intenção, mas não de fato. Ao tentar criar um conhecimento que difere
do “mero” conhecimento histórico ou empírico, elas conseguiram encontrar
formulações (teorias, fórmulas) que parecem objetivas, universais e logicamente
rigorosas, mas que são usadas e, no uso, são interpretadas de uma maneira que entra
em conflito com todas essas propriedades. O que temos é uma nova tradição
histórica, que, levada adiante por uma falsa consciência de bom tamanho, parece
transcender a percepção, a opinião e a própria vida humana.
8
Cf. Adeus à Razão, p. 143 e nota de rodapé 19.