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Fernando Barros
Fortaleza – Ceará
2017
A questão da percepção
A questão do cinema
Dada a discussão exposta na seção anterior sobre as distintas teorias da percepção,
uma do ponto de vista da psicologia clássica e outra da psicologia moderna, seguem-se aqui
considerações feitas mais precisamente a cerca da estrutura da linguagem cinematográfica e
como a nova psicologia fornece ferramentas para compreendermos com clareza essa estrutura.
O que devemos considerar de início é que um filme não é uma sequência de imagens
isoladas, mas uma “forma temporal” (Merleau-Ponty, 1983, p. 110). Não percebemos um
filme como se este fosse uma galeria de arte e as cenas fossem as obras – independentes e
desconexas –, mas como uma música: com suas notas, uma precedida da outra, interagindo
entre si e construindo a melodia, construindo o filme. É nossa percepção da realidade
enquanto partes conectadas que nos possibilita perceber a estrutura de significado que existe
entre as cenas de um filme; é quando um mesmo plano, precedido mais de uma vez por planos
diferentes, ganha significados diferente. Só podemos compreender uma cena dado o sentido
fornecido pela cena anterior. Não existem cenas isoladas que transmitem para nós um
significado único, imutável; mas o benefício acumulativo de significado proporcionado pelo
sequenciamento das cenas, que culmina na intenção do filme. A contribuição do significado
também se faz presente na duração das cenas. Cenas mais dramáticas, expressões de dor e
tristeza exigem quadros mais lentos enquanto cenas mais animadas, alegres e felizes, cenas
rápidas.
Esse efeito produzido é a imersão que sentimos quando assistimos a um filme. Ele nos
leva pela película e, suspensos da nossa realidade, imergimos na realidade cinematográfica,
como se estivéssemos ali a viver o filme sem nem ao menos nos darmos conta disso. Uma
montagem que peca na fluidez da transição dos planos evidencia os artifícios de construção da
linguagem cinematográfica e impossibilita que este efeito de imersão aconteça. Se a ligação
das partes que compõe o todo é rompida, a nossa percepção da realidade fica comprometida.
Não é somente à imagem que devemos congratular esse efeito, mas o som trabalha
conjuntamente com ela à medida que esse se aproxima da proposta linguística da imagem
cinematográfica, transformando-a a cada cena. Ela age como potencializador do efeito
imagético. Os diálogos, os silêncios e as trilhas sonoras proporcionam um ambiente favorável
para, com a imagem, efetivar o efeito cinematográfico. Sempre um trabalhando em relação ao
outro, pois “no cinema, a palavra não tem a missão de aduzir ideias às imagens e, nem a
música, sentimentos. O todo nos comunica qualquer coisa bem determinada, não se tratando
de um pensamento, nem de uma evocação dos sentimentos da vida” (Ibid., p. 114).
O filme quer nos comunicar nada mais do que ele próprio. Os efeitos linguísticos
exibidos na película têm como propósito evidenciar-se tanto quanto a realidade evidencia o
mundo. As ideias emergem não das imagens, dos sons, como se cada um estivesse ali para
transmitir seu sentido, mas da estrutura temporal construída ao longo da película. O filme
dirige-se “ao nosso poder de decifrar tacitamente o mundo e os homens e de coexistir com
eles”. (Ibid., p. 115). Longe de pensá-lo; assim como o mundo, nós, humanos, percebemos o
filme.
E assim como a psicologia percebe os sentimentos através de comportamentos,
percebemos os estados físicos e emocionais das personagens pelo comportamento que
possuem no filme. Não se propondo a transmitir ou explicar a natureza humana assim como a
literatura fez por muito tempo, o cinema exibe uma realidade de interação de consciências, de
relação entre eus e o mundo, assim como as filosofias e psicologias contemporâneas propõem:
perceber e compreender o que somos a partir da nossa interação com o meio em que
existimos.