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Introdução

Caro aluno, seja bem-vindo à disciplina de Semiótica e Percepção visual.


Nesta unidade, apresentaremos uma visão preliminar acerca da
percepção, com ênfase na visual, tratando-a como meio para obtenção de
conhecimentos do mundo que nos rodeia; introduziremos noções gerais
sobre a semiótica, explicando do que se trata essa jovem ciência e
demonstrando sua importância prática para o desenvolvimento de projetos
em design; faremos um breve apanhado sobre a vida e a obra do
semioticista Charles Sanders Peirce; por fim, apresentaremos conceitos
próprios da semiótica peirceana, essenciais para a compreensão de seu
sistema de pensamento.

O que é Percepção?
A percepção é uma função que faz a mediação entre a consciência e um
pressuposto mundo exterior, por meio da interpretação de dados
sensoriais. Assim, a visão de um objeto seria a recriação mental de sua
imagem a partir dos dados fornecidos pelo olho.

Figura 1.1: percepção distorcida pela refração

Fonte: Stevepb / Pixabay.

Sob uma perspectiva empirista, a percepção ocorreria de maneira


semelhante à descrita no trecho a seguir:

A luz é refletida pela superfície dos objetos no ambiente físico


e atinge os olhos, onde irrita as células das retinas de tal
modo que provoca impulsos nos nervos óticos. Os nervos
óticos transmitem esses impulsos para a região do córtex
cerebral, que processa os dados visuais, onde estimulam
certos tipos de atividades. Como resultado, de maneira ainda
misteriosa para a ciência e a filosofia, “quadros móveis”
coloridos surgem na consciência do sujeito, representando o
mundo externo. Essa operação é repetida, mutatis mutandis,
nas outras modalidades sensoriais, audição, olfato, paladar e
tato, suscitando percepções de harmonias e melodias,
perfumes e sabores picantes, suavidade, maciez, calor - e
assim por diante (GRAYLING, 2010, p. 52).

Podemos, de fato, saber se os dados fornecidos pelos sentidos


correspondem aos objetos do mundo? O reconhecimento do processo
descrito no exemplo não garante que o que percebemos corresponda ao
mundo exterior. É sabido, por exemplo, que a correspondência é falsa
quando estamos sonhando ou sofrendo alucinações. Tal argumento,
inclusive, é um modelo recorrente às objeções dos céticos à possibilidade
de conhecer por meio dos sentidos.

Simon Blackburn aponta algumas propriedades atribuídas à percepção


que são problemáticas, mas que costumamos tomar por verdadeiras,
dentre elas, a ideia de que “estamos conscientes das suas “qualidades
sensíveis”: as cores, os sons, os sabores, os cheiros, o calor que sentimos
e as formas e posições dos objetos que nos rodeiam” (BLACKBURN,
1997, p. 293). A cor existe no mundo exterior ou é apenas uma criação da
nossa forma de percebê-la? E os sons, sabores e cheiros, existem fora da
percepção?

Saiba mais
Você acha que a cor é algo que existe no mundo exterior à consciência ou
é apenas um produto de nossa mente? Para saber mais sobre esse
assunto, acesse a matéria A cor não existe: o que você vê é luz, de
Stephanie D’Ornelas.

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Percepção Visual: as cores


Diferente do que a nossa percepção da cor indica, na física, a progressão
do comprimento de onda é contínua, sem que haja nenhuma demarcação
entre as faixas de frequência que interpretamos como passagens entre um
tom e outro. A distinção que fazemos entre uma cor e outra consiste em
fronteiras inexistentes fora do campo da percepção.

A percepção é uma função complexa. Além de ser um processo


determinado biologicamente pela seleção do aparato perceptivo da
espécie humana. Há ainda o condicionamento dessa percepção pelas
experiências culturais vividas pelo sujeito.

Falantes de diferentes línguas unanimemente consideram


esses tons os melhores exemplos de suas palavras para cor,
desde que a língua tenha uma palavra para a cor desse setor
do espectro. E, quando as línguas diferem nas suas palavras
para as cores, diferem de forma previsível, e não de acordo
com o gosto idiossincrático de algum cunhador de palavras
(PINKER, 2004, p. 68).

Então, a percepção da cor não se restringe à sensação da cor, ela é


ampliada pela capacidade do homem de distingui-la das demais, o que
advém do ambiente cultural que o indivíduo está inserido. Contudo, não
estamos nos referindo à uma suposta primazia da linguagem verbal na
formação da percepção. Como observa Pinker (2004, p. 69), “a maneira
como vemos cores determina como aprendemos as palavras para elas e
não o contrário”.

Percepção Visual: luz e sombra


Ao contrário da percepção da cor, a presença ou ausência de luz é um
fenômeno físico verificável experimentalmente. Portanto, a percepção de
claro e escuro coincidem com a presença em maior ou menor intensidade
de radiação luminosa, sendo refletida pelo objeto observado — o que,
contudo, não impede que essas representações possam provocar enganos
no indivíduo.

Percepção Visual: visão estereoscópica


A distância entre os nossos olhos permitem que enxerguemos o mesmo
objeto a partir de perspectivas diferentes. Essa diferença serve para que
possamos ter uma melhor noção de profundidade de um objeto.

Como notou Charles Wheatstone, o descobridor da estereoscopia:

[...] É impossível para o artista obter uma representação fiel de


qualquer objeto sólido próximo, ou seja, produzir uma pintura
que não se distinga, na mente, do próprio objeto. Quando a
pintura e o objeto são vistos com os dois olhos, no caso da
pintura duas imagens semelhantes projetam-se sobre a retina,
no caso do objeto sólido as duas imagens são
dessemelhantes; existe, portanto, uma diferença essencial
entre as impressões nos órgãos dos sentidos nos dois casos
e, em consequência, entre as percepções formadas na mente;
por isso, a pintura não pode ser confundida com o objeto
sólido. (WHEATSTONE apud PINKER, 2012, p. 236).

Figura 1.2: óculos 3D exibem imagens diferentes para cada um dos


olhos com auxílio dos filtros vermelho e azul

Fonte: Mediamodifier / Pixabay.

Quem já assistiu a um filme em 3D ou observou uma imagem


estereoscópica experimentou uma ilusão de tridimensionalidade forjada
com recursos bidimensionais. Recurso que consiste em apresentar
imagens diferentes para cada um dos olhos, de modo que o cérebro as
interprete como profundidade.

Saiba mais
A Gestalt é um conjunto de princípios oriundos da psicologia que aborda a
percepção de uma maneira diferente da apresentada neste material. O
material sugerido a seguir faz uma breve apresentação sobre a Gestalt
para que você possa expandir seus conhecimentos sobre a percepção.
Para saber mais, acesse a matéria O que é Gestalt ?.

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Vamos Praticar
Em seus estudos, você teve contato com noções básicas acerca da
percepção e de como esse problema se relaciona com a possibilidade
de termos acesso à realidade objetiva.

A partir dos conteúdos estudados sobre percepção, assinale (v) para as


afirmações verdadeiras e (f) para as falsas.

( ) É consenso entre os filósofos que a realidade objetiva é


representada com exatidão pelos sentidos, o que nos fornece uma visão
inequívoca acerca do mundo exterior.

( ) As cores são encontradas no mundo da mesma maneira que as


percebemos, portanto, é correto dizer que um indivíduo que sofre de
daltonismo é alguém que enxerga as cores de forma incorreta.
( ) A única função para termos dois olhos é a de evitar a cegueira total,
caso sofrêssemos uma lesão em um deles. Com a perda de um dos
olhos, a única alteração em nossa percepção é a diminuição do campo
de visão.

( ) Nossos sentidos podem ser enganados, portanto, podemos presumir


que o nosso acesso ao mundo para além do que percebemos é, no
mínimo, impreciso.

Agora assinale a sequência que corresponde às respostas assinaladas:

V, V, V, V.

F, F, V, V.

V, V, F, F.

F, F, F, V.

F, V, F, F.

O que é Semiótica e
para que ela Serve?
Você já deve ter ouvido falar em linguística, certo? Linguística é uma área
da ciência que estuda as línguas e a linguagem verbal. A semiótica, por
sua vez, pode ser entendida como uma linguística expandida, que trata
não somente de signos verbais (palavra falada e escrita), mas também dos
não verbais (imagens, sons, formas, cheiros e tudo o que se apresenta à
consciência). Portanto, a semiótica pode ser compreendida como “a
ciência geral de todas as linguagens” (SANTAELLA, 1983, p. 1).
Para compreender melhor ao que nos referimos quando falamos em “todas
as linguagens”, é preciso introduzir a noção de linguagem não verbal. A
linguagem não verbal é aquela que se manifesta por meio de outros signos
que não palavras - pode ser um gesto, um desenho, uma melodia, uma
placa de trânsito etc. Então, quando falamos em semiótica, falamos em
uma ciência que trata da comunicação de forma irrestrita, abarcando não
só a linguagem falada e escrita, como outras formas de linguagem.

Alguns autores têm objeções quanto a essa definição, com alusões à


linguística, contudo, como forma de introduzir a matéria, penso que seja
válido apresentar-lhes um conceito preliminar, que depois possa ser
desconstruído e problematizado de acordo com as necessidades que
surgirem.

Figura 1.3 - Placa: proibido buzinar

Fonte: Gigillo83 / Wikimedia Commons.

A placa que se vê na Figura 1.3 indica que é proibido buzinar no local em


que ela é colocada, sem que seja necessário o uso de nenhuma palavra.
Para que se tornem compreensíveis, basta que haja uma convenção de
que placas que sigam esse padrão deverão ser lidas dessa maneira.

Mas nem toda linguagem não verbal depende de convenções para ser
compreendida. O desenho de um cachorro, por exemplo, representa o
animal sem que seja necessário estabelecer qualquer tratado linguístico. A
figura se reconhece no animal pela semelhança visual entre os dois.

As expressões faciais de uma pessoa também têm capacidade de


comunicar sem que seja necessário estabelecer um código de maneira
formal. Expressões espontâneas, como o sorriso, foram selecionadas em
nossa história evolutiva e podem ser observadas em várias populações
humanas ao redor do mundo (DARWIN, 2009, p. 116), mesmo aquelas
que não tiveram contato entre si, o que sugere que essas expressões
possam ser comportamentos inatos.

Saiba mais
A visualização de dados é um problema emergente diante da grande
quantidade de informações que lidamos em função das possibilidades
trazidas pelas novas tecnologias.

O site abaixo traz um belo exemplo de como visualizar dados de forma


dinâmica, associando recursos da linguagem não verbal com linguagem
verbal, de modo a otimizar o acesso à informação.

Observe como as barras na timeline , organizadas por cores, ajudam a


contextualizar os períodos históricos em que personagens importantes da
história da humanidade viveram. Para saber mais, acesse o material
indicado.

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Para que serve a Semiótica?


Como ciência geral das linguagens, a semiótica serve para compreensão
destas nos mais diversos fins. Uma boa análise semiótica permite que se
compreenda textos a partir dos diversos tipos de signos que os compõem.

No design, a análise semiótica é importante para que o designer possa


planejar os signos que está produzindo, de modo que o produto por ele
criado comunique adequadamente o que se propõe. A semiótica não
fornece regras para a elaboração de produtos, apenas dá ao designer
ferramentas para que ele tenha consciência das decisões que toma.

Vamos Praticar
A linguística trata exclusivamente da linguagem verbal, enquanto a
semiótica abarca as linguagens não verbais, o que inclui desenhos,
músicas, artes diversas, objetos, sinalizações etc.
Analise as asserções a seguir:

I - Semiótica é a ciência geral das linguagens.

Porque

II - Contudo, as linguagens verbais não são objetos da semiótica, pois


são tratados exclusivamente pelo campo da linguística.

As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II é uma


justificativa correta da I.

A asserção I é uma proposição verdadeira e a asserção II é uma


proposição falsa.

As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é


uma justificativa correta da I.

A asserção I é uma proposição falsa e a II é uma proposição


verdadeira.

As asserções I e II são proposições falsas.

Sobre Charles Sanders Peirce

Nascido em Cambridge, Massachusetts, no ano de 1839, filho do professor


de matemática em Harvard, Benjamin Peirce, Charles Sanders Peirce foi
um polímata, com contribuições importantes para diversas áreas do
conhecimento, dentre elas a matemática e lógica, destacando-se,
sobretudo, por ter sido o fundador do pragmatismo (LECHTE, 2002, p.
166).

Figura 1.4 - Charles Sanders Peirce


Fonte: Adam Cuerden / Wikimedia Commons.

[Sua casa era] uma espécie de centro de reuniões para onde


naturalmente convergiam os mais renomados artistas e
cientistas. Portanto, desde criança, o pequeno Charles já
conduzia sua existência num ambiente de acentuada
respiração intelectual. É por isso que químico ele já era, desde
os seis anos de idade. Aos 11 anos escreveu uma História da
Química; e em Química se bacharelou na Universidade de
Harvard. (SANTAELLA, 1983, p. 3).

Apesar de ter uma produção textual intensa, com mais de dez mil páginas
impressas, Peirce “jamais publicou um livro técnico de fôlego sobre
qualquer dos seus assuntos favoritos. [...] Não existe, em suma, nenhum
documento peirceano sistemático e definido sobre a natureza dos signos”
(LECHTE, 2002, p. 167).

Pragmatismo
Um dos feitos notáveis de Peirce é criação do pragmatismo, uma filosofia
do significado e da verdade (BLACKBURN, 1997), que visava resolver o
problema da articulação entre teoria e prática (GRANDIM, 2008, p. 92). O
pragmatismo parte de uma concepção de verdade baseada na noção de
falibilismo, isto é, na noção de que o alicerçamento de nossas crenças em
verdades últimas é desnecessário.

Em suma, o pragmatismo é a concepção de que podemos adotar


verdades, assumindo que elas podem não ser tão corretas como
gostaríamos. Essa posição se coloca entre o dogmatismo, que assume
uma noção rígida de verdade, e o ceticismo, que é a negação de que o
conhecimento racional seja possível.

Vamos Praticar
Leia o excerto a seguir:
“Podemos, justificadamente, ficar satisfeitos com nossas crenças,
mesmo que exista a possibilidade de novos dados nos forçarem a rever
a nossa opinião. Na verdade, como estamos sempre nessa posição,
seremos conduzidos ao ceticismo se não a aceitarmos” (BLACKBURN,
1997, p. 142).

À concepção descrita anteriormente damos o nome de:

Semiótica.

Falsificabilidade.

Falibilismo.

Ceticismo.

Nominalismo .

Conceitos
Elementares da
Semiótica Peirceana
Neste capítulo, faremos um breve apanhado de conceitos-chave para a
compreensão da semiótica peirceana. Introduziremos os conceitos sem
nos aprofundarmos muito em cada um deles, apenas para estabelecer um
panorama das classificações da semiótica peirceana.

Signos
Um signo é algo que representa um objeto para um interpretante. Na
concepção peirceana, tudo é signo, uma vez que tudo o que é percebido é
a representação de algo à consciência.

Figura 1.5 - A fumaça é índice de fogo

Fonte: Mkphotoshu / 123RF.

Quanto à classificação dos signos, Peirce definiu três tricotomias (divisões


em três partes). A primeira tricotomia é relativa à propriedade do signo em
si mesmo; a segunda tricotomia diz respeito à relação do signo com seu
objeto e a terceira tricotomia trata da relação do signo com o interpretante.

1 Qualisigno Sinsigno Legisigno


ª

2 Ícone Índice Símbolo


ª

3 Rema Signo dicente Argumento


ª

Quadro 1.1 - As três tricotomias dos signos de Peirce (2012).

Fonte: Elaborado pelo autor.


Na primeira tricotomia, temos o qualisigno , que é uma qualidade; o
sinsigno , que é um evento real e único; e o legisigno que é uma lei. Na
segunda tricotomia, temos o ícone , que representa o objeto por
semelhança; o índice, que dá indício da existência do objeto; e o símbolo ,
que é estabelecido por convenção. E na terceira tricotomia, temos o rema ,
que é uma possibilidade qualitativa para o seu interpretante; o signo
dicente , que remete à uma existência real; e o argumento , que é o signo
da lei para o interpretante (PEIRCE, 2012, p. 53).

Vamos Praticar
Peirce dividiu suas categorias de signos em três tricotomias. A primeira
refere-se à propriedade do signo em si; a segunda, à relação do signo
com o seu objeto, e a terceira, a relação do signo com o seu
interpretante.

São signos da segunda tricotomia:

( ) Qualisigno, sinsigno e legisigno

( ) Ícone, índice e símbolo.

( ) Rema, signo dicente e argumento.

( ) Qualisigno, ícone e rema.

( ) Sinsigno, índice e signo dicente.

indicações
Material
Complementar
LIVRO

“Semiótica Aplicada”

Lúcia Santaella

Editora: Thomsons Learning

ISBN: 8522102767

Comentário: no livro “Semiótica Aplicada”, da editora Thomson, Lúcia


Santaella dá orientações importantes para os designers que pretendem
realizar projetos ou para aqueles que querem realizar a análise semiótica de
produtos. O desenvolvimento da compreensão a partir da perspectiva
semiótica é parte essencial da formação do designer, que precisa ter
consciência acerca dos signos que cria em sua atividade projetual.

FILME

The Witness” (curta da série Love, Death +Robots, da Netflix)

Ano: 2019

‍Comentário: indico esse curta em função da análise feita pelo canal do


YouTube Mimimidias, que faz uma análise do olhar a partir da obra,
analisando-a com base em textos de Bell Hooks e John Berger. Assista à
análise feita pelo canal no link abaixo e, se possível, assista também ao
curta na Netflix.

TRAILER

Conclusão
As noções básicas de semiótica e de percepção visual apresentadas
nessa unidade são fundamentais para a compreensão dos
desenvolvimentos que delas decorrem.

A semiótica peirceana não pode ser compreendida sem a devida


contextualização, que inclui reflexões acerca da sua concepção realista de
verdade. A retomada de conceitos filosóficos que estavam em discussão
quando Peirce desenvolvia suas ideias contribui para a compreensão do
que estava em jogo naquele momento, bem como a emergência do
problema do conhecimento é importante quando tratamos de percepção.

O estudante, munido das noções básicas aqui apresentadas, tem uma


espécie de bússola para orientá-lo em incursões mais profundas nas
teorias apresentadas.

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